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Habitantes

&
Habitat 2.ª edição Vol. 1

Traços históricos dos bairros


Aeroporto Velho, Bahia, Bahia Nova,
Glória, Pista, Palheiral,
João Eduardo I e II

Reginâmio Bonifácio de Lima


Maria Iracilda Gomes Cavalcante Bonifácio
(Orgs.)

Boni
Habitantes
&
Habitat
Vol. 1

,Traços históricos dos bairros


Aeroporto Velho, Bahia, Bahia Nova,
Glória, Pista, Palheiral,
João Eduardo I e II

2.ª edição

Reginâmio Bonifácio de Lima


Maria Iracilda Gomes Cavalcante Bonifácio
(Orgs.)

Boni
Direitos responsabilidades reservados aos autores.

Editoração Eletrônica:
Reginâmio Bonifácio de Lima
Correção Histórica:
Lélcia Maria Monteiro de Almeida
Revisão:
Pedro Bonifácio de Lima
Capa:
Reginâmio / Anderson
Diagramação:
Anderson F. da Silva
Impresão:
GRAF-SET

Projeto: Sobre Terras e Gentes: Amazônia em Foco


Líder de Grupo: Reginâmio Bonifácio de Lima
Coordenadoras: Maria Iracilda Gomes Cavalcante Bonifácio, Lelcia
Maria Monteiro de Almeida.
Pesquisadores: Cleunilde Silva dos Santos, Leila Gonçalves da
Costa, Sâmya Teixeira de Alencar, Antônio Vladimir da Silva
Barbosa, Regineison Bonifácio de Lima, Pedro Bonifácio de Lima,
José Erivan Gomes Cavalcante e Deusimar da Cruz Albuquerque.

H116 Habitantes e Habitat. Reginâmio Bonifácio de Lima e Maria


Iracilda Gomes Cavalcante Bonifácio (orgs.). Rio Branco:
Boni, 2007.
v. 2. il

Coleção Sobre Terras e Gentes.

1. História - Ensaio - Ocupação 1.Título

CDU. 981(813.3)

Rio Branco – Acre


2007
AGRADECIMENTOS
Ao Deus Eterno, que nos capacitou e permitiu este trabalho, dando
ânimo em momentos de angústia, cuidando de seus filhospara que
pudessem estar bem e concluir esta obra;
A nossas famílias que nos apoiaram em todo o tempo;
A Edileuza M. C. Monteiro, membro efetivo desta equipe de
pesquisadores, que por motivos alheios a nossa vontade não pôde
estar presente na conclusão deste trabalho;
Aos funcionários da Biblioteca Pública do Acre por tão
prestativamente terem gastado seu tempo, auxiliando na pesquisa
das referências;
Aos amigos do CDIH e da Biblioteca da UFAC, por tamanha
presteza com que nos acolheram;
A Reginaldo Bonifácio de Lima, pela prontidão com que
contribuiu para a adequação desta obra;
A bolsista Selyana Cavalcante pelo empenho nos trabalhos,
transcrição de DVDs e coleta de dados;
Aos colaboradores Maria Alzerina, Ana Íris e Tiago por ajudarem
na coleta de dados para a pesquisa;
As escolas existentes nos bairros pesquisados, pelo apoio e
prontidão;
Aos amigos da Fundação Garibaldi Brasil, pelo acesso ao acervo;
Aos amigos do Patrimônio Histórico e Memorial dos
Autonomistas pelas fotos cedidas;
Aos amigos do Setor de Georeferenciamento da Prefeitura de Rio
Branco pelos mapas do setor;
Aos amigos do Setor de Cadastro Imobiliário da Prefeitura pela
ajuda com os Boletins de Cadastro Imobiliário;
A todos os entrevistados que muito contribuíram com a pesquisa;
Ao senhor Manuel Rocha, in memorian, por todo o empenho, ajuda
e apoio prestado para a execução desta obra;
Aos amigos da Miragina, pelo auxílio e prestatividade;
A todas as pessoas que direta ou indiretamente contribuíram para a
conclusão deste trabalho. Muito Obrigado.
Batalhando por um sonho
Os antigos moradores que vieram pra este local
Partiram de muito longe, colônias e seringal
Muitos já eram idosos, outros jovens ainda
Em busca de melhoria, muitos chegaram aqui
Apenas com esperanças e com pouca bagagem
Acreditavam em um futuro melhor, buscando melhores dias
Não buscavam luxo.
Uns moravam de aluguel, outros em colônias.
Não tinham muitas coisas,
Mas o pouco que tinham era trazido “nas costas”.
No momento da chegada, tiveram muitas dificuldades a
enfrentar:
Falta de luz, falta d'água,
Ruas não existiam, era apenas atoleiro e matagal
Com seu trabalho eles modificaram o local
Não tinham exigências com relação a trabalho
O que viesse estavam dispostos a fazer
Eles acreditavam que aqui era seu lugar
Pois estavam no que era seu, por mais simples que fosse.
Suas casinhas eram feitas de madeira de construção
ou cercadas de paxiúba, algumas nem piso tinham,
Eram cobertas de palhas
Eles são pessoas vividas que têm muito a ensinar
Contam histórias de suas vidas, bonitas de se escutar.
Outros já não têm alegria de viver
Acham que já passaram e fizeram tudo o que era pra fazer.
Mas também tem aqueles que demonstram muita alegria de
viver.
A maneira como falam indica que querem ser ouvidos
Por mais que a gente queira saber mais coisas
Eles dizem: “mas, peraí, deixa eu continuar”.
E assim continuam contando suas bonitas histórias.
E ouvindo suas histórias podemos conhecer nossa cultura
Palavras novas e comuns que muitas vezes não sabemos
É bom saber, conhecer,
ouvir como se formou o lugar em que vivemos hoje
relembrar suas histórias é conhecer nossa própria história.
Eles têm saudades de sua terra, mas aqui é seu lar.
Lugar onde construíram suas casas, sonhos e fantasias,
Tristezas e alegrias, amores e nostalgias,
Lembram sempre do passado,
Em busca do sonho encantado
De ser feliz a cada dia.

Selyana Gomes Cavalcante, 16 anos


Neta e filha de migrantes tarauacaenses.
SUMÁRIO
APRESENTAÇÃO............................................. 09
1 – Sujeito-Identidade-Lugar .................................. 13
Reginâmio Bonifácio de Lima

2 – De campo de pouso a Aeroporto Velho ............... 25


Maria Iracilda Gomes Cavalcante Bonifácio

3 – Glória: Sinônimo de conquista da terra ............. 41


Lelcia Maria Monteiro de Almeida
Antônio Vladimir da Silva Barbosa

4 – Bairro da Pista: Um Lugar em Construção ....... 51


Lelcia Maria Monteiro de Almeida
Cleunilde Silva dos Santos

5 – Ambiência Física e Social dos Bairros João


Eduardo I e II ................................................... 63
Leila Gonçalves da Costa

6 – Memórias sociais na Velha Bahia ....................... 73


Sâmya Teixeira de Alencar

7 – Bahia Nova: Da formação ao Século XXI .......... 81


Regineison Bonifácio de Lima

8 – Palheiral: O Bairro das Palheiras ...................... 95


Pedro Bonifácio de Lima

Considerações Finais ........................................ 109

REFERÊNCIAS. .............................................. 113


Habitantes & Habitat

Apresentação

O presente livro é fruto da necessidade percebida por esta


equipe de professores/pesquisadores em ter algo escrito, ainda que
de forma resumida e ensaiada sobre a história dos bairros
Aeroporto Velho, Bahia, Palheiral, Glória, Pista, Bahia Nova, João
Eduardo I e João Eduardo II. Esse trabalho foi iniciado por mim na
graduação em história, tendo continuidade na especialização em
Cultura, Natureza e Movimentos Sociais na Amazônia, e no
Mestrado em Letras pela UFAC. Não pretendemos escrever uma
história completa do local. Nas páginas a seguir estão contidos
subsídios para uma compreensão, ainda que parcial da localidade
em questão.
Em fins da década de 1960 e seguintes, as terras acreanas
estavam ganhando ares de mercadoria. O novo modelo de
ocupação produzido pela expansão da pecuária retirava os
trabalhadores da floresta e lhes negava as mínimas condições de
sobrevivência. As decisões da justiça estavam comprometidas com
o modelo de desenvolvimento dos governos militares para a
Amazônia, a própria imprensa e os meios de comunicação eram
extensões do poder oficial, omitindo-se acerca das questões
agrárias e fazendo absoluto silêncio sobre as contradições no meio
rural.
Com este livro pretendemos ensaiar de forma geral, sem
generalizações, como se deu o processo expansivo daquela área,
bem como de que forma os moradores desenvolveram ali, suas
identidades, culturas e transformaram a ambiência ocupacional. É
certo que nesse primeiro momento nos concentramos no viés
historiográfico social, especificando de forma mais detalhada o
assunto abrangido na obra intitulada “Sobre Terras e Gentes”,
contudo, na continuação dos trabalhos, com a conclusão da
segunda parte da pesquisa, desta vez na área de linguagens e
identidades, pelo Mestrado em Letras da UFAC, pretendemos dar
09
Apresentação

maior suporte para as relações de memórias, culturas e interações


da/na dinâmica social.
O Terceiro Eixo Ocupacional de Rio Branco se deu na área
que sai do núcleo central da cidade, que até o fim da década de 1960
era habitado de forma intensiva somente até a Secretaria de Estado
de Educação – antigo Centro de Treinamento – indo em direção ao
Aeroporto Velho. Limita-se ao norte com os bairros Novo
Horizonte, Castelo Branco e Volta Seca; a leste e a sul com o Rio
Acre; a oeste e a sudoeste com a Estrada da Floresta. Os bairros
pobres dessa área foram formados a partir de três perspectivas:
loteamentos, ainda que não totalmente estruturados, invasões e
ocupações.
Ao falar de Eixo Ocupacional em Rio Branco precisamos
ter em vista que “a compreensão do movimento de formação e
transformações da cidade, em sincronia com as etapas e
contradições da economia mercantil da borracha, torna-se, então,
uma das chaves para desvendar os problemas e conflitos surgidos
agora com a aceleração do crescimento urbano” (Oliveira, 1982, p. 32).
Nesse aspecto, identificamos a formação, ainda que
parcial, de uma localidade extensiva aos habitantes do que se
chama Terceiro Eixo Ocupacional de Rio Branco. Esse se
constituiu na área próxima ao Centro de Treinamento, atual
Secretaria de Educação, envolvendo os 08 bairros formados a
partir da expansão da cidade ocorrida na década de 1970 e início de
1980. Quanto à temporalidade, é certo que não tem uma data-
marco de formação específica, também não tem uma data final de
andanças populacionais. O que percebemos é que a área que
compreende o Terceiro Eixo teve o início de sua formação
“urbana” aproximadamente em 1971, e o desenvolvimento
espacial com uma definição básica próxima ao que é atualmente,
por volta de 1982. Também observamos, nesse mesmo território,
uma pluralidade de identidades coletivas, envolvendo diversidades
em relação a origens, aspectos culturais, trajetórias de vida, que
aproximam e distinguem grupos de indivíduos entre si.
Em 1982, em sua obra “O Sertanejo, o Brabo e o Posseiro”,
Oliveira citou o Terceiro Eixo, afirmando:
10
Habitantes & Habitat

Um Terceiro Eixo de crescimento da cidade é aquele que segue o


caminho em direção ao antigo Aeroporto, desde o núcleo central através da Rua
Rio Grande do Sul, a qual até 1970 era habitada só parcialmente, até o chamado
Centro de Treinamento. Esta parte, inclusive, se estendia por uma grande
superfície de áreas verdes naturais, as quais foram inteiramente derrubadas
durante a década passada. (...). Nessa área pontificam os bairros do Aeroporto
Velho, Terminal, Bahia e Palheiral, habitados pela população pobre de origem
rural e que já somam [em 1982] mais de 15.000 pessoas. Todavia, a invasão e a
ocupação de áreas ainda prossegue (sic) nesse eixo e os novos bairros vão se
formando, como o bairro João Eduardo (...). (Oliveira, 1982, p. 39).

As pesquisas que deram origem ao presente trabalho foram


realizadas na perspectiva historiográfica, a partir da metodologia
de Paul Thompson, sendo a vivência dos ex-seringueiros, ex-
posseiros rurais, constituinte do foco de interesse do estudo, como
matéria de investigação pertinente à compreensão específica das
características assumidas à acentuação urbana.
Nos oito bairros acima mencionados foram
aplicados questionários aos moradores mais antigos, assim sendo,
era necessário que os entrevistados morassem no bairro
continuamente há no mínimo 24 anos, ou seja, desde 1982, ou antes
dessa data; sendo ele ou ela o “chefe” ou um dos “chefes da casa”
na atualidade.
Ao compararmos o momento anterior com o atual, levando
em conta o Terceiro Eixo na Cidade de Rio Branco, percebemos
que a cidade possui atualmente 154 localidades cadastradas pela
Prefeitura – ainda que alguns digam que o número pode chegar a
187 – que os moradores chamam de bairros, embora haja a
estimativa que o número dos mesmos seja maior, tendo em vista as
recentes áreas de ocupação em situação “irregular”. Atualmente a
Prefeitura estuda a possibilidade de formação oficial dos bairros de
Rio Branco, fazendo uma junção de localidades em um mesmo
setor para a formação dos bairros. De acordo com dados prévios da
Prefeitura, Rio Branco terá cerca de 50 bairros oficiais, tão logo
seja concluída a demarcação e setorização da Capital acreana.
O IBGE, ao fazer o mapa da malha setorial riobranquense,
dividiu a cidade em 83 setores censitários para o recenseamento de
2000. Os bairros que formam o Terceiro Eixo Ocupacional de Rio
11
Apresentação

Branco permaneceram agrupados em alguns setores. Sabemos que


os bairros que atualmente formam a área da “Baixada da Bahia”
são fruto da expansão do Terceiro Eixo, que antes tinha apenas oito
bairros, sendo eles: Palheiral, Bahia, Bahia Nova, Glória, Pista,
Aeroporto Velho, João Eduardo I e João Eduardo II. Segundo o
Setor de Georeferenciamento da PMRB, atualmente essa região
tem em sua área a quantidade de dezesseis bairros; além dos citados
anteriormente, foram acrescentados os bairros Boa União, Airton
Sena, Sobral, João Paulo II, Plácido de Castro, Boa Vista, Invasão
da Sanacre e Floresta Sul.
De acordo com o IBGE, a área referente ao Terceiro
Eixo Expandido, ou seja, os dezesseis bairros que compõem a
localidade, foi dividida em 09 setores censitários, sendo eles: João
Eduardo, Palheiral, Bahia, Pista, Glória, Aeroporto Velho, Ayrton
Sena, Sobral e Plácido de Castro. Na pesquisa foi constatada a
quantidade de 33.908 pessoas vivendo nesses locais, residindo e
convivendo em 14.109 domicílios. Portanto, é certo dizer que o
Terceiro Eixo Ocupacional Expandido de Rio Branco representa,
na atualidade, 14,98% da população urbana riobranquense, e
comporta em sua área 17,14% dos domicílios da cidade. Assim
sendo, é clara a super-povoação do local em comparação com o
restante de Rio Branco. Uma área que representa menos de 10% da
extensão total urbana da Capital acreana comporta quase um
quinto de seus domicílios, e um sétimo de sua população.
É importante lembrar que eles não são
“coitadinhos”. Eles foram vitimados pelas políticas públicas que
não os contemplaram, mas também agem dialogando com os
outros e fazendo seus próprios movimentos de resistência e defesa
da sobrevivência própria e dos familiares. Muitos dos moradores
têm noção dos embates, lutas e expropriações que houve no
“campo”, e das pelejas que ocorreram nas interações conflituosas e
dinâmicas ocorridas na “cidade”.

Reginâmio Bonifácio de Lima


(escrito em uma noite fria de novembro de 2006)

12
Habitantes & Habitat

SUJEITO-IDENTIDADE-LUGAR1
Reginâmio Bonifácio de Lima

Fotos de alguns dos 161 entrevistados na pesquisa.

A s migrações constituem-se em marcos na vida dos


indivíduos, à medida que estabelecem mudanças que
provocam rupturas e conflitos, ao mesmo tempo, apontam
para a perspectiva de novos horizontes. É preciso estar atento para
o fato de que a mudança espacial implica outras mudanças na vida
Este artigo é um resumo da parte teórica sobre os Habitantes em seu Habitat, contido na obra intitulada “Sobre
Terras e Gentes” (2006) deste autor.

13
Sujeito - Identidade - Lugar

das gentes migrantes, relacionadas às novas dinâmicas sociais,


diferenças culturais e alteração de hábitos no cotidiano, mudanças
que também ocorrem na esfera das relações interpessoais, além dos
rompimentos, distanciamentos e traumas decorrentes de situações
desse tipo. Ao ter em comum situações de mudanças em suas
trajetórias de vida, essas pessoas passam por rupturas, adaptações e
resistência aos novos espaços e culturas, modificando no próprio
processo de mudança espacial, cheio de rompimentos, a
reconstrução de sua identidade individual e coletiva, formando-se
gradativamente “uma memória social”. Todo este processo
envolve laços afetivos, alegrias, tristezas, conquistas, perdas e,
sobretudo, vivências, não mais da mesma forma que antes, mas em
um outro espaço, em um outro tempo, em uma outra perspectiva,
circunstanciados no desenvolver de afinidades e divergências do
que se faz no constituir do local.
A localidade está contida em um lugar maior que é um setor
geo-político-social mais abrangente, e esse passa por proposições
políticas, econômicas, interesses mercantis e projeções de
afinidades com fins, ora especulativos, ora cognitivos, em grande
parte, mudando conforme os grupos que estão no controle.
Devemos ressaltar que qualquer atividade conflituosa ou ainda,
que conduza a um êxodo, impelindo a uma migração afeta não
apenas o local de saída, através de um esvaziamento da terra e das
relações sociais nela produzidas, mas também, o curso, o motivo,
as circunstâncias e o local de chegada.
A ocupação do espaço enquanto território local é resultante
da disseminação da propriedade privada da terra. Contudo, do
mesmo modo, esse movimento gera privação dos direitos
costumeiros daqueles que imaginava tê-los. O processo de
expansão se revela problemático e violento, uma vez que a
imigração não apenas destinava-se a povoar a terra, mas também
expulsava os pioneiros. Toda essa violência pela qual passaram os
trabalhadores rurais fez com que se deslocassem das terras
ocupadas, em troca de uma pequenina indenização, migrando para
a área de fronteira na Bolívia ou “inchando” os centros urbanos,
principalmente Rio Branco, onde “estendiam” a fronteira da

14
Habitantes & Habitat

“periferia”, formando uma paisagem de miséria e ambiência


urbano-rural, como no caso da parte norte do bairro Aeroporto
Velho, que foi formada, em grande parte, por migrantes expulsos
do seringal Riozinho, na área do Riozinho do Rolla, município de
Rio Branco.
Essas populações andantes, ao chegar à localidade,
precisavam recomeçar, fazer derrubadas, cuidar da área, construir
o “tapiri”, trabalhar para alimentar a família dentre tantos outros
afazeres. Contudo, não eram homens jovens, não em sua maioria;
os “chefes de família”, grande parte deles acompanhados por seus
cônjuges, tinham os filhos ainda pequenos, sendo que os filhos
mais velhos lhes “ajudavam na lida”. O “dono da casa”, muitas
vezes, vivia acompanhado por seus pais ou sogros, pela esposa, por
quatro filhos em média e, às vezes, por noras e netos. As famílias
costumavam vir para determinado local e se afixar próximo a um
parente, sendo que, a maior parte dos entrevistados disse trazer
consigo seus parentes, ou eles vieram logo depois. Normalmente
ficavam sabendo do local para morar através de um conhecido, ou
em segundo plano, de um parente e mesmo sem saber de quem
eram as terras iam se instalando no local. A necessidade de ter onde
morar e abrigar a família era maior que o sentimento de posse do
que é alheio ou ética de estar adentrando um lugar que não lhes
pertencia.
As visões que aqui apresentamos são partes constituintes
das relações estabelecidas, mesmo sabendo que ocorrem
imprevistos quando se vai analisar as relações sociais, porque essas
têm múltiplas dimensões ao se mostrar relacionadas às fronteiras
do lugar. O sentido do corpo da memória que surge se constrói
através da cultura, se apresenta de forma fragmentada nas diversas
composições da idéia que se têm do espaço, do indivíduo e da
própria cultura. Cultura esta que se estabelece em meio a pressões e
coações.
Desta forma, ao apreciar a formação das identidades na
memória cultural das gentes do Terceiro Eixo, percebemos que elas
estão ligadas à questão local/espacial, sujeito/identidade,

15
Sujeito - Identidade - Lugar

Fonte: Setor de Georeferenciamento da PMRB.

As gentes que habitaram e habitam as terras do Terceiro


Eixo, como muitos outros homens, viveram e vivem suas vidas,
interdependendo uns dos outros. Eles saíram de seus locais e
vieram para o bairro, e em conjunto com outros formam hoje um
local, setorizados em um eixo, numa cidade, num estado, numa
nação. Se é que essas construções de nomenclatura não são
meramente políticas. É bem provável que essas gentes não
tivessem idéia da dimensão da intensidade dos atos que
praticavam, ou pode ser que tivessem, porque na construção da
memória o que se inscreve não é apenas o presente, mas também o
representado.
Essas imagens e vivências, que parecem turvas pelo tempo,
calcificadas pela lembrança, às vezes, emergem dos “entulhos” da
memória como um resgate do que eles viveram ou pensam que
viveram, ou foi vivido, mas não exatamente daquela forma que
explicitam; embora essa forma explicitada no momento em que é
²CEDEPLAR appud OLIVEIRA, 1982, p. 91.

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Habitantes & Habitat

apresentada na memória pareça mais prazerosa do que realmente é,


e, por isso, quererem tanto ficar com ela.
Então, eles lembram da lembrança construída com um
sabor adocicado, mais gostoso que a vivência que tiveram; e,
muitas vezes, eles têm noção do “real” e assumem,
veementemente, que a lembrança prazerosa “do mesmo fato”
melhor satisfaz os anseios. Quanto a isso, Paul Thompson (1992)
escreveu: “aquilo que as pessoas imaginam que aconteceu, e
também o que acreditam que poderia ter acontecido - sua
imaginação de um passado alternativo e, pois, de um presente
alternativo -, pode ser tão fundamental quanto aquilo que de fato
aconteceu".
Então fica um alerta a todos os que se propõem a estudar
pessoas vivas em um local em construção. Existem pessoas que
tentam estudar só o território, e outras que tentam estudar só os
habitantes de um lugar. Quanto a isso, é certo dizer que ao esvaziar
o território de seus habitantes, também se o esvazia dos
significantes, logo ele é (ou se torna) espaço meramente físico –
quando muito cartográfico, como rabiscos numa estrutura.
Também, quando se esvazia os homens de seu território cria-se um
vácuo, não um vazio, mas uma “falta que não pode ser preenchida”,
porque, ao se tirar o fator tempo-espaço de uma situação, ela não se
sustenta em si mesma, pode-se mais facilmente cair no viés do
simplismo, o que retira a concretude e lucidez dos fatores
envolvidos, tornando a pesquisa um estudo vulgar.
Então, muitas pessoas se questionam até que ponto o lugar é
territorializante ou desenraizante? Não vamos tentar definir nada
aqui, no sentido de enunciar atributos específicos demarcativos e
sentenciantes. O que desejamos é conceituar, buscando representar
os objetos pensados e os sujeitos pensantes por meio de suas
características gerais, globalizando-os em seu território, sem
generalizá-los.
O lugar é territorializante quando deixa de ser espaço ermo
ou fronteiriço para ser território local, onde se estabelecem as
fronteiras analógicas e dialógicas – no sentido baktiniano – do
convívio social; e desenraizante quando faz com que o que a pessoa
17
Sujeito - Identidade - Lugar

sabe e tem conhecimento pareça banal, não utilizável na forma


intelectual, moral ou valorativo do migrante “em trânsito”, que
necessita, em grande medida, se separar das coisas com as quais ele
convive e conhece, para se deparar com a nova realidade, num
constante embate entre o tempo da ação e o tempo da memória.
A identidade desses amazônidas que precisaram se mudar e
estão em um outro lugar que não é o seu lugar de
nascimento/crescimento é vista aqui na concepção simbólica dos
sentidos envoltos em uma materialidade concreta, mas um tanto
quanto turva de ser explicitada pelo pesquisador que não a
vivenciou. O imaginário está no plano da consciência e embasa a
reprodução da vida na perspectiva do lugar pela tríade habitante-
identidade-habitat, ou sujeito-identidade-lugar. Em tudo isso
percebemos que a memória dessas gentes simples da “periferia”
está cheia de lembranças, eles venceram o desenraizamento e
prosseguiram a vida.
Para os migrantes, a relação entre o passado e o presente
remete a ganhos e perdas vivenciados em suas trajetórias. O
passado – que muitas vezes está associado, em parte, a
dificuldades, limitações, escassez e estagnação, considerando o
quadro cristalizado em seus locais de origem – também representa
aspectos positivos, envolvendo laços familiares, hábitos e práticas
do cotidiano, tradições e manifestações populares, a vida
comunitária, o lazer e a diversão, a riqueza da cultura local.
A expansão da fronteira acreana está intimamente ligada ao
aumento populacional e aos problemas por ele produzidos. O
nascente mercado de terras aos poucos foi se estruturando. Essa
expansão é problemática, envolta em violência e dor; as áreas
cultivadas pelos antes extratores e agora colonos é apropriada
pelos governantes para produção que tenha maior rendimento, uma
vez que poucas eram as pessoas que tinham o título das terras.
Assim, não apenas os “espaços vazios” são retomados e
preenchidos, mas há a expulsão dos velhos pioneiros, que são
obrigados a migrar. Com a presença do médio e grande capital
agropecuário no Acre, a população expulsa do interior, abandonava
as terras ocupadas ou procurava oportunidades de emprego e
18
Habitantes & Habitat

negócios, indo para a “periferia” das cidades. Para se ter em conta,


segundo o Anuário Estatístico do Acre de 1977, a renda produzida
pela pecuária superava a da borracha. Mesmo os seringais mais
produtivos sofriam as constantes pressões para serem
transformados em fazendas de criação de gado.
Nas décadas que sucederam a Segunda Guerra Mundial são
vistas as muitas facetas dos interesses políticos e econômicos do
Centro-Sul para com a Amazônia, e para com o Acre
especificamente. O sistema de comunicações foi melhorado, as
rodovias abertas, o Território Federal do Acre foi transformado em
Estado, no ano de 1962, o que deu mais autonomia a ele. A própria
política de colonização oficial, na década de 1970, produziu
impacto decisivo sobre o “isolamento” em que o Acre ainda se
encontrava, dando continuidade a uma política de “integração”,
para beneficiar o capital que estava se estabelecendo no Acre.
Grileiros, migrantes do Centro-Sul e especuladores
compraram terras a um preço extremamente baixo. A expansão
territorial do Acre se deu de forma diferenciada entre os Vales do
Juruá e Purus. Enquanto neste, as BR's 364 e 317 favoreciam a
intensificação do contato com frentes demográficas externas;
naquele, pairou o isolamento, a falta de estradas, e a
inacessibilidade para imigrantes. Isso fez com que o aumento
populacional e a concentração de novas fontes de produção
permanecessem estreitamente aglutinados no leste acreano.
O propagandeado “futuro fator de desenvolvimento do
Acre”, a pecuária extensiva, não alcançou seu objetivo, o
governador Wanderley Dantas e seus auxiliares não conseguiram
enriquecer o Acre com o progresso e o desenvolvimento. Antes, a
concentração de terras nas mãos de uns poucos, a crescente
derrubada das florestas para serem transformadas em pastos, a
venda das toras por madeireiras vindas ao Acre e o êxodo rural, são
mais visíveis como conseqüência da política implementada e do
capital especulativo que, propriamente, do ostentado progresso
acreano. Por conseguinte, as gentes foram migrando na direção
campo-cidade, e assim se formaram os “bolsões” populacionais ao
redor das cidades e às margens das rodovias.

