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TRATADO DE DIREITO PRIVADO

PARTE ESPECIAL

TOMO XLII

Direito das Obrigações: Mútuo. Mútuo a risco.


Contrato de conta corrente. Abertura de credito.
Assinação e Acreditivo. Depósito.

TÍTULO XXVII

MÚTUO

PARTE 1

Contrato de mútuo

CAPITULO 1

CONCEITO E NATUREZA DO MÚTUO


§ 4.585.Dados históricos e conceito. 1. Dados históricos. 2. Direito germânico e direito medievo
§4.586.Conceito de mútuo. 1. Código Civil, art. 1.256. 2. Classificação do contrato de mútuo
§ 4.587.Realidade e e consensuíslidade. 1. Realidade e consensualidade. 2.Mútuo e objeto do mútuo. 3. Mútuo
de convenção. 4. Mútuo para pagamento a terceiro. 5. Mútuo mercantil. 6. Mútuo com direito real de garantia.
7. Mútuo com destinação. 8.Mútuo com destino ilícito. 9. Condições e contrato de mútuo
§ 4.588. Natureza do contrato de mútuo. 1. Sentido econômico e fim jurídico. 2. Natureza do contrato de
mútuo. 3. Contrato real. 4.Pluralidade de mutuarios
§ 4.589.Contrato de mútuo e outros negócios jurídicos. 1. Precisões.2.Mútuo e comodato. 3. Mútuo e depósito
irregular. 4. Mútuo e contrato de desconto. 5. Mútuo e abertura de crédito.6.Mútuo e adiantamento bancário. 7.
Mútuo e contrato estimatório. 8. Contrato fiduciário e mútuo. 9. Mútuo e negócios jurídicos a prestações, com
ou sem interêsses. 10. Mútuo e depósito irregular
§ 4.590. Promessa de mútuo (pré-contrato de mútuo). 1. Conceito.2.Ofertas de mútuo e ofertas de promessa de
mútuo. 3. Vinculação e pré-contrato. 4. Determinação do quanto mutuando. 5.Crédito, pretensões e ações. 6.
Compensação e direito de retenção. 7. Incedibilidade do crédito e da pretensão. 8. Lugar do adimplemento. 9.
Extinção da dívida oriunda do pré-contrato de mútuo

CAPITULO II

PRESSUPOSTOS SUBJETIVOS E OBJETIVOS DO CONTRATO DE MÚTUO

§ 4.592.

§ 4.593.

§ 4.594.

§ 4.595.

MÚTUO
CAPÍTULO TU
EFICÁCIA DO CONTRATO DE MÚTUO

§ 4.596.Eleito mínimo, efeitos comuns e efeitos diferenciadores. 1. Três figuras e efeito mínimo e efeito
comum. 2. Efeitos diferenciadores
§ 4.597.Interesses e juros moratórios. 1. Interesses . 2. Necessidades profundas de crédito. 3. Mútuo e inflação.
4. Sociedades de participação em lucros. 5. Mútuo e títulos abstratos. 6. Economia popular e mútuo

EXTINÇÃO DA RELAÇÃO JURÍDICA DE MÚTUO


§ 4.600. Causas de extinção. 1. Restituição. 2. Impossibilidade de restituição não imputável ao mutuário. 3.
Inadimplemento e resilição. 4. Denúncia. 5. Concurso de credores. 6. Danos oriundos da mora
§ 4.601. Revogação. 1. Revogação do pré-contrato de mútuo. 2. Contrato de mútuo
§ 4.602. Conceito e natureza do mútuo marítimo a risco. 1. Conceito.2.Cláusula de risco Dados históricos. 1.
Direito grego. 2. Direito romano. 3. Direito brasileiro

CAPÍTULO IV

AÇÕES DERIVADAS DA RELAÇÃO JURÍDICA DE MÚTUO

Ações do mutuante. 1. Ação declaratória e ação condenatória. 2. Ação executiva


Ações do mutuário. 1. Ação declaratória. 2. Outras ações do mutuário. 3. Código Civil, art. 1.263. 4. Pré-
contrato de mútuo

•§ 4.603.

§ 4.604.

§ 4.605.Relativamente incapazes. 3. Poderes para contratar mútuo ou para pré-contratar mútuo. 4. Sanção. 5.
Mútuo a pessoa menor. 6. Espécies de objeto do mútuo
§ 4.606 .Objeto do mútuo. 1. Fungibilidade. 2. Tradição de todo o objeto, ou de parte Forma do contrato de
mútuo. 1. Regras jurídicas gerais Codigo Civil, art. 133 Tradição do bem mutuado. 1. Contrato real de mútuo. 2.
Casos especiais de tradição. 3. Lugar de entrega
§ 4.607 Tempo e lugar para a. restituição pelo mutuário. 1. RestituIção e tempo. 2. Vencimento antecipado. 3.
Lugar da restituIção

CAPÍTULO V

PARTE II

Contrato de mútuo a risco

CAPÍTULO 1

MÚTUO A RISCO OU CÂMBIO MARÍTIMO OU DE VIAGEM COMERCIAL

Natureza do mútuo a- risco. 1. Bilateralidade. 2. Comercialidade 3.Pressupostos subjetivos e objetivos do


contrato de mútuo a. rasco. 1. Pressupostos necessários. 2. Forma. 3. Quem pode concluir contrato de mútuo a
risco. 4. Data e lugar em que o empréstimo se faz. 5. Objeto do mútuo a risco (capital e interêsses). 6. Bens
sujeitos ao privilégio especial. 7. Riscos tomados. 8. Percurso a que o mútuo a risco se refere.

MÚTUO
x
CAPÍTULO II

VALIDADE E EFICÁCIA DO CONTRATO DE MÚTUO A RISCO

§ 4.606.Pressupostos de validade. 1. Validade e invalidade. 2. Empréstimo tomado pelo capitão ou pessoa que
lhe corresponda
§ 4.607.Eficiência do mútuo a risco. 1. Registo ou visto. 2. Vencimento do mútuo a risco. 3. Responsabilidade
criminal dos figurantes
§ 4.608.Cláusulas, incidentes e acidentes do percurso. 1. Cláusula de tocar e cláusula de escala. 2. Cláusula de
pré-exclusão das avarias comuns. 3. Transferências e baldeações. 4. Dever de notificação da prêsa, desastre ou
outra ocorrência ligada ao risco. 5. Mútuo a risco e seguro. 6. Privilégio especial do mutuante a risco
§ 4.609.Transferénci a do crédito a risco. 1. Cessão e circulação.2. Endosso
§ 4.610. Direitos e pretensões do mutuante. 1. Adimplemento da dívida pelo mutuário. 2. Pretensão e ação para
haver a importância a descoberto. 3. Ocorrência de perda total ou parcial.4.Ação para adimplemento da dívida
do capital e interêsses.

CAPÍTULO III

EXTINÇÃO DA RELAÇÃO JURÍDICA DE MÚTUO A RISCO

§ 4.611.Pagamento do capital e interesse s. 1. Capital e interêsses. 2.Extinção total ou parcial, por ter
acontecido perda total ou parcial
§ 4.612.Resolução do contrato de mútuo a risco por infração do dever de destinação. 1. Dever de destinação. 2.
Resolução e resilibilidade

CAPITULO IV

LETRAS DE RISCO

§ 4.613Conceito e natureza. 1. Letras. 2. Letras a risco subscritas pelo capitão ou por pessoa que lhe
corresponda
§ 4.614.Causas da subscrição. 1. Atitude do capitão. 2 Privilégio

TITULO XXIX
TITULO XXVIII

CONTRATO DE CONTA CORRENTE

CAPÍTULO 1

CONCEITO E NATUREZA DO CONTRATO DE CONTA


CORRENTE
§ 4.615.Conceito do contrato de conta corrente. 1. Precisões iniciais.~2.Conceito. 3. Chegadas
§ 4.616.Natureza do contrato de conta corrente. 1. Primeiras explicações. 2. Contrato consensual. 3.
Bilateralidade do contrato..4.Créditos e pretensões. 5. Normatividade do contrato de conta corrente. 6. Conta

MÚTUO
comum (ou conta conjunta) e solidariedade
§ 4.617.Contrato de conta corrente e outros contratos. 1. Contrato de conta corrente e tiragem de coatá
.2.Contrato de conta corrente e contrato de abertura de crédito. 3. Mútuo e contrato de conta corrente. 4.
Contrato deconta corrente e conta corrente bancária. 5. Contas de gestão e contrato de conta corrente

CAPÍTULO II

CONCLUSÃO DO CONTRATO DE CONTA CORRENTE

§ 4.618.Pressupostos subjetivos e pressupostos objetivos. 1. Conciu são do contrato de conta corrente 2.


Capacidade. 3. A que créditos se refere a vinculação à conta corrente. 4. Forma e prova do contrato de conta
corrente. 5. Garantia real ou fidejussória a crédito que entrou. 6. Chegada do crédito contra terceiro
135
§ 4.619.Interesses dos créditos. 1. Juros. 2. Juros negociais e juros não negociais. 8. Regra jurídica dispositiva.
4. Capitalização.5.Juros e reconhecimento de saldo

ABERTURA DE CRÉDITO

CAPÍTULO 5

CONCEITO E NATUREZA DA ABERTURA DE CRÉDITO

§ 4.623.Conceito de abertura de crédito. 1. Conteúdo e extensão do conceito. 2. Função do crédito. 3.


Conteúdo das retiradas na abertura de crédito
§ 4.624.Natureza da abertura de crédito. 1. Precisões. 2. Teoria da abertura de crédito de mútuo. 3. Teoria da
atribuição do poder de disposição . 4. Teoria do contrato de abertura de crédito pré-contrato. 5. Teoria da
abertura de crédito antecipação bancária. 6. Consensualidade do contrato de abertura de crédito. 7. Abertura de
crédito, onerosidade e outros caracteres.8.Abertura de crédito e normatividade. 9. Unilateralidade do contrato
de abertura de crédito
§ 4.625.Abertura de crédito e outros negócios jurídicos. 1. Abertura de crédito e mútuo. 2. Abertura de crédito e
pré-contrato.3.Abertura de crédito e contrato de fornecimento. 4. Abertura de crédito e depósito bancário. 5.
Abertura de créditoe desconto. 6. Abertura de crédito e a creditivo
§ 4.626.Espécies de abertura de crédito. 1. Abertura de crédito contra documento e abertura de crédito a favor
de terceiro. 2. Abertura de crédito simples e abertura de crédito em conta corrente. 3. Abertura de crédito em
conta corrente
§ 4.627.Garantia à abertura de crédito. 1. Abertura de crédito a descoberto e abertura de crédito garantida. 2.
Abrangência da garantia e extinção da relação jurídica
§ 4.628. Prorrogação e renovação do contrato de abertura de crédito.1.Prorrogação do contrato. 2. Renovação
do contrato.

CAPÍTULO II

EFICÁCIA DO CONTRATO DE ABERTURA DE CRÉDITO

§ 4.629. .§ 4~630.

CAPÍTULO III

MÚTUO
EFICÁCIA DO CONTRATO DE CONTA CORRENTE

§ 4.620.Efeitos das entradas. 1. Entradas de créditos. 2. Efeito precipuo. 3. Se há compensação entre créditos
entrados. 4. Fechamento da conta corrente. 5. Garantia real ou pessoal do futuro e eventual crédito do saldo
§ 4.621.Saldo e reconhecimento. 1. Reconhecimento do saldo. 2. Crédito certo e líquido do saldo. 3.
Compensação
§ 4.622.Fechamento da conta corrente e extinção da relação juridica irradiada do contrato. 1. Extinção da
relação jurídica oriunda do contrato de conta corrente. 2. Distrato. 3. Expiração do prazo. 4. Falência,
liquidação coativa e concurso de credores civil. 5. Erros de cálculo e de escrita, inexatidês materiais.
6.Ações do figurante. 7. Prescrição. 8. Medida cautelar ou executiva sôbre o saldo
Efeito principal de abertura. 1. Momento da eficácia principal. 2. Direito, pretensão e ação
Modo, lugar e tempo de exercício da pretensão do creditado.
1. Conteúdo do contrato. 2. Retiradas. 3. Abertura de crédito em moeda estrangeira. 4. Comissão do creditador.
5. Juros e abertura de crédito. 6. Incompensabilidade do crédito aberto.
7.Duração prolongada. 8. Limite do quanto retirável.

CAPÍTULO III

EXTINÇÃO DA RELAÇÃO JURÍDICA DE ABERTURA DE CRÉDITO

§ 4.631. –Existéncia e extinção da relação jurídica entre creditado e creditador. 1. Causas de extinção. 2.
Têrmo ou condição.
3.Prazo indeterminado, denúncia e renúncia. 4. Prazo determinado e denúncia cheia. 5. Falência, insolvência e
abertura de crédito. 6. Impossibilidade superveniente. 7. Incapacidade, morte e abertura de crédito
§ 4.632. Conseqüências da extinção da relação jurídica de abertura de- crédito. 1. Extinção e crédito. 2. Juros,
comissões e outras-despesas. 8. Espécies de causas de extinção

TITULO XXX

CAPITULO 1

ASSINAÇÃO E ACREDITIVO

(negócios jurídicos unilaterais para compor ângulo)

PARTE 1

Assinação

CAPITULO 1

CONCEITO E NATUREZA DE ACREDITIVO

§ 4.641.Conceito de acreditivo. 1. Conceito de acreditivo e de assinação. 2. Angularização das relações


jurídicas. 3. Atos internacionais (Câmara de Comércio Internacional)
§ 4.642.Natureza do acreditivo. 1. Considerações prévias. 2. Teoria do acreditívo contrato a favor de terceiro. 3.
Teoria do acreditivo assinação. 4. Teoria do acreditivo mandato de crédito.. 5. Acreditivo, negócio jurídico de
vinculação e negócio jurídica. de reembôlso. 6. Acreditivo e letra de câmbio
§ 4.643.Espécies do acreditjivo. 1. Revogabilidade e irrevogabilidade..2.Acreditivo limpo e acreditivo
documentário

MÚTUO
CONCEITO E NATUREZA DA ASSINAÇÃO
§ 4.633. § 4.684.
Conceito de assinação. 1. Conceito. 2. Espécies de assinação 3.Os figurantes da assinação
Natureza da assinação. 1. Precisão . 2. Assinação e assunção de dívida alheia. 3. Assinação e entrega de
documento..4.Natureza da assinação e eficácia da prestação. 5. Relação -jurídica de cobertura e relação jurídica
de valuta. 6. Abstração. 7. Forma e modalidades da assinação. 8. Assinação e mandato de pagar

CAPÍTULO XI

EFICÁCIA DA ASSINAÇÃO

§ 4.635.Relações jurídicas irradiantes. 1. Assinantes e assinado.2.Assinante e assinatário. 3. Assinatário e


assinado. 4. Acei-te. 5. Carta de crédito. 6. Adimplemento
§ 4.636.Objeções e exceções do assinado. 1. Antes do aceite. 2. Efeitos do aceite do assinado sôbre as relações
jurídicas de valuta e de provisão
§ 4.637.Transferência e cessão da assinação. 1. Atos do assinatário. 2. Comunicação do assinado. 3. Eficácia
da transferência.
§ 4.638.Direção e eficácia. 1. Direção da assinação. 2. Documento~ apresentável da assinação. 3. Prescrição. 4.
Depósito em consignação. 5. Relações juridicas do assinado com o assinante

CAPÍTULO II

PRESSUPOSTOS DO ACREDITIVO

§ 4.644.Três figuras. 1. Análise das relações jurídicas no acreditivo.2.Importância da concepção precisa do


acreditivo. 3. Acreditante e pessoa em nome de quem se credita
§ 4.645.Figura do acreditante. 1. Primeira figura. 2. Relação jurídica entre o acreditante e o acreditado. 3.
Nulidade e anulabilidade do acreditivo
§ 4.646.Figura do acreditado. 1. Conceito. 2. Direito do acreditado
§ 4.647.Figura do prestador acreditivo. 1. Conceito. 2. Determinação e deterininabilidade do prestador. 3.
Confirmação. 4. Uni-lateralidade da confirmação. 5. Abstratividade da confirmação. 6. Substituição do futuro
prestador acreditivo. 7. Transferência dos direitos oriundos da confirmação
§ 4.648.Prazo. 1. Acreditivo e negócio jurídico causal. 2. Relação jurídica entre acreditante e futuro prestador
acreditivo.
§ 4.649.Forma. 1. Acreditivo e negócios jurídicos subjacentes. 2. Clápsula ou pacto. 3. Manifestações de
vontade em ângulo. 4. Revogabilidade -e irrevogabilidade. 5. “Confirmação”, negócio jurídico unilateral

CAPITULO III

EFICÁCIA DO ACREDITIVO

Relações jurídicas acreditivas. 1. Irradiação de eficácia. 2. Relação jurídica entre o acreditante e o acreditado.
3. Acreditivo e prestação acreditiva. 4. Transferência de direitos.
§ 4.651.Deveres do prestador acreditivo. 1. Exame dos deveres.2. Remessa e entrega dos documentos. 3.
Deveres quanto aos documentos. 4. Eficácia da confirmação
§ 4.652.Problemas concorrentes à relação jurídica de valuta.1. Relação jurídica de valuta e relação jurídica de
acreditivo..

MÚTUO
§ 4.650.

CAPITULO III

EXTINÇÃO DA ASSINAÇÃO

Causas de extinção. 1. Casos de extinção. 2. Entrega do~ documento e destruição do documenento


Exame das causas de extinção. 1. Revogação. 2. Destruição’ do documento. 3. Adimplemento pelo assinado

2.Consequências jurídicas da abstração. 3. Direito de retenção sôbre os documentos e privilégio especial

CAPITULO iv

EXTINÇÃO DA RELAÇÃO JURÍDICA DO ACREDITIVO

§ 4.658. Causas de extinção. 1. Relação jurídica de valuta e relação jurídica acreditiva. 2. Morte e
superveniente incapacidade.3.Falência, liquidação coativa, ou concurso de credores civil,e acreditivo. 4.
Enumeração das causas de extinção. ..
§ 4.654. Análise das causas de extinção. 1. Revogação. 2. Destruição do documento e perda sem recuperação.
3. Adimplemento pelo prestador acreditivo. 4. Ações

TÍTULO XXX

DEPOSITO

CAPÍTULO 1

CONCEITO E NATUREZA DO CONTRATO DE DEPÓSITO


§ 4.655.Conceito do contrato de depósito. 1. Conceito. 2. Objeto de contrato de depósito
§ 4.656.Custódia e depósito. 1. Dever de custodiar. 2. Contratos de custódia. 3. Custódia e dever de prestação
319§ 4.657.Natureza do contrato de depósito. 1. Gratuidade e onerosidade. 2. Depósito, contrato real. 3. Direito
brasileiro. 4. Posição jurídica dos figurantes
§ 4.658.Depósito e outras figuras jurídicas. 1. Custódia. 2. Depósito e comodato. 3. Depósito e mandato. 4.
Depósito e locação.5.Depósito e contratos com elemento de guarda. 6. Outros contratos. 7. Depósito e ato ou
relação de gentileza. ...
§ 4.659.Pressupostos subjetivos e objetivos. 1. Depositante incapaz.2.Depositário incapaz. 3. Pluralidade de
depositantes. 4. Bem depositado. 5. Modo de entrega. 6. Se a forma é pressuposto necessário. 7. Nulidade e
anulabilidade
§ 4.660.Duração da relação jurídica de depósito. 1. Espécies. 2. Contrato de duração. 3. Depósito e
determinação de tempo.4.Têrmo a favor do depositante e têrmo a favor do depositário

CAPÍTULO II

EFICÁCIA DO CONTRATO DE DEPÓSITO

§ 4.661.Direitos e deveres do depositante. 1. Despesas feitas pelo depositário. 2. Posse, elemento do suporte
fáctico. 3. Elementos de outros contratos. 4. Contrato de exposição. 5. Contrato oneroso ou gratuito. 6.
Remuneração parcial. 7. “Sequestratio” e sequestro. 8. Lugar dado sem assunção de dever de custódia

MÚTUO
1 4.662.Uso e custódia do bem depositado. 1. Uso e propriedade. 2.Regras jurídicas concernentes ao depósito.
3. Alterações XV aos princípios do depósito. 4. Depósito em segurança. 5. Depósito nos armazéns gerais
4.663. Deveres e direitos do depositário. 1. Dever de custodiar..2.Bem e acessões. 3. Restituição. 4. Restituição
fora de- -- tempo. 5. Ação contra o depositário, dita ação de depósito. 6.Ação de depósito e procedimento. 7.
Depositário e cara-. ter pessoal da custódia. 8. Incompensabilidade da dívida

CAPITULO III

DEPÓSITO IRREGULAR

§ 4.664.Depósito de coisas fungíveis, com transmissão da propriedade. 1. “Depositum irregulare”, em sentido


estrito. 2. Conceito e considerações gerais sôbre a espécie. 3. Depósito e restituição
§ 4.665.Depósito irregular e outros contratos. 1. Precisões. 2. Depósito irregular e vinculação. 3. Depósito
bancário. 4. Depósito irregular e contrato de reporte. 5. Suporte fáctico do art. 1.280 do Código Civil
§ 4.666.Natureza do depósito irregular. 1. Precisões. 2. Depósito irregular e outros contratos. 3. Contrato de
depósito de títulos de crédito e de títulos representativos. 4. Depósito irregular e regras jurídicas concernentes
ao contrato de mútuo. 5. Depósito irregular e regras jurídicas sôbre depósito regular. 37’~

CAPITULO IV

DEPÓSITO NECESSÁRIO

§ 4.667.Conceito e natureza do depósito necessário. 1. Conceito.2.Bagagens de viajantes, hóspedes ou


fregueses, nas hospedarias, estalagens ou casas de pensão
§ 4.668.Transmissão e extinção das pretensões do hóspede. 1. Morte do hóspede. 2. Retirada dos bens. 3. Falta
de comuninicação
§ 4.669.Depósito em desempenho de dever legal. 1. Extensão do sentido de dever legal. 2. Depósitário de bens
em caso de penhora ou de medida cautelar
§ 4.670.Depósito em ocasião de calamídade pública. 1Espécies.2.Responsabilidade pela custódia
§ 4.671.Depósito em caso de infração. 1. Depósito de objetos que interessam ao processo penal. 2.
Responsabilidade do Estado.3. Embarcações apreendidas
§ 4.672.Depósito e viagens. 1. Custódia e dever de prestação de transporte. 2. Objetos que o viajante leva
consigo

CAPÍTULO v

EXTINÇÃO DA RELAÇÃO JURÍDICA DE DEPÓSITO

§ 4.673.Causas de extinção da relação jurídica e depósito. 1. Depósito e extinção da relação jurídica. 2.


Restituição do bem depositado. 3. Pluralidade de depositantes. 4. Pluralidade de depositários. 5. Depositário
tornado incapaz
§ 4.674.Particulares eventualidades no tocante & restituIção. 1. Restuição voluntária e restituição exigida. 2.
Restituição ao terceiro referido no contrato. 3. Frutos e acrescidos do bem depositado. 4. Herdeiro do
depositário. 5. Bem depositado e sucedâneo. 6. Bem próprio do depositário. 7. Esbulho e turbação da posse do
depositário

MÚTUO
Título XXVII

CONCEITO E NATUREZA DO MÚTUO

§ 4.585. Dados históricos e conceito

1.DAnos IHSTÓRICOS. As operações de crédito baseiam-


-se, quase sempre, em empréstimos, principalmente em empréstimos de bens fungíveis. O empréstimo de
dinheiro vem, hoje, no primeiro plano; porém não foi sempre assim. Já o era na vida romana, tal como a
conhecemos através do direito romano. Antes, mais havia o empréstimo de produtos naturais, o que ressalta nos
papiros que correspondem ao Egito do tempo dos reis Ptolomeus. A evolução foi para o empréstimo de
dinheiro. Depois, para as múltiplas espécies de negócios jurídicos de crédito.
Na L. 2, § 1, D., de rebus ereditis si certum petetur et de condiotione, 12, 1, está texto de PAulo, no qual se
define o mútuo: “Mutui datio consistit in his rebus, quae pondere numero mensura consistunt; quoniam corum
datione possumus in creditum ire, quia in genere suo functionem recipiunt per solutionem quam specie: nam in
ceteris rebus ideo in creditum ire non possumus, quia aliud pro alio invito creditori solvi non potest”. A dação
do mútuo é dação de coisas que consistem em pêso, número e medida. Com isso, podemos constituir crédito,
pois o pagamento é com bens do mesmo gênero, e não com a mesma espécie. A respeito das demais coisas, não
podemos criar crédito, pois solver com uma, em vez de outra, não se poderia, discordando o credor. Não
importa ao outorgante se o bem pereceu, sem culpa daquele (GAIO, L. 1, § 4, D., de obligationibus et
actionibus, 44, 1).

SObre a interpolação e a estropiação do texto de PAULO (L. 2, 1), G. SAVAGNONE (La categoria deile res
fungibiles, Ruiletino deil’Iatituto di Diritio romano “Vittúrio Sejalo ja”, 55-56, 18 s.). Nem a língua nem a
doutrina romana tinham a expressâo “res fungibíles”.
No direito romano antigo, o empréstimo de dinheiro era negécio jurídico formal. Pesava-se o dinheiro que se
eniprestara diante de cinco testemunhas (per aes et libram). Chainava-se nexum o negócio juridico.
O nexum punha o devedor na situação de sofrer a execução por inadímplemento. As discussões prosseguiram
em tôrno da figura. A execução seria pela manus iniectio, por ser certa e líquida a divida, por sua formalidade,
dispensado, assim, o pronunciamento judicial. Sôbre isso, PH. E. HUSCHKE (tYber das Recld des Nexum und
das alte ràmische SehuUrecht, 1 s.) e FR. EISELE (Studien na ràmischen Rechtsgesehiohte, 1 s.).
Sustentou L. MITTEIS que o nezum foi automancipação do de-vedor que assim se submetia ao credor, na
qualidade de escravo. IR. SIBER (Ràmisches PrivaÂreúht, II, 162 s.) só o viu como contrato a que a causa é
indiferente. Parece que cada um só prestou atenção a determinado momento da evo]uçAo. Nem importa muito
saber-se em que época o pegar-se o dinheiro passou a ser fictício.
O empréstimo não-formal era o mutuum. Na Sicilia, há a prova da sua antiguidade; jotrov, mutuum, devia
lembrar o intercâmbio amistoso entre pessoas que viviam perto, ou eram vizinhos, o que faz pensar-se em que
abrangia o empréstimo de espécies. Com o desaparecimento do nexum, fêz-se o inutuum o único tipo de
empréstimos romanos. Entregava-se ao outorgado o bem, transmitindo-se-lhe o direito de propriedade. Pela L.
68, D., de verborum obligationibws, 45, 1, sabe-se que a promessa de mútuo nâo vinculava: “Si poenam
stipulatus fuero, si mibi pectrniam non credidísses, certa est et utilis stipulatio. quod si ita stipulatus fuero:
‘pecuniam te mibi crediturum spondes 7’, incerta est stípulatio, quja lii venit in stipulatienem, quod mea
interest”.
Cumpre advertir-se que a entrega material já não era exigida a rigor. Nem pelo próprio mutuante. Podia ser, por
exempio, certo devedor (ULPIANO, L. 15, fl, de rebus creditis si
cert um. petetur et de condictione, 12, 1). Admitiu-se mesmo o mútuo se o outorgante e o outorgado pactavam
que o mútuo se constituísse com o que o outorgado devia por outra causa (e. g., contrato de compra-e-venda). A
respeito, atente-se na interpolação da L. 1, § 34, pr., D., rnandati veZ contra, 17, 1. Outrossim, havia mútuo se
A entregava a B o bem, para que o vendesse e ficasse com o preço, em contrato de mútuo (ULPIANO, L. 11,
pr., D., de rebus creditis si certum petetur et de condictione, 12, 1).
O mutuante tinha as ações nascidas da stipulatio certi:
a adio certae crediitae p.eeun.iae, se o que se emprestou fôra dinheiro, e a condiotio triticaria, se o que se

MÚTUO
emprestou fôra outro bem fungível.
Osenatusconsulto Macedoniano, por volta do ano 47, retirou eficácia a empréstimos feitos a filho-família,
mesmo se tornado capaz com a morte do pai (L. 1, pr., D., de senatus oonszdto Macedoniano, 14, 6). Assim se
evitou que, em vida do pai, se especulasse com os filhos, O senatusconsulto não incidia se o pai emancipava o
filho e êsse voluntàriamente pagava, ou se o pai ou terceiro solvia a dívida. Na L. 7, C., ad senotus conszdtum
Macedonirtnum, 4, 28, falou-se de ser ratificado o contrato se o pai assentia, mas, na espécie de que cogitamos,
não há invalidade, mas ineficácia, de modo que não é prudente barulharem-se as espécies. Em todo o caso, a
rigor, nâo havia, ai, obrigação natural (H. SIBER, Gedenkschrift fúr LUDwIG MrrrExs, 60 sj.

2.DIREITO GERMÂNICO E DIREITO MEDIEVO. No antigo direito germânico, o mútuo inseria-se no


comodato.
No século XIII, a despeito das cominações da Igreja, o mútuo com juros se difundiu. Todavia, através dos
séculos, as proibições pulularam, até que se limitaram à fixação da taxa de juros.

§ 4.586. Conceito de mútuo

1. CÓDIGO Civil, Aia. 1.256. No ad. 1.256 do Código Civil define-se o mútuo: “Mútuo é o empréstimo de
coisas fungiveís. O mutuário é obrigado a restituir ao mutuante o que dêle recebeu em coisas do mesmo género,
qualidade e quantidade”. Deu-se o bem, a propriedade do bem, e não só o uso, o cômodo. No art. 1.248, ao
definir-se o comodato, frisou-se que é o empréstimo gratuito de coisas não fungíveis. ~ Que nome há de ter,
portanto, o empréstimo oneroso de coisas não fungíveis? Não é empréstimo; é locação de coisas.
Só o dinheiro ou bens fungíveis podem ser objeto de contrato de mútuo. Se se entregam títulos de crédito ou,
mais largamente, titulas de valor, como bilhetes de banco e ações ao podador com indicação de cotação do dia,
é questão de interpretação determinar-se se foi prestado o valor dêles em dinheiro, ou se número igual de
valôres da mesma espécie.
Há os três momentos: contrato de empréstimo, acordo de transferência, tradição; e não só dois: acordo de
transferência, em mútuo; tradição. No mútuo contrato real, os momentos são num só momento. A estrutura do
mútuo gratuito, real, caracteriza-se por somente prestar o mutuante e somente, após êle, ter deveres e
obrigações o mutuário (P. OERTMANN, Das Recht der Sehuldverhãitnisse, 8,a ed., 652; G. PLANa,
Kommentar, fl, 4a ed., 542; F. ENDEMANN, Lehrbueh, J, 8Y-9A ed•, 1155, nota 2; CÀRL CROME, Sustem, II,
596, e Die partiarischen RecktsgeseMf te, 398; contra, JOSEF KOHLER, Lekrlntch, II, 389; KONLIAD
COSACK, Lehrbuch,, 1, 580; II. LAMMELIOMM, Teilung, Darleh,en, Auflage und Umsatz-Vertrag, ‘78; A.
AFFOLTER, Das verzinsliche Darlehen, Arehiv flir Riirgerliches Reeht, 26, 11).
No direito brasileiro, o mútuo é, de regra, contrato real:
exige, para ser, o elemento “entrega da coisa”. A entrega da coisa, aí, não é elemento necessário à validade do
contrato, nem à sua eficácia; é elemento necessário à sua existência. Sem a entrega da coisa, não há ainda
mútuo: o suporte fáctico do negócio jurídico é insuficiente; e não deficiente; tudo se passa no plano da
existência, onde o “nao” importa que não se possa pensar em validade ou invalidade, eficácia ou ineficácia. Há
o dever e a obrigação de restituir, porque houve o acordo e a entrega, de modo que, se o acordo foi anterior à
entrega, o suporte fáctico só se torna suficiente com a entrega.
No direito brasileiro, pode haver o mútuo consensual; porque se tem como suporte suficiente o que a lei não
considera o ordinário.
Aqui, convém que frisemos a diferença entre pré-contrato de mútuo e mútuo consensual. O mútuo consensual já
é mútuo.
Não há mútuo no pré-contrato de mútuo. Por isso mesmo, se alguém defende a existência, no sistema jurídico,
do contrato consensual de mútuo, não pode satisfazer-se com os argumentos que teria para sustentar que existe
o pré-contrato de mútuo.
Se se prometeu dar mútuo, há promessa unilateral de mútuo; se se prometeu receber mútuo, há promessa
unilateral de receber em mútuo; se um prometeu dar e outro receber, há promessa bilateral, porém não mútuo
consensual. São as três figuras do pactum de mutuo dando, do pactum de mut’uo arci-. piendo, e do pactum de
rnutuo dando et aceipiendo. Veja Tomo III, § 251, 5.
A opinião que atribuiu ao direito romano admitir o mútuo consensual (e. g., F. SCRIXFER, Der
Darlekensvorvertrag 40, com referência a L. 31, D., locati condueti, 19, 2) foi repelida.
Hoje, se não se disse que se transmitia a propriedade do dinheiro ou da Coisa fungível, mas apenas que se

MÚTUO
prometia prestar, não houve mútuo contrato real, e sim mútuo contrato consensual ou promessa de mútuo
(pactunt de mutuo dando, pré-contrato de mútuo). Para que o mútuo real ocorra, é preciso que o mutuário
adquira, à conclusão do contrato, o uso do bem fungível; não que seja proprietário da coisa entregue o
mutuante, O mutuário pode receber do mutuante a coisa que é de outrem, mas da qual podia dispor, ou recebê-
la de terceiro, em virtude de ordem ou mandato de mutuante, ou de assinação, ou de cessão de crédito, O mútuo
contrato real conclui-se no momento em que se dá a transferência do dinheiro ou do título; não só no momento
em que o podador do título receba a soma constante do título. ~ freqúente concluir-se o mútuo com o ato de
creditar-se na conta do mutuário a soma, ou de se entregar ao mutuário a ordem de transferência do crédito, O
recibo do valor para efeito de se considerar paga ao mutuante alguma conta do mutuário, ou de terceiro, é
elemento suficiente.
O mútuo pode ter finalidade, escopo, que resulta de alguma cláusula, ou de lei. Por exemplo: A dá em mútuo a
B, para que pague o que deve a C, ou para que acabe a construção do edifício (pode ser, até, que A tenha pré-
contrato para a compra de andar, ou de apartamento), ou para que B compre uma casa ou um escritório. Para
que nasça a B o dever de aplicação, é preciso que haja cláusula ou pacto expresso. Fora daí, a aplicação do bem
fungível é simples motivo.
Se foi estipulado que o mutuário aplicaria a soma, ou parte da soma, a não-aplicação é infração do contrato, e
dela resultará resolução, se foi inserta, ainda só implicitamente, a cláusula. A infração é do dever de aplicar.
Se é a lei que exige a aplicação, há o dever de aplicar, salvo se a regra jurídica é de recomendação, ou para que
nasça algum direito do mutuário. Os mútuos feitos pelo Estado, para determinado fim, são sempre com o dever
da aplicação, por ser implícito ou explícito, em tais espécies, que se vinculou a isso o mutuário.
O mutuário tem de restituir. Os juros e outros proveitos que se prometam ao mutuante é que correspondem ao
poder de uso e de disposição que adquire, por algum tempo, o mutuário. Os juros e outros proveitos
bilateralizam o contrato de mútuo. Discute-se a) se a causa do mútuo está na transferência da propriedade, por
algum tempo, ou Li) se no uso e disponibilidade do bem mutuado. A solução verdadeira é Li) a transmissão foi
para permitir o uso, e não o fim em si, como ocorreria na transmissão da propriedade sob condição resolutiva. O
que é possível na locação de coisas, o uso, ou o uso e a fruição, ou no próprio comodato, não é possível no
mútuo, que recai sôbre bens fungíveis. O negócio teve de ser indireto: para que se obtenha o que se quer,
recebe-se mais do que seria preciso se não houvesse a fungibilidade (e consumibilidade> do bem.
A palavra “empréstimo”, que corresponde ao mútuo e ao mútuo e ao comodato, é expressiva.

2.CLASSIFICAÇÃO DO CONTRATO DE MÚTUO. Quando os juristas se encontram diante de contratos


como o de compra--e-venda, ou o de troca, e o de doação, fàcilmente os classificam, respectivamente, como
contrato bilateral e como contrato unilateral. A propósito do mútuo, a falta de expressões como emptio venditio
e locat,io conductio serviu para não se pensar em qualquer bilateralidade do contrato. Mas as dúvidas surgiram.
Houve quem a visse no dar prestação e no restituir outra prestação, o que estala de contradição. Mais: quem
apontasse na fixação do prazo, que se deu, somente o têrmo;
portanto, se a propriedade se transferiu, isso só resolutiva-mente ocorreu.
No mútuo com interêsse contrapresta-se, salvo se êsses interêsses não correspondem ao que se retira pela
entrega do bem fungível, temporàriamente. Se o bem não fôsse fungível, ou se lhe admitisse, pelo contrato, a
fungibilidade, tratar-se-ia de locação. O aluguer está para os juros como a coisa trocada está para o preço do
bem vendido.
Se o mútuo é sem interêsses, é o correspondente do co modato, com a diferença que resulta de ser fungível o
que se emprestou.

§ 4.587. Espécies de mútuo

1.REALmADE E CONSENSUALIDADE. - Pôsto que real seja o contrato típico de mútuo, há o contrato
consensual de mútuo e o pré-contrato de mútuo.

2.MÚTUO E OBJETO DO MÚTUO. O mútuo pode ser de dinheiro e está sujeito ao principio nominalístico;
ou ser de outro bem fungível, inclusive de moeda. No art. 1.258 do Código Civil diz-se: “No mútuo em moedas
de ouro e prata pode convencionar-se que o pagamento se efetue nas mesmas espécies e quantidades, qualquer
que seja ulteriormente a vacilação dos seus valôres”. Cf. art. 947. Sôbre a cláusula-
-ouro, ou qualquer outra, que tenda a recusar ou restringir o curso forçado do cruzeiro, Decreto n. 23.501, de 27

MÚTUO
de novembro de 1933, arts. 1.0 e 2.0, Decreto-lei n. 236, de 2 de fevereiro de 1938, arts. 1.0 e 29, e Decreto-lei
n. 6.650, de 22 de junho de 1944, arts. 1.0 e 2.0 (Tomos III, § 259, 1; XXV, § 3.073, 2; XXXIV, § 3.873, 2;
XXXV, § 3.975, 1; XXVI, § 3.174, 2, 3, 4; XXXVII, §§ 4.103, 2; 4.120, 1).
Por vêzes, o mutuante e o mutuário aludem ao gênero e à quantidade e omitem a referência à qualidade. Tem-se
de interpretar que se há de restituir o bem de qualidade não inferior à média.

3.MÚTUO DE CONVENÇÃO . O credor em contrato de compra-e-venda, ou noutro contrato, pode concluir


outro contrato, ou incluir naquele a cláusula de ficarem os bens comprados ou adquiridos, ou o preço, em poder
do devedor, a título de mútuo. ~ o pacto de mútuo de prestação, de mútuo

§ 4.587. ESPÉCIES DE MÚTUO


de convenção (Vereinbarungsdarlehen). Com isso, o comprador continua com o bem, quase sempre pagando
juros. Não há, ai, adiamento da solução da dívida. Há outra dívida. Surge o problema de se saber se as garantias
que tinha o primeiro contrato persistem. Não pode haver resposta a priori, como a que deu KARL LARENZ
(Lehrbuch des Sch’iddrechts, II, 154), no sentido de sempre persistirem, salvo cláusula em contrário. O que se
há de entender é que houve outro contrato e as garantias não persistem, como aconteceria mesmo em caso de
novação.
Se alguém compra e fica a dever o preço, pagável, por partes, em diferentes datas, há a figura da compra-e-
venda a prestações. Se, porém, o interessado entrega o bem como avaliação para que o adquirente fique a dever,
como mutuário, o valor, há dois contratos, o de compra-e-venda e o de mútuo, pois que se considerou concluído
o contrato de compra-e-venda e satisfeita a dívida do preço (O. PLANCK, Kom. mentar, II, 545; H.
DERNBURG, Das Bitrgerliehe Recht, II, 2, 267). Quando se dá título ao portador para que o recebedor restitua
o que recebeu, o objeto do mútuo foi o título ao portador, porém pode ocorrer que o mútuo tenha sido de
dinheiro. No primeiro caso, a restituição é pelo preço corrente ao tempo da entrega.
Se o mútuo de convenção se refere a divida incobrável, como a de jôgo ou de aposta (Código Civil, arts. 1.477-
1.479, também a dívida resultante da convenção de mútuo é macionável (O. WARNEYER, Kommentar, 1, 998).
Pode haver mútuo de convenção a respeito de dívida prescrita. Bem assim quanto a dívida futura (O.
WAitNEYER, Koinmentar, 1, 998). Não assim a entrada para capital social, pois o titulo que se entregar
representa dinheiro e o contribuinte responde por êle como negócio jurídico à parte.
A manifestação de vontade pela qual se “fica a dever o resto de uma conta”, e não se quer ter pago em parte,
compõe o mútuo. Se quem, ao pagar, em vez de prestar tudo, ou o que devia, entrega algum bem em garantia, o
que se há de entender é que fêz nôvo contrato, que é de mútuo com a garantia.

4.MÚTUO PARA PAGAMENTO A TERCEIRO. Se o mútuo foi feito com o fim de solver alguma dívida do
mutuário a. outrem, o mutuante sub-roga-se nos direitos do credor satisfeito com a dação daquilo que se
prestou, se houve cláusula a respeito (Código Civil, art. 986, II), ou se há o plus que se prevê no art. 985, 1 e III
(mutuante, que era, também, credor e evita o privilégio do outro, ou interessado em que se solvesse a dívida).
Seja negocial <ad. 986, 1 e III), seja legal a sub-rogação pessoal (o que só nas espécies do ad. 985, 1 e III, pode
ocorrer; portanto, não sempre, cp. GIOvANNI MARIO MERLO, La Surrogazione per pagamento, 95 a., 305 e
325, que saiu dos princípios, sustentando ser sempre legal, aí, a sub-rogação pessoal, e Lonovwo BARASSI,
Teoria generale delie Obbligazioni, ~, 23 ed., 313, que a viu negocia!). Operada a sub-rogação, extingue-se a
relação jurídica de mútuo, pois, com a assunção da posição do outro credor, a posição de mutuante desaparece.

5. MúTuo MERCANTIL. No Código Comercial, ad. 247, estatui-se: “O mútuo é empréstimo mercantil quando
a coisa emprestada pode ser considerada gênero comercial, ou destinada a uso comercial, e pelo menos o
mutuário é comerciante”. Regra jurídica evidentemente defeituosa. Há mútuo de dinheiro ou de outros bens que
podem ser considerados gêneros comerciais, feito a comerciante, sem que seja mercantil (cf. Relação da Côrte,
14 de novembro de 1873, O D., II, 173). Por exemplo: A empresta a B, comerciante, trezentos mil cruzeiros,
porque B tem de entregar à mulher tal quantia para viagem. Há mútuo a pessoa não comerciante que se há de
considerar mercantil. Por exemplo, os mútuos feitos pelos bancos e casas bancárias a pessoas que não
comerciam, O comerciante que dá em mútuo, por ser o empréstimo ato da sua profissão, necessàriamente
contrata mútuo mercantil. Se tomou em mútuo, como comerciante, para aumentar a sua disponibilidade de
dinheiro ou de outro bem fungível, contratou mútuo mercantil.
Há mútuos mercantis por fôrça de lei; porém não se pense nos títulos cambiários e cambiariformes que são

MÚTUO
mercantis, mesmo se não foram mercantis os negócios jurídicos subjacentes, justacentes ou sobrejacentes.
A garantia civil não atinge a comercialidade do mútuo. E. g., a hipoteca, que é instituto civil (Código Civil, art.
809),pode garantir mútuos mercantis (Tribunal de Justiça de São Paulo, 8 de dezembro de 1904 e 24 de maio de
1905, São Pauto J., VIII, 108 s.).
Para que o mútuo seja mercantil, não basta que o mutuário seja comerciante. O ser comerciante o mutuário é
um dos pressupostos <Tribunal de Justiça de São Paulo, 13 de dezembro de 1892, G. 4 1, 241>. Diz o art. 247
do Código Comercial que “o mútuo é empréstimo mercantil quando a coisa emprestada pode ser considerada
gênero comercial, ou destinada a uso comercial, e pelo menos o mutuário é comerciante”. Se o comerciante
pediu ou aceitou o dinheiro para uso comercial, ou para a sua especulação, mercantil é o mútuo (Tribunal de
Justiça de Minas Gerais, 21 de novembro de 1928, R. dos T., 70, 423). Se o dinheiro ainda fôra para se instalar
como comerciante (e. g., para aquisição de maquinaria), entendeu a Câmara Cível do Tribunal de Justiça de
Santa Catarina, a 4 de novembro de 1954 (R. F., 165, 298), que ainda não fôra mercantil o mútuo. O
empréstimo de dinheiro a fazendeiros, mesmo com a promessa dêsse quanto a futura remessa de gêneros a
comissão, não constitui mútuo mercantil.
No direito comercial, tem o sistema jurídico brasileiro a regra jurídica dispositiva, ius dispositivum, que faz
oneroso o contrato de mútuo (cp. Código Comercial, art. 248).
Se o mútuo é mercantil, há contagem de juros noutros têrmos, é sempre oneroso e rege o art. 248 do Código
Comercial: “Em comércio podem exigir-se juros desde o tempo do desembôlso, ainda que não sejam
estipulados, em todos os casos em que por êste Código são permitidos ou se mandam contar. Fora dêstes casos,
não sendo estipulados, sé podem exigir-se pela mora do pagamento de dívidas líquidas, e nas ilíquidas só depois
da sua liquidação”. Os juros moratórios só se exigem, nas dívidas ilíquidas, depois da liquidação; mas contam-
se desde a mora (cp. Supremo Tribunal Federal, 19 de novembro de 1941, R. de D., 140, 257; sem razão ,,a 5~a
Câmara Civil do Tribunal de Justiça de São Paulo, 10 de fevereiro de 1934, R. dos T., 93, 890, e o 3•0 Grupo de
Câmaras Civis, 6 de novembro de 1951, 220, 142, pois seria de extrema injustiça que, proposta ação de
cobrança, só se contassem juros, decênios depois, quando se liquidasse a sentença que re
formou a anterior e julgou procedente o pedido). O art. 1.536, § 2.0, do Código Civil é comum a todo o direito
privado (í.ft Câmara Civil do Tribunal de Justiça de São Paulo, 29 de janeiro de 1957, R. dos T., 268, 461).
Não se argumente, contra o que dissemos, com as palavras do art. 248 do Código Comercial: “nas ilíquidas só
depois~ da sua liquidação”. O art. 248 não estava a falar de fluência de juros, mas do tempo para a
exigibilidade, feita a conta. Melhor: aludiu à contagem, à operação de cálculo, e não à. fluência dos juros.

6. MÚTUO COM DIREITO REAL DE GARANTIA. Se foi constituído direito real de garantia, o mútuo é
negócio jurídico principal e o negócio jurídico de constituição (acordo de constituição) cria direito acessório.
Não há uma só relação jurídica, que seria complexa: duas relações jurídicas, uma obri-. gacional e outra real. ~
artificial dizer-se que o dever do mutuante de restituir o bem empenhado funciona como contra prestação, com
referência ao dever do mutuário de restituir o tantundem, de modo a poder-se falar de relação jurídica bilateral
(assim, fora de tôda a ciência, a Cassação italiana a 15 de maio de 1934 e a Apelação de Roma, a 17 de junho
de 1950). Aliás, a garantia pode ser prestada por terceiro, o que- evidencia o erro da bilateralização.
Se o mútuo é garantido com títulos de crédito, sendo o penhor irregular, mesmo assim se há de pôr em relêvo a
dualidade de relações jurídicas.

7. MÚTUO COM DESTINAÇÃO. O mútuo com destinação mútuo de escopo, ou mútuo para fim preciso,
pode ser oriundo de lei, ou de negócio jurídico. A destinação atende a interêsse público, ou a interêsse privado.
De regra, a destinação de origem negocial é para algo de interêsse privado. Ou o mutuário alega tal interêsse e o
mutuante somente empresta com o fito de que se empregue o bem mutuado com a aplicação em que acordaram,
ou o interêsse é do próprio mutuante, como se dá com o comuneiro de edifício de apartamentos que em presta
dinheiro aos outros comuneiros para que se faça no prédio outro elevador, ou se aproveite como outro andar a
laje do tecto, ou se construa outra garagem.

A destinação decorrente de lei é de interêsse público, ou de interêsse privado digno de tutela. De ordinário, há
cláusulas que servem a observância estrita da destinação, ou à fiscalização, ou a ambas (mútuos fundiários,
agrários, para hotéis, ou serviços de água, produção industrial, escolas primárias, secundárias ou superiores, e

MÚTUO
outros estabelecimentos de ordem intelectual>.
A destinação não altera a figura contratual. Apenas se pôs a finalidade de aplicação como pressuposto para
haver o acordo dos figurantes, de modo que, tenha sido oferente o mutuário ou tenha sido oferente o mutuário,
o desrespeito à cláusula de escopo dá ensejo à resilição do contrato, por adimplemento ruim.
O mútuo pode ser para destinações posteriores, nos financiamentos de maquinarias agrárias, ou para viagens
(planos turísticos). Então, empresta-se dinheiro, para que se pague em objetos ou em bilhetes de viagem.

8. MÚTUO COM DESTINO ILÍCITO. No tocante aos mútuos com destino ilícito, vem em primeira plana o
mútuo para jôgo, ou aposta, no momento de se jogar, ou apostar (Código Civil, art. 1.478). Não há nulidade,
nem anulabilidade. O contrato de mútuo vale; apenas o direito do mutuante é desprovido de pretensão (Tomos
VI, § 645, 1, 3; XXIV, § 2.912, 3; XXXII, § 3.729, 4; XXXVIII, § 4.228, 3, sôbre não caber a responsabilidade
pela evicção, se houve dação em caso de prestação em pagamento de dívida de jôgo, o que também se há de
entender no de dação em soluto para solver dívida regida pelo art. 1.478 do Código Civil).
O assunto é assaz diferente quando o mútuo tem objeto ilícito ou ilícita é a sua causa. Aí, há nulidade do
contrato de mútuo, seja real seja consensual, ou do pré-contrato (Código Civil, art. 145, ~ l.~ parte). Quase
sempre se remunera a imoralidade, ou a ilegalidade; e. g., relações sexuais, violação de registos, relevação de
multa, permissão de entrada em lugar proibido. Se o mútuo se conclui para que o mutuante obtenha o que, por
lei, ou evidente regra de ética, não poderia obter, nuto é o contrato.
Também é mio o contrato de mútuo quando se presta para que o~ mutuário execute o ilícito, ou o imoral.
Cumpre observar-se, todavia, que, se o jôgo é proibido, ou se é proibida a aposta, há nulidade do mútuo
destinado a êle, sem que o seja o mútuo para que se jogue ou aposte, ou se solva dívida de jôgo ou de aposta, se
o jôgo não é proibido, ou não o é a aposta. O assunto das nulidades é estranho aos arts. 1.477-
-1.480 do Código Civil. É preciso atender-se à diferença entre o direito brasileiro e outros sistemas jurídicos.

9. CONDIÇÕES E CONTRATO DE MÚTUO. O contrato de mútuo pode conter cláusulas de condição.


Mesmo se real o contrato de mútuo, o implemento da condição resolutiva tem por efeito a resilição do contrato.
A restituição há de ser feita. Se suspensiva a condição, como se A conclui com B, com que se acha dinheiro ou
outro bem fungível e com êle acorda em que fique com o bem em mútuo, se E compra a casa da rua tal, o
mutuário, que recebera o bem antes do implemento da condição suspensiva, responde como depositário
irregular, se a condição não se imple. A condição resolutiva exerce papel de grande importância quando, por
exemplo, o objeto do mútuo tem destinação e se quer que algum acontecimento opere a resilição do contrato (e.
g., suspenderam-se as obras para cujo andamento se emprestara o dinheiro). Nos mútuos com destinação, a
cláusula de resolução quase sempre é implícita; aliás, o infrator inadimplira um dos seus deveres. Se foi a lei
que impusera a destinação, não há condicio, mas, de qualquer modo, a inobservância do pressuposto é infração
de dever e acarreta, portanto, a resolução ou a resilição (Código Civil, art. 1.092, parágrafo único).
O contrato de dinheiro a risco ou câmbio marítimo é sujeito a condição resolutiva.

§ 4.588. Natureza do contrato de mútuo

1. SENTIDO ECONÔMICO E FIM JURÍDICO. Em seu sentido econômico e em seu fim jurídico, o mútuo
opera a transferência da propriedade do bem fungível, quer tenha o mutuante, ou não, direito a juros
(percentagem ou outra quantidade que corresponda ao aproveitamento temporário pelo mutuário). Tanto bá
mútuo entre pessoas amigas, que prestam o dinheiro com o só intuito de restituição, como o mútuo entre
os agiotas, que cobram pela dação do dinheiro mais do que seria razoável que exigissem.
O mútuo de dinheiro é o mais frequente. O mutuário recebe o dinheiro, e gasta-o ou o emprega, mas está
vinculado a restitui-lo. A restituição é em bem do mesmo gênero e quantidade. O que é essencial é que o
mutuário possa dispor do bem prestado dinheiro, ou não como seu, pois que seu se tornou.
Se o bem fôsse específico, a figura contratual ou seria o comodato, que supõe infungibilidade e normal
gratuidade, ou a locação de coisa, que só transfere o poder de usar.
O mútuo é contrato com relação jurídica permanente ou duradoura. Há a transferência da propriedade, que é
instantânea , mas dura. Se há juros, de jeito que se bilateralize o contrato de mútuo, isto é, que se faça oneroso,
o mutuário tem de prestá-los periodicamente , ou, se foram pagos à conclusão do contrato, correspondem ao
tempo do contrato, ou ao que está dentro do que fica aquém do têrmo para ser feita a contraprestação.

MÚTUO
No mútuo há a transmissão do direito de propriedade; mas essa transmissão, elemento do contrato real, ou
adimplemento do contrato consensual, é oriunda de acordo de transmissão , que é ineliminável, muito embora
se tenha como elemento do contrato real.
Trata-se de contrato de restituição: o mutuário, que recebe, tem de restituir.
Econômicamente, o mútuo é contrato de crédito.
O contrato real de mútuo supõe o ato de disposição, que se opera com o acordo de transmissão; porém evite-se
dizer que êle é ato de disposição.
O que não se há de esconder é que o mútuo não tem por fito a transferência do direito de propriedade: só se
transfere a propriedade porque disso se precisa para se poder dar ao mutuário o gôzo do bem mutuado.

2.NATUREZA DO CONTRATO DE MÚTUO. Em todos os mútuos, o patrimônio do mutuante diminui, no


tocante ao bem emprestado, e no lugar que estaria vazio fica o crédito contra o mutuário. Desde que se haja
retirado a fungibilidade do objeta, não é de mútuo que se trata, mas sim de comodato ou de locação. O perigo
que corre o mutuante é maior do que aquêle que tem o comodato ou o locador: transferiu-se o direito de
propriedade; deixou de ser dono; e só pode esperar o pagamento em bem do mesmo gênero, qualidade e
quantidade.
O que se restitui não é o que se deu, e sim o que corresponde ao que se deu. Não há, necessàriamente, a volta do
mesmo bem, como ocorre no comodato e na locação de coisas, pôsto que possa o mutuário (e é o caso de quem
toma dinheiro emprestado somente para se precatar contra necessidade repentina) devolver o mesmo dinheiro,
ou o mesmo bem fungível não-pecuniário, que recebera.
Até pouco tempo não se via qualquer dever ou obrigação do lado do mutuante. Deu de empréstimo; o que lhe
importa é que o mutuário venha a prestar-lhe o que prometeu. Tal concepção e a do mútuo sem deveres do
mutuante (ainda assim, PAUL OERTMANN Das Reeht der Shnldverhãltnisse, 652,
L.ENNECCERUS-I-L LEHMANN, Lehrbuek, ~ 14A recomposição, 574, RUD. SCHMIDT, Riirgerltclfrs
Recht, ~ 2Y ed., 112, PALANDT, Biirgerliches Gesetzbvch, 14•a ed., 590, e outros). O mutuante somente presta,
mas é de entender-se que se responsabiliza por ter prestado e, recebendo juros, de certo modo se bilateraliza o
contrato e se há de considerar transmitente de direito de propriedade, que o mutuário possa exercer
duradouramente (A. AFEOLTER, Das verzinsliche Darlehen, Archir .tilr Rilrgerliches Recht, 26, 1 s.; JOSEF
KOHLER, Das Vereinbarungsdarlehn, 38, 1 s.; E. LÚBBERT, Der Kreditvertrag, Jherings Jahrbiicher, 52, 879
s.; PH. HECK, Grundriss des Schuldreclits, 328; JosEr EsSER, Lehrbuch des SchuldrecUa, 842). Quem paga
juros presta. Quem dá em mútuo responde pelo que deu. Uma vez que transmitiu o direito de propriedade tem
de assegurar que o mutuário não a perde por alguma causa anterior, que dêle pode dispor e que não está sujeito,
por exemplo, a impostos e taxas (mútuo de bem fungivel sem ser dinheiro).
O mútuo oneroso é contrato bilateral. O mútuo sem juros é contrato unilateral, sem que se possa dizer que o
mutuante não tenha deveres. Aquêle se assemelha à locação de uso e de fruição. Ésse, ao comodato.

