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Depaartamento de M
Música ‐ Universidade de Évo
ora. el@uevorra.pt
LOPES, E. (2007) Da prática musical à teoria da música: como teorizar o conceito de
“swing”. In, V. Trindade, N. Trindade & A.A. Candeias (Orgs.). A Unicidade do
Conhecimento. Évora: Universidade de Évora.
Inuit do Pólo Norte pratica‐se um jogo vocal, em que dois vocalistas cantam
alternadamente padrões representando pássaros. Neste jogo, as bocas dos
participantes/vocalistas estão apenas separadas por alguns centímetros, o que faz
que os sons emitidos por um vocalista tenham também ressonância na cavidade
bocal do outro participante, dissolvendo assim a barreira natural que separa os
“jogadores”. Neste jogo, que é uma representação da natureza, a música parece
soar a natureza. Por outro lado, quando a música procura a natureza admite‐se
implicitamente uma separação entre as duas entidades. Isto é especialmente
observável em certos espectáculos da tribo Wagogo do Sudeste Africano em que a
música representa paisagens completas, removendo assim qualquer ideia da
naturalidade da música.
Se bem que quase circular, o argumento dos conceitos “naturalidade da música”
e “música na natureza”, não deixa mesmo assim de apontar uma realidade muito
mais generalizante que é a da naturalidade da música para o ser humano. O
recente ressurgimento na antropologia de conceitos e teorias Neo‐Darwinianas,
alimentadas pelo Projecto Genoma e os grandes avanços na descodificação do ADN
humano, tem também tido alguma influência no estudo da música, tentando do
ponto de vista epistemológico um afastamento das questões meramente sociais –
onde por vezes a capacidade musical era relacionada com a raças ou culturas.
Sendo então a música universal para os humanos e o ritmo talvez o mais
importante dos seus parâmetros, seria de esperar que este tivesse também o seu
valor reconhecido pela teoria da música. Ao longo da história da música Ocidental,
compositores e instrumentistas desenvolveram articulações de ordem
rítmico/temporal a um nível bastante elevado de imaginação e técnica. Tendo em
conta aspectos puramente rítmicos musicais, estas capacidades práticas nunca
foram suficientemente acompanhadas por tratados teóricos, chegando‐se assim a
uma teoria da música extremamente dependente de considerações conceptuais
sobre os parâmetros da frequência do som (melodia e harmonia), enquanto as
evidências práticas da importância do ritmo (e métrica) musical ficavam
teoricamente posicionadas em segundo plano.
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“swing”. In, V. Trindade, N. Trindade & A.A. Candeias (Orgs.). A Unicidade do
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Voltando novamente ao assunto da importância da música para o ser Humano –
e agora do ritmo como componente básico do som musical ‐ os teóricos Lerdahl
and Jackendoff (1983) denominam o anterior por musical innateness. Lerdahl and
Jackendoff acreditam que a existência de diversos universos de teoria musical, que
são resultantes da difusão cultural ou “acidentes” históricos, não afectam a base de
competências cognitivas de toda a raça humana – aspectos inatos da mente que
transcendem culturas ou períodos históricos. Os autores referem que se por um
lado alguns universos musicais diferem em possibilidades métricas, não existe
nenhuma música que faça uso de regularidades métricas de, por exemplo, 31 em
31 tempos.
Se por um lado, o conceito de musical inateness de Lerdahl and Jackendoff não
refere considerações de ordem fisiológica, eu acredito que estas considerações são
tão relevantes quanto as de ordem psicológica. De acordo com Maury Yeston
(1976), para além de contribuir com uma base de dados que poderá ser utilizada
por todos os teóricos, uma teoria que enraíze o processo da percepção musical na
fisiologia e psicologia nunca foi formulada sistemáticamente. Yeston acredita que
essa formulação deverá estar intimamente ligada a modelos fisiológicos baseados
quer nos ritmos biológicos internos (batimento do coração, pulsação, ondas alfa, e
outros relógios internos) como nas actividades externas humanas (caminhar,
saltar, etc.). Com uma atitude orientadamente Gestalt, dever‐se‐á então tentar
descobrir operações intrínsecas ou construções perceptuais, como por exemplo a
tendência inata humana de agrupar objectos (virtuais ou reais) em grupos
recorrentes de 2 ou 3.