19
Sujeito - Identidade - Lugar

O “inchamento” da cidade de Rio Branco se deu como


resultado da urbanização acentuada, intensificando as ampliações
dos bairros periféricos e os problemas sociais na área urbana.
Como conseqüência do acelerado crescimento, os problemas
sociais se acumularam, já que Rio Branco não teve suporte para
absorver o contingente populacional que se deslocava da zona
rural. Marginalidade, desemprego, falta de moradia, dentre outros,
foram constatados como desdobramentos tão palpáveis quanto
dramáticos da realidade urbana desencadeada pelas mudanças
sensíveis e características advindas a partir da penetração
capitalista.
Analisando os dados do IBGE nos censos de 1960 e 1970,
percebemos que a população riobranquense quase dobrou. Na
década de 1960 eram 47. 437 habitantes, sendo 30.333 na zona
rural e 17.104 na urbana; na década de 1970 a população
riobranquense era formada por 48. 399 habitantes na zona rural e
35.578 habitantes na zona urbana, totalizando 83.977 habitantes.
A população que foi atingida pela entrada do capital sulista
nos anos 1970, já residia há várias décadas nas terras acreanas. Os
dados obtidos em uma pesquisa efetuada pelo Centro de
Desenvolvimento e Planejamento Regional (CEDEPLAR) no ano
de 1978, em Rio Branco, revelaram que 45% dos chefes de família
que migraram para Rio Branco haviam chegado fazia menos de 10
anos, sendo a intensidade do fluxo migratório expressa ao mesmo
tempo em que se introduziam as políticas públicas de acumulação
de capital. Ou seja, o próprio CEDEPLAR vincula a migração dos
chefes de família e as andanças populacionais às políticas públicas
praticadas no período.
Então, percebemos que não é apenas a vizinhança, a
localidade, não são os bairros, tampouco os 2.795,21m² que
cobrem todo o setor. São as vivências, as práticas cotidianas, as
relações e interações entre esses homens e mulheres, não mais
migrantes, mas ligados ao local, concebido, constituído,
construído e reconstruído, que permeiam as relações estabelecidas
de amor e desamor, querer e renegar, estar e sair, inerentes aos seres
humanos; e, nesse caso, as andanças populacionais diminuíram
20
Habitantes & Habitat

consideravelmente para dar lugar a um “fixar raízes” e viver num


espaço que se fez lugar, transformando-se o transformador humano
e a própria ambiência no que se pode chamar de “melhores
condições de vida”, “sonho de ter um lugar propriamente seu” ou
simplesmente “casa”.
Paul Thompson (1992) disse que "A construção e a
narração da memória do passado, tanto coletiva quanto individual,
constitui um processo social ativo que exige ao mesmo tempo
engenho e arte, aprendizado com os outros e vigor imaginativo", e
isso fica muito claro na fala de vários entrevistados, quando
expressam como era a vida décadas atrás, há um ar de veracidade
mesclada com sonhos, sonhos que podem ser reais ou imaginários,
mas que de fato ocorreram, ainda que na memória deles.
Os vários migrantes reassentados no Terceiro Eixo
modificaram o espaço político-geográfico ao expandir a fronteira
limítrofe urbana, do mesmo modo que procuraram naquele local
interagir com seus conhecidos, com as pessoas a seu redor e com o
território, havendo ou não grau de parentesco, assim, modificaram
também as relações no espaço social, o que diretamente refletiu na
constituição de aspirações e mecanismos que expressassem um
conjunto de atividades sociais na cidade, ou seja, a apropriação do
espaço terrestre se processou como transformação do espaço-lugar
e dos próprios indivíduos, numa interação contínua e dinâmica.
As andanças populacionais não cessaram com a chegada ao
Terceiro Eixo, muitas famílias retiraram-se para outros locais.
Entretanto, nunca houve um levantamento “oficial” sobre isso. A
própria andança intra Terceiro Eixo é muito grande, com cerca de
um terço dos entrevistados mudando-se de um bairro para outro no
mesmo setor.
A maioria das gentes que teve suas terras expropriadas
precisou aprender a viver em terrenos com pouco mais de duzentos
metros quadrados, trabalhar para adquirir dinheiro e com ele
comprar comida, uma vez que já não se podia plantar e colher
produtos para a subsistência nessa pequena área. Assim como o
homem modifica o ambiente, este também o modifica na interação
mútua. Porque o homem precisa de um lugar para se relacionar com
21
Sujeito - Identidade - Lugar

o ambiente e com seu próximo, sendo que ambos se modificam


nessa interação, e o lugar se modifica a partir da influência mútua
do homem com o outro homem e com o ambiente em que vive. Por
isso, nessa mudança de ambiente do que antes era “rural” com
porções de terras outrora medidas em alqueires e hectares, agora
percebemos que são medidos em pouco mais de duzentos metros
quadrados os lotes onde ficam os “pequenos quintais”, assim, não
são vistas grandes plantações nos lotes do Terceiro Eixo, mas são
comuns plantas, flores, árvores frutíferas e canteiros de hortaliças e
leguminosas. Ao passo em o “ambiente rural” é “urbanizado” pelos
reassentados, o mesmo ambiente agora “urbano” – se é que
podemos chamar assim – é “ruralizado” pelas práticas, inserções e
modificações tipicamente dos ambientes rurais de onde os
migrantes são provenientes.
A codificação dos significados pelos sujeitos relembrantes
não é livre em si, mas ancora a decodificação ao conveniente, e o
próprio pesquisador envolvido na turbidez do que está posto, por
mais que se esforce, em sua imperfeição, apenas sintetiza o que está
posto, analisando, conceituando, definindo, explicando,
explicitando, enfim, sem querer, congelando. Daí a necessidade de
em muitos dos casos deixar que o sujeito pesquisado fale por si
mesmo, porque mesmo uma fala retirada do seu habitat, quando
contextualizada, expressa, ainda que parcialmente, o seu intento.
Todos os entrevistados na pesquisa estão no que se
convencionou chamar “terceira idade”, sendo que dois terços
passam dos sessenta anos. Em todos esses idosos percebemos o
desejo de aprender coisas novas e o anseio por ensinar outras que já
aprenderam. Suas identidades estão vinculadas não apenas à
memória cultural, mas ao território local em que vivem e
convivem. A esperança enraizou grande parte deles, que
relembram as festas comunais e o trabalho laborioso que
executavam com braços que antigamente eram fortes e pernas já
não tão firmes. A voz cansada pelo tempo ainda faz surgir nos olhos
as lágrimas companheiras das lembranças de tempos nem sempre
ternos ou calmos, mas vividos com intensidade. Da plataforma de
suas cadeiras de balanço ou da sobriedade de seus bancos

22
Habitantes & Habitat

“rústicos” de madeira de construção, muitos sonham com um


mundo onde não precisem ser substituídos, mas possam interagir
com o que é “novo e belo”. Nas fotos amareladas pelo tempo,
vêem-se corpos reais, vivos, talvez nem tão vivos como agora, mas
que despertam saudades; saudades de poderem ir à igreja sem
precisar “implorar” por companhia, de ter forças para encher uma
garrafa d'água. Saudades de serem respeitados como seres
humanos.

23
Habitantes & Habitat

DE CAMPO DE POUSO A AEROPORTO VELHO


Maria Iracilda Gomes Cavalcante Bonifácio

A o migrar, as pessoas buscam novos lugares, transformam o


habitat e se transformam no deslocamento. Ao chegar à
cidade, reelaboram novas relações, novo cotidiano, novas
expectativas. Essa é a realidade daqueles que movimentam a vida,
que transformam a cidade, colocando-a em movimento a partir
dessas múltiplas trajetórias. A experiência da migração atua
provocando mudanças de valores e comportamentos, alterando a
forma de relacionamento dos habitantes entre si e com seu habitat.
Durante várias décadas, principalmente nas de 1970 e
1980, a esperança de conseguir um “pedaço de chão” impulsionou
milhares de pessoas para a área próxima ao antigo Aeroporto
Salgado Filho. As populações que para lá migraram possuem uma
trajetória de luta, que os levou a construir novas relações com as
25
De Campo de pouso a Aeroporto Velho

quais tiveram de lidar na busca de melhores condições de vida,


buscavam encontrar trabalho, segurança, educação e moradia.
O processo de ocupação das terras que hoje compõem o
bairro Aeroporto Velho é resultante da dinâmica de expansão da
fronteira acreana com seus efeitos sobre a estrutura fundiária. A
partir da segunda metade do século XX, o crescimento urbano da
cidade de Rio Branco, aliado à falência dos seringais acreanos, que
foram transformados em grandes fazendas pecuaristas nas décadas
de 1960 e 1970, contribuíram para a intensificação do movimento
das populações para as “periferias” da cidade. Os seringueiros,
expulsos de suas terras foram obrigados a se dirigirem para outros
lugares, sendo gradativamente levados à zona urbana,
principalmente da cidade de Rio Branco, ocasionando o
surgimento de vários “apossamentos”, “invasões” e “ocupações”,
que, depois, constituiriam a maior parte dos bairros da capital.
Uma das áreas a receber os primeiros moradores nesse
período foi a Rua do Terminal, assim chamada devido ao terminal
de combustível da Petrobrás na área próxima à IBRAL. Os
moradores foram se instalando no local, que fica à margem do rio,
nas terras do Colégio Aprendizado, se ajuntando nesta rua e nas
ruelas concorrentes.
Toda a violência pela qual passaram os trabalhadores rurais
fez com que se deslocassem das terras que ocupavam há décadas.
Muitos foram expulsos e saíram sem nada, outros receberam em
troca apenas uma insignificante indenização. Esses homens e
mulheres migraram para as áreas de fronteira com a Bolívia ou
“incharam” os centros urbanos, principalmente de Rio Branco,
onde estendiam a fronteira da “periferia”, formando uma paisagem
de miséria e ambiência urbano-rural, como no caso da parte norte
do bairro Aeroporto Velho que foi formado principalmente por
migrantes expulsos do seringal Riozinho, na área do Riozinho do
Rolla, município de Rio Branco. Também, com a desativação da
área de um seringal que, depois, foi transformado em Colégio
Agrícola, outra leva de migrantes dirigiu-se para a parte sul do
Aeroporto, para o bairro da Glória e para a Fazenda Sobral.

26
Habitantes & Habitat

O nome “Aeroporto Velho” foi dado em virtude de o bairro


ter sido formado nos arredores do antigo Aeroporto de Rio Branco,
chamado à época Francisco Salgado Filho, posteriormente
denominado Santos Drumont. De acordo com dados obtidos na
Escola Flaviano Flávio Baptista, em 1939, foi inaugurada a
primeira pista de pouso e decolagem para aviões de pequeno porte
de Rio Branco.
Conforme informações contidas no Álbum Fotográfico do
Território Federal do Acre (1946-1948) que demonstra um
relatório das obras iniciadas em governos anteriores e terminadas
depois que assumiu o Governador José Guiomard dos Santos, o
estado da pista de pouso até 1946 era precário, sendo as instalações
dos passageiros uma simples choupana:

Abrigo de passageiros do Aeroporto Salgado Filho


Fonte: Álbum do Território Federal do Acre (1946-1948).

Com os investimentos do então governo do Território,


várias mudanças foram colocadas em prática para que o Aeroporto
atendesse os passageiros vindos de outras partes do país ou de
outras localidades acreanas. De acordo com o Álbum Fotográfico

27
De Campo de pouso a Aeroporto Velho

do Território Federal do Acre (1946-1948), os aviões que aqui


chegavam transportavam bois, cabras, porcos, galinhas, enfim,
diversos animais destinados a melhorar a produção acreana. Além
das matrizes reprodutoras, os aviões transportavam a borracha
laminada do Acre para diversas partes país.
A estrutura do Aeroporto Salgado Filho, com a chegada de
aeronaves mais modernas tornou-se insuficiente para comportar o
fluxo de aviões. No governo de Wanderley Dantas foi construído,
então, o Aeroporto Presidente Médici, no Segundo Distrito da
Capital, em 1974. Com a desativação da Estação de Passageiros
Salgado Filho, as imediações do local passaram a ser denominadas
de Aeroporto Velho. Em 1978, o governo de Geraldo Mesquita
doou o prédio da antiga Estação de Passageiros para o Instituto
Nacional de Pesquisas Amazônica, o INPA. Atualmente, funciona
no local o Centro Cultural Lídia Hammes, destinado a atividades
da “terceira idade”.
O aumento da população do bairro nas décadas de 1960 e
1970 trouxe a necessidade de se pensar em providenciar uma
escola em que as crianças pudessem estudar sem ter que se deslocar
até o Centro da cidade ou atravessar a catraia até o Segundo
Distrito, o que oferecia muitos riscos aos estudantes,
principalmente durante o período das cheias do Rio Acre. Segundo
relatos do Sr. Rocha, alguns estudantes morreram afogados no
trajeto das canoas até a outra margem, com o intuito de chegar às
escolas do Segundo Distrito, daí a necessidade de se construir um
colégio para atender aos moradores. Sensibilizado com o
problema, o Sr. Rocha, morador do local desde 1945, decidiu doar
as terras para a construção de uma escola que viria a ser chamada de
Flaviano Flávio Baptista.
Em 1961 foi fundada a primeira Escola do bairro,
funcionando nas terras do antigo Colégio Aprendizado com o
nome de Escola São João do Prado, pouco tempo depois, essa
escola foi desativada e, dez anos mais tarde, foi construída a Escola
Flaviano Flávio Baptista (Governo do Estado do Acre, 2004). A
construção desta escola nas proximidades do Aeroporto Salgado
Filho indica a existência de um número expressivo de famílias no
local desde o início da década de 1960. No ano de 1971, o número
28
Habitantes & Habitat

de habitantes no local aumentou, ampliando-se também o


atendimento da escola às quatro primeiras séries do ensino
fundamental nos turnos da manhã e tarde, e, posteriormente, entre
1975 e 1984, estendendo-se ao turno da noite.
Além das necessidades educacionais, a população que se
estabelecia no local precisava de cuidados médicos. O governo
Wanderley Dantas, então, iniciou a construção do Hospital das
Clínicas de Rio Branco. A construção seria do lado direito de onde,
atualmente, funciona o Hospital de Saúde Mental do Acre, o
HOSMAC. Embora iniciado, o grandioso hospital, com tamanho
equivalente ao do atual pronto Socorro da cidade, nunca foi
concluído. Suas colunas e alicerces foram levantados, mas,
segundo relatos dos moradores mais antigos do local, por falta de
pagamento do governo, a empresa construtora abandonou os
trabalhos. A imprensa riobranquense da época, como vemos no
trecho a seguir, cobrou providências para o caso, mas nada foi feito:

Na administração Wanderley Dantas (...) o Hospital de


Clínicas que seria construído no Aeroporto Velho, teve
seu início e foram gastas verdadeiras fortunas, mas não
foi concluído, e o que foi feito de nada prestou: o
ginásio coberto teve que sofrer várias reformas para
dar condições de uso e agora está abandonado,
servindo como abrigo para flagelados e esporte que é
bom, que é cultura, nada, absolutamente nada.
(BATISTA, Sérgio. O Assunto é comentário. O Jornal.
Rio Branco-AC,17/11 a 25/11/ 1979, Ano 7, n.º 115,
p.3)

Ao perceberem o abandono do local, as pessoas que


necessitavam de um lugar para construir suas casas aos poucos
foram chegando. Para isso, alguns usaram os próprios materiais
deixados pela empresa, erguendo suas habitações de forma
“irregular”, num “amontoado” de casas com acesso apenas por
entre os próprios quintais. Hoje, com a área completamente
ocupada pelas casas, é difícil perceber a grandiosidade da estrutura
do hospital, embora ainda existam dezenas de vigas e colunas de
concreto esperando a conclusão que não veio. A população que ali

29
De Campo de pouso a Aeroporto Velho

reside há quase três décadas convive sem as menores condições de


infra-estrutura e saneamento. Assim como em outras épocas, é
esquecida pelo poder público, que sequer desconfia que ali,
próximo ao antigo Hospital Distrital, entre a Estrada da Sobral e a
rua Rio Grande do Sul, moram cidadãos que merecem respeito e,
pelo menos, condições mínimas de sobrevivência.
Dentre os bairros que compõem o Terceiro Eixo, o bairro
Aeroporto Velho é o que detém melhor infra-estrutura, com a
maioria das casas construídas em alvenaria. Possui, atualmente,
cinco escolas, que surgiram com o impulso da articulação da
própria comunidade, tendo em vista a necessidade de oferecer
educação às crianças que acabavam de chegar dos seringais ou de
outras localidades da zona urbana e rural de Rio Branco.
Funcionam, atualmente no bairro: Escola Serafim da Silva
Salgado, Escola José Ribamar Batista, Centro Estadual de
Educação de Surdos, Escola Flaviano Flávio Baptista e Escola
Áurea Pires.
Percebemos, também, que a presença da Igreja Católica no
bairro é muito forte, com uma paróquia e duas congregações, o que
demonstra a intensa participação das Comunidades Eclesiais de
Base para a formação dos bairros que compõem a chamada
“Baixada da Bahia”. Através da mobilização dos membros dessas
igrejas foram implantadas, em parceria com outras paróquias, as
congregações dos demais bairros do setor, numa demonstração da
influência das CEB's na articulação dos moradores recém-
chegados ao local.
Para melhor compreensão da realidade atual do Aeroporto
Velho no período de sua formação, utilizamos dados obtidos na
pesquisa realizada pelo professor Reginâmio B. Lima no ano de
2005, da qual também participei como pesquisadora auxiliar, na
área que compreende os bairros Aeroporto Velho, Bahia, Bahia
Nova, Glória, Pista, Palheiral, João Eduardo I e João Eduardo II.
Foram escolhidos, na ocasião, 161 moradores que precisavam
morar continuamente no bairro há, pelo menos, 24 anos, isto é,
desde 1982, ou antes dessa data, além disso, deveriam ser o “chefe”
ou um dos “chefes da casa” no momento da pesquisa. Neste ensaio
levaremos em conta principalmente as informações relevantes para

30
Habitantes & Habitat

melhor compreensão do bairro Aeroporto Velho, já que, para a


constituição deste livro, existem outros pesquisadores
empenhados em coletar informações e elaborar conhecimentos
acerca de cada um dos oito bairros do local.
A população que migrava para o Aeroporto Velho era
originária de diversas localidades. A maioria era natural da zona
rural de Rio Branco, seguidas dos que nasceram nos municípios de
Brasiléia, Xapuri e Tarauacá. A trajetória desses migrantes,
entretanto, não os levou direto ao bairro Aeroporto Velho, antes de
lá chegarem, a maioria dos entrevistados residiu no chamado
Segundo Eixo de Ocupação (Oliveira, 1982), composto pelos
bairros Papouco, Preventório, Estação Experimental, Aviário,
Cerâmica, Cidade Nova, Triângulo I e Triângulo II, Taquari, Oito
Placas, São Francisco, Baixada da Cohab, Vila Ivonete e
“inchamentos” populacionais dos bairros da Base, Papouco e
Quinze. Com a valorização das terras próximas ao centro, as
populações que habitavam essas terras foram levadas a sair para
que fossem construídos, ainda no Segundo Eixo, os “redutos da
classe média”, a saber: Jardim Tropical, Habitasa, Floresta, Cohab
do Bosque, Castelo Branco e Bela Vista.
A diversidade de origens e trajetórias desses migrantes fez
com que estes construíssem uma forma muito particular de
dependência uns dos outros. Eles tiveram que buscar na
convivência algo em comum, que os fizesse superar o drama de
terem que reconstruir a vida em uma nova localidade. Nesse
sentido, as CEB's atuaram de forma decisiva no processo de
articulação dessa nova comunidade, que tinha em comum o fato de
serem, em sua maioria absoluta, pertencentes à Igreja Católica.
A maioria absoluta dos entrevistados foi morar no bairro
com faixa etária entre 26 e 40 anos, o que aponta para toda uma
reestruturação de vida gerada com o novo deslocamento dessa
população. Essas famílias compostas, em sua maioria, por casais
com uma média de 3 filhos, buscavam melhores condições de vida,
impulsionados pela perspectiva de oferecer uma moradia para os
filhos, tendo em vista que muitos moravam em domicílios
alugados.

31
De Campo de pouso a Aeroporto Velho

No período situado entre os anos de 1975 e 1979 a expansão


fronteiriça em Rio Branco aumentou de forma acentuada. O gráfico a
seguir, baseado em dados da SUCAM, indica que no ano de 1975 a
quantidade de moradores nos bairros do que chamamos Terceiro Eixo
era de apenas 10% do total da população que habitava as áreas
situadas fora do Núcleo Central. Em 1979, esse total passou para
15%, desconsiderando-se as mais de 2.000 pessoas existentes nos
bairros João Eduardo, Glória e Bahia Nova. Se acrescidos a esse total,
o índice de pessoas morando naquele setor chegaria a quase 20% da
população fora do eixo central. O aumento do número de habitantes
no Terceiro Eixo apenas nesses quatro anos vai de 18.176 habitantes
em 1975, para 53.935 em 1979.

Distribuiçao da População dos bairros Aeroporto, Bahia e Palheiral em 1975

20000

15000

10000

5000

0 Populações fora
Aeroporto (2%) Palheiral (2%) Bahia (6%) do Núcleo
Central (90%)

Série1 455 476 1.240 18.176

Distribuição da População dos bairros Aeroporto, Bahia e Palheiral em 1979

60.000

40.000

20.000

0 Populações fora
Aeroporto (4%) Palheiral (6%) Bahia (5%) do Núcleo Central
(85%)

Série1 2.219 3.935 3.059 53938

Fonte: Levantamento SUCAM/Acre, appud OLIVEIRA, 1982, p. 90.