O contrato de mútuo com juros ou mútuo oneroso pode ser resilido por infração de dever de qualquer dos
figurantes (Código Civil, art. 1.092, parágrafo único). Respeitados os prazos a que se refere o art. 1.264, 1 e II,
do Código Civil, é clenuncuivd pelo mutuante.
As regras jurídicas sôbre evicção (Código Civil, arts. 1.107- 1.117) e sôbre vícios redibitórios (defeitos e vícios
ocultos do objeto, arts. 1.101-1.105) são invocáveis.

Sôbre a bilateralidade do contrato de mútuo oneroso (= com juros) houve discussão na doutrina. Alguns juristas
a negavam; outros falavam de estrutura imperfeitamente bilateral, o que traria confusões (e. g., E. PACIFICI-
MAZZONI, Istituzioni, V, 2, 5•a ed., 898, e GIULIO VENZI, Manunle, 408; MARIO ROTONDI, Istituzioni,
476). A bilateralidade existe, pois que há contraprestação que não corresponde a todo o valor do direito de
propriedade porque há dever de restituição mais juros.
Por outro lado, não se há de exagerar a parecença do mútuo com a locação de coisas. No mútuo, transfere-se o
direito de propriedade e cessa qualquer atividade do mutuante para que o mutuário tire proveitos do bem, que já
é seu. Na locação de coisas, o locador do bem tem deveres durante todo o tempo do contrato.
O mútuo gratuito é contrato unilateral, sem que isso signifique que o mutuante, vinculado como está, não tenha
deveres, ainda que seja o do efeito mínimo dos negócios jurídicos.
O mútuo oneroso é tão evidentemente bilateral que um dos pontos principais da técnica jurídica, no tocante às

MÚTUO
limitações à liberdade de contratar, é de evitamento da excessiva onerosidade (limitação das taxas de juros,
regras jurídicas sôbre usura dos mutuantes).
No Código Civil italiano, art. 1.815, presume-se (aliás, estatui-se dispositivamente) que o mútuo é oneroso.
Com isso, pensou-se atender a que a vida contemporânea se baseia no lucro e o mútuo gratuito é obsoleto. Em
verdade, porém, o intento especulativo também se sacia com o mútuo gratuito, com juros ou juros e comissão,
por fora, com as finalidades de ocultamento.
A sinalagmaticidade do contrato de mútuo oneroso ressalta, pois a prestação dos juros não é acessória.
No direito civil brasileiro, o contrato de mútuo só é one roso se houve cláusula de juros, ou outra cláusula que
estabeleça a prestação do mutuário, a título de pagamento pela atribuição do direito de proprietário por algum
tempo. Lê-se no Código Civil, art. 1.262, alínea li’: “~ permitido, mas só por cláusula expressa, fixar juros ao
empréstimo de dinheiro ou de outras coisas fungiveis”. Na alínea 2•a, acrescenta-se:
“Esses juros podem fixar-se abaixo ou acima da taxa legal (art. 1.062), com ou sem capitalização”. No Código
Comercial, art. 248, diz-se: “Em comércio podem exigir-se juros desde o tempo do desembôlso, ainda que não
sejam estipulados, em todos os casos em que por êste Código são permitidos ou se mandam contar. Fora dêstes
casos, não sendo estipulados, só podem exigir-se pela mora no pagamento de dívidas liquidas e nas ilíquidas só
depois da sua liquidação. Havendo estipulação de juros sem declaração do quantitativo, ou do tempo, presume-
se que as partes convieram nos juros da lei, e só pela mora (art. 138) “. Não se cogitou, na 2,a parte do art. 248,
da fluência dos juros, mas sim da contagem: nas dividas ilíquidas, fluem antes da liquidação, mas a contagem
depende de serem liquidadas as dívidas.

3. CONTRATO REAL. No art. 1.257 do Código Civil, diz-se que “êste empréstimo” o mútuo -.--- “transfere o
domínio da coisa emprestada ao mutuário, por cuja conta correm todos os riscos dela desde a tradição”. Noutros
têrmos:
tem-se a tradição como elemento do contrato, em vez de ser adimplemento de dever do mutuante. A propósito
do mútuo como do comodato, muito se discutiu para se manter a estrita concepção romana, que se recebera
como afastante de qual quer irradiação de pretensão a entregar o que se prometera em mútuo. O que em verdade
se deu não foi o apagamento de tôda a distinção dos contratos em contratos consensuais e contratos reais, mas
sim o assentar-se que tôdas as manifestações de vontade com que se promete geram dever e obrigação. Há, em
princípio, a acionabilidade de tôdas as promessas. Falou-se em ser pré-contrato se não foi prestado o bem,
desde logo, o que resolvia o problema, na prática. Alguns juristas têm o contrato de mútuo como consensual,
por ser obsoleta a exigência de ser real. Sôbre isso, cf. Tomo III, § 251, 5. É raro prometer-se para outro dia, ou
mês, ou ano o mútuo; mas pode dar-se e haver interêsse nisso. O que mais acontece é o contrato real, contrato
em que se diz que o mutuante presta e o mutuário recebe. Enquanto o mutuário não tem em mãos o bem
fungível, não está no dever de oportunamente restituir. Se os figurantes disseram que um dêles entregaria a
tantas horas o dinheiro, ou o gênero alimentício, e o outro estaria àporta do banco, ou do armazém, para recebê-
lo, não se pode dizer que se não concluiu contrato de mútuo, nem se precisa dizer que apenas se concluiu pré-
contrato. O contrato de mútuo é real, sem que, com isso, se pré-exclua o mútuo anômalo, consensual, em que
um dos figurantes, o mutuante, merece a confiança do outro. A entrega pode suceder ou vir antes da conclusão
do contrato. O contrato consensual tem vantagem em relação ao pré-contrato de mútuo: nesse, o crédito não
pode ser cedido (o mutuante levou em conta a pessoa do mutuário) ; naquele, a cessão é sem obstáculos, salvo
se houve cláusula contrária a isso. Aliás, advirta-se que tal cessão não libera o cedente do dever de restituição,
porque não houve assunção da dívida (Tomo XXIII, §§ 2.820, 2.852-2.866). Certo, JoSEF KOHLER (Das
Vereinbarungsdarlehn, Arehiv flir Bitrgerliches Recht, 83, 16). Contra qualquer cessibilidade do crédito,
1H. SIBER (Schuldreeht, 820) e JOSEF ESSER (Leh,rbuch des Schnddrechts, 844), quer se haja firmado
contrato conseusual de mútuo quer se tenha preferido o pré-contrato.
Oconceito de “contrato real” (dinglicher Vertrag), como está em F. voN SÂvIGNY (System, III, 812 s.), opõe-se
ao de contrato consensual puro, ou contrato só obrigacional, porque envolve, a mais, a entrega do bem, o direito
real, de modo que o contrato recai sôbre a coisa, o bem e não só a dívida é o que se atribui no contrato.
Rigorosamente, o contrato só é real porque, na linha histórica, se manteve a fransferência e a promessa, a
“realidade” e a dívida ou vinculação , como necessàriamente simultâneas. Consensualidade há em todos os
contratos, de modo que o elemento real apenas bolore certos contratos.
O próprio acordo de transmissão só é real se cumprido.
No fundo, os contratos sómente são reais se lhes é exigida, pela lei, a simultaneidade, ou, o que dá no mesmo, a
imediatidade da prestação. Nem devemos referir-nos ao senhorio material sôbre o bem, porque essa alusão de

MÚTUO
FR. voN SAVIGNY foi superada, principalmente no direito brasileiro, que, em matéria de posse, abstraiu do
ammus e do corpus.
O acordo de transmissão, êle mesmo não transmite, se não houve a tradição ou o registo, que seja indispensável.
Não se pode dizer que a tradição, a transmissão, seja a forma do acordo de transmissão (e. g., R. JoHow,
Regriindung [Sachxnrecht], II, 755).
No contrato real, há o consenso e a exigência legal do elemento real (GEoRG ORTLIEB, Einig’ung und
dinglicher Vertrag, 85 s.). A lei, impondo a certos contratos serem reais, como que colou o negócio jurídico e o
negócio jurídico ou o ato-fato jurídico da prestação. De certo modo sugeriu que, separando-se os dois atos
jurídicos, se pense em pré-contrato. Cf. GASTON STEYERT (Der dingliche Vertra.g, 84 s.).
Na doutrina italiana, quer sob o Código Civil de 1865 quer sob o Código Civil vigente, é preponderante a
afirmação da realidade do contrato de mútuo (e. g., sob o Código Civil de 1865: ROBERTO DE RUGGIERO,
Istituzioni, J~, 6Y ed., 869; GIULIO VENZI, Manuale, 581; MARIO ROTONDI, Istituzioni, 476; E.
CARNELUTTI, Teoria giuridica delia Circo tazione, 96; contra, E. PACIFICI-MAZZoNI, Istituzioni, V, 2, 5?
ed., 400; sob o Código Civil vigente: L. BARASSI, La Teoria Generale delie Obô ligazioni, II, 149; F.
MEssíNEo, Manuale, II, 2, 7? ed., 489; PAOLO FORCHIELLI, 1 Contratti reali, 5 s.; contra, C. A.
EUNAIOLI, La Tradizione, 521, e FRANCO CARRESI, 11 Comodato, III Mutuo, Trattato de F. VASSALLI,
VII, II).
No Código Civil italiano, há o art. 1.813, que mantém a figura do mútuo contrato real, e o art. 1.822, que o
admite consensual (cp. PAOLO FORCHIELLI, 1 Contratti reali, 5 s.). Mas parece-nos absurdo que se sustente
ter-se afastado o pré-contrato de mútuo, uma vez que se tem o consensual: não há confundir-se uma figura com
a outra.
Reputar-se a entrega como estranha ao conteúdo do contrato real, porque o conteúdo é que há de determinar
como e em que consiste a entrega, é erro que se deve exprobrar. Nada impede que o resto do conteúdo diga
como há de ser a entrega, o que é que se entrega. Os elementos contenutísticos, para se empregar o têrmo que já
se impõe a outras línguas, não precisam ser, todos, vontade. Os que daí partem esquecem os outros suportes
fácticos, em que há atos-fatos jurídico e até fatos jurídicos stricto sensu. O suporte fáctico do contrato real
contém, necessàriamente, acordo e entrega (tradição). Entrega da posse, qualquer que seja o meio de tradição,
mesmo o constituto possessório. O que não basta é a tença (WoLFGANG STINTZING, Die Oh ertragung
beweglicher Saehen, 16). Se a aquisição da posse (frise-se: da posse) foi a non domino~ o mutuário, no mútuo
oneroso, tem a ação de evicção.
Muito se tem procurado assimilar o mútuo oneroso e o mútuo gratuito aos contratos de duração, com o que se
substitui a concepção dos dois momentos (o da transmissão da propriedade e o da restituição) pela concepção
da linha entre êles. Como pelo contrato de locação de coisa se dá o uso por algum tempo, quis-se que a
propriedade se desse por algum tempo. Ora, o direito de propriedade se transfere instantâneamente e a
restituição é prestação de outro bem (ou do mesmo, como se outro fôsse). À propriedade pode faltar a
continuação, como se o mutuário consumiu, ou alienou o bem. Não há o uso continuativo, como na locação; ou
pode ser que não haja. O mutuante não somente permitiu que o o mutuário usasse; deu-lhe o direito de
propriedade, sem qualquer condição. O mutuário assumiu o dever de restituir; tem êle de pagar a dívida. A
duração não é mais do que a espera do vencimento da dívida de restituição do bem fungível, mesmo quando há
vencimentos intercalados.
Se aprofundamos o exame, o que em verdade se passa é que a contingência da fungibilidade e da consumi
bilidade torna alienativo o negócio jurídico do mútuo. Êle, em si, é como é o comodato. Apenas, quando se dá o
cômodo do fungível, do consumível, tem-se de sofrer a transferência da propriedade.

4. PLURALIDADE DE MUTUÁRIOS. Se no instrumento de contrato de mútuo há muitos outorgados, sem


solidariedade, ou conjuntividade, há tantos contratos quanto os outorgados.
§ 4.589. Contrato de mútuo e outros negócios juridicos

1.PRECISÕES. Primeiramente, afastemos qualquer confusão entre as operações consistentes em negócios


jurídicos unilaterais, de que são exemplos principais as de subscrição, aval e endôsso de títulos cambiários, e o
contrato de mútuo, que é negócio jurídico bilateral.
O contrato de mandato de renda, pelo qual A entrega a B dinheiro ou certo bem fungível, para que B o
empregue e lhe pague a renda, de modo nenhum é contrato de mútuo. Há, em tal negócio jurídico, a álea.
Não faltou quem quisesse assimilar o mútuo à locação, a ponto de se falar de “locação de crédito”

MÚTUO
(Kreditmiete), como se pudesse ser locado o que se transferiu, na propriedade, a outrem (e. g., H.
DANKWARDT, Nationalõlconomie und Jurisprudeuz, III, 62; JOSEF KOHLER, Das Vereinbarungsdarlehn,
Archiv fiir Bhtrgerliches Recht, 83, 8).

2.MÚTUO E COMODATO. O mútuo supõe a transferência da posse própria e da propriedade; no comodato,


só se atribui posse imprópria, e o bem há de ser infungível, ou, se fungível, considerado in individuo. A posse
imprópria é só por algum tempo e os direitos do comodatário também só são por algum tempo. O comodatário
tem o cômodo; o mutuário, o próprio bem, porque, dando-se o cômodo do fungível, do consumível, se aliena. O
comodatário há de restituir o mesmo, o idem; o mututário, o tantund em, isto é, o idem ou o alter do mesmo
gênero.

3.MÚTUO E DEPOSITO IRREGULAR. No depósito irregular (Código Civil, art. 1.280), transfere-se ao
depositário a propriedade do bem depositado, de jeito que o depositário tem de restituir o tantundem eius
generis et qualitatis, em vez do idem (pôsto que possa restituir o idem). Por onde se vê como se parecem o
depósito irregular e o mútuo. Mas a parecença é apenas no tocante a um dos elementos do suporte fáctico e a
identificação, que alguns juristas e legisladores pretendiam, de modo nenhum se justifica. No resto do conteúdo
do contrato, há a vontade dos figurantes, e essa vontade, no mútuo, é diferente da vontade no depósito irregular.
Quem deposita não dá em mútuo. No art. 1.280 do Código Civil diz-se: “O depósito de coisas fungíveis, em
que o depositário se obrigue a restituir objetos do mesmo gênero, qualidade e quantidade, regular-se-á pelo
disposto acêrca do mútuo”. Cf. Código Civil alemão, § 700. A regra jurídica, remetendo às regras jurídicas
sôbre o mútuo, não identifica mútuo e depósito irregular. A finalidade do contrato, no mútuo, é crédito; no
depósito irregular, conserva ato da bem, a despeito da transferência a que conduz a fungibilidade do objeto. O
interêsse do depositante como que persiste inalterado. O interêsse do mutuário sobressai, no contrato de mútuo.
Cf. Tomo XXXVI, § 4.107,2.

4.MÚTUO E CONTRATO DE DESCONTO. - No contrato de desconto, quem desconta (descontante) recebe


do descontatário o crédito contra terceiro, por cessão pra solvendo, deduzidas do importe do crédito os
interêsses do desconto. Se o crédito consta de titulo à ordem, o endôsso é negócio jurídico abstrato, de que o
desconto é negócio jurídico subjacente, sobrejacente ou justajacente.
O mútuo não se confunde com o desconto. No mútuo, bá a dação do bem fungível e o nascimento do crédito
contra o mutuário. No desconto, o descontatário cede crédito e o que recebe é contraprestação da cessão do
crédito. Ali, nasce o crédito; aqui, cede-se. O descontatário responde pelo que cedeu, isto é, se o terceiro não
solver a dívida. O mutuário deve, desde que recebeu o bem fungível; o descontatário pode vir a dever, se o
terceiro não paga. A subsidiariedade da dívida põe ao vivo a diferença. (O desconto distingue-se da ordinária
cessão de crédito, principalmente pela não incidência do art. 1.074 do Código Civil, que pré-exclui a
responsabilidade do cedente pela solvência do devedor se não houve cláusula em contrário.)

5.MútUo E ABERTURA DE CRÉDITO. O mútuo é, em princípio, contrato real. No contrato de abertura de


crédito, o dinheiro é prestado já em adimplemento do que se prometeu, e o mesmo ocorre se a abertura de
crédito resultou de declaração unilateral de vontade. O mútuo que resultaria da abertura de crédito seria negócio
juridico solutório, negócio jurídico com que se cumpriria a obrigação oriunda da abertura de crédito; mas a
prestação que se levanta em virtude da eficácia
do contrato de abertura de crédito não é negócio jurídico solutório (sem razão, ADOLFO GIANNUZZI,
Trattato deite Apertire di credito, 42, e outros). Os levantamentos são atos de exigência do prometido, e não
contratos de mútuo. Não é argumento sério contra essa afirmativa poder o outorgado não exercer a sua
pretensão aos levantamentos. Exatamente aí está um dos elementos diferenciadores do contrato de abertura de
crédito. Quando, no contrato de abertura de crédito, o outorgado retira dinheiro, não está a tomar emprestado.
Não há, em tal ato, negócio jurídico; o que há é exercício de pretensão, que a eficácia do contrato de abertura de
crédito criara ao outorgado. Quando o outorgado retira parte da quantia, ou tôda a quantia, o outorgante adim
pie. Há tradição do dinheiro, e não negócio jurídico, seja de mútuo seja outro qualquer.
Na abertura de crédito, o outorgado adquire direito e pretensão aos levantamentos, é credor do crédito aberto.
No mútuo, se consensual, o outorgado exige que se cumpra a promessa de dar em mútuo. O mútuo supóe
entrega (contrato real), ou promessa de bem fungível (contrato consensual). A abertura de crédito supóe
promessa de atender a levantamentos; há direito a dispor do dinheiro do outorgante, de modo que o dinheiro vai

MÚTUO
a mãos de terceiro, ou do próprio outorgado. No mútuo, o dinheiro, mesmo se prestado ao terceiro, é dinheiro
do mutuário. Na abertura de crédito, há outorga de poder de disposição do dinheiro do outorgante (GIUSEPPE
DONADIO, Gil Accreditamenti bancari, 69), em vez de entrega de dinheiro que, tornando-se do outorgado,
êsse disponha dêle como seu. Na abertura de crédito, há outorga de poder de disposição sôbre bem de outrem.

6.MúTuo E ADIANTAMENTO BANCÁRIO. A antecipação bancária, ou, melhor, o adiantamento bancário é


o contrato pelo qual, tendo-se dado em garantia algum bem, o banco põe à disposição do outorgado quantia que
é percentual ao valor do bem dado em garantia, tendo o banco pretensão a exigir o aumento da garantia, se ela
diminui, para que se mantenha a quantia fixada, proporcionalmente, como máximo de disponibilidade, e o
outorgado a pretensão a pedir parte da garantia, com a diminuição da quantia posta à disposição. Não se pode
reduzir o contrato de adiantamento bancário a acordo de constituição de penhor, ou de hipoteca, porque,
frisemos, nos direitos reais de garantia, o perecimento e a deterioração, que permitem a exigência de
reforçamento da garantia, são o perecimento e a deterioração materiais, ao passo que, no contrato de
adiantamento bancário, basta a perda ou a diminuição do valor por alguma causa econômica ou
políticO~econômiCa (valor de mercado), para que o percentual diminua, automáticamente. No mútuo com
direito real de garantia há a pretensão fundada no art. 762, 1, do Código Civil, na abertura de crédito com
direito real de garantia, há aquela pretensão e a pretensão à redução, se a perda ou deterioração foi por alguma
causa econômica ou politico~econômica no contrato de adiantamento, a insuficiência faz a diminuição, mesmo
se a garantia cobriria a dívida, uma vez que a percentualidade fixada foi atingida.
Se o outorgado quer, pode retirar parte da garantia, se, com issO, não desrespeita o percentual, ou se
prêviamente o evitou, com restituição antecipada. No mútuo com direito real de garantia, não se pode proceder
assim (há o principio da individualidade do penhor, ou da hipoteca, ou da caução).
No adiantamento bancário, há, de regra, a permissão de restituição parcial, o que, no mútuo, só existe se houve
cláusula nesse sentido.

7.MÚTUO E CONTRATO ESTIMATORIO . No contrato estimatório, a propriedade do bem fica ao


outorgante, pôsto que passe ao outorgado o poder de disposição. O outorgado dispõe do objeto e presta preço ou
restitui a posse própria. O mutuário tem de restituir o tantundem, porque o objeto se tornou seu, desde o inicio,
isto é, desde a entrega.

S.CONTRATO FIDUCIÁRIO E MÚTUO. O pactum fltlucme também é contrato real, pelo qual alguem recebe
a propriedade e tem o dever de restituir. No direito brasileiro, há a propriedade fiduciária, no plano do direito
das coisas. Nem aquêle contrato, que desaparecera do direito romano, nem a propriedade fiduciária
(propriedade sob condição resolutiva, com a volta ao alienante, ou a outrem), se confundem com o mútuo, nem
nunca se confundiu (OTTO GElE, Actio fiduciae urni Reatvertraq, 9 sj. Aliás, as pretensões e as açóes são
diferentes (cf. STAS, De contractu fiduciae, 14 s.).
§ 4.559. MÚTUO E OUTROS CONTRATOS29

9. MÚTUO E NEGÓCIOS JURÍDICOS A PRESTAÇÕES, COM OU SEM INTERESSES. De ordinário, nos


negócios jurídicos a prazo ou a prestações sucessivas o vendedor dá o preço dos bens à vista e o comprador
prefere que os pagamentos sejam em diferentes datas. Se com isso acorda o vendedor, tem o comprador de
atender a que o vendedor deixa de receber o quanto total do preço e a que, durante os prazos, as quantias
parciais não podem ser invertidas pelo vendedor, a fim de obter rendimento em outras operações. Nas épocas de
industrialização e crescimento do nível de vida, há interêsse das emprêsas em que os compradores sejam
também os que somente podem comprar a prazo. Por isso mesmo, já se prevêem preços à vista e preços a
prestações; às vêzes, diferentes preços conforme o número de prestações. rara a determinacão dêsses preços
contam-se os juros desejados, ou os usuais, ou os convencionados que se somam aos preços, 50 se
mencionando a prestação total, ou se referem em separado. A diversidade de expressão não altera o negócio
jurídico.
Os juros, nos contratos de compra~e-venda, de empreitada e noutros contratos em que se insere a cláusula de
pagamento a prestações, são interêsses que atendem a não investibilidade das quantias durante o tempo em que
se espera que nasçam as pretensões. Há o direito às prestações , mas o termo (algumas vêzes a condição)
retarda o nascimento da pretensão, da exigibilidade. O tempo, nos meios sociais em que há procura de fundos,

MÚTUO
tem sempre de ser levado em conta, porque o dinheiro, cujo recebimento se aguarda, raramente pode ser
investido e o investimento de créditos se faz abaixo do valor do crédito.
Juros são os interêsses, do direito romano, donde, posteriormente~ em sentido pejorativo, “usura”, “usurário”,
“usurar” (cf. Constituição dc 1946, art. 154, onde a palavra se emprega em sentido pejorativo). Produtos do
capital, seja consistente em dinheiro, seja consistente em bem que não seja dinheiro, os juros entram na classe
dos frutos, o que deu ensejo à distinção entre “fructus naturales” e “fructús civiles”.
Os juros são os rendimentos de um direito, seja crédito ou Dá0.. Ipor isso mesmo, não só no mútuo, empréstimo
de dinheiro ou de outro bem fungivel, se pode estabelecer a fluição de juros; nem todo mútuo é com juros.
Pode-se dar em empréstimo dinheiro, sem que se exijam juros. O art. 1.262, 1~a alínea, do Código Civil supõe
que o mútuo, quer de dinheiro quer de outro bem fungível, possa ser sem cláusula de juros: “fl permitido, mas
só por cláusula expressa, fixar juros ao empréstimo de dinheiro ou de outras coisas fungíveis”. Se não se inseriu
a cláusula, o mútuo é sem juros.
Nas compras-e-vendas em que o objeto vendido é entregue a comprador antes de estar completo o pagamento
do preço, que foi dividido em quotas, ditas em prestações sucessivas, o comprador tem de submeter-se a
exigências que dêem ao vendedor pius que corresponda ao deferimento das frações do preço. Um dos meios
mais em uso para que não sejam o mesmo o preço à vista e o preço a prazo, ou em pagamentos parciais, é o
cômputo de percentagem, que aí exerce a função de rendimento do preço (capital), ou da parte do preço, ou das
partes do preço, que o vendedor não recebeu ao entregar o bem vendido ou os bens vendidos. Outro expediente
dos vendedores é a reserva de propriedade, com ou sem estipulação do aluguer. Nem êsse aluguer, nem os juros
que se cobrem porque se dividiu em prestações sucessivas o preço do bem vendido, ou dos bens vendidos,
introduzem na compra-e-venda a figura juridica do empréstimo, do mútuo. Apenas se trata de exigência que
equilibra o prejuízo oriundo da dilação do adimplemento, pois o dinheiro que se receberia agora, empregado,
por exemplo, em bens alugáveis, ou bens que pudessem ser vendidos acima do preço por que se compraram, só
se vai receber mais tarde. Põe-se no lugar dêle algo, que encha o tempo que se vai perder.
Quem empresta, quem mutua, “dá em préstimo”, expressão usada na linguagem dos séculos passados. Quem
vende e entrega, mesmo se reserva propriedade, não dá em préstimo, porque recebe preço ao entregar, ou
aguarda que se lhe pague o preço. Os juros, êsses, não só se estipulam no mútuo. São meio para que não se
deixe de perceber por exemplo, com a venda a prazo o equivalente ao que provàvelmente se perceberia,
durante o tempo em que se aguarda o pagamento, se noutro negócio se aplicasse o dinheiro.
Se o comprador promete juros, no tocante às quotas que fica a dever, atende a que o preço do bem vendido a
prazo não pode ser o mesmo que o preço do bem vendido à vista. Se o vendedor não os exige, nas vendas a
prazo, é porque já calculou o preço com os interêsses relativos aos tempos das prestações, ou fêz abatimento no
preço à vista, por alguma razão eventual.
Se a compra-e-venda seria a prazo, mas o vendedor anuiu ou preferiu que a compra-e-venda fôsse à vista e o
comprador subscrevesse e emitisse letras de câmbio ou notas promissórias, provàvelmente nessas letras de
câmbio ou notas promissórias a quantia já abrange os interêsses, uma vez que não se admite a cláusula de juros
em títulos cambiários. Aí, há compra-e-venda e empréstimo, no sentido lato (cf. WoLFGANG
HILDEBRANDT, Súhieçjelberger Handelsgesetzbuch, ~ SY ed., 167S). Não há, porém, dois negócios jurídicos
se a compra-e-venda foi a prazo. Pode acontecer que outrem financie o crédito, e então, conforme disse,
precisamente, WoLFGANG HILDEBRANDT, o negócio jurídico de empréstimo de modo nenhum se liga ao
negócio jurídico de compra-e-venda, nem os princípios concernentes à compra-e-venda a prestações se aplicam
ao empréstimo.
Os juros nos negócios jurídicos a prestações sucessivas (Abzahiungsgeschitfte) são apenas elementos da
formação do preço (Preisbildung).
Costuma-se calcular o interêsse e somá-lo ao que se teria de pagar, se simultâneo à tradição fôsse o pagamento.
Ai, os juros não aparecem; foram computados, e a prestação a ser paga já os contém, invisivelmente. Tal o que,
devido à proibição da cláusula de juros nos títulos cambiários, se passa, regularmente, com as letras de câmbio
e as notas promissórias.
Nada obsta, porém, a que se deixe explícita a operação contabilística. Em vez de se falar de (p + ~ %),
claramente se refere p + z %. As prestações em que se incluem os interêsses são prestações mais juros,
empregados os parênteses.
O negócio jurídico de financiamento com entidade que contratou ou vai contratar com outra, mesmo se se prevê
fiscalização ou velamento por parte da emprêsa financiadora, não apanha o terceiro com quem a emprêsa
financiada contrata~

MÚTUO
Por outro lado, a função dos bancos, no tocante aos pagamentos, nada tem, negocialmente, com a pessoa física
ou jurídica, que há de receber, nem a função do banco que de outro banco recebe encargo de pagar a dívida de
alguém o põe em relação jurídica com o remetente da quantia.

O assunto é de grande relevância técnica. Por exemplo:


diz-se no art. 33 da Constituição de 1946 que é defeso aos Estados-membros e aos Municípios contrair
empréstimos externos sem prévia autorização do Senado Federal. Empréstimo, no art. 33 da Constituição de
1946, está no sentido de mútuo. Não se inclui no conceito a compra-e-venda a prestações como não se incluiria
a locação, inclusive o fretamento. Seria absurdo que se proibisse a entidades estatais, paraestatais ou
autárquicas contratar compra-e-venda no estrangeiro, a prazo ou com pagamentos sucessivos, ou contratar
fornecimentos, a prazo, ou com pagamentos sucessivos.
Se o comprador e o vendedor estabelecem que a compra-e- -venda é à vista e o comprador subscreve e emite
título de crédito, mesmo sem juros, trata-se de título ou a que corresponde negócio jurídico unilateral, ou que
diz respeito a negócio jurídico bilateral. De qualquer modo, há dois negócios jurídicos: o contrato de compra-e-
venda que, feito o pagamento à vista, não mais gera dívida por parte do comprador; e o negócio jurídico
unilateral (título ao portador, letra de câmbio, nota promissória, duplicata mercantil, ou outro título
cambiariforme), ou o negócio jurídico bilateral de empréstimo. Se o contrato de compra-e-venda foi a
prestações, os pagamentos são sucessivos.
Se a compra-e-venda se concluísse com a cláusula do pagamento parcial à vista e do pagamento parcial ou
pagamentos parciais a prazo, dizendo-se como se há de fazer a prestação ou se hão de fazer as prestações
futuras, só existe um negócio jurídico, que é o da compra-e-venda.

10. MÚTUO E DEPÓSITO IRREGULAR. No depósito irregular falta a função creditícia da relação jurídica,
mesmo da parte do depositário. Não há o fim do emprêgo do dinheiro ou de outro bem fungível, nem o
interêsse do depositário passa à frente do interêsse do depositante. No próprio depósito para poupança, a prazo,
mais se tem o propósito de conservar do que dar em mútuo.
A explicação que tenta mostrar no depósito irregular negócio jurídico de título, que substitua o dinheiro ou
outro bem fungível, há de ser repelida. Quando se retira título, mediante depósito irregular, ou se dá ao
depositário o encargo de pagar a quem se legitime com a apresentação do título, provàvelmente mediante
endôsso, ou se trata apenas do instrumento do contrato de depósito irregular.
O prazo longo de pré-aviso pode transformar o que se consideraria contrato de depósito irregular em contrato
de mútuo, mas, ainda em tais circunstâncias, pode caracterizar-se o depósito. No depósito irregular em conta
corrente, a função custodiante do banco não se apaga. Volveremos ao assunto ao tratarmos do depósito.

§ 4.590. Promessa de mútuo <pré-contrato de mútuo)

1. CONCEITO. A promessa de mútuo (pftctum de mutuo dando) é contrato unilateral, ou bilateral, conforme só
há um promitente ou se há dois (um promete emprestar; e o outro, aceitar). Por vêzes, a promessa de mútuo se
insere em contrato, sendo apenas uma das promessas em contrato bilateral, ou sendo contraprestação.
No direito brasileiro, a declaração unilateral de vontade pode ser de dar mútuo, de miutuo dxmndo, ou de
receber mútuo, de mutuo accipierido ( de ser mutuante ou de ser mutuário). Também é permitida e assaz
empregada a promessa bilateral, que contém a declaração de dar mútuo e a de receber mútuo (pactum de mutuo
dando et acdpiendo). Se no pré-contrato já se fala de juros, estabeleceu-se a bilateralidade do contrato.
A expressão “pactum de mutuo dando”, como as outras “pactum de contrahendo”, “pactum de commodando”,
“pactum de deponendo”, empregadas no direito comum, são estranhas ao direito romano (cf. Lunwío
FOURMANN, Das pactum de mutuo dando, 9; GEoaa DEITER, Der Verpflichtungsvertrag [pactum de
contrahendo] im RUI?., 3). Os pressupostos de forma são os de qualquer contrato não sujeito a forma especial
(WILI-IELM SCHMITZ, ttber den Vorvertrag bei den Korusensualkontrakten, 301). salvo se lex sjpecialis se
refere ao pacto de mutuo dando.
A prescrição da ação oriunda do pré-contrato de mútuo éa ordinária, tal como acontecia no direito comum (cf.
PAUL GOTrSCHALK, Beitrãge zur Lekre vom Vorvertrag, 18).
Uma corrente da doutrina considera que o mútuo já se caracterizou, e não só o pré-contrato (GUSTAV
BOEHMER> Realvertrag im heurigen Recht, Archiv fúr Búrgerliches Recht, 38, 314; HANS REICHEIJ,

MÚTUO
Kosten und Gefãhrtragung beim Leihvertrag, Leipziger Zeitsehrift, 16, 543; JOSEF ESSER, Lehrbuch des
Schuldrechts, 275; PR. HEOR, Grundriss des Súfluidrechis, 247 5.; H. SIBELi, SchuWrecht, 312; KARL
LARENZ, Lehrbuch des Siihuldret3hts, II, 148 e 151).
Da revogabilidade da promessa de mútuo já se tratou no Tomo XXV, § 3.076, 3.

O art. 1.092, 2? alínea, do Código Civil não incide em se tratando de simples promessa de dar em mútuo,
porque o contrato não é bilateral (G. PLANCK, Komntentar, II, 549;
P. OERTMANN, Das Recht der Schutdverhitltni.sse, 663; sem razão, R. STAMMLER, Recht der
SchuldveirMitn,isse, 94).
Argumenta-se contra o contrato consensual de mútuo que em verdade se trataria de pré-contrato de mútuo. Mas
é falsa a afirmação. Primeiramente, não há qualquer óbice a que se conclua pré-contrato de contrato real.
Depois, pode haver pré-contrato de contrato real e pré-contrato de contrato consensual.

2. OFERTAS DE MÚTUO E OFERTAS DE PROMESSA DE MÚTUO.


As ofertas de empréstimos podem ser feitas pelos outorgantes ou pelos outorgados. Enquanto a “oferta” não é
recebida pelo destinatário não começa a sua eficácia vinculativa e essa é retirada se a nova declaração de
vontade chega antes da oferta. Enquanto os órgãos da pessoa jurídica, ou os empregados da pessoa física
procedem à correção, ou à revisão, do que se vai oferecer, há apenas punctações, que não vinculam, e é possível
que, durante elas, haja exame e discussão pelos dois ou mais futuros figurantes do negócio jurídico.
O direito brasileiro sempre teve pré-contratos (Vorvertrtige). Apenas, aqui como alhures, faltava o nome, que
não poderia ser, em boa terminologia, o de contratos preliminares.
pois nem sempre a preliminariedade de um contrato o faz pré-contrato.

3.VINCULAÇÃO E PRÉ~CONTRATO. Sempre que se conclui algum negócio jurídico, unilateral ou bilateral,
que só-mente se refira à conclusão futura de um contrato, sem condicionalidade, vige o princípio da
acionabilidade de todos os acordos vinculantes, e assim muito perdeu de importância prática a diferença entre
contratos reais e contratos (somente ) consensuais, pôsto que não haja desaparecido (sem razão, KARL
LARENZ, Lehrbuch des Schuldreehts, II, 46).
Hoje, é dispensável a alusão explícita a ter-se feito pré--contrato. Desde que se fêz contrato que seria real, sem
ter havido a entrega da coisa, o que se há de entender é que houve pré-contrato (e. g., quanto ao comodato,
quanto ao mútuo). Todavia, pode haver elementos de interpretação, inclusive circunstanciais, que façam
considerar-se existente, in casu, contrato consensual de mútuo. Na dívida, o que se há de assentar é tratar-se de
pré-contrato.
Se há mútuo, seja de dinheiro, seja de outro bem fungível, ao que sai do patrimônio do mutuante se substitui a
pretensão à restituição. A entrega somente se dá se o outorgado passa a ter a disposição do que recebeu. A
propriedade, que está num patrimônio, vai ao outro patrimônio. Se há juros~ o mútuo é oneroso. A transferência
do capital é a prestação da prestamista. O “mútuo”, a que falta a entrega, ou é pré-contrato de mutuo dando e
accipiendo, ou ainda lhe falta elemento essencial, compondo-se a figura do contrato consensual, que alguns
juristas vêem como a figura mais freqUente, em vez de pré-contrato. A vida e, com ela, a doutrina têm mostrado
que só se exige o elemento real como pressuposto da figura típica do mútuo, e que, de regra, nos negócios
jurídicos de alto vulto, dependentes de garantias, ou de escritura públicar está sempre precedida de pré-contrato.
O pré-contrato de mútuo é inconfundível com a abertura de crédito. Na abertura de crédito há a atribuição do
poder de dispor, atual, do que se credita ao outorgado. No pré-contrato de mútuo, só se promete contratar
mútuo: disponibilidade o outorgado terá quando o outorgante concluir o contrato de mútuo que foi prometido.
Entre as duas figuras fica a do contrato consensual de mútuo, em que o mutuante se vinculou a entregar o bem a
que o contrato se refere e só após a entrega tem o mutuário a disponibilidade.
O pré-contrato de mútuo não tem de indicar a soma precisa, ou a quantidade de bens não pecuniários, que há de
ser objeto do contrato de mútuo que se promete. Basta que se diga qual o máximo, ou por outro modo se faça
determinável o que se há de dar em mútuo; e. g., o necessário para se terminarem as obras da ponte, ou do
edifício da fábrica, ou o percentual do orçamento que fôr feito. Também é de admitir-se a fixação do mínimo.

4. DETERMINAÇÃO DO QUANTO MUTUANDO. A promessa de mútuo tem de conter determinação do


que se há de mutuar. No pré-contrato, que é o pactum de mutua dando, não se precisa dizer expressamente qual
é o montante. Basta a determinabilidade do quanto exato, ou do máximo, conforme as circunstâncias objetivas

MÚTUO
ou o fim a que se destinam a quantidade e a qualidade mutuandas. Os arts. 947 e 875 são invocáveis.

5.CRÉDITO, PRETENSÕES E AÇOES. Do negócio jurídico bilateral de promessa de mútuo irradiam-se o


crédito (= direito a que se preste o negócio jurídico de mútuo), pretensões e ações. O promissário pode pedir o
adimplemento (assinatura do negócio jurídico de mútuo, sem a prestação, porque o mútuo é contrato real), ou,
com base no ad. 879, 2? parte, do Código Civil, indenização. A dívida é de fazer, porque é de declarar, e de dar,
porque é de prestar o objeto do mútuo (o mútuo é contrato real), mas o que prepondera é o elemento negotium.
Todavia, pode dar-se a invocabilidade dos arts. 875-877 do Código Civil.
Entende L. MONTESANO <1 Provvedimenti d’~xrgenza nel processo civile, 114 s.) que não se pode invocar o
Código de Processo Civil, art. 1.006 (= Código Civil italiano, ad. 2.932), em se tratando de contrato preliminar
unilateral (pré-contrato e negócio jurídico) ; mas tal opinião é insustentável, uma vez que a obrigação, que se
tem de adimplir, é a mesma, quer unilateral quer bilateral o negócio jurídico de pré-contrato. No direito
brasileiro, o § 1.0 do art. 1.006 do Código de Processo Civil bem mostra que o pré-contrato bilateral é apenas
uma das espécies. Por outro lado, quem promete unilateralmente declaração de vontade também está sujeito à
ação do art. 1.006.
Em princípio, o crédito oriundo da promessa de mútuo é impenhorável, mas, se há penhora, o que se constringe
é o valor: o credor continua credor e com êle é que se conclui o contrato de mútuo, se não houve revogação .

6.COMPENSAÇÃO E DIREITO DE RETENÇÃO. Contra a pretensão oriunda do pré-contrato de mútuo não


cabe alegação de compensação, nem de direito de retenção. Mas pode ser oposta a exceção de direito de
retenção que nela se funde, bem assim a alegação de compensação (P. OERTMANN, Das Recht der
Schuldverhtiltnlsse, 661; E. REGELSBERGER, Nachscrift, Jherings Jahrbiieher, 52, 416; sem razão, E.
LÚBBERr, Der Kreditvertrag, 52, 377), se a promessa de mútuo satisfaz os pressupostos do Código Civil, art.
1.010, ou do Código Comercial, art. 439.

7.INCEDIBILIDAnE DO CREDITO E DA PRETENSÃO. Em princípio, a pretensão é incedível, porque a


pessoa do outorgado é elemento essencial. Todavia, a cessão apenas é relativamente ineficaz: o que se presta ao
cessionário entende-se prestado ao cedente, pois o contrato de mútuo se conclui com êsse, e não com aquêle,
devido à ineficácia relativa da cessão. Se os pré-contraentes previram a cessão, designando a pessoa ou as
pessoas a quem podia ser cedido o crédito, não há obstáculo à eficácia total da cessão. A autorização para
exigir o negócio jurídico de mútuo não é cessão, ainda mesmo cessão de eficácia relativa.
Se o pré-contrato de mútuo é para obras, instalações ou serviços, a cessão é de eficácia relativa, salvo se o
incorporador é que assume, conforme o pré-contrato, a dívida para a futura hipoteca global.

8. LUGAR DO ADIMPLEMENTO. O lugar do adimplemento do crédito decorrente do pactum de ninho


dando é o domicílio do devedor, e não o do credor (dívida de ir buscar) ; de jeito que, se o promissârio pede a
remessa, lhe tocam gastos e riscos (J. KOIILER, tYber das Ronsensualdarlehn, Archiv fiir Rúrgerjiches Recht,
II, 238; F. RECELSBERGER, Nachschrift, Jherixngs .fahrbitcher, 52, 415; G. PLANCIC, Kommentar, II, 158;
sem razão, FR. LEoNHARD, Erfflllungsort und Schuldort, 59>.

9. ExTINÇÃO DA DÍVIDA ORIUNDA DO PRÉ-CONTRATO DE MÚTUO. A dívida de contratar mútuo


extingue-se como as outras dívidas. Tem-se, porém, de levar em conta a mudança in. peius da situação
econômica do outorgado. Se, por exemplo, com a abertura do concurso de credores do outorgado, o crédito que
nascesse do prometido contrato de mútuo se venceria (Código Civil, art. 954, 1), seria profunda contradição que
tal emergência concursal não determinasse a extinção do direito ao contrato de mútuo. A vontade do
promitente-mutuante era a de prestar e receber mais tarde, porém as circunstâncias pessoais do promissário-
mutuário mostram que, se prestar, perde ou provàvelmente perde. Viu isso H. DERNBURG (Pandekten, ~~, ‘7?
ed., 232). Se foi prometido o contrato de mútuo ao construtor do edifício, ou a quem comprou as terras para
exploração de indústria, com destinação de financiamento, e o outorgado mudou de profissão, ou vendeu as
terras, não há mais a intangibilidade da relação jurídica pré-contratual.
Em princípio, quem promete contrato de mútuo, pode denunciar a promessa se a situação patrimonial do outro
contraente se empiorou gravemente, de modo que se torne difícil a restituição. A regra jurídica, que, no direito
brasileiro, é não-escrita (aliter, no Código Civil alemão, § 610), tem-se de considerar jus dispositivum, e não jus
interpretativum, como o § 610 do Código Civil alemão. O art. 1.092, 2? alínea, do Código Civil, como o § 321

MÚTUO
do Código Civil alemão, é ius dispositivum (cf. EDUARO KREI-IBIEL, Der Vorvertrag, 33).
Tudo isso pode ocorrer mesmo se, sendo dois ou mais os pré-contratos de mútuo, algum foi exeqúido,
ignorando o outorgante a verdadeira situação econômica do outorgado.
Não há a extinção automática. Tem de ser feita a denúncio. cheia, isto é, a denúncia com a fundamentação.
A denúncia do pré-contrato de mútuo é afastável pelo oferecimento de garantia suficiente.
CAPÍTULO II

PRESSUPOSTOS SUBJETIVOS E OBJETIVOS

CONTRATO DE MÚTUO
§ 4.591. Capacidade para dar em mútuo, para prometer mútuo e para receber em mútuo

1.PODER DE DISPOR E CAPACIDADE. A disposição é inclusa no contrato real de mútuo, ou é posterior, no


contrato consensual de mútuo, ou, ainda mais, no pré-contrato de mútuo. De qualquer maneira, somente pode
ser mutuante, em qualquer das três figuras contratuais, quem tem capacidade, no tocante à disposição. Se real o
contrato de mútuo, há de ser proprietário e de ter poder de dispor quem se vincula como mutuante. O mutuário
assume dívida, de modo que também há de ser capaz.
No tocante ao contrato consensual de mútuo e ao pré-contrato de mútuo, não é preciso que seja proprietário, no
momento da conclusão do contrato, porque o ser proprietário ou ter poder para transferir o direito de
propriedade é requisito necessário do acordo de transmissão. Nas duas figuras consensuais, pode-se negociar o
bem alheio, ou o bem futuro.
Se o mutuante entregou bem fungível que não era seu, há a pretensão do mutuário à prestação, sem que se
precise pensar em transformação do contrato real em contrato consensual, absurdo ventilado por alguns juristas.
Se o contrato foi consensual, com a entrega o mutuante adimpliu defeituosamente e adimplemento assim é
inadimplemento.

2. RELATIVAMENTE INCAPAZES. A pessoa relativamente incapaz, para contrair mútuo, precisa da


assistência do pai, tutor ou curador. A respeito, lê-se no art. 1.259 do Código Civil: “O mútuo feito a pessoa
menor, sem prévia autorização daquele sob cuja guarda estiver, não pode ser reavido nem do mutuário, nem de
seus fiadores e abonadores (art. 1.502) “. A regra jurídica só alude a menor. Há outras pessoas relativamente
incapazes, a respeite de cujos negócios jurídicos há a sanção da anulabilidade. Anulado o contrato de mútuo, é o
art. 157 do Código Civil, e não o art. 1.259, que se há de invocar. O mutuante somente pode exigir de volta o
que provar ter revertido em proveito do incapaz. Se, por exemplo, o interdito por prodigalidade tomou
empréstimo de dinheiro e com êsse dinheiro, ou parte dêle, evitou que desmoronasse a ponte, ou que ficasse
sem curativo urgente, o mutuante tem a ação para haver o que foi útilmente invertido.
O contrato de mútuo pode ser nulo, ou anulável, nos mesmos casos em que são nulos, ou anuláveis os outros
contratos.

3.PODERES PARA CONTRATAR MÚTUO OU PARA PRE-CONTRATAR MÚTUO. Os Poderes para dar ou
tomar em mútuo dinheiro ou outro bem fungível hão de ser especiais. Na outorga de Poderes gerais não se
compreende o de se fazer mutuário, nem mutuante. Todavia, devemos entender que pode contrair mútuo o
comandante, capitão ou mestre da embarcação, em falta de fundos, durante a viagem, se não está presente
algum dos proprietários, seus mandatários ou consignatários, ou algum interessado na carga, ou, se presente
qualquer dêles, ou se presentes quaisquer dêles, não providenciarem (Código Comercial, art. 515). Outrossim,
com os mesmos pressupostos, qualquer condutor de automóvel, ou outro veículo. Á mudança na circulação por
terra, com a sua intensidade crescente, impõe que se leia a regra jurídica do art. 515 do Código Comercial como
abrangente de todos os casos em que a providência imediata se imponha.

4. SANÇÃO . Os titulares do pátrio poder sómente podem contrair mútuo como representantes ou assistentes
dos filhos se há necessidade e evidente utilidade do representado e assistentes, mediante prévia autorização
judicial (Código Civil, art. 386). Não importa se o mútuo é oneroso ou gratuito.
Os tutôres e curadores (Código Civil, art. 453) também precisam da autorização do juiz, porque não se
justificaria que tivessem mais Poderes do que os titulares do pátrio poder.
As pessoas jurídicas podem contrair mútuo, qualquer que seja a sua atividade, civil, industrial ou comercial.

MÚTUO
Todavia, os estatutos podem prever restrições aos Poderes dos órgáos e dos representantes das pessoas
jurídicas. Por outro lado, as leis podem discriminar, conforme a atividade creditícia profissional, as espécies de
operações de mútuo que as pessoas. jurídicas, principalmente os bancos, podem fazer. Há pessoas jurídicas
criadas, ez lege, para alguns negócios jurídicos de mútuo; ou que tiveram autorização para concluí-los, como
atividade profissional única, ou como uma das suas atividades.
A restrição por ato administrativo ou a limitação por lei pode ser relativa à natureza dos bens que servem de
garantia às operações creditícias (e. g., bancos de crédito real, bancos de crédito imobiliário, crédito agrário,
crédito pecuário, casas de penhôres de jóias, casas de penhôres de animais, crédito cinematográfico).
Cumpre observar-se que há regras jurídicas que vedam aos diretores de sociedades por ações tomar
empréstimos à sociedade sem prévia autorização da assembléia geral (Decreto-lei n. 2.627, de 26 de setembro
de 1940, art. 119, parágrafo único), inclusive em se tratando de bancos (Decreto n. 9.346, de 10 de junho de
1946, art. 12, d, que cogita da própria suspensão das atividades do estabelecimento). Tais regras jurídicas não
são modificáveis pelos estatutos. É de discutir-se se essas vedações importam a) nulidade, ou apenas b)
punibilidade criminal e responsabilidade civil pelo ato ilícito. A favor de a), há o argumento de a regra jurídica
do art. 120, parágrafo único, do Decreto-lei n. 2.627 não se haver referido ao art. 119, subordinando, assim, a
infração à sanção de nulidade. Ainda a favor de a), é de alegar-se que se fêz ilícito o objeto (Código Civil, art.
145, 1, 1.a parte). A favor de b), sustenta-se que apenas se impôs o não-praticar-se o ato jurídico, de modo que o
contrato de mútuo vale e o que resulta é responsabilidade civil e penal (MICHELE FRAGALI, DeI Mutuo,
Commentario de A. SCIALOJA e G. BRANCA, 278). No direito brasileiro, a solução a) é a consentânea com a
letra da lei.
(Os assuntos da subscrição de debêntures, notas promissórias, letras de câmbio e outros títulos de crédito são
estranhas a êste Título, porque não se trataria de contratos, mas sim
negócios jurídicos unilaterais, razão por que dêles já cogitamos ou vamos cogitar nos lugares próprios.)
Se a ilegitimaçao , ativa ou passiva, para o mútuo é absoluta, há a nulidade do contrato. Quando se trate de
incapacidade relativa, há anulabilidade. Quanto às formalidades e “solenidades” exigidas, por lei, cumpre frisar-
se que, no direito brasileiro, a falta produz nulidade (Código Civil, art. 145, III e IV>, e não anulabilidade. A
conclusão do contrato de mútuo para o qual seria de exigir-se autorização ou parecer de alguém, ou de algum
corpo, é atingida, se não foi satisfeito o pressuposto, com a sanção de nulidade, desde que a espécie seja regida
pelo art. 145, III, ou pelo art. 145, IV, do Código Civil. O argumento de se estar diante, apenas, de pressuposto
de exercício não tem acolhida no sistema jurídico brasileiro, pôsto que a possa ter alhures (cp. PAOLO RAvÀ,
La Con.valida. degli Áfli amministrativi, 180 e 184).
Se no mútuo tem interêsse oposto ao da sociedade por ações o diretor, ou quem haja de tomar parte na
deliberação (Decreto-lei n. 2.627, de 26 de setembro de 1940, art. 120), não há invalidade. Há somente a
responsabilidade civil e a eventual responsabilidade penal.
Sempre que as leis ou os estatutos enumeram os casos de aplicação de dinheiros sem se referir ao mútuo, tem-se
de entender que a exorbitância não implica nulidade, mas apenas a responsabilidade civil e a penal. Se a regra
jurídica ou estatutária só se refere à boa ordem da administração, os negócios jurídicos não são atingidos, salvo
se cabe a ação de anulabilidade por dolo. Ocorre o mesmo se a regra jurídica ou estatutária apenas restringe o
importe das operações de mútuo, ou regula a correspondência entre o que se empresta e o valor da garantia, ou
das garantias, ou exige que haja necessidade da operação.

5. MÚTUO A PESSOA MENOR. Diz o Código Civil, no art. 1.259: “O mútuo feito à pessoa menor, sem
prévia autorização daquele sob cuja guarda estiver, não pode ser reavido nem do mutuário, nem de seus
fiadores, ou abonadores”. A regra jurídica veio-nos do D., de senatus consulto Macedonir ito, 14, 6
(ULPIANO), senatusconsulto do império de Vespasiano. O pretor dera contra a ação do mutuante a exceptio
senatus consulti Macedoniani, assim chamado por ser a propósito de certo menor Macedo. Não se trata de pré-
exclusão completa do vínculo: a obligatio naturalis persistia e persiste. Ao tempo em que havia maiores
incapazes, sem serem interditos, o senatusconsulto também a êles concernia. Só se referia ao mútuo de dinheiro.
A sanção era a irrepetibilidade, se oposta a exceção, pelo mutuário, pelo titular do pátrio poder ou da tutela, ou
pelo fiador. Ainda, depois de cessar a menoridade (L. 1, pr., D., de senntus consulto Macedoniano, 14, 6) e
ainda provado o enriquecimento (L. 9, ~ 2). A exceção perdia-se:
pela renúncia do menor, depois de se tornar maior (não bastaria o reconhecimento da divida, porque se
entenderia reconhecimento da obtigatio naturalis, certo, quase contra todos, H. J. II. DUECKERS, De
Senatusconrndto Macedoniano, 122 s.; sem razão, G. DIFrZEL, Das Senatus consultum Macedonianum, 132).

MÚTUO
A renúncia, durante a menoridade, não é vinculativa.
O art. 1.259 do Código Civil não é regra de nulidade, nem de anulabilidade. t regra jurídica no plano da
eficácia. Refere-se a qualquer mútuo. Pode ter havido empréstimo nulo, ou empréstimo anulável, ou, até,
empréstimo válido (espécie do art. 155), mas a regra jurídica do art. 1.259 pré-exclui a ação contra o mutuário,
os fiadores e abonadores. É assaz importante saber-se que o art. 1.259 incide ainda que haja incidido o art. 155.
A regra jurídica do art. 155 é regra jurídica de validade. Aliás, o art. 1.502, a que o art. 1.259 remete, dá, de
nôvo, ao fiador a exceptio, ainda que o incapaz não argua a nulidade ou anulabilidade.
A exceptio do art. 1.259 acaba se o menor, tornado capaz, renuncia a ela; então, cessa, em conseqUência, a
exceptio do fiador ou do abonador.
Se o que tem o pátrio poder, tutela, ou curatela, posteriormente consente, ou assente (L. 7, § 15, e L. 16, D., de
senatus consulto Macedúnixtno, 14, 6), a excepti>o desaparece. Se o que devia consentir ou assentir se
locupletou com o mútuo ao menor (sôbre a in rem paI ris versio, L. 7, §§ 12-14, e L. 17), há a ação de
enriquecimento injustificado contra o que não consentiu ou assentiu; se consente, ou assente depois,
extinguindo-se a exceção do menor, a ação de enriquecimento injustificado nasce a êsse.