Pelo lado fisiológico, na concepção da sua teoria do relógio biológico, David
Epstein (1995) cita inúmeros cientistas como Einstein, Gooddy, Lashley, e Poppel
(como também a cibernética de Weiner). Para Epstein, o corpo humano funciona
como um grande relógio que reage à conjunção de relógios mais pequenos
representados pelos diferentes órgãos humanos; o “relógio final” será então uma
abstracção derivada da soma de todas as formas subsidiárias internas temporais –
todos os “relógios” que perfazem o nosso corpo. A base primária de todos os
relógios será então o modo rítmico pelo qual o nosso sistema nervoso age e
transmite sinais.
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existe então a ideia de que toda a nossa existência corporal está baseada em sinais
binários de sim ou não.
O conceito psicológico Gestalt da unidade temporal do Par, propõe uma
organização mental de sequências temporais por pares de pulsações contínuas.
Segundo Koffka (1935), para ouvirmos duas pulsações como um par, estas terão
que estar unidas por forças de alguma espécie. O problema principal deste
conceito, está em que a primeira pulsação deixa de existir no momento em que
aparece a segunda. Assim, a conclusão de que forças são necessárias para produzir
a unidade do Par de pulsações faz assumir os psicólogos Gestalt de que apesar da
primeira pulsação deixar de existir aquando do início da segunda, algo deverá ter
ficado que serve como um dos pontos nos quais as forças se fazem sentir – este
processo é conhecido como “rasto”.
Também, para Koffka, o aspecto temporal da percepção de séries será diferente
daquele do estímulo real: os intervalos entre os dois membros de um par serão
reconhecidos como menores do que os intervalos entre o segundo membro de um
par e o primeiro do par seguinte. Na Fig. 1 a sequência de pontos superiores
representa a sequência real de pulsações temporais, enquanto a inferior
representa a mesma sequência como ouvida.
Factores externos à nossa existência corporal (o ambiente que nos rodeia)
poderão também contribuir para a preferência perceptual de organizações
binárias. Poder‐se‐á facilmente produzir uma extensa lista de pares existentes no
nosso dia‐a‐dia: dia/noite; sol/chuva; terra/céu; e muitos outros. É claro que aqui
o argumento poderá ser um pouco circular: estes pares poderão não ser dados pela
natureza, mas sim mediados pela cognição humana, resultando assim dos factores
fisiológicos e psicológicos discutidos anteriormente – no entanto, servindo de
qualquer forma para sublinhar a importância desse factores.
Um bom exemplo disto é o par da lógica 0‐1, a base da tecnologia digital
contemporânea. Para George Rochberg (1972), o cérebro humano é o modelo para
o computador; o psicólogo Ulric Neisser (1967) acha extremamente importante a
analogia entre a mente humana e um programa de computador. Se por um lado um
programa não é nada mais que uma sequência de símbolos, este é capaz de
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Até ao momento, as organizações ternárias não foram ainda discutidas. Isto
deve‐se em grande medida ao facto de ser difícil de encontrar estruturas ternárias
nas organizações fisiológicas e psicológicas da raça humana. Recentemente,
Christopher Hasty (1997) voltou ao assunto da percepção de organizações,
propondo que só existem as binárias e as ternárias. Para o autor, quando um
ouvinte está na presença de uma sequência isócrona de pulsações irá
espontaneamente criar grupos de 2 ou 3 (ou múltiplos de 2 ou 3), e não, por
exemplo, grupos de 5 ou 7. E se um grupo de 5 é claramente dado ao ouvinte, este
irá ouvi‐lo como uma composição de grupos de 2 e 3.
Numa tentativa de equilibrar o atrás descrito, dando assim mais atenção do
ponto de vista teórico ao ritmo musical, em Lopes (2003) é proposto uma
construção teórica de base empírico/experimental sobre o ritmo e a métrica
musical. Partindo do conceito rhythmtopitch de Maury Yeston (1976)
(considerando a teoria da música tradicional como sendo pitchtorhythm), em que
as estruturas melódicas e harmónicas são só relevantes se as estruturas rítmicas e
métricas assim o definirem, foi então desenvolvida uma teoria puramente
duracional. A teoria a construção teórica de Lopes tem como base estudos de
cognição musical que demonstram que: notas de longa duração tendem a ser
perceptualmente mais salientes; que notas colocadas em locais metricamente
fortes tendem a estabilizar perceptualmente a sensação de movimento; e que notas
em locais metricamente fracos tendem a sugerir sensação de movimento.