32
Habitantes & Habitat

Entre 1975 e 1979 os demais bairros que compõem o


Terceiro Eixo de expansão ainda estavam iniciando sua ocupação.
Por isso, o que Oliveira (1982) chama de Aeroporto, compreende
também parte do bairro Glória, Palheiral e parte leste do João
Eduardo I; o que ele denomina Bahia compreende Bahia Velha,
parte sul do João Eduardo II, parte norte do bairro Bahia Nova e
parte oeste do bairro Pista. Todos esses bairros compunham o que o
governo, nas décadas de 1970 e 1980, convencionou chamar de
Bairro Salgado Filho, embora os moradores não o reconhecessem
com essa denominação. A imposição desse nome à localidade
demonstra que tanto em tempos passados como atualmente, a
opinião dos moradores da localidade tem sido ignorada pelo poder
público, tanto no que se refere ao atendimento de suas necessidades
básicas quanto no que diz respeito ao simples direito de nomear o
local em que habitam. Tanto é verdade que atualmente os governos
têm pensado em trocar o nome dos bairros Bahia e proximidades
para Baixada do Sol, e os moradores sequer foram consultados a
respeito. Esse nome não condiz com o local: primeiro porque
existem outros locais mais baixos que a Bahia; segundo porque o
sol se põe a oeste, longe da Bahia, se considerada a área urbana de
Rio Branco.
De acordo informações obtidas no ano de 2006 por
Reginâmio Bonifácio de Lima, junto ao Setor de Cadastro
Imobiliário de Rio Branco, acerca do cadastro domiciliar efetuado
no bairro Aeroporto Velho, no ano de 1979, percebemos que o
bairro contava com 87% de sua área ocupada, com a maioria
absoluta dessas construções destinada a residências; suas ruas
eram longas com poucas esquinas. Percebemos, ainda, que apenas
13% da área do bairro ainda não havia sido ocupada por
construções domiciliares. Além disso, quase todos os domicílios da
área pagavam os impostos IPTU e TSU, sendo, “por coincidência”,
os que não pagavam, domicílios de caráter público.
As condições do solo do Aeroporto Velho eram favoráveis à
construção, quase toda a totalidade de sua área é composta por
terras planas, o solo apresenta condições normais, com apenas 16%
de áreas alagadiças ou inundáveis, na área que margeia o Rio Acre.

33
De Campo de pouso a Aeroporto Velho

A maior parte dos terrenos era de propriedade particular, de uso


próprio, apresentando cercamento com ripas e casas com as frentes
voltadas para a rua.
Quanto às edificações, eram em sua quase totalidade, casas
e sobrados de madeira, com fachada alinhada, dispostos de forma
isolada, ou seja, sem ligação direta uns com os outros, sem
revestimentos, com piso de tábuas; apenas 1/4 das casas possuía
revestimento em madeira. Muitas dessa casas eram feitas com
sobras de madeira de construção, quase totalidade da cobertura era
feita de palha, cavaco e algumas em zinco, sendo raras as cobertas
de telhas de barro. Poucas eram as casas que possuíam forro, e as
que tinham, pouco mais de 10%, apresentavam forro de madeira.
Em relação às condições de higiene e instalação sanitária,
percebemos a quase inexistência no ambiente interno das
residências. Observamos, ainda, que, de acordo com a Prefeitura, o
estado de conservação da maioria das residências era considerado
regular, sendo que apenas um terço apresentava bom estado de
conservação. Um terço das casas não possuía instalação elétrica, e,
dentre as que possuíam, a maioria absoluta tinha fiação aparente.
Os serviços urbanos na localidade eram precários,
apresentando cerca de 1% das ruas atendidas com sarjetas, esgoto,
galeria para escoamento de água da chuva, limpeza urbana e
calçamento; e pouco mais de dois terços dispunha de rede de água
tratada. Esse último serviço se deu, principalmente, por causa da
urbanização empreendida de maneira parcial e inacabada pelo
então Governo do Estado, em fins da década de 1970.
Quase metade dos logradouros não possuía iluminação
pública, e o número de domicílios com telefones não passava de
10%, sendo que, em sua maioria, eram instalados em órgãos do
governo ou nas poucas empresas e indústrias existentes.
Quase metade dos domicílios não possuía água encanada
nem energia elétrica, e raros eram os que possuíam esgoto ou
telefone. Um quarto dos habitantes utilizava água de poço, já que a
água distribuída pela SANACRE raramente chegava às casas, e
quando chegava, a pressão era insuficiente para dar vazão às
necessidades.

34
Habitantes & Habitat

A população que morava no local, além de contar de forma


muito tímida com a ajuda do poder público, sempre foi vista de
maneira preconceituosa pelos poderosos. Em plena Ditadura
Militar, o crescimento da cidade fazia com que a terra se tornasse
um bem muito caro. Com isso, os donos do poder cresceram os
olhos para também ocupar as terras próximas ao Antigo Aeroporto.
Parte das terras situadas nas imediações do Aeroporto pertencia à
União, estando sob o domínio da Aeronáutica, parte pertencia ao
Estado, parte pertencia a Prefeitura, e, parte era particular.
Com a transferência do Aeroporto para o 2.º Distrito da
Capital, o Governo Estadual passou a interferir na organização e
distribuição das terras no local, iniciando uma queda de braço pela
posse da terra. De um lado estava o governo, tentando promover a
“ordenação” do espaço urbano, incentivada de maneira mais eficaz
a partir do ano de 1979, e, de outro, famílias que, chegando de
outros bairros já superpovoados, da zona rural, ou de outros
municípios acreanos, buscavam melhores condições para criar
seus filhos. A necessidade de ter onde morar e abrigar a família era
maior que o sentimento de posse do que é alheio ou ética de estar
ocupando um setor que não era seu de direito.
As raras notícias divulgadas pela imprensa sobre o bairro
ora davam conta das “invasões” nas áreas de terra do local, o que
era feito de forma preconceituosa, ora tratavam do descaso do
poder público com relação à falta de infra-estrutura. Serviços
básicos como iluminação pública, saneamento, transporte público
decente e policiamento eram insuficientes para atender às
demandas dos moradores, que tinham que conviver com falta de
água encanada, caminhar um longo percurso da “ladeira do Bola
Preta” até a entrada do bairro enfrentando o lamaçal, que na época
das chuvas chegava até os joelhos, sem a mínima iluminação e
segurança. Muitos trabalhavam no centro da cidade e tinham que
enfrentar a longa caminhada até o local, tendo em vista as
constantes paralisações dos transportes coletivos que faziam o
percurso Aeroporto Velho-Centro.
A situação de abandono em que viviam os habitantes do
Aeroporto Velho no final da década de 1970 era motivo de

35
De Campo de pouso a Aeroporto Velho

mobilização para se alcançar melhores condições de vida em seu


habitat. As reivindicações dos moradores chegavam a ganhar
espaço nas páginas dos jornais riobranquenses da época, mesmo
que de forma tímida. Ainda que não fosse prática dos jornais locais
noticiarem fatos que desaprovassem as administrações públicas,
pois a aliança com o poder político era o que mantinha e ainda
mantém a imprensa local, alguns jornais como Varadouro, o
Boletim Informativo Nós Irmãos, da Igreja Católica, e o próprio
jornal O Rio Branco informavam acerca da situação em que viviam
os moradores dos bairros em formação na década de 1970, como
vemos no seguinte trecho:

Aeroporto Velho nega-se a pagar conta de energia


e também reclamam da prefeitura que deixou o
bairro em condições nunca vista, com ruas
totalmente esburacadas. E as ruas não têm
iluminação pública e outra reclamação é a falta de
policiamento. (O Rio Branco, Rio Branco-AC, 14
de fev. de 1979, n.º 0513).

Grande parte dos entrevistados relata que um dos


problemas para a adaptação no novo local era a falta de experiência
nos trabalhos ditos “urbanos”. A pesquisa realizada com os
moradores mais antigos do local revelou que, para conseguir o
sustento logo que chegaram ao bairro, um terço dos entrevistados
trabalharam por muito tempo como pedreiros, carpinteiros,
ferreiros, “orelhas secas” e outros trabalhos braçais; também as
mulheres trabalharam durante anos em “casas de família”, sendo
quase um terço o número das que eram empregadas domésticas;
pouco mais de um terço ainda “tentou a vida” trabalhando em
colônias, na agricultura e coleta de seringa, quando deixavam as
famílias nos “barracos” e iam “pra lida”. Como conseqüência da
“falta de experiência e estudo”, poucos conseguiram trabalhos no
setor público, a maioria ocupou-se em trabalhos autônomos: eram,
muitas vezes, biscateiros, domésticas, agricultores, seringueiros,
homens e mulheres que chegavam ao local com expectativas de
melhores condições de vida, impulsionadas pelo desejo de fixar-se

36
Habitantes & Habitat

em um local que pudessem chamar de seu, próprio, que lhes


permitisse proporcionar para os filhos o acesso ao estudo que não
puderam ter.
Quase todos dos entrevistados chegaram ao Aeroporto
Velho acompanhados de suas famílias. Ficavam sabendo do local
para morar através de um conhecido ou de um parente. Embora não
conhecessem ou tivessem poucas informações sobre o local, iam se
instalando na esperança de verem-se livres da falta de moradia ou
do aluguel.
Ao serem perguntados se, havendo condições, teriam
continuado no local onde moravam, a maioria absoluta dos
entrevistados respondeu que não. Isso demonstra a integração das
populações que antes foram tornadas andantes ao seu novo habitat.
As condições de vida dessas pessoas mudaram, comparando-se ao
período de chegada no local, percebemos que atualmente
aumentou o número dos que se tornaram funcionários públicos. No
início da década de 1970 eram apenas 5%, na atualidade o total
chega a quase 30%. De mesma forma, quase 20% passaram a
trabalhar em empresas privadas e cerca de 23% conseguiram
aposentadoria; embora, pela idade, o número de aposentados
devesse ser o dobro.
De acordo com Lima (2006), percebe-se o relacionamento,
ainda que parcial, de vários moradores com a localidade. Assim,
sendo, optamos por citar na íntegra o pensamento construído
acerca de um dos entrevistados. Ao falar sobre suas vivências, o
senhor Manuel, comenta que chegou ao bairro ainda na década de
1940. Sua participação na constituição e organização do local foi
muito significativa, pois além de testemunhar todo o processo de
formação do bairro, atuou na articulação dos moradores na luta por
seus direitos, fez doações de terras para a construção de escola, da
primeira igreja católica do local, uma vez que possuía quatorze
hectares de terra, onde hoje é o sul do Aeroporto Velho.
Da sobriedade de sua cadeira de balanço, o senhor Manuel
fala saudoso de sua ida para o local, suas terras e a ocupação delas,
e, a relação de poder na Ditadura Militar:

37
De Campo de pouso a Aeroporto Velho

Cheguei aqui no dia 06 de janeiro de 1945, vim e fui


trabalhar no Instituto Agronômico do Norte –
APRENDIZADO, eles ensinavam tudo ali, tinha
hora pra moer cana, pra fazer horta, também tinha
tudo. O instituto era pra plantio de seringa, nas
mesmas terras do instituto, nas terras da Bahia, tudo
aqui ao lado [do Aeroporto Velho] era do instituto, e
ali naquele lado ali, perto daquele grupo lá [Escola
Tancredo Neves] ali pra lá tudo era do instituto, foi
plantado 55 mil pé de seringa, aí depois foi extinto, aí
eu fui pra Belém, transferido pra lá, aí passei lá três
meses, aí pedi demissão do serviço, já tava com
cinco anos que eu trabalhava, aí voltei pra cá,
cheguei aqui, entrei na Polícia, na qual me aposentei,
ela era federal, naquele tempo tudo era federal, o
Território. Eu me aposentei da União, trabalhei mais
de 30 anos. Ali pertinho da Escola Tancredo Neves,
prali tinha uma terra onde plantava eucalipto, era
experimental também, era uma colônia. (Lima,
2006, p.146)

De acordo com o Senhor Manuel, através de um acordo que


visava proporcionar a construção de um conjunto habitacional em
suas terras o Governo executou a desapropriação por um preço
muito baixo, iniciou o pagamento parcelado, mas nunca concluiu,
tanto que até o ano de 1985 ele ainda pagava o imposto referente a
suas terras junto ao INCRA. O conjunto habitacional nunca saiu do
projeto, seu Manuel não recebeu completamente o que lhe era
devido e as suas terras foram ocupadas por populações tornadas
migrantes que necessitavam de um lugar para se reassentar.
Segundo ele, pouco pôde fazer no período, os governantes
disseram que pagariam pela posse da localidade, mas suas terras
nunca foram indenizadas.

As pessoas começaram a chegar aqui nas minhas


terras [parte sul do Aeroporto Velho] por volta de
1977 mais ou menos. Agora é cheio de gente. (...) Eu
fiz negócio com o governo, (...) Ele foi que distribuiu
terras pra fazer política.
Bom, eu queria falar sobre o motivo dessa terra aqui,

38
Habitantes & Habitat

era uma pastagem até uns 20 anos atrás. O regime


militar colocou todo mundo “no bolso”, se você
tinha uma propriedade eles a invadiam e faziam o
que queriam, né? Então, eu vim pra cá na época e
ganhei essas terras do Departamento de Produção, e
tenho um documento do INCRA que regulariza
essas terras, são 14,8 hectares cadastrados. Aí eu tive
um aumento de terras e eu cadastrei, já tinha mais
terras, mas eles nunca me deram o documento de
cadastro, quem fez isso foi o Departamento de
Produção, aí depois que veio o INCRA, eu tive de
pagar pela terra. Aqui era minha colônia, onde criava
meu gado e plantava. Isso porque já tinham
desativado o Instituto Aprendizado. (Lima, 2006, p.
147)

Na luta para integrarem-se ao lugar, os habitantes do


Aeroporto Velho enfrentaram grandes dificuldades. Ao falar sobre
a chegada ao local, os moradores evocam lembranças,
reminiscências, relembrando a solidão de estar em um lugar novo,
as adversidades pela obtenção de alimentação, moradia digna e
dinheiro para o sustento da família. Relembram a precariedade da
vida, mas não se arrependem de terem migrado. O local que
deixaram traz mais lembranças tristes que agradáveis. Eles
venceram o desenraizamento, vindos da zona rural, migraram
várias vezes, ora “expulsos”, ora almejando dias melhores,
demonstram que no momento de “escolher migrar”, a esperança e,
ao mesmo tempo, o medo, foram conselheiros, na busca por
melhores condições de vida.

39
Habitantes & Habitat

GLÓRIA: SINÔNIMO DE CONQUISTA DA TERRA


Lelcia Maria Monteiro de Almeida
Antônio Vladimir da Silva Barbosa

N este ensaio buscamos retratar alguns traços ocorridos na


história de ocupação e formação do bairro da Glória. Para
sua elaboração foram realizadas entrevistas com seus
moradores mais antigos. Acreditamos que seus depoimentos nos
permitem entender a dinâmica do processo de constituição do
bairro, dos deslocamentos vividos por seus moradores, as razões
que os impulsionaram para o local, principalmente sobre as táticas
exercidas na luta pela sobrevivência. Temos a intenção de refletir e
explorar, através das lembranças dos moradores, o universo de
significados produzidos sobre suas histórias e vivências no bairro.
Localizado entre os bairros da Pista, Bahia Nova, Boa
União, Ayrton Sena e Aeroporto Velho, o bairro da Glória é
41
Glória: sinônimo de conquista da terra

constituído de uma área territorial de aproximadamente


215.975m², desmembrada do Aeroporto Velho e do bairro Bahia,
tendo o pico de sua ocupação entre os anos de 1971 a 1982, sendo o
fluxo de maior intensidade os anos de 1976 a 1979. Antes da
ocupação da área que o constitui, bem como dos demais bairros que
formam o Terceiro Eixo Ocupacional da cidade de Rio Branco, o
espaço era constituído de seringais, fazendas, colônias e por
último, área destinada ao Aeroporto Salgado Filho, que funcionou
até meados de 1974.
Segundo matéria do jornal O Rio Branco produzida em
abril de 1996, o bairro originou-se de uma “invasão”. Inicialmente
não teve nenhuma denominação, só surgindo como “bairro da
Glória” quando o então prefeito Adalberto Aragão resolveu
desapropriar a área em favor dos “invasores”, processo que havia
começado na gestão do governador Nabor Teles da Rocha Junior,
em meados de 1983. Os moradores acabaram por ver essa ação
como uma conquista, e traduziram todo o processo de luta pela
terra, e a conseqüente conquista da terra enquanto uma glória
alcançada, originando-se assim, o nome do bairro.
Na trajetória das lembranças dos moradores, o inicio de
toda essa história é difícil de dizer. Os homens e mulheres
entrevistados não sabem exatamente quando e como tudo
começou, mas são eles que lembram e nos contam que houve um
tempo em que as histórias de vida de uns se misturaram com as de
outros, e as pessoas foram levadas a lutar juntas como forma de
garantir sua sobrevivência.
Para conhecermos parte dessas histórias e
compreendermos um pouco o jeito de ser e de viver das pessoas que
ali residem, basta andarmos por suas travessas, becos e ruas, e ouvir
as histórias de seus habitantes para entendermos que são histórias
traçadas pelos processos de lutas vividas por um povo na
“conquista de um lugar”.
A área que compõe o bairro é pequena, mede apenas
215.975m², subdivididos em pequenos lotes suficientes apenas
para construir modestas moradias e desenvolver práticas
tradicionais de suas culturas representadas, por exemplo, no ato de
plantar árvores frutíferas e cultivar canteiros no fundo do quintal.
Maior que a área, é a força das pessoas que lutam pela posse

42
Habitantes & Habitat

da terra e os significados que por eles lhes foram atribuídos. Sua


terra não é tão fértil se comparada com as antigas áreas onde
moravam, mas foi ali que encontraram a fertilidade de suas vidas.
Antes de sua chegada ao bairro eles andaram por muitos
lugares e passaram por várias terras. Talvez jamais tenham pensado
que a ausência destas chegasse um dia fazer parte de suas vidas.
Mas, houve um momento em que a falta da terra tornou-se real, e
suas vozes tornaram-se vozes sem terra, em decorrência do projeto
de desenvolvimento brasileiro que traçou uma política econômica
para a região amazônica em substituição ao extrativismo da
borracha. O novo projeto de desenvolvimento se tornou
responsável pelo desencadeamento de profundas mudanças na
estrutura fundiária, provocando êxodos, contendas, prelos
judiciais, empates e luta pela posse da terra.
A população acreana durante todo o período
correspondente de 1877 a 1950 teve a economia extrativa como seu
principal produto e base de sua sustentação, mas com a crise dessa
economia, a nova política de colonização foi vinculada à ocupação
das terras da região por uma atividade que garantisse o
desenvolvimento e a expansão do capitalismo.
Silva (1998) diz que esse período pode ser considerado o
redescobrimento do Acre pelos brasileiros do resto do país. Ao
contrário da necessidade da defesa da floresta no período dos
seringais, esse redescobrimento tem a pecuária como a nova
exploração “econômica”, prática que muda a forma de utilização
da terra e que acaba por provocar situações criticas de tensão social.
O autor aponta o ano de 1971 como o marco dessa nova fase, sendo
que esse tem seu ponto culminante nos anos de 1972 a 1975.
Nesse período a população do Acre, formada
principalmente por ex-seringueiros e agricultores teve que
conviver com acontecimentos que não lhes eram tão comuns.
Foram atingidos pela pressão sobre a terra, e o acesso a ela, que
antes era relativamente fácil, a partir de então se transformou em
processo complexo e conflituoso, já que se tornou objeto
especulativo, uma mercadoria em rápida valorização que os
grandes empresários e comerciantes passaram a negociar. Assim,

43
Glória: sinônimo de conquista da terra

grandes extensões de terra foram submetidas à especulação das


imobiliárias, dos investimentos em pecuária extensiva e outras
formas de reserva de valor.
Inicia-se assim, uma corrida pela terra no Acre que alterou a
sua estrutura fundiária e agravou a concentração, mudando sua
forma de posse e uso. Mudanças que provocaram grandes
conseqüências nas vidas dos trabalhadores acreanos.
A situação econômica provocada pela expansão capitalista
através da implantação da pecuária resultou em uma nova
utilização do espaço rural, uma vez que as terras dos antigos
seringais foram transformadas em áreas de pastagens. Política que
contou com apoio através de incentivos fiscais, tanto do Governo
Federal quanto do Governo Estadual. No Acre, o Governador
Wanderley Dantas foi o grande defensor e incentivador do
desenvolvimento da pecuária. Esse modelo de desenvolvimento
acabou por provocar vários conflitos, envolvendo, de um lado, os
trabalhadores ex-seringueiros e agricultores que residiam nas
antigas colocações e, de outro, os pecuaristas.
O pecuarista para garantir a posse da terra desenvolveu
táticas para a “limpeza” das áreas que acabaram por provocar a
expulsão de centenas de famílias de seus locais de moradia e a
obrigar outras tantas a venderem suas terras por um preço inferior a
seu valor. A perda da terra contribuiu para o surgimento de um
contingente populacional pobre e excluído que perdeu o direito à
moradia, alimentação, costumes e hábitos, e que tiveram que
encontrar mecanismos de sobrevivência no meio urbano.
Na busca da sobrevivência, ao chegar às cidades, os
trabalhadores se dirigiram para as áreas desocupadas ou com pouca
ocupação, construíram suas moradias e acabaram por ampliar o
espaço urbano, dando continuidade à expansão das áreas de
“periferias”. A cidade de Rio Branco é a que mais sofreu
interferência deste processo por ser a capital do Estado.
O bairro da Glória, assim como outros bairros periféricos
de Rio Branco, é constituído de trabalhadores que passaram pelas

44
Habitantes & Habitat

mudanças provocadas pelo estabelecimento e desenvolvimento da


atividade pecuarista e que foram obrigados a percorrer vários
caminhos em busca de melhores condições. Pessoas com histórias
de vida provenientes de diferentes lugares, que perseguiram o
sonho de reconstrução de suas vidas. Habitantes com costumes
parecidos, que acabaram por possuir semelhanças nas condições de
existência que lhes foram impostas. Suas histórias foram sendo
construídas a partir de experiências diversas dentro de um mesmo
universo de oportunidades. Oportunidades nem sempre boas, nem
sempre desejadas.

Bairro da Glória 2007. Foto: Reginâmio Lima.


O bairro acabou por se tornar o lugar de refúgio e descanso
para aqueles que há muito tempo se movimentavam em busca de
um lugar para morar com a família. A maioria de seus habitantes é
proveniente dos municípios de Tarauacá, Sena Madureira e Feijó.
Alguns saíram de suas terras (muitos deles obrigados) e fizeram no
3
O termo “limpeza” aqui utilizado faz referência ao esvaziamento das terras, retirando as pessoas das áreas que
ocupavam para que fossem implantadas as várias fazendas de gado.

45
Glória: sinônimo de conquista da terra

bairro da Glória sua habitação, mas a maioria absoluta de seus


moradores residia em outros bairros de Rio Branco, antes de ir para
lá.
Segundo Lima (2006), alguns dos moradores residiam até
o ano de 1973, numa área no limite da Rua Rio Grande do Sul, em
frente ao lugar onde atualmente se situa a Secretaria de Estado de
Educação. Esses homens e mulheres foram expulsos do local para a
construção do conjunto Castelo Branco, um dos primeiros
conjuntos habitacionais da cidade, por isso, se dirigiram para a área
onde atualmente estão formados os bairros Palheiral e Glória.
No movimento em busca de moradias se dirigiram para o
local que consideraram disponível, formado por uma área
alagadiça, onde inicialmente o acesso a muitas casas durante o
período chuvoso se dava através de extensos trapiches: estruturas
de madeira muito comumente usadas na região amazônica.
Essa característica pode ser identificada no depoimento de
uma das primeiras moradoras, J.A., residente no bairro há 48 anos:
“O bairro era uma colônia (...) minha casa foi uma das primeiras,
era feita de paxiúba, os únicos meios de transporte eram carroças de
bois e cavalos”.
Para aqueles que percorreram seus caminhos, muitas vezes
a pé, cavalo e carro de bois, através de varadouros pelos muitos
seringais acreanos, e mesmo de batelões e canoas pelos nossos
vários rios, viver em um lugar com essas características, não
significava grandes problemas, desde que tivessem suas casas e
através delas as oportunidades de reconstrução de suas vidas, uma
vez, que teriam, a partir de então, um lugar onde poderiam construir
suas moradias e criar seus filhos.
Hoje, no depoimento de 80% dos entrevistados, lembrar
das histórias de saída de onde moravam e da ocupação do bairro
quando chegaram é rememorar o sofrimento, já que é assim, que
consideram terem sido suas vidas antes de mudar para o bairro. A
saída por melhores condições de vida está expressa, para mais da
metade dos moradores, no acesso à moradia. Moradias que
inicialmente foram construídas em madeira e que representavam o
jeito de viver na Amazônia, acabaram por demonstrar a forma de
viver das pessoas antes de chegar ao bairro.