Nas Ordenações Filipinas (Livro IV, Título 50, § 2), recebeu-se a regra do senatusconsulto Macedoniano quanto
ao mutuário, aos pais e aos fiadores. Negou-se a ação ao credor (ne. . . adio petitio que daretur) e deu-se contra
o que emprestou ao filho-família exceção ao pagamento. Fraudava-se, não raro, a regra jurídica com a venda a
crédito, ou contrato semelhante, revendendo o filho-família, ou passando a outremr as coisas adquiridas, ou
alugadas, ou por outro modo havidas. ULPIANO (L. 3, § 3, D., de senatus consulto Macedoniano, 14, 6>
observou que a exceção só existia quanto ao mútuo, mas admitiu que, em caso de fraude à lei, coubesse a
sanção, que é a da excepcionabilidade. Na L. 7, § 1, informa êle que CELSO já falava da exceção adversus
fraudem se alguém tem como devedores ao filho-família e a Tício, só êsse figurando como devedor. No art.
1.259 persiste a exceção por infração direta da lei, no caso de mútuo ao menor, e as exceções por infração
indireta, fraus legis, segundo a L. 3, § 1, e a L. 7, § 1.
Menor, diz a lei; não se distingue idade, nem sexo. Nas Ordenações Filipinas aludiu-se aos fundamentos da
regra jurídica, tal como ao tempo de Vespasiano e segundo TÁCITO (Anais, 11, 3). Macedo fôra um jovem, que
estava prestes. a matar o pai, acossado por dívidas (TEÓFILO, ao § 7, 1., quod cum eo, 4, 7). O intuito foi de
política jurídica criminal e civil, e não só civil (ano 47 após Cristo).
A regra jurídica não incide se comerciante o menor (cf.. Ordenações Filipinas, Livro IV, Título 50, § 3). Não
importa se o mútuo foi com juros, ou sem juros (L. 7, § 9). Mas, se o mútuo fôra para servir ao pai, cessaria a
ratio legis, o Código Civil, art. 1.259, não incidiria (L. 7, §§ 12-14, e L. 17)
e. g., se foi para pagar dívida do pai (L. 7, § 14), ou operação cirúrgica a que teve de sujeitar-se o pai, ou a mãe.
Não há margem no Código Civil, art. 1.260, para essa ilação. A ratificação pelo pai, ou pela mãe, que tem o
pátrio poder, ou se o filho não tem pai, ou se somente ela pagaria a dívida, exclui a incidência (cp. L. 7, § 15).
Se há o suporte fáctico do Código Civil, art. 155, pode replicar à exceção o credor (L. 3. pr., e §§ 1 e 2, L. 19).
Trata-se de direito desmunido de ação: negou-se a ação e deram-se exceção ao pagamento e a pretensão por
enriquecimento injustificado, também oponível no processo executivo. Perdura ainda após a morte do genitor e
da cessação da incapacidade. Não cabe invocar-se o art. 157 (L. 9, § 2). Se o negócio jurídico seria eficaz, se
não se tratasse de incapaz, há direito desmunido de ação, de modo que o incapaz não pode repetir o que pagou
(AGOSTINHO DE BEM FERREIRA, Sunut da Instituía, III, 45). Se o incapaz paga com dinheiro do que teria
de o assistir, não há repetição, se bem que o direito romano admitisse que o pai exercesse a condictio. Cumpre,
hoje, distinguir: a) se a transmissão da propriedade do bem dado in solutum não se operou (e. g., art. 622 e
parágrafo único), há a reivindicabilidade; b) se foi com dinheiro que o incapaz pagou, ainda sem dêle poder
dispor, não há repetibilidade. Quanto ao direito romano, a contradição entre a L. 9, § 1 (ULPIANO), D., de
senatus consulto Macedoniano, 14, 6, e a L. 14 (ULPIANO), D., de rebus creditis si certum petetur et de
condictione, 12, 1, foi objeto de minudentes pesquisas: excluindo qualquer repetição de caráter pessoal, seguido
por outros, H. A. ScHwÂNERT (Die Naturalobligatioflefl, 192 s.) ; negando a condictio ex mutuo e a condictio
indebiti, porém não a sine causa, G. MANDRY (Das gemeine Fainiliengiiterretht, 1, 508) achando irredutível a
contradição, G. DLETZEL (Das senatus consultum Macedonianum, 122 s.), M. VoIGT (úber die condictiones
ob causam, 752 s.) e II. J. 11. DUECKERS (De Senatus consulto Macedoniano, 89 a.); entendendo que se há de
distinguir o credor em boa e em má fé, PH. E. HUsCHKE (Die Lehre des rõmisch,en Reckts vom Darlehn, 184
s.) e B. WINDSCHEID (Lehrbuch, ~ 9)’ ed., 588 s.). Mas a L. 9, § 1, foi interpolada (E. E. PFLUGER, Citeros
Rede pro Qu. Roscio comoedo, 62 s.). Assim, temos, para o direito romano: o pai tem a condictio, exceto se o

MÚTUO
credor consumiu o dinheiro (MARGELO), porque não teria o credor podido exercer ação pelo mútuo, ou se o
pai pagou por erro.
(Os romanistas vêem na regra jurídica do senatusconsulto Macedoniano apenas exceptio, encobrimento da
eficácia da pretensão, e. g., G. DIETZEL, Das senatus consultum Macedonianum, 102 s., II. DERNBURG,
Spstem, ~J, 9)’ ed., 735. Mas no texto da L. 1, pr., corta-se a própria ação: “ne... actio pe tioque daretur”. O
direito é mutilado, porque nasceu sem pretensão.)
A exceção perde-se pela renúncia, se o mutuário chegou a ser capaz, porém não é renúncia o reconhecimento
ato jurídico siácto sensu que estudamos a propósito do art. 172, V (H. J. H. DUECKERS, De Senatusconsulto
Macedoniano, 122 s.; sem razão: G. DIETZEL, Das senatus consultum Macedonianum, 132, que não
distinguia; G. MANDRY, Das gerneine Familiengliterrechi, 1, 490, e PE. E. HUSCHKE, Dia Lehre des
rõmischen Rechis vom Varie/tu, 192 s., que negam a eficácia extintiva dos reconhecimentos). Aliás, a renúncia é
mais à tutela jurídica, pois nasce a ação ao credor. Os romanistas não prestaram suficiente atenção à L. 7, § 16,
verbis “cessabit senatus consultum”. Se o mutuante também fôr incapaz, nem por isso deixa de ser invocável o
art. 1.259 (sem razão, CORREIA TELES, Doutrina das Ações, § 320, nota 1, 315).
Estatui o art. 1.260 do Código Civil: “Cessa a disposição do artigo antecedente: 1. Se a pessoa, de cuja
autorização necessitava o mutuário para contrair o empréstimo, o ratificar posteriormente. II. Se o menor,
estando ausente essa pessoa, se viu obrigado a contrair o empréstimo para os seus alimentos habituais. III. Se o
menor tiver bens da classe indicada no art. 391, n.0 II. Mas, em tal caso, a execução do credor não lhes poderá
ultrapassar as fôrças”.

6.ESPÉCIES DE OBJETO DO MÚTUO. O objeto mais freqúente do mútuo é o dinheiro. Em vez de dinheiro,
podem-se dar em mútuo mercadorias ou objetos que tenham certo valor, como se dá com a entrega de título ao
portador. Todavia, é de mister que se diga (ou seja de interpretar-se) que se considerou o valor como elemento
suficiente, porque, de ordinário, se há de entender que se entregou o título para cobrança, de modo que só ao se
receber se conclua o mútuo.
Também pode acontecer que o mutuante entregue ao mutuário bem que êsse tenha de vender, dependendo do
êxito no exercício do poder de venda concluir-se o mútuo (contractus mohatrae) ; se bem que possa ser dito (ou
ter de interpretar-se) que já se transferiu a propriedade do bem ao mutuário, fixado o valor como recebido.
Aqui não há outorga de poder de alienar. A primeira espécie é a mais encontrável. Porém em ambas há
irrevogabilidade. Sempre que há juros corridos, desde já ou a dia fixo, há obrigação de receber, ou se considera
concluído o mútuo com a entrega do objeto de preço mínimo debitável ao mutuário (um tanto diferente, sem
razão, KINNE, Der Contractus Mohatrae, Gruchots Beitrdge, 56, 482 s.). Nos casos em que o mútuo só se
conclui com a venda, outro ato de disposição por parte do mutuário compõe o elemento fáctico que faltava. Na
dúvida, entende-se que, não se tendo dito “pelo preço tal,,, ou “emprestando x, que é o valor mínimo do objeto
entregue”, ou “entregue o diamante tal que vale x”, o mútuo se conclui ao vender-se o bem e receber-se o preço
(P. OERTMANN, Das Rechi der Schuldve’rhãitnisse, 3~&4)’ ed., 655; L. ENNECCERUS-H. LERMANN,
Lehrbuch, ~ 31)’-35Y ed., 464 s.; 11. DERNBURO, Das Bilrgerliche Rechi, II, 2, 3a ed., 265; contra, G.
PLANCR, Komntentar, II, 4)’ ed., 544). Se ainda não houve a transferência de propriedade, não se concluiu o
contrato real de mútuo, de modo que ainda não se pode pensar em invocação do art. 1.257 (“Éste empréstimo
transfere o domínio da coisa emprestada ao mutuário, por cuja conta correm todos os riscos dela desde a
tradição”), salvo se houve cláusula em contrário (P. OERTMANN, Das Rechi der Schuldverhãitnisse, 655;
G. PLANCK Kom.mentar, II, 4)’ ed., 545; mas sem razão, B. MATTHIASS, Lehrbuch., 6)’-7)’ ed., 328). É
questão de interpretação a de se saber se ao que recebe o bem foi apenas outorgado poder de alienar, ou se tem
o dever e a obrigação de alienar
(G.PLANCK, Ko’rn’rnentar, II, 4)’ ed., 544 s.; com distinção incabível, KINNE, Der Contractus Mohatrae,
Gruchots Beitráge, 56, 463). O objeto do mútuo somente pode ser bem fungível (art. 1.256, verbis “coisas do
mesmo gênero, qualidade e quantidade”).
(Bem fungível. Ou fungibilizado. Os bens infungíveis e inconsumíveis que se entregam para que se restituam
os mesmos ou outros de igual qualidade e quantidades fungibilizaram-se, e há mútuo. Aliás, também se pode
tratar como infungível o fungível, e concluir-se, a respeito, comodato, e não mútuo.)
O contrato de mo/tatra é de origem medieval. Nêle, o mutuário comprava ao mutuante algum bem, a preço alto,
pagável a preço fixo, e revendia-o a preço mais baixo. Percebe-se a usura.
Houve precisão do instituto. Não mais o bem era objeto do mútuo, mas o valor. Quanto ao papel do mutuário,
ao vender, não se há de pensar em procuração em causa própria: já ~e fizera dono.

MÚTUO
O que importa, se real o contrato de mútuo, é que se dê a transferência da propriedade. Se não se deu nem se
pode dar, apenas dependendo de ato do outorgado, não há mútuo contrato real. Se ainda não se deu, mas só
depende de ato do outorgado, o efeito do ato do outorgado conclui o contrato de mútuo, cujo suporte fáctico
estava em formação. Se a propriedade não se transferiu, não há a responsabilidade do que acordou em que se
transferisse e não há pretensão do outorgado a haver a coisa, salvo se consensual o contrato de mútuo; o
contrato real não se concluiu; e não há contrato consensual de mútuo, se não ficou expresso no negócio jurídico,
atenta a liberdade de contratar. Ou se configurou promessa de mútuo (pactum de mutuo dando) ou a
responsabilidade é só por ato ilícito absoluto (Código Civil, art. 159; Orro VON GIERRE, Deutsches
Privatrecht, III, 579, nota 57; O. WARNEYER, Ko’mmentar, 1, 995; sem razão, H. NEUMANN,
Handxtusgabe, 1, 6•a ed., 485). Se a propriedade não se transferiu, ou não se concluiu contrato real, ou ainda
não se ultimou, ou o contrato foi concluído como consensual, ou houve apenas pré-contrato de mútuo.

§ 4.592. Objeto do mútuo

1.FUNGIBILIDADE. Dá-se em mútuo o que pode ser restituido com o mesmo bem ou com outro do mesmo
gênero, qualidade e quantidade. No art. 50 do Código Civil está a definição, que corresponde ao têrmo criado
depois do direito romano, que desconheceu a expressão “res fungibiles~’. Diz o art. 50: “São fungíveis os
móveis que podem, e não fungiveis os que não podem substituir-se por outros da mesma espécie, qualidade e
quantidade”. “Espécie” está, aí, por “gênero”. Certo, o ad. 1.256, onde se emprega a palavra “gênero”.
O Código Civil, no art. 1.256, alude à “quantidade”. Não ~e exige, com isso, que haja pluralidade. O bem
fungível, que se dá em mútuo, pode ser um só. O que não se pode mutuar é o individuunv. O bem fungível, que
se entrega sôzinho, também é quantidade. (Grave erro foi dizer-se que o objeto do mútuo é o crédito que nasce
ao mutuário à entrega do bem mutuado, como fêz FRANCO CARRESI, II Commodato, II Mutuo, Trattato de
E. VASSAILI, VIII, II, 97. Primeiramente, falou-se de suporte fáctico, de pressuposto, no plano, portanto, da
existência do negócio jurídico; pula-se, sem razão, para o plano da eficácia. O crédito, como a dívida, é efeito.
Segundo, o objeto é o bem, e não se poderia deixar sem classificação o papel do bem prestado.)
O dinheiro é objeto, quer se preste como género, quer como sub gênero. Donde o mútuo pecuniário e o mútuo
mortetário. Se mutuei mil libras-ouro não mutuei pecúnia, mas moeda; mesmo se permiti prestar-se o valor da
moeda ao custo do ouro, na data do vencimento, ou da conclusão do contrato, ou da entrega.
O que se restitui é o tantundem. Bens inconsumíveis podem ser dados em mútuo, pois há interêsse em que se
adquira a propriedade do bem, a despeito da sua inconsumibilidade. Há mutuabilidade dos bens inconsumíveis,
pôsto que só se possa dar em mútuo o que é fungível. Se os figurantes consideraram fungível bem que
naturalmente não o é, nem por isso o contrato deixa de ser contrato de mútuo: fungibilizou-se o infungível, e
satisfeito foi o pressuposto objetivo. Se, em vez disso, os figurantes tiveram por infungível o que é fungível, o
contrato não é de mútuo: ou há comodato, ou há locação de coisa. Desde que se pode restiuir outro bem, é de
mútuo o contrato.
Quem empresta o livro ao amigo, ou ao colega, dá em comodato, ou em locação. Quem empresta o livro ao
livreiro que dêle precisa para atender a freguês, dá em mútuo.
Se alguma lei impõe a infungibilidade, não se pode dar em mútuo o bem; e. g., não se pode dar em mútuo a
arma de que o Estado só a seus militares permite o uso, nem o produto industrial que só para o Estado se pode
produzir.
Os bens infungíveis, mesmo se consumíveis, não podem, em princípio, ser objeto de contrato de mútuo; mas é
preciso atender-se a que a fungibilidade pode ser estabelecida se se abstrai de qualidade, ou de qualidades que
infungibilizavam o bem. Daí poder haver mútuo de vinho Chateauneuf du Pape, podendo o mutuário restituir
êsse ou outro vinho francês. Mas o contrato de dar vinho Tocai para restituir vinho Málaga, que FRANCESCO
MESSINEO (Operazioni di borsa e di banca, 100) considerou de mútuo, de mútuo não é: aí, há troca, com
a só particularidade de não serem simultâneas as duas entregas.
No Código Civil francês, art. 1.894, estatui-se: “On ne peut pas donner à titre de prêt de consommation des
choses qui, quoique de même espêce, diffêrent dans l’individu, comme les animaux: alors c’est un prêt à
usage”. Não há tal regra jurídica no sistema jurídico brasileiro, nem conviria que houvesse. Podem ser
emprestados cavalos, bois, carneiros, porcos, cabras, galinhas, pelo gênero, pelo pêso e pela qualidade.
Quanto às universitates, a individualidade delas ressalta, de modo que, mesmo se compostas de bens fungiveis,
não são mutuáveis. A mutuabílidade dos seus elementos não se impõe a elas.
Quanto aos títulos ao portador, são fungíveis, e nada impede que sejam dados em mútuo. Os títulos

MÚTUO
endossáveis também o são. Nenhum obstáculo há quanto a transferir-se a alguém a propriedade, por exemplo,
de ações ao portador e exigir-se que se prestem, em retribuição, outras tantas ou as mesmas. Os próprios títulos
nominativos são fungíveis: as ações nominativas ou outros títulos nominativos que dou a E, para que me
restitua outros tantos, são objeto de mútuo. A diferença de vencimento não traz dificuldades. Se o que se
entregou em mútuo se vencia no ano de 1962 e a restituição é quando não há mais tais títulos, o que se há de
entender é que se restituem títulos de subscrição da mesma pessoa jurídica ou física a que correspondam os
mesmos direitos. Os títulos tanto podem ser tratados como bens fungíveis como podem ser infungibilizados.

2. TRADIÇÃO DE TODO O OBJETO, OU DE PARTE. No contrato de mútuo em que a entrega é por partes,
dita restituição rateal, quer isso resulte do contrato quer de lei, como se atende a necessidades sucessivas para
construção, ou aquisições, ou obras, há um só contrato de mútuo, e não tantos contratos quantas as entrêgas
parciais (sem razão, F. MESSINEO, Operazioni di bona e di banca, 173). As garantias, salvo cláusula expressa
em contrário, são para todo o contrato, e não para as prestações parciais correspondentes às entregas, nem para
as entregas rateais. (Não se há de cogitar, aqui, das subscrições de ações e de debêntures, ou outras semelhantes,
porque, ali, não há mútuo, e aqui o negócio jurídico de mútuo é subjacente ao negócio jurídico unilateral.)

§ 4.593. Forma do contrato de mútuo

1.REGRAS JURÍDICAS GERAIS. A lei civil e a lei comercial não contêm regra jurídica especial sôbre a
forma do contrato de mútuo, nem sôbre a forma do pré-contrato de mútuo. Se há garantia hipotecária, ou
anticrética, a exigência da escritura pública concerne ao direito real de garantia, e não ao contrato de mútuo.
£ preciso que se não confunda o mútuo, negócio jurídico bilateral, com os negócios jurídicos unilaterais dos
títulos abstratos (e. g., títulos cambiários, títulos ao portador). As apólices das dívidas públicas e as debêntures
não contêm contrato de mútuo. O mútuo seria, aí, negócio jurídico bilateral subjacente.

2.CÓDIGo CIVIL, ART. 133. A despeito da regra jurídica geral do art. 129 do Código Civil, o ad. 133
estabelece: “No contrato celebrado com a cláusula de não valer sem instrumento público, êsse é da substância
do ato”.

§ 4.594. Tradição do bem mutuado

1.CONTRATO REAL DE MÚTUO. No contrato real de mútuo, a tradição do bem mutuado, ou dos bens
mutuados, integra o contrato, se os outros pressupostos estão satisfeitos, ou se junta aos pressupostos já
satisfeitos, para que a integração se dê após, concluíndo-se o contrato. Se o contrato de mútuo é,
excepcionalmente, consensual, a tradição é adimplemento pelo mutuante. No pré-contrato de mútuo, há, ainda,
entre o pré-contrato e a tradição o intervalo em que se tem de exercer a pretensão ao contrato e se adimplir a
promessa de contratar. Se o contrato, que se prometeu e se conclui, é real, a tradição integra o contrato
prometido; se consensual, ainda há o contrato e o adimplemento da dívida que dêle se irradie.
A função da tradição, aí, é apenas a de dar ao mutuário direito de propriedade sôbre o bem mutuado, criando-se-
lhe o dever de restituição. Não há plus de entrega para obra, como na locação de obra ou na empreitada.
O mútuo pode ser feito mediante a extinção de dívida do mutuário, que figura, então, como se houvesse solvido
o crédito de alguém, mutuante no contrato em que o objeto da dívida extinta passa a ser o bem mutuado. Nem
sempre há no vação. Também o mútuo se pode concluir com a assunção, pelo outorgante, de divida do
outorgado, ou pelo pagamento de dívida dêsse, devendo-se entender que, ao pagar, o mutuante entregou o
dinheiro ou outra prestação ao outorgado que por sua vez, através do outorgante, solveu a dívida. Qual o papel
do outorgante, diante do credor, não se pode determinar a. priori. Tanto pode ser representante do mutuário, ou
interessado, como simples núncio, ou terceiro não interessado. O que importa é que, no contrato de mútuo, a
entrega ocorreu conforme o reconhecimento do mutuário.
Sempre que o mútuo se conclui com a sucessão do mutuante em relação jurídica de crédito contra o mutuário,
muda-se a causa; portanto, há outro negócio jurídico, ou negócio jurídico que vem após a dívida oriunda de
fonte não-negocial de obrigações.

2. CASOS ESPECIAIS DE TRADIÇÃO . O mutuário, que assume a sua posição porque devia ao mutuante,
por outra causa, e passa a responder como devedor de restituição do bem fungível, põe-se na posição de quem

MÚTUO
pagou e recebeu, em mútuo, o que havia pago. Se A empresta a E, entregando a C, ou, por ordem de B, dando
quitação a C, a tradição ocorreu, tanto mais perfeitamente quanto, no sistema jurídico brasileiro, se abstrai, na
posse, do animnus e do corpus.
Pode bastar à tradição o simples pôr à disposição, e é o que acontece, por exemplo, sempre que o mutuante
credita na conta do mutuário o que emprestou a êsse, ou se o mutuante, por ordem do mutuário, credita a
quantia na conta de outrem, ou paga a outro.
Se o mutuante entrega, em vez de dinheiro, nota promissória vencida ou a vencer-se, ou outro título cambiário
ou cambiariforme, o contrato real de mútuo só se integra com o recebimento da quantia, ou outro modo de
extinção em que o mutuário concordou. Ou as circunstâncias permitem que se pense em contrato consensual de
mútuo, no qual, se o título cambiário ou cambiariforme não é pago, o mutuante deve a quantia. Dificilmente se
estaria diante de pacto de mutuo dando. São freqUentes os mútuos reais em que o mutuante empresta o que o
mutuário vai receber ao descontar o título cambiário ou cambiariforme.

3.LUCAR DA ENTREGA. O lugar da entrega é, de ordinário, o lugar em que se conclui o contrato de mútuo.
Pode dar-se que se faça alhures; e. g., no domicilio do mutuário, ou de alguém a quem o mutuário quer que se
entregue o bem mutuado (como se o mútuo é para se pagar dívida do mutuário). Nada obsta a que acordem em
que o mutuante faça a expedição do bem mutuado, ou dos bens mutuados, tendo-se como feita a entrega no
momento em que o mutuante transfere a posse ao transportador, ou ao correio, ou ao banco.

§ 4.595. Tempo e lugar para a restituição pelo mutuário

1. RESTITUIÇÃO E TEMPO. Se houve prazo determinado, ou determinável, sabe o mutuário quando tem de
restituir e o mutuante quando pode exigir. Havia o crédito do mutuante e a dívida do mutuário. À data do
vencimento, nascem a pretensão de um e a obrigação do outro.
Lê-se no art. 1.264 do Código Civil: “Não se tendo convencionado expressamente, o prazo do mútuo será: 1.
Até àpróxima colheita, se o mútuo fôr de produtos agrícolas, assim para o consumo, como para a semeadura. II.
De trinta dias, pelo menos, até prova em contrário, se fôr de dinheiro. III. Do espaço de tempo que declarar o
mutuante, se fôr de qualquer outra coisa fungível”.
O mútuo pode ter termo uncial, como pode ter têrmo final. Se o têrmo é inicial, necessáriamente se
consensualizou o contrato de mútuo. Conceber-se, aí, o contrato de mútuo como contrato real com inserção de
condição suspensiva é contraditório: no momento da conclusão do contrato faltaria elemento contenutístico do
contrato de mútuo real (sem razão, MICHELI FRAGALI, Del Mutuo, Commcntario dei Codice Civile de
ANTONIO SCIALOJA e GIUSEPPE BRANCA, 853).
O têrmo final não é cláusula necessária. Apenas se tem de atender às regras jurídicas do Código Civil, art.
1.264, que são lus dispositivum. Não podia ser acolhida a opinião dos que consideravam elemento essencial do
mútuo o têrmo final, para que se pudesse distinguir do depósito irregular (ISIDORO LA LUMIA, Depositi
bancari, 94; PAOLO GRECO, Le Operazioni di banca, 134 5.; contra, LIONE BOLAFFIO, Ii Diritto
commerciale, 2•a ed., 425.). Certamente, o mutuário precisa de tempo para, tendo disposto do que recebeu,
procurar os meios a fim de solver a divida, mas isso não faz pressuposto essencial o têrmo final, nem, fora dos
casos previstos em lei, se há de impor ao mutuante que não exija a restituição. Nada obsta, sequer, que se haja
concebido a exigibilidade à vtsta, ou a nuto do mutuante (cf. Código Civil suíço, art. 318), pôsto que as
circunstâncias possam fazer pensar-se, em tal espécie, que se concluiu depósito irregular, e não mútuo (BERTO
BRACCO, 1 Depositi a risparmio, 124 s.). Em todo o caso, o mútuo à vista não pode ser, sempre, mútuo cuja
restituição é exigível imediatamente. Por exemplo: B está, em companhia de A, diante do guichê do banco,
onde resolveu comprar moeda estrangeira imediatamente, por estar a fechar-se o serviço, e o dinheiro, que tem,
ficou no cofre do hotel, ou está na maleta que não lhe convém abrir por estar com objetos preciosos ou Ser
perigoso saber-se que está cheia de cédulas, e A lhe empresta à vista o dinheiro suficiente. N~ pode A exigir-lhe
que abra a maleta, ou vá ao hotel no mesmo momento, se os dois tinham de ir almoçar em algum lugar distante
do hotel, ou se A sabia que B só voltaria ao hotel mais tarde. O art. 952 do Código Civil não pode, aí, ser
invocado sem atendimento das circunstâncias. (De passagem observemos que era absurda a opinião que tinha a
exigência imediata como revogação. Cf. Gíoarno Oi’ro, 1 Contratti di durata, flivista dei Diritio commerciale,
1948, 1, 160s.)
O art. 1.264 do Código Civil é invocável a respeito dos mútuos mercantis. O art. 137 do Código Comercial não
incide

MÚTUO
quanto ao mútuo, pois ali só se cogita da exigibilidade da dívida, e não da denúncia do contrato; mas a denúncia
não pode dar prazo menor de dez dias (art. 1.264, III), porque essa é a concepção do direito comercial, quanto a
prazo de eficácia.
Se o mútuo não tem têrmo final, ou explicitamente é àvista, há de entender-se que o credor pode demorar em
exigi-lo. Se o mutuário quer liberar-se e o mutuante não quer receber, a solução no direito brasileiro é a do
depósito em consignação. Se militam circunstâncias, que, a despeito da falta de têrmo final, devem ser
atendidas, tem o mutuário de expor ao juiz a situação e declarar qual o tempo em que pode pagar.
Se no contrato de mútuo se inseriu a cláusula de pagar quando possa, sem haver qualquer têrmo final, à
interpretação cabe evitar a invocação do art. 115, 2~a parte, in fine, do Código Civil, sôbre condição potestativa,
e permitir que o credor peça ao juiz que, examinando os fatos concernentes à aptidão econômica do mutuário,
fixe o prazo para o pagamento. Se assim não se entendesse, transformar-se-ia em doação o mútuo, ao que o
contrato, por seus elementos contenutísticos, não dá ensejo. Tem-se de repelir que o exame da situação
econômica do mutuário implique considerar-se de condição, e não de térmo, a cláusula de pagar quando possa.
~ de discutir-se se a sentença favorável, que então se prof ira, é constitutiva (FRANCO CARRESI, 11
Comodato, 11 Mutuo, Trattato di Diritto Civite de E. VASSALLI, VIII, II, 129), ou declarativa. O juiz
interpreta o que foi pôsto em cláusula e procede à indagação do que se passa com o devedor, para declarar que
o devedor já pode pagar. O elemento constitutivo é eficácia mediata (declaratividade, *****; constitutividade,
****>. São cláusulas da mesma espécie: a cláusula quando tiver meios, a cláusula o ‘mais breve possivel e a
cláusula quando o mercado bancário Mio permita. A cláusula quando terminar o edifício e a cláusula quando
mudar para outro Estado-membro são tôdas cláusulas de condição.
Por vêzes, o têrmo final está implícito ou é tácito; e. g., -foram prestados interêsses adiantados por três meses,
ou um .ano, ou outro tempo (L. 57, pr., li., de pactis, 2, 14: “Qui in futurum usuras a debitore acceperat, tacite
pactus videtur, ne intra id tempus sortem petat”).
Implícito é o têrmo final quando se alude a mútuo para instalação de estabelecimento comercial, ou industrial,
ou profissional, ou para a construção do edifício de apartamentos,. tendo-se omitido a explicitude.
Se o mutuante deixa, após o vencimento, de exigir a restituíção, há mora (se mercantil o mútuo, de eficácia com
a. interpelação judicial), e não prorrogação, nem renovação.
O têrmo final é de considerar-se, salvo cláusula contrária,, como a benefício do mutuário e do mutuante, se há
onerosidade. Se gratuito o mútuo, também, porque pode dar-se o caso de ter o mutuante, que, por exemplo, está
fora, interêsse em só receber ao têrmo convencionado.
Quando a restituição há de ser de bem do gênero, que se entregou, sem ser, portanto, como meio para aquisição
do dinheiro, não há cogitar-se de preço corrente, nem de qualquer outro critério para se saber qual o valor.
Se o objeto do mútuo foram moedas de ouro, ou prata,. também não se há de procurar qual o valor no momento
de se adimplir a obrigação de restituição. Mas cláusula contratual pode estabelecer que se preste a quantidade
correspondente ao valor ao tempo do mútuo, caso em que o mútuo foi de dinheiro, e não de moedas. Também é
possível o inverso: emprestar-se dinheiro, como moeda, isto é, dar-se em mútuo o valor aquisitivo. Ou ocorre
que o mutuário tenha de restituir mais, ou de restituir menos; ou o que recebeu, se o câmbio é o mesmo.
Se há cláusula de restituir, se quiser, há contrato de doação, e não contrato de mútuo.

2. VENCIMENTO ANTECIPADO. Com a decretação de abertura da falência do mutuário, ou da decretação de


abertura da liquidação coativa, ou do concurso civil de credores (Código Civil, art. 954, 1; Decreto-lei n. 7.661,
de 21 de junho de 1945, art. 25; Código Comercial, art. 186), há vencimento antecipado da dívida de mútuo. Se
o pagamento em virtude do mútuo foi garantido por hipoteca, penhor, ou anticrese, e recai nos bens gravados
penhora pedida por outro credor, há o vencimento antecipado (Código Civil, art. 954, II). Outrossim, se a fiança
ou os bens, com que se garantiu o adimplemento da dívida do mutuário, se tornaram insuficientes e o mutuário,
intimado a reforçar a garantia, não o fêz (Código Civil, art. 954, III). Se o bem dado em garantia se deteriora ou
deprecia, desfalcando-a, e o mutuário não a reforça, vence-se a dívida irradiada do contrato de mútuo (Código
Civil, art. 762, 1). Se no mútuo se estabeleceu restituição por prestações e uma delas não é feita pontualmente,
também se vence a dívida (Código Civil, art. 762, III). Idem, se perece o bem dado em garantia (Código Civil,
art. ‘762, IV), ou se se desapropria o bem dado em garantia, caso em que há de ser depositada a parte do preço
que fôr necessária ao pagamento integral do mutuante (Código Civil, art. 762, V).
(O Tribunal de Justiça de São Paulo, a 14 de dezembro de 1915 e a 13 de outubro de 1916, 12. dos 7’., 17, 39, e
19, 306, julgou que, entregues títulos cambiários como prestações de hipoteca, o vencimento de um importa o
de tôdas as outras. Entendeu J. X. CARVALHO DE MENDONçA, Tratado de Direita Comercial, VI, Parte lA,

MÚTUO
166, que foi boa decisão. De modo nenhum. Os títulos cambiários são abstratos e autônomos. O vencimento de
um não se estende aos outros. Na espécie, ou havia mútuo, com a garantia hipotecária, e os títulos cambiários
foram entregues para que significassem adiantamento em título de valor para negociação, ou a garantia foi aos
títulos mesmos. No primeiro caso, o mutuante tinha de executar a hipoteca para que se garantissem os
pagamentos do título vencido e dos outros, oportunamente; no segundo caso, dá-se o mesmo, porque cada título
tem a sua sorte.)
Se acaba a garantia fidejussória e o mutuante não dá outra fiança, vence-se o mútuo (Código Civil, art. 954, III;
Código Comercial, art. 263: “Desonerando-se, morrendo ou falindo o fiador, o devedor originário é obrigado a
dar nova fiança, ou a pagar imediatamente a dívida”). 2,Também se vence a dívida do mutuário se foi concedida
alguma medida preventiva ou cautelar, conforme o art. 136 do Código Comercial e o art. 321 do Reg. n. 787, de
25 de novembro de 1950, hoje revogado pelo Código de Processo Civil, ad. 675, que disciplinou a matéria? A
medida preventiva ou cautelar, no caso, principalmente, o arresto, de modo nenhum determina vencimento da
divida. O art. 136 do Código Comercial está, nesse ponto, obsoleto (verbis “ou permite ação de remédios
preventivos”). Certa, já a Relação do Rio de Janeiro, a 2 de julho de 1878 (O D., 17, 332), que viu o erro de
técnica legislativa; sem razão, o Tribunal de Justiça de São Paulo, a 13 de setembro de 1899 (12. de J., VIII,
273 s.).
Os figurantes podem estabelecer em cláusula do contrato de mútuo, ou em pacto, casos em que se dá
antecipação do vencimento.

3. LUGAR DA RESTITUIÇÃO. No art. 950 do Código Civil põe-se a regra jurídica de que, salvo disposição
em contrário, o lugar do pagamento é o do domicilio do devedor; porém as circunstâncias, a natureza da
obrigação e a lei podem estabelecer diferentemente (art. 950, in fine). O mútuo de dinheiro, em princípio, é de
restituição no lugar do domicilio do devedor, mas isso não se justificaria se se trata de mútuo feito por
banqueiro, ou outro comerciante, que o fêz em seu estabelecimento. Em geral, se o mútuo não é de dinheiro, ou
se é gratuito.

CAPITULO III

EFICÁCIA DO CONTRATO DE. MúTUO

4.596. Efeito mínimo, efeitos comuns e efeitos diferenciadores

1. TRÊS FIGURAS E EFEITO MÍNIMO E EFEITO COMUM. Entre o contrato real de mútuo, o contrato
excepcionalmente consensual e o pré-contrato de mútuo, o elemento eficacial comum é o efeito mínimo, a
vinculação . Os três são contratos.
Também é comum o elemento eficacial que faz dos três contratos negócios juridicos de crédito “stricto sensu”.
Os dois primeiros são empréstimos de consumo, ou, melhor, de bens fungíveis. O terceiro, não; porque, nêle,
apenas se promete um dos dois outros negócios jurídicos.
No contrato real de mútuo, já há ato de disposição. No contrato consensual de mútuo, promete-se dispor. No
pré-contrato de mútuo, promete-se contratar realmente, ou consensualmente. Ainda não se dispõe, pôsto que, se
se promete contrato real de mútuo, já se prometa o que contém ato de disposição.
Recentemente, ao tratar-se do contrato real de mútuo, tem-se exagerado o papel de possibilitação do gôzo
duradouro do bem, como se não pudesse E tomar de empréstimo o bem fungível para destruí-lo, isto é, como se
fôsse essencial ao mútuo a permanência, em mãos do mutuário, do bem cujo direito de propriedade se
transferiu. Não há necessidade de se pensar em linha que vai da transferência à restituição, mesmo porque há
dilatação do sentido de restituir quando alguém se vincula a prestar o que corresponde, genêricamente, ao que
se recebeu, e não precisamente o que se recebeu. O que se deu em mútuo saiu, totalmente, do patrimônio do
mutuante. Não é o que se passa com a locação de coisas, ou com o comodato.
A linha, que tanto impressiona alguns juristas, não existe.
O que há entre os dois momentos é o crédito, o que se crê de volta, o que se deu com a crença no adimplemento
pelo devedor. A propriedade passa a ser do mutuário. Não se pode pensar em mútuo cem reserva de domínio.

MÚTUO
Desde a tradição, todos os riscos são do mutuário.

2.EFEITOS DIFERENCIA~DORES. Se houve contrato real de mútuo, quer oneroso quer gratuito, há o acordo
de transmissão implícito no contrato, como elemento necessário, de jeito que o contrato é contrato transiativo
de propriedade. No fundo, fêz-se de dois acordos um só. Se houve contrato consensual de mútuo, o acordo de
transmissão apenas serve ao ato de adimplemento, que é a tradição. Se houve pré-contrato, ainda não se cogitou
de acordo de transmissão; a. fortiori, de tradição. A transmissão fica para além da sua eficácia. Já se prende ao
contrato que se prometeu.
A transferência do direito de propriedade é um dos elementos característicos do mútuo. Com a dação, a
propriedade está transferida. O perecimento e a deterioração são sem qualquer importância para o direito,
porque o mutuante não mais tem dever quanto ao objeto. Todavia, quanto ao que há de ser restituído, pode
acontecer que a lei ponha fora de comércio o gênero, mesmo se está em causa gênero ilimitado (sem razão,
GINO GOELA, Dei Rischio e Pericoto neile obôligazioni).
O mutuante prestou, a sua promessa foi de prestar imediatamente, e êle o fêz. Tornou-se credor do que seja
incluivel na classe do que prestou e dos juros.
Por vêzes, há outras cláusulas, como a de sorteio, a de prorrogabilidade a líbito do mutuário, a de garantia se
algo acontece, como a mudança de domicílio, a de permissão de pagamentos parciais com aviso de qualquer
dos figurantes, ou de um dêles.
A entrega do bem que se há de dar em mútuo pode ser de uma vez, ou em porções iguais ou diferentes, mas o
que ainda não foi entregue torna o mútuo em parte real e em parte consensual.
Se o mútuo consiste na prestação de títulos de crédito ao portador, ou em endossáveis, criados pelo mutuante,
para que o mutuário os desconte, há o negócio jurídico bilateral de mútuo e o negócio jurídico unilateral da
criação dos títulos.
A restituição há de ser de dinheiro, porque se deu em mútuo o que fêz as vêzes de dinheiro.
Se foram mutuados títulos nominativos, são indispensáveis todos os atos de que se necessite para que se dê a
transmissão. Conforme já dissemos, aí tratou-se o título nominativo como bem fungível.
Se o mutuante presta papéis-valôres ou mercadorias, o que se há de restituir é o papel-valor do mesmo gênero,
ou a mercadoria do mesmo gênero, salvo se o que se emprestou foi dinheiro e o papel-valor ou a mercadoria
apenas vivia para aquisição daquele, conforme o preço corrente no lugar e no momento da entrega (cp. Código
suíço das Obrigações, art. 317).

§ 4.597. Interêsses e juros moratórios

1. INTERÊSSES. Os interêsses são, de regra, em dinheiro. Isso não obsta a que se estipule prestação de
quantidade determinada de bens fungíveis que não sejam dinheiro, nem a que o bem prestado como interêsse
seja de quantidade do ‘bem fungível ou fungibilizado que se deu em mútuo, inclusive em obra ou obras ou parte
em dinheiro e parte em bem que não seja dinheiro, ou em bem diferente do capital (sem razão, CIAN CARLO
MESSA, L’Obbligazio’ne degli interessi e te sue fo-nil, 19). Podem ser apenas determináveis; e. g., percentual
sôbre esperado lucro do mutuário. Os interêsses podem ser pagáveis por sorteio. Aliás, o sorteio pode ter como
conse~úência a liberação de algum ou alguns dos mutuários, quer no tocante aos interêsses quer no tocante ao
capital, ou ao ‘capital e aos interêsses.
Os interêsses juros ou outros nada têm com os juros da mora. Aquêles são contraprestação, correspectivo do
uso e fruição do capital que se emprestou. Ésses supõem o não ‘cumprimento da obrigação, a mora eficaz.
Se foram estipulados interêsses ultralegais, por pacto em separado, tem de ser verificada a ligação com o
negócio juridico do mútuo.

Os interêsses pagos e não devidos são irrepetíveis e inimputáveis ao capital (Código Civil, art. 1.268). Se,
porém, há a infração da lei de usura ou da regra jurídica de limitação legal do máximo, há ato ilícito, com as
suas conseqUências.
Lê-se no Código Comercial, art. 249: “Nas obrigações que se limitam ao pagamento de certa soma de dinheiro,
os danos e interêsses resultantes da mora consistem meramente na condenação dos juros legais”.
Sôbre a interpretação do art. 249 do Código Comercial, Tomos XXIV, § 2.899, 1, 4; e XXXIX, § 4.888, 8. Se o
pagamento não é em dinheiro, o art. 249 não incide (cf. voto vencido ao acórdão do Supremo Tribunal Federal,

MÚTUO
21 de janeiro de 1911, 1?. de D., 22, 118; Supremo Tribunal Federal, 8 de julho de 1911, 28, 547, e 7 de
dezembro de 1912, 28, 460.
Encerrada, pela decretação de abertura da falência, a conta corrente, não se contam juros (2•~ Câmara Civil do
Tribunal de Alçada de São Paulo, 26 de setembro de 1955, E. dos 2’., 248, 409).
Diz o Código Comercial, art. 250: “O credor que passa recibo ou dá quitação de juros menores dos estipulados
não pode exigir a diferença relativa ao vencimento passado; todavia, os juros futuros não se julgam por êsse
fato reduzidos a menos dos estipulados”. Dai, se o credor tem de passar recibo ou dar quitação (do capital), e
entende que os juros devidos seriam maiores, precisa de passar o recibo com ressalva do que reclama, ou dar
quitação quanto ao capital e fazer ressalva quanto aos juros.

2. NECESSIDADES PROFUNDAS DE CREDITO . A grave diferença entre o vulto dos empreendimentos


industriais e comerciais de hoje e o dos empreendimentos industriais e comerciais dos tempos passados resulta
da concentração de capitais, com que se planeja, nos nossos dias, a criação das emprêsas. Por outro lado, a
produção e os negócios, por sua elevação, exigem altos meios financeiros para a própria atividade (gastos com
material, formação de quadros administrativos, contactos e vínculações com mercados de matéria-prima e de
consumidores). t indispensável, incessantemente, o crédito.
Nos tempos normais, há estabilidade e ritmo na organização do crédito, quer quanto aos’ investimentos quer
quanto aos financiamentos em senso estrito. A instabilidade e, em conseqUência, os atos de atenuação e de
correção, ou de simpIes tentativa, caracterizam os momentos de inflação, de deflação e de perturbação na
dimensão política externa ou interna.
A economia contemporânea é fundada no crédito, na aplicação do que as pessoas poupam (deixam de gastar),
com o conhecimento de que ao dinheiro de muitos se deve a possibilidade de empreender o que o dinheiro de
‘um ou de alguns não poderia. O investimento passou a ser em capital e em títulos rentáveis.
A soma das pequenas economias é que permite investimentos e financiamentos que não seriam possíveis se não
houvesse a captação e a destinação dos fundos do grande número populacional. Com as disponibilidades dos
que deixam de consumir tudo que êles ganham, pode o industrial ou o comerciante empregar bens ou serviços,
ou bens e serviços muito acima daquilo que compõe o seu capital. Para isso, há outros agentes do mundo
econômico.

3. MÚTUO E INFLAÇÃO. Quando há inflação ou outra causa para que a moeda não possa adquirir hoje o que
ontem poderia e, provàvelmente, não possa adquirir amanhã o que hoje pode, tem-se de reputar lucro o que
enche a diferença de aptidão aquisitiva mais os interêsses prôpriamente ditos. Não é possível abstrair-se da
desvalorização de mais de um por cento ao mês quando se pensa em obter renda de um por cento ao mês.
Sem entrarmos na análise do que é legal e do que é ilegal, mencionemos algumas práticas que a inflação
suscitou, no Brasil, de algum tempo para cá.
Quando o comerciante tem x títulos de crédito, ainda não vencidos e com os vencimentos a, por exemplo, trinta
dias, sessenta dias, noventa dias e cento e vinte dias, e os leva a algum banco, ou casa bancária, ou a particular,
que os recebe, endossados, ou, se ao portador, por tradição, mas por êles dá apenas x x/y, de modo que os juros
sejam de um por cento em cento e cinqUenta dias; há a canta vinculada. As prestações pagas pelos tomadores,
ou outros obrigados pelos títulos de crédito, são recebidas pelo banco, pela casa bancária, ou pelo particular,
mas é indisponível o que foi recebido. Cobram-se, portanto, adiantadamente, os juros, como se os títulos
fôssem com o vencimento a cento e cinqUenta dias. t encontradiça tal espécie.
São conseqUências da inflação, por exemplo, as atividades recentes das emprêsas de financiamentos e de
investimentos. As emprêsas de investimentos, no tempo de inflação, contem com a subida do preço das ações e
com os dividendos, razão por que podem pagar mais do que os juros que a lei considerou infringente das leis de
economia popular. As emprêsas de financiamento operam atraindo pessoas que querem juros acima do limite
legal e descontando títulos de crédito dos comerciantes e industriais, com pagamento adiantado dos juros.
O próprio Banco do Brasil, com as letras de importação, abriu entrada para as operações das emprêsas de
financiamento.
Emprêsas da alta indústria emitem letras de câmbio, com 8 % de deságio mensal. Tomam de empréstimo,
portanto, acima do que seria permitido que alguém emprestasse. Mas alguém, aí, é o público. O público não
poderia ser acusado de crime contra a economia popular.
Cada pessoa pode empregar, como entenda, os recursos pecuniários que tem, desde que não viole direitos de
terceiros. ~ essencial à livre economia (KENNETH E. BOULDINO, Ecoiwmic Analysis, 1941, 181; RALPII E.

MÚTUO
BLODCETT, Comnarative Economic System, 29). Quando se quer e se exige maior salário, maior aluguer,
maior preço, maior lucro, o que se quer e se exige é que se dê pelo serviço, pelo que foi adquirido com o
dinheiro não empregado no consumo, ou pelo dinheiro assim poupado, vantagem razoável. A renda
correspondente ao dinheiro que se empresta com remuneração fundada em percentual dos lucros, quer em
sociedade quer em mútuo parciário ou noutro contrato parciário, não é renda que possa ofender a economia
popular: serve à economia popular.

4.SOCIEDADES DE PARTICIPAÇÃO EM LUCROS. Na sociedade de participação de lucros


(BeteilungsgeSelISchL1~ft), a finalidade é ou a) permitir a capitais que necessitem de ser aplicados a
participação em empreendimentos de rentabilidade acima do que se costuma obter e se pode obter com a
inversio direta (sociedade de aplicação de capitais, K<rpital 4IfllagegeseUsckaft), ou b) para abrir caminho a
investimentos que o público nio faria diretamente, por parecerem ou serem arriscados, ou remotos em relação
ao mercado ordinário de créditos (sociedades de tomada de títulos, EffelctendLberuakme.gesollscluzjt), ou e)
subscrição e emissão de títulos, vendidos ao público, para aquisição de títulos de emprêsas existentes (holding,
Kontrollgesellschaft).
A emprêsa de investimentos não se encarrega da direção <das emprêsas em que inverte os capitais. Tal
finalidade caracteriza o hohling. A holding company controla ou inflrwneia, materialmente, na direção de uma
ou mais emprêsas (JAMES O. BONBRICHT e GÃRDNER O. MEANS, Tke Holdwng Company, 10).
LEO VON PETBAZYCKI (Dio Lebre von Ein.kommes, 123) chamava à retribuição, qualquer que fôsse, juros;
CaL CROME (Die partiarischen RechtsgeecMlte, 366), que distinguia o interêsse percentual e os outros, não
deixaria de eh-mar juros ao que se promete nos contratos de que se trata. Porém há a álea, que obsta a tratar-se
como exploração criminosa a operação com alguém que, mediante o emprêgo do que recebe, ganha mais do
que o mutuante.

5. As notas promissórias são títulos abstratos, de que os contratos são os negócios jurídicos subjacentes. Os
títulos abstratos têm a alta função de permitir a negociabilidade dos créditos, elemento essencial da economia
hodierna (ANTOINE JtITZ, Le Plaeement coileetil, 95; JOUN R. COMMONS, Institutionol Economios, 892:
‘t. .this ‘was not enough for the merchanta. They needed also the legal pow~ to buy and seu debts”).
Os títulos abstratos permitem que se transfira a terceiro a cártula, desde o momento em que dela se está de
posse. Os títulos de crédito e todos os títulos negociáveis, inclusive os títulos em que se incorporam direitos
reais, servem a essa função de circulação dos direitos. Mas, enquanto os títulos em que se incorporam direitos
reais são ou podem ser titulas de garantia, os títulos cambiários, isto 4, a nota promissória e a letra de câmbio,
de modo nenhum se podem considerar titulos de garantia.

O mutuário, que faz notas promissórias, ou letras de câmbio, de modo nenhum, com a promessa da devolução.
do dinheiro, dá garantia. A devolução do dinheiro é característica do mútuo (Código Civil, art. 1.256: “O mútuo
é empréstimo de. coisas fungiveis. O mutuário é obrigado a restituir ao mutuante o que dêle recebeu em coisas
do mesmo gênero, qualidade e quantidade”>.
Quando é preciso juntar dinheiro de muitos para se prover ao financiamento de um, ou de alguns interessados,
torna-se difícil ir o mutuário ou irem os mutuários a diferentes endereços, para solver as dividas. É usual a
emissão de cheques correspondentes ao dia do vencimento, máxime quando há escritório que se encarrega da
apresentação dos cheques e entrega dos títulos. Nas relações entre mutuantes e mutuários não pode haver
coação ou pressão, se há emissão de cheques para pagamento, porque, a despeito de serem abstratos os títulos,
as exceções pessoais podem ser opostas pelos mutuários aos mutuantes, figurantes ditos em contacto (cf. Tomo
XXXIV, §§ 3.860 e 3.869; antes, Tratado Direito cambiário, 2.~ ed., 221 s.>.
Somente haveria ilicitude se o mutuante apresentasse o cheque, para receber a quantia, e apresentasse o titulo
cambiário, para também a receber, ou os endossasse como dois títulos sem a ligação do cheque à função de
pagamento da nota promissória.

6. ECONOMIA POPULAR E MÚTUO. No art. 49, ai), ~ parte, da Lei n. 1.521, de 26 de dezembro de 1951,
considera-se crime contra a economia popular “cobrar juros, comíssões ou descontos percentuais, sôbre dívidas
em dinheiro, superiores à taxa permitida por lei”. Trata-se de percentagem sôbre o capital emprestado, e não,
por exemplo, sObre os lucros previstos, ou a serem apurados, que o mutuário frua com a aplicação do que
recebeu. A percepção percentual poderia ser em sociedade e pode ser em mútuo parciário. Os. juros podem ser

MÚTUO
acima da taxa máxima se há álea, como é o caso dos arts. 683-665 do Código Comercial (contrato de dinheiro a
risco ou câmbio marítimo).
É crime contra a economia popular “obter ou estipular, nn qualquer contrato, abusando da premente
necessidade, inexperiência ou leviandade de outra parte, lucro patrimonial que exceda o quinto do valor
corrente ou justo da prestação feita ou prometida (Lei n. 1.521, art. 49, b). São pressupostos: o abuso, por parte
do infrator; o fato da necessidade. de dinheiro, ou da inexperiência, ou leviandade, por parte do~ ofendido; o
lucro patrimonial acima do que seria o valor corrente ou justo mais um quinto dêsse valor. Os contratos
parciários em que há percentual sObre o lucro, mesmo quadro igual, ou maior do que o que resta para o
recebedor do capital, de modo nenhum poderiam ser incluidos na classe dos contratos de que fala o art. 4•O, b),
porque o tecebedor digamos, nos mútuos parciários, o mutuário emprega o dinheiro alheio e presta parte do
que venha a lucrar.
O fato de não se deduzir do capital o interêsse provável põe em evidência a álea, no tocante aos lucros. É
possível que se obtenham lucros como é possível que falhem.

AÇÕES DERIVADAS DA RELAÇÃO JURÍDICA DE MÚTUO

§ 4.598. Ações do mutuante

1.AçÃo DECLARATÓRIA E AÇÃO CONDENATÓRIA. O mutuante pode propor ação declaratória no que
respeita ao quanto do crédito ou a qualquer outro ponto que lhe interesse e seja suscetível de resposta positiva
ou negativa de existência.
A ação condenatória supõe a exigibilidade do crédito. A restituição é feita ao mutuante (ou a seu representante),
ou à pessoa que êle indicara. Trate-se de terceiro a que se atribuiu a propriedade do título, trate-se de terceiro a
que o mutuante se referiu como o legitimado a receber o bem restituido, o mútuo acaba e a restituição supóe
que as relações jurídicas cessem.
Se ficou estabelecido que a restituição não fôsse de uma só vez (restituição gradual), só há pretensão a cada
momento em que se pode exigir a parte do que se mutuou.
O mutuante não pode exigir a restituição gradual ou por períodos se o contrato não o previu; nem o mutuário o
pode exigir se não o foi.
Se o mutuário não adimpliu como deveria ter adimplido. tem de ressarcir os danos ao mutuante. É devida a
diferença de valor do bem entre o momento em que teria de ser feita a restituição e aquêle em que se restituiu.

2. Para que o mutuante tenha ação executiva é preciso que já haja titulo judicial (sentença executável), ou o
crédito seja certo e líquido.

Se o mútuo é garantido, com isso não se faz bilateral, mesmo se quem presta a garantia é o mutuário ou se há
penhor de títulos. No penhor irregular (= mercantil), os títulos dados em garantia passam a ser propriedade do
mutuante, porém, ainda aí, não há bilateralidades. Há as ações oriundas do mútuo e as ações oriundas do
negócio jurídico de garantia.

§ 4.599. Ações do mutuário

1. AçÃo DECLÂRATÓRIA. O mutuário tem ação declaratória para que o juiz afirme ou negue a existência da
divida, ou de algum ponto que seja concernente à existência da dívida.

2. OUTRAS AÇÕES DO MUTUÁRIO. Se o bem mutuado tinha vícios e êsses vícios causaram danos ao
mutuário, o mutuante, sendo oneroso o mútuo, tem de indenizá-los, salvo se alega e prova que não teve
qualquer culpa. A simples ignorância dos vícios não o exime da responsabilidade. Se o mútuo é gratuito, dá-se,
no direito brasileiro, o mesmo. Cf. Código Civil italiano, art. 1.821.
Quanto à redibição, o mútuo oneroso permite-a, bem como a ação quanti minorís (Código Civil, arts. 1.101-
1.105.

MÚTUO
Em caso de tais vícios, sendo gratuito o mútuo, tem o mutuário a denúncia .
O mutuante, que vem a saber, após a entrega do bem mutuado, da existência do vício, tem o dever de comunicar
ao mutuário, respondendo pelos danos a êsse e aos terceiros. Mesmo que se trate de falsidade do dinheiro ou
dos títulos mutuados (H. DELINEURO, Pandekten, ~ 7~a ed., 238).
não estipulados; ou a do máximo dos juros, se estipuladas foram (cf. Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul,
4 de maio de 1950).
No Código Comercial, art. 252, estatui-se: “A quitação do capital dada sem reserva de juros faz presumir o
pagamento dêles, e opera a descarga total do devedor, ainda que fôssem devidos”. Coincide com isso o Código
Civil, art. 944, de que tratamos (Tomo XXIV, §§ 2.889, 5; 2.893, 2; 2.894, 2; 2.901, 2, 3; 2.965, 1; 2.981, 1).

4. PRÉ-CONTRATO DE MÚTUO. Há tendência, na doutrina, para se afastar a execução específica em se


tratando de pré-contrato de mútuo. Mas a execução especifica do pré-contrato de mútuo consiste, em primeira
plana, na conclusão do contrato. O contrato de mútuo, que resulte da ação executiva do pré-contrato, é que pode
ser executado especificamente. Ali, a res é o contrato; aqui, sim, a res é o dinheiro ou outro bem fungível que se
dê em mútuo.
3. CÓDIGO CIVIL, ÂRT. 1.263. Lê-se no Código Civil, art. 1.263: “O mutuário, que pagar juros não
estipulados, não os poderá reaver, nem imputar no capital”. Diz-se o mesmo no Código Comercial, art. 251,
porém com limitação a que não se tem de atender em todo o direito privado: “O devedor que paga juros não
estipulados não pode repeti-los, salvo excedendo a taxa da lei; e neste caso só pode repetir o excesso, ou
imputá-lo no capital”. Todavia, se o que foi prestado excedeu o limite máximo, que signifique ato ilícito
(usura), há a repetição. Se pagamento foi feito por terceiro, inclusive o herdeiro, há repetibilidade. Taxa da lei é
a taxa dos juros

EXTINÇÃO DA RELAÇÃO JURIDICA DE MÚTUO

5 4.600. Causas de extinção

1. A relação jurídica de mútuo extingue-se com a restituição, que o mutuária faça, do que recebera do mutuante,
ou com a restituição de parte e a indenização .
Se o mútuo é gratuito, o devedor pode, a qualquer momento, restituir o que recebeu. Áliter, se é com juros ou
outra prestação pelo mutuário, espécie em que o mutuário sem prazo certo tem de observar o art. 1.264 do
Código Civil.
A restituição pelo mutuário é do tant’undem eiusdem genona et qualitatis, e não daquilo que se entregou, pôsto
que também isso satisfaça a exigência de gênero e qualidade. Uma vez que o bem é fungível (vicem fungitur) e,
por vêzes, consumível, só se poderia pensar em restituição que não fôsse in individuo. O que, no depósito, seria
irregular, no mútuo é regular e essencial.
A restituIção pode ser de menos, se ao contrato de mútuo se colou contrato de doação de alguma quantidade,
como se parte do entregue no satisfaz requisitas exigidos pelo mutuário.
O dinheiro há de ser restituido conforme a unidade monetária que a lei fixar como medida comum de valor
(valor extrínseco, e não intrínseco).
O bem que se há de restituir há de ser do mesmo gênero (aliwt ejusdem penei-is). Pode-se restringir o gênero
(e. g., café da região tal, ações ao portador da emissão de 1962). O mútuo pode ser de genua Urititatum ou
subgênero. Não é mútuo entregar vinho para ser restituido em conhaque, porque ai se troca, não se mutua. Se o
mutuante presta cavalos ou automóvel, para que o outorgado venda e fique com o dinheiro em mútuo, há
mandato ou outra outorga de poder de venda e há mútuo, ou, se apenas se disse “podendo ficar com o dinheiro
em mútuo”, oferta de mútuo.
Se se deixa ao outorgante, ou ao outorgado, restituir o gênero, ou o gênero ou bem de outro gênero, à escolha
do ‘outorgante ou do outorgado, não há pensar-se em contrato de mútuo ou noutro contrato, conforme o que se
escolheu, porque não seria admissível que fôsse da eficácia que resultasse a natureza do contrato. Não se pode
deixar de considerar concluso o contrato (portanto, não há duas ofertas, alternativas; nem se pode esperar o que
é que se “restituirá”, para se saber o que foi que se contratou). Não se trataria de alternatividade das obrigações,
mas dos contratos, o que repugnaria àdogmática jurídica. Não se pode raciocinar a respeito de contrato (de qual

MÚTUO
contrato se trata) com os princípios que regem as obrigações alternativas. Está-se a discutir existência, e não
eficácia, plano posterior.
Mútuo, na espécie, foi o que se contratou. Apenas, no vencimento, se permite que, em vez do tantund,em, se
preste algo diferente; de modo que a escolha consiste em restituir-se o ‘que tinha de ser restituído, ou, com o
dinheiro, ou outro genus, adquirir o que se permitiu dar. Portanto, escolha, O contrato de mútuo não se alterou;
o que há é plus: o plus que a escolha suscita, eventualmente.
Uma das figuras que entram na categoria acima referida 4 a dos mútuos com o pacto de conversão em ações.
Empresta A a 5, sociedade anônima, x, com a permissão para S de, se aumentar o capital, restituir em ações.
Não há prõpriamente cláusula do contrato de mútuo. Há oferta de subscrição e aquisição de ações. Não importa
se as ações são da própria sociedade 5, ou de outra. Nem se a escolha é para o outorgado, mutuário, ou para o
outorgante, mutuante.
A restituição tem de ser de bem ou de bens da mesma ‘qualidade. Entenda-se: a qualidade a que o contrato,
explícita ~ou implicitamente, se refere. A mudança de valor do bem nutuado é sem conseqUências.
Pode ser inserta cláusula que atenda ao poder aquisitivo ‘do bem restituível, mas tal cláusula infringe o
principio nonalistico, em se tratando de moeda. Transformaria em divida de valor a dívida de pecúnia.
Se o mutuário tem de depositar o dinheiro do pagamento, as despesas com o depósito são por conta dêle, e não
do mutuante, tal como se daria em caso de depósito em consignação, inclusive se o adimplemento tem de ser
feito a terceiro (GERHARD VOM BUCI-IXA, Die indirekte Verpfiichtung zur Leistung, 4).