Resumindo, o modelo proposto foi desenvolvido em três etapas: (1) estudando
o comportamento perceptual do ritmo e da métrica em forma de uma unidade
rítmica completa (como são apresentados aos ouvintes), através de estudos
experimentais; (2) estudando o ritmo e a métrica independentemente de forma a
produzir duas taxinomias/modelos operacionais; (3) e reintegrando o ritmo e a
métrica como uma entidade perceptual completa (construção rítmica), avaliando a
saliência relativa e as qualidades perceptuais de uma determinada sequência.
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As Figuras 2 e 3 mostram respectivamente as organizações internas de
compassos ternários e quaternários. O peso/saliência relativa de cada compasso é
identificada pelo número de pontos verticais; assim, em duas durações iguais
colocadas no primeiro e quarto tempo de um compasso quaternário, a colocada no
primeiro tempo será quatro vezes mais saliente do ponto de vista perceptual que a
colocada no quarto tempo. Por outro lado, e devido à instabilidade do quarto
tempo (pouco peso perceptual), a nota colocada no quarto tempo libertará (do
ponto de vista perceptual) mais energia cinética, expressando assim mais
movimento que a nota no primeiro tempo.
A Figura 4 mostra um exemplo simples de uma análise de uma sequência
rítmica. Não querendo entrar em detalhes de Just in Time que estão bem para além
do tema deste artigo, segue‐se uma explicação o mais simplista possível da análise
anterior. A semínima em [1:1] (compasso:tempo) é uma nota extremamente
saliente: não só é estável devido à sua localização num ponto métrico forte, mas
também porque é uma nota longa (acentuação agógica), e também porque é
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precedida por duas notas mais curtas (acentuação por célula rítmica – notas
precedidas por outras mais curtas tendem a ser perceptualmente mais longas). A
célula rítmica no segundo tempo é isócrona, não acentuando a nota seguinte [1:3]
(porque são mais longas que as semicolcheias); não recebendo assim qualquer
notação analítica, e a sua saliência relativa está simplesmente relacionada com o
peso da sua posição métrica (mais tarde voltarei a isto). A organização interna da
célula rítmica em [1:3] acentua a colcheia na sua segunda metade. Se similarmente
a [1:2], a célula rítmica em [1:4] recebe desta feita uma notação analítica porque
precede uma nota longa e a acentua. Desta feita, e idêntica à de [1:1], a semínima
em [2:1] é uma nota extremamente saliente. No segundo compasso, o segundo,
terceiro, e quarto tempos dão origem a um motivo rítmico (como notado), e com as
durações pequenas no segundo e terceiro tempos, acentuando mais a semínima em
[2:4]; esta também tornando‐se numa nota extremamente saliente, assim como a
mínima em [3:1] – a nota mais longa da sequência.
Se bem que estas são as principais saliências da sequência, também há outras,
como por exemplo as colcheias em [1:2] e [2:2]. Na realidade, estas colcheias são
mais longas que as vizinhas semicolcheias, estando também colocadas na primeira
parte do segundo tempo de um compasso quaternário. Como indica a notação
métrica, este ponto é o terceiro mais forte dos dezasseis pontos existentes no nível
métrico mais baixo realizado por esta sequência (o nível métrico das
semicolcheias). A colcheia na primeira metade de [1:4] também irá receber alguma
acentuação devido à resolução de um grande momento cinético.
A segunda colcheia em [1:3] também liberta energia cinética porque é uma nota
saliente num local métrico fraco. Diferentemente da energia cinética passo‐a‐passo
resultante da densidade de pulsações, este tipo de movimento perceptual implica
uma libertação de energia que chega mais longe. Porque este momento altamente
cinético cria grande instabilidade, precisa de resolução, o que acontece no próximo
ponto métrico forte. Como mostra a Fig. 4, a resolução esperada deste grande
momento cinético acentua mais a colcheia em [1:4]. Expressando cinética passo‐a‐
passo, a célula rítmica em [1:4] por sua vez acentua [2:1]. Se a sequência está a ser
ouvida pela primeira vez, será então aqui, depois do grande momento cinético, que
o contexto métrico será estabilizado. Mais potencial de cinética passo‐a‐passo
começará a ser realizado em [2:2], que culmina na grande saliência de [2:4],
libertando uma ainda maior quantidade de energia cinética. Como atrás, este
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momento é resolvido em [3:1], e assim acentuando ainda mais a semínima, e
estabilizando o contexto métrico.