46
Habitantes & Habitat

Uma das características do bairro é que, antes de chegar ao


local, mais da metade dos seus moradores trabalhavam como
agricultores, autônomos, e uma pequena porcentagem de 10% era
constituída de funcionários públicos.
Por ser, em grande maioria, representados por
trabalhadores da terra, com suas chegadas no espaço urbano e a ida
para o bairro, tiveram que se incorporar em outras atividades para
sobreviver. Por não ter qualificação e nem um nível escolar que
lhes permitisse trabalhar em lugares que lhes proporcionasse um
bom salário, passaram então a desenvolver atividades na maioria
das vezes de baixa renda. Dos entrevistados um universo de
41,16% teve como primeiro emprego após morar no bairro a
função de autônomos, trabalhadores braçais e serventes, seguidos
de um terço de funcionários públicos e 11,76% de domésticas.
Outra peculiaridade do bairro pode ser percebida através
da formação escolar de seus moradores. Quase 20% deles nunca
estudaram, mais da metade está entre os que iniciaram a 5ª série,
sendo que nem todos concluíram. Menos de 10% concluíram a 8ª
série, pouco mais que isso concluiu o 2º grau e somente 4,54% tem
instrução de nível superior (faculdade).
Mesmo com essa realidade da formação escolar da
comunidade, somando-se a isso o fato de o bairro não possuir
escolas, atualmente mais de um terço das mulheres entrevistadas
são donas de casa e 17,64% são moradores aposentados. O número
de funcionários públicos se manteve em 29%, e 17% autônomos,
serventes e trabalhadores de empresas privadas. Este último
aspecto demonstra uma melhoria no nível de trabalho dos
moradores.
Da época da ocupação em inicio da década de 70 para hoje
muitas transformações ocorreram, alguns benefícios foram
adquiridos, outras de suas necessidades ainda permaneceram.
De acordo com o Boletim de Cadastro Imobiliário no
primeiro cadastramento realizado pela Prefeitura Municipal de Rio
Branco em 1979, o bairro na época era formado por 13 quadras e
355 domicílios. Dessa época, os entrevistados lembram que o
bairro apresentava muitas dificuldades, sendo as principais

47
Glória: sinônimo de conquista da terra

representadas pela falta de água, luz, calçamento e esgoto.


No ano 2000, segundo pesquisa censitária realizada pelo
Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – IBGE, o bairro já
tinha uma população estimada em 3.048 habitantes distribuídos em
1.135 domicílios. Estes, porém, a exemplo de tempos passados,
ainda hoje têm que lidar com a ausência de políticas pelo poder
público para sanar velhos problemas. Apesar do desejo da
totalidade dos moradores, quando para lá se mudaram, de
encontrar o lugar com adequadas condições de moradia, mais de 20
anos depois de seu processo de ocupação, a falta de condições de
infra-estrutura ainda é um dos principais problemas do bairro.
Apesar da existência de rede de água tratada, ela não chega
a todas as residências, por essa razão, mais da metade dos
moradores consomem água de poço. Somente três ruas são
pavimentadas, a Estrada da Sobral, a Rua Rádio Farol e Rua XV,
com exceção dessas, é comum ver nas outras ruas o esgoto correr a
“céu aberto”. A novidade está em relação ao fornecimento de água,
a atual gestão municipal está trocando a estrutura da rede
hidráulica, visando à ampliação do fornecimento de água, além de
ter iniciado o trabalho de duplicação da Estrada da Sobral .
Outras mudanças também ocorreram, seguindo um
caminho natural imposto pela dinâmica da cidade. Com o tempo,
muitas casas de madeira com cobertura de palha foram sendo
substituídas por outras, construídas em alvenaria; as casas de
madeira, que no passado foram predominantes, apesar de muitas
ainda existirem, estão cada vez mais deixando de serem
construídas. O meio urbano não provocou mudanças somente na
forma de construção das moradias, outras características da cultura
dos moradores do bairro também foram alteradas. No entanto,
muitos de seus hábitos e costumes permaneceram.
Apesar das mudanças que ocorreram, diversas formas de
defesa de suas maneiras de viver foram postas em práticas. É o caso
das relações de parentescos e amizades que, apesar de terem suas
formas alteradas no processo de mudança, são ainda hoje
preservadas. Quase todos os moradores vieram com a família,

48
Habitantes & Habitat

encontrando na presença de parentes e amigos a forma de


manutenção da organização familiar. Fato que se comprova pela
presença de 42.85% dos entrevistados que apresentam quatro ou
mais parentes morando ou no bairro ou em bairros ao entorno deste.
Entre idas e vindas alguns elementos permanecem, e
reafirmam no dia-a-dia os valores dessa gente moradora do bairro.
Um elemento que traduz esses homens e mulheres é a fé: fé em
Deus, em tempos melhores, em realizar seus sonhos de “educar os
filhos”. Dentre os moradores do bairro, mais da metade são
católicos, pouco mais de um terço é constituído de evangélicos e
uma porcentagem de 4.54% é formada de adeptos de outras
denominações religiosas.
Se a religião é um traço forte dentro do bairro, o lazer
apresenta aspectos menos favoráveis. A diversão é traduzida para
27.27% dos entrevistados no ato de freqüentar festas. Para a mesma
porcentagem, está no simples ato de jogar bola, e, para 18.18%, em
ir a igrejas.
O ponto que não é favorável, no que diz respeito ao lazer, se
refere a uma porcentagem de 27.27% dos moradores que dizem
nada fazer voltado para a diversão. Aqui, abre-se um aspecto para
discussão, pois quem faz uso dessa fala são os entrevistados que
estão inseridos na faixa etária dos idosos. O que torna necessário à
superação da fronteira do preconceito e da exclusão, no sentido de
realização de políticas públicas que os insira e lhes permita usufruir
os benefícios básicos que lhes são de direito. A comunidade do
bairro da Glória desde o inicio tem uma história construída na
busca severa dos direitos de seus moradores. Direitos que quase
sempre foram negados pelo poder público.
Além dos pontos que estão expressos neste ensaio, muitos
outros aspectos históricos compõem o bairro. Aspectos que devem
ser revelados para que conheçamos melhor os espaços e os lugares
de nossa cidade. Não se assustem com os bares na avenida
principal, nem com os pequenos botequins à frente ou ao lado de
muitas casas. Como diz um ditado popular: “as aparências

49
Glória: sinônimo de conquista da terra

enganam”. Apesar de, às vezes, reinar um barulho quase que


absoluto a ponto de levar ao observador que chega a tirar
conclusões precitadas, e de expressar o lugar enquanto um
ambiente de violência, as pessoas ali atendem bem, sentam-se para
responder às perguntas que lhes fazem. Lá é um lugar como todos
os outros onde há vivências e interações.
São esses senhores e senhoras que nos processos
migratórios dos seringais para a cidade e desta para o bairro foram
obrigados a mergulhar em uma realidade diferente da que estavam
acostumados, tendo, com isso, muito das suas raízes perdidas. São
deles os olhos que transmite, às vezes, certa nostalgia do que ficou
para trás, e, às vezes, um brilho de alegria na eterna esperança de
dias melhores. Apesar de tudo que passaram são feitos de força,
coragem e determinação. Hoje, na soma dos caminhos percorridos
possuem muitas histórias para contar.
São pessoas que gostam de contar suas histórias e que
através de suas lembranças nos permitem uma longa viagem que
acaba por nos descrever sentimentos de saudades em relação ao
tempo de outrora. Saudades apenas, pois a maioria dos moradores
não voltaria a morar no local de onde vieram, e pouco mais de dois
terços apontam a vontade de continuar vivendo no bairro e
seguindo em frente na conquista dos sonhos.
É deles a história que contamos aqui, pois, é através das
lembranças que têm na memória e dos fatos que por eles foram
vividos que podemos saber sobre um pedaço da história da cidade
de Rio Branco. Pedaço que pode ser mais bem compreendido e
desvendado, para isso, basta que sigamos rumo ao bairro.
Então, para aqueles que quiserem aprofundar o
conhecimento e escrever mais um pedaço dessa história, basta
bater palmas, é bem provável que uma porta se abra e que vos
convide a entrar. E todas as vezes que isso acontecer, glória para
nós, pois, estaremos conhecendo mais um pouco dos processos de
posse e conquistas das terras acreanas.

50
Habitantes & Habitat

BAIRRO DA PISTA: UM LUGAR EM CONSTRUÇÃO


LELCIA MARIA MONTEIRO DE ALMEIDA
Cleunilde Silva dos Santos

T erras. Gentes. Homens, mulheres e crianças nos são


apresentados. Um contato imediato que, nas muitas falas e
olhares, nos contam dos seus anseios, sonhos e realizações e
acabam por nos permitir conhecer um pouco do processo de
ocupação e formação do bairro. Contato que se deu através de
conversas e das entrevistas, e que, somados a outros documentos,
contribuíram para a elaboração deste ensaio, no qual, esperamos
contemplar algumas das inúmeras histórias dos moradores e suas
relações para a construção desse espaço que se faz lugar,
denominado bairro da Pista.
As andanças que tanto fervilharam o suor e o sangue dessas
gentes fizeram-nas seguir por muitos lugares até se reassentarem

51
Bairro da Pista: um lugar em construção

no setor chamado Terceiro Eixo Ocupacional de Rio Branco, área


em que o bairro está inserido. Oliveira (1982) denomina como
Terceiro Eixo a alternativa de crescimento urbano, que segue em
direção ao antigo Aeroporto através da Rua Rio grande do Sul,
retratando que essa área já em 1982 era constituída por mais de
15.000 pessoas, entretanto, nos anos seguintes este número
tenderia a crescer, permitindo o surgimento de novos bairros.
O Bairro da Pista, objeto deste ensaio, está localizado entre
os bairros Palheiral, João Eduardo II, Bahia Velha, Glória e
Aeroporto Velho, tendo uma extensão de aproximadamente 32.060
m². Seu nome tem origem por ser paralelo à antiga pista do
primeiro campo de pouso pertencente ao Aeroporto Francisco
Salgado Filho, que em 1939 fora inaugurado para pouso e
decolagem de aviões de pequeno porte.

Campo de pouso do Aeroporto Francisco Salgado Filho.


Fonte: Fundação Garibaldi Brasil

Quanto à trajetória da pista de pouso, os aviões percorriam


o local onde atualmente está situada a 6ª USP, indo até as
proximidades do Rio Acre, num traçado paralelo à Estrada da
Sobral. Os aviões pousavam e se dirigiam ao terminal de embarque
52
Habitantes & Habitat

e desembarque que ficava próximo ao rio para descida de seus


passageiros, que na década de 1940 utilizava embarcações de
acesso até o antigo Aeroporto Salgado Filho.
Essa passagem presente nas lembranças dos antigos
moradores do Bairro descreve a instituição de cultura do
Município, Centro Cultural Lídia Hammes, como o referencial do
Bairro, mesmo este sendo localizado no Bairro Aeroporto Velho.

O Lídia Hammes era a Antiga Estação de


passageiros, aí fizeram o novo Aeroporto
Presidente Médici, então esse aqui, ficou
conhecido como o velho Aeroporto, (...)
aqui, se tinha duas entradas uma ao fundo
para o desembargue das lanchas ou na
década de 60, 70 pela entrada principal,
sendo que já se utilizava de carros, (...), a
torre era utilizada para dar visibilidade aos
novos visitantes, isso aqui é uma história
viva. (Entrevista com S.P., realizada em
26/10/2006 por Cleunilde Santos).

É também através das lembranças dos moradores que


podemos saber mais sobre a estrutura e funcionamento do
Aeroporto Salgado Filho. O Aeroporto funcionou de 1939 até
1974, quando então foi desativado em razão da inauguração do
Aeroporto Presidente Médici, o novo Aeroporto da cidade. Em
1939, quando de sua efetiva instalação, toda uma infra-estrutura
que envolvia uma torre de identificação e casas para depósitos foi
construída para garantir o seu pleno funcionamento.
Após sua desativação, há 32 anos, muitos dos elementos da
época foram perdidos, como é o caso da Torre de Identificação da
antiga Rádio Farol, que foi ao chão exatamente no mês de agosto de
2006 por estar em uma área ocupada e tornada particular, dela
restando somente a lembrança na memória dos moradores mais
4
Lima, Reginâmio Bonifácio. Sobre Terras e Gentes: O Terceiro Eixo Ocupacional de Rio Branco
(1971 – 1982). João Pessoa: Idéia, 2006.

53
Bairro da Pista: um lugar em construção

antigos. Mas, nem tudo fora perdido no decorrer do tempo, há


coisas que conseguem surpreender pela profunda resistência. É o
caso que envolve uma pequena casa em madeira e um prédio antigo
em alvenaria, que também faziam parte da estrutura montada para
o funcionamento do Aeroporto e que subsistiram à ação do tempo
representando hoje fragmentos históricos da época.
Com a instalação do novo Aeroporto, a área da antiga Pista
foi, aos poucos, se transformando em lugar de construção de
moradias, iniciando assim seu processo de ocupação e formação,
que se intensificou no início da década de 1980, quando cerca de
75% das famílias residentes fixaram moradia no bairro. É
interessante lembrar que na área onde se situa a Estrada da Sobral,
de um lado fica o bairro Aeroporto Velho e, do outro, entre as ruas
São Salvador e rua XV, fica o bairro da Pista, que se estende até as
proximidades da Escola Frei Thiago Maria Matiolli.
A maioria dos moradores do bairro nasceu em outros
municípios do Estado, principalmente Tarauacá e Sena Madureira,
e com a crise da economia da borracha vieram morar em vários
bairros de Rio Branco, se mudando para o local quando de sua
ocupação.
De acordo com o levantamento da pesquisa de 2005, no
trabalho sobre a formação dos bairros da localidade, realizado por
Lima, com pessoas que moram no bairro há pelo menos 24 anos,
sem se mudar do local, desde o período de formação, cerca de
38,76% dos moradores chegaram ao bairro com idade entre 26 e 40
anos. A maioria dessas famílias tinha em média cinco membros.
Antes de ir para o bairro da Pista trabalhavam como agricultores,
seringueiros ou criadores de gado. Essas pessoas vieram em busca
de melhores condições de vida, sobretudo, em relação à educação
dos seus filhos. Nesse sentido a maioria absoluta dos entrevistados
quando perguntados acerca de como era a vida antes de chegar ao
bairro, classificaram como sendo uma vida muito ruim, de muito
trabalho e sacrifício.
Os novos moradores do “ambiente urbano” tiveram que
reelaborar um modo de viver e se adaptar às diversas profissões
existentes na cidade. Dados obtidos na pesquisa com os

54
Habitantes & Habitat

entrevistados retratam que quase metade das mulheres que vieram


para o local passaram a trabalhar como empregadas domésticas, e
os homens trabalhavam como autônomos e biscateiros. Essa
realidade é justificada pela falta de formação escolar dos
moradores entrevistados, quase metade deles não concluiu o
primário, e cerca de um quinto não foi alfabetizado. Essa falta de
formação tem sua explicação na origem dos moradores,
principalmente os mais antigos que não tiveram oportunidade de
estudar, mas que a possibilitaram aos seus filhos, o que
corresponde a uma minoria de 15,38% que já concluíram o nível
médio.
Hoje cerca de um terço dos moradores entrevistados
exercem cargos públicos, principalmente como vigias, serventes e
serviços operacionais diversos, mais da metade dos entrevistados
trabalham de carpinteiro, pedreiro, ferreiro, “orelha seca” e
diarista.
Ainda em relação à formação dos moradores é importante
frisar, que mesmo o bairro da Pista assim como o bairro da Glória
não possuindo escolas na comunidade, todos os bairros que fazem
limite com o bairro da Pista contam com escolas em suas áreas, e é
para elas que os alunos do bairro se dirigem.
Se os aspectos apontados acima auxiliam a caracterizar a
educação do bairro, é bom, então, conhecermos outros aspectos
que revelam a comunidade, como os casos do lazer e da religião.
A comunidade do bairro não dispõe de espaços destinados
ao lazer, os habitantes do local, principalmente os jovens e
adolescentes, utilizam as estruturas existentes nos outros bairros
para lazer, esporte e recreação, como o complexo poli esportivo
denominado SEJA e o Ginásio Coberto Álvaro Dantas, ambos
localizados no bairro Aeroporto Velho, e, a praça em frente ao
Mercado Municipal Luiz Galvez, no bairro Palheiral.
Quanto à diversão daqueles que estão na “terceira idade”,
nas muitas falas dos entrevistados, a palavra lazer e diversão foram
traduzidas no ato de se reunir em festas de aniversários, visitas a

55
Bairro da Pista: um lugar em construção

velhos conhecidos e encontros realizados nas igrejas. Esse último


aspecto acaba por revelar a religiosidade da comunidade. Dentre os
entrevistados por Lima, cerca de 46% são católicos, outros 46%
são evangélicos de varias denominações, e, 8% praticam outras
religiões.
Outra característica abordada no levantamento da pesquisa
foi a infra-estrutura. O sonho de todos os entrevistados que foram
morar no bairro era de tê-lo encontrado com água, luz, esgoto e
calçamento. No entanto, mais de 30 anos após o inicio de sua
ocupação, a realidade é que a comunidade ainda conta com um
precário serviço de fornecimento de água, uma rede de esgoto que
não atende a todos e calçamento somente nas principais travessas.
Colaborando, por se tratar de um solo encharcado, para que muitas
famílias convivam principalmente no inverno, com quintais e ruas
alagadas.

Bairro da Pista 2006. Foto: Cleunilde dos Santos.

Cabe ressaltar que atualmente a Estrada da Sobral, via de


acesso principal ao bairro, encontra-se em inicio de pavimentação
e duplicação, é bem verdade que muitas outras melhorias de infra-
estrutura ainda se fazem necessárias.
56
Habitantes & Habitat

Apesar dos problemas, os moradores afirmam que gostam


de morar no local, o que não os faz deixar de identificar suas
deficiências e dificuldades diante das poucas melhorias que se teve
nos últimos anos. Requerer do poder público as melhorias que o
bairro necessita não significa para esses moradores abrir mão de
antigos hábitos e costumes. As relações mantidas no bairro por seus
moradores ainda são, em grande medida, pautadas em valores do
tempo em que moravam nas florestas ou no campo. As relações
mantidas entre vizinhos, apesar das diferenças de trabalho ou de
moradia, ainda permitem que a maioria se conheça. Tanto os mais
novos podem dar informações referentes aos moradores mais
antigos, quanto esses conseguem identificar os novos vizinhos que
chegam.
É essa dinâmica do viver, do se identificar enquanto
sujeitos do passado e transformadores do presente, que faz do
Bairro da Pista um local de interação, onde novas famílias surgem,
novas casas se constroem e novas amizades acontecem, através das
lembranças dos moradores, da alegria de poder contar suas
histórias de vida. Os Franciscos, Josés, Raimundos, as tantas
Marias evidenciam as passagens transitórias entre o seringal e a
cidade; é mais que poder relembrar tantos acontecimentos, é se
situar como agente da transformação do próprio bairro no decorrer
dos tempos.
Essa história coincide com o surgimento de muitos outros
bairros da cidade inseridos no contexto dos anos de 1970, um
período marcado por uma nova diretriz governamental onde as
políticas de investimentos estavam voltadas para o “progresso
econômico”. “Progresso” esse que nunca chegou.
O Bairro da Pista surge nesse período. Seu processo de
ocupação “urbana” inicia-se, segundo Lima (2006), justamente na
década de 1970, se intensificando na década de 1980,
principalmente entre as Ruas XV, São Salvador e Estrada da
Sobral.

57
Bairro da Pista: um lugar em construção

A comprovação da intensificação das ocupações pode ser


localizada através de matéria jornalística do jornal O Rio Branco
do ano de 1980:
Cerca de 200 pessoas estão demarcando uma área de
terra localizada entre os bairros da Bahia e Palheiral,
próxima do Ginásio Coberto “Álvaro Dantas”...
armados de enxadas, terçados e outras ferramentas
usadas para limpeza dos terrenos (...) a maioria alega
que deixou suas casas nos bairros da Bahia e
Palheiral em virtude de assaltos, crimes e presença
de pessoas dadas a valentias. “O Palheiral e Bahia -
disse um dos invasores - são bairros que não
oferecem segurança para as famílias. Não tem luz,
água e nem ruas e se alguma coisa acontece ali,
somos obrigados a resolver nós mesmos, porque até
o acesso da polícia é difícil”. Outros estão
demarcando terrenos “porque não têm onde morar”
(O Rio Branco, Rio Branco-AC, Ano 10, nº 856, 13
de mar. de1980, p. 1).

Se formos considerar a descrição presente na matéria do


jornal, podemos perceber a situação e a angustia em que se
encontravam as pessoas que para lá se dirigiram, bem como os
conflitos existentes nas áreas próximas, fruto da falta de infra-
estrutura adequada nos locais de onde os ocupantes eram
provenientes. Ainda é possível, pelo depoimento, identificarmos a
expressão “invasores” adjetivo preconceituoso direcionado aos
muitos trabalhadores e trabalhadoras que ocupavam as terras
devolutas.
Outro fator importante identificado na matéria em 1980, e
que foi comprovado em pesquisas realizadas em 2005 por Lima
(idem), e por nós em inicio de outubro de 2006, é que, das muitas
famílias que se dirigiram ao local, uma parte era composta por
pessoas que já dispunham de moradia nos bairros próximos,
vivendo em casas de parentes, e outra parte formada por pessoas

58
Habitantes & Habitat

que vieram de outras localidades convidadas e/ou avisados por


parentes e amigos.
Quanto à tomada de decisão dos moradores de iniciar o
processo de ocupação da área, está, segundo depoimentos dos muitos
entrevistados, vinculada ao estupro e assassinato da jovem Hosana,
ocorrido em 1979. Tal fato juntou-se às péssimas condições de vida
de muitos homens e mulheres que não tinham onde residir, viviam de
aluguel ou em casa de parentes, e viram na ocupação da área uma
saída, ainda que parcial, para seus problemas de moradia. Estes,
através do argumento de que a área era formada por um grande
matagal e que não poderia ficar como estava, pois contribuía para a
prática de crimes, tomaram então a decisão de ocupá-la.
Essa afirmação fica mais bem clarificada quando traçamos
diálogos com base nos depoimentos dos próprios moradores. Suas
falas, melhor que qualquer outra coisa, podem, como costumamos
dizer, dar luz, iluminar, clarear sobre como era o lugar quando de
suas chegadas.
Um dos entrevistados afirma que “no Inicio era uma grande
extensão de mata verde, com um açude que se iniciava no que hoje
chamamos bairro da Pista e terminava no Bahia, (...)” e outro diz que
“(...) há 23 anos atrás, tudo isso era uma colônia, só tinha umas quatro
casinhas, e a rua era um caminho”.
A área territorial onde o bairro da Pista encontra-se
localizado, no passado, correspondia parte dela à área de terra cedida
ao governo do Território Acreano para o estabelecimento da pista de
pouso do Aeroporto Salgado Filho, que funcionou até o início do ano
de 1974, quando então foi inaugurado o Aeroporto Presidente
Médici.
A Estrada do Sobral até a Rua 15 do bairro da Pista
era um campo de aviação isso na década de 60 (...).
No Governo de Wanderley Dantas ele se
encarregou de dividir lotes para abrigar os novos
moradores já no ano de 1974. (Entrevista com
J.S.N., realizada em 26/10/2006 por Lelcia
Monteiro). 5

59
Bairro da Pista: um lugar em construção

Local onde se construiu a pista de aviação. Fonte: Fundação Garibaldi Brasil

Bem antes de ser um espaço determinado para a aviação, o


lugar ficava envolto em uma mistura de fazendas e colônias.
Segundo Guerra (1955), faz parte dessa área a antiga Fazenda
Sobral comprada em 1943 pelo governo territorial para o fomento
da pecuária na região. Nesse sentido, o relatório produzido pela
administração de Jorge Kalume através do Departamento de
Geografia e Estatística que aponta as realizações desenvolvidas
entre os anos de 1857 e 1969, destaca que a transformação da
Fazenda Sobral em Colônia Agrícola dá-se em 04 de julho de 1946.
Ainda segundo Guerra, em 1955, a área desta fazenda
compreendia uma parte dedicada à pecuária com 38 hectares de
campos, e outra de colônias, com 15 lotes. As colônias agrícolas
foram desenvolvidas pelo governo como forma de incentivo ao
desenvolvimento da agricultura, visando ao abastecimento do
mercado local. Assim, tinha-se a Fazenda Sobral, e a Colônia
Sobral. Fazia parte dessa área a Fazenda Farol, com uma extensão
de 15 hectares, sendo 07 de “capoeira” e 08 de pastos.

60
Habitantes & Habitat

É bom lembrar que nesse período muitas outras fazendas e


colônias foram criadas no Território do Acre, como áreas de
investimentos experimentais. Ao longo do tempo, muitas dessas
áreas acabaram por terem um contínuo aumento do número de
famílias e foram crescendo ao ponto de serem transformadas em
atuais municípios do Estado. É o caso do município de Senador
Guiomard, que derivou da Colônia Agrícola Quinari, e outras áreas
da cidade de Rio Branco, que se tornaram bairros, como São
Francisco, Estação Experimental, Apolônio Sales, e a área onde se
insere o bairro da Pista.
As terras que fazem parte do que é chamado tanto por
Guerra (1955) quanto por Oliveira (1982), no passado, quanto por
Lima, no presente, de Terceiro Eixo Ocupacional da cidade de Rio
Branco, ainda estavam no início da década de 1960 sendo ocupadas
com o desenvolvimento de atividades fomentadas pelo governo.
Guerra (idem) relata que dentro da Fazenda Farol, nesse período,
existiam moradores que viviam à beira do rio e plantavam nas
“praias”. Apesar das mudanças na prática das atividades, muito
desse período tem sua origem pautada em outros tempos. Tempos
que só o exercício do lembrar permite conhecer.
As lembranças dos entrevistados nos levam para uma época
em que o rio era o grande condutor da vida e em que as águas
tinham como destino os seringais. Nesse processo do lembrar,
muitos seringais aparecem como parte que integram a área que
compreende o bairro da Pista. Seringal Nova Empresa, Seringal
Empresa, Seringal Sobral, Seringal Bagé e outros são apontados
como terras nas quais está inserido o bairro. Dentre esses, o mais
apontado é o Seringal Bagé; é provável que esteja vinculando ao
Estirão de Bagé, onde pousavam os primeiros hidroaviões.
Todos os seringais apontados acima foram importantes na
economia extrativa da borracha, e como são muitas as vozes,
muitas outras possibilidades de interpretações dessa história
podem ser feitas. Esses são alguns dos muitos olhares referentes às
histórias desse lugar e dessas gentes, fruto das experiências por eles
vividas.