2. IMPOSSIBILIDADE DE RESTITUIÇÃO NÃO IMPUTÁVEL AO MUTUÁRIO. Se foram dados em


mútuo bens diversos do dinheiro, e há impossibilidade de restitui-los ou dificuldade extrema (e. g., proibição da
importação), sem causa imputável ao mutuário, tem êsse de prestar o valor, conforme o tempo e o lugar em que
se teria de operar a restituição. O mutuário recebeu os bens, fé-los seus, e agora não os pode restituir, por
impossibilidade de que não foi causador. Era adstrito à restituição em natura. Não o põe, sem que se lhe possa
imputar a impossibilitação. Em vez da res, presta o retium~.
Se o mútuo consistiu em dinheiro, pode acontecer que tenha sido posta fora de curso, ou ter sido de moeda que
foi recolhida. No mútuo de dinheiro, há sempre moeda que substituiu a outra, ou, excepcionalmente, a lei a
substituiu por títulos de crédito (e. g., conversão de moeda em títulos). Pràticamente, não há problema.
Acima falamos de “dificuldade extrema”, equiparando-a à impossibilidade. N~ se trata de excessiva
onerosidade (sem razão, FRALNCESCO MESSINEO, Dottrina generale dei contrattv, g•a ed., 419). Trata-se
de óbices materiais ou jurídicos, que só com sacrifícios extremos poderiam ser afastados.
Quanto ao dinheiro, o princípio nominalístico pré-exclui alegação de impossibilidade ou de extrema
dificuldade.
Se o dinheiro é de outro Estado, regem os princípios sôbre negócios jurídicos com prestação em moeda
estrangeira.
Se há mora do mutuário, ou se houve culpa do mutuário, ~hã a prestação com ressarcimento dos danos, além
dos juros moratórios.

3.INADIMPLEMENTO E RESILIÇÃO. Se o mútuo se concluiu com a entrega do bem e o mutuário deixa de


pagar os juros ou de adimplir algum dever, há a resilibilidade do contrato de mútuo.
Se o mutuário nia presta a garantia a que se refere o ad. 1.261 do Código Civil, nasce a pretensão à resi2ição do
contrato.
Se o mútuo é oneraso, qualquer falta de adimplemento, por parte do mutuário, faz nascer a pretensão à
decretação da resolução (Códiga Civil, art. 1.092, parágrafo único). Se o pagamento havia de ser em frações,
periódicas ou não, a omissão em pagar uma delas é suficiente, quer no mútuo oneroso quer no gratuito, para o
pedido, ali, de decretação de resolução do contrato e, aqui, de restituição integral, após denúncia, pois que se
vencem todas as dividas rateais.
O inadimplemento quanto aos interêsses permite que se peça a resolução do contrato. SM a contraprestação, no
trato de mútuo.
Não se pode falar de resolução do contrato, com invocação do ad. 1.092, parágrafo único, do Código Civil, se o
mútuo & gratuito, de modo que o pedido, se o mutuária deixou de pagar a fração da dívida, é de restituição
integral, e n~o de resolução (com razão, RoRmiTo DE RUG4flERO, Istituzioni, II, 6.~ ed.,.
261; sem razão, FRANCESGO MESSINF)O, Manuale, III, 195).
Se o mútuo é gratuito, não há a bilateralidade. Em con seqUência, n&o há a resolução, mas sim a restituiçAo

MÚTUO
em virtude do ato jurídico unilateral do mutuante, a que o inadimplemento causou prejuízo. Embora gratuito o
mútuo, o mutuante contava com a restituição parcial ou rateal; dai, a de núncioj cheia, que pode ser
manifestada pelo mutuante, se alguma obrigação deixou de ser cumprida, e o pagamento parcial é uma delas.

4. DENÚNCIA. Se o mútuo não foi com indicação do prazo, a relação jurídica termina com a denúncia vazia.
Nas espécies do art. 1.264, 1 e IX, do Código Civil, a denunciabilidade somente se dá se houve cláusula de
prorrogado na faltai de denúncia. Se nio houve tal cláusula e o mutuante não re clama contra a não restituição ,
há reindicação do eontrato.
Lê-se no art. 1.264 do Código Civil: “Não se tendo convencionado expressamente, o prazo do mútuo será: 1.
Até a próxima colheita, se o mútua fôr de produtos agrícolas, assim para o consumo como para a semeadura. II.
De trinta dias, pelo menos, até prova em contrário, se fôr de dinheiro. III. Do espaço de tempo que declarar o
mutuante, se fôr de qualquer outra coisa fungível”.

5. CONCURSO DE aRmaRES. Se do mutuário se abre concurso de credores, vence-se o mútuo. A situaçAo


patrimonial do devedor mudou e há restituiçào, antecipadamente, porque fio mais se justificaria o gêzo do
objeto pelo mutuário, inapto a solver integralmente as seus débitos.

6.DANOS DA MORA. Os juros são estipulados em cláusula do contrato de mútuo, ou em pacto separado,
antes ou depois da conclusio do contrato de mútuo. Se êsse não tinha a cláusula de juros, ou há novação do
contrato, ou modificação , ou o negócio juridico à parte x* atinge o contrato de mútuo.
Não importa como se concebe o pagamento dos j tiros (e. g., por semana, por mês, por trimestre, por semestre,
ou por ano). Pode haver diferença entre as prestações e os períodos.
Os pagamentos por conta imputam-se primeiramente nos juros, quanto baste para a solução dos vencidos
(Código Comercial, ad. 488, inciso 5).
Se o mutuário paga juros não estipulados, nM os pode reaver. Se pagou mais de seis por cento, pode repetir o
excesso ou imputá-lo no capital (Código Comercial, art. 251). O que a há de entender é que o mutuário os
devia, ou assumiu a divida de juros, e não que se pagaram por amizade, gratidão ou em retratação de serviço.
Desde que ocorre a mora do mutuário (ou, se mercantil o mútuo, desde que a interpelação judicial deu eficácia
à monO, são devidos os juros inoratórios sôbre o capital e os juros.
Lê-se no Código Civil, art. 1.061, que as perdas e danos,nas obrigações pecuniarias, consistem nos juros da
mora e custas, sem prejuizo da pena convencional. Estabelece o art. 249 do Código Comercial: “Nas obrigações
que se limitam ao pagamento de certa soma de dinheiro, os danos e interésses resultantes da mora consistem
meramente na condenação dos juros legais”. Primeiramente, advirta-se que os juros mora tórios podem ter sido
fixados abaixo ou acima da taxa legal. Em segundo lugar, havemos de interpretar o art. 249 do 06-digo
Comercial como ressalvante da pena convencional, à semelhança do Código Civil, art. 1.061. Ambas as regras
jurídicas só se referem a obrigações pecuniárias, sendo que a da lei comercial se limitou a falar do mútuo.
Porém, mesmo a respeito do mútuo, a atitude do intérprete do art. 249 do Código Comercial tem de ser a que
tiveram JosEr UNGER e 3. VON SCHEY diante do § 1.833 do Código Civil austríaco, finalmente seguida pelo
Tribunal Supremo da Áustria, O mutuante não tem de provar os danos se apenas cobrar os juros moratórios.
Tem, porém, o ônus de alegar e provar os danos que sofreu além da taxa legal dos juros moratórios, ou do que
se estipulou, no contrato de mútuo, como juros moratá rios. Sôbre o assunto, Tomo XXXIX, § 4.333, 8.

§ 4.601. Revogação

1.REVOGAÇÃO DO PRÉ-CONTRATO DE MÚTUO. O pré-contrato de mútuo é revogável pelo promitente-


mutuante se bê. perigo, devido a situação posterior do outorgado, em restituir o bem fungível que recebesse
(Tomo XXV, §§ 3.070, 5, e 3.076, 3).

2. CONTRATO DE MÚTUO. A revogação não pode dar-se se o contrato de mútuo é real, ou se foi concebido
como consensual. Sem razão, KARL LKRENZ <Lehrbuoh des Sohuldrechts, II, 155>, que estende ao contrato
consensual de mútuo a regra jurídica sôbre revogabilidade do pré-contrato de mútuo (Código Civil alemão, §
610). Nessas duas espécies, o mutuante pode exigir garantia (Código Civil, art. 1.261:
“O mutuante pode exigir garantia da restituição se antes do vencimento o mutuário sofrer notória mudança na
fortuna”).

MÚTUO
Parte II. Contrato de mútuo a risco

MÚTUO ARISCO OU CÂMBIO MARÍTIMO OU DE VIAGEM COMERCIAL

§ 4.602. Conceito e natureza do mútuo marítimo a risco

1.CONCEITO. O mútuo de dinheiro, ou de outro bem, a risco, é o mútuo em que o mutuante perde o direito à
retituição se o mutuário perde o bem, a propósito do qual se fêz o empréstimo. O elemento de álea. introduz-se.
O contrato de mútuo a risco pode ser empregado em qualquer viagem de bens, “pois interessa, não só aos
comerciantes de profissão, senão também a Uda a classe de pessoas que, pelas leis das nações e do país, não são
proibidas de dar o seu dinheiro a algum juro mercantil” (JoSÉ DA SILVA Lis-BOA, Princfpios de Direito
mercantil, II, 6.~ ed., 221).
O Código Comercial fere o ponto principal quando, no ad. 662, fala do privilégio especial dito, ali,
erradamente, “hipoteca”, como no ad. 638 e 658 que tem o mútuo a risco, quanto ao objeto a que se refere, e
diz que o mutuante “fica sujeito a perder todo o direito à soma mutuada, perecendo o objeto”, “no tempo e lugar
e pelos riscos convencionados”, e que “só tem direito ao embâlso do principal e prémio por inteiro no caso de
chegada a salvamento”.

2.CLÁUSULA DE RISCO. O contrato de mútuo a risco é contrato de mútuo, com a cláusula de risco e o
atendimento dos pressupostos subjetivos e objetivos que o caracterizam e atribuem o privilégio especial ao
crédito. No que concerne ao risco, se o caso, que se tem de examinar, não foi previsto nos arta. 688-664 do
Código Comercial, tem-se de resolver analogicamente, consultando-se a legislação sôbre seguros maritimos.
Aliás, a respeito dos seguros marítimos, também se permite a interpretação por analogia (art. 665: “Quando
sôbre contrato de dinheiro a risco ocorra caso que se ache prevenido neste Título, procurar-se-a a sua decisão
por analogia, quanto seja compatível, no Titulo Dos Seguros nuvritimos, e vice-versa”.
Não se trata de contrato de seguro, nem de contrato de compra-e-venda.
No seguro, o prêmio é recebido pelo segurador, e nada presta, antes. No mútuo a risco, o mutuante presta, e
talvez nada receba (nem capital nem interêsses), ou só receba parte. O prêmio, no seguro, tem de ser menor do
que o interêsse, no mútuo a risco, porque o risco é do capital e do interêsse. A chegada feliz, no seguro,
extingue a relação jurídica do seguro, sem que se haja de prestar. No mútuo a risco, a chegada feliz é que faz
nascer a pretensão ao capital e ao interêsse. O mútuo a risco é, de certo modo, o contrário do seguro.
As legislações muito confundiram o contrato de mútuo a risco e o seguro, porém isso não os tornou idênticos,
nem os poderia tornar. E. g., Preussisches Alígemeines Landrecht, § 2.359; Código Comercial português, art.
1.621; Código Comercial francês, arts. 316-318, 328 e 330; Código Comercial holandês, art. 576.
De modo nenhum se pode assimilar o mútuo a risco à compra-e-venda, considerando-se objeto da compra-e-
venda o valor invertido no navio ou na carga, ou num e noutro (e. g., E. P. BREMER, Hupothek und
Crundschuld, 73). Contra, acertadamente, O. SToBBE (Handbueh des dentsehen Privatrech,ts, fi, 2•a ed., 280),
B. MÂTTHIASS (Das Foenus nauticum und geschichtiiche Entwicklung der Bodmerei, 112 s.) e WILLIAM
LEWIS (Das deuteche Seerecht, ~ 2a ed., 5 s.).
A bem dizer-se, os interêsses são fundidos ao capital não são separados, como acontece com o capital e os
juros, no mútuo ordinário. O .foenus nauticum compreende os dois (CLAUDIUS SALMASIUS, De Usuris,
24). O interêsse, aí, é contraprestação do perigo, pretium periculi. Os limites, que teve o nautioum foenus e tem
hoje o mútuo a risco não são os dos juros; e, se o anatocismo era proibido, como pensoa M. 3.
HUDTWALCHER (Dissertatio de foenore nautico romano,
§ 9), só se podia explicar pela necessidade de se evitar a fraude à lei (cf. 1. G. GOLDSCHMIDT, De nautico
foenore, 33). Se o risco existe para outro mútuo que não seja o de viagem por mar, não se pode, hoje, fazer
qualquer diferença, desde que lícito seja (dito, outrora; quasi nautico foenus). Nem cabe’ a discussão que havia
em tôrno da L. 5, D., de nautico foenore,. 22,. 2< C. MOLINAUS, Tractatus commerczorum ei usurarum
redituum que pecvnia constitutorum ei monetarurt, 119, que’ via no quasi vautico foenore maior risco, isto é,
maior probabilidade de perda do que de ganho, diferença que CLAUDIUS SALMASIUS, De modo usurarum,
372 s., combateu).

MÚTUO
O mútuo a risco não pode ser a propósito de percursos de embarcações que só servem dentro do pôrto, ou da
baía. Nas viagens por terra, em países da extensão do Brasil, se há grande risco, nada obsta a que
analôgicamente se invoquem os princípios do mútuo a risco regido pelos arts. 633-665 do Código Comercial, a
respeito quer de percursos fluviais quer de percursos terrestres, como os que se fazem através de florestas, ou
por longas estradas. O que é preciso é que não haja a ilicitude ou a fraws legis, no tocante à lei de usura e a
outras normas jurídicas.

§ 4.603. Dados históricos

1.DIREITO GREGO. . Tem-se procurado assimilá-lo ao mandato e até à sociedade. Alguns o reputam contrato
mui generis, afirmação que em nada esclarece a figura. Aliás, é preciso repelir qualquer confusão com a
sociedade:
o contrato grego não se ligava ao lucro, pêsto que houvesse o interêsse, como em todos os mútuos onerosos. Os
comerciantes precisavam dos capitais para as suas compras fora e de certo modo garantiam com o que
empregavam na viagem o que se lhes emprestava (B. BÚCHSENSGIItYTZ, Der Besitz utui Erwerb mv
grieehischen Altertume, 486). Por outro lado, não havia o contrato de seguros marítimos, embora seja fora do
exame dos fatos chamar-se ao mútuo marítimo gêmeo do seguro (B. M. EMÊRIC.ON, TraiU des Assurances et
des Contrata à la grosse, II, 377). No seguro, o segurador cobre o dano; no mútuo a risco, de modo nenhum: o
dano, sofrem-no os dois, o mutuante, que perde o capital e os interêsses, e o mutuário, porque os bens eram
seus. A álea, ali, é para o segurador; aqui, para ambos.
No direito grego, o mútuo a risco servia ao armador e a quem ia comprar mercadorias, ou vendê-las. Ás vêzes,
era feito durante a viagem, em caso de avarias ou de outras circunstáncias .
O mutuário, armádor do navio, podia tomar a risco sôbre o navio, com ou sem as pertenças. Em pleito contra
Polides, DEMÓSTENES (§ 55) fala de pedido de mútuo a risco (R. DA-RESTE, Du Prêt á la grosse chez les
Athéniens, 10, e PlaS~d~oyers civile de Dernosthênes, 257; E. CAILLEMER, em DAREM311W e SAGLIO,
Dtctionnaire eles Antiquités greeques ei romolnes, verbo “foenus”, 1221; A. BÓCKH, Die Staatshaushaltuato
der Ãth.ener, 1, 167; contra, sem razão, DE VRIES, De foeflerLt aa’utid contractu inre attico, 43, que não via
no texto mútuo a risco). Fôra feito pelo tetrarca Apolodoro a Polides, para cobrir pertenças do navio, que eram
suas, pôsto que do Estado fôsse o navio.
O frete pode ser o objeto do risco, recaindo sôbre Me o privilégio (E. PLATNEB, Der Prozess und die Klagen
bei den Antikern, II, 303; R. DAXESTE, Du Prét à la grosse, chez Les Âthéniens, 9).
Os riscos eram os do mar.
Os interesses eram pagos com o capital, e não periodicamente .
Perecidos os objetos, extinguia-se a divida.

2.DIREITO ROMANO. Se o mutuante acha que o empréstimo é perigoso, porque o bem ou os bens com que o
mutuário poderia solver, ou dos quais poderia tirar lucro, estão expostos a riscos, é compreensível que exija
juros mais altos, assumindo o risco que regularmente seria do mutuário. Em conseqUência disso, deixa de ser
credor da restituição se ocorre o que temia, O mútuo para viagem por mar, correndo o risco o mutuante, que, se
a nave não chegava ao lugar do destino, perdia o direito à restituição, o foenus nanticum ou traiecticiiL pecunia
foi o primeiro caso e continuou sendo o mais importante. A L. 5, pr., D., de nautico faenore, 22, 2 (CÊVOLAj,
cogitou de outras espécies: “Periculi pretium est et si condicione quamvis poenali non exsistente recepturus sis
quod dederis et insuper aliquid praeter pecuniam, si modo in aleae speciem non cadat: veluti ea, ex quibus
condictiones nasci solent, ut ‘si non manumittas’, ‘si non illud facias’, ‘si noni convaluero’ et cetera, nec
dubitabis, si piscatori erogaturo mx apparatum plurimum pecuniae dederim, ut, si cepisset, redderet, et athletae,
unde si exhiberet exerceretque, ut, si vicisset,, redderet”. Muitas palavras do texto são objeto de
discussoesAlude-se ao preço do risco e fala-se do dinheiro que se presbt ao pescador, para que, se pescar,
restitua, e ao atleta, para que se mantenha e exercite, devolvendo-o, se vencer. O que se havia de evitar era a
dissimulação da aposta. Note-se que no contrato de mútuo a risco se permitem juros acima da taxa legal, por
isso mesmo que há a assunção do risco. Interêsse náutico, nauticunv foenus, que escapava à regra jurídica da
usura, porque o capital, no seu trajecto, se expunha (pecunia traiecticia), mesmo se o dinheiro se convertia em
outros bens, para a viagem (MODESTINO, L. 1, D., de nautico faenore, 22, 2). Quando o risco não era de
navegação, como se apenas se emprestou dinheiro para algum negócio arriscado, falava-se de foenus qua.si
na’uticum, pOsto que, às vêzes, se chame quasi nauticum o interêsse pelo mútuo para viagem não-marítima (cf.

MÚTUO
B. MATTHIASS, Das Foenus nauticum und geschichtliche Entwicklung der Bodmerei, 22).
No Digesto, diz-se faenus, e não foenus. Poenrus, ou fae’nus, 1 enus, feno (erva), produto, juros; com a mesma
origem, defendere, feliz (felix).
As controvérsias quanto aos truncamentos da L. 5 foram grandes. Para L. GOLDSCHMIDT (Untersuohungen
zur L. 122, § 1, D., de verborum obligationilnes, [45, 1], 24 e 27) e outros (como PH. E. MUSCHKE, R. voN
JHERING e li. DERNEURO), o dinheiro, embora dito trajecticio, não precisava estar na nave ou ser empregado
nela. Sôbre a evolução que se teria opera-~ do, B. MA’rrrnÂss (Das Foenus nauticum, 18 s.). Contra,
II.SíEvEKíNa (Das Seedarlehen dos Altertums, 34 s.), que sustentou ser necessária a travessia do capital (fôsse
dinheiro, ou outro bem), tal como pensava 1<. BÍICUEL (Das gesetztiohe Zinsmazimum beim foenus nauticum,
41).

A permissão de interêsses mais elevados justifica-se pela assunção do risco (PAULO, L. 7, D., de nautico
faenore, 22, 2).
Discutiu-se se o foenus nauticum era mútuo, ou se o não era. Mas em verdade era mútuo. Se não ocorria o que
se tinha como perigo, tudo se regulava pelo mútuo, mesmo quanto aos riscos (L. 4, D., de nautico faenore, 22,
2).
~ A perda do capital e a perda da nave não podia ser separada (“salva nave”, “salva pecunia”)? A solução é
admitir-se que a liberação seria parcial, considerando-se nave e capital como um todo.
Na Idade Média latina, falava-se de câmbio maritimo ou contrato de dinheiro a risco, de prestito a cambio
rnarittimo, de ~prêt á la grosse aventure. A tendência era para se pensar em gravame dos bens, em hipoteca ou
em penhor. A expressão “‘letra de risco” é velha na língua portuguêsa.
As condenações de teólogos e juristas quanto aos prêmios dos mútuos a risco foram postas de lado pelo Alvará
de 5 de maio de 1810. Já no Império do Brasil, a Lei de 24 ‘.de setembro de 1882 voltou à não-taxação de juros
máximos para quaisquer mútuos.
A limitação veio mais tarde, após a primeira guerra.

3.DIREITO BRASILEIRO. No Código Comercial, art. 683, define-se o contrato de empréstimo a risco ou
câmbio marítimo como contrato pelo qual o “dador estipula” e pois o tomador (mutuário) promete “prêmio
certo e determinado por preço dos riscos do mar que toma sôbre si”, que sofra o objeto, “sujeitando-se a perder
o capital e prêmio se o dito objeto vier a perecer por efeito dos riscos tomados”. Alude-se, sem qualquer
pertinência, a “hipoteca especial”. Hipoteca está em vez de “privilégio”. Cf. Código Comercial, arts. 651-
-658; Decreto-lei n. 7.661, de 21 de junho de 1945, art. 102, ~ 2.~, ~, 2a parte.

§ 4.604. Natureza do mútuo a risco

1.BILATERALIDADE. O contrato é bilateral, de ordinário é real, mas pode ser c.onsensual, e nada obsta a
que se conclua pré-contrato de mútuo a risco. Aleatório e sob condição resolutiva. Além disso, contrato sujeito
a formalidades,para eficácia contra terceiros, como resulta do Código Comercial, art. 683, verbis “só pode
provar-se por instrumento público ou particular”, “o qual será registado”, na Junta Comercial, “dentro de oito
dias da data da escritura ou letra”. “Se o contrato tiver lugar em país estrangeiro por súditos brasileiros, o
instrumento deverá ser autenticado com o visto do cônsul”, “se aí o houver”. “E em todo o caso anotado no
verso do registo da embarcação se versar sôbre o navio ou fretes”. “Faltando no instrumento do contrato alguma
das sobreditas formalidades, ficará êste subsistindo entre as próprias partes, mas não estabelecerá direitos contra
terceiros”. O contrato é escrito. As formalidades a mais são para eficácia contra terceiros.
No mútuo a risco há condição resolutiva do dever de restituição.
O mútuo pode ser feito ao pescador, ao que transporta boiadas ou grande número de cavalos para os vender em
lugares distantes, ao atleta que vai entrar em campeonato.

2. COMERCIALIDADE. O mutuante, que é o dador do bem a risco, pratica ato de comércio, e há de satisfazer
os requisitos de capacidade. Quase sempre são os bancos e pessoas, sem estabelecimento comercial, mas que
fazem tais negócios, os mutuantes.

§ 4.605. Pressupostos subjetivos e objetivos do contrato de mútuo a risco

MÚTUO
1. PRESSUPOSTOS NECESSÁRIOS. Diz o Código Comercial, no art. 634, alínea l.a: “O instrumento do
contrato de dinheiro a risco deve declarar: 1. A data e o lugar em que o empréstimo se faz. 2. O capital
emprestado e o preço do risco, aquêle e êste especificados separadamente. 3. O nome do dador e o do tomador,
com o do navio e o do seu capitão.
-4.O objeto e o efeito sôbre que recai o empréstimo. 5. Os riscos tomados, com menção específica de cada um.
6. Se o empréstimo tem lugar por uma ou mais viagens, qual a viagem, e por que têrmo. 7. A época do
pagamento por embôlso, e o lugar onde deva efetuar-se. 8. Qualquer outra cláusula em que as partes
convenham, contanto que não seja oposta à natureza dêste contrato, ou proibida por lei”.

Na 2.~ alínea do art. 634 do Código Comercial, acrescenta-se: “O instrumento em que faltar alguma das
obrigações enunciadas, será considerado como simples crédito de dinheiro de empréstimo ao prêmio da lei, sem
hipoteca nos efeitos sôbre que tiver sido dado, sem privilégio algum”. Em lugar de “sem hipoteca”, leia-se “sem
privilégio especial”.

2.FORMA. O contrato de mútuo a risco é, como gênero, contrato de mútuo, pecunia credita. Se algum dos
pressupostos especiais falta, como o de forma, o que fica, como simples negócio jurídico de crédito, pode ser e
valer (WILLIAM LEWIS, Das deutsche Seerecht, II, 2.~ ed., 16). O credor deixa de ter, com isso, o privilégio
especial, e não escapa às regras jurídicas sôbre limitação de juros e sôbre usura. Discutiu-se se ficavam os juros
conforme a taxa legal, ou se caia todo o quanto de interêsses, do “prémio”, porque só se destinava à cobertura
aleatória. Ora, o mútuo supõe-se gratuito. Se, além do “prêmio”, não havia juros, de juros não se há de cogitar.
No ad. 686 e 638 do Código Comercial fala-se de “escritura ou letra de risco”. Exige-se ser escrito o contrato.
Mais:
ser por escritura pública, ou por letra de risco, título cambiariforme. Afasta-se o princípio Locus regit actum.
Com a exigência da escritura pública, ou da letra de risco, foge-se ao que mais se segue nos outros sistemas
jurídicos (e. g., no direito inglês, D. MACLACHLAN, A Treatise on Me Law of Merchant Shipping, 3~8 ed.,
59).
O instrumento público pode ser feito no cartório do tabelião, ou no escritório do corretor de fundos; o
instrumento particular, pelo escrito ou dactilografia, assinado pelos figurantes, ou como título cambiariforme,
que é a letra de risco, semelhante à letra de câmbio, na qual sacador é o mutuante a risco e é tomador o
mutuário a risco.

3.QUEM PODE CONCLUIR CONTRATO DE MÚTUO A RISCO.


O contrato de mútuo a risca pode ser concluído pelos armadores e viajantes do mar que vão comprar, ou vender,
como também se, em vez de nave, é de aeroplanos, ou de ônibus, ou de outro transporte que se trata. Bem
assim, nas circunstâncias dos arts. 515-518 do Código Comercial, pelos capitães,. pilotos e condutores de
veículos.

Se o outorgado pode dispensar o empréstimo a risco, por ser fácil outro meio de obter suprimentos, pecuniários
ou fio, diz-se voluntário; e necessário , ou, melhor, por necessidade, se as circunstâncias impuseram a
conclusão do contrato, quase sempre ao capitão do navio, ou ao piloto do avião, ou ao condutor do veículo.
Ao capitão incumbe levar o navio aos portos de destino, dirigi-lo e conduzir-lhe a carga, evitando-lhe avarias e
perdas. t de supor-se, hoje em dia, que não lhe faltem os recursos para isso, ou porque possa, nos portos, sacar
contra a companhia, ou porque lhe seja fácil comunicar-se com ela, ou porque ao agente local caiba atender às
suas necessidades de dinheiro. A correspondência rápida, aérea, telefônica, ou telegráfica, talvez lhe baste em
circunstâncias menos favoráveis. Marcada pela idade que tem, a velha regra do dinheiro a risco espontou no
Código Comercial, arts. 515 e 516. Se, durante a viagem, lhe faltam fundos e não está presente algum dos
proprietários da embarcação, mandatários, ou consignatários, ou, na falta dêles, algum interessado na carga, ou,
se, presentes, não providenciam, pode o capitão contrair dívidas, tomar risco sôbre o casco e pertenças do
navio e remanescentes dos fretes, depois de pagas as soldadas (privilégio, não garantia real). Até mesmo, na
falta absoluta de outro recurso, vender mercadorias da carga (ou dar em garantia), entenda-se, sempre que tal
dinheiro seja para reparo ou provisão da embarcação. Tem êle de explicitar nos títulos das obrigações, que
contraia, a razão por que as contrai <Código Comercial, art. 515, alínea 1a)~ Contudo, para assumir obrigações

MÚTUO
de tal guisa, o capitão precisa de justificação prévia. É de tal justificação que cogitam os arts. 754 e 755 do
Código Comercial. Não há gradação nas obrigações.
O art. 754 reproduz o art. 516 do Código Comercial, que é, por sua vez, mildeamento dos pressupostos do ad.
515 mais o da deliberação, na forma da lei comercial, art. 504. Está claro que o instituto só se refere ao dinheiro
tomado pelo capitão, e não ao tomado por alguma das pessoas mencionadas no art. 754, III, do Código de
Processo Civil. A obrigação não pode ser garantida por hipoteca do navio (Decreto n. 15.788, de 8 de novembro
de 1922, art. 14), por ser restrita ao proprietário ou ao seu representante com Poderes especiais.
Não vale a convenção contra as regras jurídicas dos arts. 515 e 516 do Código Comercial. São de direito
cogente.
-O mútuo a risco pode ser para evitar arresto do navio ou da carga, ou para que se substitua o bem arrestado
(LORD TEUTERDEN ABBorr, A Treatise of Me Law relu,tive to Merdw.nt Ships and Seazinen, 123 cd., 114).
O consignatário não tem legitimação para contratar mútuo a risco.
Se há condomínio do navio, ou de outro veículo, no mútuo a risco têm de figurar todos os condôminos; ou cada
um dêles somente pode submeter ao privilégio especial a sua parte indivisa.
No direito brasileiro, o capitão ou quem a êle corresponda somente pode tomar empréstimo a risco “durante a
viagem”. Tal regra jurídica resulta da natureza da própria destinação do empréstimo e não poderia o capitão,
antes da partida, isto é, antes de deixar o pôrto da matricula, contrair mútuo a risco.

4.DATA E LUGAR EM QUE O EMPRÉSTIMO SE FAZ. A data e o lugar têm, além da função de
determinação espaço -temporal, a de fixação da transferência do risco.

5.OBJETO DO MÚTUO A RISCO (CAPITAL E INTERESSES ).


O objeto do mútuo a risco é, de ordinário, o dinheiro. Pôsto que possam ser entregues bens diferentes, não-
pecuniários, êsses bens têm de ser estimados, para que se saiba o que se há de restituir em dinheiro (Código
Comercial, arte. 633 e £43). Lê-se no art. 683, 23 alínea: “É permitido fazer empréstimos a risco não só em
dinheiro, mas também em efeitos próprios para o serviço e consumo do navio, ou que possam ser objeto de
comércio”, isto é, que possam ser vendidos para se obter o dinheiro; “em tais casos, a coisa emprestada deve ser
estimada em valor para ser paga com dinheiro”. A redação é má. Não se paga o objeto que se prestou; paga-se a
quantia da estimação.
A destinação servir à viagem e às inversões do negócio para o qual se faz a viagem é elemento intrínseco. Não
é preciso que se trate de “extraordinária necessidade” do
navio, ou da carga (ou de outro veículo), para que haja o contrato de mútuo a risco. JosÉ DA SILVA COSTA
(Diíreito Comercial Maritimo, II, 407 s.) confundiu o gênero do contrato de mútuo a risco, que se regula nos
arts. 633-664 do Código Comercial, com uma das espécies, que é o contrato dos arts. 515-518do Código
Comercial, contrato que depende de circunstâncias extraordinárias, apontadas no art. 515.
Os Alvarás de 14 de fevereiro de 1609 e de 23 de agôsto de 1623 foram hostis aos mútuos a risco a navegações
de ultramar. O primeiro tinha por fito “atalhar com remédio conveniente aos grandes danos e inconvenientes”
de “tomarem os homens do mar a risco das ditas naus e navios da navegação da Índia”. O segundo, referindo-se
ao primeiro, disse que o tempo havia “mostrado convir muito ser esta lei geral, de maneira que compreenda
tôdas as naus e navios e mais embarcações que navegarem para quaisquer dos portos”. A razão da lei: desde
1609 haviam sido tomados “muitos navios, caravelas e~ outras embarcações das que navegam para as outras
partes e portos das conquistas dêste reino e vendidos aos inimigos, sem se defenderem déles”. A causa da
omissão era a de “os homens do mar tomarem dinheiro a responder a risco dos ditos navios e embarcações e
cascos dêles”.
O Alvará de 11 de maio de 1655 regulou a avaliação dos navios, caravelas e embarcações, que tivessem de
empreender viagem ultramarina, para se fixar a quantia até a qual se poderia “tomar sôbre a tal embarcação
dinheiro a responder”. “As embarcações ordinàriamente são de terceiras pessoas e os mestres têm nelas a menor
parte, e muitas vêzes nada”. Daí a regra jurídica de que “nem até a quantia da avaliação” poderem tomar
dinheiro, “sem consentimento especial, para cada partida, de todos os donos da embarcação, ou de seus
bastantes procuradores”.
O Alvará de 16 de janeiro de 1757 fixou a taxa legal de juros, excluído o mútuo a risco por prazo de, pelo
menos, um ano.
Se não se cogitou de interêsses no contrato, ou há doação, sob condição resolutiva (cp. Código Civil, art.
1.174), ou contrato de mútuo, com a cláusula de extinção da dívida se houver perda.

MÚTUO
Quanto aos interêsses, ditos “prêmio”, estatui o art. 659-do Código Comercial: “É livre aos contraentes
estipular o prêmio na quantidade e o modo de pagamento que bem lhes. pareça, mas, uma vez concordado, a
superveniência de risco não dá direito a exigência de aumento ou diminuição do prêmio; salvo se outra coisa fôr
acordada no contrato”.

6.BENS SUJEITOS AO PRIVILÉGIO ESPECIAL. Bens sujeitos ao privilégio especial são os bens cujos
riscos são assumidos pelo mutuante. Emprestou, mas só recebe se êsses bens não foram perdidos, ou só recebe
em parte se só em parte se perdem. O art. 689 do Código Comercial explicita: “O empréstimo a risco pode
recair: 1. Sôbre o casco, fretes e pertences do navio. 2. Sôbre a carga. 3. Sôbre a totalidade dêstes objetos
conjunta ou separadamente, ou sôbre uma parte determinada de cada um dêles”. Acrescenta o art. 640, 13, 2~a e
alíneas: “Recaindo o empréstimo a risco sôbre o casco e pertences do navio, abrange na sua responsabilidade o
frete da viagem respectiva. Quando o contrato é celebrado sôbre o navio e carga, o privilégio do dador é
solidário sôbre uma e outra coisa. Se o empréstimo fôr feito sôbre a carga ou sôbre um objeto determinado do
navio ou da carga, os seus efeitos não se estendem além dêsse objeto ou da carga”. A 23 alínea impunha-se, em
boa técnica legislativa (C. VON KALTENBORN, Grundsíitze des praktisch,en europdúohen Seerechts, II, 258;
WILLIAM LEWIS, Das deutsohe Seerecht, fl, 2.a ed., 26). Se o navio ou a carga pertence a diferentes pessoas,
pode haver entre êles ação de regresso pro rata (WILLIAM LEWIS, II, 26; diferente, na Inglaterra, D.
MACLACHLAN, A Treatise of Loa» of Merchani Skipping, 33 ed., 153).
A propósito do mútuo a risco, convém afastar-se o lii-conveniente da imprecisão com que, de ordinário, os
juristas falam de ser da essência do mútuo a risco a ligação a algum objeto ou a alguns objetos que vão correr
risco. ~ De que ligação se trata? Nos sistemas jurídicos, que estabeleceram a gravação do objeto ou dos objetos,
essa ligação seria a de haver direito real de garantia que necessàriamente lhe corresponderia. Nos sistemas
jurídicos em que apenas se preestabeleceu o privilégio especial, mais se trata de previsão do que de atualidade.
Se o crédito produzir a pretensão, em vez de extiuguir-se de todo, o credor poderá sustentar o privilégio
especial. Supõe-se, portanto, futuro em que a lei seja a mesma. Isso faz vir à tona delicado problema de direito
intertemporal. De regra, os privilégios especiais e gerais não são direitos adquiridos, razão por que só se
exercem quando se abrem os concurso e de credores. A respeito, cumpre ler-se o que escrevemos no Tomo
XXII, § 2.683, 2, onde mostramos o que é direito acessório e frisamos que o privilégio é qualidade do crédito, e
não direito acessório ao crédito, como seria o penhor ou a hipoteca. ~, O privilégio especial, que as leis
atribuem ao crédito de mútuo a risco, foi feito, excepcionalmente, direito acessório?
Certamente, o mutuário pode hipotecar ao mutuante a risco o navio e constituir penhor mercantil sôbre bens da
carga, ou outros bens; então, com isso, se criaria direito acessório . Mesmo no direito grego, onde expressões de
gramáticos (não juristas) podiam fazer crer-se em ligação essencial a .direito acessório, o pleito de
DEMÕSTENES contra Policies (§ 17) mostra que o mútuo a risco tomado pelo capitão Nicipo .em Apolodoro
não tinha qualquer garantia. No pleito contra Forniion (§ 6), vê-se que fôra garantida a viagem de ida e não a de
volta (cf. R. DARESTE, Dii Prêt à la grosse chez Les Athéniens, 9; H. SIEVEKING, Das Seedarlehen, 19 s.).
No direito grego, já todos os bens do mutuário a risco respondiam pelo mútuo a risco, pôsto que não houvesse
sôbre todos o privilégio especial: era chamado porque havia a referência aos riscos e a necessidade de haver
bens que suportassem a execução.
O mútuo a risco pode só ter privilégio especial sôbre parte do navio, pois só houve referência a essa parte.
A avaliação das mercadorias, se não é feita no contrato de mútuo a risco, tem de o ser como se faz em caso de
seguro (Código Comercial, art. 665).
A Bodmerei germânica teve espécime notável na gheldt .oj> ships bodem holandesa (cf. Estatuto de Amsterdão
de 13 de agôsto de 1527 e Ordenança holandesa de 29 de janeiro de 1529, cap. 19).
Cumpre observar-se que, no direito brasileiro, a despeito de tacteamentos, se afastou qualquer concepção de
penhor do navio ou da carga. A fortiori, o princípio Res soluon obligata est. Quem se vincula é o mutuário a
risco, sem gravame do bem. Com isso se repeliu o que escreveram K. Fa. EICEHOLIN (Einleitung in das
deutsehe Priavtrecht, § 116), M. PÕRLS (Seereoht, III, 818 e 840) e A. DE COURCY (Questione de Droi.t
maritime, 1, 32, e II, 114) ; com ainda mais forte razão, os absurdos de se ter o navio como pessoa ou algo para
se tratar como pessoa (respectivamente, CRES?, Cours de Droit marttime, 1, 59, e A. DESJARDINS (7’raité
de Droit commercial viaritime, 1, 84).

7. RISCOS TOMADOS. Diz o art. 637 do Código Comercial: “Se no instrumento do contrato se não tiver feito
mepção específica dos riscos com reserva de algum, ou deixar de se estipular o tempo, entende-se que o dador

MÚTUO
do dinheiro tomara. sôbre si todos aquêles riscos marítimos e pelo mesmo tempo, que geralmente costumam
receber os seguradores”.
No art. 643, alíneas 13 e 23, do Código Comercial, estatui-se que “o tomador que não carregar efeitos no valor
total da soma tomada a risco é obrigado a restituir o remanescente ao dador antes da partida do navio ou todo se
nenhum empregar; e se não restituir, dá-se ação pessoal contra o tomador pela parte descoberta, ainda que a
parte coberta ou empregada venha a perder-se (art. 655). O mesmo terá lugar quando o dinheiro a risco fôr
tomado para habilitar o navio, se o toma--dor não chegar a fazer uso dêle ou da coisa estimável, em todo ou em
parte”.
As espécies de que fala o art. 643 do Código Comercial só se referem às relações jurídicas entre mutuário a
risco e mutuante a risco, ditos, ali, “tomador” e “dador”. t óbvio que o mutuante a risco, que se conluiara, ou
estava de má fé, não tem a ação de que ali se trata. Aliás, afaste-se qualquer interpretação que veja o art. 643
como contendo regras jurídicas sôbre validade. O contrato é e vale (com razão, J. CAUvET, Traité des
Assurances maritimes, 1, 155; A. DE COURCY, Ques-. tions de Droit maritime, 34). De modo nenhum se pode
invo car o art. 643 contra o endossatário de boa fé. A letra de risco é titulo abstratizado, como, hoje, a duplicata
mercantil.
Diz o art. 645 do Código Comercial: “Se ao tempo do sinistro parte dos efeitos objeto de risco já se achar em
terra, a perda do dador será reduzida ao que tiver ficado dentro do navio; e se os efeitos forem transportados em
outro navio para o pôrto do destino originário (art. 614), neste continuam os riscos do dador”.
O Alvará de 24 de julho de 1793 resolveu, acertadamente, que, sendo de menos que o valor do navio ou da
carga, ou do navio e da carga, o mútuo a risco, se, além da soma mutuada, que estava a bordo, havia valôres que
podiam ser vendidos e se venderam “no curso da viagem e nas diferentes escalas”, não fica obrigado pelo que
vendeu o mutuário.

8.PERCURSO A QUE O MÚTUO A RISCO SE REFERE. Desde as suas mais remotas origens, o mútuo a
risco somente se entende para viagem e depende do percurso a que a viagem corresponde. Daí a exigência do
art. 634, inciso 6, do Código Comercial. No art. 638, 13 e 23 partes, foram incertas duas regras jurídicas
dispositivas: “Não se declarando na escritura ou letra de risco que o empréstimo é só por ida ou só por volta, ou
por uma e outra, o pagamento, recaindo o empréstimo sôbre fazendas, é exequível no lugar do destino destas,
declarado nos conhecimentos ou fretamento; e se recair sôbre o navio, no fim de dois meses depois da chegada
ao pôrto do destino, se não aparelhar de volta”.
O mútuo a risco pode ser por viagem de ida, ou de voltar ou de ida e volta, com tempo determinado. As
estadias, mesmo quando demoram mais do que se previa, não interrompem a. viagem.
O risco do mútuo pode não coincidir com o risco do navio” e da carga. Por exemplo: a escala seria A, B e D, e o
navio-fêz A, 13, C e D. O mútuo não correu risco entre 13 e C, salvo no que o caminho para C era o caminho
para. D.
No tempo do risco compreende-se o do desembarque (NEWSON, A Digest ol the Law of Shipping and of
marine Insurance, 2a ed., 144).

VALIDADE E EFICÁCIA DO CONTRATO DE MÚTUO A RISCO

§ 4.606. Pressupostos de validade

1.VALIDADE E INvALIDADE. O contrato de mútuo a

risco exige todos os pressupostos sem os quais seriam nulos ou anuláveis os outros contratos. A incapacidade, a
ilicitude e a impossibilidade, a falta de forma ou de solenidade e outras infrações são comuns. Todavia, há, a
mais, o art. 65~, 13 e 2.8 alíneas, do Código Comercial, que estabelece: “É nulo o contrato de câmbio marítimo:
1. Sendo o empréstimo feito a gente da tripulação. 2. Tendo o empréstimo somente por objeto o frete a vencer,
ou o lucro esperado de alguma negociação, ou um e outro simultânea e exclusivamente. 3. Quando o dador não
corre algum risco dos objetos sôbre os quais se deu o dinheiro. 4. Quando recai sôbre objetos, cujos riscos já
têm sido tomados por outrem no seu inteiro valor (art. 650).

MÚTUO
5. Faltando o registo, ou as formalidades exigidas no art. 516 para o caso de que aí se trata. Em todos os
referidos casos, ainda que o contrato não surta os seus efeitos legais, o toma-dor responde pessoalmente pelo
principal mutuado e juros legais, pOsto que a coisa objeto do contrato tenha perecido no tempo e no lugar dos
riscos”. Primeiramente, observemos que a sanção somente concerne à assunção de risco, e não ao contrato. O
mútuo houve, e o mútuo vale. Não é válida ou não é eficaz a cláusula de assunção do risca. Rigorosamente, há
validade da cláusula ou das cláusulas típicas se ocorre o que ~e prevê no art. 656, incisos 1, 2, 3 e 5, 2.8 parte; e
ineficácia da cláusula ou das cláusulas, nos casos do art. 656, incisos 4 e 5, 13 parte. De qualquer modo,
nenhum efeito da cláusula ou das cláusulas típicas se pode esperar.

2.EMPRÉSTIMO TOMADO PELO CAPITÃO OU PESSOA QUE LHE CORRESPONDA. No art. 652, o
Código Comercial previu o empréstimo pelo capitão (pilôto ou condutor de veículo, conforme a interpretação
analógica) “O empréstimo de dinheiro a risco sôbre o navio tomado pelo capitão no lugar do domicílio do dono
sem autorização escrita produz ação e privilégio sômente na parte que o capitão possa ter no navio e frete; e não
obriga o dono, ainda mesmo que se pretenda provar que o dinheiro foi aplicado em beneficio da embarcação”.
A despeito da referência ao privilégio (que é especial), a espécie é de regramento de eficácia, e não de validade.
O contrato de mútuo a risco vale e é relativamente eficaz. O art. 652 afasta a pretensão do mutuante a risco,
contra o proprietário, ou quem lhe faça as vêzes, pelo enriquecimento injustificado; não, porém, a pretensão
pelo enriquecimento injustificado que possa ter o capitão, ou pessoa a êle equiparada, contra o dono do meio de
transporte, ou quem lhe faça as vêzes.

§ 4.607. Eficácia do mútuo a risco

1.RECISTO ou VISTO. Se faltou o registo oportuno, ou o visto, o crédito não tem o privilégio especial
(Código Comercial, arts. 688 e 658). Cf. arts. 515 e 516. Trata-se de exigência de publicidade. Só a eficácia
quanto a terceiros é que se pré-elimina (WILLIAM LEwIS, Das deutsche Seerecht, II, 23 ed., 15 s., nota 2,
sôbre o art. 688 do Código Comercial brasileiro).

DO MÚTUO A RISCO. No contrato de. de determinar a data do pagamento e o’ de fazer (Código Comercial,
art. 684

2. VENCIMENTO mútuo a risco tem-se lugar em que se há inciso 7).


Lê-se no art. 660 do Código Comercial: “Não estando fixada a época do pagamento, será êste reputado vencido
apenas tiverem cessado os riscos. Dêsse dia em diante correm para o dador os juros da lei sôbre o capital e
prêmio no caso de mora, a qual só pode provar-se pelo protesto”. Entenda-se:
a mora só é eficaz com o protesto, conforme os princípios do Código Comercial.

3.RESPONSABILIDADE CRIMINAL DOS FIGURANTES. “Se entre o dador a risco e o capitão se der
algum conluio por cujo meio os armadores ou carregadores sofram prejuízo, será. êste indenizado
solidàriamente pelo dador e pelo capitão, contra os quais poderá intentar-se a ação criminal que competente
seja” (Código Comercial, art. 654).9
“Incorre em crime de estelionato o tomador que recebe? dinheiro a risco por valor maior que o do objeto do
risco, ou quando êste não tenha sido efetivamente embarcado (art. 643) e no mesmo crime incorre também o
doador que, não podendo ignorar esta circunstância, a não declarar à pessoa a quem endossar a letra de risco.
No primeiro caso, o tomador, e no segundo, o dador, respondem solidàriamente pela importância da letra, ainda
quando tenha perecido o objeto do risco” (Código Comercial, art. 655).

§ 4.608. Cláusulas, incidentes e acidentes do percurso

1.CLÁUSULA DE TOCAR E CLÁUSULA DE ESCALA. A cláusula de tocar pode ser positiva, ou negativa
(= de não tocar). A cláusula de escala é cláusula que alude às estações ou portos do percurso. No Código
Comercial, o art. 644 estatui: “Quando no instrumento de risco sôbre fazendas houver a faculdade de tocar e
fazer escala, ficam obrigados ao contrato, não só o dinheiro carregado em espécie para ser empregado na

MÚTUO
viagem e as fazendas carregadas no lugar da partida, mas também as que forem carregadas em retôrno por
conta do toma-dor, sendo o contrato feito de ida e volta; e o tomador neste caso tem faculdade de trocá-las ou
vendê-las e comprar outras. em todos os portos de escala”.
g O que se perde por vício próprio do bem atinge o crédito do mutuante a risco? Resposta explícita no sentido
negativo tem-se no Código Comercial francês, art. 826. Ora, o que se cobra é o risco da viagem, e não os outros
riscos. Tem-se de atender às exigências do art. 637 do Código Comercial. Se foi a viagem que determinou o
prejuízo, ou codeterminou, é questão de fato. Cf. D. MACLACHLAN (A Treatise ou fite Law’ of Merchant
Shipping, 33 cd., 60 s.).

2.CLÁUSULA DE PRÉ-EXCLUSÃO DAS AVARIAS COMUNS. No contrato de mútuo a risco pode-se incluir
a clausula de pré-exclusão das avarias comuns (Código Comercial, arts. 665 e 714). As avarias comuns são
riscos cobertos, salvo cláusula em contrário. Cf. Código Comercial francês, art. ~ lA e
alíneas: “Les prêteurs à la grosse contribuent, à la décharge des einprunteurs, aux avaries communes. Les
avaries simples sont aussi à la charge des prêteurs, s’iI n’y a convention contraire”. Contra, na 2~a alínea, a
Ordenança francesa de agôsto de 1681, Liv. III, Tít. 5, art. 16: “. . . et non aux simples avaries ou domnages
particuliera qui leur pourrait arriver, s’il n’y a pas convention contraire”.

8.TRANSFERÉNCIAS E BÂLDEACÕES. “O dador a risco”, lê-se no Código Comercial, art. 646, “sôbre
efeitos carregados em navio nominativamente designado no contrato não responde pela perda dêsses efeitos,
ainda mesmo que seja acontecida por perigo de mar, se forem transferidos ou baldeados para outro navio; salvo
provando-se legalmente que a baldeação tivera lugar por fôrça maio?’.
O mutuário a risco fica desobrigado se, ao tempo do naufrágio, ou outro acidente, estavam fora porções
equivalentes à soma mutuada, sem direito do mutuante a risco a qualquer pagamento sôbre o que se
descarregou ou negociou no curso da viagem (Assento do Tribunal da Junta do Comércio, Agricultura, Fábricas
e Navegação, 28 de maio de 17% Alvará de 24 de julho de 1798).
A propósito do ônus de alegar e provar a perda, ié.~e no Código Comercial, art. 663: “Incumbe ao tomador
provar a perda e justificar que os efeitos, objeto do empréstimo, existiam na embarcação na ocasião do
sinistro”.

4.DEVER DE NOTIFICAÇÃO DA PRESA , DESASTRE OU OUTRA OCORRÊNCIA LIGADA AO RISCO.


O dever de notificação, por parte do mutuário, resulta do art. 664 do Código Comercial:
“Acontecendo prêsa ou desastre de mar ao navio ou fazendas sôbre que recaiu o empréstimo a risco, o tomador
tem obrigação de notificar o acontecimento ao dador, apenas tal nova chegar ao seu conhecimento. Achando-se
o tomador a êsn tempo no navio, ou próximo aos objetos sôbre que recaiu o empréstimo, é obrigado a empregar
na sua reclamação e salvação as diligências próprias de um administrador exato; pena de responder por perdas e
danos que da sua falta resultarem”.

5. MÚTUO A RISCO E SEGURO. Lê-se no art. 648 do Código Comercial: “Havendo sôbre o mesmo navio ou
sôbre a mesma carga um contrato de risco e outro de seguro (art. 650), o produto dos efeitos salvos será
dividido entre o segurador e o dador do risco pelo seu capital somente na proporção de seus respectivos
interêsses”.
Prevê o art. 650 do Código Comercial: “Quando alguns, mas não todos os riscos, ou uma parte somente do
navio ou da carga se acham seguros, pode contrair-se empréstimo a risco pelos riscos ou partes não seguros até
a concorrência do seu valor por inteiro (art. 682) “.

6. PRIVILÉGIO ESPECIAL DO MUTUANTE A RISCO. A despeito de alusões do Código Comercial a


hipoteca, o mutuante a risco apenas tem privilégio especial e não hipoteca, direito real limitado.
Se o contrato de mútuo a risco compreende o navio e a carga, o privilégio especial recai sôbre as fazendas
conservadas, ainda que o navio pereça; sôbre o navio, quando se salva e as fazendas se perdem (Código
Comercial, art. 658).
O Alvará de 15 de maio de 1776 foi explícito a respeito do privilégio especial dos mutuantes a risco, em
resposta a consulta da Junta do Comércio dos Remos e seus Domínios. A Lei de 20 de junho de 1774, acêrca de

MÚTUO
privilégios, contemplara, no § 85, os que houvessem concorrido com os materiais ou com dinheiro para se
fazerem navios, ou outras quaisquer embarcações ; e o Alvará disse: “com igual razão deviam ser contemplados
aquêles credores, que, dando dinheiros a risco para o comércio da África e da Ásia, tem constituído um dos
mais importantes ramos do dito comércio”. Para “obviar às porfiosas discussões e disputas da inteligência da
sobredita lei e às repugnantes e contraditórias sentenças que sôbre idênticos casos se podem proferir”, foi
declarado e ordenado que “os credores de letras de câmbio e de risco” fôssem “graduados em primeiro lugar no
concurso de outros credores de diferente condição e natureza”, a respeito das mercadorias que fôssem
transportadas, “de sorte que os mutuantes hajam os seus pagamentos pelas mesmas fazendas ou pelos produtos
delas, pertencentes às referidas negociações e carregações”, “contanto, porém, que as mesmas fazendas ou
produtos se achem ainda em separação das massas dos outros bens dos seus respectivos devedores
Os que consideram o mútuo a risco mútuo com direito real de garantia, porque há ônus real e os ônus reais são
direitos reais, cometem dois erros, o de reputarem direito real o ônus real (sôbre isso, Tomo XVIII, § 2.141, 4) e
o de concluírem que há direito real de garantia no mútuo a risco. No direito comum não se fixara, em texto de
lei, o conceito de ônus reais, onera realia, e a confusão perturbou a doutrina: isso continuou através de A.
RENATJD (Beitrag zur Theo’rie der Reallasten, 2 s., 9 e 13), WILHELM ARNOLD (Zur Geschich>te des
Eigentums, 80 e 106), que se atinham à concepção do ônus real direito real, L. MANN (Untersuchungen ilber
devi Begrifi der Reallasten, 17 s.), que atacou a teoria da obrigação, J. C. BLUNTSCHLI (Deuteches
Privatrecht, § 90), que sustentava ser relação misturada a do ônus real, FR. VON SAvIGNY
(Obligationenrecht, 1, 183 s.), C. F. VON GERBER (Zur Theorie der Reallasten, Jakrbicher fúr die Dogmatik,
II, 35 s.), E. FRIEDLIEB (Pie Rechtstkeorie der Realiastevi, § 49 s.), que puseram em têrmos precisos a
obrigacionalidade. Tem-se de atender àeficácia de privilégio e de ordem para a execução (cl. PAUL ADAM, Pie
Natur der Reallasten, 34 s.).
Diz o Código Comercial, no art. 657: “O privilégio do dador a risco sobre o navio compreende
proporcionalmente, não só os fragmentos náufragos do mesmo navio, mas também o frete adquirido pelas
fazendas salvas, deduzidas as despesas de salvados e as soldadas devidas por essa viagem; não havendo seguro
ou risco especial sôbre o mesmo frete”. Cf. Código Comercial, art. 647, 2.~ alínea, e 648.

§ 4.609. Transferência do crédito a risco

1.CESSÃO E CIRCULAÇÃO. No art. 636 do Código Comercial, estatui-se: “Não sendo a escritura ou letra de
risco passada à ordem, só pode ser transferida por cessão, com as mesmas formalidades e efeitos das cessões
civis, sem outra responsabilidade da parte do cedente, que não seja a de garantir
a existência da dívida”. A lei permitiu a letra de risco, título de crédito nominativo ou à ordem. Não há a letra
de risco ao portador, que infringiria as regras jurídicas concernentes à emissão de títulos ao portador e não só o
art. 636 do Código Comercial. Quanto à escritura, é obsoleto o endôsso de escritura pública, porém não se
poderia reputar inexistente ou nulo o que alguém fizesse.
Se houve a clausula à ordem, rege o art. 685 do Código Comercial: “A escritura ou letra de risco exarada à
ordem tem fôrça de letra de câmbio contra o tomador e garantes; e é transferível e exequível por via de endôsso,
com os mesmos direitos e pelas mesmas ações que as letras de câmbio. O cessionário toma o lugar do
endossador, tanto a respeito do capital como do prêmio e dos riscos, mas a garantia da solvabilidade do tomador
é restrita ao capital; salvo condição em contrário quanto ao prêmio”. Cf. Tomo XXXIII, § 8.802, 8.
Se não houve a cláusula à ordem, a transferência do crédito é pela cessão de crédito (Tomo XXIII, §§ 2.821-
2.889, 2.842-2.851), isto é, conforme os arts. 1.065-1.078 do Código Civil.

