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FRUSTRAÇÃO DE DIREITO
ASSEGURADO POR LEI
TRABALHISTA

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77.1 CONCEITO, OBJETIVIDADE JURÍDICA E SUJEITOS DO


CRIME

O art. 203 contém um tipo fundamental no caput e duas figuras típicas a ele
assemelhadas, nos incisos I e II, acrescentados pela Lei nº 9.777, de 29 de dezembro de
1998.

O tipo fundamental: frustrar, mediante fraude ou violência, direito assegurado


pela legislação do trabalho. A pena: detenção, de um a dois anos, e multa, além da pena
correspondente à violência.

Os tipos assemelhados são: (a) obrigar ou coagir alguém a usar mercadorias de


determinado estabelecimento, para impossibilitar o desligamento do serviço em
virtude de dívida; e (b) impedir alguém de se desligar de serviços de qualquer
natureza, mediante coação ou por meio da retenção de seus documentos pessoais ou
contratuais.

Os bens jurídicos protegidos são as normas de proteção aos trabalhadores, a


legislação trabalhista e, nos tipos assemelhados, a liberdade de trabalho e até mesmo a de
locomoção, como se verá adiante.

Sujeito ativo é qualquer pessoa que realiza a conduta, geralmente o empregador.

Sujeito passivo é qualquer pessoa que tem seu direito trabalhista frustrado ou sua
liberdade atingida. É o trabalhador.
2 – Direito Penal II – Ney Moura Teles

77.2 TIPICIDADE

77.2.1 Conduta

O núcleo do tipo do caput é o verbo frustrar, empregado com o sentido de impedir


ou privar. Com a conduta, realizada com fraude ou violência, o agente consegue tornar
inócuo ou ineficaz um direito trabalhista da vítima. Fraude é o meio não violento através
do qual alguém consegue ludibriar outra pessoa, colocando-a ou mantendo-a em erro.
Violência é a força física atuando sobre alguém, minando-lhe a capacidade de resistência. A
norma não se refere à ameaça.

A conduta descrita no inciso I é obrigar ou coagir, isto é, constranger, forçar,


compelir, podendo ser realizada por qualquer meio, físico ou moral, violento ou não, uma
vez que a norma usou os verbos sem fazê-los acompanhar de qualquer complemento.

Já a conduta do inciso II é impedir o desligamento, que significa torná-lo


impossível, mediante coação de qualquer natureza ou com a retenção de documentos da
vítima.

77.2.2 Elementos do tipo

A norma contida no caput está em branco. Seu complemento será encontrado no


bojo da legislação trabalhista em vigor no país, cujas normas contêm os direitos
assegurados aos trabalhadores. Também se incluem na previsão legal os direitos decorrentes
de dissídios, convenções coletivas de trabalho ou de sentenças judiciais com força
normativa; enfim, será objeto da conduta qualquer direito assegurado pela legislação do
trabalho.

Basta que o agente, usando de violência ou de fraude, ludibriando a boa-fé da


vítima, colocando-a ou mantendo em erro, leve-a a aceitar a privação de um seu direito,
para que se considere realizado, objetivamente, o tipo.

Se o agente simplesmente desrespeita a legislação, sem usar de violência ou de


fraude, o crime não se concretiza.

Deve o agente atuar com dolo, consciente de que emprega violência ou fraude para
alcançar o fim que é o de privar a vítima de um seu direito trabalhista. Não se exige outro
objetivo específico.
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O tipo do inciso I está completo e veio para alcançar fatos muito comuns nas
fazendas da região amazônica brasileira. O agente – normalmente o proprietário de
grandes extensões de terras destinadas à agropecuária – coage ou obriga a vítima – quase
sempre um trabalhador do Nordeste transportado para a fazenda – a adquirir, a prazo,
mercadorias de determinado estabelecimento comercial ou não, geralmente chamado
armazém ou cantina, mantido pelo próprio empregador, ficando ela devedora e, a partir
daí, torna-se refém da dívida contraída, não podendo desligar-se do trabalho que exerce,
enquanto não saldar o débito.

Os verbos empregados no tipo – coagir e obrigar – possibilitam o reconhecimento


do delito ainda quando não tenha havido qualquer violência ou ameaça contra o
trabalhador, bastando que ele, pelas circunstâncias em que se vê, não tenha outro meio
senão o de utilizar as mercadorias de que necessita e que só são encontradas no
estabelecimento indicado pelo agente. A coação, nesse caso, pode ser feita até pela omissão
do agente consistente em deixar a vítima com essa única possibilidade de obter os bens
indispensáveis.