61
Bairro da Pista: um lugar em construção

Para perceber a constante mobilidade de muitos moradores


fizemos em entrevista a seguinte pergunta: quais os lugares onde o
senhor ou a senhora morou antes de chegar ao bairro? A maioria das
respostas dadas a essa pergunta acabam por parecer-se ao
depoimento seguinte:

Olhe, antes morei em muitos lugares. Primeiro nasci


no município de Tarauacá, depois maiorzinha, fui
com meus pais para o rio Muru cortar seringa, depois
andamos por outros seringais, fui para Cruzeiro do
Sul, ai lá eu casei, depois vim morar em Rio Branco,
lá na Cidade Nova, depois fui para outro seringal em
Xapuri, só depois é que vim morar aqui no bairro
Sobral na Rua Vilhena. (Entrevista com M.M., 60
anos, realizada em 26/10/2006 por Lelcia Monteiro).

Parece que esses homens e mulheres estão sempre em busca


de algo que não está somente relacionado à questão de moradia,
mas, principalmente, a uma específica forma de viver que busca
manter vivos valores herdados dos muitos lugares por onde
passaram.
O bairro da Pista não é formado só das informações que
estão aqui, para entendê-lo melhor, é necessário que mais estudos
sejam realizados, assim, poderá ser analisada de maneira mais
profunda a luta travada por essas gentes na busca do acesso à terra,
enquanto lugar de construção de moradias, e compreender o que
para nós neste ensaio representou o inicio de um longo caminho
ainda a ser percorrido.

62
Habitantes & Habitat

AMBIÊNCIA FÍSICA E SOCIAL DOS


BAIRROS JOÃO EDUARDO I E II
Leila Gonçalves da Costa

A partir da década de 1970, Rio Branco passou por um


processo “desordenado” de urbanização, marcado
fundamentalmente pela entrada da frente agropecuária no
Estado, onde os empresários do Centro-Sul do país compravam dos
seringalistas enormes quantidades de terras a preços baixíssimos,

63
Ambiência Física e Social dos bairros João Eduardo I e II

objetivando derrubar a floresta e implantar pastagens para a criação


de gado.
Para os nordestinos que, após a longa e sofrida viagem
foram inseridos no trabalho compulsório da produção de seringa, já
tinham adquirido o “direito de ocupação” dessas terras desde 1877,
serem expulsos pelos novos proprietários dos seringais era algo
que destruía suas vidas. Segundo Duarte (1987), a expulsão de
seringueiros iniciou-se através da utilização de vários
mecanismos, como, por exemplo, indenizações irrisórias de suas
benfeitorias, outras vezes sem qualquer indenização, usando de
intimidações e mesmo de violências.
Grande parte da população expulsa dos seringais migrou
para Rio Branco, causando um verdadeiro “inchaço” na cidade.
Esse fluxo migratório foi tão intenso que se em 1970 mais de 70%
da população acreana se concentrava na zona rural, em 1980, só a
cidade de Rio Branco concentrava mais de 65% da população
urbana do Estado do Acre.
A cidade de Rio Branco não estava estruturada para
acomodar um contingente tão grande de pessoas em um espaço de
tempo tão curto, e paralelas aos conflitos pela posse da terra na
zona rural, também começaram a ocorrer, na zona urbana, as
ocupações em decorrência das mudanças ocorridas na base
econômica extrativista do Acre.
Esse processo de urbanização em diversas direções
ocasionou a formação e o desenvolvimento de bairros em antigas
colônias próximas à área urbana de Rio Branco, como: Estação
Experimental, Aviário, São Francisco e outros, contribuindo para a
formação de uma área geograficamente conhecida como
“periferia” da cidade.
A sobrevivência dos ex-seringueiros na zona urbana foi
marcada por lutas durante os processos de ocupação, sendo estas
caracterizadas por despejos, sofrimentos, miséria e pela
discriminação de seu modo de falar, de vestir, de viver e até de seus
hábitos religiosos.
Suas identidades eram marcadas, anteriormente, por
elementos voltados para o meio em que viviam, como as matas, os

64
Habitantes & Habitat

animais, as águas, a roça, a casa, os vizinhos, as festas, o entoado


nativo do falar, do viver, do louvar a Deus, dentre outros. Mas,
tiveram suas “raízes culturais” fragmentadas, passando a
desenvolver um novo aprendizado e uma nova maneira de ser e de
viver, de ver e de sentir, exigindo, portanto, novos saberes.
Nos novos espaços onde estão buscando sua sobrevivência, esses
moradores desenvolvem um jeito de viver próprio, e esses novos
saberes foram estabelecidos justamente nas relações cotidianas
caracterizadas pelo ato de vizinhar, conversar com os conhecidos,
contar “causos” e jogar bola no final da tarde.
Uma das características que marcou os conflitos das
ocupações urbanas de terrenos públicos ou privados foi a violência,
muitas vezes representada no rigor com que a polícia agia para
retirar os ocupantes,
como foi o caso dos
habitantes do
Triângulo Novo ou
ainda de conflitos
entre os próprios
ocupantes do bairro
João Eduardo
quando de sua
formação.
Entre as
grandes ocupações
que aconteceram
nos arredores da
cidade de Rio
Branco, uma
imensa área sem
ocupação entre os
bairros Bahia,
Aeroporto Velho e
Palheiral, passou a
Fonte: Memorial dos Autonomistas
5
Monitor da Igreja Católica é o mesmo que catequista, pessoa que prega o Evangelho para os jovens,
faz reuniões com os pais para batizar os filhos.

65
Ambiência Física e Social dos bairros João Eduardo I e II

ser habitada por famílias desprovidas de moradia e sem


possibilidades econômicas para adquirir, frente ao seu estado de
pobreza.
Os bairros João Eduardo I e II localizam-se entre os bairros:
Floresta Sul, Novo Horizonte, Conjunto Castelo Branco, Palheiral,
Pista e Bahia Velha. Seu nome é uma homenagem ao líder
comunitário João Eduardo do Nascimento, que foi assassinado no
dia 18 de fevereiro de 1981, num conflito durante o processo de
demarcação e distribuição de lotes de terras.
A formação do bairro João Eduardo I se deu,
aproximadamente, entre os anos de 1971 e 1982, sendo que já
existiam fazendas e colônias habitadas naquele local, contudo,
pode-se afirmar que o grande fluxo ocupacional deste bairro se deu
entre 1974 e 1979.
Segundo a Prefeitura, a faixa de terra compreendida entre
as ruas “A” e Campo Grande corresponde ao bairro João Eduardo I,
que possui uma extensão aproximada de 426.270m² e originou-se
a partir de uma ocupação nas terras de Amélia Araripe, onde houve
conflitos e prélios judiciais pela posse da terra, conforme o relato
do ex-seringueiro e morador do local, J.A.M, de 74 anos: “aí
pegamos um processo de 4 anos da Dona Amélia Araripe, né. Aí
quando o Nabor Júnior entrou no governo, ele derrubou o processo
e indenizou a terra pra nós”.(Entrevista com J.A.M., realizada em
31/12/2002 por Leila Gonçalves).
Nessa área, o morador do bairro Bahia, que era monitor da
Igreja Católica e também fazia parte dos Direitos Humanos da
Diocese, João Eduardo do Nascimento, foi escolhido pelo
governador Joaquim Falcão Macedo, através do secretário de
Comunicação Elias Mansour, como presidente da comissão
demarcadora de lotes.
Essa comissão tinha a finalidade de organizar a distribuição
dos terrenos. O traçado das ruas foi pensado de forma que a largura
de cada quadra fosse de 50 metros, dois terrenos de 25 metros, um
de fundo para o outro, tudo devidamente planejado. Dando a cada
família o direito de ter apenas um lote medindo 10x25m.
A faixa que se inicia a partir da Rua Campo Grande, do lado
direito, corresponde ao bairro João Eduardo II, que sofreu um
grande fluxo ocupacional no período de 1979 a 1982. Com uma
66
Habitantes & Habitat

extensão aproximada de 372.780m², o bairro originou-se de uma


ocupação nas terras do governo que se destinavam à construção de
um estádio de futebol. Segundo o senhor J.A.M: “[o bairro] João
Eduardo II era do governo, ele comprou justamente pra fazer um
estádio de jogar bola. Essa Campo Grande já era a estrada que ia
pro estádio, né, então aí a estrada parou e o estádio não saiu, né” .
Até o ano de 1980, a área que ligava o bairro Bahia à Rua Rio
Grande do Sul, no bairro Aeroporto Velho, era formada por um
grande matagal, cortado apenas por uma estrada, a atual Rua São
Salvador. E por se tratar de um local de difícil acesso, os moradores
tinham que atravessar toda aquela extensão antes de pegar o ônibus
para se deslocarem à escola e ao trabalho. Além disso, ainda
enfrentavam outro grande problema, eram constantemente
importunadas por pessoas de má índole que se aproveitavam da
situação para causar desordem.
Como haviam ocorrido alguns crimes no local, dentre eles,
o assassinato de uma moradora do bairro Bahia, chamada Hosana
Cordeiro, essas ocorrências causavam medo e revolta nos
moradores, que decidiram desmatar a área. Sendo justamente nesse
mutirão que surgiu a idéia de se construir casas para as famílias
“sem teto”.
A partir desse momento, houve no local uma enorme
procura de terras para habitar por pessoas de todas as partes, vindas
da zona rural e também pessoas que moravam de aluguel, oriundas
de outros bairros. Imediatamente limpavam o terreno e construíam
seus barracos. Em cinco meses, aproximadamente, estava ocupada
uma área de 2.000 lotes de terra.
Com o desenvolvimento do trabalho de demarcação dos
lotes e a tentativa de acabar com a “especulação urbana”, cada
família deveria adquirir apenas um terreno, o que seria suficiente
para atender a toda a família. Começou a haver alguns
desentendimentos entre a comissão e alguns moradores do bairro
Bahia Nova. E mesmo sob ameaças, a comissão realizou essa
atividade, até que no dia 18 de fevereiro de 1981, João Eduardo foi
assassinado com um tiro de espingarda calibre 20, atingindo seu
peito.

67
Ambiência Física e Social dos bairros João Eduardo I e II

Quando Ventinha viu os homens em frente a sua casa


disse apenas “saiam daqui”. Os homens não deram
importância (...) e Ventinha recolheu-se a sua casa e
de lá disparou um tiro com uma espingarda calibre
20, atingindo o peito do líder comunitário. Aldo
Lopes, um dos homens conta como ocorreu o
assassinato: “nós gritamos: ele está com uma
espingarda” e quando João Eduardo, que estava de
costa, virou-se, foi atingido (Gazeta do Acre, Rio
Branco-AC, Ano III, nº. 766, 19 de fev. de 1981).

O lavrador Francisco Nogueira Leite, conhecido por


“Ventinha”, assassinou o líder comunitário João Eduardo. Este fato
causou muito tumulto no funeral do líder comunitário. Os
moradores dos bairros mais próximos organizaram uma passeata
como protesto contra o homicídio. Essa passeata realizou-se no dia
18 de março de 1981 quando completava um mês da morte do líder
João Eduardo. A passeata iniciou na Assembléia Legislativa e
dirigiu-se até a entrada do bairro Bahia Nova, onde os
manifestantes pregaram uma placa dando o nome do João Eduardo
ao bairro que ele ajudara a fundar.

Fonte: Patrimônio Histórico Estadual.

68
Habitantes & Habitat

João Eduardo juntamente com o Padre Pacífico, Francisca


Marinheiro, Nilson Mourão, Dom Moacyr, Padre Asfury, dentre
outros, foram pessoas que sempre atuaram em defesa do direito à
moradia e melhores condições de vida da população mais carente.
No contexto da Administração do Prefeito Flaviano Melo,
no início da década de 1980 fazia-se necessário organizar as
Associações de Bairros para que pudessem participar dos
programas que a Prefeitura desenvolvia. Então foi fundada a
Associação de Moradores do Bairro João Eduardo e registrada no
Registro Civil de Pessoas Jurídicas em 08 de julho de 1983 e a
Associação de Moradores do Bairro João Eduardo II foi fundada
em 22 de julho de 1984 e registrada em 17 de setembro de 1984 que
também se registrou com o objetivo de participar do programa de
entrega de tíquetes de leite.
A Associação de Moradores do bairro João Eduardo I
concebe o nome do bairro como algo justo e honroso por se tratar de
uma homenagem a um simples, mas importante cidadão no
processo de criação do bairro. Já a Associação de Moradores do
bairro João Eduardo II, apesar do respeito e admiração por João
Eduardo do Nascimento, já realizou várias assembléias com o
objetivo de mudar o nome do bairro, que foi passado para Senador
Adalberto Sena, em 28 de abril de 1985, alguns dias depois, tornou
a se chamar João Eduardo II.
É importante acrescentar que, atualmente, existe uma área
de terra limítrofe ao bairro Floresta Sul, que está sendo ocupada por
moradores oriundos do João Eduardo II e Bahia, a essa localidade
atualmente estão chamando de João Eduardo III, embora não haja
reconhecimento da prefeitura para tal ato.
A implantação das Associações de Moradores nos seus
respectivos bairros contribuiu para a organização dos moradores na
luta por uma melhor qualidade de vida. A partir da década de 1990,
essas Associações não têm sido mais atuantes no desenvolvimento
de seu objetivo, que é representar a comunidade junto aos órgãos
públicos em busca, principalmente de infra-estrutura urbana que
atenda à população local.

69
Ambiência Física e Social dos bairros João Eduardo I e II

Dentre as ações realizadas pelas Associações de Moradores dos


bairros João Eduardo I e II destacam-se: a construção de uma
Biblioteca Comunitária, localizada na rua São Luiz, com o objetivo
de atender a comunidade escolar dos bairros e adjacências; a
construção de pontes sobre os igarapés que cortam os bairros; a
implementação do Projeto Habitar Brasil que beneficiou vários
bairros daquela localidade, onde foram desenvolvidas obras de
pavimentação de ruas, construção de galerias para a captação do
esgoto, construção da Praça João Eduardo; a construção de uma
quadra poli esportiva na Escola Marilda Gouveia Viana; e a
pavimentação de algumas ruas dos dois bairros.
Percebe-se então, que esses moradores primeiramente
sofreram com o despejo dos seus locais de origem, depois tiveram
que enfrentar a polícia durante as ocupações e instalações de suas
moradias, reivindicaram por energia elétrica, por água canalizada e
esgoto. A batalha diária continua até os dias atuais, onde lutam por
emprego, por saúde, educação, enfim, por uma vida digna.
Nota-se que muitos dos moradores que iniciaram as
ocupações dos bairros João Eduardo I e II mudaram para outros
locais, aumentando, assim, o índice de migração urbana em
detrimento da migração rural, que sofreu uma diminuição do seu
fluxo. Menos de 10% dos moradores que “fundaram” o bairro
permanecem no local. E outros permanecem através dos
descendentes e herdeiros.
Num período de mais de vinte anos ocorreram muitas
mudanças no espaço físico, na infra-estrutura e na própria
população, onde muitos daqueles que participaram da “fundação”
dos bairros já morreram, uns poucos, apenas 3,5% dos
entrevistados, concluíram o ensino superior, no entanto, percebe-
se um movimento de saída do local por parte desses moradores que
ao casar acabam por ir morar em outros bairros.
A maioria dos moradores dos bairros hoje expressa uma
espécie de paixão pelo local, passando a se identificar nas relações
com as pessoas do bairro, com seus vizinhos e com o espaço. Eles
declararam que mesmo tendo a chance ou oportunidade de mudar
de bairro preferiram continuar morando lá, porque já se

70
Habitantes & Habitat

acostumaram com o ambiente. E isso reflete o apego dos


moradores com o local de moradia.
Esses homens e mulheres que vieram para os bairros
passaram a gostar do lugar devido às relações estabelecidas com os
outros e com o local, e, em alguns casos, há satisfação de seus
anseios, pois na medida em que os mesmos deixaram sua terra natal
com certo pesar, ao chegarem aos bairros João Eduardo I e II, eles
formaram novos laços de afetividade, transformam o local e a si
próprios numa construção contínua de sua memória cultural,
sempre em busca de melhores condições de vida.
Quanto aos moradores que durante a formação dos bairros
moravam em locais com becos ou logradouros, dois quintos dos
entrevistados moram em ruas pavimentadas, por tijolos ou asfalto,
uma vez que o asfalto ocorre principalmente nas ruas principais,
enquanto nas ruas locais dos bairros há somente o piçarramento das
ruas. Quanto ao nível de escolaridade dos moradores entrevistados
que permaneceram no local, observa-se o seguinte resultado em
2005: um terço deles têm o ensino fundamental incompleto e
menos de um quinto estão cursando ou já concluíram o ensino
médio.
A pesquisa realizada nos bairros João Eduardo I e II no ano
de 2005, com moradores que vivem no bairro desde o período de
“formação”, mostra que um terço dos entrevistados possui idade
acima de 60 anos, sendo oriundos principalmente da zona rural de
Rio Branco, e dos municípios de Sena Madureira e Boca do Acre
(pertencente ao Estado do Amazonas). A maioria desses
entrevistados é casada, embora um quinto já seja viúvo.
Mais da metade desses moradores veio para Rio Branco
antes de 1971, sendo que, a maioria absoluta veio entre 1980 e
1983, trazendo também seus parentes, ou eles vieram em seguida.
Os entrevistados tiveram conhecimento do local que estava
sendo ocupado através de um conhecido e/ou parente. Eram
funcionários públicos, domésticas, agricultores, seringueiros,
autônomos, biscateiros, eram homens e mulheres que saíram de
suas localidades em busca de melhores condições de vida, um lugar
seu, casa própria, almejantes de estudos para os filhos.
71
Ambiência Física e Social dos bairros João Eduardo I e II

Esses personagens estavam inseridos no processo de


reprodução do espaço urbano com um excesso de mão-de-obra
“desprovida de qualificação profissional” para o mercado de
trabalho onde lhe restava a miséria e a desagregação social.
Em geral nem o espaço físico nem os moradores e nem
mesmo o meio ambiente permaneceram como estavam, mas sim,
passaram por muitas transformações necessárias à sua
sobrevivência. As transformações dos moradores se deram no
sentido de terem em comum situação de mudanças em suas
trajetórias de vida, pois passam por rupturas, adaptações e
resistência aos novos espaços e meio a que sua realidade lhes
permitia.

72
Habitantes & Habitat

MEMÓRIAS SOCIAIS NA VELHA BAHIA


Sâmya Teixeira de Alencar

Compreender de que maneira se dá o desenvolvimento de


uma sociedade é uma das tarefas mais complexas do ser humano.
Contudo, esta pode se tornar apaixonante se estiver próxima de
nossa realidade. Entender a formação de bairros como Bahia Velha,
nos leva a entender a história de vida de muitos acreanos, que, na
busca de dar uma vida melhor a suas famílias, se deslocaram do
lugar de sua antiga morada para se “aventurarem” nas regiões
“periféricas” de Rio Branco, uma cidade em formação na época e
que não lhes oferecia as condições de suprimento das necessidades
sociais básicas.
Era visível a forma precária com a qual os primeiros
habitantes do bairro Bahia Velha dispunham suas pequenas casas,
isoladas da sociedade e construídas muito mais com sonhos do que
com materiais reais. Com o passar do tempo, foi vista uma
evolução na vida cotidiana desses moradores, a chegada de água

73
Memórias Sociais na Velha Bahia
encanada, luz, pavimentação das ruas, coisas inexistentes aos
moradores no momento em que vieram para o bairro, trouxe a eles
uma nova esperança de continuar no lugar e enfrentar as inúmeras
dificuldades que se apresentaram. Todos estes fatores podem ser
compreendidos através dos relatos dos moradores mais antigos que
ainda vivem no lugar com seus descendentes e que de lá não saíram
por amor a sua nova morada.
O bairro Bahia Velha mede 251.595m², segundo dados da
Prefeitura de Rio Branco, sua infra-estrutura vem se adequando com
o passar do tempo às necessidades básicas dos moradores. Ele vem
crescendo aos poucos, levando ao cotidiano de seus moradores,
pequenas evoluções.
Hoje em dia, podemos contar com pequenas confecções,
farmácia e mercearias, que suprem as necessidades mais simples do
cotidiano dos indivíduos. A coleta do lixo urbano é feita três vezes
por semana, o que auxilia na higiene da região, evitando doenças e
infestações de animais; no que se refere à limpeza dos quintais e
higiene das casas, os moradores podem contar ainda com a visita
periódica dos agentes de saúde que compõe a Unidade do Módulo de
Saúde da Família presente no bairro.
Embora existam ruas atijoladas e com piçarramento, as
principais ruas são asfaltadas, nelas encontram-se os pontos de
ônibus que fazem o transporte dos cidadãos da localidade e bairros
adjacentes. Podemos encontrar também orelhões em quase todas as
ruas, o que facilita em muito a vida dos moradores mais humildes que
ainda não contam
com o serviço de
telefonia fixa em
suas residências,
pois com os ore-
lhões se torna mais
fácil localizar o
serviço de atendi-
mento emergencial
– SAMU – e até
mesmo o serviço
policial nas oca-
siões necessárias.

Bahia Velha 2007. Foto: Reginâmio Lima

74
Habitantes & Habitat

De acordo com alguns moradores, o bairro Bahia Velha situado no


Terceiro Eixo Ocupacional de Rio Branco, destinava-se à extração
de seringa e criação bovina, sendo chamado de Seringal Progresso.
Enquanto tratava-se de uma área particular, a localidade não
acomodava “inquilinos”, a não ser os trabalhadores necessários
para os afazeres necessários ao funcionamento do seringal.
Os primeiros ocupantes do local que se tornaria o bairro
Bahia Velha chegaram por volta de 1957, sendo um número bem
reduzido de pessoas. Cerca de oito famílias, começaram a
modificar o ambiente ocupacional e geográfico da região, uma vez
que vinham dos mais diversos locais e pelos motivos mais
variados.
As primeiras famílias que passaram a viver no local eram,
em sua maioria, vindas de outros municípios acreanos, tais como:
Sena Madureira, Xapuri e Tarauacá, além de algumas fazendas
mais próximas de Rio Branco. Estas pessoas que aqui chegaram
iniciando o processo de povoamento local, o fizeram em grande
parte, pela falta de oportunidades de voltar para suas cidades.
Ao virem para Rio Branco, vendiam o pouco que tinham
para vir e tentar uma nova vida, por isso, a falta de um trabalho que
lhes permitisse uma fonte de renda estável para que pudessem
voltar para o
município de
origem foi um dos
fatores que
contribuíram para
que os moradores
fossem ficando no
local. Diante da
impossibilidade
de retornar,
levando algum
dinheiro que
auxiliasse na
Bahia Velha 2007. Foto: Reginâmio Lima manutenção da
75
Memórias Sociais na Velha Bahia

sua família ou na compra de algum imóvel, por mais simples que


fosse, além da falta de emprego e de moradia, é que decidiram se
“aventurar” em uma nova situação que lhes rendia mais esperança.
Alguns desses moradores decidiram mudar de sua antiga
moradia por vontade própria. A insatisfação com o local ou o desejo
de morar em outro lugar que fosse seu os levou a procurar um novo
ambiente para viver. Contudo, muitos dos que chegaram ao bairro
traziam consigo histórias tristes, de circunstâncias que os forçavam
à mudança, algumas dessas histórias estão ligadas à expulsão dos
antigos seringais onde moravam ou da invasão de grileiros nas
terras que habitavam.
Entretanto a expansão da população formadora do então
bairro Bahia velha, iniciaria sua jornada de maneira mais ativa
entre os anos de 1971 a 1983. Muitos mudaram-se para o bairro
pelos mais diversos motivos, que iam desde acompanhar suas
famílias para, dar a chance de estudo aos filhos, até a busca por
melhores condições de vida.
De acordo com dados colhidos por Reginâmio Bonifácio de Lima,
junto ao Setor de Cadastro Imobiliário da Capital, acerca do
levantamento imobiliário ocorrido em fins de 1979, podemos
constatar que a infra-estrutura local não disponibilizava aos
moradores água, energia elétrica, esgoto ou qualquer outro
benefício que lhes remetesse à tão sonhada idéia de melhoria de
vida, eles se encontraram em uma situação ainda mais precária do
que a de sua moradia anterior. Relatos de moradores antigos
demonstram claramente a precariedade do local na chegada dos
primeiros ocupantes: “tínhamos que andar até a beira do rio para
lavar roupas e pegar água para beber, limpar a casa, tomar banho”
comentou uma das antigas moradoras do local”.
A maioria dos terrenos da região apresentava boas
condições para construção das casas, ficando à margem de ruas
longas com poucas interseções. Eram poucos os terrenos
alagadiços, sendo que pouquíssimos estavam em área inundável,
assim, com a maioria da terra era considerada livre de inundações e
favoráveis para construção das moradias, atraindo com maior

76
Habitantes & Habitat

facilidade os então habitantes.