2. ENDÓSSo. A matéria do endôsso é regida pelo que se expôs a respeito dos títulos cambiários e
cambiariformes. Pode ser em branco (Tomo XXXII, § 3.708, 2).

§ 4.610. Direitos e pretens5es do mutuante

1.ADIMPLEMENTO DA DIVIDA PELO MUTUÁRIO. Ao mutuante, à entrega do bem mutuado a risco,


nasce o direito ao adimplemento, isto é, a que o mutuário preste o capital e os interêsses, ditos, pela lei, prêmio
(Código Comercial, arts. 638, 660 e 662). Vencida a dívida, há a pretensão; se não há a restituição do capital
mais a prestação dos interêsses, com o protesto começam a correr os juros legais da mora.

MÚTUO
2.PRETENSÃO E AÇÃO PARA HAVER A IMPORTÂNCIA A DESCOBERTO. Se o mutuário não carregou o
que havia de carregar, ou só o carregou em parte, nasce ao mutuante o direito e a pretensão a haver todo o
objeto do mútuo mais os interêsses, dito prêmio, ou a parte correspondente àquilo que não foi carregado. Dá-se
o mesmo se o objeto não teve, no todo ou em parte, a destinação que se previra (Código Comercial, art. 643).

3. OCORRÊNCIA DE PERDA TOTAL OU PARCIAL. No art. 647, o Código Comercial estabelece: “Em caso
de sinistro, salvando..se alguns efeitos da carga objeto de risco, a obrigação do pagamento de dinheiro a risco
fica reduzida ao valor dos mesmos objetos estimados pela forma determinada nos arta. 694 e sega. O dador
neste caso tem direito para ser pago do principal e prêmio por êsse mesmo valor até onde alcançar, deduzidas as
despesas de salvados e as soldadas vencidas nessa viagem. Sendo o dinheiro dado sôbre o navio o privilégio do
dador compreende não só os fragmentos náufragos do mesmo navio, nus também o frete adquirido pelas
fazendas salvas, deduzidas as despesas de salvados e as soldadas vencidas na viagem respectiva, não havendo
dinheiro a risco ou seguro especial sôbre êsse frete”.
Diz o Código Comercial, no ad. 649: “Não precedendo ajuste em contrário, o dador conserva seus direitos
íntegros contra o tomador, ainda mesmo que a perda ou dano da coisa objeto do risco provenha de alguma das
causas enumeradas no ad. 711”.

4. AçÃo PARA A IMPLEMENTO DA DIVIDA DO CAPITAL E INTERÊSSES . Vencida a divida, sem ter
ocorrido o perigo que a eliminaria no todo ou em parte, nasce ao mutuante a risco a pretensão a haver o que lhe
deve o mutuário. O protesto faz eficaz a mora, de modo que, vencida a dívida, tem o mutuante a risco de fazer o
protesto. O mutuante, ou o endossatário, entenda-se. Diz o Código Comercial, art. 661: “O portador” (leia-se o
mutuante, ou o endossatário, ou o portador do titulo cambiariforme endossado em branco), “na falta de
pagamento no têrmo devido, é obrigado a protestar e a praticar todos os deveres dos portadores de letra de
câmbio para vencimento dos juros e conservação do direito regressivo sôbre os garantes do instrumento de
risco”. Sôbre o protesto e as conseqUências da sua falta, Tomo XXXV, §§ 8.919-8.929,
3.998-4.001.
Há a ação de enriquecimento injustificado cambiário (Tomo XXXV, §§ 3.985, 4; 3.937; e 4.005).
A escritura pública de contrato de mútuo a risco, como a letra de risco, é titulo executivo. A ação executiva
exerce-se contra o tomador, ou contra o adquirente dos bens que conhecia a existência do mútuo a risco. Antes
da entrega da carga, tem de ser citado o capitão, mesmo se não foi o tomador; após a entrega, o recebedor dos
bens, ou o terceiro de má fé (HANS WUSTENDÕRFER, Seeschiffahrtsrecht, V. ERRENEERO, Handbuch,
VII, 403; Neuzeitliches Seehandelsrecht, 2•a ed., 374).
Para essa solução, no direito brasileiro, tem-se de atender aos arts. 653 e 662 do Código Comercial, pôsto que
não haja direito real. A espécie referida entra no art. 895, IV, do Código de Processo Civil.
O capitão, que foi citado na ação, com o tomador, ou como tomador, tem direito de retenção.
O recebedor, que conhecia o mútuo a risco, responde ao mutuante ou ao cessionário, ou ao endossatário da letra
de risco. A insciência culposa é ciência (ITANS WÍSSTENDÕRFER, Neuzeitliches Seehnndelsrecht, 2.~ ed.,
374). Não se lhe presume, todavia, o conhecimento.

5. PRESCRIÇÃO. A prescrição da ação de cobrança éde um ano, se a divida foi contraída no Brasil, ou, se no
estrangeiro, de três anos (Código Comercial, art. 447), contando-se da exigibilidade.

EXTINÇÃO DA RELAÇÃO JURIDICA DE MÚTUO A RISCO

§ 4.611. Pagamento do capital e interesses

1.CAPITAL E INTERÊSSES. O pagamento do capital, sem pagamento dos interêsses, é adimplemento


parcial. Idem, o dos interesses , sem o do capital. A relação jurídica de mútuo a risco extingue-se pelo
pagamento, se integral.

2.EXTINÇÃO TOTAL OU PARCIAL, POR TER ACONTECIDO PERDA TOTAL OU PARCIAL. No


contrato de mútuo a risco, a relação jurídica pode extinguir-se, ou minguar, conforme ocorreu perda total, ou

MÚTUO
parcial, do bem ou dos bens sôbre os quais incidiria o privilégio especial.
A perda pode ser total ou parcial, considerando-se perda parcial as avarias comuns. Se total, extinguiu-se a
relação jurídica do mútuo a risco: o mutuário a risco nada deve. Se há salvados, a relação jurídica de mútuo a
risco persiste, mas a dívida reduziu-se ao que se salva. A avaria comum pode ser do navio ou da carga. Tal
avaria é a que resulta à comunhão de interêsses, composta pelo navio e a sua carga, por ser extremo e comum o
perigo, e proveio de atitude que teve por fito o salvamento comum e foi com bom êxito tal atitude. Cf. Código
Comercial, art. 764, 2.~ alínea. Se não há a simultaneidade de interêsse, o perigo não é comum; nem o seria,
pois, a avaria. Se a carga é ilicitamente feita, e. g., se e de contrabando, o perigo não é comum. Se não é
extremo (grave e iminente), a avaria não é comum (grossa). O vão temor não basta. Se não se planejou o
sacrifício, pelo exame das circunstâncias, pela consulta aos oficiais de bordo e pela deliberação do capitão, falta
o pressuposto.

Se foi de x o mútuo a risco e o valor do bem sôbre o qual há o privilégio especial é de z + y, tem-se de procurar
a proporção entre os dois valôres. O mutuante a risco somente corre o risco pelo valor do mútuo a rísco.
No cálculo da avaria comum, tem-se como existente o bem. sôbre o qual recairia o privilégio especial.
No art. 254 do Código Comercial, estatui-se: “Não serão admissíveis em juízo contas de capitai com juros, em
que êstes~ se não acharem reciprocamente lançados sôbre as parcelas do. débito e crédito das mesmas contas”.
Se A fêz contrato de. mútuo com B, podendo restituir antes do têrmo do contrato, ou dar entrada a mais do que
deve, o que freqúentemente ocorre quando o mutuário encarrega o mutuante de recebimentos, tanta fluem juros
do débito quanto do crédito; e seria nula a cláusula. que dissesse somente haver juros contra o mutuário, ou
sôbre o saldo devedor.
No art. 258, 2~a alínea, do Código Comercial, assenta-se:
que, “depois que em juízo se intenta ação contra o devedor, não pode ter lugar a acumulação de capital e juros”.
Cf. Tomo XXIV, § 2.899, 2. Depois de se intentar ação contra o devedor, já se sabe qual o saldo devedor, tanto
assim que se iniciou o pleito. Agora, não se podem contar os juros convencionais, contam-se os juros da mora,
sem se afastar o ressarcimento de prejuízos por infração do contrato.
Se a viagem se inicia, porém, ao tempo do sinistro, o capital não está invertido, rege o art. 641 do Código
Comercial:
“Para o contrato surtir o seu efeito legal, é necessário que exista dentro do navio no momento do sinistro a
importância da soma dada de empréstimo a risco, em fazendas, ou no seu equivalente”.

2.RESOLUÇÃO E RESILIBILIDADE. Se a viagem se inicia e foi invertido o capital, mas parte do capital é
desviada, depois, da sua destinação, há resilibidade, e não resolubiidade, mas tem de ser apurado o quanto
transdestinado e computar-se o dano sofrido. É quaestio facti a de saber-se se o desuso foi a ponto de poder ser
diminuído o quanto que o mutuante a risco entregou. De qualquer modo, a parte que não está no navio, no
sentido do art. 641 do Código Comercial, é devida ao mutuante a risco. Houve mútuo e a quantia que não teve a
destinação que deveria ter não corre o risco.
Observe-se que “estar no navio” significa estar, em valor, como fazenda, ou qualquer outra peça.
De resibilidade somente se pode falar antes do sinistro. De modo que, se, antes do sinistro, não ocorre o que se
prevê no art. 641 do Código Comercial, pode o mutuante a risco propor a ação de resilição .
§ 4.612. Resolução do contrato de mútuo a risco por infração do dever de destinação

1. DEVER DE DESTINAÇÃO. O mútuo a risco destina-se a cobrir o risco. Se o mutuário não o emprega
naquilo que disse ser a destinação do capital, infringe dever. Por isso mesmo, se a viagem não se realiza,
também há a resolubilidadedo contrato de mútuo a risco (Código Comercial, art. 642:
“Quando o objeto sôbre que se toma dinheiro a risco não chega. a pôr-se efetivamente em risco por não se
efetuar a viagem, rescinde-se” diga-se, em boa terminologia, resolve-se . “o contrato, e o dador neste caso tem
direito para haver o capital com os juros da lei desde o dia da entrega do dinheiro ao tomador, sem outro algum
prêmio; e goza do privilégio de preferência quanto ao capital somente”.

LETRAS DE RISCO

MÚTUO
§ 4.613. Conceito e natureza

1. LETRAS. O instrumento do contrato de mútuo a risco é letra, embora não seja letra de câmbio, pois que não
há saque. Título cambiariforme, o seu similar cambiário é a nota promissória, e não a letra de câmbio. Devido
à incidência das regras jurídicas concernentes aos títulos cambiários (Código Comercial, art. 635), há a
abstratização desde que se endossa, ou a respeito de quem avaliza. Passou-se com a letra a risco, em virtude do
art. 685, verbis “exarada à ordem> tem fôrça de letra de câmbio contra o tomador e garantes”, o que, quase um
século depois, ocorreu à duplicata mercantil: a abstratização. Com isso, distingue-se da letra de câmbio e da
nota promissória que já exsurgem abstratas (Tomo XXXVI, §§ 4.017, 1; 4.019 e 4.020). Após o endôsso, há
título abstrato. O aval é declaração unilateral, abstrata, de vontade.
Letra de risco, “lettre de grosse” ou “billet de grosse”, “bottomry bond”, ‘¶Eodmerei”, foram expressôes que se
fixaram na terminologia jurídica.
Estabelece o Código Comercial, art. 653: “O empréstimo a risco sôbre fazendas, contraído antes da viagem
começada, deve ser mencionado nos conhecimentos e no manifesto da carga, com designação da pessoa a quem
o capitão deve participar a chegada feliz no lugar do destino. Omitida aquela declaração, o consignatário, tendo
aceitado letras de câmbio, ou feito adiantamento na fé dos conhecimentos, preferirá ao portador da letra de
risco. Na falta de designação a quem deva participar a chegada, o capitão pode descarregar as fazendas, sem
responsabilidade alguma pessoal para com o portador da letra de risco”.
As regras jurídicas do art. 653 nada têm com a abstração da dívida cambiariforme. Apenas se antepôe ao
privilégio da letra de risco outro privilégio especial, que, assim, resulta do próprio art. 653. Aliás, não só a letra
de câmbio ou outro titulo carnbiário se beneficia: qualquer crédito que caiba na espécie tem o privilégio
especial (verbis “adiantamento feito na fé dos conhecimentos”).
Fórmula de letra de risco:

Santos, ... de ... de 1963


Principal ... ......

Prêmio ... Cr$...


A trinta dias da vista, após a chegada, salvo, ao pôrto desta cidade, eu, E., dono (ou interessado) no casco e na
carga do navio 1% por esta única via de letra de risco, prestarei a E., ou a pessoa a quem fôr endossada, a
quantia de Cr$..., que recebi para ajuda e aumento da carregação ... e ...
como prêmio pelo risco que corra, consistentes em...

A letra de risco pode ser em dupticatas, regidas pelo art. 16 e §§ 1.04.0 da Lei n. 2.044, de 31 de dezembro de
1908. Explícito já o § 687 do antigo Código Comercial alemão (cf. WILLLAM LFIwís, Das deuteche Seerecht,
II, 21, sôbre o problema de lege ferenda). É necessária a diferenciação, no contexto, por número de ordem e
ressalva das que se extraviaram.

2. LETRAS A RISCO SUBSCRITAS PELO CAPITÃO OU POR PESSOA QUE LHE CORRESPONDA. No
ad. 515, 1.~ alínea, o Código Comercial permitiu ao capitão e, hoje, havemos de entender que o permitiu a
quem, nos outros transportes, corresponde ao capitão o tomar mútuo a risco: “É permitido ao capitão, em falta
de fundos, durante a viagem, não se achando presente algum dos proprietários da embarcação, seus mandatários
ou consignatários, e, na falta dêles, algum interessado na carga, ou mesmo se, achando-se presentes, não
providenciarem, contrair dividas, tomar dinheiro a risco sôbre o casco e pertences do navio e remanescentes dos
fretes depois de pagas as soldadas, e, até mesmo, na falta absoluta de outro recurso,
vender mercadorias da carga, para o reparo ou provisão da embarcação; declarando nos títulos das obrigações
que assinar a causa de que estas procedem (art. 517) “. No art. 516, acrescenta-se: “Para poder ter lugar alguma
das providências autorizadas no artigo antecedente, é indispensável: 1. Que o capitão prove falta absoluta de
fundos em seu poder, pertencentes à embarcação. 2. Que não se ache presente o proprietário da embarcação, ou
mandatário seu ou consignatário, e na sua falta algum dos interessados na carga; ou que, estando presentes, se
dirigiu a êles e não providenciaram.
3.Que a deliberação seja tomada de acordo com os oficiais da embarcação, lavrando-se no diário da navegação
têrmo de necessidade da medida tomada (art. 504). A justificação dêstes requisitos será feita perante o Juiz de

MÚTUO
Direito do Comércio do pôrto onde se tomar o dinheiro a risco, ou se venderem as mercadorias, e por êle
julgada procedente, e nos portos estrangeiros perante os Cônsules...”
As letras a risco têm de referir-se à justificação em juizo.
O poder de disposição sai dos donos para o capitão, mas subordina-se à exigência da decisão judicial
constitutiva, integrativa do negócio jurídico de empréstimo ou de venda. A preferência, em todo o caso, à
diferença da constituição do negócio jurídico, que só depende da decisão judicial integrativa do ad. 755,
somente se estabelece depois das formalidades de autenticação e registo, de que fala o art. 472 do Código
Comercial. Para a preferência, a decisão judicial e a averbação (e autenticação consular, se a dívida foi
contraída no estrangeiro) são condiciones juris, elementos integrativos necessários: não há preferência, se não
houve justificação; ou se não houve avaliação; ou se, devendo haver, não houve a autenticação consular.
Se o capitão contrai divida abstrata, como se emite letra de câmbio (Supremo Tribunal Federal, 22 de janeiro
de 1898, O D., 75, 542), ou nota promissória, sem se terem observado os arta. 515 e 516 do Código Comercial,
pode o dono do navio recusar-se a pagá-la, porque ou não consta do título o destino do dinheiro e o portador
deveria ter exigido prova do negócio jurídico, subjacente, de que resultariam os Poderes do capitão, ou consta,
sem que baste a documentação do negócio juridico subjacente, e o responsável, nesse como naquele caso, seria
o capitão.
A ação de justificação é fundada na pretensão a produzir a prova; a sentença, constitutiva de prova. O recurso é
o de agravo de instrumento (art. S42, XV).
Não se confunda a eficácia da justificação com a eficácia dos negócios jurídicos em que tomou parte, após ela,
o capitão.

§ 4.614. Causas da subscrição

1.ATITUDE DO CAPITÃO. Lê-se no Código Comercial, art. 517: “O capitão que, nos títulos ou instrumentos
das obrigações procedentes de despesas por êle feitas para fabrico, habilitação ou abastecimento da
embarcação, deixar de declarar a causa de que procedem, ficará pessoalmente obrigado para com as pessoas
com quem contratar, sem prejuízo da ação que estas possam ter contra os donos do navio, provando que as
quantias devidas foram efetivamente aplicadas a benefício dêste (art. 494) “. Se os títulos não se referem à
justificação judicial, são títulos de crédito, talvez cambiários, em que subscritor foi a pessoa que coincide ser
capitão. A ação a que se alude no art. 517, iii fine, é ação de enriquecimento injustificado (Código Civil, arts.
964-971).
“O capitão que tomar dinheiro sôbre o casco do navio e seus pertences, empenhar ou vender mercadorias, fora
dos casos em que por êste Código”, diz o art. 518 do Código Comercial, “lhe é permitido”, ou “o que fôr
convencido de fraude em suas contas, além das indenizações de perdas e danos, ficará sujeito à ação criminal
que no caso couber benefício do navio ou da carga (arts. 515 e 517) “. Os títulos são letras de risco, como as
outras, e a referência a justificação judicial, à causa, é apenas pressuposto formal. O privilégio especial depende
da existência do objeto sôbre que recai. A pretensão ao adimplemento independe da existência do privilégio;
por isso mesmo, se não foi o risco coberto que deu ensejo à perda, total ou parcial, a pretensão fica incólume.
Não só a propósito de letras de risco subscritas pelo capitão, ou pessoa que a êle se equipare, como a propósito
de quaisquer letras de risco, a perda total ou parcial depois de nascer a pretensão (antes só havia o direito de
crédito) deixa como está a. pretensão.
2. PRIVILÉGIO. - Estatui o art. 651 do Código Comercial: “As letras mercantis provenientes de dinheiro
recebido pelo capitão para despesas indispensáveis do navio ou da carga nos térmos dos arts. 515 e 516, e os
prêmios de seguro correspondente, quando a sua importância houver sido realmente segurada, têm o privilégio
de letras de empréstimo a risco, se contiverem declaração expressa de que o importe foi destinado para as
referidas despesas; e são exeqUíveis, ainda mesmo que tais objetos se percam por qualquer evento posterior,
provando o dador que o dinheiro foi efetivamente empregado em bens.

Título XXVIII

MÚTUO
CONTRATO DE CONTA CORRENTE

CONCEITO E NATUREZA DO CONTRATO


DE CONTA CORRENTE

§ 4.615. Conceito do contrato de conta corrente

1. PRECISÕES INICIAIS. Quando se tem de definir e de analisar o contrato de conta corrente, o que desde o
início se há de exigir é que se não confundam os acordos de vontades a respeito dos lançamentos e mais
anotações concernentes às operações, ou às relações jurídicas respectivas, com o acordo de vontades, ou a
relação jurídica que dêles derivam, essencialmente, por sôbre essas operações.
Pelo contrato de conta corrente, nenhum dos figurantes se vincula a prestar dinheiro, ou outro bem. Apenas se
promete escriturar os créditos decorrentes de operações em que os figurantes sejam titulares. Pelo contrato de
conta corrente, não se mutiia, nem se abre crédito. Alude-se ao que se há de fazer quanto a créditos, passados,
presentes e futuros. Até que se feche a conta não se pode exigir nem dispor dos créditos e dos débitos. Mediante
tal vinculação contabilistica, os créditos e os débitos que se lancem se contrapõem automáticamente, e o saldo
só é exigível quando se dê o vencimento, pré-estabelecido para a conta corrente. Note-se bem: o vencimento do
dever de lançar e anotar, com eficácia, então, de computação automática.
Do contrato de conta corrente não se irradiam relações jurídicas creditícias (que são relações jurídicas
obrigatórias entre os figurantes), mas apenas o dever de lançar e anotar os créditos de um e de outro, e, para o
outro figurante, o de ater-se a êsses lançamentos e anotações. Em conseqUência da regulamentação unitária, há
a contraposição automática de origem negocial.
O contrato de conta corrente é fruto do direito costumeiro. Não há, no sistema jurídico brasileiro, regras
jurídicas isentas sôbre êle. Já o Tribunal do Comércio da Côrte, a 28 de maio de 1866, frisava que “a conta
corrente não é simples quadro de operações, produz efeitos importantes e modifica os direitos primitivos das
partes”. Mais: “segundo os princípios que regem a matéria, eminentemente comercial, a inserção de um artigo
em conta corrente tem por efeito operar uma espécie de novação, no sentido de ficar confundido com os mais
elementos da conta o crédito particular, que primitivamente existia, e de não poder mais ser separado; não se
tem mais em atenção a sua origem e natureza. Todos e quaisquer avanços, que fizerem as partes, vão confundir-
se na conta corrente para que dêem um saldo único, isto é, uma dívida nova essencialmente comercial, qualquer
que seja a origem ou natureza dos diversos elementos, que nela entraram, e é dêste título que provém a ação do
credor, e não dos diversos contratos que produziram cada artigo da conta corrente”. A alusão a novação, embora
com a advertência “espécie de novação”, fôra infeliz, e decorria de freqUentes erros de legisladores e
doutrinadores estrangeiros.
O ad. 258 do Código Comercial não se refere ao contrato de conta corrente, mas a qualquer conta corrente. Dá-
se o mesmo a respeito do art. 482, onde se diz: “As verbas creditadas ao devedor em conta corrente assinada
pelo credor, ou nos livros comerciais dêste (ad. 23), fazem presumir o pagamento, ainda que a dívida fôsse
contraída por escritura pública ou particular”; o mesmo ocorre a respeito do art. 445. O art. 258 do Código
Comercial é aquêle em que, na 1•a alínea, se diz: “É proibido contar juros de juros; esta proibição não
compreende a acumulação de juros vencidos aos saldos liquidados em conta corrente de ano a ano

2.CONCEITO. Contrato de conta corrente é o contrato pelo qual os figurantes se vinculam a que se lancem e
se anotem, em conta, os créditos e débitos de cada um para com o outro, só se podendo exigir o saldo ao se
fechar a conta. Trata-se, portanto, de conta que anda, que se move, que corre. Daí o nome.
Os negócios jurídicos de que resultam os créditos e os débitos são estranhos à conta corrente, que a êles apenas
se refere, para os submeter à escrituração especifica.
Lançam-se as chegadas ou apostilharnentos (entradas e saídas) e fazem-se as anotações que a prática da
escrita, bancária ou não, exija para a função mesma da conta corrente.
O crédito que se lançou funde-se aos outros créditos anteriormente lançados, ou ao saldo, inexigível, que
resultou como expediente técnico, informativo da escritura. A inexigibilidade dos saldos-expedientes é
resultante de poder chegar algum débito que se contraponha ao que é saldo-expediente; portanto, transitório,

MÚTUO
sem necessidade do esvaziamento da conta corrente.
Seria erro, evidentemente, a despeito de ser freqUentemente encontrado, o de se apontar como função essencial
do contrato de conta corrente a de dação reciproca de crédito, ou a de descontos e debitamentos. Os negócios
jurídicos de que podem ter advindo os créditos e os débitos ficam por baixo do movimento da conta corrente.
O conteúdo do contrato de conta corrente é de regulaçã~o das chegadas, porém de modo nenhum as operações
e os próprios efeitos (créditos, débitos) são conteúdo do contrato de conta corrente. A função de contraposição
automática é eleinento essencial à escritura e à informação, não à conta corrente. Daí a indefensabilidade da
opinião que atribui concessão de créditos por algum dos figurantes, que emitira, em 1917, FRANCESCO
CARNELUTI,! (Note suíla funzione del conto corrente, Studi di Diritto comraercia.le, 222) e reaparece em
Lutai LORDI (Istituzioni di Diritto commerciale, II, 856). A conta corrente corre enquanto não se fecha, de jeito
que cada um dos figurantes espera cobrir o seu saldo-expediente devedor, ou espera que o outro cubra o seu.
Durante o curso, nenhum dos figurantes pode exigir, porque o exigir já seria concernente à própria conta
corrente e a suporia fechada, em vez de exposta aos apostilhamentos de um lado e do outro.
É preciso que se atenda ao verdadeiro conteúdo do contrato de conta corrente e à sua função operacional, por
bem dizer-se, externa, com a particularidade essencial da não-exigibilidade dos saldos transitórios, por isso
ditos saldos-expedientes, enquanto a conta corrente não se fecha (cl. FEDP.RICO MAiRTORANO, Ii Conto
corrente bancaria, 128). O conteúdo e a função da conta corrente não descem ao plano das operações de
crédito, nem aos seus efeitos, pôsto que tenha a função de regular o comportamento de um, pelo menos, dos
figurantes quanto às chegadas de créditos e seus efeitos.
Discutiu-se se o contrato de conta corrente tinha por essência a função de garantia bilateral de crédito, ou
apenas a de colocação dos créditos contrapostos por parte de um dos figurantes. Mas hoje é incontroverso que a
facilitação do tráfico crediticio, de acordo com o procedimento típico da conta corrente, é que é o fim do
contrato, e não qualquer garantia (J. vON GIERKE, Handelsrecht ‘und Schiffahrtsrecht, 7.~ ed., 494;
REINHARO FREIREER VON GODIN, Ko’mmentar zunt Handelgesetzbuch, ~ 23 ed., 275; WOLFGANG
HEFERMEHL, Schlegelberger Handelsgesetzbuch, III, 33 ed., 1396, e Grundlagen des Kontokorrents,
Festschrift flir H. LEHMANN, II, 547; HANS SCHUMANN, Handeisrecht, 43). Difere-se a exigibilidade: são
inexigíveis os saldos-expedientes para que a conta corra, se bem que, durante todo o tempo, se possa proceder à
liquidação, contabilisticamente, por diferença. Áquilo e a isso os figurantes se vincularam.
Com o contrato de conta corrente apenas há o dever de se anotarem na conta por isso ela corre os créditos
derivados de remessas de um a outro dos figurantes, sem que, até o fechamento do conta corrente, se possa
dispor do crédito-saldo ou exigi-lo. Não exsurgem outras relações jurídicas entre os figurantes que a de
regulamentação unitária dos créditos de cada um contra o outro. Daí ter-se o contrato de conta corrente como
contrato nortnotivo, pois em verdade disciplina, regulamenta, relações jurídicas futuras e eventuais.
Lançado o crédito, há parálise da pretensão. Só o saldo, ao ser encerrada a conta corrente, scrá exigível. A
pretensão não seria a mesma, ainda que o saldo fôsse correspondente, no quanto, exatamente ao crédito
anotado. A automaticidade opera a solidificação (em solidum está o étimo de saldo, no sentido de saldo de
conta, étimo estranho ao de “saldo”, resto de artigos). Em verdade, não só se difere a exigibilidade: exigível há
de ser o saldo, que só se apura ao fechar-se a conta, a despeito da solidificação que com automaticidade se
consuma, ao correr da conta.
A inexigibilidade é a favor dos figurantes, e não só do devedor (cf. FEDERICO MARTORANO, 1 Conto
corrente banca-rio, 128).

3. CHEGADAS. . As chegadas (entradas e saídas) são de créditos e de débitos, a respeito de cada figurante.
Credita-se e debita-se a cada um, operando-se automàticamente, para fim só contabilístico, a liquidação. Ora se
credita dinheiro entrado, ora se debita dinheiro saído, ou se credita o valor ou preço de outro bem, ou se debita
êsse valor ou êsse preço. Se entrou mercadoria cujo preço não foi pago, anota-se na conta, sem que já se possa
dizer o que se há de lançar, pôsto que, in abstracto, a entrada se haja dado e se haja operado a liquidação, para
fins contabilísticos, a despeito de não se saber o quanto. Às vêzes debita-se o que o figurante, que faz a escrita,
cobra de comissão ou de sêlo, ou se credita o maior valor a que se deu entrada na conta do correntista.
A origem dos créditos e dos débitos que se lançam é diversa da origem da conta corrente e da própria conta
corrente. A conta corrente corre por fora, normativamente. Por dentro estão os créditos e os débitos, que se vão
lançando e solidificando, o que permite a extração dos saldos-expedientes, de função só contabilística.
O que se exige à entrada é que o bem entregue seja crédito pecuniário, ou dêle possa resultar crédito pecuniário.
Com a entrada, o crédito insere-se na conta, ou porque se transfira o que existia (o bem era crédito), ou porque

MÚTUO
nasça o crédito que corresponde ao valor do bem. A entrada pode consistir a) em crédito contra terceiro, que é
anotado e fica na conta o seu valor, mesmo se a cessão ainda não se fêz eficaz contra o devedor, b) em dinheiro,
que se credita (= que passa a ser crédito anotado), c) em partida de mercadoria, cujo preço se credita, d) em
crédito contra o outro figurante, por ter sido pago, no interêsse dêsse, a terceiro, alguma quantia, ou prestado
crédito ou objeto a que corresponda valor pecuniário. Portanto, seria erro aliás, por vêzes cometido dizer-se
que se credita o crédito que foi transferido à conta. Por vêzes, o crédito nasce com a anotação. Érro também
seria afirmar-se que o crédito que surge na conta, com a anotação, nasce sempre à anotação.
A entrada, em si, é em virtude da remessa, que é ato juridico, cuja eficácia consiste na inserção do crédito, seja
por transmissão, seja por asunção de dívida por parte do creditante. De qualquer modo, o crédito que consta da
conta corrente é contra um dos figurantes a favor de outro, e não se há de confundir com o crédito que acaso
exista a favor daquele contra o terceiro.
Nenhum dos figurantes, durante o curso da conta, tem pretensão e ação pelos saldos, porque êsses saldos são
saldos-expedientes. O todo negocial de que os créditos se irradiam (Tribunal de Justiça de São Paulo, 21 de
novembro de 1894, G. J., VII, 165) permite as ações de nulidade, de anulação , de resolução, de rescisão, ou
outras ações constitutivas negativas, quer por parte do figurante debitado quer por parte de terceiros; bem assim
as ações que tenham por fito mostrar ser maior do que se lançou o crédito do figurante remetente.
Com a entrada, também dita remessa, há a inserção do crédito. Na expressão “remessa”, mais se vê de fora a
destinação; na expressão “entrada”, mais se vê de dentro. A anotação é enunciado de fato: entrou o crédito.
O contrato de conta corrente necessariamente alude a certa qualidade de créditos a que se dá entrada. 1-lá,
portanto, não negócio jurídico subjacente, justajacente, ou sobrejacente, mas negócio jurídico a que os
figurantes se referem, para a “solidificabilidade” de créditos.
Durante a formação progressiva do deve e haver, há saldos-expedientes; pôsto que se haja de negar qualquer
fusão antes de se encerrar a conta, há’ solidiificabilidade, de que resulta ser possível extrairem-se saldos-
expedientes.
O crédito que se insere não se desindividua. Nem, a~ fortiri, deixa de ser crédito. Visto de dentro do contrato de
conta corrente, é saldo que se incluiu, se “solidificou”, razão por que se há de pensar no saldo, ao encerrar-se a
conta corrente. Mas permaneceu o que era. A própria figura da novação é estranha ao que ocorre. Não se nova a
divida, nem se substitui o devedor. Não só o crédito incluso é o mesmo como está exposto à nulidade, à
anulabilidade, à resolução, à resilição, .à rescisão o negócio jurídico de que se trata. Se houve entrada com
pagamento, o que importa é isso, e não o que gerou a dívida que foi paga; porém, mesmo aí, o que se poderia
alegar contra o ato-fato jurídico continua alegável.
De modo nenhum se podem invocar, a respeito de entradas por eficácia do contrato de conta corrente, as regras
jurídicas concernentes à imputação do pagamento (Código Civil, arts. 991-994). Não há débito que se tenha de
pagar (os créditos são créditos com pretensão paralisada), e as entradas a pagar qualquer dívida, nem a criar
divida. Só se referem à conta corrente, e não a negócios jurídicos ou outras fontes de obrigação que estejam por
fora. Fazem-se elas credendi causa, e não solvendi causa (E. BREIT, em A. DÚRINGER-M. HACHENRURO,
Das Handetsgesetzbuch, IV, 3•a ed., 645). Nenhuma entrada se destina, nem pode ser destinada à satisfação de
um ou de outro débito incluso na conta; nem pode o receptor destinar a satisfação de crédito aquilo a que deu
entrada.

§ 4.616. Natureza do contrato de conta corrente

1.PRIMEIRAS EXPLICAÇÕES . O contrato de conta corrente nasceu dos costumes comerciais e industriais.
Tem a particularidade de ser regulação de dever quanto a créditos e não a função de ser criador de créditos.
Há o principio da facultatividade das remessas, segundo o qual o figurante pode enviar, ou não, o que possa ser
lançado na conta corrente. Nenhum dos figurantes está vinculado a remeter créditos. Se foi estabelecida alguma
vinculação a êsse respeito, tem-se de considerar efeito de outra relação jurídica; portanto, de outro negócio
jurídico, ou de outra fonte de obrigações. Cada figurante é adstrito a receber o que foi remetido e a lançá-lo na
conta corrente.
A reciprocidade é característica do contrato de conta corrente. Se só um dos figurantes se vincula a lançar
créditos contra o outro se há crédito a favor que os cubra, não se pode pensar em contrato de conta corrente.
Nenhum dos figurantes pode exigir remessas de créditos, nem que haja datas para elas. Tão-pouco, o remetente
pode subordinar o lançamento a alguma figura negocial diferente (e. g., depósito, mútuo, como-dato), mesmo se

MÚTUO
os figurantes deram ao negócio jurídico o nome de contrato de conta corrente e nêle inseriram, acordes, essa
cláusula.
A reciprocidade é quanto ao direito de remessa e, pois, de entrada na conta corrente. Se, conforme o negócio
jurídico, só um dos figurantes tem o dever de inserção, não há, in casu, contrato de conta corrente. O contrato é
outro, unilateral, pelo menos nesse ponto. Como há o direito à inserção e o dever de inserção, e não o dever de
remessa para a inserção, dizendo-se que a reciprocidade é quanto ao direito de remessa e, pois, de entrada, tudo
está dito. Não se precisa acrescentar que as remessas têm de ser reciprocamente livres.
Diz-se abertura de conta corrente, a respeito de contrato de conta corrente, o estabelecimento da conta corrente
em vir-tude do contrato de conta corrente. A expressão é empregada, aqui e ali, a propósito de outras contas
correntes, que nada têm com o contrato de conta corrente. A remessa de créditos. Supõe essa abertura.
Vulgarmente, diz-se que se anotam os créditos e os débitos; mas a expressão “lançamento” é a melhor, para que
se deixe a outra, “anotação”, para o que explica, por fora ou fora dos lançamentos, o que foi lançado, ou porque
algum crédito ou débito não foi lançado.
No contrato de abertura de crédito em conta corrente, alguém, ordináriamente banco, se vincula a ter à
disposição de outrem, com a faculdade, para o outorgado, de retiradas e de remessas, que aumentem a
disponibilidade. Faltam-lhe as características do contrato de conta corrente, principalmente a de reciprocidade e
facultatividade. O que o outorgante faz é prestar a título de crédito e o que incumbe ao outorgado é prestar em
pagamento.
O contrato de depósito bancário em conta corrente é aquê-le em que alguém, na espécie, banco ou casa
bancária, recebe a quantia que outrem lhe entregou para depósito bancário, podendo o depositante retirar parte
do que depositou ou o todo e fazer novos depósitos, que se inserem na conta corrente.
No fundo, os figurantes do contrato de conta corrente se vinculam a diferir a exigibilidade dos respectivos
créditos, que entrem na classe dos créditos rernetiveis, e a dêles não dispor; até que se feche a conta corrente e
se reconheça o saldo. Tal situação, que faz indisponíveis os créditos, necessàriamente afasta o pagamento, com
êles, dos credores do figurante remetente, até que haja o saldo disponível. Não se poderia diferir a liquidação
por diferença sem se estabelecer a inexigibilidade e a indisponibilidade. Feita a liquidação por diferença, que se
opera mediante a compensação dos créditos e débitos, o saldo é liquido e exigível, e, pelo reconhecimento do
saldo, certo. Se não há o reconhecimento do saldo, há a ação para a liquidação judicial, com os juros da mora
desde que se tornou exigível o crédito e incorreu em mora o devedor.

2. CONTRATO CONSENSUAL. O contrato de conta corrente é contrato consensual. Tentou-se classificar o


contrato de conta corrente como contrato real. Confusão, em parte, com o mútuo. Mesmo no Brasil, houve
quem o sustentasse (JOSÉ DA SILVA COSTA, Contrato de Conta corrente, 22 s.). O contrato conclui-se antes
de qualquer entrada, mesmo se o crédito já. estava transferido ao outro figurante, caso em que se precisa dizer
de que tempo se parte para que se lancem na conta corrente os créditos.

8.BILATERALIDADE DO CONTRATO. O contrato de conta corrente é bilateral. Os figurantes têm os seus


deveres, de parte a parte. Daí poder ser invocado, por exemplo, o art. 1.092,. parágrafo único, do Código Civil.

4.CRÉDITOS E PRETENSÕES . Quando se diz haver dilatação de pagamento dos débitos, ou diferimento da
exigibilidade, em lugar da exigibilidade imediata, ou recíproca outorga de crédito, em verdade apenas se alude à
permanência dos créditos (e pois dos débitos) sem ser eficaz a pretensao . Uma vez que há crédito e há débito e
não há exigibilidade e disponibilidade enquanto não se encerra a conta, o que ocorre é que a eficácia do
contrato de conta corrente retirou eficácia à pretensão, e essa não exsurge com os saldos-expedientes, mas
apenas com o soldo final, definitivo, que é a imagem de todo o processo jurídico solidificante. Não se deve
dizer que êsse saldo é encerrante. O que se passa é que êle retrata, grava em números, a conta encerrada, a conta
que deixou de correr.
Cumpre, porém, observar-se que a recíproca outorga de crédito (evitemos a expressão “recíproca concessão de
crédito”) é eventual, O contrato de conta corrente permite a eventualidade de um dos figurantes ficar devendo
ao outro, sem que fique obrigado. Se um dêles remeteu menos do que o outro, aquêle é sujeito passivo, deve,
porém a pretensão ou não se estabeleceu ou se paralisa. Há débito, com parálise da obrigação. Portanto, direito
(crédito) sem ser exigível. Rigorosamente, o que se passou com êsse crédito e com o débito que lhe corresponde
aconteceu e vai acontecer com todos os outros, mesmo que não haja ou possa haver qualquer saldo-expediente
contra o figurante. A cada chegada, há, com a inserção, apenas entrada de crédito inexigível. Donde poder-se

MÚTUO
afirmar, em terminologia científica exata, que o contrato de conta corrente é contrato em que cada figurante se
submete a que seus créditos se insiram desmunidos de exigibilidade ou sem ensejo para exigir-se. Por onde se
vê que a operação é de parálise de pretensão que já exista e de pretensão que poderia irradiar-se do crédito. O
que se “solidifica” só se solidifica em curso de rsteriores inserções. Há a liquidação por diferença a despeito da
inexigibilidade. Cada saldo-expediente reflete o estado dos créditos e dos débitos, a despeito de serem todos
inexigíveis.
Não é efeito do contrato de conta corrente ficar obrigado cada figurante a dar entradas. Se há tal efeito, não se
pode atribuir ao contrato de conta corrente. Se há a remessa, o dever que surge é o de inserção na conta
corrente. Dever, portanto, de receber. Em virtude do contrato de conta corrente, o que se deve é atender ao que
se remete, dever, êsse, de dar entrada. O direito de remeter é direito a que se insira na conta corrente o dinheiro,
o crédito ou o valor do que se remete.
Quanto ao que pode ser remetido, cumpre dizer-se no contrato de conta corrente. Não é regra que se possa
remeter o que não é dinheiro, nem é crédito. Para que o dever a que corresponde valor pecuniário dê ensejo à
inserção do valor como crédito, é preciso que tenha havido entre os figurantes outro contrato, e. g., contrato de
compra-e-venda, ou contrato estimatório, ou de comissão, que haja a conseqUência da creditação 011 do
pagamento.
Chegou o momento para tocarmos no ponto mais delicado. Se entrou a quantia x, sabe-se que se lançou o
crédito x.
Se se retirou a quantia x + 1, sabe-se que se lançou o débito x + 1. O saldo-expediente dá, contra o que fêz as
entradas, o débito de 1. Não se pode sustentar que o crédito x, o débito x + 1 e o saldo-expediente não sejam
crédito do remetente e débito do remetente e saldo devedor do remetente, somente porque o outro figurante não
pode exigir. Se o crédito era exigível e deixou de ser, ou se explica a inexigibilidade pela falta de pretensão
(corte, em virtude da inserção, por efeito do contrato de conta corrente), ou se explica que a pretensão ficou
paralisada. A segunda explicação tem a vantagem de não considerar compactada a pretensão que existia ou
impedido o nascimento da pretensão. Ou já existisse a pretensão, ou venha a nascer, há a parálise. Não se trata
de direito mutilado, mas sim de direito com pretensão paralisada.

5.NORMATIvIDADE DO CONTRATO DE CONTA CORRENTE.


O contrato de conta corrente regula determinadas relações jurídicas que existem entre os figurantes ou que se
podem constituir entre êles. Tais relações jurídicas são irradiadas de negócios jurídicos, ou, mais amplamente,
de fatos jurídicos que não se confundem com o contrato de conta corrente. O contrato de conta corrente é
negócio juridico normativo. Dêle não deriva qualquer relação jurídica de crédito e de débito, tanto que a própria
entrega de dinheiro faz nascer crédito, irradiado do negócio jurídico da entrega. Do contrato de conta corrente
resulta o dever dê regulação das relações jurídicas que exsurjam entre os figurantes. Não há dever de remessa,
porque, se êsse existisse, o contrato seria diferente. Talvez contrato, ou, excepcionalmente, negócio jurídico
unilateral.
A normatividade do contrato de conta corrente afasta qualquer prestação por parte dos figurantes que não seja a
do dever de regulação. Não há pré-contratualidade; o que há é negócio jurídico sObre o tratamento de relações
jurídicas futuras e eventuais oriundas de outros fatos jurídicos, sejam negócios jurídicos ou não. A determinação
de quais sejam êsses fatos jurídicos faz parte da regulação.

A princípio, os juristas não viam a normatividade do contrato de conta corrente. Falavam de resumo de vários
empréstimos (?), com J. PARDEsSUS. Ou de feixe de contratos, aludindo a mútuo, mandato, depósito e cessão,
como J. NoBLET (Du Compete courant, 43), ou de unificação de contratos.
Também, de outro lado, havia os que viam no contrato de conta corrente a desindividualização dos créditos
entrados, como A. BOISTEL e E. VALABRÊGUE, o que perdurou até pouco, com repercussão no Código
Comercial português, art. 344; e os que acentuavam fazerem os créditos bloco único (e. g.,
E.TI-IALLER).
Muito tempo passou para que se afastasse a afirmação de haver novacão. A confusão com o depósito bancário
em conta corrente e a abertura de crédito em conta corrente era de todos os momentos (e. g., J. NOBLET, Du
Compte courant, 17; E. FEITU, 7i’raité du Coinpte courant, 72 s.).

6.CONTA COMUM (ou CONTA CONJUNTA) E SOLIDARIEDADE. A solidariedade entre credores nada

MÚTUO
tem com a solidariedade dessas pessoas como devedores, porque se pode ser credor solidário sem ser, perante o
devedor, devedor solidário. Devem A e E, solidàriamente, a C e D, que são credores solidários, mas se C e D
devem a A e a E, podem não ser êsses credores solidários. Mas a compensação de dívida A e E com divida de C
e D opera-se, extinguindo-se a dívida de A e B. A compensação, se ocorre, é extintiva em relação a qualquer dos
credores solidários e a qualquer dos devedores solidários.
Na conta. conjunta ou conta comum há solidariedade ativa e solidariedade passiva. Tudo se passa, na conta
corrente,. como se só uma pessoa desse entrada e só uma retirasse, Os saldos-expedientes atendem ao fato da
comunhão da conta corrente, de jeito que as entradas por A ou por E são lançadas na mesma coluna de haver e
as retiradas por A ou por B se lançam na mesma coluna de deve.
Nada obsta, porém, a que se estipule que A e E podem remeter créditos, e somente A pode retirar. Aí, a conta
corrente não é comum, o que é de ambos, ou de todos, se os remetentes são A, E e C ou mais pessoas, é a
legitimação a dar entradas. A cláusula de legitimação é sem grande alcance, porque se tornou usual dar-se
entrada na conta corrente de A a qualquer remessa feita por terceiro. Todavia, pode A ter interêsse em
mencionar E como legitimado a remeter e o outro figurante do contrato de conta corrente deve, ao lançar, anotar
quem o faz.

§ 4.617. Contrato de conta corrente e outros contratos ou atos parecidos

1.CONTRATO DE CONTA CORRENTE E TIRAGEM DE CONTA.


Por vêzes, na prática, fala-se de corta corrente como se fôsse contrato de conta corrente o ato unilateral de
alguém que, havendo, a favor de e centra outrem, créditos, procede, a seu líbito, às somas e, após saber a quanto
sobe o ativo e a quanto sobe o pass{vo da pessoa de que se trata, verifica qual o saldo devedor ou qual o saldo
credor. Trata-se, aí, de tiragem de conta, e não de conta corrente. Não houve contrato de conta corrente, nem se
podem invocar os princípios que o regem (WOLFCANG I-IEFERMEHL, Grundfragen des Kontokorrents,
Festschrift fiir H. LEI-IMANN, II, 548). Não houve, sequer, conta corrente bancária, instituto inconfundível
com o do con. trato de conta corrente.

2.CONTRATO DE CONTA CORRENTE E CONTATO DE ABERTURA DE CREDITO. O negócio jurídico


com que mais se tem confundido o contrato de conta corrente é o contrato de abertura de crédito. Nesse, o
banco ou outro estabelecimento que o possa fazer se vincula a pôr à disposição de alguém determinada quantia,
ou quantia determinável, de modo que o outorgado possa retirar parte ou todo o disponível e dar entrada a
quantias, que ficam como disponibilidade. Não há a reciprocidade, nem a indisponibilidade do que entra. Quem
dá entrada é sempre o outorgado: o ato do outorgante foi preestabelecido.
Não é essencial ao contrato de conta corrente o limite máximo, o que é uma das características da abertura de
crédito. Tem a reciprocidade, que o dispensa. E o limite pode transformá-lo em abertura de crédito em conta
corrente (J. GREBER, Das Kontokorrentverhiiitnj,ss 48 s.; sem razão, os anteriores juristas, como J.
CREIZENACH, Der kctufmànnische Contocurrent in gemer rechttieken Bedeutung, 21).

3.MÚTUO E CONTRATO DE CONTA CORRENTE. O que mais caracteriza o contrato de conta corrente é
que as prestações prometidas são atividades computísticas e contabilísticas. Não há mútuo, nem promessa de
mútuo. Quando se fecha a conta corrente e ocorre o reconhecimento é que se estabelece nova relação jurídica,
pois os créditos constantes dos saldos-expedientes, sôbre os quais se pode convencionar fluirem juros, são
créditos com pretensões paralisadas, por sua função meramente contábil. A falta de atenção de muitos juristas à
exterioridade, em relação aos créditos entrados, do conteúdo e da função do contrato de conta corrente, levou ao
desespêro, a ponto de ter um jurista francês afirmado haver sujeito (ente moral) na conta corrente. Não há, tão-
pouco, abertura recíproca de crédito, porque os créditos entrados ficam sem pretensão eficaz e sem ação eficaz,
mesmo no que se refere aos saldos-expedientes.
Uma vez que o contrato de conta corrente torna inexigíveis os créditos entrados e os próprios saldos-
expedientes, tem-se de reconhecer que êle, se não corta a pretensão e a ação, que dêles se irradiam, as coarcta
as paralisa durante o curso da conta.
Não se pode dizer que os saldos-expedientes são outros créditos, que se põem no lugar dos que foram

MÚTUO
computados, nem que há sucessivas compensações, porque a compensação é instituto jurídico, e os saldos-
expedientes, atos meramente instrumentais. Apenas atendem êsses a atividades contabilísticas, mesmo quando
se hajam de computar juros.

4.CONTRATO DE CONTA CORRENTE E CONTA CORRENTE ‘SANeARIA. A conta corrente bancária é


espécie de tiragem de conta, que a prática e as exigências do tráfico bancário e da organização bancária
transformaram em expediente visual. Não há, aí, contudo, contrato de conta corrente. O banco apenas lança os•
levantamentos do crédito que foi outorgado (abertura de crédito), ou os levantamentos feitos contra o depósito
bancário. Debita-se ou retira-se do ativo, respectivamente, o que se levantou. Soma-se e diminui-se. O que se
pagou a outrem é débito que se lança, qualquer que tenha sido, in casu, o papel jurídico do banco (mandatário,
endossatário-procurador, avalista). O que importa é que restem fundos a favor do freguês do banco, porque, se
tal neo acontece, há saque sem fundos.
Ora, no contrato de conta corrente, pode haver saldo-expediente passivo do figurante, sem que se exija,
portanto, o saldo-expediente ativo contra o banco, o que é essencial à conta corrente bancária (SERCIO
SOTOIA, Appuuti per un corso di Diritto bancorio, 255). A eventualidade de saldo-devedor contra o freguês,
na conta corrente bancária, resulta de ter o banco pago o que excedia o saldo-expediente credor que havia, o
que tem explicação em atenção especial por parte do banco. pois atende ao saque como oferta de tomada de
dinheiro em mútuo e a atitude do banco importa aceitação. O assunto, no tocante ao cheque, já foi tratado
(Tomo XXXVII, § 4.106).
Na conta corrente bancária, há a exigibilidade do crédito, ao passo que, se houve contrato de conta corrente, o
crédito o saldo-expediente é inexigível.
Mediante a conta corrente bancária., o cliente tem, por parte do banco, a entrega de dinheiro e outras operações
que são de uso ou foram previstas no contrato, como pagamentos a terceiro, remessas de dinheiro (e. g., ordem
de pagamento, ou por cheque, ou creditação em conta de outrem). Não há a reciprocidade, que distingue o
contrato de conta corrente.

5.CONTAS DE GESTÃO E CONTRATO DE CONTA CORRENTE. Sempre que se lança algum valor no deve
e no haver de alguém, que gestiona negócios, ou de quem se gestionam negócios, há as contas de gestão, a que
também se dá o nome de contas correntes, mas são inconfundíveis, evidentemente, com o contrato de conta
corrente.

CONCLUSÃO DO CONTRATO DE CONTA CORRENTE

§ 4.618. Pressupostos subjetivos e pressupostos objetivos

1.CONCLUSÃO DO CONTRATO DE CONTA CORRENTE. Primeiramente, não há regra jurídica especial


sôbre a forma do contrato de conta corrente.
O contrato de conta corrente prova-se por qualquer dos meios do art. 122 do Código Comercial.
Entre os mesmos figurantes pode ser que existam dois ou mais contratos de conta corrente, com referência a
diferentes negócios jurídicos.
A prestação de cada figurante é prestação de fazer (lançar, anotar), com as consequências da contraposição e da
liquidação contabilística automática, e de inexigibilidade bem como de indisponibilidade dos créditos. Há,
portanto, bilateralidade do contrato. Contrato bilateral, o contrato de conta corrente está sujeito aos princípios
relativos a tal classe de contratos.
O contrato de conta corrente pode resultar de aceitação de oferta ao público. Geralmente, porém, há, da parte
de um dos figurantes, invitatio ad offerendum e, a cada caso, o cliente faz oferta, quase sempre, em papeleta, e o
serviço do estabelecimento toma as providências que importam aceitação e assim se abre a conta corrente.
Nada obsta a que haja contrato de conta corrente entre pessoas que não são comerciantes, nem é essencial que
um dos figurantes seja banqueiro. É desacertado reservar-se para os contratos de conta corrente feitos com
bancos o nome ‘contrato de conta corrente”.

MÚTUO
O contrato, êsse, só se conclui sôbre a abertura da conta corrente: por haver a abertura, há caminho temporal
por onde a conta corre. A propósito do que pode entrar, vige, dispositivamente, o princípio da generalidade das
entradas. Se nada se disse em contrário, tôdas as operações entre os contraentes são de admitir-se, salvo o que
por sua natureza há de ficar fora do caminho trilhável pela conta.
Os figurantes têm a mesma exercitabilidade de remessas. Daí falar-se de princípio da reciprocidade. Na
jurisprudência e na doutrina estrangeiras, a cada momento se fala de compensações sucessivas (e. g.,
GEORGES RIPERT, Traité élémentaire de Droit commercial, 2a ed., 801), o que revela a confusão entre a
operação meramente contabilística e a operação jurídica ao se fechar a conta corrente.
(O direito fiscal pode conter regras jurídicas que distingam, subjetivamente, as contas correntes, mas o assunto
escapa ao direito privado. Cp. 3. SINDOU, Les Intérêts des comptes courants, Studes de Droit commercial,
153.)

2.CAPACIDADE. A capacidade dos figurantes é a que resulta de incidência dos princípios gerais. O que é
preciso é que possam restringir a sua atividade jurídica, no tocante à livre disponibilidade e à não-exigibilidade
do que foi lançado ou anotado.

3.A QUE CRÉDITOS SE REFERE A VINCULAÇÃO À CONTA CORRENTE. Os figurantes podem


enumerar ou definir os créditos de um e de outro a que se reporta a vinculação à conta corrente (aos
lançamentos e anotações, à contraposição e à liquidação, à inexigibilidade e à indisponibilidade). Se nada se
estabeleceu a êsse propósito, são lançados e anotados todos os créditos que sejam entre os figurantes, salvo se o
próprio contrato de conta corrente atende a determinado ramo de negócio (e. g., o contrato de conta corrente
entre o banco e a fábrica pré-exclui os créditos do médico de que é titular o fabricante, contra o banco, por
serviços médicos a empregados do banco, ou os créditos do banco contra a pessoa que tem a fábrica, por
impostos da residência do fabricante).
Se o crédito é legalmente incomparável, também não se pode lançar na. conta corrente, salvo se é a têrmo a
incompensabilidade. Se não se previu a inclusão de créditos náo-pecuniários, êsses ficam fora. A exigência da
compensabilidade dos créditos não é argumento a favor da compensação automática de cada crédito que entra.
Apenas resulta de ter, no futuro, de se tirar o saldo final, que não mais é simples saldo-expediente.
Há contrato de conta corrente quando os figurantes acordam que os créditos ou alguns créditos de cada um com
o outro, conforme remessas, sejam lançados na conta, para que os saldos se tornem inexigíveis e indispensáveis
até que se apure o saldo final, fechada a conta.
O contrato pode discriminar quais os créditos que hão de ser lançados e nada obsta a que haja outros negócios
jurídicos (Tribunal de Justiça de São Paulo, 18 de julho de 1908 e 20 de fevereiro de 1904, S’âo Pa’uio J., II,
377 s., e IV, 215), inclusive outros contratos de conta corrente, entre os figurantes.
Em princípio, têm-se como incluíveis na conta corrente todos os créditos oriundos de operações entre os
figurantes. Em conseqúência, pode um dos figurantes remeter qualquer dêsses créditos e o outro não pode
recusar-se a dar entrada. Excepcionalmente, não se consideram incluíveis os créditos estranhos aos negócios
entre dois estabelecimentos figurantes e os créditos incompensáveis, não porque êsses não possam ser desde
logo compensados (as entradas não determinam compensação), mas sim porque se não compreenderia a
inclusão de créditos que não poderiam ser computados e contabilizados para o saldo final, que é o único saldo
que supõe compensação.
Os créditos que se vencem mais cedo do que o fechamento da conta corrente passam a ter dilação da
exigibilidade. Os créditos que se vencem depois figuram como créditos sujeitos a liquidação, mas expostos à
eliminação, se prevalece a cláusula “salvo embôlso”.
A determinação das operações que podem dar ensejo a entradas na conta corrente não é, como pensava
GUSTAVO BoNEILI (Deila Cainbiale, dell’Assegno bancario e dei Contrato di Conto corrente, 854), pacto
adjecto, mas sim cláusula, razão por que se tem, na interpretação do contrato, se não há cláusula expressa de
enchê-lo, de entender estar implícita. Não se argumente que, fora do contrato de conta corrente, podem os
figurantes excluir, expressa ou tàcitamente, a entrada de alguma

verba ligada a determinada operação. O que ocorre é que os figurantes têm por si facultatividade das remessas
e, dentro dêsse campo, podem pactar no sentido de um dêles não exercer, ou ambos não exercerem, no caso ou

MÚTUO
na espécie, o direito à inserção (cf. P. CLÉMENT, Stude sur le Compte courant, 34 s.). Aí, o pacto é adjecto.
O contrato tem de determinar quais os valôres pecuniários que se podem lançar na conta corrente. Por ser de
contrato normativo que se trata, com isso se dá a extensão do que se há de regular.
Se no contrato nada se disse, explícita ou implicitamente, o que se há de entender é que podem ser lançados
todos os valôres pecuniários que derivam de operações entre os figurantes. Por onde se conclui que, no caso de
omissão, não se levam em consideração todos os créditos (e. g., os créditos oriundos de atos ilícitos absolutos),
e sim apenas os que se irradiam de negócios jurídicos. É de repelir-se a Opinião dos que exigem que a cada
operação portanto, fora do contrato se haja de manifestar a vontade acorde de inserção (e. g., .1. NOELET, Du
Coinpte courant, 79; E. FEITU, Traité dn Compte courant, 33).
lIma das cláusulas permitidas, dependente de ser expressa, é a de um dos figurantes poder dar entrada, ou não,
ao valor que cabe no âmbito das operações determinadas, mas ter o outro o dever de remessa. Já assim,
GusTAvo BONELLI (Dela Cambiale, dell’A.ssegno bancado e dei Contrato di Conto corrente, 854, que
reputava pacto adjecto). Aqui, o que importa é evitar-se pensar-se em que o dever de remessa não pode ser
pactado. Do lado de quem remete, há a facultatividade; portanto, seria supérflua a promessa de não remeter o
que se prende a determinada operação; mas, do lado de quem vai receber e tem o dever de inserir, a restrição
pode ser do interêsse dêsse, porque se lhe retira o dever, no tocante às remessas de que se cogita. O problema
não fôra bem pôsto por A.BOISTEL (Précis de Droit comrnercial, n. 882A; cf. Tkéorie juridique dii Compte
courant, passim), porque não aludiu ao dever de inserção. Quem pode dispensar êsse dever de inserção é quem
ter direito à inserção. Dai exigir-se o consenso (J. GREBER, Das Kontolcorrentverhãltniss, 59), o que não
afasta a manifestação de vontade, por parte do figurante que tem direito à inserção, quanto à renúncia a êsse
direito.
O dever de inserção na conta corrente não abrange aquêles casos em que o inserente teria de ser figurante de
negócio jurídico bilateral, ou unilateral, como se daria se tivesse de aceitar a letra de câmbio que contra êle o
outro sacou. O contrato de conta corrente não se confunde cem o pré-contrato, nem há, nêle, eficácia
semelhante à do pré-contrato.
Se o contrato de conta corrente é entre donos de emprêsas, tem-se por excluído de inseribilidade o que resulte
de fontes jurídicas estranhas aos negócios que as caracterizam. Salvo cláusula ou pacto adjecto, entendem-se
inseríveis todos os créditos que sejam concernentes a elas.
Consideram-se ininseríveis os créditos não pecuniários e os que não seriam compensáveis.
Os direitos à restituição de coisa certa (e. g., comodada ou depositada) não podem ser insertos, mesmo se se
calcula a indenização pelo inadimplemento.
Também não se inclui o que o credor mesmo, posterior-mente ao contrato de conta corrente, teve por ininserível
(rzt se o credor mesmo renunciou ao direito à inserção).