Há dolo na conduta do agente, de coagir ou obrigar a vítima a utilizar as


mercadorias do estabelecimento, com o fim de que ela, tornando-se devedora, não se
desligue do serviço. Este é o elemento subjetivo do tipo do inciso I.

O tipo do inciso II contém descrição assemelhada. A vítima é impedida de se


desligar dos serviços – qualquer que seja sua natureza: pecuária, agricultura, indústria
etc.–, por força de coação que o agente sobre ela exerce ou pela retenção de seus
documentos pessoais ou contratuais. São duas, portanto, as condutas. Na primeira, o
agente coage a vítima a não se desligar. Pode ser coação física ou moral, uma vez que a lei
não a distinguiu. Na segunda, o agente retém em seu poder, não devolvendo à vítima,
documentos pessoais ou contratuais, para que ela não busque outro destino. A vítima é,
num e noutro caso, compelida a ficar, sucumbindo aos desígnios do agente, seja porque
não resiste à coação, seja porque, considerando o prejuízo que significa a privação da posse
de documentos importantes, prefere permanecer prestando seus serviços ao agente.

“A realização continuada, reiterada, dessas duas descrições típicas, especialmente a


do inciso I, acompanhada de outras ações sobre a liberdade individual do trabalhador e
também dos membros de sua família constitui meio, etapa, fase ou fração do delito
tipificado no art. 149 do Código Penal, redução à condição análoga à de escravo, quando
se verificar, no contexto fático, que o conjunto das lesões alteram por completo o seu
4 – Direito Penal II – Ney Moura Teles

estado de ser humano livre, tornando-se, na prática, um objeto nas mãos do agente,
completamente submisso e sem qualquer poder de decisão sobre sua vida.”

Muitas vezes, nas fazendas da Amazônia, o trabalhador é transformado, por meio


dessas ações de seus patrões, em verdadeiro escravo. A tipificação dessas condutas,
trazidas ao Código Penal pela Lei nº 9.777/98, se supriu uma lacuna, não tem, contudo, o
poder de proteger eficazmente a liberdade individual desses brasileiros miseráveis, porque
o preceito sancionatório foi, por demais, tímido, em face da gravidade das condutas que
alcançou e, principalmente, do grande valor considerado, o maior de todos, depois da vida.
Fato da mais alta gravidade, jamais poderia constituir um crime de menor potencial
ofensivo. O legislador brasileiro é assim: quando se trata de proteger veículos automotores
procura ser severo, mas quando está em jogo a liberdade de uns pobres coitados, sua mão é
leve.

Por isso que, na aplicação da norma ao caso concreto, deve o julgador voltar seus
olhos também para o delito do art. 149, de maior gravidade e, desde quando subsumida a
conduta ao tipo, aplicar a norma que verdadeiramente quiser se ajustar, mais
perfeitamente, ao fato.

Também se cuida aqui de crime doloso, devendo estar o agente consciente da


conduta, dos meios empregados e do desiderato pretendido e atuar com a vontade livre de
obtê-lo.

77.2.3 Consumação e tentativa

O crime definido no caput consuma-se no momento em que o direito trabalhista é


suprimido, frustrado.

O do inciso I consuma-se no momento em que a vítima utiliza ou adquire as


mercadorias no estabelecimento indicado pelo agente. Não é necessário, portanto, que ela
não se desligue dos serviços. A consumação é antecipada.

O crime do inciso II, entretanto, somente se consuma quando o trabalhador é


impedido de se desligar do serviço.

Possível a tentativa nas três modalidades.

77.2.4 Aumento de pena

A pena será aumentada de um sexto a um terço se o crime é cometido contra vítima


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menor de dezoito anos, idosa, gestante, indígena ou portadora de deficiência física ou


mental.

“Idosa é a pessoa que tem idade igual ou superior a sessenta anos.”

O aumento de pena somente será reconhecido quando o agente tiver consciência da


condição da vítima.

77.3 AÇÃO PENAL

A ação penal é de iniciativa pública incondicionada.

A competência – nos casos de crime cometido com fraude, isto é, sem violência, em
que também não haja incidência da causa de aumento de pena prevista no § 2º do art. 203
–, é do juizado especial criminal, por força da aplicação da Lei nº 10.259/2001. Esta lei
considerou infração penal de menor potencial ofensivo o crime a que a lei comina pena
máxima não superior a dois anos. É permitida a suspensão condicional do processo penal,
nos termos do art. 89 da Lei nº 9.099/95.

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