Os terrenos ocupados eram destinados, em sua maioria, à
construção residencial, necessidade predominante entre os
ocupantes, sendo uma pequena porção destinada ao comercio local
e agropecuária. Esta última constituía um fator interessante, pois,
uma vez que os moradores construíam suas casas deixavam ainda
seus terrenos abertos pela falta de condição de cercá-los, tendo
constantemente a presença de pequenos rebanhos de gado que
eram soltos na região para pastar. Assim, era comum que pela
manhã que os moradores se deparassem com seus terrenos
invadidos pelo gado, o que por vezes os impedia de descer ao
quintal, e, principalmente, atrapalhava as mulheres nos seus
afazeres diários, como lavar roupas, pois ao estenderem as roupas
estas eram sujas ou arrancadas do varal pelos animais.
A ocupação local foi ocorrendo aos poucos, sendo toda a
área construída, praticamente não havia ruínas ou construção de
outros imóveis. A área que formava o bairro Bahia Velha, foi
praticamente toda destinada à construção das habitações.
As ruas até então, não passavam de pequenos ramais
esburacados, não davam aos moradores condições de
trafegabilidade. Isso se tornava incômodo, principalmente nas
épocas chuvosas, quando para sair para o trabalho ou para a escola
os moradores tinham que colocar sacolas plásticas nos pés para não
irem descalços até um ponto em que conseguissem andar sem
problemas.
Os moradores também não encontraram em sua chegada
serviços de esgoto ou água encanada, o que os forçava a caminhar
até as margens do rio para lavar roupas e buscar a água que seria
armazenada, na maioria das vezes, em camburões e potes para o
consumo diário e higienização das casas.
Ao mudarem-se encontraram também dificuldades como a
falta de emprego, o que deixava a situação ainda mais delicada.
Grande parte das pessoas trabalhavam como seringueiros e

77
Memórias Sociais na Velha Bahia

agricultores, pedreiros, carpinteiros, “orelhas secas”, autônomos,


empregadas domésticas, dentre outros.
Em decorrência disso, saíram de onde moravam para
melhorar suas condições de vida ou acompanhar a família, este
último fator sendo de maior predominância no caso das mulheres,
que ao se casarem, tinham como obrigação acompanhar seus
maridos aonde quer que os mesmos fossem, isso incluía morar em
um bairro sem qualquer infra-estrutura de suporte necessário à
população.
Vinham, em sua maioria, trazendo filhos, pais, irmãos e
outros parentes. Pouco mais da metade da população trazia
consigo uma média de três filhos, alguns já traziam seus irmãos, e,
aos poucos, toda a família chegava para morar em “casas
minúsculas”, que mediam cerca de cinco metros de largura por
quatro de comprimento. Essas pequenas moradias, então,
passavam a acomodar famílias com uma média de seis pessoas,
sendo comum encontrar famílias com até quinze pessoas, em sua
maioria crianças.
Historicamente, os indivíduos que passaram a morar nos
“fundos” do então seringal progresso, chegaram ao local por
indicação de conhecidos ou por terem um pedaço de terra cedido ou
doado em troca de votos pratica muito utilizada na época.
A população que viria compor o bairro Bahia Velha era, em
sua maioria, formada por seringueiros que tiveram suas famílias
expulsas dos seringais próximos, sem recursos financeiros ou
parentes que pudessem ampará-los, procuravam os lugares
afastados do centro da cidade para “levantar” suas moradias. Sem
saber quem eram os donos das terras que passaram a ocupar,
construíram seus pequenos casebres, choupanas e tapiris, que por
mais precários que fossem, diminuíam suas preocupações, uma
vez que, tendo sido expulsos dos seringais, não tinham
perspectivas de emprego e, conseqüentemente, não poderiam
pagar aluguel na cidade.

78
Habitantes & Habitat

A saída forçada dos seringais fez com que os indivíduos das


regiões próximas encontrassem como possível solução, a
ocupação periférica de Rio Branco. Sendo assim, procuravam os
lugares afastados como os bairros ainda em formação que lhes
ofereciam certa facilidade na aquisição de moradia por poderem
“levantar”, ainda que bem pequena, uma casa que lhes pertencesse
e que não lhes fosse cobrado aluguel, já que desempregados e sem
perspectiva naquele momento, não teriam como pagar aluguel que
imóveis em outras áreas da cidade.
Alguns moradores, porém, relatam que as dificuldades
encontradas ao chegarem os levaram a pensar que o lugar onde
moravam antes era bem melhor do que o bairro. Um desses fatores
foi a mudança de emprego.
A escolaridade dos indivíduos era precária, poucos tinham
o primário e ainda assim não conseguiram sequer concluir a quarta
série, Em grande parte, os moradores mal sabiam assinar seus
nomes, sendo a maioria formada por não alfabetizados, tal fator, os
impossibilitava de conseguirem empregos melhores. Com essa
dificuldade restava, então, aos homens a prática do serviço braçal –
capinagem, auxiliar de carpintaria, entre outros – e às mulheres
trabalhos como lavagens de roupas e trabalhos como domésticas.
Até mesmo as crianças ajudavam nesse momento, saindo para
vender os doces que algumas mulheres fabricavam em suas casas –
cocadas, pé-de-moleque - saíam com bacias na cabeça e gritando
pelas ruas até venderem toda a produção feita pelas mães ou
vizinhas, um comércio informal que ajudava na renda daquelas
famílias, que pouco tinham para sobreviver.
A falta de estrutura local os remetia a diversas
dificuldades, dentre elas, a falta de lazer, já que não possuíam
nenhuma praça, quadra, ou associação que lhes desse alguma
forma de diversão. Com isso, os moradores passaram a realizar
festas em seus quintais que duravam toda a noite e alegravam os
moradores com música, dança e comidas típicas feitas pelas
mulheres.

79
Memórias Sociais na Velha Bahia

Na ocupação das terras não tiveram apoio de nenhuma das


entidades governamentais responsáveis, e, como não havia liderança
nos bairros, reivindicar melhorias ou algum apoio se tornava ainda
mais difícil.
De acordo com os moradores, pouca coisa foi feita para
melhoria do local no ato de sua chegada, foram abertas algumas
vielas e colocados alguns postes de iluminação na rua principal – São
Salvador. Segundo relatos de um dos moradores que chegaram ao
bairro há cerca de vinte e quatro anos, para que fosse instalada a rede
elétrica de sua residência, por volta de 1982, muitos tiveram que
comprar o poste para que, posteriormente, o órgão responsável pela
condução de energia, fizesse a instalação por eles solicitadas.
Contudo, esta era apenas uma das dificuldades pelas quais passavam
os moradores.
Muitos dos moradores relatam que não saíram do bairro por
terem aprendido a gostar do lugar e por verem em seus vizinhos
amigos que lhes acompanharam desde que passaram a morar no
bairro, outros, porém, relatam que o medo de não conseguir um lugar
melhor ou não adaptares-se a outro local, foi o que os impediu de sair
do bairro.
Orgulhar-se do lugar onde se mora, independente das
mazelas da vida, é o que tem ocorrido diariamente com as dezenas de
moradores do bairro Bahia Velha e adjacências. Podemos perceber
que, apesar das dificuldades enfrentadas, os moradores não se
deixaram abater e continuaram a lutar pela melhoria de suas
condições de vida. Também podemos notar as reais melhorias do
bairro, que ocorreram para se adequar às necessidades mais básicas
dos moradores, que aos poucos foram contribuindo para esse
processo.
A formação do bairro Bahia Velha, veio concentrar em uma
das regiões mais carentes de Rio Branco, pessoas das mais diferentes
localidades, que vão desde municípios próximos, como os antigos
seringais existentes nas proximidades, até municípios vizinhos.
Assim, conhecer toda a história que envolve o bairro significa
conhecer um pouco da história da formação de Rio Branco e perceber
os sujeitos dessa construção com todas as suas dificuldades e força de
vontade em ver reconhecida, de uma forma mais digna, sua existência
na sociedade.

80
Habitantes & Habitat

BAHIA NOVA: DA FORMAÇÃO AO SÉCULO XXI


Regineison Bonifácio de Lima

O bairro Bahia Nova é um bom local para se viver, mas nem


sempre foi assim. Com este ensaio temos o objetivo de
ampliar o conhecimento por parte da sociedade sobre a
realidade de formação de um dos bairros periféricos da cidade de
Rio Branco. Educando e conscientizando a sociedade, mostrando
que é importante a criação de laços mais estreitos entre o bairro e as
pessoas que residem nele em meio às sociedades riobranquense,
acreana e brasileira.
Ao falar sobre a época presente do bairro Bahia Nova,
comparando o momento atual com o do período de formação,
relembrando o passado de mais de duas décadas, percebemos que
mais se parecem dois bairros completamente distintos. Não que
nos dias atuais, início do século XXI, este bairro viva em condições
bastante confortáveis, mas, é pela forma de crescimento sócio-

81
Bahia Nova: da formação ao século XXI

econômico que conseguiu alcançar em torno de si, principalmente,


de sua estrutura física, política e geográfica, bem distinta da inicial,
que se dá a percepção dessa transformação.
O bairro Bahia Nova está localizado na parte sudoeste da cidade de
Rio Branco, Estado do Acre. Segundo dados oficiais da Prefeitura
Municipal de Rio Branco, o bairro apresenta atualmente uma
superfície de 423.405m², fazendo limite ao norte com o bairro
Bahia Velha, ao sul com o bairro Boa União, a leste com o bairro da
Glória, e a oeste com um cerrado de matas que pertence ao bairro
Floresta Sul.
Os primeiros moradores deste bairro já estavam na
localidade por volta do ano de 1979, sendo que por volta do ano de
1982, os becos existentes no local foram transformados em ruas.
De mesma forma, novas ruas foram abertas por funcionários e
maquinários da Prefeitura de Rio Branco, todavia, estas ruas foram
construídas de forma muito precária, eram muito estreitas, sem
uma definição precisa de loteamento, o que trouxe uma
“desordem” à estrutura arquitetônica do bairro uma vez que elas
não foram projetadas em forma de quadras.
Atualmente, o bairro conta com uma composição física,
um pouco mais “desenvolvida” que antes. Há telefonia pública e
privada, energia elétrica, rede de abastecimento de água, coleta de
lixo, rede de esgoto em pelo menos três ruas, pavimentação
asfáltica, e piçarramento nas ruas em que não circulam os ônibus
que fazem a linha Bahia/Palheiral. Há, também, duas escolas de
ensino fundamental, uma municipal e uma estadual; um módulo de
saúde da família, em outras palavras, uma infra-estrutura um pouco
mais “digna” para que a comunidade deste habitat possa viver de
forma mais adequada. A população se beneficia muito da energia
elétrica, pois, mesmo com as corriqueiras “quedas de força
elétrica”, de acordo com os moradores, ela tem sido satisfatória. Os
moradores e pequenos comerciantes do bairro são cadastrados
como clientes da ELETROACRE, isto implica a legalidade do
bairro com relação à empresa de energia elétrica, embora haja
residências com ligações irregulares. Com a presença da energia

82
Habitantes & Habitat

elétrica, o cotidiano destes moradores ao longo dos anos foi


mudando, logicamente, dentro das condições financeiras da
população residente. Foram comprados por grande parte dos
moradores, diversos aparelhos eletro-eletrônicos, tais como:
televisão, geladeira, ventilador, rádio, aparelho de som, dentre
outros.
A questão de telefonia móvel foi um avanço. Pessoas estão
andando com celulares, a maioria deles só recebendo ligações.
Estes aparelhos celulares têm sido uma constante, em meio ao
povo, levando ao bom senso o valor que custam.
Através da telefonia fixa e do computador, algumas das
poucas residências puderam ter acesso à inclusão digital e à
internet. Este avanço fica caracterizado para os dias atuais,
levando-se em conta as condições financeiras dos residentes no
bairro como algo fantástico, principalmente, quando comparado
com início da formação deste.
Qual seria o porquê desta comparação tecnológica de hoje,
com o passado de mais de vinte anos? Uma resposta bem clara seria
mostrar, pelo menos, duas situações: a primeira é que não havia
nenhum computador neste bairro e nem havia também condições
financeiras para a aquisição dos mesmos, uma vez que poucos
eram os órgãos do governo que o tinham, os preços eram muito
altos, e era muito mais válido comprar um fogão que um periférico,
já a segunda colocação era a escolaridade e o nível de
conhecimento sobre tecnologia que os primeiros habitantes
tinham, que era muito restrito. Portanto, a internet e o computador,
além de não estarem no cotidiano destes primeiros moradores,
também não teriam, naquele momento, a necessidade e a mesma
utilidade que têm nos dias atuais.
A rede de abastecimento de água potável distribuída pelo
SAERB tem sido uma conquista muito boa para os moradores, uma
vez que estes deixaram de lado os poços que possuíam e
resolveram aderir ao sistema de água encanada. Atualmente, têm
sido construídos no bairro alguns poços semi-artesianos, mas,
como forma de economia para não mais utilizar o sistema de

83
Bahia Nova: da formação ao século XXI

saneamento de água do município que atinge quase todas as ruas do


bairro. A distribuição de água encanada e tratada se dá diariamente
em alguns locais, e, em outros, é feita em dias alternados.
A rede de esgoto atual é originária de algumas valas, uma espécie
de fossa aberta que recolhia as águas provenientes de terrenos
úmidos, e de encanamentos hidráulicos por meio dos quais se
lançavam os dejetos das casas. Atualmente, esta pequena rede tem
sido fundamental para o bairro, existindo como um sistema
subterrâneo de canalizações que se destinam a receber as águas
pluviais e os dejetos de um aglomerado populacional, que os leva
para o “Igarapé do Bueiro”, e este para o rio Acre. É válido ressaltar
que cerca de dois terços do bairro ainda não conta com sistema de
esgotos.
A pavimentação asfáltica foi muito importe para o
desenvolvimento do bairro, uma vez que vieram substituir a poeira
e o lamaçal existentes outrora. Antes do asfalto, no período do
verão havia muita poeira, já no período de inverno, muita lama. Por
várias vezes, devido às dificuldades de trafegabilidade, o bairro
deixou de ser abastecido por gás, produtos alimentícios, dentre
outros, que necessitavam ser trazidos em veículos que não podiam
passar nas ruas por falta de condições físicas. Contudo, o asfalto
trouxe um pouco mais de conforto, principalmente no que se refere
aos transportes coletivos, o ônibus, por exemplo, tinha a parada
final na Rua Mem de Sá, no Bairro Bahia Velha, deixando todos os
moradores do bairro Bahia Nova numa posição de desconforto.
Alguns moradores tinham que andar mais de dois quilômetros para
pegar um transporte coletivo, e isto para quem trabalhava dois
horários e estudava à noite era péssimo.
O módulo de saúde existente, tem sido de vital importância,
mesmo funcionando em precárias condições, essencialmente, na
falta de médicos e enfermeiros. Este módulo tem servido para dar
orientação sexual para mulheres e homens, medir a pressão arterial
dos pacientes, fazer encaminhamentos para outros hospitais da
cidade de Rio Branco, fazer curativos, distribuição de remédios
para prevenção de doenças como o cólera e a malária, dentre
outros.
84
Habitantes & Habitat

Bahia Nova 2007. Foto: Reginâmio Lima.

A coleta de lixo é feita com regularidade nas terças, quintas


e sábados, pela parte da manhã. Os serviços atendem a todos os
moradores, mas, no inverno dada a precariedade de algumas ruas
ainda sem pavimentação, existe a dificuldade no acesso para que se
faça a devida coleta. Outro problema verificado é que os
funcionários responsáveis pela coleta do lixo (garis) por ordem da
própria empresa em que trabalha, retiram o lixo das lixeiras
residências e os jogam amontoados nas margens das ruas. Segundo
informações da empresa, é para facilitar a coleta do lixo. Na
maioria das vezes, o lixo amontoado é espalhado pelas laterais das
ruas pelos gatos e cachorros que rasgam os sacos na procura de
restos de alimentos, deixando o bairro com aparência de abandono.
No que se refere ao serviço público que recebe e expede
correspondência, os correios, não há agência no bairro, a agência
mais próxima localiza-se no centro da cidade, quando há
necessidade por parte dos moradores em utilizar seus serviços
85
Bahia Nova: da formação ao século XXI

precisam se deslocam até o centro da cidade.


Já em relação à compra e venda de produtos, comércio,
mercado, supermercado ou hipermercado, não tem nenhum de
grande ou médio porte nas ruas do bairro. O que existe são
mercearias, que buscam atender às necessidades diárias. Quando é
preciso fazer uma compra em grande quantidade, os moradores se
deslocam até os supermercados de outros bairros.
O bairro não possui Box Policial e também nenhuma forma
de segurança pública, pois os policiais só aparecem quando há
alguma ocorrência ou para fazer ronda, serviço realizado para
inspecionar ou zelar pela tranqüilidade pública. De acordo com
informações obtidas junto aos, moradores foi mencionado que o
tráfico de drogas era muito forte na região e que hoje está menos
intenso. Mas, essa questão de drogas já fez o bairro ser muito
violento e, vez por outra, está entre as principais páginas
jornalísticas de ocorrência policial.
Segundo entrevistas realizadas, a compreensão dos
habitantes do bairro em relação à manutenção e melhoria das casas
era limitada. Até o momento, não há regularização da situação em
que se encontram, como o Título Definitivo e a Escrituração
Pública, que deveria ser cedida pela Prefeitura de Rio Branco aos
moradores do bairro.
Algumas casas de madeira têm sido construídas pela
Prefeitura de Rio Branco para as famílias de baixa renda, estas
casas são planos da Prefeitura em parceria com o Governo do
Estado do Acre, servindo para auxiliar as famílias carentes dentro
da cidade.
O bairro atualmente conta com duas escolas: a Escola
Estadual de Ensino Fundamental Tancredo de Almeida Neves e a
Escola Municipal Francisco de Paula Leite Oiticica Filho. A escola
é um bem público e pertence à comunidade, portanto, a história
dessa comunidade tem que fazer parte do currículo da escola, assim
como dos valores e da formação dos professores. Segundo os
diretores, os professores destas instituições de ensino têm valores
engajados com a comunidade e passam uma visão do cotidiano da

86
Habitantes & Habitat

sociedade.
Em pesquisa realizada junto à comunidade pela equipe
gestora da Escola Francisco de Paula Leite Oiticica Filho, podemos
perceber que se trata de uma comunidade econômico-político e
culturalmente pobre, a julgar pelos índices apresentados:
Ao ser perguntado se a comunidade gostaria de participar
do Conselho Escolar ou Associação de Pais e Mestres, apenas
10,25% respondem afirmativamente; 21,34% disseram não querer
participar e 42,88% não responderam à questão. Na verdade, trata-
se de um grande desafio para a escola o envolvimento efetivo da
comunidade nas atividades educacionais, surgindo a necessidade
não só dos pais se preocuparem com seus filhos, mas com a escola
num todo, com seus objetivos e metas maiores, qualidade de seus
serviços, etc.. Nesse sentido, buscar parceria constante junto à
comunidade é tarefa que a escola não pode deixar de executar.
Apesar da pesquisa não dar com exatidão a extensão dos
problemas da comunidade, é bastante significativo o número de
crianças que vão para a escola sem tomar café ou almoçar e a
maioria tem na merenda escolar o reforço necessário à alimentação
diária, indicando que a escola precisa se preocupar com a qualidade
da merenda que serve e em não deixá-la faltar, visto que é essencial
para o desenvolvimento das crianças de nossa comunidade.
O bairro Bahia Nova é uma extensão do bairro Bahia Velha,
formado em fins da década de 1970 e início da década de 1980 por
pessoas que emigraram para as áreas de terras que formaram o
bairro. Os primeiros moradores da Bahia Nova são pessoas, em sua
maioria, com estilo de vida proveniente da zona rural.
O bairro começou a ter “ares de urbanidade” por volta de
1982, quando do mutirão de limpeza e revitalização da cidade
implementado pela Prefeitura de Rio Branco em parceria com o
Governo do Estado: quando foi “aberta” a primeira rua do bairro –
Rua Estácio de Sá.

87
Bahia Nova: da formação ao século XXI

Bahia Nova 2007. Foto: Reginâmio Lima

O bairro foi formado sem as devidas infra-estruturas de


energia elétrica, rede de abastecimento de água e esgoto,
pavimentação asfáltica, transporte público, escola, telefonia, saúde
pública, opções de lazer. Em outras palavras, o modo de vida como
uma sociedade, ou mesmo uma esfera específica da vida social,
está organizada, em função das instituições básicas e das atividades
e relações que vigoram entre estas. Muitos dos primeiros
habitantes, dos quais grande parte ainda reside no bairro,
comentam que foram excluídos, deixados nas mínimas condições
possíveis de sobrevivência, e, acima de tudo, naquele primeiro
momento, perderam o direito que lhes era mais fundamental,
essencial, estável e relevante, a dignidade de poder levar uma vida
um pouco melhor.
Durante muito tempo estes moradores viveram sem poder
se beneficiar da prestação dos serviços públicos, tanto nas esferas
municipal, quanto estadual e federal, por causa da lentidão, do
descaso, da falta de projetos e planejamentos viáveis para este setor

88
Habitantes & Habitat

da sociedade. Mas, uma realidade bastante dura, é que o próprio


governo em sua estrutura não reconhecia esta área, esta porção de
terra, apresentando, a partir daí, uma inversão de valores, pois eles
próprios prometiam durante suas campanhas políticas, que iriam
proteger o cidadão, dar condições viáveis de sobrevivência, sem se
importar com a classe social do mesmo.
O que deve ser mostrado é que naqueles dias, tais
governantes, realmente, não quiseram realizar melhorias, não
procuraram recursos para serem empregados com as gentes que
aqui residiam, não se manifestaram para, pelo menos, tentar
viabilizar as reivindicações da comunidade. A grande realidade
posta por alguns políticos na esfera legislativa municipal e
estadual, era que o bairro que se iniciava não tinha um número
expressivo de eleitores.
Mesmo que sem plano de política para o bairro, no início da
década de 1980, em época de eleição, o bairro era visitado por
vários políticos que faziam promessas de melhoria, lançando suas
propostas de desenvolvimento. No entanto, nada ou quase nada era
feito. Não havia nenhum trabalho assistencial desenvolvido no
local. Segundo alguns moradores, os benefícios sociais do governo
não chegavam a estes moradores por causa da falta de
regularização do bairro, no Cadastro Municipal. No entanto, o que
se dá para constatar de fato é a falta de organização dos próprios
políticos para realizar os beneficiamentos nesta região.
Dentre os mais antigos moradores do bairro Bahia Nova
que foram entrevistados percebe-se que, em sua maioria, eram
pessoas advindas das colônias, seringais e também de municípios
do Acre, quando eles venderam suas propriedades a baixo custo,
compraram seus terrenos em alguns bairros da cidade de Rio
Branco e construíram suas casas. Muitos vieram em busca de
melhor qualidade de vida e estudo para os filhos. No entanto, nem
todos conseguiram realizar seus projetos: nem casa, nem trabalho e
nem estudos para os filhos, assim, passando por diversas
dificuldades. Alguns voltaram a morar na zona rural acreana,
trabalhando como diaristas nas terras dos novos donos. Dentre os

89
Bahia Nova: da formação ao século XXI

que imigraram para a cidade de Rio Branco, quase um terço dos


pesquisados, afirmaram que chegaram antes de 1971; sendo que a
maioria disse ter chegado em fins da década de 1970 e início da de
1980.
De acordo com os moradores do bairro, os lotes de terras,
possuíam alguns donos como os senhores Ciro Facundo, Amilcar
Queiroz, Silvino, João Galdino e Santino, estes fizeram vendas de
loteamentos desmembrando suas porções de terras, alguns desses
homens venderam seus lotes, outros doaram ou trocaram por
intenção de votos.
A área que se localiza o bairro Bahia Nova, desde a
ocupação, pertencia ao seringal Nova Empresa, segundo alguns
relatos, parte pertencia ao seringal Progresso. Essa era uma área da
União, que passou para o Estado, depois para o Município. Havia
muitos lotes, posseiros e donos nas terras da região, ficando
imprecisa qualquer afirmação acerca de quem eram as terras em
que foi formado o bairro Bahia Nova.
Os precursores, pioneiros que abriram o caminho através
dessa região pouco conhecida eram cidadãos que revelavam, em
sua maioria, o sofrimento de ter saído de onde moravam por causa
das doenças nas colônias e seringais em que moravam, em busca de
melhores condições de vida para si e para a família.
Da expulsão por parte dos sulistas, inclusive alguns destes
que foram expulsos participaram bravamente dos empates ao
defenderem suas colocações, enquanto puderam. Alguns dos
desbravadores que se fixaram, estabelecendo-se neste lugar, se
firmaram por falta de moradia, muitos morando de aluguel e sem
condições de pagar por este padrão tão elevado de moradia. O
desespero por um teto para ter onde colocar a família era real,
deixando em estado de agonia e alegria muitos destes habitantes ao
adentrarem o novo lugar, embora este apresentasse aparência de
abandono.
Os homens e mulheres recém chegados ao novo habitat
eram pessoas simples e humildes, muito pobres, pouco
favorecidas, não tinham o necessário às condições básicas de vida,

90
Habitantes & Habitat

com posses tão inferiores quanto suas posições e condições sociais.