4. FORMA E PROVA DO CONTRATO DE CONTA CORRENTE. A lei não exige forma especial ao contrato
de conta corrente,
nem, sequer, a escrita. A despeito das dificuldades que soem
surgir, pode ser tácita. ou pelo silêncio a conclusão do contrato de conta corrente. A repulsa à aceitação pelo
silêncio é sem fundamento suficiente.
Quanto à prova, cabem as regras jurídicas ordinárias. A prova do contrato de conta corrente nada tem com a
prova ou com as provas dos fatos jurídicos de que se irradiaram os valôres remetidos e entrados.
As manifestações de vontade, para a conclusão do contrato de conta corrente, podem ser tácitas (Supremo
Tribunal de Justiça, 2.3 de novembro de 1889; Relação do Rio de Janeiro, 17 de julho de 1888, O. D., 58, 235;
Relação de Minas Gerais, 2.3 de abril de 1896, verbis “vontade.., que pode ser expressa ou tácita”, 70, 380 5.;
Tribunal de Justiça de São Paulo, 21 de novembro de 1894, G. J., VII, 165> 9 de julho
de 1904, São Paulo ,J., V, 323 s., 6 de setembro de 1905 e 14 de fevereiro de 1906, IX, 66, e 10, 188 s.).

5.GARANTIA REAL OU FIDEJUSSORIA A CREDITO QUE ENTROU. Se algum dos créditos oue entraram
tem garantia real ou fidejussória, tal garantia passa a ser garantia do saldo final, até o importe do crédito
garantido. Essa solução se impõe, porque em verdade é o crédito que continua garantido, e não só dentro dos
limites do saldo final. Com isso, atende-se a que o crédito não perde, entrando, a sua individualidade, a que a
contraposição foi interna, mas derivada do conteúdo co contrato de conta corrente, que é externo em relação
aos créditos, e a que se têm de invocar, ao fechamento, os princípios da imputação do pagamento (Código Civil,
arts. 1.023, 991--994).

MÚTUO
Se são dois ou mais os créditos garantidos. Não há razão para só se considerar vigente a garantia maior, nem
para se proceder à redução proporcional (e. q., ADRIANO FloRENTINO, 11 Conto corrente, 2a ed., 17) :
somam-se as garantias, porém não só respeitados os limites dos saldos (FEDERIOO MARTORANO, Conto
corrente [Contratto di], Enciclo pedia dei Diritto, IX, 662).
Com a inclusão do crédito na conta corrente não há novação, erro em que por muito tempo se incorreu. O
crédito permanece tal qual é. Por isso, nada ocorre contra as garantias, pessoais ou reais. Se há responsabilidade
solidária de outrem, persiste. Os privilégios nada sofrem com a inclusão do crédito, quaisquer que sejam.
Problemas surgiam quanto às garantias. Se há duas ou mais garantias, entenderam alguns juristas que a garantia
maior absorve as outras; outros, que se somam (e. g., J. BREIT, em A. DÚRINGER-M. HACHENBURG, Das
HandeLsgesetzbuch, IV, 669) outros, que se somam, porém só no limite do saldo (FEDERICO MARTORANO,
Conto corrente jjContratto di], Enci cio pedia dei Dirlito, IX, 20). ADRIANO FlORENTINO (Ii Conto
corrente, 17) lançou soluções inadmissíveis: se todos os créditos são garantidos do mesmo modo (isto é, todos
com garantia real ou todos com garantia pessoal, devem ser tidos por extintos pro quota) ; se alguns dos
créditos têm garantia real e outros garantia pessoal, êsses se extinguem e aquêles, proporcionalmente.
Nenhuma razão há para distinções. Os créditos não perderam a individualidade, de modo que persistem
inatingidos. Não há novação. O saldo refere-se a dinheiro entrado e a créditos. As garantias são, de regra,
garantias de terceiro; e não se entenderia que se considerassem sem garantia créditos que ainda não foram
satisfeitos. É preciso atender-se, sempre, a que a conta corrente é contrato normativo. Permanecem as ações e as
exceções, as hipotecas, os direitos de penhor, as fianças, os endossos e os avales, quaisquer ações de regresso e
os privilégios.
Se o crédito contra terceiro foi cedido, ou se houve a tradição do titulo circulável ao portador, endossado ou
avalizado, regem os princípios peculiares a propósito das garantias.
A exigibilidade do saldo contra o outro correntista não importa que os créditos que serviram ao deve e ao haver
percam as garantias que tinham.
Assim, a verdade está em que as garantias permanecem enquanto, segundo os princípios concernentes a cada
uma, não se extinguem.
Diz-se no Código Civil italiano, art. 1.828: “Se il credito incluso nel conto ê assistito da una garanzia reale o
personale, il correntista ha diritto di valersi della garanzia per il saldo esistente a suo favore alla chiusura del
conto e fino alla concorrenza del credito garantito. La stessa disposizione si applica se por il credito esiste un
coobligato solidale”. i, Por que dentro do saldo? O saldo levou em conta créditos contra terceiro, que, pode dar-
se, ainda não foram recebidos. Computaram-se como haver do outro correntista e a garantia é para que o saldo
não se afaste do cálculo com a falta do devedor.

6. CHEGADA DE CRÉDITO CONTRA TERCEIRO. O crédito que chega para lançamento e anotação pode
ser crédito contra terceiro, e não contra o outro figurante do contrato de conta corrente. O crédito pode ser título
cambiário ou título cambiariforme, ou qualquer outro, inclusive a respeito de bens enviados ao terceiro e de
preço ainda não liquido. A função do figurante, que tem de lançar e anotar, é a de exigir o pagamento, desde
logo, se vencido o crédito, ou quando se vencer. Não há solução a priori para os problemas que podem surgir.
Às vêzes, aguarda-se o recebimento do crédito contra o terceiro, para que se faça o lançamento. Outras vêzes,
lança-se e provâvelmente se anota o valor do crédito contra o terceiro, como se a dívida tivesse sido paga. Mais
tarde, talvez se tenha de cancelar ou estornar, se, por exemplo, houve desconstituição do negócio jurídico com o
terceiro, ou despesas com a cobrança e o recebimento, ou diminuição ou extinção em virtude de compensação
com crédito do terceiro, ou erro do lançador.
a) Assim, por vêzes, a chegada é em virtude de relação jurídica de mandato, ou de endôsso-procuração, ou de
outra espécie, mas, de qualquer maneira, estranha à relação jurídica oriunda do contrate de conta corrente. Não
se opera, então, a transferência do crédito, de modo que não há crédito contra o outro figurante, que pudesse ser
desde logo lançado e anotado, como elemento do ativo inexigível e indisponível. Na prática, anota-se sem se
lançar. Se o devedor não paga, não há qualquer atingimento da conta corrente, tendo-se apenas de fazer outra
anotação que esclareça o ocorrido. O emprêgo das duas expressões, lançamento e anotação, tem, nesse como
em outros casos, razão para ser recomendado. Se o figurante que havia de receber fêz despesas e não houve
adimplemento pelo terceiro, essas despesas são lançadas na conta corrente como débito do remetente do
instrumento de crédito, ou, se houve recebimento, deduzidas do quanto recebido ou lançadas separadamente,
isto é, no passivo aquelas e no ativo êsse, antes ou logo após o lançamento do que foi recebido. Não é de
estranhar-se que exista, por acordo dos figurantes do contrato de conta corrente, outra conta, possivelmente

MÚTUO
conta corrente bancária, em que as despesas sejam lançadas.
b)Se o crédito chegado é transferido ao outro figurante, tem de ser lançado por êsse como crédito do remetente,
embora não seja exigível desde logo. Anota-se a particularidade do dia em que se há de vencer. No direito
brasileiro, tem-se, quanto a alguns créditos, por implícita, a clausula “salvo embolso” ou cláusula “salvo
cobrança” ou “salvo encaixe”, de modo que, somente em caso de afastamento da cláusula, se não há o
recebimento, o figurante ou cobra judicialmente o crédito, para que venha a saber qual a quantia recebida (valor
do crédito menos as despesas), ou faz estôrno do.que lançara. Uma vez que, afastada a cláusula “salvo
embôlso”, o figurante, recebedor do instrumento do crédito, se fêz titular do crédito, a responsabilidade do
figurante que o remeteu rege-se pelos princípios concernentes à aquisição do crédito. Por exemplo: o figurante
endossante sómente responde se houve o protesto, ou se autorizou o lançamento do seu débito. Aqui, não há
estôrno, há lançamento de débito, com as despesas que, in casu, incumbam ao devedor. Para crítica ao art.
1.829 do Código Civil italiano, ADRIANO FLORENTINO (Ii Conto corrente, 2Y ed., 19).
Se há a cláusula “salvo embôlso” (ou “salvo cobrança”), ou outra que lhe equivalha, surge o problema da
classificação de tal cláusula. (a) Alguns a consideram condição resolutiva:
houve a transferência, o não-adimplemento desfaz-lhe eficácia, razão por que se procede ao estôrno (e. g.,
SERGIO SOTOLA, Conto corrente, Commentario ai Codice CivUe de M. D’AMELIO e E. FINZI, II, 83).
Verdade é, porém, que o figurante pode preferir ao estôrno a cobrança judicial. (b) FEDERICO MARTORANO
(Conto corrente [Contratto di], Enciclo pedia dei Di.ritto, IX, 663) vê na cláusula “salvo embôlso” (“clausola
salvo incasso”) garantia da solvência, que se há de identificar com a possível cláusula aposta à cessão de crédito
(cf. Código Civil brasileiro, art. 1.074). Se o terceiro não paga, tem o figurante do contrato de conta corrente e
recebedor do título de crédito o direito de contralançar, isto é, de lançar como débito o que lançara como
crédito do remetente. Assim, o nôvo ato de lançamento não seria simples ato de relevância somente contábil,
mas lançamento de verdadeiro crédito de restituição.
A opinião (a) é a que atende à natureza da cláusula, que, no direito italiano, é implícita, em virtude do art. 1.829
do Código Civil italiano, jus dia positivum. Se não foi afastada, nos casos em que o precisaria ser, a cláusula
“salvo embôlso” é implícita; também, no direito brasileiro, a opinião (a) é a acertada. Se se pré-exclui a
cláusula “salvo embôlso”, tem-se de procurar, in caau, qual a responsabilidade do figurante remetente, porque,
se a transferência se fêz sem a cláusula “salvo embôlso” e sem responsabilidade que decorra da transferência
(e. g., endôsso), nada mais pode fazer o figurante que lançou o crédito, como ocorreria, aliás, se não o tivesse
lançado.

Por isso mesmo, tem-se de firmar que o figurante que lançou o crédito a favor do outro tem a ação e. g., a ação
cambiária ou a ação cambiariforme para receber do figurante remetente o que, a despeito da transferência, êle
deve (ANTONIO MORANDO, Ii Contratto di conto corrente, 49 s.; SER010 SOTOJA, Conto corrente,
Commentario ai Codice Civile de M. D’AMELIO e E. FINZI, II, 90). A opinião negativa é de afastar-se, no
direito brasileiro, porque se tem a implicitude da cláusula “salvo embôlso” e, se essa fôra posta de lado, a
exceção a que alguns juristas se referem (e. g., ADRIANO FloRENTINO, II Conto corrente, 2? ed., 22) não
teria cabimento:
o que o figurante remente pode fazer é objetar a sua não-responsabilidade.
Se o erro foi de quem lançou, há o estOrno.
Pode dar-se que se haja lançado o que não fôra remetido, como se entrado tivesse, ou o que fôra remetido e não
entrara, como ocorre no caso de mercadorias enviadas a risco do remetente, ou o que entrara e tivera de ser
restituído a outrem. Em todos êsses casos e nos semelhantes há estornabilidade.
Os títulos de crédito entram, quase sempre, pro solvendo,e não pra soluto, de modo que, se não foram pagos, a
solução é a do estorno, que é o lançamento em contrário, com a anotação que explique por que se lança a débito
o que se lançara a crédito.
A implicitude da cláusula “salvo embôlso” foi assente no direito brasileiro, pelo costume e pela jurisprudência
(Tribunal da Relação de Minas Gerais, 20 de maio de 1896, O li., 70, 561; Tribunal de Justiça de São Paulo, 17
de maio de 1911 e 24 de abril de 1912, São Paulo J., 28, 482 s., e 1?. dos T., II, 246 s.), mas de modo nenhum
como efeito necessário do contrato de conta corrente.
Se a cláusula implícita foi afastada, não há estornabilidade, porque não houve lançamento de crédito recebido
pra solvendo, mas sim de crédito recebido loro soluto. A condicionalidade da inserção do crédito não ocorreu.

MÚTUO
O figurante que lançou o crédito do outro assumiu o risco. (Referiram-se àcondição resolutiva que a cláusula
“salvo embôlso” acarreta o Tribunal de Justiça de São Paulo, a 17 de maio de 1911 e 24 de abril de 1912 (São
Paulo J., 28, 482 5.; R. dos T., II, 246 s.), Jose DA SILVA COSTA (Contrato de Conta Corrente, 45),
(PAULO DE LACEEDA (Do Contrato de Conta corrente, 2•a ~ã•, 203 s.) e J. X. CARVALHO DE
MENDONÇA (Tratado de Direito Comercial, VI, 2? parte, 393 s., e VII, 472).
Todavia, o que é sob condicão resolutiva é o lançamento. Não é o contrato de conta corrente que determina a
cláusula “salvo embôlso”: é o negócio jurídico a que se prende o crédito. Se, por exemplo, o figurante
remetente envia título cambiário ou cambiariforme em que o subscritor ou aceitante é o outro figurante e tal
titulo lhe fôra endossado por terceiro, ou pelo próprio figurante subscritor ou aceitante, ou em tal titulo é
tomador o figurante remetente, ou se o título é ao portador, claro que o subscritor-promitente ou o aceitante não
pode estornar porque êle não pagaria a si mesmo. Tem-se tal titulo como lançado sem estornabilidade, isto é,
como gerador de crédito pro soluto. Por onde se vê que a cláusula implícita “salvo embôlso” não é peculiar ao
contrato de conta corrente, e só se prende aos negócios jurídicos sôbre títulos.
O figurante que lançou o crédito a respeito de cujos negócios jurídicos transiativos vige a cláusula “salvo
reembôlso” tem de evitar que se extinga qualquer ação que o figurante remetente teria; e pode exercê-lo como
titular do crédito que é. Se algo recebe de algum obrigado, somente pode estornar o resto. Se nada recebe, ou
propôe a ação contra o remetente, ou, tendo evitado o não-nascimento dela (e. g., tendo protestado o título
cambiário), faz estôrno. A propositura da ação contra o figurante remetente não importa renúncia ao
lançamento, nem, se o figurante remetente não paga, ou outro não o faz, ao estôrno.
Se o figurante recipiente cedeu o crédito ou endossou o título, ou por outro modo transferiu a titularidade,
somente tem de estornar o lançamento, se, em virtude do seu ato posterior ao lançamento, responde ao terceiro,
e, se não paga, estaria obrigado o remetente. ~ O figurante remetente de título ao portador, que o figurante lança
a crédito do figurante remetente e aliena a terceiro, é irresponsável pelo não-pagamento, porque o figurante
recipiente não podia contar com responsabilidade, que só existe para os endossantes?
Aí o punetum doliens. Ou existe a cláusula “salvo embôlso”, para quaisquer créditos contra terceiros, remetidos
pelo figurante credor, e para o figurante que transmitiu a propriedade e posse do título ao portador, ou a cláusula
“salvo embôlso” deriva da natureza dos títulos, e não é implícita no contrato de conta corrente. A última solução
é a verdadeira.
O figurante recipiente não tem dever de agir contra os terceiros devedores. Pode fazê-lo, sim. Mas é preciso
que por falta sua não fique sem ação , ou sem pretensão e ação, ou com ação ou pretensão encoberta (e. g.,
prescrita) o titular remetente. Não tem o dever de. agir, mas tem o dever de conservar o crédito tal qual é.
Imediatamente após o estôrno, tem de devolver o título ao figurante remetente, endossando-o, se é o caso, ou
deixando ao figurante remetente riscar o endêsso que lhe fizera> o que mais o garante.
Remeteu E a A título cambiário ou cambiariforme contra C, endossado por D e E. Ocorre que C não paga.
Entende ADRIANO FIoItENTINO (Dei Conto corrente, Commentario dei Codice Civile, IV, 402) que A não
pode exercer contra B a ação cambiária ou cambiariforme, porque B teria de remeter dinheiro a A, o que se
chocaria com o principio da liberdade de remessa. Sem razão. A, mesmo se endossou o título, teria de ir contra
E, se o endossatário foi contra êle. A obrigação de E nada tem com a conta corrente. O que é certo é que E
remeteu título que não foi pago e A sofreria o prejuízo. Há a responsabilidade conforme o direito cambiário ou
cambia-. ríforme. Se se eliminasse tal responsabilidade, não só seria ofensiva do patrimônio de Á tal solução
como se abriria margem a fáceis conluios. Tem B de prestar a A, em virtude da cláusula implícita “salvo
reembôlso”, e pode ir contra os que endossaram o titulo.

§ 4.619. Interésses dos créditos

1.JUROS. Sôbre os créditos lançados correm juros, que, na falta de cláusula determinadora do quanto, são os
legais. Podem os figurantes estipular que não correm juros, ou inserir no contrato de conta corrente qualquer
outra cláusula a respeito (e. g., mensalidade, anualidade, bianualidade).
Juros são o que toca ao credor pelo fato de ser privado da soma que se lhe deve. Hoje, os interêsses são, de
ordinário,
4.619. INTERESSES nos CRÉDITOS

só em juros, prestações em dinheiro; porém nada obsta a que se estipulem interêsses em coisas fungíveis que

MÚTUO
não sejam dinheiro. Juros, como os demais interêsses, são rendimento do capital devido; juridicamente, o fruto
civil do crédito. O crédito produz o crédito de interêsses, freqúentemente juros; ao crédito de interêsses, ou,
mais restritamente, de juros, corresponde a prestação de interêsses, ou de juros. Quando se diz que o crédito
produz juros, emprega-se elipse; em vez de “o crédito e produz os juros 1”, deve-se ler “o crédito e produz o
crédito aos juros 5”.
De regra, o interêsse calcula-se por ano, a tantos por cento sôbre a soma devida. Nada obsta que se fixe por
mês, como em direito romano.
O crédito de interêsses é ligado ao tempus; surge sucessivamente, firo rata tem poris, enquanto há crédito que
subsiste e não cessou a relação jurídica tal como era eficaz, Daí a grande importância em se distinguir do que é
interêsse o que é juro moratório.
O contrato de conta corrente supõe que se tenha o dever de lançar ou lançar e anotar em conta os créditos
derivados de remessas de uma pessoa a outra, de modo que se possam computar, ao fim de certo tempo, ou ao
fechamento da conta, débitos e créditos. Há, portanto, parcelas de deve e de haver, extraçâo de saldos, com ou
sem fechamento da conta, e extinção do contrato. A extração do saldo não é mais do que a verificação do estado
da conta, para se saber se há saldo devedor ou credor.
O contrato de conta corrente extinguese, regularmente:
a) pelo advento do têrmo convencionado; b) pelo cúntrarius consensus (distrato) e) pela denúncia vazia, se não
há tempo determinado; d) pela morte de algum dos contraentes; e) pela decretação de abertura da falência
(Decreto-lei n. 7.661, de 21 de junho de 1945, art. 45: “As contas correntes com o falido consideram-se
encerradas no momento da declaração da falência, verificando-se o respectivo saldo”), ou da 1iquidaç~o
coativa, ou do concurso de credores civil; f) pela morte ou interdição do figurante, ou extinção da pessoa
jurídica.
Em qualquer dêsses casos, a conta corrente encerra~se: não há mais direito ou dever de lançamento em conta.
Não se sucede, por morte, em contrato de conta corrente; sucede-se na dívida, OU no crédito. Se o
inventariante, ou algum herdeiro, ou alguns herdeiros, ou todos os herdeiros, continuam de remeter e de sacar,
não continuam, juridicamente, o decujo: há contrato nôvo entre e contraente que sobreviveu e o inventariante,
que representa os herdeiros, ou entre aquêle e o herdeiro, ou alguns herdeiros, ou todos os herdeiros, não se
podendo, nas três últimas espécies, levar à conta do herdeiro, ou dos herdeiros, o que era débito ou crédito do
falecido.

2.JuRos NEGOCIAIS E JUROS NÃO NEGOCIAIS. Os juros ou são negociais ou ex lege por desembôlso, ou
são moratórios. Cumpre que não se pense a respeito de uns quando se trata dos outros. Ainda quando as
soluções para as questões relativas àqueles sejam as mesmas que se hão de dar às questões relativas a êsses, tal
coincidência não os identifica, nem permite que se raciocine a respeito de uns como se em causa. estivessem os
outros. Os juros moratórios ou são com a taxa legal ou com a taxa estipulada.
O Código Comercial, art. 248, alínea 1?, cogita da exigibilidade dos juros em caso de desembôlso, ainda que
não tenha havido estipulação. £ o princípio da frutiparidade dos desembolses comerciais: no comércio, quem
desembolsa tem direito a juros. No contrato de conta corrente, o art. 248, alínea 1•a, do Código Comercial
incide, e não pedia deixar de incidir. Alguns comercialistas confundem êsses juros de capital, eu parcela,
estipulados ou não, com os juros moratórios, o que é imperdoável; outros, desatentos à generalidade do
princípio, foram buscar explicação à pretensa “novação” que existiria nos contratos de conta corrente. A
fluência dos juros derivaria daquele principio.
O Código Comercial, no art. 253, alude à contagem de juros às contas correntes, explicitando que se permite a
contagem de juros sôbre os juros liquidados em conta corrente de ano a ano. Ali, os juros, de que se trata, são os
juros estipulados. Juros de juros somente podem ser juros moratórios, que são os legais, ou os convencionados
(juros da mora fixados em virtude de convenção).
A primeira questão que surge é quanto aos juros do capital, devido a não ter cogitado dêles, diz-se, a lei
comercial,nem a civil. Se não foram convencionados juros, ~há regra jurídica dispositiva segundo a qual se haja
de entender com juros o prestado, a mais, em conta corrente? Se não existe tal regra jurídica dispositiva, ~
existe regra jurídica interpretativa, isto é, regra jurídica que afirme correrem juros em caso de dúvida?

3. REGRA JURÍDICA DISPOSITIVA. - A regra jurídica dispositiva existe, em direito comercial (Código
Comercial, art. 248, alínea 2.~) : “Em comércio podem exigir-se juros desde o tempo do desembôlso, ainda que
não sejam estipulados, em todos os casos em que por êste Código são permitidos ou se mandam contar. Fora

MÚTUO
dêstes casos, não sendo estipulados, só podem exigir-se pela mora no pagamento de dívidas líquidas, e nas
.ilíquidas só depois de sua liquidação”. O ins dispositívum é evidente, com a largueza que resulta dos conceitos
de “casos em que são permitidos” e “casos em que se mandam contar”. Nada tem tal regra jurídica dispositiva
com a que se refere aos juros da mora. Cumpre, ainda, acentuar-se que a estipulação de juros, sem se dizer o
quanto e sem se determinar desde quando se contam, se entende estipulação de juros legais pela mora (Código
Comercial, art. 248, alínea 2J~)
“Havendo estipulação de juros sem declaração do quantitativo ou do tempo, presume-se que as partes
convieram nos juros da lei, e só pela mora (art. 138) ‘~.
No sistema jurídico do Código Comercial, pode haver juros do capital, parcelas ou saldos: a) se houve
estipulação de tais juros, não se entendendo, como tal, estipulação que se não referiu a êles, porque o art. 248,
2~a alínea, do Código Comercial é regra jurídica dispositiva, que, por se não ter dito a que juros se refere a
manifestação de vontade, resolve o problema pela afirmação de se tratar de cláusula relativa a juros moratórios;
b) se não houve estipulação de juros, porque, em virtude do art. 248, alínea 1•a, do Código Comercial, os juros
correm e são exigíveis, desde o tempo de desembôlso, uma vez que não se proibam nas leis. Ainda se não foram
estipulados juros do capital, parcela ou saldos, a mora faz correrem juros, que são os legais, se outra
percentagem não foi fixada.
Uma vez que correm juros do capital, parcelas ou saldos, tem-se de versar segunda questão, que precisa os
conceitos . Qual a percentagem dos juros do capital, parcelas ou saldos, se não foi fixada convencionalmente?
No direito civil, o art. 1.063 do Código Civil foi explícito: “Serão também de seis por cento ao ano os juros
devidos por fôrça da lei, ou quando as partes os convencionarem sem taxa estipulada”. Antes, o art. 1.062
estatui: “A taxa de juros moratórios quando não convencionada (art. 1.262) será de seis por cento ao ano
Se não foram estipulados juros do capital, são êles os legais segundo a Lei de 24 de outubro de 1832, art. 39, ou
o Código Civil, art. 1.063, ou os que os usos comerciais estabeleceram. Preliminarmente, advirta-se em que os
figurantes podem convencionar que não haja fluência de juros, ou que somente haja após o fim de cada período.
Diz a Lei de 24 de outubro de 1832, art. 1.0: “Os juros ou prêmio de dinheiro, de qualquer espécie, será aquêle
que as partes convencientes. No art. 2.0: “Para a prova desta convenção é necessária escritura pública, ou
particular, não bastando nunca a simples prova testemunhal”. No art. 3.0: “Quando alguém fôr condenado em
juízo a pagar jures que não foram taxados por convenção, contar-se-ão a seis por cento ao ano”. A regra jurídica
do art. 3•0 da Lei de 24 de outubro de 1832 ou do art. 1.063 do Código Civil é dispositiva. No plano do direito
comercial, os usos podem estabelecer manifestação de vontade, o que afasta, então, a incidência da regra
jurídica dispositiva (cf. Tomo III, § 256, 4).
O contrato de conta corrente pertence à classe dos contratos que se extinguem com a morte de qualquer dos
contraentes, razão por que, morrendo o correntista, têm os bancos ou outras casas, com que se contratou conta
corrente, de enviar ~o juízo de inventário o extrato final (= extrato da conta de deve e haver, após o
encerramento pelo fato da morte). Qualquer movimentação de conta corrente por inventariante, ou por herdeiro,
ou herdeiros, seria nOvo contrato de conta corrente. Após isso, somente podem ser responsabilizados pelos
juros da mora, que não tendo havido estipulação entre os sucessores e a firma são os de seis por cento.
Se os herdeiros depositaram o quanto que devia o decujo e a firma o levantou “por conta”, não pode essa
discutir a procedência do depósito, porque não se admite levantar e discutiam
No sentido de haver juros recíprocos nos contratos de conta corrente, o Supremo Tribunal de Justiça, a 6 de
junho de 1863 (MArRA, Jurisprudência dos Tribunais, 1, 172), a Re.lação de Ouro Prêto, a 13 de outubro de
1874 (O D., VII, 330, o Tribunal de Justiça de São Paulo, a 14 de maio de 1898, a 22 de outubro de 1902 (O..!.,
22, 154 s.), a 21 de março de 1903 (São Paulo J., 1, 430 s.), a 14 de março e a 26 de agôsto de 1903 (1, 382, e
II, 552), a 23 de maio (V, 123 s.) e a 3 de outubro de 1904 (VI, 146 s.), o Tribunal da Relação de Minas Gerais,
a 24 de novembro de 1920 (1?. de D., 61, 160). No mesmo sentido, o Supremo Tribunal Federal, a 19 de agôsto
de 1903 (O D., 96, 92 s.). Não cabe invocar-se a jurisprudência para as contas que não são contas correntes e
que se regem por outros princípios (Tribunal da Relação de Minas Gerais, 24 de novembro de 1920, 1?. de D.,
61, 160 s.).
O art. 254 do Código Comercial diz, explicitamente, que ~‘não serão admissíveis em juízo contas de capital
com juros, em que êstes se não acham reciprocamente lançados sôbre as parcelas do débito e crédito das
mesmas contas”.
A existência de contrato de conta corrente não pré-exclui os direitos que por outros negócios jurídicos possam
ter os figurantes (comissões, reembôlso de despesas, serviços prestados).

MÚTUO
4.CAPITALIzAÇÃO. - Os juros podem ser capitalizados, se foi estipulada a contagem intercalar, ou se há
fechamentos periódicos da conta corrente. A capitalização pode ser por períodos, diferêntes daquele que se
fixou para o fechamento da conta corrente, mesmo se não periódico. De qualquer modo, é direito costumeiro
(estilo das praças de São Paulo e do Rio de Janeiro, por exemplo) contarem-se anualmente e haver a
capitalização, ou a cláusula de se contarem em menor período (Tribunal de Justiça de São Paulo, 20 de agôsto
de 1895, R. M., 1, 250 s.).
O art. 253, alínea 1~a, do Código Comercial cogita da capitalização anual quando diz: “É proibido contar juros
de Juros; esta proibição não compreende a acumulação de juros vencidos aos saldos liquidados em conta
corrente de ano a ano”. Em contrato de conta corrente pode-se estabelecer que os saldos sejam de seis em seis
meses, porém os juros de juros só se contam de ano a ano (Supremo Tribunal Federal, 14 de agôsto de 1952, 1.,
1, 247, 30 de outubro de 1952, A. J., 106, 300, 13 de abril de 1953, D. da J. de 7 de março de 1955, 891; sem
razão, a Câmara Cível do Tribunal de Apelação da Bahia, a 10 de junho de 1942, 1?. dos T., 150, 715, e o
Tribunal da Relação de Minas Gerais, a 7 de março de 1908, 1?. F., IX, 273).
5.JUROS E RECONHECIMENTO DE SALDO. Após o reconhecimento do saldo, que é negocial, nada obsta a
que se contem juros, porque não há mais juros sôbre que se hajam de contar; há conta nova. Ou há juros da
mora, ou juros da nova conta corrente (no mesmo sentido, o Tribunal de Justiça de São Paulo, a 7 de outubro de
1947, E. dos 2’., 171, 146). A Junta Comercial do Estado de São Paulo, a 16 de junho de 1899, regulou as
contas correntes entre comissários e comitentes; e a 13 de agôsto de 1901 entendeu que era costume serem
semestrais as contas dos correntistas, devendo ser capitalizados os juros. Entendeu a Junta a 16 de junho de
1899 que os juros começam a correr imediatamente após os encerramentos ou balanços, com o que se
conformou o Tribunal de Justiça de São Paulo, a 14 de março de 1903, a 26 de agôsto de 1903 (São Paulo L, 1,
381, ~ II, 552) e a 6 de fevereiro de 1909 (19, 212). Faltou-lhes dizer que tal ocorre se o saldo foi reconhecido
(reconhecimento negocial). Não bastam os saldos-expedientes semestrais, cujo reconhecimento é ato jurídico
stricto sensu, e não negócio jurídico.

§ 4.620. Efeitos das entradas

1.ENTRADAS DE CREDITOS. Ao entrar, o crédito torna-se inexigível e indisponível. O correntista que teve o
seu crédito lançado não pode cedê-lo, nem doá-lo: o crédito foi indisponibilizado pelo lançamento. Nem pode
exigir do outro figurante que lho restitua. Não se pode pensar em novação, porque os créditos conservam a sua
individualidade, a despeito de se tornarem inexigíveis e indisponíveis (WOLFGANG fiEFERMEHL,
Grundfragen des Kontokorrents, Festschrift fúr II.LEHMANN, II, 549). A inserção na conta corrente não lhe
tira a origem, nem a causa. Continua o negócio jurídico, de que se irradiara, exposto às ações de nulidade, de
anulabilidade, de resolução ou de resilição, de rescisão ou de denúncia, de cuja sentença desfavorável ao credor
resulta ter-se de cancelar o lançamento (cf. ADRIANO FlORENTINO, Ii Conto corrente, 2~a ed., 7), isto é,
cancelar ou estornar a verba.
2.EFEITO PRECÍPUO. O efeito precípuo do contrato de conta corrente é a contraposição dos créditos, com a
homogeneidade das entradas. Não é exato, porém, que os créditos percam a sua individualidade, frase que
escapou ao Tribuna! de Justiça de São Paulo, a 19 de agôsto de 1903 e a 9 de abril de 1904 (São Paulo J., II,
511, e IV, 476), como se a compactitude, a homogeneidade do todo, pela destinação implícita na corrida,
importasse desindividualizar os créditos. Evitou-a, a despeito de aludir, erradamente, a “individualidade”, o
mesmo Tribunal de Justiça de São Paulo, a 9 de outubro de 1909, a 31 de janeiro de 1910 e a 8 de março de
1911 (São Paulo J., 21, 167, 22, 89, e 25, 341 5.; cf. Supremo Tribunal Federal, 2 de abril de 1919, 1?. de D.,
57, 140 s.).
Os créditos, antes do fechamento da conta corrente, não se fundem com os outros créditos, nem mesmo depois,
porque o crédito pelo saldo reconhecido é outro crédito, uno, porque é um só. De modo que não se pode, sem
imagem imprópria, falar de indivisibilidade.
Durante a corrida da conta também não se há de cogitar de invocação das regras jurídicas sôbre imputação de
pagamentos. A razão para isso é muito simples. Não seria possível aludir-se a imputação de pagamento se não
há, a respeito dos créditos entrados, pagamento. Com as entradas, nada se paga. Incluir em conta corrente não é
pagar: é figurar como credor. As’ remessas são credendi causa e não solvendi causa.
A expressão “indivisibilidade dos créditos” há de ser repelida. Estêve em voga por todo o mundo jurídico. Mas

MÚTUO
proveio do enunciado falso, que era da novação e, em conseqúêneia, da perda da individualidade dos créditos
entrados. Haveria profunda contradição se se falasse de indivisibilidade, sendo tantos os créditos distintos e
individuados. Ainda falava de indivisibilidade J. X. CARVALHO DE MENDONÇA (Tratado de Direito
Comercial, VI, 2•a parte, 396).
Não há novação, nem há compensação, porque a tiragem dos saldos, durante o curso da conta, é mero
expediente contabilístico (saldos-expedientes).
No Código Comercial italiano de 1882, art. 345, inciso 1, dizia-se, erradamente, que a inclusão do crédito na
conta corrente produzia novação, o que determinava a extinção da garantia que eventualmente tirasse o crédito
e a preclusão de tôdas as ações e exceções que dêle emanassem. O nôvo Código Civil repeliu-o. A inclusão do
crédito só tem o efeito de tornar inexigível e indisponível o crédito e destiná-lo a futura compensação .
No Código suíço das Obrigações, art. 117, teve-se de afastar a jurisprudência que apresentava a novação; mas
adverte-se que há novação se o saldo é reconhecido. Esse reconhecimento seria negócio jurídico, razão por que
nova. Os reconhecimentos dos saldos-expedientes não poderiam ter êsse efeito.
Se descemos ao exame do reconhecimento do saldo, pomo-nos diante do trilema: ou a) se trata de negócio
jurídico de reconhecimento, o que permitiria (não imporia) a concepção suíça; ou lO há negócio jarídico de
reconhecimento sem a novação a que se faz referência no Código suíço das Obrigações, art. 117; ou e) o
reconhecimento em questão é apenas ato jurídico stricto sensu. O reconhecimento ato jurídico stricto sensu é o
ato pelo qual há o enunciado de fato, sem haver a vontade que o envolva.
O reconhecimento de dívida ato jurídico síricto sensu éaquêle em que não há manifestação de vontade negocial
e apenas contém enunciado de fato, que entra no mundo jurídico como ato jurídico stricto sensu, isto é, ato
jurídico de que não resulta negócio jurídico. Para o efeito, por exemplo, do .art. 172, V, do Código Civil, basta o
reconhecimento ato jurídico sIneta sensu (cf. Tomo VI, § 686).
O ato contabilístico, em si, mesmo feito pelos interessados, não entra no mundo jurídico. A afirmação “está
certo” já penetra no mundo jurídico. Mas o reconhecimento negocial é outra figura: quer-se enunciar que existe,
eu que não existe, aquilo que está em exame. Não é verdade que tal reconhecimento produz sempre novação.
Só há novação se os créditos computados se extinguiram, porque só assim se pode falar de nôvo crédito (Tomos
XXII, §§ 3.577-3.579; XXV, § 3.021, 1, 2, 3). O que se há de supor, quando se reconhece saldo, éque falta
animsus novandi (cf. Código Civil, ad. 1.000). Uma vez que há compensacão, novação não há. Há saldo
declarado, e não crédito nôvo. O negócio jurídico é de reconhecimento, sem ser novativo. A solução verdadeira
é, portanto, a solução b). Para que houvesse novação seria preciso introduzir-se o plus do crédito nôvo, sem se
pensar em mero reconhecimento do saldo, da dívida após compensação. Daí ter sido errada a regra jurídica do
art. 117, alínea 2~a, do Código Civil suíço, onde se diz que há novação quando o saldo da conta foi tirado e
reconhecido.
O lançamento do crédito de modo nenhum importa (sem razão, o Tribunal do Comércio da Côrte, a 22 de
setembro de 1873, O D., 1, 473 s.; a Relação de Minas Gerais, a 23 de abril de 1896, 70, 380 s., e a 6 de julho
de 1907, 1?. F., IX,261 s., e o Supremo Tribunal Federal, a 4 de setembro de 1920, 1?. do S. 7’. 9., 28, 218),
nem produz compensação.
A compensação só se dá ao se fechar a conta corrente, calculando-se, então, o saldo.
No deve e haver estão contabilisticamente as entradas. Podem ser mudadas, mas o saldo é apenas contabilístico
(saldo-expediente).
Se se fechou a conta corrente, o que importa ter deixado de ser conta que corre (é conta, não mais corrente), o
reconhecimento do saldo que foi tirado, é negócio jurídico de reconhecimento, sem qualquer novatividade. Não
se pode falar de novação, salvo se se introduz algo nôvo que ultrapasse a operação compensatória.

3.SE HÁ COMPENSAÇÃO ENTRE CRÉDITOS ENTRADOS. Quando se fala de créditos entrados, em


verdade se alude a créditos de cada um dos figurantes: a cada crédito de um corresponde diminuição do ativo
do outro figurante, mas só no plano contabilístico. Lançando-se o débito de um, lança-se o crédito do outro.
Aqui, convém lembrar-se que há quatro teorias: a) a teoria da liquidação e da compensação final; (4 a teoria
das liquidações e das compensações eventuais; o) a teoria das liquidações e das compensações a cada
lançamento; d) a teoria da incompensação inclusive quanto ao saldo final.
Segundo a rim eira teoria, enquanto não se ultima o fechamento da conta corrente, não há, própriamente,
liquidação e compensação, mesmo se um dos figurantes está interessado em saber qual o saldo (saldo-
expediente) do momento. Ésse saldo seria mera informação do estado dos créditos lançados, sem se poder
pensar em liquidação e compensação. Sustentaram-na, por exemplo, ANTONIO MORANDO (II Contraito di

MÚTUO
conto corrente, 84 s.), ADRIANO FlORENTINO (Ii Conto corrente, 2•a ed., 8) e GÍINTUER BEITZKE
(Probleme des Kontokorrents, Festschrift fiir JULIUS vON GIERKE, 9). E é a teoria certa.
A indisponibilização serve exatamente à contraposição e à liquidação automáticas para fins contabilísticos,
mesmo se não se fizeram os cálculos e até mesmo no tocante a créditos não liquidados.

A segunda teoria como que permite a liquidação e a compensação a líbito de qualquer dos figurantes, sem que
se corte a indisponibilização (cf. GÓPPERT, Zur Vereinfachung der Lehre vem Kontokorrent, Zeitsehrift fitr
das gesamte tIandelsrecht, 102, 191 5.; WEISPFENNIG, Em Beitrag zur Lehre vom Rontokorrent, Juristisefle
Wochensehrift, 67, 3091 s.). O que devemos fazer é abstrair do fato material das somas dos créditos
contrapostos, do escrito da sua liquidação e do cálculo do saldo-expediente, e atendermos a que a liquidação se
há de supor feita e a extraíbilidade do saldo-expediente, dentro de todo o tempo, é resultante de contraposição
automática. Os créditos contrapostos coexistem e se calculam para a extração dos saldos-expedientes, sem
necessidade de ter havido a concreta aplicação do processo técnico-contabilístico.
A terceira teoria é a que sustenta haver a compensação automática a cada entrada se do outro lado há crédito.
Na sua espécie originária, era teoria da novação a cada entrada. Aliás, a alusão à novação provinha de leis
estrangeiras, que não haviam partido de doutrina segura.
A quarta teoria afasta a figura da compensação mesmo no tocante ao crédito final. Foi adepto de tal teoria, no
Brasil, J. X. CARVALHO DE MENDONÇA (Tratado de Direito’ Comercial, VI, 2.~ parte, 397).
TEIxEIRA DE FREITAS (Consolidação das Leis Civis, nota 21 ‘ao art. 361) foi preciso quando disse que nem
tôda conta é conta corrente: a conta corrente corre, isto é, “vai demonstrando, reciprocamente, as parcelas do
débito e do crédito, sem compensação de umas com outras, para no fim do ano, ou de outro período, fazer se
então a liquidação ou compensação total”. Viu bem o que se passa.
No contrato de conta corrente, nenhum dos figurantes
•pode invocar o crédito, que tem, antes de se fechar a conta à época fixada. Assim, não pode cobrar a dívida,
nem alegar compensação, nem ceder o crédito. Trata-se de parcelas que estão destinadas a extração de saldo.
Isso não importa perderem os créditos a natureza que têm.
Os interêsses, uma vez computados, não são entrada, porque, para que o fôssem, seria preciso que se
capitalizassem.
Fechada a conta, os interêsses se inserem no saldo, e os juros moratórios silo sôbre o todo.
A jurisprudência brasileira iniciou-se, a respeito, com a afirmação de haver compensação no fechamento da
conta correntee (Relação de Minas Gerais, 23 de abril de 1896, O D., 74, 389 s.). Sem razão, J. X. CARVALHO
DE MENDONÇA (Tratado de Direito Comercial, VI 2a parte, 397).

4.FECHAMENTO DA CONTA CORRENTE. O fechamento da conta corrente é conforme a cláusula


contratual, ou conforme os usos. Se não há têrmo, há denunciabilidade vazia para qualquer dos figurantes.

5.GARANTIA REAL OU PESSOAL DO FUTURO E EVENTUAL. CRDITO DO SALDO. Pode ser


constituída garantia real ou pessoal para o saldo (xx para o crédito do saldo). Aí, há garantia de crédito futuro e
eventual. Sôbre garantia real de créditos futuros, Tomos V, § 577, 9; XX, §§ 2.419, 3; 2.536, 2; 2.542, 4; e
XXIII, § 2.823, 1, 2.
Discute-se se pode haver garantia real antes de se abrir a conta corrente. Desde que se diga qual a conta
corrente que vai ser contratada, vale a garantia real, mesmo em se tratando de hipoteca. Sem razão, ADRIANO
FlORENTINO (II Conto corrente, 36), por se apegar à expressão “rapporto già esistente”, que aparece no art.
2.852 do Código Civil italiano.
Um dos meios usados de garantia é a subscrição de titulo cambiário, com o aval ou o endôsso de outrem. Se foi
emitido o titulo cambiário sem aval ou endôsso de outrem, apenas se quis tornar mais seguro e rápido o
adimplemento quanto ao saldo. Mas há a exceção do devedor, fundada na inexatidão do saldo.

§ 4.621. Saldo e reconhecimento

1.RECONHECIMENTO DO SALDO. . Se o saldo é verificado por um dos figurantes do contrato de conta


corrente, faz-se mister que o outro o reconheça. Na prática, envia-se ao outro figurante o extrato da conta
corrente, com a tiragem do saido. O outro figurante diz se o reconhece, ou se o não reconhece, apontando,

MÚTUO
então, as discordâncias. Se não se fixou prazo razoável, findo o qual se teria o silêncio como reconhecimento,
podem o extrato e o saldo ficar sem a eficácia de evitar controvérsias futuras.
O reconhecimento, aí, é negócio jurídico de reconhecimento. Trata-se, não de ato jurídico stricto sensu (Tomos
II, §§ 237, 2, in flue, e 239; III, § 278, 1), mas de negócio jurídico (Tomo XXIV, § 2.991, 3, e 2.992, 4). À
diferença dêsse reconhecimento, o reconhecimento de saldos-expedientes é ato jurídico stricto sensu.
As objeções e exceções concernentes aos créditos extinguem-se com o ato de reconhecimento, porque,
tratando-se, como é o caso, de reconhecimento do saldo final, tem-se de pensar em reconhecimento do crédito,
após compensação.
Nem o reconhecimento do saldo, nem a decisão judicial de liquidação da conta corrente, que o deve mencionar,
podem afastar incidência da cláusula “salvo embôlso” para os creditos não vencidos até a data do
reconhecimento do saldo ou do proferimento da sentença, salvo se o reconhecimento do saldo ou a decisão
judicial consideraram que, in cata, se afastara a cláusula “salvo embôlso”.
O saldo devedor tem de ser enviado ao figurante devedor, como ocorre com o saldo credor. O interessado pode
reclamar contra omissões, erros e inclusões ilegítimas. Tem de haver prazo para isso. Se não foi fixado, há de
ser aquêle em que há tempo para resposta. Se há determinação contratual do prazo, o silêncio é reconhecimento
do saldo. Há reconhecimento de jeito que todo o passado é sem investigabilidade (Tribunal de Justiça de São
Paulo, 9 de agôsto de 1895, R. M., 1, 218, 24 de agôsto de 1894, 1, 308 s., 24 de abril de 1896, III, 51, 18 de
julho de 1896, III, 273, e 28 de setembro de 1904 (São Paulo J., VI, 92 s.). No reconhecimento por ato
negocial,. como é o caso do reconhecimento do saldo, se fechada a conta corrente, há o elemento declaratório,
que não pode ser pôsto de lado. O que não há é o elemento novativo, que importaria constituição de outro
crédito. Ora, o que houve foi declaração do quanto após compensação, em virtude de se ter fechado a conta
corrente (mx de ter deixado de ser corrente). Não, portanto, novação.
Para obter o reconhecimento do saldo, é de uso remeter o figurante o saldo, ou o extrato da conta corrente com
o saldo,,

4.621. SALDO E RECONHECIMENTO


dizendo qual o tempo findo o qual terá como reconhecido o saldo. Pelo correio, tem de ser registada a carta.
Entregue em mão, há de voltar o recibo, ou a segunda via, devidamente assinada pelo figurante recipiente.
Se expirou o prazo para a resposta, tendo-se dito que a falta o silêncio seria tratada como manifestação de
vontade recognitiva, concluído foi o negócio jurídico de reconhecimento do saldo.

2.CRÉDITO CERTO E LIQUIDO DO SALDO. Com o reconhecimento negocial do saldo, há crédito certo e
líquido, exigível pelo figurante credor. Se não se exige o pagamento, se não fôra convencionado remetê-lo, ou
se o figurante devedor, que o poderia remeter, não o remete, sponte sua, conforme seria a solução melhor para o
credor, ou se o não deposita em consignação, ou se não comunica ao figurante credor que não mais quer a conta
corrente, a permanência do saldo exigível, com entradas posteriores, tem de ser considerada renovação do
contrato de conta corrente, a tempo indeterminado.
O interêsse sôbre o saldo decorre desde a data do fechamento da conta corrente, não, como se tem pretendido,
desde o dia em que se fêz a liquidação. A exigibilidade e a fluência nem sempre coincidem. Se se tarda em
liquidar, nem por isso deixaram de fluir. Exigidos é que êles só o podem ser depois ‘de liquidados. Desde que se
fecha a conta (e o fechamento é automático, salvo cláusula em contrário), começam de fluir os interêsses. Não é
preciso que se abra conta nova para que o saldo produza os juros.
Também é de refugar-se a opinião que sustenta só haver juros depois do reconhecimento do saldo. Assim
pensavam, sem razão, GUSTAVO BONaLI (Delia Cambiale, dell’Assegno bancario e dei Contratto di Conto
corrente, 892), UMEERTO NAVARRINI (Trattato di Diritto commerciale, II, n. 772) e
A.RAMEILA (DeI Contratto di Conto corrente, dei Mandiitto camm.erciale, della Comissione, n. 51).
Os interêsses fluem desde o fechamento. Assim, certos,
.1.BREIT (A. DÚRINCER-M. HACRENBURGER, Das Handelsgesetzlncch, IV, 653), Ii. STAUB
(Kommentar zum Handeisgesetzbuch, II, 1, liA ed., 247), GÕPPEiRT (Zur Vereinfachung der Lehre vom
Kontokorrent, Zeitschrift fhir das gesatem lei Handelsrecht, 102, 189 e 199), SCHLEGELBERGER-
HEPERMmIL <Schiegeiberger HandeLsgesetzbh ~fl, g•a ed., 1409) e os demais. Cf. Código Comercial
alemão, § 355.
No momento em que o crédito se torna líquido, há a agibilidade, mas os interêsses fluíram desde o fechamento

MÚTUO
da conta corrente. No momento em que se fecha começa a fluência dos juros. Trata-se, nas opiniões erradas, de
confusão entre fluência e exigibilidade.
(Sôbre as remessas os juros ou são os legais, ou acima ou abaixo da taxa legal.)
O saldo produz juros, conforme os princípios gerais, desde a data do fechamento da conta corrente, e não da
apresentação do extrato de conta corrente ou do reconhecimento do saldo (PLATANIA, Ii Co-ntratto di conto
corrente, 118; ADRIANO FioRENTINO, Ii Conto corrente, 2.~ ed., 35). Erradas as duas opiniões que aludem à
apresentação do extrato e ao reconhecimento do saldo (e. g., Apelação de Nápoles, 24 de janeiro de 1956).
Extinta a relação jurídica da conta corrente, sem que outra lhe suceda, a falta de prestação do saldo faz incorrer
em mora o devedor. Os juros são os juros moratérios.
Os figurantes podem pré-estabelecer ou estabelecer garantia, real ou pessoal, do saldo. Nada obsta a que se
hipoteque ou se empenhe algum bem, ou se dê garantia fidejussória, ao débito futuro e eventual.
3. COMPENSAÇÃO. Se se diz que o único crédito exigível é o saldo da conta corrente, não se pode deixar que
ver, nesse momento, o fato jurídico da compensação. Não há compensação durante o curso da conta, a cada
entrada de crédito contraposto a outro ou a outros; mas é ineliminável a compensação quanto ao saldo, e
exatamente isso foi o que se teve por fito com a abertura da conta corrente, ou, melhor, com o contrato de conta
corrente. Durante o correr da conta, qualquer saldo é saldo-expediente, de caráter e função sé computísticos e
contabilísticos. Só essa concepção se concilia com a ‘afirmativa da inexigibilidade até o fechamento.
Uma vez que se afirma haver, ao têrnio ou implemento de ‘condição para fechamento, compensação, afasta-se
que haja novação. Não nova quem só reconhece compensação. Quem reconhece saldo reconhece que se
procedeu à operação de compensação.

§ 4.622. Fechamento da conta corrente e extinção da relação jurídica irradiada do contrato

1.EXTINÇÃO DA RELAÇÃO JURÍDICA ORIUNDA DO CONTRATO DE CONTA CORRENTE. Nem


sempre coincidem o fechamento da conta corrente e a extinção da relação jurídica que se irradia do contrato de
conta corrente. De ordinário, ao fechar-se a conta corrente, a relação jurídica continua. O fechamento da conta
corrente não depende, em princípio, do reconhecimento do saldo, mas a relação jurídica entre os figurantes só
se extingue após isso, ou em virtude de sentença, ou morte, ou interdição, salvo se foi inserto têrmo final, ou se
houve distrato, ou denúncia, ou arresto ou penhora do saldo, ou extinção do processo jurídico, ou abertura de
concurso de credores. A denúncia é declaração unilateral de vontade. No caso de fusão de sociedade, há
extinção da relação jurídica. A abertura de concurso de credores também extingue a relação jurídica.
Denunciado o contrato de conta corrente, extingue-se a relação jurídica que dêle se irradiara e não pode haver
lançamentos na conta. Tratar-se-ia de outro contrato de conta corrente, se um dos interessados lançou e o outro
aquiesceu, ou se um pediu que o outro lançasse e êsse o atendeu.
Em qualquer dos casos que não seja o de advento do têrmo final, ou de alguma condição resilitiva, o figurante
somente pode exigir o saldo quando se atinja o termo final, ou se impla a condição resilitiva.
O fechamento da conta corrente ou encerramento pode ser intercalar ou definitivo. Intercalar êle o é se, apesar
do reconhecimento do saldo, a conta corrente continua, como efeito do mesmo contrato. Juridicamente, o saldo
e o reconhecimento são como se não se tivesse previsto essa continuidade, que é da eficácia contratual sem se
pré-estabelecer a identidade da relação jurídica. Uma acabou e a outra, embora irradiada do mesmo contrato,
iniciou-se. Se o saldo não é exigido, ou, de qualquer modo, prestado, credita-se no nôvo tempo e sôbre êle se
contam os juros. O que se passa, no fundo, e a pausa para a exigibilidade.
2.DISTRATO. O acordo dos figurantes no sentido de se extinguir o contrato de conta corrente é distrato e tem
de ter a mesma forma do contrato, ou forma de mais alto grau. Cp. Código Civil, art. 1.093, 1.~ parte.

3.ExPIRAçÃo DO PRAZO. Se não há prazo determinado para a duração do contrato de conta corrente, pode
extinguir-se por denúncia vazia (cf. Tribunal de Justiça de São Paulo,, 2 de dezembro de 1905, São Paulo J.,
IX, 431 s.).
Todavia, pode fechar-se a conta corrente e, a despeito disso, continuar eficaz a relação jurídica irradiada do
contrato de conta corrente: fechou-se a -conta corrente, tirou-se o saldo, houve o reconhecimento, nus, em
virtude do mesmo contrato de conta corrente, pode haver entradas.

4.FALÊNCIA , LIQUIDAÇÃO COATIVA E CONCURSO DE CREDORES CIVIL. Quando se inicia a


eficácia da decisão de decretação de abertura da falência, da liquidação coativa ou do concurso de credores

MÚTUO
civil, extingue-se o contrato de conta corrente. Credores do saldo são os credores concursais. O pedido de
concordata preventiva e a decretação da concordata que se pediu nenhuma conseqUência têm quanto ao
contrato de conta corrente. Apenas se tem de liquidar o saldo, o que há de ser no dia da apresentação do pedido
de concordata.
Se o figurante incurso em falência ou em liquidação coativa faz concordata, a conta corrente não se reabre.

5.ERROS DE CÁLCULO E DE ESCRITA, INEXATIDÕES MATERIAIS. A despeito de ter havido o


reconhecimento do saldo, o Tribunal de Justiça de São Paulo, a 12 de janeiro de 1907 (São Paulo J., 14, 198 s.),
acertadamente decidiu que os erros. de cálculo ou de escrita e as omissões podem ser corrigidos. Não se poderia
negar a corrigibilidade do negócio jurídico de reconhecimento nos mesmos casos em que se permitiria a
corregibilidade das decisões judiciais a respeito de liquidação ou, de quaisquer outras (Código de Processo
Civil, art. 285).