A construção teórica abordando o ritmo e a métrica musical proposta em Lopes
tem aplicações em várias áreas musicais. Como uma ferramenta de análise musical
complementa métodos já existentes de análise musical através da sua capacidade
de abordar consistentemente os parâmetros duracionais – quer simplesmente do
ponto de vista puramente rítmico, quer relacionando as estruturas rítmicas com
outros parâmetros. As suas formulações e operações do rítmo e da métrica poderá
ser de assistência a compositores no que respeita a criação e controle de efeitos de
saliência e cinética resultantes de certas construções rítmicas – assim como para o
músico improvisador. Da mesma forma, o modelo proposto pode contribuir para o
conhecimento da função do instrumentista na realização do potencial de uma
construção rítmica. E os conceitos teóricos do ritmo e da métrica trabalhados
durante o desenvolvimento do modelo (particularmente as conclusões da parte
experimental) são de grande valor para a educação musical. Em cada uma das
aplicações atrás descritas, o modelo teórico do ritmo e métrica musical proposto
em Lopes (2003) dá uma base sistemática para trabalho no contexto da tradição
musical Ocidental.
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então, de que forma a construção teórica Just in Time pode abordar e elucidar o
conceito de “swing”, podendo servir assim várias áreas da academia musical.
A partir da segunda metade do século XX, assistiu‐se a o crescente aparecimento
de interpretações de certa música Barroca de J. S. Bach num ambiente e formato
jazzístico – destacando‐se entre muitas as de Jacques Loussier Trio e do Modern
Jazz Quartet. A Figura 5 mostra o ritmo básico de jazz (apelidade de ritmo
“swing”), como é geralmente interpretado na bateria de jazz.
Na Fig. 5 é visível dois tipos de acentuação do segundo e quarto tempos do
compasso quaternário: a acentuação rítmica agógica (notas longas no instrumento
mais grave da notação), e dinâmica (dois instrumentos em uníssono). O que estará
então na origem da parceria Bach e jazz? Parceria esta que, para alguns, é uma
fusão perfeita que sublinha qualidades da música de Bach elevando‐a a outras
dimensões como demonstrado pelo seu sucesso no Jazz. Tentemos, então,
comparar as estruturas rítmicas de Bach com as estruturas base do jazz, afim de
tentar trazer à superfície pontos comuns, podendo ser estes a base do conceito de
“swing”. A Figura 6 é a partitura da exposição da Fuga a três vozes em Dó menor
(WTC I) de J. S. Bach; e a Figura 7 é uma análise rítmica do mesmo excerto.
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Não querendo entrar em muito detalhe em relação à análise rítmica da Fuga em
Dó menor indicada na Figura 7, é facilmente visivel a acentuação rítmica que Bach
criou no segundo e quarto tempo do compasso quaternário. Esta acentuação é
recorrente nos dois primeiros compassos (tema), e é realizada através das duas
semicolcheias que acentuam perceptualmente a colcheia que as segue. Devido à
acentuação constante do segundo e quarto tempo (tempos relativamente fracos
num compasso quaternário), o tema expressa de imediato um momento
perceptualmentre bastante cinético e leve. A excepção a este momento ocorre na
segunda metade de [2:3]. Aqui, a acentuação fortíssima no local mais fraco do
compasso até agora utilizado, liberta a maior quantidade de energia cinética.
Sendo muito forte, esta acentuação vai ser resolvida em [3:1], no local métrico
mais forte que se segue. No entanto, esta resolução no tempo mais forte do
compasso (primeiro tempo) não tende a parar o movimento cinético iniciado da
fuga pois está no meio de uma sequência de semicolcheias. Desta maneira, as duas
semicolcheias que precedem [3:1] de certa maneira disfarçam a resolução do
momento cinético em [3:1], iniciando um outro momento cinético passo‐a‐passo.