Geralmente, chegavam com seus cônjuges e três ou quatro filhos,
poucos pertences pessoais, quase nada de móveis. Esses cidadãos
eram seringueiros, agricultores, biscaiteiros, carpinteiros, “orelhas
secas”, pedreiros, autônomos, comerciários, domésticas e
desempregados. Suas condições financeiras no início dos anos de
1980 eram bastante precárias e insuficientes, um exemplo disso
eram os alimentos que costumavam comer, sendo, na maioria dos
lares, os mais simples constantes na cesta básica da economia
nacional: arroz, feijão, farinha, ovo, etc.
Ao chegar à localidade, esses homens e mulheres tinham
em média 40 anos de idade, vindos com suas famílias e, em alguns
casos, com parentes, o que fazia de suas pequenas casas, ficassem
cada vez mais apertadas. Com uma baixa escolaridade, muitos não
sabendo ler nem escrever, a maioria tinha o primário incompleto.
Os lares dos primeiros moradores deste bairro eram
diferentes do que podemos encontrar na engenharia moderna, na
qual se têm grandes prédios e condomínios com elevadores,
sistema de segurança como os alarmes e até mesmo vigilantes;
mansões feitas para acolher bem seus proprietários e hóspedes com
muito luxo, conforto e requinte. Longe de residirem em luxuosas
mansões, suas casas eram feitas de madeiras de várias espécies, tais
como paxiúba, mulateiro, castanheira, cumaru. Também tinham
casas formadas em seus alicerces de madeira e as paredes
revestidas com lonas. Casas em alvenaria, no início dos anos 1980,
era algo que não tinha como se ver no bairro, até mesmo pelo alto
custo financeiro da construção, que estava fora de alcance por parte
dos moradores.
A cobertura dessas casas era bem rústica, existindo em
muitos dos lares um teto coberto de palha, o que ocasionava um
grande transtorno quando vinham as fortes chuvas com muito
vento. A cobertura de algumas destas casas eram tão precária que,
quando um vento mais forte ia ao encontro delas, era inevitável não
serem descobertas, e, o vento jogava-as para bem longe.

91
Bahia Nova: da formação ao século XXI

Outras casas eram cobertas de alumínio, o que ocasionava


durante o período de verão intenso uma temperatura muito elevada
no interior da casa, chegando muitas vezes a ser do lado de dentro
das casas mais baixas em sua estrutura (média de 2,5 metros de
altura) mais quente do que em meio ao ar livre.
O interessante entre esses pioneiros que se fixaram nesse
bairro através de ocupação, na tentativa de um “lugarzinho” para
morar, é que mais da metade ainda mora na localidade. A princípio,
o que seria mais um lugar de moradia, sem muitas perspectivas de
melhorias foi se modificando, as relações sociais foram se
alterando, começando com o que era visto como um simples fato de
colocar as crianças para estudar. Vários destes precursores hoje
têm filhos e netos, casados e “amigados”, residentes no bairro, que
juntos conseguiram melhorar um pouco mais essas relações
sociais. Alguns ainda têm saudades daqueles que ficaram para trás,
onde viviam, parentes, amigos, vizinhos e ex-colegas de trabalho,
mas afirmam que tudo isso ficou no passado e que não desejam
mais morar no local de outrora.
Quanto à atividade de grileiros nesta pequena parte da
cidade, constatamos um fato muito interessante, pois os
entrevistados afirmam não ter havido tal atividade no início da
formação do bairro. Mas, em alguns lotes de terra próximos à
Escola Estadual de Ensino Fundamental Tancredo de Almeida
Neves, que atualmente faz parte do bairro, houve grilagem sim.
Quando os primeiros moradores do bairro mencionam o
sobre o espaço de lazer, falam sobre a precariedade vivida neste
local de formação, não havia campo de futebol, quadra de vôlei,
ciclovia. Uma das únicas opções de lazer eram as festas que eles
participavam para se divertir. Nas proximidades do bairro havia
uma casa de festa no bar do Santino, sendo por eles requentadas
também algumas casas de festas nos bairros da Glória, João
Eduardo II, Bahia e Aeroporto Velho.
Mas, na realidade, quem são esses homens e mulheres tão valentes
em busca da sobrevivência e de um teto para suas famílias? E qual a
importância deles? Estes cidadãos são aqueles responsáveis por

92
Habitantes & Habitat

colocar o bairro na posição em que está, atualmente, com sua infra-


estrutura um pouco mais organizada.
É através destes moradores que, se reunindo de forma meio
que “desorganizada”, e até sem forças para estar conseguindo
benfeitorias para o bairro, vai surgir a Associação de Moradores do
Bairro do Bairro Bahia Nova, fundada no dia 08 de dezembro de
1986, com sede e foro no Município de Rio Branco – Acre, sendo
essa uma entidade civil, sem fins partidários ou lucrativos, sem
discriminação religiosa e política. Os seus sócios são todos aqueles
que comprovem ter residência fixa no bairro, sendo os mesmos
divididos em duas categorias: a primeira sendo composta pelos
“fundadores”, inscritos até a data de aprovação do estatuto da
entidade; a segunda sendo composta pelos “efetivos”, os inscritos
depois da data de aprovação do mesmo.
A Associação de Moradores do Bairro Bahia Nova, tinha o
intuito de trabalhar em favor e defesa dos cidadãos residentes no
local, sendo o elo entre os moradores da localidade e o governo em
toda e qualquer autarquia. Seus principais líderes conseguiram
trabalhar de forma organizada, conseguindo algumas das
melhorias que o bairro tanto necessitava. É importante observar as
mudanças ocorridas no bairro, lançando um olhar crítico sobre a
forma como essas pessoas têm sido tratadas e desrespeitadas.
Não é justo que pessoas sejam abandonadas à mercê da
caridade, como também não é justo que políticos busquem socorro
nestes locais para sua ascensão em cargos públicos. A política
habitacional tem que ser pensada levando em conta questões mais
humanas, assim como a problemática da distribuição de renda. É
importante lembrar que a maior parte da população deste local
ganha menos de um salário mínimo, embora a moradia seja um
direito de todos, ainda é possível perceber três gerações da mesma
família ocupando uma pequena residência.
A população tem se unido em busca de soluções para
muitos problemas, principalmente, através da Associação de
Moradores do Bairro Bahia Nova, mas ainda encontram obstáculos
que dificultam o trabalho comunitário. Enquanto o povo tenta

93
Bahia Nova: da formação ao século XXI

resolver as pendências, o poder público se omite.


Precisamos acreditar e perseverar na luta por melhorias
para o bairro junto às autoridades competentes, porque, assim, a
geração presente e as futuras poderão viver de forma mais feliz e
com melhores condições de habitação. Agindo assim, o bairro
deixará de ser pensado como suburbano e será um local mais lindo
e mais próspero.

94
Habitantes & Habitat

PALHEIRAL: O Bairro das Palheiras


Pedro Bonifácio de Lima

Neste ensaio buscamos comentar a forma como se deu a


ocupação das terras do bairro Palheiral, desde o período de sua
formação até o auge do crescimento do bairro, no período de 1971 a
1982. Partindo de um ponto de vista da atualidade, para expor o
período em questão, afirmamos o objetivo de investigar o processo
de ocupação e expansão do bairro Palheiral. Percebemos que o
bairro é parte integrante do que Lima (2006) chama de Terceiro
Eixo de Ocupação riobranquense, daí nosso intento em
compreender o movimento de formação e transformação do bairro,
mostrando como os moradores modificaram a ambiência
ocupacional.
O bairro Palheiral está localizado na parte sul-sudoeste do
Primeiro Distrito de Rio Branco. Sua limitação se dá a leste com o
bairro Aeroporto Velho; a oeste com o bairro João Eduardo I; ao

95
Palheiral: o bairro das palheiras

norte com o bairro Volta Seca e conjunto Castelo Branco; ao sul


com os bairros Pista e Bahia Velha. Segundo a Prefeitura de Rio
Branco o bairro Palheiral tem uma extensão de 147.795m², sendo o
menor dos bairros que compõem o setor.
O bairro Palheiral conta com infra-estrutura básica apenas
nas ruas principais, a qual só foi adquirida em meados da década de
1980. Nesse bairro podem ser vistos alguns comércios de pequeno
porte que atendem às necessidades das populações, além de uma
boa distribuição elétrica. O transporte coletivo trafega na Rua Rio
Grande do Sul e na Rua Campo Grande, mesmo com os buracos
que atrapalham a circulação do trânsito.
A Escola Municipal Raimunda Balbino dos Santos oferece
o ensino fundamental para as crianças do bairro e adjacências.
Após a conclusão do ensino fundamental, entretanto, o estudante
precisa se deslocar para outros bairros para cursar o ensino médio.
A localidade dispõe, ainda, do Posto de Saúde Augusto Hidalgo de
Lima, que serve à comunidade atendendo as pessoas que estão
doentes.
Como espaço para diversão e lazer, os moradores dispõem
da chamada “Praça da Sensur”, situada em frente ao Mercado
Municipal Luiz Galvez. Percebemos, também, a existência de uma
congregação católica e algumas congregações evangélicas. Apesar
da infra-estrutura alcançada atualmente no local, percebemos que
ainda é preciso que sejam feitos alguns investimentos para
melhorar as condições básicas de saneamento e convivência em
sociedade, como, por exemplo, melhorar a segurança, saúde,
educação, moradia, dentre outros.
Quanto à infra-estrutura das vias de rolamento, em algumas
ruas não existe calçamento, pois o poder público municipal não
atuou ainda em algumas delas, e, grande parte dos moradores
possui baixa remuneração, não tendo condições financeiras para
atijolar ou asfaltar, nem mesmo construir calçadas em frente a suas
casas.
As principais ruas do bairro são asfaltadas, sendo que
muitas estão esburacadas, por causa do fluxo de veículos e a falta
de reformas. As ruas com menor movimentação de veículos são
96
Habitantes & Habitat

atijoladas ou aterradas com barro e piçarra. As principais vias de


acesso ao bairro são a Rua Rio Grande do Sul e a Estrada da Sobral,
por onde passam os transportes coletivos.
A energia elétrica do bairro Palheiral é distribuída
normalmente para as casas, comércios, escola, posto de saúde,
chegando com voltagem de 127 a 220 quilowatts. Quanto ao nível
de eletrodomésticos, a maioria da população tem televisão e rádio,
usados para lazer e informação. Existem poucos telefones na via
publica, sendo que, apenas algumas casas e comércios têm telefone
domiciliar.
A distribuição de água encanada e tratada é fornecida pelo
SAERB. Um dos fatores que contribuem para a regular
distribuição da água no Palheiral é o fato de o bairro dispor de
estação de coleta e distribuição de água. O Palheiral localiza-se em
uma área baixa da cidade, sendo que a distribuição para outros
setores precisa passar pela encanação que está na localidade.
Algumas casas não recebem água encanada, pois elas têm poços
semi-artesianos ou cacimba.
A coleta de lixo é feita regularmente nas terças, quintas e
sábados, embora, às vezes, atrase alguns dias. Um dos problemas
enfrentados pela população é a grande quantidade de lixo nos
esgotos e córregos. Esse, entretanto, não pode apenas ser encarado
como um problema ambiental, mas também cultural. De nada
adiantarão campanhas para retirar os entulhos desses rios ou
igarapés se não houver um trabalho junto a essas populações que ao
longo do tempo cultivam este hábito.
No bairro não existe agência dos correios, bancos,
delegacias ou supermercados. Quando há necessidade de usar um
desses serviços, os moradores se deslocam até o “centro” da
cidade. Quanto às atividades econômicas, existem comércios de
pequeno porte nas principais vias do bairro. O bairro dispõe de
salões de beleza, açougues, oficinas de manutenção em moto e
bicicleta, mercearias, que visam atender às necessidades diárias
dos moradores. Quando é preciso fazer uma compra em grande
quantidade os moradores se deslocam até a zona comercial do
“centro” ou a outros bairros.

97
Palheiral: o bairro das palheiras

As residências são simples, tendo casas de madeira,


alvenaria e mistas. É comum, na frente de muitas casas, os
moradores construírem um comércio para aumentar a renda do lar.
Algumas casas estão muito velhas e precisando de reforma.
A Prefeitura construiu algumas casas para as famílias de baixa
renda, mas, para isso era necessário que a família tivesse o terreno
para a construção.
Nos aspectos gerais, em pesquisas realizadas junto aos
moradores, podemos perceber que trata-se de uma comunidade
econômico-socialmente pobre. Para se manter, muitas famílias
recebem apenas benefícios do governo, como Bolsa Família e
Bolsa Escola. Como agravante dessa situação de exclusão social, o
nível de escolaridade é baixo, concentrando-se no ensino
fundamental e médio, apenas poucas pessoas têm acesso à
Universidade.
A escola próximo a localidade, Serafim da Silva Salgado,
não estava conseguindo matricular todos os alunos, porque não
havia salas de aula suficiente para a quantidade de alunos. Por
causa da necessidade de mais uma escola de ensino fundamental
que atendesse os bairros João Eduardo I e II, Bahia, Palheiral e
parte do Sobral.
Conforme dados contidos no Projeto Político-Pedagógico
da Escola de Ensino fundamental Serafim da Silva Salgado,
situada próximo à localidade, percebemos que mesmo com cerca
de 2032 alunos matriculados, distribuídos em três turnos, não
dispõe de vagas suficientes para matricular todos os que a
procuram. Tal fato é um indicativo da super-povoação existente no
setor, tendo em vista que nem as 17 salas de aula existentes na
escola dão conta de atender à comunidade vizinha. Seriam
necessárias mais escolas de Ensino Fundamental para atender aos
bairros João Eduardo I e II, Bahia, Palheiral e parte do Sobral.
Os moradores do bairro Palheiral, junto à Associação que
os representa, fizeram abaixo assinado, reuniões e audiências com
o governador para reivindicar a construção de uma escola no
bairro. Iniciaram a construção da escola, no ano de 1989. Com uma
área total de 5.500m², da qual apenas 560m² é construída, a

98
Habitantes & Habitat

instituição de ensino recebeu o nome da professora Maria


Raimunda Balbino dos Santos. Ela foi uma das fundadoras da
Associação de Moradores do bairro Palheiral e, à época, era sua
presidenta.
Atualmente, este estabelecimento de ensino atende 614
alunos, na faixa etária de seis a doze anos, distribuídos nos turnos
matutino e vespertino, de 1ª a 4ª série do Ensino fundamental e, no
terceiro turno, uma sala do EJA (Educação de Jovens e Adultos) e
cinco turmas do ALFA 100 (Alfabetização de Adultos).
De acordo com o Projeto Político Pedagógico da Escola Maria
Raimunda Balbino, foi feito um diagnóstico para conhecer a
realidade das famílias dos alunos, no qual foi possível perceber que
a maioria dos pais das crianças são trabalhadores autônomos, como
comerciantes, vendedores de salgados, picolés, mecânicos,
carpinteiros, pedreiros, entre outras funções, ou trabalham em
empresas particulares. O nível de escolaridade dos pais é baixo, a
maioria concluiu a Educação Básica, de 1ª a 4ª série, poucos
concluíram ou ainda estão cursando o Ensino Fundamental, de 5ª a
8ª série, e um percentual ainda menor concluiu o Ensino Médio.
As pessoas que habitam o bairro são moradores de classe
baixa que vive em residências totalmente em madeira, muitas das
casas são antigas e precisam ser reformadas, algumas precisam ser
desmanchadas e serem construída outra no local, uma minoria das
casas são construída em alvenaria.
Quanto ao abastecimento de água, é fornecida água tratada
pelo SAERB, sendo que no verão algumas vezes falta água, pois
devido a falta de chuva fica difícil o abastecimento de água na
cidade, alguns moradores utilizam o sistema de poço tipo
“amazonas”, para seu abastecimento de água.
A maioria dos moradores possui casa própria. A quantidade
de pessoas por residência varia, mas, como as famílias são,
geralmente, numerosas, moram até 05 pessoas por residência. Os
moradores que não têm condições financeiras de ter a casa própria
residem junto com os parentes ou em casas cedidas por parentes
e/ou amigos.
No que se refere à situação familiar dos moradores, a
maioria são casados, uma minoria possui pais divorciados que

99
Palheiral: o bairro das palheiras

vivem com outro conjugue, mais da metade dos moradores


pesquisados possui mais de dois filhos e mais da metade dos casais
ganham um salário mínimo por mês ou menos que isso.
Apesar da pesquisa desenvolvida pela Escola Maria
Raimunda Balbino não informar com exatidão a extensão dos
problemas da comunidade, é bastante significativo o número de
crianças que vai para a escola sem tomar café ou almoçar e grande
parte tem na merenda escolar o reforço necessário da alimentação
diária, indicando que a escola precisa se preocupar com a qualidade
da merenda que serve e em não deixá-la faltar, visto que é essencial
para o desenvolvimento das crianças da comunidade.
Fazendo esse apanhado inicial de informações, é possível
ter uma idéia aproximada de como está o bairro atualmente e seguir
em frente. Podemos, então, dizer que parte do bairro Palheiral foi
ocupada segundo deliberação dos próprios moradores, oriundos,
em sua maioria, dos bairros Bahia Velha, Cadeia Velha e região do
Bola Preta.
Eram pessoas que precisavam mudar de local, para não
pagar aluguel, para terem sua própria casa. Algumas dessas
pessoas moravam em áreas encharcadas da Bahia Velha, estando
dispostos a dividir as terras que estavam sendo ocupadas com quem
precisasse. Essa motivação e organização entre os moradores
contribuíram para que houvesse uma ocupação mais rápida.
Muitos moradores vieram expulsos da área onde atualmente está
situado o Parque da Maternidade, próximo ao Terminal Urbano.
Eles se deslocaram para a parte de cima da ladeira do Bola Preta,
mas o governo os expulsou de lá para fazer o Conjunto Castelo
Branco e, então, desceram a ladeira se instalando na localidade em
que vivem e residem até os dias atuais.
A população que se instalou no bairro é predominante vinda
de Tarauacá, Feijó, Sena Madureira e Rio Branco. Os primeiros
moradores do local referem-se ao lugar de origem com amor, mas
não pretendem voltar para lá, porque há uma dupla identificação
com o lugar de origem e com o lugar que escolheram para
permanecer. Existe uma relação mais estreita entre os moradores
antigos do que com os novos moradores. É uma forma de preservar

100
Habitantes & Habitat

o elo que os une, de compartilhar as lembranças de um tempo


difícil, porém, muito saudoso das alegrias de ter lutado e
conseguido um lugar para viver.
Há uma relação de afetividade muito grande pelo lugar por
parte dos moradores antigos, até o modo de vida deles os
distinguem dos outros moradores, uma espécie de orgulho de se
pioneiro, de ter conquistado seu lugar. São pessoas já vindas de
vários bairros e municípios, vários deles passando pela terceira vez
as dificuldades de se adaptarem ao lugar. Eles têm orgulho de
contar a história do local, desde o início até os dias de hoje e
também têm esperança de que um dia o bairro tenha uma infra-
estrutura melhor.
Os moradores desse bairro são simples e têm uma vida
humilde, mas se sentem felizes por morar nesse local. Alguns
habitantes gostam de morar no bairro e mesmo quando tiveram a
oportunidade de mudar para outra localidade permaneceram no
local. Outros se acostumaram com o local e resolveram ficar
porque todos os seus amigos moravam no bairro. Os mais apegados
ao lugar afirmavam que só sairiam do bairro quando morressem.
Em pesquisa realizada pelo professor Reginâmio Bonifácio
de Lima no ano de 2005, sobre a formação dos bairros que
compõem o Terceiro Eixo, da qual fizemos parte como
pesquisador/coletor de dados, percebemos que dentre os
entrevistados, a maioria absoluta chegou ao local com mais de 26
anos de idade, sendo que quase um quinto dos imigrantes já tinha
idade superior a 40 anos. Em ambos os casos, vinha o entrevistado
e sua família, composta por cinco filhos em média.
A família nuclear era formada por pai, mãe, filhos e outros
parentes, sendo comum, em grande parte dos casos, morarem com
os sogros, cunhados e/ou primos na mesma casa até que esses
conseguissem “seu lugarzinho pra morar”. Era comum
conviverem até três gerações da mesma família em uma só casa.
Muitas das pessoas que moravam em colônias ou em municípios,
antes de virem morar no Palheiral, viviam da caça, da pesca, coleta
de seringa, coleta de castanha e ou viviam de suas plantações.
A ocupação das terras começou primeiro na ladeira do Bola

101
Palheiral: o bairro das palheiras

Preta e depois passou-se para a área mais baixa, enquanto a parte


alta da ladeira estava sendo ocupada, quase não havia casas na parte
baixa. No auge da formação do bairro, em meados da década de
1970, os moradores foram chegando de vários bairros de Rio
Branco e de alguns municípios do Estado do Acre, tendo habitado
as terras da parte alta da Rua Rio Grande do Sul. Com a construção
do Conjunto Castelo Branco, esses moradores que já haviam sido
expulsos de outras localidades, como as proximidades do atual
Parque da Maternidade ou do bairro Cadeia Velha, para que fosse
erguido o Conjunto Habitasa, dirigiram-se para a parte alta do Bola
Preta, onde ergueram suas residências. No entanto, também foram
expulsos de lá e desceram a ladeira, indo para um lugar onde havia
muitas palheiras e lá construíram residências, tapiris, barracos e
outros tipos de habitações rústicas.
A ladeira do Bola Preta localiza-se na Rua Rio Grande do
Sul e tem esse nome devido a uma boate, que ficava próxima à atual
Vila Militar. Esse local era freqüentado por várias pessoas que
queriam se “divertir”. Em virtude de existir em frente à casa
noturna uma bola preta, daí a denominação do local.
Quando foram pavimentar a Rua Rio Grande do Sul, na
parte em que se localiza o Bola Preta, tiveram que aplainar parte da
ladeira, porque era muito alta. No início da ocupação do bairro, o
“Igarapé do Bueiro”, que passa logo abaixo da ladeira, era utilizado
por alguns moradores para lavar roupa, pois a água não era poluída
e na região só tinha água encanada na Estrada da Sobral. Os
moradores utilizavam água de cacimbas e poços, mas como nem
todos tinham cacimbas, eles pediam água aos vizinhos para ser
utilizada nas atividades domésticas.
Os moradores passavam por grandes dificuldades para
chegar com suas coisas até o seu local de moradia. No verão, alguns
traziam seus pertences em caminhão até o local onde iriam morar, o
qual oferecia pouco acesso para o tráfego de veículos. O caminhão
passava por um caminho estreito onde tinha pedaços de pau, raízes
e buracos.
Quando alguns moradores mais antigos chegaram ao local,
já havia outros moradores nas colônias da localidade; muitos dos
102
Habitantes & Habitat

antigos moradores não estão mais lá, alguns já morreram, outros se


mudaram, e ainda, alguns outros estão com a idade bem avançada e
não lembram em que ano chegaram ao bairro. Na década de 1950,
chegaram os primeiros habitantes, em torno de quatro famílias,
alguns meses após chegaram várias pessoas e começaram a ocupar
o local.
O bairro Palheiral tem esse nome por causa das palheiras
que havia na localidade. Também se encontrava muita mata na
parte sul, inclusive goiabais próximo à atual Rua Campo Grande.
Não havia ruas no local, apenas varadouros. Os moradores
passavam por um caminho também utilizado por gado, outros
caminhos passavam por dentro do mato. Parte do local era uma
antiga colônia, outra parte era pertencente ao antigo Aeroporto
Santos Dumont. O local onde seriam feitas as ruas tinha muitos
buracos e lama, os moradores pediam ajuda à Prefeitura e ao
Governo para que ajeitassem as ruas, até que o Estado mandou

Foto do Palheiral, década de 1970. Foto: Patrimônio Histórico Esdadual

103
Palheiral: o bairro das palheiras

fazer as ruas do bairro.