6.AÇÕES DO FIGURANTE. Se expirou o prazo para a~ conta corrente, sem cláusula contratual para início de
nova conta, a falta de reconhecimento do saldo faz nascer a ação’ de liquidação judicial da conta corrente, a
fim de que, apurado o saldo, se pague ao figurante credor, que pode não ser o autor da demanda.
Se há de suceder nova conta corrente, em virtude do contrato, o saldo é lançado na nova conta. Todavia, mesmo
se a conta corrente há de persistir, a tiragem do saldo e o seu reconhecimento são de interêsse legitimo do
correntista e a ação de liquidação judicial da conta corrente é proponível.
Não se trata, portanto, de ação de prestação de contas. O que se alega e que se tem de provar é que houve
omissão, entrada indevida, ou erro, e o que se pede é a declaração do quanto devido a qualquer dos figurantes e
a constituição do saldo. A carga de eficácia da sentença é ~ de constitutividade, ~~‘“ de declaratividade, *** de
condenatoriedade, ~ de mandamentalidade e ** de executividade (cf. Comentários ao Código de Processo
Civil, Tomo XII, 421 s.). Se a lei processual civil, como é o caso do Código de Processo Civil, art. 298, XII,
confere ação executiva aos créditos certos e liquidos, a sentença, como titulo, tem eficácia executiva, embora
‘não esteja isso na sua carga de eficácia. É plus que a lei processual lhe atribui, como titulo certo e líquido, que
é.
O figurante recebedor, dito, também, recipiente, pode não dar entrada ao crédito, por entender que lhe falta
existência, ou que há invalidado do negócio jurídico de que se diz ter resultado, ou que está encoberta a sua
eficácia (e. g., prescrita a pretensão). Mas nasce-lhe o dever de avisar, imediatamente, o remetente. Se não
procedeu com justiça, os riscos são seus, porque, pelo contrato de conta corrente, se vinculou aos lançamentos
que juridicamente tenham de ser feitos. Tanto mais quanto a inserção do crédito na conta corrente não elimina o
que o figurante, que o lança, pode alegar contra êle, como objeção ou como exceção. Os créditos lançados não
perdem a sua individualidade, a despeito do todo homogêneo que a conta corrente lhes dá, computística e
contabilisticamente. Se o crédito não existia (e. g., era falsa a assinatura do devedor no título que o figurante, ou
alguém, em vez dêle, enviara), ou se era nulo o negócio jurídico, ou anulável e foi anulado, ou foi resolvido, ou
resilido, ou rescindido, ou por outro modo extinto, pode alegá-lo o figurante recipiente e proceder conforme são
o seu direito e as circunstâncias. Se a atitude dêsse
não depende de decisão judicial (e. g., sentença decretativa de anulação, ou de rescisão), como se é inexistente o
crédito ou nulo o contrate de que se supunha decorrente, cabe o estórno .

7. PRESCRIÇÃO. Uma vez que a referência do art. 445 do Código Comercial é a quaisquer dívidas provadas
por contas correntes, as que resultam do saldo exigível da conta corrente, em virtude de contrato, têm o prazo
de prescrição de que cogita a regra jurídica: “As dívidas provadas por contas correntes dadas e aceitas”
entenda-se, por extratos de conta corrente e saldo reconhecidos pelo outro figurante “ou por contas de vendas
de comerciante a comerciante presumidas líquidas <art. 219), prescrevem no fim de quatro anos da sua data”.
Se o contrato de conta corrente não é regido, in. casu, o que é raro ocorrer, pelo Código Comercial, a prescrição
é ordinária do Código Civil.
O art. 445 do Código Comercial refere-se a “fim de quatro anos da sua data”. A data não é a do
reconhecimento, nem a da liquidação, mas a do fechamento da conta.
Se foi aberta nova conta corrente, há interrupção do prazo de prescrição. Portanto, nôvo prazo.

8.MEDIDA CAUTELAR OU EXECUTIVA SOBRE O SALDO.


O figurante que tem saldo a seu favor somente pode exercer a pretensão executiva se fechada a conta corrente

MÚTUO
(= se o saldo é final).
Os terceiros podem arrestar e penhorar os saldos-expedientes, e não os créditos lançados. Nem o arresto nem a
penhora têm a eficácia de fechamento da conta corrente. O correntista devedor somente tem de pagar quando se
fechar a conta corrente, O outro figurante é devedor dos saldos-expedientes, ou já o é do saldo final, e tem de
ser notificado, conforme os arts. 937-939 do Código de Processo Civil.
Qualquer medida cautelar ou penhora feita pelos credores do figurante remetente somente pode ser sôbre o
saldo eventual. Os créditos entrados são inexigíveis e indisponíveis, mas a inexigibilidade e a indisponibilidade
cessam com o fechamento da conta e a tiragem do saldo. A doutrina dividiu-se entre a adscrição dos figurantes
à determinação do saldo-expediente, para que tal soma ficasse constritos, e a impossibilidade de tal imposição
do terceiro. A melhor solução é a segunda. O outro figurante não pode fazer remessas que atinjam o saldo
tirado, sem que se considerem remessas posteriores as que resultam de direitos, pretensões e ações, anteriores à
medida cautelar ou executiva.
O arresto ou a penhora recai sôbre o saldo eventual que haja. O contrato de conta corrente nada sofre. Mas o ato
judicial da medida cautelar ou executiva dá ensejo a que, a despeito de haver prazo para a conta corrente,
qualquer dos figurantes denuncie o contrato. Tal denúncia é denúncia cheia. Se não há denúncia, tudo
prossegue, apenas com a incolumidade do saldo eventual a qualquer remessa posterior. Somente quando se
fecha a conta corrente é que pode ser exigido o quanto pelo credor do figurante.
Dir-se-á que nada adianta constrição por medida cautelar ou executiva se só se constringe o que fôr saldo após o
fechamento da conta corrente. Sem razão. Tirado, no futuro, o saldo, há a ordem das medidas cautelares ou
executivas e a própria eficácia independente do tempo em que foram feitas. Por outro lado, se há decretação de
abertura da falência, ou da liquidação coativa, ou do concurso de credores civil, há fechamento da conta
corrente, e o saldo tem de ser tirado.

Título XXIX

ABERTURA DE CREDITO

CONCEITO E NATUREZA DA ABERTURA DE CRÉDITO

§ 4.623. Conceito de abertura de crédito

1.CONTRATO E EXTENSÃO DO CONCEITO. Sempre que alguém se vincula a pôr à disposição de outrem
soma de dinheiro por determinado tempo, ou por tempo indeterminado, há contrato de abertura de crédito, ou
pacto adjecto de abertura de crédito, ou cláusula inserta em contrato misto. Isso não afasta a possibilidade de
alguém se vincular, unilateralmente, a abrir crédito. Com a abertura de crédito, o crédito é certo , e o acreditado
pode exigir a prestação a qualquer momente. Do lado do devedor, não há faculdade de liberar-se mediante
prestação ao credor ou depósito em consignação. Trata-se de crédito dito disponível. Créditos disponíveis são
os exigiveis a líbito do credor, a qualquer momento, sem que possa solvê-los, quando queira, o devedor. Ésse
não pode, sequer, pedir ao juiz que fixe prazo para que se opere a liberação.
A abertura de crédito pode ser feita por banco, ou outra estabelecimento comercial, ou por entidade de direito
público ou de direito privado, ou por pessoa física. A abertura de crédito bancário é espécie.
Crédito, na expressão “abertura de crédito”, é a confiança, a promessa de prestar, sem o imediato correspectivo.
O crediário , em vez de se fazer credor, faz-se devedor. O creditado, que nada prestou que correspondesse ao
seu crédito, é credor. No conceito, “crédito” aparece com os dois sentidos: crédito, direito, diante do “débito”
do creditador; e crédito, o que me recebe quem precisa dever, quem tem necessidade, ou talvez tenha.
necessidade de se fazer devedor.

MÚTUO
Não se trata, evidentemente, de empréstimo, porque, no empréstimo, Quem, na abertura de crédito é devedor,
seria credor. tsse é o ponto a que maior atenção se há de dar. Não se mutuo , nem se prometeu mutuai~.
Concluiu-Se o contrato de abertura de crédito; e abrir-se crédito já é dever a prestação do que se considerou
pôsto à disposição do credor. Não mais se precisa de qualquer negócio jurídico entre os dois contrataentes da
abertura de crédito. Vincular-se a ter à disposição de alguém soma de dinheiro é vincular-se a prestar a soma de
dinheiro que o credor queira retirar (= de que o credor queira dispor). O direito do credor é direito de credito. O
credito é certo, líquido e exigível. Se o credor quer dispor somente de parte dêle, ou sucessivamente quer dispor
de partes , * parte há de ser certa e líquida, ou as partes hão de ser certas e líquidas.

2. FUNÇÃO Do cRÉDITO. Na abertura de crédito, ressalta que os sistemas jurídicos hodiernos tratam o
crédito como elemento à parte dos bens a respeito dos quais nascem os créditos. Como que veio à tona o étimo,
o credo, o crer, o confiar. ‘O crédito, hoje, é meio para os negócios jurídicos, sem existir sómente porque existe
o débito. Nem sempre quem precisa de crédito é pessoa sem disponibilidades> sem meios. Procura mime
-um meio, e dêle precisa porque com êle quer concluir negócios jurídicos, ou iniciar ou continuar ou ultimar
obras. No tráfico civil e comercial, no direito privado como no direito público, o diferimento da prestação, a
despeito do início do uso ou do uso e da fruição , ou mesmo da propriedade ou da consumibilidade, exerce, nos
tempos recentes, papel da mais alta importância e extensãO. As produções crescem, e buscam-Se 05 caminhos
para se alargar o mercado, incentivando-se o próprio consumo e a aquisitividade.
No diferimento das obrigações, como se A compra a B e somente promete pagar tantos meses após a tradição
do bem comprado, a função do retardo apenas se liga à contraprestação . Fala-se, aí, de secundariedade do
crédito.
Pode dar-se, porém, e tornou-se frequente nos últimos séculos, que se busque o crédito, sem se pensar naquilo
em quê ~se vai aplicar. Com isso, impulsionam-se as operações e criam-se-lhes possibilidades, que antes se
desconheciam ou dificilmente eram praticáveis. As funções criativas do crédito resultam de Me ser substitutO
da moeda.

3.CONTEÚDO DAS RETIRADAS NA ABERTURA DE CREDITO. A abertura de crédito permite ao


creditado as retiradas, conforme o que se haja estabelecido no contrato. Exercendo a pretensão às retiradas, se o
creditado quer mais em qualidade de ato do que o receber quantia ou do que está previsto no contrato de
abertura de crédito, há exercício da pretensão ao crédito mais a ato do creditador, que não é devido. Se êsse
aceita, em vez da simples dação de quanto, há o plus, que o creditado quis. A aceitação pode ser tácita. Tem-se
exemplo no aval que o creditado quis que o creditador desse. A quantia avalizada é lançada na conta do crédito
aberto. Somente após a extinção da divida a que se referiu o aval é que se tem por pôsto à disposição do
creditado o crédito que fôra exigido. Dá-se o mesmo com a fiança, ou com outra assunção de divida, por parte
do creditador. No contrato de abertura de crédito pode-se precisar qual o ato ou quais os atos que ao creditado é
dado exigir. O que importa é que caiba no conceito de crédito que se abre. O ato ou os atos são fora do contrato
de abertura de crédito, pôsto que por êle previstos. Foram comportamento do credita-dor para adimplir o que
prometeu. Mas têm vida à parte, regem-se pelos princípios jurídicos respectivos e com os seus efeitos
específico .

§ 4.624. Natureza da abertura de crédito

1. PRECISÕES. Na conceituação e na determinação da natureza da abertura de crédito, o que mais embaça a


matéria é não se atender, desde todo o comêço, a que no contrato de abertura de crédito quem está com o valor
ainda não o prestou e não se fêz, portanto, credor. Em vez disso, credor é quem nada prestou e pode exercer,
conforme o contrato, ou o uso, ou a lei, o direito, a pretensão e, se o creditador se recusa a adimplir o que
prometera, a ação.
Quando se fala de crédito, ou se emprega a expressão no sentido jurídico estrito, que é o de direito a haver a
prestação, ou no sentido objetivo, que permite aludir-se a crédito ativo e a crédito passivo. A todo crédito, no
sentido estrito, corresponde débito, porque a todo direito corresponde dever. Quando se trata de abertura de
crédito, em verdade se diz que alguém passa a ter direito de se fazer devedor. Já é credor. Quase sempre abrem
créditos os bancos, porque dispõem do seu capital e dos capitais que lhes são confiados. Isso não justifica que

MÚTUO
se diga ser essencialmente bancária a abertura de crédito, ou que só os bancos possam abrir crédito. Por outro
lado, há aberturas de crédito para que se prestem mercadorias.
Um dos figurantes do contrato (o que não implica que só bilateralmente se possa abrir crédito) promete prestar,
de modo que fique devedor. As cláusulas precisam o conteúdo do dever do creditador e do direito e do dever do
creditado. Aquêle assume o dever de atender aos saques, que cheguem, desde que’ se hajam observado as
cláusulas negociais. (Para outro insti-. tuto, que se terá de versar, há os nomes acredita,nte [Akkre-ditivsteller] e
acreditado [Akkreditiertenj, mas à figura de quem há de prestar ao terceiro dá-se o nome de prestador
acreditivo, banco acreditivo, caixa acreditiva. Na abertura de crédito, não há, necessAriamente, a alusão ao
terceiro, pôsto que’ possa haver. O que se pode passar entre o creditador e o creditado não pode ser confundido
com o que se passa entre o prestador acreditivo e o acreditante. Pode haver acreditivo semt ter havido abertura
de crédito.)

2.TEORIA DA ABERTURA DE CRÉDITO CONTRATO DE MÚTU0.


A explicação da abertura de crédito como contrato de mútuo’ tem de ser posta de lado, com tôda a razão. No
mútuo, contrato real, o mutuário faz seu o que recebe. Na abertura de crédito, o outorgado recebe crédito,
direito a que o creditador ponha à sua disposição o que se há de prestar. Promete-se, rigorosamente, o crédito, e
não o objeto do crédito.
As afinidades do contrato de abertura de crédito com o contrato de mútuo levou muitos juristas a confundi-los.
Inclusive havia os que apenas frisavam ser consensual o contrato de abertura de crédito e - real o contrato de
mútuo. Admitido que o contrato de mútuo possa ser consensual, apagada estaria a diferença. O que importa é
mostrar-se, quanto ao contrato de mútuo, qual é o seu objeto especifico, e, no tocante ao contrato de abertura de
crédito, qual o seu.
Nem basta dizer-se, para se frisar a diferença, que, no contrato de mútuo, há a instantaneidade do
adimplemento, ao passo que, no contrato de abertura de crédito, o adimplemento é repetido. Concebido mútuo
consensual, não haveria óbice
A repetibiidade do adimplemento, à sua fracionabilidade. No contrato de mútuo, seja real seja consensual, o
mutuante presta e faz-se credor, e o mutuário, devedor, tem de restituir o que recebeu.
No contrato de abertura de crédito, o creditador é quem começa por dever. Quem credita faz-se devedor. Tem de
atender às retiradas, dentro dos limites do contrato. A disponibilidade, o poder de dispor, é unilateral. Se o
creditado faz entradas (reembôlso), pode retirar o que ficou disponível, o que não ocorre no contrato de mútuo.
Pense-se em dois contratos que se põem em relação parecida com a que se observa entre o contrato de mútuo e
o contrato de abertura de crédito: o de com pra-e-venda e o de fornecimento.
No contrato de abertura de crédito, o creditado retira se quer e como quer (de uma vez ou não, conforme os
térmos do contrato, ou a seu líbito). No contrato consensual de mútuo, o outorgado é credor do que se
prometeu, nas datas mencionadas e conforme as parcelas, ou na data que se fixou para que o mutuante prestasse
o todo.
A abertura de crédito não é forma posterior, evolutiva, do mútuo. É negócio jurídico que se criou, quando se
pode separar do objeto prestável o crédito a ‘êle.

Por outro lado, na abertura de crédito, as retiradas podem ser diretas, em dinheiro, e podem ser, conforme os
têrmos da contrato ou as circunstâncias, indiretas, por algum dos modos de utilização de crédito que o direito
admita.
Tem-se, portanto, de afastar a teoria da abertura de crê--dito contrato de mútuo.
8.TEoRIA DA ATRIBUIÇÃO DO PODER DE DISPOSIÇÃO . Uma das teorias a respeito da natureza da
abertura de crédito é a teoria da atribuição do poder de disposição. Resultou de confusão entre outorga de
direito a retirar, que é aquêle que tem o creditado em virtude do contrato de abertura de crédito, poiso creditador
prometeu pôr à disposição do creditado a quantia, e outorga de direito de dispor. Lançou-a A. GIORDANO
(Suíla natura giuridica dell’apertura di credito, Banca, borga e titoli di credito, 1949, 1, 816). O contrato é
consensual e o credita-dor ainda tem de adimplir. O creditado tem direito a que se ponha à sua disposição o que
se prometera. Se é certo que o creditado tem de restituir o que retira, tal dever resulta de ter exercido o seu
direito às retiradas.
Procurou-se salvar tal teoria com o conceito de legitimação a dispor, em nome próprio, do direito do creditador.

MÚTUO
Que legitimação seria essa? i. Legitimação a dispor, por ser titular da propriedade sôbre o quanto (o creditador
teria apenas a posse), ou legitimação a dispor, sem ser dono do quanto? Nenhuma das soluções é de acolher-se.
O contrato de abertura de crédito é contrato de crédito: o creditador assumiu o dever de prestar •o que
prometeu; não transferiu propriedade, nem,. sequer, poder de dispor.
Pôr a disposição é dispor. O creditado, exercendo o seu direito a que se lhe ponha à disposição o que foi objeto
da abertura de crédito, não dispõe. Quem dispõe é o creditador. Não-se pode confundir com direito a ter à
disposição o dispor ou o poder de dispor.
Se o creditador não atende ao saque, incorre em mora de adimplir. A propriedade e a posse do quanto eram suas
e continuam de o ser. A mora é regulada, no contrato de abertura de crédito, como tôdas as moras de devedor.
O poder do creditado é de exigir, é pretensão, e não poder de disposição. O creditador tem o dever de pôr à
disposição
o que prometeu que poria à disposição. Nenhum poder de disposição atribuiu ao creditado. Poder de dispor tem
o creditador, se em verdade é o dono do que pode ser dado em crédito. Se o creditador não tem o dinheiro, que
possa pôr à disposição do creditado, nem o creditado nem o creditador são titulares de poder de disposição.
O creditado não tem direito a dispor. Tem pretensão a que o creditador ponha à disposição; portanto, a que
entregue o que foi exigido.

4.TEORIA DO CONTRATO DE ABERTURA DE CRÉDITO PRE-CONTRATO. A teoria que reduzia o


contrato de abertura de crédito a pré-contrato de mútuo deixava de ver que há essencial diferença entre
prometer crédito e prometer contrato. O pré-contraente vincula-se a concluir contrato, e não há, no contrato de
abertura de crédito, tal vinculação. O creditador já se fêz contraente vinculado à prestação, que não é prestação
de negócio jurídico. Apesar disso, foi corrente a teoria em muitos países (e. g., ALBERT WAHL, Précis
théoriq-ue et pratique de Droit comrnercíal, 625; Cassação da Itália, 27 de julho de 1987 e 10 de junho de
1988). Não há puctum de ineundo contracta no contrato de abertura de crédito: o que o creditador tem de
prestar é ato, quase sempre ato-fato jurídico.
Tão-pouco se pode falar de adaptação do mútuo ou do pré-contrato de mútuo a novas necessidades econômicas.
Apegaram-se à teoria do contrato de abertura de crédito de crédito pré-contrato NICOLA COVIELLO, Cii.
LYON-CAEN e L. RENAULT; mais tarde, 1-1. TERREL e 1-1. LEJEUNE (Traité des Opérations
cornrnerciaies de banque, fia ed., 85).
O contrato de abertura de crédito já é definitivo. Nêle, não se promete contratar. Já se contratou, sem qualquer
promessa de contrato. Se, a propósito do conteúdo de algum ato de utilização do crédito, o creditador tem de
praticar algum ato jurídico negocial, passa-se isso devido à elasticidade mesma do conteúdo do contrato de
abertura de crédito. Se o creditador presta fiança, avaliza, ou apóe aceite, ou endossa, tais atos, interiores ao
crédito, são estranhos à conclusão do contrato de abertura de crédito. (O argumento de FRANCESCO
MESSINEO, Operazioni di borsa e di banca, 149, e de ADRIANO FlORENTINO, Le Operazioni bancarie,
37, de não poder haver promessa contratual de aval, ou de aceite, ou de endOsso, ou de outro negócio jurídico
unilateral, é para repelir-se. Há pré-contrato, contrato prévio, de negócios jurídicos unilaterais, como pode haver
promessa unilateral de contratar.)
O que se prometeu, no contrato de abertura de crédito, foi o crédito, e não eventuais negócios jurídicos que
possam ser conteúdo da prestação pelo creditador. A fiança que o creditador dá, ou o aceite, o aval ou o
endôsso, que apõe , funciona como funcionaria o ato-fato jurídico da entrega do dinheiro. Mesmo se o
creditador emita nota promissória, de que é tomador o creditado, o seu ato é incluso na sua prestação.

5.TEORIA DA ABERTURA DE CRÉDITO ANTECIPAÇÃO BANCÁRIA. A antecipação bancária supõe


proporcionalidade entre a soma que se antecipou e o que se deu em garantia. Na abertura de crédito pode não
haver qualquer garantia (crédito a descoberto). Para se considerar antecipação a abertura de crédito, dilatar-se-ia
demasiadamente o conceito, o que desserviria à técnica e à terminologia jurídicas.

6.CONSENSUALIDÂDE DO CONTRATO DE ABERTURA DE CREDITO. O’ contrato de abertura de


crédito é consensual. O creditador vinculou-se a atender às exigências de retirada. Desde o momento em que o
contrato se conclui, ou desde o momento em que começa, pelos têrmos dêle, a eficácia, pode o creditado
exercer a pretensão. O seu direito nasce antes, com a conclusão, salvo se houve cláusula de condição
suspensiva, que o apanhe; mas êsse direito é a retirar, a exigir que se lhe preste o quanto, ou a parte do quanto, e
não direito a dispor. Se já tivesse havido direito sObre o quanto, a relação jurídica seria real. Em vez disso, é só

MÚTUO
pessoal.
O contrato diz como há de ser exercida a pretensão de levantamento, de retirada. Se nada se estabeleceu, o
exercício há de ser de acordo com os usos. Se foi convencionado que o creditador, em vez de entregar quantia,
assumiria dívida do creditador (assunção de divida alheia), ou praticaria outro ato jurídico, entra na prestação
do creditador o que se fizer, porém de jeito nenhum altera o contrato de abertura de crédito. Qualquer ato-fato
jurídico, ou ato jurídico strioto seneu ou negócio jurídico, que incumbe ao creditador, é fora da relação
jurídica da abertura de crédito, pOsto que incluso na prestação. Não se precisa pensar em genericidade e
abstração do objeto da prestação (cp. LUIGI DEvOTO, L’Obbligazioni a esecuzione continiiata, 128 s.), o que
foge à boa terminologia. O que se contém ou pode conter-se numa prestação fica por baixo e fora da relação
jurídica, de que se irradia a pretensão . Por isso mesmo, se há a alternatividade, é interior ao objeto. A prestação,
em si, é uma só. Por isso mesmo não se deve falar de escolha pelo creditado (cf. Código Civil, art. 887), nem
invocar qualquer regra jurídica sôbre obrigações alternativas (sem razão, FRANCESCO MESSINEO,
Operazioni di borsa e di banca, 151 s.). O creditado não escolhe: exige a seu líbito, conforme o contrato; isto é,
retira pelo modo que mais lhe interessa. O creditador adimple, solvendi causa. Por isso mesmo, não se deve
dizer que o contrato de abertura de crédito é contrato de conteúdo complexo (sem razão, FRANCESCO
MESSINEO, Operazíoni di borsa e di banca, 156 5., e ADRIANO FIORINTINO, Contratti bancarie,
Comraentario dei Codice Civile, IV, 475). Conforme o que se estabeleceu no contrato, tem-se de adimplir a
prestaç&~ de crédito: o que enche o objeto da prestação não a altera.

7.ABERTURA DE CRÉDITO, ONEBOSIDADE E OUTROS CARACTERES. A abertura de crédito faz-se em


contrato oneroso, porque se B creditasse x a favor de A, para que A retirasse quando quisesse, sem ter de
restituir o que retirasse, haveria doação e conta corrente, e não abertura de crédito.
Outrossim, o contrato de abertura de crédito é comutativo. Portanto, sem álea.
As prestações são sucessivas. A bilateralidade está pré-excluida pelo fato de primeiro ser devedor o creditador e
só depois o creditado, que sOmente deve quando retira. Com razão, ENRICO COLAGROSSO (Dirilto
bancario, 295). Há quem veja a bilateralidade mesmo no caso de o creditado nada retirar (cp. FRANCESCO
MESsINEO, Ciperazioni di borsa. e banca, 154 s.; ADRIANO FlORENTINO, Contratti bancari,
Commentario, IV, 478).
Temos de precisar o problema. No contrato de abertura de crédito, o creditador promete, o creditador faz-se
devedor antes de qualquer prestação do creditado. A prestação que lhe incumbe é prestação de crédito. Se o
creditado retira algo, ou se retira tudo, tem de restituir. Se o contrato de abertura de crédito fôsse contrato
bilateral, o mútuo sem juros também o seria. Por outro lado, os juros que fluem do que o creditado passou a
dever são juros da dívida que se estabeleceu com o exercício da pretensão do creditado. Se, pela abertura de
crédito, em si, o creditado prestara algo, essa prestação é de outro negócio jurídico subjacente, justajacente ou
sobrejacente, estranho à relação jurídica que se irradia do contrato de abertura de crédito.
A onerosidade do contrato de abertura de crédito só se estabelece se para que se abra o crédito algo se prestou
como comissão , ou se vai prestar. Se a vantagem do creditador é, por exemplo, o ser empreiteiro de obras suas
o creditado, o contrato de abertura de crédito não se fêz oneroso, pois o interêsse seria simples motivo.
Não há álea. O creditador conhece a pessoa a quem outorga a pretensâo ao crédito e as circunstânejas em que o
faz o creditado sabe de quem vai exigir. Ao creditado n~o se dá qualquer risco, nem ao creditador. Um deve, o
outro pode retirar; se retira, tem de restituir.
Até o momento de ter de restituir, é devedor o creditado, porque retirou, utilizando o crédito aberto. Antes de
qualquer retirada, devedor só é o creditador. Se o creditado retirou parte, os dois devem: um, o quanto retirado;
o outro, o resto do crédito aberto. Mas êsses débitos irradiados já são pós adimpleniento. Não é da relação
jurídica de abertura de crédito que o débito do creditado se irradia; e sim do fato de ter utilizado o crédito.
Assim, desde o momento em que se conclui o contrato de abertura de crédito o creditador é devedor, e só êle o
é, se não houve promessa de comissão. Se o creditado retira parte, o creditador deve menos do que devia. O
creditado não tem de contraprestar com o tantumdem; tem de restituir. Restituir não é contraprestar.
Afirmar-se a bílateralidade do contrato de abertura de crédito somente porque, se o creditado utiliza a crédito
aberto, tem de restituir, é de afastar-se. A utilização já é adimplemente pela devedor (creditador). A restituição é
por dever de quem recebeu, como tem dever de descer do carro, da barca,
ou do onibus, ou da aeronave, quem apenas pagou a passagem até êsse ponto da escala. Não há negócio jurídico
após o adimplemento pela emnprêsa de transportes; nem após o adimplemento pelo creditador, no contrato de
abertura de crédito.

MÚTUO
8.ABERTURA DE CREDITO E NORMATIVIDADE. Discute-se se o contrato de abertura de crédito é
contrato normativo ou se o não é. No caso de afirmativa, apenas preordenaria, daria normas, regularia a
conclusão de negócios jurídicos futuros. Daria o esquema. Desde logo observemos que a suposição de serem as
retiradas negócios jurídicos futuros implicaria admitir-se que não seriam resultados de exercício de pretensão a
pagamentos; portanto, haver pré-contrato de que adviessem êsses negócios jurídicos. Já mostramos ser
inadmissível tal classificação. A despeito dessas advertências óbvias, sustentou a normatividade, em 1940,
VITTORIO SÂLANDRA (Contratti preparatori e contratti di coordinamento, Rivísta dei Diritto Commerciole,
1, 21). A confusâo ressalta. ~ Como pensar-se em contrato normativo se se tivesse de conceber o contrato de
abertura de crédito corno pré-contrato ou como pré-contratos? No pré-contrato, ou nos pré-contratos, estaria a
indicação de quanto se prometesse concluir. Na teoria da nonnatividade da abertura de crédito, há dois erros: o
de considerar negócios jurídicos os levantamentos, as retiradas, que, na verdade, sâo apenas exigências do
creditado, a que se criaram o direito, a pretensào e a ação; o de volver à concepção da abertura de crédito
contrato de mútuo, ou de contratos de mútuo, ormildos de pré-contrato.
A propósito, também se há de repelir a teoria da abertura de crédito com negócios solutórios, segundo a qual
as retiradas seriam negócios jurídicos com função de solver a dívida de crédito (e. g., FRANCESCO
MESSINEO, Operazioni di borsa e di banca, 36 s4. Primeiro, aí, o negócio jurídico aciutório seria negócio
jurídico de adimplemento, e não extintívo, o que supõe o pré-contrato. Segundo, as retiradas não são, em si,
negócios jurídicos, pôste que, para levá-las a cabo, possa o creditado empregar negócio jurídico, como o
contrato que fêz com terceiro, a que se há de fazer o pagamento. Em tudo isso, a pretexto de se explicar a
natureza do contrato de abertura de crédito, se discute o que pode aparecer em tôrno dêle. Nunca se pode chegar
a convicção sôbre a natureza de determinado negócio jurídico se se trazem à discussão outros negócios
jurídicos com que pode ocorrer.

9.UNILATERÂLIDADE DO CONTRATO DE ABERTURA DE CRÊTO. O dever do creditador inicia-se com


a conclusão do contrato, mas, se o creditado utilizar o crédito aberto, fica a dever ao creditador. Daí ter havido
opiniões discordantes a respeito da estrutura do contrato de abertura de crédito. Alguns juristas o têm por
unilateral, ex uno latere (F. MESSINEO, Operazioni di borsa e di banca, 856; ERNESTO SIMONETIO, 1
C<nttratti di credito, 22 5.; EMILIO BETTI, Teoria Generale dele Obôligazioni, III, 88 s.). Outros vêem o
contrato em tôda a sua extensão e afirmam a bilateralidade (Gume REZZARA, lleltÁpertura di credito iii conto
corrente, 10 s.; PAOLO GRECO, Le Operazwflt di banca, 80 s.; ADRIANO FlORENTINO, Le Operazioni
bancarie, 46 s.; contra, ENaíco COLAGLIOSSO-GIACOMO MOLLE, Diritto ba.ncano, 2Y ed., 405). A
particularidade de haver o débito de crédito sem ainda ter surgido o débito do bem justifica que se tenha por
unilateral o contrato de abertura de crédito, embora não seja unilateral qualquer contrato em que a prestação e a
contraprestação sejam em tempos diferentes. O adimplemento caracteriza-se quando o creditado utiliza o
crédito. O correspectivo pode ser desde a conclusão do contrato, se foi estipulado que se pagaria comissão, ou
se foi paga desde logo. A comissão é correspectivo da promessa. O creditador assumiu o dever desde que se
vinculou, porque se expôs a serem exigidas as retiradas.
O contrato de abertura de crédito foge à normal concepção dos negócios jurídicos: O objeto dêle não é o bem,
no sentido estrito; é o crédito. Não se pode confundir o dinheiro, que é bem móvel, com o crédito de dinheiro.
Se não houve estipulação de comissão, ou remuneração, o contrato é gratuito. Se houve, é oneroso. A dívida do
creditado, após as retiradas, não é dívida que corresponda à do creditador, que é a de pôr à disposição do
creditado o que prometeu. Já se irradiou do ato de utilizar o crédito, e não do contrato de abertura de crédito.
Essa separação entre eficácia do contrato de abertura de crédito e eficácia do adimplemento pelo cre
ditador, porque o creditado utilizou o crédito, tem perturbada todos os que não procuraram ver com
profundidade o que ocorre na abertura de crédito como contrato.
Surpreende que o adimplemento pelo creditador faça devedor quem era credor, sem que se possa pensar em
negócio jurídico solutório. A particularidade resultou de se ter prometido crédito, e não bem. O dever de
restituição apenas advém> de ter sido utilizado o crédito.
O creditador pode mesmo vincular-se a terceiro para~ adimplir, isto é, para atender à exigência do seu credor,
que é o creditado; mas o contrato, ou os contratos, ou o negócio jurídico unilateral, ou os negócios jurídicos
unilaterais, que ocorram, não são entre creditador e creditado, e sim entre creditador e terceiro ou terceiros. O
que se observa entre creditador e creditado é o adimplemento, por aquêle, do dever de crédito. Por isso mesmo,
se o creditador avaliza a nota promissória subscrita e emitida pelo creditado e êsse não paga, tudo se passa

MÚTUO
como se a nota promissória tivesse sido subscrita e emitida por terceiro.
Se o creditado pagou ou vai pagar comissão , mesmo se não utilizou o crédito aberto, bilateralizou-se o contrato
de abertura de crédito. Se a comissão só se tem por devida se o creditado utilizou o crédito aberto, há condição
suspensivo. Só ao advento do têrmo estabelecido para a utilização, ou ao esgotarem-se os períodos, é que se
pode saber se houve utilização do crédito aberto (Guino REZZARA, Dell’Apertura de credito in conto
corrente, 11 s.). Se era devida a comissão e o creditado não a pagou, há infração de dever por parte do
creditado, tendo-se como contraprestação a comissão. Quase sempre a comissão, em se tratando de contrato de
abertura de crédito em conta corrente, é debitada na conta corrente e liquidada ao têrmo do contrato
(FRANCESÇJO MESSINEO, Operazioni di bona e di banca, 140; ADRIANO FlORENTINO, Li? Operazioni
bancarie, 57). Não sendo em conta corrente a abertura de crédito, tem-se entendido que não se dá resolução ou
resilição do contrato pelo fato do inadimplemento (MAmo MAZZANTINI, Lezioni di Tecnica bancaria, 162),
por ser mínima a contraprestação. O argumento maior está em que, sendo pretensão a crédito a pretensão do
creditado, ser mais equitativo que se tenha por débito a comissão.

Ê incluível a cláusula de dever de utilização do crédito. Se a comissão seria devida mesmo se não houve a
utilização do crédito, supõe -se não ter sido inserta a cláusula. Se não se deve a comissão em caso de utilização,
também não se há de reputar existente a cláusula. Se não houve estipulação de qualquer comissão, o creditador
somente tem vantagem se o creditado utiliza o crédito aberto. Porém, mesmo aí, não se há de entender implícita
a cláusula; nem seria de pensar-se em condição potestativa (Código Civil, art. ~ 2Y parte, in fi.’ne; sem razão,
GuIno REZZARA, Dell’Apertura di credito in conto corrente, 11 s.). Pela implicitude da cláusula, se não há
comissão (J. BREIT, em A. DÍYRINGER-M. HACHENBURG, Das Jlandelsgesetzbuch, 616).

§ 4.625. Abertura de crédito e outros negócios jurídicos

1.ABERTURA DE CREDITO E MÚTUO. A principio houve juristas que pretenderam reduzir o negócio
jurídico da abertura de crédito ao mútuo, porém estacavam, às vêzes sem referência à surprêsa, diante do ser
real o contrato de mútuo e se não criar o dever de pôr à disposição. Daí terem outros pensado em pré-contrato
de mútuo (cf. GIUSEPPE DONADIO, Gil Acereditantenti bancari, 48, nota 8). Desde logo ressalta a confusão
entre assumir, pôr à disposição e prometer assumir. Pode-se prometer o negócio jurídico de abertura de crédito.
Isso, sim, é pré-contrato.
O contrato de abertura de crédito permite que o creditado somente lance mão do que está à sua disposição
quando lhe seja preciso e ao mesmo tempo fique certo de que, ocorrendo a necessidade, pode dispor do que se
faz preciso. Não se perde tempo com as operações de mútuo ou outras operações de crédito, nem se presta
interêsse enquanto não se retira, isto é, enquanto não se recebe o que se exige. Pode-se só retirar para inverter.
Quem toma de empréstimo bem fungível, quem recebe em mútuo, de uma só vez se faz devedor, mesmo que
conclua mútuos sucessivos. Quem é creditado, em abertura de crédito, apenas se precata para dispor do crédito
quando haja de aplicar a quantia, ou as quantias. Ao creditado é dado ensejo de retirar tudo, ou parte, ou não
retirar o que está à sua disposição. Em vez de pôr no cofre dinheiro inútil, de que estaria
a pagar juros (cf. Código Comercial, art. 248; Código Civil, art. 1.262), o creditado tem o direito a levantar o
que está, sem fluência de juros, no cofre do creditador.
Há parecença, que não se pode exagerar, entre o contrato de abertura. de crédito e o contrato de fornecimento.
No contrato de fornecimento, um dos contraentes se vincula a fazer prestações continuativas, periódicas ou
espacejadas de bens, a preço ou a preços determinados ou determináveis. Um só contrato, muitas prestações.
Cf. OTTO VON GfflRKE (Dauernde Schuldverhãltnisse, Jkeringg Jahrbiicher, 64, 362).

2. ABERTURA DE CE DITO E PRE-CONTRATO. A abertura de crédito não contém promessa de negócio


jurídico, de contrato. Os levantamentos não são mútuos, são exercício de direito de saque. Se o creditador deixa
de atender aos atos de disposição, a ação que se há de propor é a de condenação, e não a do art. 1.006 do
Código de Processo Civil. Mesmo se o creditado estipula que se preste a terceiro, não há pré-contrato. Não se
precisa raciocinar como FRANCESGO MESSINEO (Operazioni di bona e di banca, 152), quanto à falta de
ligação entre a obrigação perante o terceiro e a obrigação do credita-dor perante o creditado. Primeiro, porque a
obrigação pode somente ser perante o creditado. Segundo, a prestação do creditador ao terceiro, como ao
creditado, é apenas ato-fato jurídico. Outro argumento que se tem de pôr de lado, por inútil e falso, é o de não
haver promessa de negócio jurídico unilateral, pois nada obsta a que se prometa, contratualmente, negócio

MÚTUO
jurídico unilateral, e a promessa do creditador é de ato-fato jurídico, e não de negócio jurídico.
Também se trouxe à balha a exigência de se precisar o que, no pré-contrato, se promete (e. g., no pré-contrato
de compra-e-venda só se promete o contrato de compra-e-venda), e a abertura de crédito seria se pré-contrato
fôsse promessa de contratos diferentes (e. g., ENRICO COLACROSSO, Diritto bancano, 288). Ora, com a
abertura de crédito, o creditador proimete ter à disposição e prestar. Promete ato-fato jurídico. Por onde se vê
que, combatendo, acertadamente, a afirmativa de se tratar de pré-contrato, foram infelizes os juristas em seus
argumentos.

(Se ao terceiro o creditador prometeu aceitar letra de câmbio, em vez de prestar o que prometeu, houve outro
negócio jurídico, no qual não é figurante o creditado. Há a presta pelo creditador ao terceiro, o que o libera
perante o creditado, pelo modo que, anterior ou posteriormente à abertura de crédito, o creditador e o terceiro
haviam convencionado.)

8.ABERTURA DE CRÉDITO E CONTRATO DE FORNECIMENTO.


O contrato de fornecimento é aquêle em que um dos figurantes se vincula, conforme preço a ser exigido, a
prestações periódicas ou continuativas. Ou há a periodicidade, ou a continuidade (e. g., fornecimento de
gêneros alimentícios e de energia elétrica). É espécie de contrato de compra-e-venda, pôsto que se haja
procurado tipificar o negócio jurídico a ponto de os distinguir. Não se pode considerar o contrato de abertura de
crédito contrato de fornecimento, mesmo se a prestação é de moeda, e não de dinheiro.
Contrato de fornecimento é o contrato pelo qual um dos contraentes se vincula, mediante preço determinado ou
determinável, a prestar continuativa ou periodicamente, ao outro contraente, algum bem ou alguns bens. Se não
se disse qual a quantidade do que se há de prestar, entende-se o que é necessário, normalmente, ao outorgado.
Pode haver mínimo ou máximo das prestações, ou do todo normal, ou anual, ou por outro tempo. Assim se
sabe, desde logo, o que se há de prestar, ou fica a critério de quem deseja o fornecimento, ou de quem O faz,
conforme as suas possibilidades.
A determinação ou a determinabilidade também há de existir quanto à quantidade do que se há de fornecer,
deixada a terceiro, conforme as circunstâncias (e. g., o terceiro é o administrador da construção do navio ou do
edifício).

4.ABERTURA DE CRÉDITO E DEPÓSITO BANCÁRIO. Entre odepósito bancário e a abertura de crédito há


elementos comuns e elementos diferenciais. Em ambos; há quanto pôsto à disposição do outorgado. Ambos
podem ser simples ou em conta corrente. Ambos podem dar ensejo a diferentes atos de utilizacão. No depósito
bancário, foi o creditado que, com os seus próprios meios, fêz o creditador vincular-se a pôr à dis posíçio do
creditado o que está com o creditador e proveio do creditado. Na abertura de crédito, o creditador vinculou-se a
pôr à disposição do creditado o que êsse não lhe entregara. Ali, com as retiradas, diminui o débito do creditador.
Aqui, com as retiradas, surgem e crescem os créditos do creditador contra o creditado. (Se o creditador deve ao
creditado, e êsse foi o motivo do contrato de abertura de crédito, a relação jurídica que dêsse se irradia nada tem
com aquela relação jurídica em que o creditador devia e deve bem, e. g., dinheiro.)

5.ABERTURA DE CRÉDITO E DESCONTO. Também não se pode confundir a abertura de crédito com o
desconto. O desconto pode ser ato que o creditador deve, porém em si a abertura de crédito não contém
desconto. Os mais freqúentes contratos de abertura de crédito não criam, sequer, o dever de descontar. Então, o
ato de desconto fica dependente de pacto adjecto, ou de outro negócio jurídico entre os que foram figurantes do
contrato de abertura de crédito.

6.ABERTURA DE CREDITO E ACREDITIVO. Sejam A, II e C as três pessoas entre as quais ocorre o


contrato de abertura de crédito ou o acreditivo, ou ambos ocorrem.

a)Se o contrato é de abertura de crédito, a figura é a seguinte


A
(creditado)
B Ao u C
(creditador) (recebedor da retirada)
A relação jurídica de abertura de crédito é entre A e B. C não é figurante, mesmo se a êle se alude no contrato.

MÚTUO
Se alguma relação jurídica se estabelece entre B e C, é estranha ao contrato de abertura de crédito. Pode ser que
se trate de credito. Entre A e C há relação jurídica (e. g., A é devedor e C, credor; A é mandante ou comitente, e
C, mandatário, eu comissário>, porém tal relação jurídica é à parte da irratação de efeitos do contrato de
abertura de crédito. Tudo se passa por fora. Pode mesmo não existir.

b)Se há acreditivo, as relações jurídicas fhzem ângulo, mas o acreditivo, êsse, é meramente linear:
A
acreditante
C
acreditado
prestador acreditivo

Há relação jurídica entre A e C, entre A e B e entre B e C; mas o negócio jurídico acreditivo abstrai do que
existe entre A e B, que pode ser relação jurídica de depósito bancário, eu de abertura de crédito, ou outra. Ou
não existir.
Assim, quando os juristas italianos fazem do acreditivo espécie de abertura de crédito, deturpam,
profundamente, o instituto. Nem sempre é creditador o prestador acreditivo. Por outro lado, não se pode reduzir
a função do prestador acreditivo a de recebedor de documentos, o que caracteriza a abertura de crédito a favor
de terceiro, ou em que se incumbe terceiro de receber, porque a relação jurídica entre o presta-dor acreditivo e o
terceiro necessàriamente se entalha, se há acreditividade.
No acreditivo, o prestador acreditivo assume a dívida perante o acreditado, que só se pode chamar terceiro
porque se supóe a relação juridica entre o acreditante e o prestador acreditivo. O prestador, no acreditivo, deve,
razão por que as questões de nulidade, anulabilidade, resolutividade e resibilidade têm de ser examinadas entre
êles. A carta de confirmação, confirmed letter, não se confunde com a carta de crédito, que supôe ou é para a
relação jurídica entre A e B. Aquela, confirmativa, liga E a C.

§ 4.626. Espécies de abertura de crédito


1.ABERTURA DE CRÉDITO CONTRA DOCUMENTO E ABERTURA DE CRÉDITO A FAVOR DE
TERCEIRO. Na abertura de crédito contra documento, o creditador entrega a terceiro, quase sempre vendedor,
a quantia a ser debitada ao creditado, se o terceiro faz ao creditador a tradição dos documentos considerados
suficientes pelo contrato ou pelos usos. O creditador, como elemento incluso na sua prestação, procede como se
fôsse o próprio outorgado que prestasse ao terceiro contra documento. Por vêzes, o creditador não entrega,
desde logo, a contraprestação a que tem direito o terceiro; apenas aceita, avaliza ou endossa letra de câmbio ou
duplicata mercantil, ou subscreve e emite ou avaliza ou endossa nota promissória.
FreqUentemente se fala de abertura de crédito contra documento ou de abertura de crédito a favor de terceiro.
Todavia, há a abertura de crédito contra documento exigido ao próprio creditado, como se o creditador tem
interêsse em velar ou fiscalizar as operações em que se empenha o creditado, e há abertura de crédito a favor de
terceiro, sem a exigência da tradição de documentos.
Se a abertura de crédito é a favor de terceiro, mas o creditador “confirma” a incumbência isto é, assume o
dever perante o terceiro, tal abertura de crédito, como o depósito bancário a favor de terceiro, ou a simples
retirada a favor de terceiro, não mais é, salvo se só acidentalmente ocorreu a relação jurídica entre o creditador
e o terceiro, o contrato de abertura de crédito prôpriamente dito, mas sim o contrato avreditivo, ou,
simplesmente, acreditivo. Dêsse instituto trataremos em título à parte. No acreditivo pode não haver qualquer
operação de crédito a favor de quem tem de prestar ao terceiro e o faz através de alguém, quase sempre banco.
Os juristas ainda incorrem em confusão e, o que é mais grave, procuram defendê-la, como se houvesse
identidade dos institutos. No acreditivo, o que há é utilização do que está à disposição, por intermédio de
alguém. Pode ter havido, antes, abertura de crédito, ou depósito bancário, ou outro negócio jurídico, e o
acreditivo. A relação jurídica entre o terceiro, acreditado (isto é, quem está legitimado a receber), e o prestador
acreditivo, é independente do contrato de abertura de crédito ou outro contrato que exista entre o acredita’nte e
o nrestador acreditivo.
A abertura de crédito a favor de terceiro freqUentemente ocorre quando, em contrato bilateral (e. .q., compra-e-
venda), ou mesmo unilateral, ou, embora raramente, em negócio jurídico unilateral, se promete prestação que

MÚTUO
há de ser entregue por outrem, que o faz ora em nome próprio ora por conta do’ promitente. A êsse incumbe
obter do creditador o ato de entrega, que pode ser mero ato-fato jurídico, ou negócio jurídico inclusive
unilateral, como o aceite de nota promissória ou o aval de duplicata mercantil. O creditador satisfaz, sem que o
terceiro seja credor dêle, ou tenha qualquer relação jurídica com êle.
(No tocante ao promitente, o que presta pode não ser creditador, o que torna estranha ao instituto da abertura de
crédito o que então se passa. O prestador exerce mandato, ou é depositário, ou agente do prometedor, e o seu
ato não é de creditamento, ou, até, gestor de negócios alheios, se o faz a líbito, sem provisão. Pode ser que
tenha havido assinação, sendo assinante o cliente, assinado quem vai prestar e assinotoriô o terceiro.)
O terceiro, de regra, tem de apresentar e entregar documentos, para que fique provada a sua pretensM contra o
promitente da prestação. No comércio interno e no externo, há pormenores técnicos que não alteram a figura
jurídica (cf. GAETANo CORSANI, Le Caratteristiche deVa Gestinne deite bancite ordtnarie, 89 5.; LPX)NE
FILOSTO, La Tecnica bancaria dei cornmercto estero, 111 s.).
Não há relação jurídica de crédito entre quem entrega e o terceiro, razão por que não há restituição por parte
dêssea. Quem entrega e satisfaz, apenas pratica ato, não necessâriamente negócio jurídico solutório. Tem-se de
evitar qualquer confusão com o negócio juridico acreditivo.
A priori, não se pode dizer que se trate de assinação (sem razão, H. ROENIGE, em II. STAUB, Kommentar
rum Handeisgesetzbuch, III, 509; TULLIo ASCARELLT, CambVIíe, Assegno ban«trio, Titoli di credito, 78;
WALTER BIGIAVI, La Delegazione, 310), como seria demasiada generalização só se pensar em contrato a
favor de terceiro (e. g., H. J. FINKELSTEIN, Legal Aspects of fite Commercial Letters of Credit, 15 e 156 s.).

2.ABERTURA DE CRÉDITO SIMPLES E ABERTURA DE CRÉDITO EM CONTA CORRENTE. A abertura


de crédito diz-se simples se o creditado somente pode retirar e não pode dar entrada, de modo que, à medida
que exerce a pretensão, diminui o que lhe deve de crédito o creditador e aumenta o que o creditado deve.
Há a solução final pelo creditado, e não a inserção em coluna de haver. Diferente é o que se passa se se juntou
ao contrato de abertura de crédito a convenção de conta corrente. Então, o creditado, à medida que retira, pode,
a seu líbito, dar entradas a frações, ou ao todo que no momento deve, sem ficar privado de retirar, dentro do que
se estabeleceu como crédito aberto.
O contrato de abertura de crédito em conta corrente, ou tornado em conta corrente, por acordo, expresso ou
tácito, postenor, é contrato de abertura de crédito sem qualquer união ou mistura com outro contrato. Apenas se
permite inclusão de créditos do creditado, com a respectiva inserção contábil.
A cláusula ou o pacto adjecto de ser em conta corrente a abertura de crédito dá ensejo à invocabilidade dos arts.
45 e 165, parágrafo único, do Decreto-lei n. 7.661, de 21 de junho de 1945.
Quando cessa a eficácia do contrato de abertura de crédito, por uma das causas de que se tratará a respeito da
extinção do contrato de abertura de crédito, tem o creditado de reembolsar ao creditador o que foi retirado,
conforme os terinos do contrato, ou de uma só vez.
Durante o tempo de eficácia do contrato de abertura de crédito, pode êle ter essas quantias disponíveis, de jeito
que haja interêsse em que não seja devedor de tudo quanto retirou e não corram contra êle juros sôbre todo o
importe. Daí poder ser incluída a convenção de ser em conta corrente a abertura de crédito. É freqUente a
abertura de crédito em conta corrente, pelas vantagens, que traz, para ambos os figurantes.
Também se pode convencionar o reembôlso parcial, ao longo da duração da abertura de crédito.
Surge o problema de classificação da abertura de crédito em conta corrente. ~Há dois contratos ou um só
contrato?
Não se pode dizer que o contrato de abertura de crédito dita simples seja mero pré-contrato de mútuo, como
alguns pensavam; nem contrato consensual de mútuo. O creditado tem direito ao crédito. Dêle pode exigir a
prestação quando queira. Se foi estabelecido que A receberia x, y e z, nas datas tais, ou quando ocorressem
alguns fatos, não há abertura de crédito, há mútuo consensual, ou pré-contrato de mútuo. Já vimos que nao se
trata de pré-contrato. De mútuo consensual, tão-pouco.

Não se vai exigir o empréstimo; exige-se que haja o quanto disponível, para que o creditado já possa utilizar-se
do quanto: o crédito já foi aberto; o creditado não exige que se lhe preste o quanto como objeto de mútuo, mas
sim como objeto do crédito aberto.

3.ABERTURA DE CRÉDITO E CONTRATO DE CONTA CORRENTE. No contrato de abertura de crédito


em conta corrente, não há fusão dos dois contratos, o de abertura de crédito e o de conta corrente, nem se trata

MÚTUO
de subespécie do contrato de conta corrente. Para se afastar qualquer dessas explicações, basta que se pense na
diferença entre contrato de conta corrente e conta corrente.
Na abertura de crédito em conta corrente são de incidir as regras jurídicas concernentes às operações em conta
corrente, não as que só dizem respeito ao contrato de conta corrente. À abertura de crédito em conta corrente
faltam o pressuposto da reciprocidade das remessas e o da exigibilidade somente ao fechamento da conta
corrente.

§ 4.627. Garantia à abertura de crédito

1.ABERTURA DE CRÉDITO A DESCOBERTO E ABERTURA DE CRÉDITO GARANTIDA. Na abertura


de crédito a descoberto, o creditador abre o crédito, sem exigir qualquer garantia pessoal ou real. Na abertura de
crédito garantida, há a garantia pessoal ou real. Quanto a subscrição e emissão de título cambiário para que,
sendo necessário, o creditador possa exercer a ação cambiária, não se trata de garantia, mas de emprêgo de
título abstrato de crédito, para efeitos mais prestos.
A garantia é negócio jurídico que pode ser condição- da eficácia do contrato de abertura de crédito: se o
creditado não presta a garantia, a despeito de estar concluído o contrato de abertura de crédito, pode o
creditador recusar-se a pôr à disposição do creditado o que êsse poderia retirar, ou mesmo opor a exceção non
adirnpleti contractus, pois inadimpienti non est adimpiendum, embora já tenha comunicado estar àdisposição
do creditado. Em todo o caso, a garantia pode ser exigida sem ser como elemento condicional da eficácia do
contrato de abertura de crédito.
O art. 764 do Código Civil é invocável, no que se subentende, que é a respeito do dever de reforçarnento da
garantia (art. 762, 1), em caso de deterioração ou desvalorização do bem dado em garantia.

2.ABRANGÉNCIA DA GARANTIA E EXTINÇÃO DA RELAÇÃO JURIDICA. Em princípio, a garantia


pessoal ou real só se extingue ao cessar a relação jurídica da abertura de crédito. Ela cobre a soma de todos os
débitos oriundos das retiradas, salvo se, prestada por terceiro, foi restringida a certo importe. No momento em
que se presta, de ordinário é referente a débitos futuros, o que não encontra qualquer obstáculo no sistema
jurídico, quer se trate de garantia pessoal quer de garantia real. Entende-se que são garantidos todos os débitos
que nascerem da relação jurídica de abertura de crédito, não aquêles. que, embora credor seja o creditador,
tenham outra fonte. Se em conta corrente a abertura de crédito, as garantias apanham os débitos anteriores a
qualquer entrada e os débitos posteriores a qualquer entrada.
No caso de ser prorrogado o contrato de abertura de crédito, as garantias pessoais ou reais, prestadas por
terceiro, somente persistem se também as prorrogou o terceiro. No que tange com as garantias prestadas pelo
próprio creditado, o que se há de entender é que elas persistem, consideradas garantias em prorrogaçao.
O que acima se disse sôbre a prorrogação do contrato de abertura de crédito não se há de invocar a respeito da
renovação do contrato de abertura de crédito, pelas razões que fazem diferentes os dois contratos. Renovar não
é prorrogar
(Tomos XVIII, § 2.020, 2; XXXVI, § 4.063, 3; XL, §§ 4.462 e 4.463; XLI, § 4.495).
A garantia hipotecária, em caso de abertura de crédito, inicia a sua eficácia no momento da inscrição, pôsto que
ainda não existam os créditos que ela garante. A existência da garantia hipotecária é, portanto, anterior à
existência de qualquer crédito, salvo se, ao ser concluído o negócio jurídico da hipoteca, já havia dívida. O que
se garante é o saldo devedor ao ser fechada a conta corrente; ou, se não foi em conta corrente a abertura de
crédito, o crédito de restituição da soma que se retirou. Se o devedor já restituiu o que retirara, a.
garantia hipotecária não se estende às somas que foram retiradas depois da restituição.
Houve quem sustentasse que a garantia dada após a abertura de crédito já utilizada não cobre o que se tinha
retirado (GIUSEPPE DONADIO, Gli Acereditamenti bancari, 98). Sem razão: primeiro, porque as retiradas são
parcelas do crédito aberto; segundo, porque, ao fechar-se a conta, é que se sabe qual o débito; terceiro, se em
conta corrente a abertura de crédito, cada crédito perde, no momento em que se lança, algo de significação
individual, sem que deixe de ser o que era.
Se a pessoa a favor de quem se abriu o crédito deu garantia hipotecária, ou alguém a deu por ela, e entregou
títulos cambiários ou cambiariformes ao creditador, aludindo-se a isso no contrato de abertura de crédito, o
importe de cada título é garantido, sendo qualquer endossatário titular do crédito e da garantia.
Somente com a exibição dos títulos pode ser cancelada a hipoteca.
198

MÚTUO
O que acima se disse sôbre a garantia hipotecária também se entende, mutatis mutandis, a propósito do penhor.
2. RENOVAÇÃO DO CONTRATO. Se, em vez de prorrogação, há renovação do contrato de abertura de
crédito, o contrato é nóvo. ~ questão de interpretação a de saber-se se a garantia dada pelo creditado pula para o
outro contrato. Se a garantia foi dada por terceiro, o que se há de entender, salvo cláusula em contrário, ou pacto
adjecto que se refira à renovação, é que a garantia cessou com o contrato extinto. Todavia, se foi fixado tempo
maior e nêle cabe o contrato de renovação, o terceiro está vinculado.