Este tipo de construção rítmica é de seguida repetido nas outras duas vozes,
expressando perceptualmente as mesmas qualidades rítmicas – isto, ajudado pelo
facto do contratema ser isócrono.
Resumindo, a construção rítmica do tema da Fuga em Dó menor (e por inerência
toda a construção rítmica da peça, visto que o material do tema serve de base para
toda a fuga), expressa perceptualmente um grande sentido de movimento que
pode ser dividido em dois tipos: primeiro, as acentuações no segundo e quarto
tempos iniciam um movimento regular e leve; segundo, a grande acentuação na
segunda metade do terceiro tempo liberta grande energia cinética em forma de
trampolim, anunciando a entrada de um outro momento cinético mais regular.
Poder‐se‐á então dizer que esta fuga de Bach acentua ritmicamente o segundo e
quarto tempo com ocasionais picos de energia devido à acentuação na segunda
metade do terceiro tempo.
Com uma ferramenta de análise puramente rítmica tornou‐se claro e fácil de
observar as semelhanças entre as estruturas rítmicas utilizadas por Bach na fuga
em Dó menor e alguns ritmos básicos da música jazz. Sendo um facto que a música
de Bach também faz uso de estruturas melódicas e harmónicas – eventualmente
implicando outras qualidades perceptuais – as suas estruturas rítmicas não deixam
de expressar, em certa medida, as suas qualidades. Tendo em conta que Bach em
muitas das suas peças usa estruturas rítmicas que acentuam o segundo e quarto
tempo de um compasso quaternário ‐ estas estruturas também base de muitos
ritmos jazz ‐ não é de admirar a facilidade com que certa música de Bach é
interpretada em contextos jazzísticos, explorando assim ainda mais as suas
qualidades rítmicas intrínsecas.
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A Fig. 8 mostra uma análise ritmica (Just in Time) dos primeiros quatro
compassos do tema de jazz “Unit Seven” composto por Sam Jones. (Na figura,
notação musical normal corresponde à melodia da guitarra, enquanto a notação
com cruzes corresponde aos acordes do piano). Sem novamente entrar muito em
detalhe em relação à análise rítmica, torna‐se extremamente claro na análise acima
a quase inexistência de notas musicais em locais métricos fortes. A única excepção
a isto é a colocação por parte do piano de acordes no terceiro tempo dos
compassos 1 e 2 (sendo, mesmo assim, o terceiro tempo de um compasso
quaternário um tempo tão só relativamente forte). Também em consonância com o
acima descrito, quase todas as notas da melodia iniciam‐se e acabam na terceira
parte de um tempo – um local metricamente extremamente fraco. Assim, desde o
inicio desta peça denota‐se uma forte evidência de não colocar sons em tempos
fortes, preferindo iniciar e terminar frases musicais em locais metricamente fracos.
4 - CONCLUSÕES
Pode‐se então concluir, que estruturas rítmicas aliadas à música jazz têm como
componente básica a colocação de notas em tempos fracos da métrica
contextualmente designada. Segundo Just in Time, as qualidades perceptuais que
são expressas por estas construções são de leveza e grande percepção de cinética.
Na realidade, o conceito de “swing” tem do ponto de vista cognitivo estas mesmas
qualidades (leveza e movimento). Então, poderá ser justo propor que uma das
formas básicas de obter “swing” será pela constante colocação de eventos sonoros
em locais metricamente fracos; dando assim à música uma maior qualidade de
leveza e movimento. Se bem que simplesmente como ponto de partida, este artigo
mostrou como uma ferramenta de análise teórica musical, que foi desenvolvida a
partir de empiricismo e experimentação científica, pode mais facilmente servir
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para comunicar conceitos que tradicionalmente fazem parte da tradição oral –
unindo assim o conhecimento prático ao teórico.
BIBLIOGRAFIA
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Basic Books.
Koffka, K. (1935). Principles of Gestalt Psychology. New York: Harcourt and Brace.
Hasty, C. (1997) Meter as Rhythm. New York: Oxford University Press.
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Lopes, E. (2003) Just in Time: towards a theory of rhythm and metre. Southampton,
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