Segundo alguns moradores, por causa da grande
quantidade de buracos que havia nas ruas, muitos cheios de lama
provenientes da água da chuva, em determinada ocasião, eles
conversaram com o prefeito exigindo que a Prefeitura consertasse
as ruas, caso contrário, não iriam votar no candidato do Prefeito
para Governador. O Prefeito sabia que precisava dos votos
daquelas pessoas para eleger o Governador do seu partido político,
e, como aquele era ano de eleição e os moradores ameaçavam não
votar em nenhum candidato, o chefe do município aceitou restaurar
as ruas do bairro.
De acordo com as informações, obtidas a partir do Setor de
Cadastro Imobiliário de Rio Branco, o bairro Palheiral possuía, em
1979, mais de dois mil domicílios, sendo que, predominantemente
a maioria dos quintais já tinha residências, algumas ainda estavam
em fase de construção. A maioria das casas foi construída de frente
para a via pública, havendo também casas em esquinas,
normalmente eram construídas sem nenhum tipo de limitação
definida como cercas e muros.
As áreas ocupadas no bairro no momento de sua formação
eram totalmente de propriedade particular, sendo utilizadas para a
construção de casas próprias e também casas para serem alugadas.
O terreno tinha varias utilizações sendo que, na maioria dos casos,
era de uso residencial, mas também eram desenvolvidas várias
utilidades para o uso do terreno como: comércio, serviços,
indústria e agropecuária.
As casas eram isoladas dentro do terreno, em alguns casos
eram geminadas, na maior parte dos casos eram construídas em
madeira e raramente em alvenaria, taipa ou barraco. As edificações
eram quase todas sem revestimento, quando havia era feito de
madeira ou caiação. Quase todas as casas eram cobertas de palha,
embora algumas fossem cobertas de cavaco ou zinco. Os pisos das
casas eram construídos de tábuas, sendo que em alguns casos era a
própria terra batida. Em pouquíssimas casas o piso era feito de
cimento ou cerâmica. O forro era praticamente inexistente,

104
Habitantes & Habitat

havendo poucas casas com forro de madeira. Era comum, no início


da formação do bairro, encontrar casas feitas de madeira de tiarana,
com paredes feitas de papelão ou palha. Em geral, essas casas eram
pequenas, mediam em torno de quatro metros de largura por seis de
comprimento.
As instalações sanitárias eram, em sua maioria, externas,
sendo normalmente construída uma “privada” no fundo do quintal.
Em quase um terço das residências essas instalações não existiam e
em uma minoria elas eram internas simples ou internas completas.
Aproximadamente metade das casas dispunha do serviço de
eletricidade, possuindo estas os fios de eletricidade dispostos de
forma aparente. A outra metade da população tinha que viver às
escuras, não dispondo do serviço de eletricidade.
Ainda de acordo com os dados do Cadastro Imobiliário de
1979, na maior parte do bairro não havia sistema de esgoto, galeria
pluvial, rede telefônica e iluminação publica. Calçamentos só
existiam nas principais vias de acesso ao bairro, a coleta de lixo não
atendia a maioria das casas do bairro, os moradores jogavam seu
lixo em logradouros ou em terrenos baldios, a limpeza urbana era
feita em poucas ruas do bairro.
Na maior parte das residências não havia energia/força
elétrica, praticamente não existia esgoto nos domicílios, sendo
mais comum o que passava na via pública. Poucos eram os
telefones residenciais, dado seu alto custo. Na maioria das casas
havia água encanada, mas em algumas delas os moradores ainda
usavam cacimbas, já que, não havia pressão suficiente na rede de
abastecimento de água. A coleta de lixo atendia uma minoria dos
moradores, nas residências existiam poucas fossas sépticas.
Os moradores, normalmente, não tinham televisão e
quando um deles possuía, a vizinhança se reunia para assistirem
juntos, principalmente de noite quando muitos os moradores já
tinham chegado do trabalho e iam assistir o Jornal Nacional e a
novela das 8 horas. Algumas casas eram tão pequenas que quase
não cabiam todas as pessoas. De noite quando as famílias se
recolhiam para dormir, atavam as redes umas por cima das outras.

105
Palheiral: o bairro das palheiras

No ano de 1979 já existia em muitas casas energia elétrica, que


chegava através de rabichos que eram feitos de fios de arame
farpado.
No final da década de 1970, os moradores freqüentavam a
missa na Igreja São Peregrino, no bairro Floresta, depois decidiram
fazer uma Igreja no seu próprio bairro. Os moradores que
freqüentavam a Igreja fizeram uma “feira” onde vendiam vários
produtos com o intento de arrecadar fundos para a construção do
primeiro templo. A feira ocorria nos sábados com a venda de
produtos como: macaxeira cozida, nescau, café, tapioca, quibe,
entre outros.
A primeira Igreja que os moradores construíram era
pequena e de madeira, não cabiam todas as pessoas que
freqüentavam, uns ficavam em pé, outros do lado de fora. Então
decidiram aumentar a Igreja. Depois do aumento ainda não cabiam
todas as pessoas dentro do templo. A solução foi fazer um segundo
aumento, desta vez, em alvenaria. Nesse período, já havia várias
pessoas nos bairros João Eduardo I e Bahia, assim, aquelas
comunidades também construíram congregações onde pudessem
se encontrar para cultuar a Deus.
As Comunidades Eclesiais de Base (CEB's) se reuniam na
Igreja e nas casas. Onde havia monitores, eram eles quem
programavam as reuniões, faziam as celebrações, a comunhão, a
leitura do Evangelho, rezavam e discutiam assuntos relacionados
ao bairro.
Os monitores tinham o mesmo papel – ainda que não oficial
– de juiz de paz, de vara da família, da infância e de delegado. Eram
muito respeitados pelas pessoas que faziam parte das
comunidades. Assim, se o marido batesse na esposa, o monitor ia
ao local tentar fazer as pazes do casal. Ele também desempenhava a
função de presidente de bairro, reivindicando melhorias para a
população, como água, luz, esgoto, telefone. Para ser monitor era
preciso fazer um curso na Igreja Católica, estar ligado às CEBs, ser
um “cidadão de bem” , a partir daí, fazia o curso de liderança e
clemência, onde se estudava a Bíblia e como ajudar as

106
Habitantes & Habitat

comunidades.
Logo no início houve alguns conflitos por área de terra, os
moradores usavam terçado e pedaços de pau. As brigas ocorriam
com maior freqüência nos finais de semana principalmente nos
bares. No bairro João Eduardo também houve conflito, que
ocasionou a morte do morador João Eduardo. Este fazia parte da
comissão que demarcava os lotes de terras para cada morador. Em
homenagem a João Eduardo colocaram o seu nome no bairro.
Os primeiros moradores do Palheiral trabalhavam de
carpinteiro, pedreiro, servente, doméstica, picolezeiros,
vendedores ambulantes, alguns procuravam trabalho no centro da
cidade, etc. Alguns moradores antigos do Palheiral ajudaram na
construção do Conjunto Castelo Branco, para ganharem o sustento
de suas famílias. De manhã quando alguns moradores iam pro
trabalho exercer a função de doméstica tinham que levar o material
escolar para depois que saíssem do trabalho fossem para a escola.
Hoje em dia muitos estão aposentados.
Como não havia escola no local, tendo em vista que a área
não oferecia estrutura por ser uma antiga fazenda e ainda estar em
fase de ocupação, muitas crianças começaram a estudar
tardiamente. Devido às dificuldades enfrentadas como o fato de
precisarem se deslocar para outro bairro para estudarem e
necessitarem ajudar os pais no sustento da casa, trabalhando como
engraxate, vendendo pão, picolé, etc., muitos acabaram por desistir
da escola.
A quase totalidade dos entrevistados não soube dizer de
quem eram as terras das quais se apossaram, e mesmo afirmando
que não é certo tomar o que é dos outros, precisando escolher entre
seu senso ético e a necessidade social básica de um lugar para
morar, escolheram proporcionar melhores condições de vida para o
marido ou mulher e seus “barrigudinhos”.
A maioria dos moradores entrevistados do bairro Palheiral
gosta do nome do seu bairro, e já estão acostumados com o mesmo.
Eles não concordam com a mudança do nome do bairro onde vivem
para Baixada do Sol, porque o setor é composto por bairros com

107
Palheiral: o bairro das palheiras

nomes, histórias e localizações diferentes.


Este ensaio foi realizado através da sistematização do
conhecimento produzido a partir de depoimentos orais dos
moradores mais antigos do bairro e de documentação pertinente
sobre a localidade para que se tenha acesso a uma parte dos
movimentos ocorridos na direção campo-cidade, que culminaram
nas migrações ocorridas dentro da cidade no sentido ao bairro
Palheiral.
Esperamos que essa pesquisa venha contribuir na
preservação da memória acerca da formação do bairro, observando
as transformações do espaço, mostrando o processo de ocupação
do bairro, que se deu de forma “desordenada”, e a influencia da
Igreja Católica na interação com os habitantes da localidade. Nosso
intuito é que os moradores do Palheiral e de outros bairros, escolas
e pessoas interessadas possam conhecer, ainda que parcialmente, a
historia do bairro e como se deu a implementação das ocupações.

108
Habitantes & Habitat

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Escolhemos trabalhar a experiência, por que nos permite


entender os percursos vividos e os olhares construídos pelas gentes
que fazem parte do processo de ocupação e formação dos bairros
que compõem o Terceiro Eixo. Esse é um lugar formado por
famílias que têm em comum suas trajetórias, pois é fruto dos
processos econômicos e ocupacionais estabelecidos para a região
amazônica nos diferentes tempos. São famílias que têm suas
origens formadas na grande maioria de migrantes nordestinos que
sem grandes recursos deixaram sua terra natal e saíram em busca de
melhores condições de vida.
Vir para a floresta amazônica era ir mais além, e isso traduz
a força de uma gente que não se dá por vencida. Nessa busca,
atravessaram rios, percorreram varadouros, indo até o fim de uma
prova cheia de perigos, mesmo que não conhecessem o limite.
Nesse caminho, muitos não vieram para ficar, mas poucos
retornaram e a maioria jamais conseguiu sair. Os últimos, quando
pensavam que haviam encontrado seus lugares, tiveram que
reiniciar o percurso, atravessar novos caminhos e perigos em busca
de um novo local.
A ter em vista a história acreana, percebemos que o projeto
de desenvolvimento pecuarista foi, a partir de 1970, a principal
política de investimentos no Estado. Para isso, milhares de hectares
de terras foram vendidos, outros simplesmente “perdidos” pelos
que lá moravam. Quanto ao progresso prometido, ficou para os
novos que chegaram os mesmos responsáveis pela expulsão de
milhares de trabalhadores dos seus locais de trabalho e de moradia.
Esse foi um tempo de profundas mudanças. Neste processo
de transformações, a cidade de Rio Branco tornou-se uma
alternativa, as populações tornadas migrantes, buscavam moradia,
brigavam por um lugar, e, encontraram nas chamadas “terras

109
Considerações Finais

devolutas”, “um pedaço de chão” para construir suas moradias,


reconstruir suas vidas e sonhos.
Muitas das famílias moradoras dos bairros que formam o
local também passaram por muitos perigos, atravessaram rios e
percorreram varadouros antes de chegar a Rio Branco, são assim,
de várias localidades. Isso ocorre de três maneiras distintas:
primeiro porque vieram de lugares diferentes, ou seja, de várias
regiões do Brasil; segundo, porque muitos estiveram por muitos
lugares dentro do próprio Acre; e terceiro, porque é intensa a
migração dentro dos próprios bairros, sendo que, a explicação para
essa última forma de mudança está provavelmente na época do
seringal, quando era comum enjoarem a colocação e a trocarem
com o vizinho. Prática que muitos no local ainda realizam, agora
não em relação à colocação, mas em relação às próprias casas.
Não intentamos encerrar por aqui. Este não é o fim dos
estudos sobre os habitantes modificando antropicamente seu
habitat. Este trabalho está apenas no começo. Primeiramente
trabalhamos o contexto de “Sobre Terras e Gentes”, livro que
antecedeu este. Neste volume, agora em equipe de nove
professores/pesquisadores, ensaiamos os “Habitantes e Habitat”
que formaram aquela região em sua primeira fase, num total de oito
bairros. Contudo, já se encontra no prelo a segunda fase de
expansão com “Habitantes e Habitat 2”, com os demais oito bairros
da localidade, perpassando pelos estudos acerca de memória e
identidade a serem efetuados na constituição dos “Traços da
Memória Riobranquense”.
Os traços que aqui apresentamos contêm os resultados de
estudos e pesquisas realizados na área próxima ao antigo
Aeroporto, que fica situada nas imediações da atual Secretaria
Estadual de Educação. Nesse local, hoje em dia estão formados os
dezesseis bairros que compõem a terceira fase de expansão da
cidade de Rio Branco, sendo eles: Palheiral, Pista, Bahia Velha,
Bahia Nova, Aeroporto Velho, Glória, João Eduardo I e João
Eduardo II, Boa União, Airton Sena, Sobral, João Paulo II, Plácido
de Castro, Boa Vista, Invasão da Sanacre e Floresta Sul. Os oito
primeiros compõem o setor inicial de formação do local, e os oito

110
Habitantes & Habitat

seguintes, representam a fase de expansão. Nestes 16 bairros


moram atualmente mais de 33.908 pessoas, de acordo com o censo
do IBGE no ano de 2000.
O Terceiro Eixo representa a área equivalente a menos de
10% da extensão total urbana da cidade de Rio Branco e comporta
quase um quinto de seus domicílios, e um sétimo de sua população.
O maior dos bairros do setor, com uma área de 655.330m2, é o
bairro Aeroporto Velho, que ocupa 24% da extensão total das terras
da localidade. A distribuição percentual das terras dos bairros que
compõem o setor inicial de formação do local pode ser observada
na seguinte tabela:

Fonte: Setor de Georeferenciamento da PMRB.

Nem só de terras vive uma localidade, as gentes são tão


importantes quanto aquelas. Assim, percebemos que as falas dos
entrevistados são tradutoras das muitas transformações, dos
muitos problemas e alternativas ocorridas nos bairros ao longo do
tempo. Suas lembranças sobre o passado nos possibilitaram o
acesso a um fio condutor, que talvez nos tenha levado a entender
um pouco sobre a historia da terra em que essas gentes requereram
para si, e que foram a cada dia a reinventando.
A partir da análise dessas condições em que viviam os
moradores no final da década de 1970 e início da de 1980, segundo
os relatos dos entrevistados, percebemos a importância dada a
valores como a honestidade e o trabalho, bem como o extremo

111
Considerações Finais

apego ao local, dadas as relações estabelecidas pela vivência e


convivência na localidade. Valores que, apesar das transformações
ocorridas, ainda se mantêm nas vidas dos moradores do local.
Foi o movimento dessas transformações que buscamos
entender na medida do possível no decorrer desse trabalho. Desta
forma buscamos construir os ensaios não só pelas informações,
mas também pela experiência de seus moradores, através do que
lhes passou, lhes aconteceu e do que lhes toca. Foi na “ordem e
desordem” que orientam o fazer e os saberes cotidianos das pessoas
desse lugar que buscamos olhar sem velocidade e sem preconceito
para não ter pressa diante do turbilhão que nos foi mostrado.
Embora, em sua maioria, os moradores não sejam mais os
mesmos da época de formação do bairro, percebemos que, para os
que ficaram, estabelecer novas ligações de comunhão social foi
fundamental para que aquele espaço representasse mais que um
local, representasse um lar. Desse lugar, os pioneiros no processo
de formação do bairro só buscam sair para o cemitério, numa
demonstração que mesmo com várias oportunidades de se
mudarem para outras localidades, eles mantêm uma relação muito
forte com o lugar, chegando as suas histórias não apenas a fazerem
parte do processo de formação, mas principalmente traduzi-lo,
confundindo-se e misturando-se com ele.
Hoje, mais de 30 anos depois do inicio de seu efetivo
processo de ocupação, muitos vestígios dessa época de formação
ainda podem ser encontrados. São eles que, somados à lembrança
dos moradores, mostram a nós que esse lugar tem uma história
cheia de retalhos deslineares, fissuras, rupturas, descontinuidades
e fragmentos.
A cada momento, a cada minuto de conversa passado, um
novo pedaço da história do local surge. Quando pensamos que está
para encerrar-se, tudo se reinicia, e começamos a galgar mais um
degrau rumo à espiral que delineia as histórias das gentes e das
terras da localidade.

Reginâmio Bonifácio de Lima (org.)


(Escrito em uma noite fria de 2007)

112
Habitantes & Habitat

REFERÊNCIAS

Livros:
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Disponível em: <http://www.bv.am
.gov.br/portal/conteudo/acervo/digitalizado/index.php?a=descric
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CABRAL, Maria da Conceição de Lima; FIGUEIREDO, Maria
Lourdes Barbosa; et al. Um estudo de caso do crescimento
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1980). Rio Branco: UFAC/DH, 1992.
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COSTA, Leila Gonçalves da. Ocupação e Violência – A Ambiência
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________. Projeto Político-Pedagógico da Escola Áurea Pires.
Rio Branco: Mimmeo, 2006.
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________. Projeto Político-Pedagógico da Escola Serafim da
Silva Salgado. Rio Branco: Mimmeo, 2006.
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Referências

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tradução Tomaz Tadeu da Silva, Guaracira Lopes Louro – 9 ed. –
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LIMA, Manoel Ferreira. O Acre: seus aspectos físicos e
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LIMA, Reginâmio B. de. Sobre Terras e Gentes: O Terceiro Eixo
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2006.
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OLIVEIRA, Fernando Garcia. Populações de Baixa Renda da
Cidade de Rio Banco: situação anterior, processo migratório,
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Posseiro: A periferia de Rio Branco e os cem anos de andança da
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OLIVEIRA, Marilda Maia. A penetração capitalista no Acre e o
emprego industrial urbano em Rio Branco. Fortaleza: UFCE,
1983. Dissertação de Mestrado em Economia, Universidade
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Porte Médio: Perfil da cidade. V. I e II. 1983.
Revista João Eduardo – 25 anos. Rio Branco: 2006.
SANTOS, M. A Natureza do Espaço: técnica e tempo, razão e
emoção. SP: Edusp, 2002.
SILVA, Adalberto Ferreira da. Raízes da Ocupação Recente das
Terras do Acre: movimento de capitais, especulação fundiária e

114
Habitantes & Habitat

disputa pela terra. Belo Horizonte: UFAC/DH, 1998.


SILVA, Adelaide Maria Costa; et al. Geografia do Acre. Rio
Branco, 1993.
SILVA, Altina Moreira da, CASTRO, Francisca Chagas de Lima,
et al. Estudo sobre a formação do Bairro João Eduardo de 1970 a
1987. Rio Branco: UFAC/DH, 1988.
SILVA, Renato Nunes da. Migrações internas no Estado do Acre:
Rio Branco, um caso de urbanização precoce. Belém:
UFPA/Núcleo de Altos Estudos Amazônicos, 1981.
SOUZA, Carlos Alberto Alves de. A História do Acre: novos
temas, nova abordagem. Rio Branco: Editor Carlos Alberto Alves
de Souza, 2002.
THOMPSON, E. P. A Miséria da Teoria. Trad. Waltensir Dutra.
Rio de Janeiro: Zahar, 1981.
THOMPSON, Paul. A voz do passado - História Oral. Rio de
Janeiro: Paz e Terra, 1992.
TOCANTINS, Leandro. Estado do Acre: Geografia, história e
sociedade. Rio de Janeiro: Philobiblion; [Rio Branco]: Assessoria
de Comunicação Social do Estado do Acre: Banacre, 1984.

Entidades:

Biblioteca da UFAC
Biblioteca Pública Estadual
CDIH da UFAC
Fundação Garibaldi Brasil
IBGE
Memorial dos Autonomistas
Patrimônio Histórico Estadual
Setor de Georeferenciamento Municipal

Reginâmio Bonifácio de Lima - natural de Rio Branco –

115
Habitantes & Habitat

SOBRE OS AUTORES:

Reginâmio Bonifácio de Lima - natural de Rio Branco –


Acre, é Bacharel em Teologia, pela FATEBOV, e Licenciado em
História, pela UFAC; É Especialista em Cultura, Natureza e
Movimentos Sociais na Amazônia, pela UFAC; obteve os graus de
Mestre e Doutor em Teologia, pela FATEBOM – SP. Atua como
Pesquisador e Policial Proerd na Diretoria de Ensino da PMAC, e é
professor de Teologia e Metodologia da Pesquisa, no Seminário
Teológico Kerigma, em Rio Branco – Acre. Atualmente cursa
Mestrado em Letras/UFAC e lidera o Grupo de Pesquisa Sobre
Terras e Gentes: Amazônia em Foco. É o autor de Sobre Terras e
Gentes: o terceiro eixo ocupacional de Rio Branco (1971 – 1982);
Retorno à Santidade; O Sermão da Montanha; e, Ensaio Sobre
Fatos e Datas da Congregação Presbiteriana do Bahia; além de
vários outros artigos.

Maria Iracilda Gomes Cavalcante Bonifácio – natural de


Tarauacá – Acre, é Licenciada em Letras/Vernáculo; Especialista
em Cultura, Natureza e Movimentos Sociais na Amazônia.
Atualmente cursa Mestrado em Letras/UFAC. Atua na rede pública
estadual de ensino como professora de Língua Portuguesa e
coordenadora do grupo de Pesquisa O Discurso nas Redes do
Poder; atua na Faculdade Teológica Batista Betel, como professora
de Monografia e no Seminário Teológico Kerigma, como
professora de Educação Cristã e de Língua Portuguesa, em Rio
Branco – Acre. É autora de O Imaginário Social nos Jornais de Rio
Branco (1900-1999); Sonhos em BVA v 1 e 2; Ideologia e Poder,
além de diversos artigos publicados em anais e congressos.
?
Lelcia Maria Monteiro de Almeida – natural de Cruzeiro
do Sul/AC, graduada em História pela UFAC e Especialista em
Cultura, Natureza e Movimentos Sociais na Amazônia, atua como

116
Habitantes & Habitat

coordenadora no grupo de pesquisa Sobre Terras e Gentes:


Amazônia em Foco. Atualmente desenvolve trabalhos como
Coordenadora do Setor de Acervo na Fundação Cultural Garibaldi
Brasil. É autora de diversos artigos e capítulos de livros, dentre eles,
Osmarino Amâncio: tempo e resistência.

Cleunilde Silva dos Santos – natural do Amazonas,


L i c e n c i a d a e m H i s t ó r i a / U FA C ; E s p e c i a l i s t a e m
Psicopedagogia/IVE. Atualmente trabalha como Coordenadora de
Projetos no Departamento de Patrimônio Histórico do Acre da
Fundação Cultural Elias Mansour.

Leila Gonçalves da Costa – natural de Rio Branco – Acre.


Licenciada e Bacharela em História. Atualmente é professora em
Brasiléia – Acre e Coordenadora de Micro-Rede da Secretaria de
Estado de Educação em Epitaciolândia. Publicou em parceria com
Reginâmio B. Lima, o artigo João Eduardo I e II e Ambiência
Ocupacional nos bairros João Eduardo I e II..

Antônio Vladimir da Silva Barbosa – natural de Rio Branco


– Acre. Licenciado em Geografia pela UFAC. Atualmente
desenvolve atividades como professor na Secretaria de Estado de
Educação. É autor de diversos artigos publicados em Congressos e
Seminários.

Sâmya Teixeira de Alencar – natural de Rio Branco – Acre.


Licenciada em Ciências Sociais. Atualmente desenvolve trabalhos
junto a Clinstran.

Regineison Bonifácio de Lima – natural de Rio Branco –


Acre. Licenciando em História. Já atuou na rede de ensino particular.
É autor de vários artigos publicados em congressos e seminários.

Pedro Bonifácio de Lima – natural de Rio Branco – Acre.


Licenciando em Geografia. Atualmente desenvolve trabalhos
junto à Secretaria Municipal de Educação. É autor de vários artigos
publicados em congressos e seminários.

117
GRAF-SET
Fone/Fax: (68) 3226-2173 -Celular: 9974-2903
Rua Dourado nº 38 - Tangará - Estação Experimental
Rio Branco - Acre - Brasil
E-mail: graf-set@contilnet.com.br / grafset.ac@hotmail.com.br
Os traços que aqui apresentamos contêm os resultados
de estudos e pesquisas realizados na área próxima ao antigo
Aeroporto, que fica situada nas imediações da atual Secretaria
Estadual de Educação. Nesse local, hoje em dia estão formados os
dezesseis bairros que compõem a terceira fase de expansão da cidade
de Rio Branco, sendo eles: Palheiral, Pista, Bahia Velha, Bahia
Nova, Aeroporto Velho, Glória, João Eduardo I e João Eduardo II,
Boa União, Airton Sena, Sobral, João Paulo II, Plácido de Castro,
Boa Vista, Invasão da Sanacre e Floresta Sul. Os oito primeiros
compõem o setor inicial de formação do local, e os oito seguintes,
representam a fase de expansão. Neste momento falaremos dos oito
bairros iniciais do período de formação. Na obra intitulada
Habitantes e Habitat 2 falaremos da expansão da localidade e sua
representação social.
Na pesquisa constatamos a quantidade de 33.908 pessoas
vivendo nesses locais, residindo e convivendo em 14.109
domicílios. Portanto, é certo dizer que o Terceiro Eixo Ocupacional
Expandido de Rio Branco representa na atualidade 14,98% da
população urbana riobranquense, e comporta em sua área 17,14%
dos domicílios da cidade. Assim sendo, é clara a super-povoação do
local em comparação com o restante de Rio Branco. Uma área que
representa menos de 10% da extensão total urbana da Capital
acreana comporta quase um quinto de seus domicílios, e um sétimo
de sua população.
São esses homens e mulheres os autores de muitos dos feitos
executados em Rio Branco. Seres humanos, como você e eu, dignos
de serem tratados com respeito. Não são heróis, tampouco bandidos,
são gentes que caminharam longos anos até conseguir suas terras.
Foram expulsos de onde moravam e saíram numa jornada em busca
de melhores condições de vida.

Maria Iracilda G. C. Bonifácio (Org.)

Financiamento Patrocínio

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FUNDAÇÃO GARIBALDI BRASIL

Gráfica & Editora

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