§ 4.628. Prorrogação e renovação do contrato de abertura de crédito

1.PRORROGAÇÃO DO CONTRATO. O contrato de abertura de crédito pode ser prorrogado. Só há


prorrogabilidade se ainda não se extinguiu a relação jurídica de abertura de crédito. As garantias somente se
estendem ao trato de tempo que se aditou se foi estabelecido no negócio jurídico de garantia. Se foi o creditado
que a deu, é de entender-se que prorrogou, também, o prazo da garantia. Sem razão, LUJGi DEVOTO
<L’Obbligazioni a esecuzione continuata, 97 s.). Se a garantia foi dada, mesmo por terceiro, por tempo em que
cabem o tempo do contrato e o da prorrogação, a garantia abrange, ôbviamente, o tempo da prorrogação.
Se houve, ao têrmo do contrato, a tiragem do saldo, a garantia hipotecária não se transplanta, de regra, à
renovação do contrato de abertura de crédito. Mas estende-se ao nôvo prazo, se houve prorrogação, o que só
se pode dar antes de acabar a relação jurídica antes existente. Se a garantia foi feita por terceiro, mesmo a
prorrogação do contrato não importa prorrogação da garantia hipotecária.

CAPÍTULO II

EFICÁCIA DO CONTRATO DE ABERTURA

DE CRÉDITO
§ 4.629. Efeito principal de abertura

1.MOMENTO DA EFICÁCIA PRINCIPAL. O contrato de abertura de crédito conclui-se e a sua eficácia pode
começar imediatamente, ou depois. Não raro, abrem-se os créditos e o creditado logo em seguida saca. Se a
eficácia de abertura da exigibilidade das retiradas só se inicia mais tarde, há tempo em que só existe o direito
ao crédito e não existe pretensão. Todavia, êsse contrato de abertura de crédito pode ser apresentado a pessoas
que tenham negócios com o creditador, a fim de se inteirarem da situação econômica do creditado.

2.DIREITO, PRETENSÃO E AÇÃO. O direito do creditado nasce ao concluir-se o contrato de abertura de


crédito. Se houve prazo, ou data fixa, ou condição, para poder exercer esse direito (= ter a pretensão fazer as
retiradas), a exigibilidade foi diferida. Se o creditador recusa entregar o que teria de pôr à disposição do
creditado, nasce a êsse a ação

§ 4.630. Modo, lugare tempo de exercício da pretensão do creditado

1.CONTEÚDO DO CONTRATO. O contrato de abertura. de crédito tem de dizer como se há de levantar o


que se põe à disposição do creditado (aliás, do que se deve pôr à sua disposição), onde e qnando, inclusive
desde quando e até quando. Aí podem aparecer têrmos e condições. Nada obsta a que o levantamento ou
retirada se faça de uma vez, ou por frações,.a datas fixas ou a líbito do creditado, ou após comunicação do
creditador, dentro de prazos. A propósito do lugar, ao creditador e ao creditado é dado determiná-lo (e. g., na
sede, na filial tal, ou na sucursal tal, ou na agência tal). Se nada se estabeleceu no contrato de abertura de
crédito, o lugar em que se há de exercer a pretensão ao crédito é a sede do estabelecimento creditador; mas, se
foi a sucursal, a filial, ou a agência que abriu o crédito, aí é que se entende ter de ser exercida a pretensão ao
crédito.
Quanto ao tempo, se nada se regulou expressamente, tem-se por exercível a pretensão ao crédito desde que se
concluiu o contrato de abertura de crédito até que se extinga a relação jurídica, normalmente até que se encerre
a conta, ou seja o momento em que se encerraria.

MÚTUO
No tocante ao modo do exercício, ou o contrato foi expresso, ou há elementos, nêle, para interpretação, ou se
tem de considerar que os levantamentos são de dinheiro, feitos pelo creditado, ou a terceiro, mediante carta ou
outro meio que o direito e os usos reputem suficientes para a legitimação do terceiro. Para que possa ser por
meio de cheques, é preciso que o creditador possa autorizar tais saques e que o haja autorizado, em relação ao
crédito aberto. Se o creditado legitimou o terceiro a receber a quantia por êle devida, necessàriamente o
instrumento de legitimação há de conter comunicação de Vontade ao creditador. Por exemplo: “O portador é
tomador da nota promissória p, por nós subscrita e emitida, a quem pedimos que efetue o pagamento”.
Sempre, porém, que o creditador tem, para atender ao creditado, de ser figurante de negócio jurídico, unilateral
(avalista, aceitante, endossante) ; bilateral (fiador, empenhante, hipotecante), ou plurilateral, é indispensável que
a isso se haja vinculado no contrato de abertura de crédito, ou que, na ocasião, o queira, ou por pacto adjecto se
haja vinculado.

2. RETIRADAS. O exercício da pretensão do creditado, dito, vulgarmente, a utilização do crédito, tem de ser
na conformidade de cláusula contratual, ou de pacto adjecto, ou dos usos locais.
Se nada ficou explícito ou implícito negocialmente, o creditado somente pode exigir dinheiro. Salvo estipulação
em contrário, o creditado pode ceder a outrem a sua pretensão, que não é, ainda, no sentido técnico, crédito (o
crédito apenas está aberto, e a pretensão é ao crédito, e não desde já crédito).
Para que possa subscrever e emitir cheque, é preciso que se haja permitido (cláusula de cheque). Igualmente, a
propósito de aceite de letras de câmbio e duplicatas mercantis, subscrição e emissão de notas promissórias,
avales e endossos.
A carta ou outro documento pelo qual o creditado autoriza a pagar título de crédito é equiparado ao recibo de
retirada.
O creditador tem de tomar o cuidado necessário quanto ao documento.
Se o creditado tem conta de depósito bancário no estabelecimento creditador, pode pedir que deposite na sua
conta a retirada, desde que envie o recibo ou a carta.
O contrato de abertura de crédito não é pré-contrato, porque não se promete concluir contrato: já se contratou;
cumpre que o creditador adimpla. Já se pôs à disposição do creditado o crédito; por isso está o creditador
adstrito a ter à disposição do creditado aquilo que êle retire e assim se faça devedor. Êsse efeito é imediato; o
efeito de se tornar devedor o creditado é eventual: ocorre, se o creditado utiliza o crédito que se lhe abriu. A
cláusula de dever retirar pré-elide a eventualidade, porque torna inadimplemento de dever a omissão.
Nos contratos de custódia, o que fica à disposição é o bem custodiado. No contrato de abertura de crédito, é o
crédito, no sentido de confiança (cf. HERMANN HEROLD, Banlc- uná Bôrsenrechi, 29). Concluído o contrato
de abertura de crédito, nada tem de prestar o creditado, salvo a comissão, se é o caso de pagamento imediato, ou
antes das retiradas: o débito é credendi causa, devedor é o creditador <ERNESTO SIMONETTO, 1 Contratti
di credito, 377 s.).
Na prática bancária, quando se fala de abertura de crédito, entende-se a dação de crédito a descoberto.
A chamada abertura de crédito com depósito de cambiais não é mais do que antecipação em conta corrente
com depósito de cambiais. Os títulos cambiários ou cambiariformes são aí em garantia do que se retirar; mas
isso não obsta a que se conceba o contrato de abertura de crédito com a garantia de títulos cambiários ou
cambiariformes. Os títulos dados em garantia não passam a ser de propriedade e posse do creditador.
A posse é à semelhança da posse do credor pignoratício. No dia em que se fecha a conta e se verifica que o
creditado édevedor, dá-se a sucessão pelo creditador. Antes disso, ao título apenas corresponde crédito eventual
a favor do creditador, razão por que êsse dêle não pode dispor. Se foi permitida a circulação do crédito, ao
creditador é facultado dispor dos títulos, ou por endôsso, em se tratando de títulos endossáveis, ou por simples
tradição, se ao portador.
Se foi pactado que o creditado tem de entregar títulos de crédito ao creditador para que possa retirar quantias, o
contrato não é contrato de abertura de crédito, mais frequentemente se compêe o pré-contrato de operações
cambiárias ou cambiarifonnes. Se o creditador tem dever e descontar, ou apenas de receber em garantia, é
óbvio que se está diante de promessa de negócios jurídicos unilaterais ou de desconto bancário.
O contrato de abertura de crédito pode consistir em promessa do creditador de subscrever títulos de crédito a
favor do creditado, ou a êle endossados, ou feita a êles a tradição, para que o creditado com êles obtenha as
quantias que quer (cf. E. LEITNER, Das Rankgeschdft und geme Technik, 4 s.).
Se foi preciso algum negócio jurídico em que deve figurar o creditador, como a subscrição e a emissão de título
cambiário, ou o aval, ou o endôsso, tal negócio jurídico entra no ato devido pelo creditador.

MÚTUO
8. ABERTURA DE CREDITO EM MOEDA ESTRANGEIRA.
Ocreditado não pode exigir do creditador que lhe preste, em vez de moeda nacional, moeda estrangeira. Tal
operação inseriria no contrato de abertura de crédito contrato de comissão (cf. GIUSEPPE DONADIO, Gli
Accreditamenti bancari, ‘75 s.), ou seria por fora. Ou o creditador adquire, em seu próprio nome, mas por conta
do creditado, a moeda estrangeira; ou a adquire no nome do creditado, ou a tem e lha fornece.
No momento em que o creditador adquire, em seu próprio nome, mas por conta do creditado, a moeda
estrangeira, sem ter de ser restituida tal moeda estrangeira entregue ao creditado, exerce função de comissão,
pois só no momento da entrega ou da comunicação de ter adquirido, ficando em depósito irregular, se pode
pensar em retirada pelo creditado.
Desde que houve a aquisição sem infração de cláusulas contratuais ou de pactos adjectos, não importa a
variação do câmbio. Se o creditador se antecipou em comprar a moeda estrangeira, em seu nome, os riscos de
desvalorização somente são seus, como as vantagens da valorização da moeda. O creditado sé tem as perdas e
os lucros desde que se pode considerar feita a tradição da moeda, mesmo quando por meio de depósito
irregular, salvo se foi fixado pelo creditado ou por acordo o dia em que se adquiriria.

4. COMISSÃO DO CREDITADOR. O creditado tem de prestar ao creditador comissão de abertura de crédito,


que não se confunde com os juros. Os contraentes podem estipular que só é devida em caso de não utilização do
crédito aberto. Nesse caso, ao fechar-se a conta, isto é, expirado o tempo para o exercício da pretensão ao
crédito, é que nascem ao creditador direito e pretensão à comissão.
Discute-se se a falta de pagamento da comissão devida desde a conclusão do contrato, ou desde o início do
exercício da pretensão ao crédito, ou no dia ou prazo que foi determinado, importa resolubilidade ou
resibilidade do contrato de abertura de crédito. A melhor solução é no sentido de não bastar à desconstituição da
relação jurídica, por se tratar de porção pequena (ADRIANO FloRENTINO, Contratti bancari, Coinmentario
dei Codice Civile de A. SCIALOJA e G. BRANCA, IV, 485). Aliás, a comissão pode ser inserta no saldo final,
se assim se assentou, ou resulta de uso.
Se as retiradas são creditadas independentemente de ato do creditado, o que pode ocorrer, a comissão é devida,
como são os juros, se o creditado não utiliza o que lhe foi creditado. Aí, o creditado levanta se quer, mas seria
erro pensar-se em comadição potestativa (Código Civil, art. 115, 2Y~ parte) : o credor é, aí, o creditado.
Na abertura de crédito em conta corrente, o creditado pode fazer entradas, o que importa restituição total ou
parcial, de modo que dificilmente se poderia apurar a infração do dever de retirada. Por isso, é de uso prever-se
comissão especial se não se atingir o mínimo de levantamento (MÁRIO MAZZANTINI, Lezioni di Tecnica
bancaria, 161 s.). De ordinário, a solução é a ação de ressarcimento, conforme o contrato, ou a aplicação da
cláusula penal, se houve.

5. .luaos E ABERTURA DE CRÉDITO. Os juros somente podem ser sôbre o crédito utilizado, sôbre a retirada
ou as retiradas; não sôbre o crédito apenas aberto. O creditado, antes de retirar, não deve; portanto, não há
pensar-se em interêsses. Os juros são os convencionais; se não os houve, e a abertura de crédito é comercial, os
legais. Se o creditado retirou mais do que estava previsto, houve perda de valuta (cf. E’AOLO GRECO, Le
Operazioni di banca, 293), e sôbre isso também correm os juros.
Se o creditado já tem de pagar e há mora, fluem os juros moratórios, segundo os princípios.
pretensão nasce com o direito ao reembôlso. Daí ser sem razão o que escreveu PAULO DE LACERDA (JJo
Contrato de Abertura
de crédito, 23 ed., 377), sôbre se dissolver (!) o contrato com a retirada que atinge o limite.
Nada obsta a que, dentro do quanto creditado, se fixem as quantias ou os momentos em que se possam retirar as
frações.
6. INCoMPENSABILIDADE DO CREDITO ABERTO. Não há compensação contra o crédito aberto, isto é,
entre o que o creditado deve ao creditador, em conseqdência de outra fonte de dívida, e o crédito (BEThCCHI,
Dei Contratto di anertura. di credito, 166; GIUSEPPE DONADIO, Gli Acereditamenti bancari, 86 s.).

‘7. DURAÇÃO PROLONGADA. O cumprimento do contrato de abertura de crédito é duradouro (habet


dependentiam de futuro). Por isso mesmo, há a denúncia .
Se foi dada garantia e se tornou insuficiente, pode o creditador exigir o suplemento, ou, em se tratando de
fiança, a substituição do fiador insolvente.

MÚTUO
8. LIMITE DO QUANTO RETIRÁVEL. De ordinário, os figurantes do contrato de abertura de crédito
determinam o quanto máximo da soma dos levantamentos, se não é em conta corrente; se em conta corrente,
qual a soma dos saldos-expedientes contra o creditado. Se foi retirado todo o quanto do crédito, o creditado em
conta corrente pode fazer entradas e volver a poder retirar. Na abertura de crédito simples, esgotado o quanto de
crédito, o creditado nada mais pode esperar, salvo se sobrevém pacto adjecto de ser em conta corrente.
Com a retirada última e a extinção do crédito, resta indagar-se se o contrato previu data ou fato que haja de
determinar a exigibilidade pelo creditador.

EXTINÇÃO DA RELAÇÃO JURIDICA DE ABERTURA DE CRÉDITO

‘§ 4.631. Existência e extinção da relação jurídica entre creditado e creditador

1.CAUSAS DE ExTINÇÃO. A relação jurídica da abertura de crédito extingue-se como as outras relaçóes
jurídicas do Direito das Obrigações especialmente de origem contratual.
Assim, se desconstituído foi o contrato de abertura de crédito, por haver nulidade, não se pode falar de extinção
da relação jurídica de abertura de crédito, porque essa não existia. Os negócios jurídicos nulos, em princípio,
não irradiam direitos e deveres. Se havia anulabilidade, há extinção, em virtude da decisão que desconstitua o
contrato de abertura de crédito.
Também há a desconstituição pela resolução, ou pela resilição , ou pela rescisão, se, na espécie, é possível
cogitar-se de vício redibitório.
Há também o distrato.
O contrato de abertura de crédito pode não ser desconstituído, mas extinguir-se a relação jurídica entre o
creditado e o creditador.
No contrato de abertura de crédito pode ser inserta cláusula de condição resolutiva ou resilitiva.

2.TÉRMO OU CONDIÇÃO. A relação jurídica de abertura de crédito extingue-se se advém o têrmo ou se se


imple a condição final (e. •q., “fica aberto o crédito até 31 de dezembro do ano próximo”, “fica aberto crédito
até se ultimarem :as obras do túnel”).

Na abertura de crédito simples, o que se pode tomar, periôdicamente, contabilisticamente, é só o importe das
retiradas. Na abertura de crédito em conta corrente, os saldos enquanto não se atinge o têrmo, ou não se imple a
condição para encerramento, são saldos-expedientes, sôbre os quais se contam juros. O art. 258 do Código
Comercial é invocável; porém, como em tôdas as contas correntes, a periodicidade pode não ser a anual.
Além dêsses saldos-expedientes, anteriores ao verdadeiro saldo, há as tomadas acidentais de saldos (cf. T.
GIANNINI,. 1 Contratti di Conto corrente, § 77). Com os saldos-expedientes, sabe-se a quantas anda a conta
corrente, ou quanto retirou, ao todo, o creditado da abertura de crédito simples.
O visto ou reconhecimento pelo creditado é como o que se dá em qualquer conta corrente e tem os mesmos
efeitos. Aliás, basta a assinatura na cópia entregue ao creditado (Reg. n. 787, de 25 de novembro de 1850, art.
152, § 5; Código Civil, art. 131). Se há dúvida, pode ser provado por testemunha que a assinatura é verdadeira.
Se o creditado recebe o saldo-expediente ou final e não reclama, dentro do prazo marcado, presume-se o
reconhecimento (cf. Reg n. 737, art. 152, § 5). A presunção é iuris tantum.
Mesmo se houve reconhecimento, pode ser alegado e provado o erro, ainda se não foi aposta a cláusula S. E. ou
O.
Aliás, pode sobrevir estôrno de verbas por se verificar que alguma foi lançada ilegitimamente (e. g., o cheque
era sem fundos, nulidade do título cujo valor se lançou, duplo lançamento, erro de escrituração).
Com a expiração do têrmo final, é exigível o saldo, no caso de crédito, sem que seja de mister a intimação para
se constituir a mora ou para fazê-la eficaz, respeitado, porém, se mercantil o contrato de abertura de crédito, o
art. 138 do Código Comercial. É permitida a cláusula de prazo para a exigibilidade.

3. PRAZO INDETERMINADO, DENÚNCIA E RENÚNCIA. Se a abertura de crédito é sem prazo


determinado pode ser denunciada pelo creditador (denúncia vazia), ou renunciada pelo próprio creditado. Não
se pode falar de denúncia pelo credita-. dor e pelo creditado, nem, como se faz em sistemas jurídicos
estrangeiros, empregar expressão equivoca ou ambígua, como a expressão italiana “recesso”. No caso de tempo

MÚTUO
determinado, somente pode haver a resoluçao, ou a resilição, ou a denúncia cheia. Se o creditado ou o
creditador deixa de adimplir algum dos deveres, há a resolubilidade ou a resilibilidade, como pode ser exercida
a exceção nou adimpleti contractus ou a exceção non rUe adimpleti contractus.
A denúncia é negócio jurídico unilateral, receptício, não formal, salvo cláusula ou pacto em contrário, e eficaz
desde a notificação.
São justas causas para a denúncia cheia, se o contraente preferiu basear-se em algum fato para denunciar, as
mesmas causas que seriam invocáveis se houvesse prazo determinado.

4.PRAzo DETERMINADO E DENUNCIA CHEIA. Se o contrato de abertura de crédito é a prazo


determinado, não há denunciabilidade vazia. A denúncia cheia pode existir se advém justa causa, que o
contrato, ou a lei, ou o uso prevê. Por exemplo: se o Estado vai retirar à emprêsa a permissão de operar com
aberturas de crédito, por ser caso previsto em lei, o creditador pode denunciar, com essa alegação (êsse
enchimento), o contrato de abertura de crédito, e o mesmo pode fazer o creditado.
São justas causas para a denúncia cheia, feita pelo creditador: a) a mudança para má ou para pior da situação
econômica do creditado, de jeito a pôr em perigo, para o creditador, a restituição futura pelo creditado, salvo se
há ou se sobrevém suficiente garantia; b) àe a garantia se tornou insuficiente, a falta de reintegração da garantia
prestada; c) destinação dada à soma com infração de cláusula contratual que precisa a destinação ou as
destinações .
A denúncia pode encher-se com a alegação de impossibilidade superveniente da prestação, se de causa estranha
à vontade do denunciante.

5. FALÊNCIA, INSOLVÊNCIA E ABERTURA DE CRÉDITO. Tem-se discutido se a falência do creditado é


justa causa para a denúncia cheia do contrato, ou se é causa de resolução ou de resilição, ou se não é suficiente
para qualquer dêsses casos de extinção da relação jurídica de abertura de crédito. A princípio, afirmava-se que a
falência extingue a relação jurídica de abertura de crédito, sem se precisar, aliás, se a espécie seria de resolução
ou de resilição, ou de denúncia cheia (e. g., A. L~ FRANÇOIs, que fazia reviver o crédito com a concordata; M.
FALLOISE, no mesmo sentido).
GUSTAVO BONELLI partia da concepção, falsa, de ser pré-contrato o contrato de abertura de crédito, e
concluía que, em caso de falência do creditador, não poderia êsse continuar vinculado, pois quem não tem bens
disponíveis não pode fazer crédito; em caso de falência do creditado, o falido não está mais em situação de
exercer a pretensão e, se a massa o pudesse, haveria novação <‘fl),o que dependeria de manifestação de vontade
do creditador.
No Brasil, PAULO DE LACERDA (Do Contrato de abertvra de crédito, 23 ed., 878 s.), depois de frisar que se
não há de Confundir com as contas correntes o contrato de conta corrente, afirmou que a falência de qualquer
dos contraentes faz cessar a relação jurídica de abertura de crédito, se era em conta corrente o contrato,
inclusive se isso só ocorre em virtude de pacto adjecto, mesmo tácito. Se não o era nem era a prazo, a falência
do creditado dá ao creditador razão para denúncia cheia (que êle, atêcnicamente, chamou “razão justificativa de
recusa). Se tinha prazo, qualquer dos contraentes pode dar o crédito por fechado.
Quanto à insolvência, pode ser fundamento para a denúncia cheia. Se o creditado é o insolvente e tem saldo a
receber, não há base para a denúncia cheia por parte do creditado.
A decretação de abertura da falência faz encerrar-se a conta corrente, se a abertura de crédito era em conta
corrente. Resulta do art. 45 do Decreto-lei n. 7.661, de 21 de junho de 1945. Se o juiz mandou processar a
concordata preventiva, têm-se por encerradas as contas correntes, provisôriamente. Decretada a concordata
preventiva, cessa a dormência da conta corrente. Cf. Decreto-lei n. 7.661, art. 265, parágrafo único. (Tomos
XXVIII, § 8.350, 9, e XXX, §§ 3.489, 2, e 8.492, 11).
A dação de provimento a recurso contra a sentença que decretou a abertura da falência desfaz a decretação e
pois os seus efeitos.
A decretação da concordata suspensiva não reabre a conta corrente.

6. IMPOSSIBILIDADE SUPERVENIENTE. Se ocorre impossibilidade superveniente da prestação do


creditador, o débito de crédito extingue-se. Por exemplo: o Estado A proibiu que se abrisse crédito em moeda
estrangeira, ou exigiu para isso permissão estatal. Cf. Tomo XXV, §§ 3.054-3.058.

7.INCAPACIDADE, MORTE E ABERTURA DE CREDITO. A incapacidade do creditado, como do

MÚTUO
creditador, tem sido considerada causa de extinção da relação jurídica de abertura de crédito (PAULO DE
LACERDA, Do Contrato de Abertura de crédito, 23 ed., 376 s.; GIUSEPPE DONADIO, Gli Accreditainenti
bancar, 103; PACLO GRECO, Le Operazioni di banca, 317 s.). Não se trata de contrato intuitu personae.
GIUSEPPE FERRI (Apertura di credito, Enciclo pedia dei Dirttto, II, 607) afasta a extinção automática e faz
exceção para o caso de se tratar de creditado emprêsa que continue a operar. Com razão, quanto à repulsa à
afirmação de automaticidade. No tocante à exceção que pode haver à extinguibilidade, não há somente uma. A
abertura de crédito para quem está construindo edifício e ficou incapaz, se a construção não parou, por entender
o curador que a devia continuar, não se extingue com a decretação de interdição do creditado. Má muitos outros
casos.
O que se há de lamentar é que não se tenha atendido a que a causa não é de resolução ou de resilição, mas sim
de denúncia cheia, o que permite a verificação da suficiência da alegação. Se sobreveio a incapacidade do
creditado, o credita-dor pode denunciar ou não; e tal denúncia cheia nem sempre tem fundamento suficiente.
Se a incapacidade é do creditador, não há denunciabilidade se o estabelecimento prossegue nas operações, ou se
o sucessor do morto é a causa de morte (herdeiro universal), ou se, sucessor entre vivos, por ter adquirido dos
herdeiros 0W legatários, sucedeu nos créditos e nas dívidas. O legatário do estabelecimento creditador, como o
sucessor entre vivos em direitos e dívidas, está adstrito ao respeito do contrato. Sem razão os que falam de
extinção automática da relação jurídica de abertura de crédito, em caso de morte do creditado ou do
credítador. Não há automaticidade, nem pode ocorrer sem que impedem o adimplemento dos deveres
contratuais, embora justa causa (denúncia cheia).não possam ser suficientes para se pensar em resolução ou
resilição. Tem-se de prestar atenção à diferença entre denúncias.

4.632. Conseqüências da extinção da relação jurídica e resolução ou resiliçào.


de abertura de crédito

1. ExTINÇÃO E CRÉDITO. Extinta a relação jurídica de abertura de crédito, cessam de existir a pretensão e o
próprio direito do creditado a utilizabilidade do que fôra ou seria pôsto à sua disposição. Não mais pode sacar,
nem exigir do creditador qualquer ato que signifique adimplimento. Muito embora houvesse prazo
determinado, que não fôra atingido, tem o creditado de restituir as somas ou valôres que retirou durante a
vigência da relação jurídica de abertura de crédito, de conformidade com a lei e as cláusulas contratuais ou
pactos adjectos, mesmo se não se estabeleceu coincidência entre a extinção e a restituição. Não há restituição se
não houve retirada, ou se, sendo em conta corrente a abertura de crédito, não há saldo devedor contra o
creditado.

2.JUROS, COMISSÕES E OUTRAS DESPESAS. Além de se restituir o que se levantou, têm de ser pagos os
juros, as comissões e as despesas, feitas pelo ereditador, que toquem ao creditado, como as de atos inclusos nas
prestações do creditador.

8.ESPÉCIES DE CAUSAS DE ExTINÇÃO. No caso de denúncia vazia, ou o contrato exigiu o prazo de


eficácia (têrmo de pré-aviso), ou não o previu, e regem a espécie os usos. Se nada se estabelece, a eficácia é
imediata.
A denúncia cheia, essa, depende de justa causa, como o fechamento do estabelecimento creditado ou do
estabelecimento creditador, sem culpa da emprêsa (se há culpa, a espécie é de resolução ou de resilição).
Atingido o têrmo do contrato de abertura de crédito a prazo, a eficácia é imediata. No dia seguinte àquele que
foi o último dia da relação jurídica de abertura de crédito, não há mais retirabilidade e têm de ser feitos, sem
tardança, a restituição e os pagamentos de comissões e despesas, salvo cláusula, pacto adjecto ou uso em
contrário.
Quanto às justas causas, o contrato de abertura de crédito pôde prevê-las. Se não as previu, são justas causas
aquelas
1

Título XXX

MÚTUO
ASSINAÇÃO E ACREDITIVO
(negócios jurídicas unilaterais para compor ângulo)

CONCEITO E NATUREZA DA ASSINAÇÃO

§ 4.633. Conceito de assinação

1. CONCEITO. Pela assinação, o assinante autoriza, stricto sensu, o assinado a fazer a terceiro a prestação de
dinheiro, valôres, ou outros bens fungíveis, por conta do assinante, e o terceiro recebe, em nome próprio, a
prestação. A princípio, confundia-se a assinação com o mandato, mandato (ao assinado) de pagamento,
mandato (ao assinatário) de cobrança. Ora, o mandato seria plus, em relação à simples autorização, que é o
elemento necessário e suficiente à assinação.
Se o assinatário, no caso concreto, tem de entregar ao assinante o que recebeu, há, também, plus, que é o
negócio jurídico de que se irradiaria êsse dever. Portanto, é excessivo tomar-se por mandato a assinação; a
assinação não é mandato, nem todo duplo mandato contém assinação.
O conceito de autorizacão é à base do instituto da assinação. (Autorização, em sentido lato, há para influir-se na
esfera jurídica do autorizante mediante manifestação de vontade a ser emitida, ou a ser recebida, em nome do
autorizante, ou em nome próprio; autorização, em sentido estrito, somente há para influir-se na esfera jurídica
do autorizante, em virtude da manifestação de vontade emitida ou recebida em nome próprio, no que se
diferença da outra autorização, que é a outorga de poder, espécie de autorização em sentido lato.)
A assinação não é contrato. Nem funda qualquer relação jurídica obrigacional. Não é, de modo nenhum, ordem
ou comando, como pensava O. WENDT (Das Allgemeine Ánweisungs recht, 25 s.) ; nem, tão-pouco, duplo
mandamento; nem outorga de poder. Apenas se dá, com ela, a alguém a oportunidade para criar direito. Nisso,
parece-se com a outorga de poder, sem se identificar com ela: dupla outorga de poder, dojppelte Vollma.cht,
queria-a KARL WIELAND (Die Ennãchtigung zum Leistungsempfang, Archiv filr die civilistische Praxis, 95,
165 s.); outorga de poder de encaixe, entendiam Orto LENEL (Stellvertretung und Vollmacht, Jherings
Jahrbitcher, 36, 117 s.) e F. LENT (Die Ánu’eisung ds Vollmacht, 30 s.). Não há, nela, qualquer representação:
há autorização, e foi bem que o Código suíço das Obrigações, art. 466, corrigisse o art. 406 do texto anterior,
pondo “autorizado” (ermãchtigt) onde se dizia “mandado” (beauftragt).
Pode dar-se que, como negócio jurídico subjacente, justajacente ou sobrejacente à assinação, haja mandato, mas
nem isso ocorre sempre, nem bastaria para se considerar mandato a assinação.
Assinação não é pagamento, nem o importava a dele gatio romana. Na L. 8, § 3, D., ad senatus consultum
Veilsianum, 16, 1, diz-se: “solvit ... qui reum delegat”. Também na L. 187, D., de verborum significatione, 50,
16, na L. 37, § 4, O., de operis libertorum, 38, 1, e na L. 26, § 12, O., de condictioni? indebiti, 12, 6, há alusões.
Mas o princípio *Delegatio est solutio é falso. Era o aceite que lhe dava tal eficácia. Se, em vez de aceite, o
delegado pagava, era o pagamento que solvia. O aceite, sem formal novação, era o caso único em que se
poderia pensar em que delegatio est solutio. Cf. B. BIONDI (Appunti intorno agli effetti estintivi delia
delegazione nel diritto romano, Studi Paoli, 97 s.). Aliás, já v. PLUCINsKI (Zur Lebre von der Assignation und
Delegation, Archiv /1k die civilistische Praxis, 60, 344 s.), contra B. VON SALPIUS (Novatiou und
Delegation, 11 s., 485 s.). Cf. Tomo XXV, § 3.004, 5.
Também não se pode reduzir a assinação à cessão de crédito. O assinante não cede ao assinatário o seu crédito.
O cessionário tem imediata acionabilidade do crédito contra o devedor, desde que notificado êsse. O assinado,
êsse, ou repele a assinação, ou a aceita (= a atende). Cf. OTTO WENDT (Das allgenteine Anweisungsreckt, 28v
s.) e II. THÕL (Das Harideisrecht, 6a ed., 1086 s.).
Não há, para o assinatário, substituição do seu direito de crédito contra o assinante pelo direito de crédito contra
o assinado. Não há confundir-se com a eficácia da cessão a eficácia da assinação (HANNS EDELMANN,
Anweisung und Scheck, 12). Quanto ao receptor, quase nunca se pode ver no negócio jurídico subjacente,
justajacente ou sobrei acente mandato: de ordinário, êle recebe e se paga, ou recebe como doação, ou mútuo,
ou por outra causa.
A carta de crédito é a assinação em que se fixa importância máxima, em vez de se fixar certa importância a ser
recebida de uma vez. A acreditação, o acreditivo, êsse, não é espécie de assinação; é instituto diferente, em que
o assinado há de pagar, por exemplo, ao vendedor o que o comprador deve e o vendedor é autorizado a receber,
dependendo de “confirmação” do assinado a sua obrigação de prestar, confirmação que pôde conter

MÚTUO
comunicação de se ter tornado irrevogável, por exemplo, a abertura de crédito. A “confirmação” épromessa
abstrata de dívida por parte do assinado. Não se há de pensar, tratando-se de negócio jurídico acreditivo, em
contrato a favor de terceiro: o terceiro estaria exposto às exceções resultantes do contrato. São assuntos que se
hão de tratar na Parte II.
A assinação não é outorga de poder, como queriam OTTO LENFÂL e E. LENT, porque o assinado não incorre
em mora pela apresentação do assinatário, o assinado não pode exigir do receptor a quitação de que falam os
arts. 939-941 do Código Civil (A. VON Tui-nt, Zur Lehre von der Anweisung, Jherings Jahrbúeher, 48, 9 s.),
nem compensar com o receptor ou assinatário.
O que a assinação faz é autorização ao assinado com sujeição ao receptor ou assinatário. A abstração é evidente,
tanto no que concerne à manifestação unilateral de vontade ao assinado quer no que se refere, com a entrega do
documento, se é o caso, à tradição ao assinatário. O assinado presta porque foi autorizado a isso, sem ter de
trazer à tona qualquer causa que possa existir.
Quando se diz que a entrega do documento da assinação ao assinatário, em que consta o nome dêsse, é contrato,
ressalta o erro. A tradição é pelo acordo , sim; mas seria forçado ver-se na tradição mais do que ela é. A eficácia
do negócio jurídico da assinação vai ao assinado, porque a êle é que se dirige a assinação (inclusive, se é o caso,
a carta de crédito). Não há acordo de assinação, pôsto que se possa conceber acordo sôbre assinação já feita, ou
por fazer-se.
O assinado, diante da assinação, quer lha tenha apresentado o assinante, quer tenha sido prestador dela o
assinatário ou terceiro, fica autorizado a prestar, com tôdas as conseqUências jurídicas. Nos mais conhecidos
negócios jurídicos unilaterais, o manifestante da vontade unilateral assume a divida se outrem satisfaz
pressuposto (e. g., dá-se o prêmio tal a quem achar a carteira perdida, ou a quem vencer a corrida). Na
assinação, o pressuposto é prestação por alguém, de que nasce diferença, portanto, no tempo, em comparação
com aquêles outros negócios jurídicos unilaterais a divida do assinante.
O impulso que cria a assinação vem do assinante. Já existe assinação desde o momento em que entra no mundo
jurídico a manifestação unilateral de vontade do assinante. Manifestação de vontade receptícia, que pode ser
revogada, se e assinado ainda não a atendeu, ou de algum modo ainda não se vinculou para atendê-la. Ver
ângulo, na assinação, seria erróneo. Seria confusão entre existência e eficácia. Na constituição dos negócios
jurídicos não se inserem os seus efeitos. Mais grave ainda seria tê-la como triangular. O resultado é que traça as
duas outras linhas, estranhas à composição negocia).
O assinado pratica o ato, ou se recusa a praticá-lo, porque teve conhecimento do que lhe dirigira o assinante.
Pode ignorá-lo até que o assinatário se apresente, ou envie alguém que lhe mostre o documento, ou até que
terceiro lhe comunique a manifestação de vontade que o assinante emitiu. O assinatário pode só saber do ato do
assinante no momento em que o assinado lhe entrega a prestação, ou mesmo mais tarde, como se o assinado
deixou no escritório do assinatário o cheque, sem dizer por que o fazia.
Os atos do assinado e do assinatário não se integram na constituição do negócio jurídico de assinação. Mesmo
se o ato do assinado é negócio jurídico entre êle e o assinatário, as manifestações de vontade entre êles não se
põem dentro do
negócio jurídico de assinação, unilateral e insuscetível de bilateralização, ou, a fortiori, de triangularização.
O aceite pelo assinado não é mais do que negócio jurídico unilateral, que êle compõe. No caso de mera
prestação solutória ao assinatário, a entrega é ato-fato jurídico, pôsto que tenhamos de aludir ao elemento,
conceptualmente necessário, aí simultâneo, ou imediato, do aceite, negócio jurídico. Se a prestação foi
promissória, houve o aceite, ainda que implícito, e o negócio jurídico de que resulte assunção de dívida pelo
assinado.
Se o assinatário não quis recolher, houve recusa; se se recusou a consentir no negócio jurídico de que se
irradiaria a vinculação do assinado, nem por isso deixou de haver, embora sem todo o êxito que o assinante
esperava, o negócio jurídico de assinação.
Não se pode reduzir o ato do assinado a ato-fato jurídico, que seria o da entrega da prestação. Há de ter havido,
ou tem de haver o aceite. O aceite é explícito ou implícito. Nem se pode dizer que, sendo promissória a
assinação, o negócio jurídico entre o assinado e o assinatário ‘nova a divida. Se há os pressupostos para a
incidência do art. 999, II, do Código Civil, tem-se novação. Se a assinação era para se solver divida do
assinante, mediante pagamento, sem se cogitar de novação, pode o assinado acordar com o assinatário em que a
solução se dê, e o negócio jurídico entre êles pode concluir-se como de novação, sem consentimento do
assinante (cf. Código Civil, art. 1.001).

MÚTUO
2. ESPÉCIES DE ASSINAÇÃO. A assinação, por parte do assinado, pode ser para pagar ou para ficar a
dever.
(A propósito de letra de câmbio e de cheques costuma-se tratar de assinação, como se letra de câmbio e cheque
o fôssem; sê-lo-ia também a duplicata mercantil. Pertencem os três institutos, mais a assinação, à mesma classe,
o que é outra coisa. Também se falou de assinação a respeito de cheque postal, que de modo nenhum o é. E do
acreditivo. Isso não quer dizer que se não possam invocar certas regras jurídicas que são comuns; evitemos
dizê-las subsidiárias.)
A declaração de assinação é revogável pelo assinante; com a revogação, a autorização cessa. Não importa se o
assinante deve ao autorizado a receber (assinatário), ou se se obrigou, perante êle, a não revogar. Se o assinante,
com a revogação, pode ser responsabilizado pelo autorizado a receber, não importa: nada tem isso com a
revogabilidade da assinação
(F.KLAXJSING, Wechsel- iund Scheckrecht, ‘72). No cheque, dá-se o contrário: o sacador não pode revogar.
A assinação é inconfundível com o traspasso bancário, de que se tratou no Tomo XXXI, §§ 3.592 e 3.598.
Nem há elemento de assinação no traspasso bancário. Não se entrega nenhum documento ao beneficiado pelo
traspasso bancário. Tão-pouco se há de confundir a assinação com o cite que postal ou com a remessa postal.
O traspasso bancário não precisa ser escrito pelo outorgante. Basta, de regra, a assinatura (ARTHUR MEZ,
Beitrag zur rechtlichen Betrachtung des Giroverkehrs, Arehiv fiir Bitrgerliches Recht, 30, 56; sem razão, PAUL
MEYER, Die Girozahiung, 12).
Se o banco costuma fazer traspassos bancários, subentende-se que há negócio jurídico subjacente, tácito, pelo
qual se vinculou às ordens de traspasso (BRODMANN, Zur Lehre vom Girovertrage, Zeitschrift fúr das
gesamte Handelsrecht, 48, 125).
Se a ordem de traspasso excede o crédito, o banco ou a honra, ou responde que não pode cumprir.
A espécie mais freqUente de assinação é a assinação solutória: o assinante incumbe (melhor diremos: autoriza)
o assinado a pagar a terceiro. No falar-se de assinação solutória (solvendi) e de assinação promissória
(pronvitiendi), dá-se a solução sentido extrapolado, pois há prestação, mesmo em pecúnia, pelo assinado que
não é promissória, nem consiste em pagamento. Se A quer oferecer a C, em mútuo, ou em doação, a quantia a
que se refere a assinação, e autoriza B a prestar, E presta como se pagasse e em verdade A nada deve a C. Aliás,
a assinação promissória (e. g., para que E aceite letra de câmbio subscrita e emitida por C) pode ser para solver
dívida de A. A assinação, rigorosamente, ou é de prestação pecuniária, ou de prestação creditícia.
Quando o assinante é devedor do assinatário e vai ser paga pelo assinado a divida, a assinação é passiva. Com
isso, põe-se à dianteira a posição jurídica de quem assina, isto é, de quem manifesta unilateralmente a vontade.
Se A assina E a prestar a C, seja com entrega de bem seja assumindo divida, unilateral ou bilateralmente, é
porque A deve a C ou quer que se estabeleça, com a prestação, algum negócio jurídico, que pode ser a simples
esmola.
A assinação diz-se ativa quando o assinante quer que o assinado se vincule perante o assinatário, para que deixe
o assinado de ser devedor ao assinante. Os dois adjetivos são aplicados à assinação sem que se refiram a ela:
referem-se, respectivamente, à relação jurídica que há entre o assinante e o assinado, que passa a ser credor do
assinante, e à relação jurídica que há entre o assinante e o assinado, que deve àquele. Não há, portanto,
vantagem em se empregar a qualificação, estranha ao que se qualifica.
Para que haja assinação não é preciso que já exista relação jurídica entre o assinante e o assinado, de jeito que
tenha o assinado dever de atendimento, ou, pelo menos, interêsse em atender (aqui, “interêsse” no sentido do
art. 980 do Código Civil).
A assinação promittendi não é rara, porém muito menos freqUente do que a assinação solvendi e a donandi.
Quando se quer que outrem prometa, por conta de quem manifesta a vontade, o que mais se emprega é a
novação, porém pode dar-se que haja a assinação e a novaçao, que já se passa entre assinado e assinatário.
Aquêle, é negócio jurídico unilateral, no qual a manifestação de vontade se dirige ao assinado. tsse, não, é
negócio jurídico entre o assinado e o assinatário, que poderia concluir-se mesmo sem qualquer manifestação de
vontade do devedor (Código Civil, art. 1.001).
Também pode faltar qualquer relação jurídica entre o assinante e o assinatário, inclusive ocorrer que o assinante
queira doar ou dar esmola ao assinatário e nenhum negócio jurídico se crie entre êles, pela recusa de receber.
Aliás, se O deve a D, pode A assinar E para que pague a dívida de O, dando-se ou não se dando sub-rogação
pessoal (Código Civil, arta. 985, II, 989 e 980, parágrafo único). Por onde se vê quão restritos foram o Código
Civil alemão, § 783, e o Código suíço das Obrigações, art. 467. Também o Código Civil italiano, arts. 1.268-
1.276, assaz incompleto apesar de tantos artigos.

MÚTUO
O assinante, A, pode querer que o assinado, E, assuma dívida perante O, assinatário, para que se extinga a
dívida de A a C. Essa assinação promissória alude ou não alude ao que existe de relação jurídica entre A e O,
assinante e assinatário. Não precisa aludir. A relação jurídica entre A e C é estranha à assinação. O ser
promissória, ou não, a assinação, isso sim se prende à assinação. O assinante tem de dizer qual o ato que quer
que o assinado pratique. Se êsse atua diferentemente, mas com o resultado que o assinante queria, não há
inconveniência, mas tudo corre a risco e por conta do assinado, no que não se enquadra no que o assinante
queria.

8.OS FIGURANTES DA ASSINAÇÃO. O recebedor da assinação, o assinatário, fica, por ela, autorizado a
apresentar o documento da assinação, se o recebeu, por conta do assinante. Não há prazo, fixado em lei, para
que o assinatário apresente ao assinado o instrumento da assinação, para que dado seja o “aceite” ou a paga
(incluído, pois, o aceite). Todavia, corre-lhe a obrigação de apresentar o instrumento de assinação dentro do
tempo mais breve possível.
Se o assinado se nega a aceitar, ou se êle se nega a prestar, tem o assinatário dever e obrigação de comunicar o
ocorrido, dentro do menor tempo possível, ao assinante. Tem o mesmo dever e a mesma obrigação, se não quer,
ou não pode apresentá-la. Todavia, se o assinado manifestou, antes do vencimento, que não pagaria, tem-se de
distinguir se o disse quanto ao presente e à época do vencimento, ou se somente ao ser-lhe, antes do
vencimento, comunicada a existência da assinação~ pois o dever e a obrigação do assinatário, quanto à
comunicaç&n ao assinante, só existem na primeira espécie. Porque o assinado paga por conta do assinante, o
pagamento há de influir na relação jurídica causal (ou abstrata) entre o assinante e o assinado, de modo que
êsse, se oneroso o negócio jurídico entre êles, deve lançar o que paga.
(Em vez de falarmos de “aceitação”, dizemos “aceite”, para que frisado fique que a manifestação de vontade do
assinado é promessa unilateral de vontade, tal como se passa com a letra de câmbio e com a duplicata
mercantil.)
Em sentido amplo, assinação é pedido e é autorização, dirigidos a alguém, para que preste algo a terceiro, por
conta do assinante. O destinatário, assinatário, recebe a prestação que o assinante lhe faz. O assinado lança
contra o assinante aquilo que prestou.
Muito se tem aludido ao triângulo da assinação (ou da delegação). Os males que daí resultam são graves,
porque, se se está a conceituar o negócio jurídico da assinação, o que mais importa é classificá-lo, primeiro,
como negócio jurídico. Tem-se de verificar qual o pressuposto concernente à vontade:
se o acordo, as duas manifestações de vontade, ou se a manifestação de vontade de uma só pessoa. Aí é que está
o cerne dos problemas atinentes à assinação. Ora, a despeito dos três sujeitos de direito, a que se faz referência,
porque um assina, o outro é o assinado e o terceiro é o assinatário, o negócio jurídico da assinação úada tem,
em si, com a triangularidade. Tanto assim é que o assinado pode prestar o que se lhe atribui, sem ter qualquer
ligação com o assinatário, como pode o assinatário não receber o que se lhe preste.
A assinação pode ser contida em documento (assinação de ida e volta = vai ao assinatário o documento, para
que a apresente ao assinado), o que permite ao assinatário outorgar Poderes a outrem. O documento ainda não é
vinculativo do assinado. Esse só se vincula com o aceite.
A entrega do documento, pelo assinante, ao assinatário, não é nem ato-fato jurídico, nem, tão-pouco, elemento
de contrato (sem razão, L. ENNECCERUS-H. LEU MANN, Lehrb’uch>, II, 14.8 recomp., 804, nota 2). Trata-
se de negócio jurídico unilateral, com que se quer, por intermédio do assinado, prestar. Certo, EUGEN
LOCHER (Das Recht der Wertpapiere, 152). Se fôsse pagamento, seria ato-fato jurídico. Não no é.

§ 4.684. Natureza da assinação

1. PRECISÕES. A concepção que faz do negócio jurídico de assinação negócio jurídico plurilateral é de
repelir-se de todo: o negócio jurídico é de assinante a assinado, para prestar ao assinatário; o que o assinatário
conhece, se conhece, é em virtude de certo negócio jurídico, causal, ou não, entre êle e o assinante, ou porque é
portador do documento de cujo conteúdo se inteirou.
A assinação é entre assinante e assinado, a favor do assinatário.
O assinado não pode opor ao assinatário as exceções relativas à relação jurídica entre o assinante e o
assinatário, salvo cláusula em contrário. Pode opor ao assinatário as exceções concernentes às relações jurídicas
entre êle e o assinatário.

MÚTUO
A assinação é a delegatio solvendi, ou a delegatio promittendi, conforme o assinado tem de atender, ou de
aceitar, perante o assinatário, ao encargo do assinante.
Nem se exige que o assinante seja devedor perante o assinatário, nem que o assinado deva ao assinante. O
assinante pode, por exemplo, ser doador, ou mutuante, ou prestar em outro negócio jurídico. O assinado pode
ser devedor, perante o assinante, e prestar para liberar-se.’ Por onde se vê quão falsa era a máxima *J~
delegatione semper inest novatio etiam jure novissinw.
O assinante manifestou o desejo de que o assinado preste ao terceiro, por conta do assinante. Quis autorizar e
autorizou. É preciso que se não confunda isso com as instruções a que está obrigado o assinado, pois tais
instruções são deveres oriundos de outra relação jurídica entre assinante e assinado. Se nenhum dever existe, o
assinado faz-se gestor de negócios alheios com mandato ou outra figura jurídica. A assinação, em si mesma,
independe de qualquer dever do assinado. Mesmo se o assinado é devedor do assinante, pode atender à
assinação e liberar-se da sua dívida, porém de modo nenhum está vinculado a isso, se não há lei que o vincule,
ou outra fonte de obrigações.
O assinado pode assumir, perante o assinatário, a dívida, em vez de prestar, desde logo, a êsse, salvo se o
assinante lho vedou. Portanto, a regra jurídica dispositiva é a da assinação com permissão do aceite. Todavia
não há escolha, para o assinado, entre pagar ou aceitar, inclusive vincular-se por título cambiário, ou outro
título, se o assinante não o permitiu, ou se o assinatário não consentiu de si mesmo. Na última espécie, há
negócio jurídico solutório entre assinado e assinatário a que é estranha a assinação e, em conseqúência, o
assinante.
Mesmo que deva ao assinante, o assinado não é adstrito a cumprir a assinação, salvo se há lei ou uso em
contrário.
O assinatário pode estar autorizado a receber do assinado a prestação, em seu próprio nome. O assinatário de
modo nenhum recebeu Poderes do assinante. Recebe do assinado a prestação, mesmo se êsse assumiu a dívida,
não como credor do assinado, mas sim como credor ou futuro devedor do assinante. Para êle, não importa o que
tem havido, ou haja, entre o assinante e o assinado. Não exerce direito do assinante contra o assinado, mas
recebe do assinado o que lhe deve ou lhe quer atribuir o assinante.
Recebe de terceiro, como aconteceria a quem fôsse procurado por terceiro não interessado para solver o débito
de outrem, ou entregar o que o assinante quer que se entregue ao assínatário, o que se prevê, em geral, no art.
930, parágrafo único, do Código Civil. Não tem poder para isso, nem precisana disso (FR. LEONHARD,
Besonderes Schuldrecht, 364; EUGEN ULMER, Das Reúht der Wertpapiere, 138; ERICE JUNO, Erõrterungen
zum deutschen búrgerlichen Gesetzbuch und zu den Zivilgesetzentwúrfen Ungarns und Bulgariens, .The’rings
Jahrbuclzer, 69, 82). Perante o assinado, o assinatário sàmente tem pretensão e ação se êsse apôs o seu aceite.
Até que isso se dê, a entrega do documento ao assinado só lhe dá o ensejo de receber, o que pode não acontecer.
Não se deve dizer, porém, como EUGEN ULMFR (Das Recht der Wertpapiere, 138) e
B. REHFELDT (T47ertpapierrecht, 35), que a expectativa do assinatário seja reflexo da autorização ou poder
outorgado ao assinado. Diz-se que não há expectativa, nem reflexo, porque tudo só se passa, embora
ps’iquicamente, no mundo fáctico. O assinado paga se quer. O assinante pode não ter tido qualquer razão para a
assinação, ou a revogar, se o quer, enquanto não há o aceite.
Redarguiu-se que pode haver grande probabilidade de que o assinado satisfaça a dívida, ou aceite. Mas,
qualquer que seja essa probabilidade, tudo só se dá no mundo fáctico. (Para se ver como EUGEN ULMER e E.
REI-IFELDT empregaram, precisamente, ai, o têrmo “expectativa”, Ánwartschaft, que é conceito já do mundo
jurídico, por haver mais do que probabilidade fáctica de aquisição, cf. Tomos 1, § 31, 3; V, §§ 576-578,
principalmente 577, ‘7. Sem razão, KARL LARENZ, Lehrbuch des Schuldreehts, 292.) O assinante, por sua
relação jurídica com o assinatário, criou a espera, uma vez que fêz a assinação. Não ter o assinatário pretensão e
ação contra o assinado é outro problema; e os titulares das próprias expectativas não as têm. O documento
mesmo é titulo de legitimação, o que nada tem com o eventual mau êxito.
Com a introdução de cláusulas pode-se fazer da assinação outro instituto: novação, se o assinado substitui o
assinante, fazendo-se devedor ao assinatário; cuntulação de dívida, se o assinado passa a ser, com o assinante,
devedor ao assinatário.
Quanto à assinação ativa e passiva aliás a dita delegação ativa e a passiva deve-se pôr de lado a distinção
(RosAuo NICoLÕ, .11 Negozio delegatorio, 166 5.; cp. WALTER BIGIÁvI, La Dele gazione, 15;
FRANCESCO MESSINEO, Manuate, II, 2, 174).

2.ASSINAÇÃO E ASSUNÇÃO DE DIVIDA ALHEIA. A assunção de divida alheia de modo nenhum se

MÚTUO
confunde com a assina$o, como não se havia de confundir a expromissio com a detegatio. Aquela é negócio
jurídico entre o credor e o terceiro; essa, entre o devedor ou quem quer prestar e o terceiro. Naquela, é sem
relevância a razão por que o expromitente assume a dívida de outrem. Nessa, é sem relevância a razão por que o
assinante encarregou o assinado de prestar. A iniciativa,. nessa, é do devedor ou pessoa que quer prestar.
Naquela, mesmo se há sugestão do devedor, a iniciativa é do credor, ou pessoa a que se há de prestar.
A assinação tem caráter instrumental. Se o assinatário admitiu a assinação, isso é negócio jurídico ou cláusula
de negócio jurídico entre êle e o assinante, mas fora da assinação. A anuência do assinatário não integra o
negócio jurídico originário, com as conseqUências para êle da entrega da contra-prestação ou da prestação pelo
assinado.
Por outro lado, se a assinação é, para o assinatário, mediante o aceite pelo assinado, adimplemento, ou não, é
questão só atinente à relação jurídica, provàvelmente causal, entre o assinante e o assinatário.

3.ASSINAÇÃO E ENTREGA DE DOCUMENTO. A manifestação de vontade do assinante é feita ao


assinado, que há det
prestar, embora entregue ao assinatário o documento. O assinante, dirigindo-se ao assinado, pode dispensar o
documento. Então, não há o percurso material, fáctico, “assinante, assinatário, assinado”, e há coincidência
entre o percurso jurídico e o percurso fáctico (assinante, assinado, assinatário). Na relação jurídica entre o
assinante e o assinado, a prestação, que o assinado vai fazer, ou faz, é prestação do assinante. Se o~ assinante
prometeu ao assinatário essa prestação e, pois, a. deve, isso se passa fora da relação jurídica da assinação. A
particularidade da assinação contida em documento, documento legitimante, está em que, em vez de se levar ou
de se enviar ao assinado a autorização, se entrega o documento ao assina-. tário. Com isso, não se pôs o
assinatário, no negócio juridico~ da assinação, antes do assinado, o que se passa, çpmo veremos~
caracteristicamente, no negócio juri digo acreditivo. a
Com a entrega ao assinatário, que é tradição de documento, fora do negócio jurídico da assinação, muito
embora possa o documento referir-se ao dever de entrega, não se triangularizam as relações jurídicas. Há duas
linhas retas, formando ângulo: assinante, assinado (assinação) ; assinado, assinatário.

4.NATUREZA DA ASSINAÇÃO E EFICÁCIA DA PRESTAÇÃO. A relação jurídica de assinação, que é de


encargo ao assinado, nao se pode confundir com as relações jurídicas de atribuição ou de valuta entre o
assinante e o assinatário, nem com a relação jurídica de cobertura entre o assinante e o assinado.
É preciso que se não confunda a relação jurídica de assinação, que é entre o assinante e o assinado, com a
eficácia da prestação que, em virtude do negócio jurídico da assinação, faz o assinado, a) No tocante à relação
jurídica de atribuIção ou de valuta, que é entre o assinante e o assinatário, a prestação pelo assinado tem o papel
de prestação do assinante:
por meio do assinado, o assinante ou solveu dívida, de que era. credor o assinatário, ou lhe prestou algo como o
que lhe cumpria ou êle queira, como figurante de negócio jurídico, que talvez, ao tempo da assinação, ainda não
existia (e. g., o assinante quis doar, por meio da assinação, ao assinatário). Existente, ou ainda não existente a
relação jurídica de atribuição ou de valuta entre o assinante e o assinatário, a relação jurídica é de atribuição
(Zuwendnngsverhãltnís) 19 No que concerne ao assinado, a prestação dêsse ao assinatário é por conta do
assinante. Também aqui a eficácia da prestação depende do que se passava ou se passou ou se passa entre o
assinante e o assinado, independentemente da relação jurídica de assinação. Se o assinado devia ao assinante,
aquêle se liberou. Se não devia, o assinado passa a credor do assinante, e há de ser reembolsado.
A eficácia, no que se refere ao assinatário e ao assinado, é de repercussão da prestação em duas relações
jurídicas distintas: a relação jurídica entre o assinante e o assinatario e a relação jurídica entre o assinante e o
assinado.
Os primeiros passos para a teoria da ass-inaçãú negócio jurídico unilateral com o conteúdo da autorização
devem-se a B. VON SALPIUS (Novatwfl nnd DeiegO’tiOfl, 27 s.) e a PrnLIPP LOIMAR (Ober Causa im
Recht, 97 s.). O que mais importou, para o desenvolvimento da doutrina exata, foi a afirmação da unilateralide
Depois, a de ser autotirativo o conteúdo.
Nada justifica que se tenha por unilateral a assinação a descoberto e por bilateral a assinação com cobertura. A
cobertura é em virtude de outro negócio jurídico, ou, até, de outra espécie de fonte de obrigações. Se a pessoa
que seria o assinado se vinculou, contratalmente, a prestar a terceiro, não há assinação, que é negócio jurídico
unilateral, mas sim outra figura jurídica. Por outro lado, aquêles que distinguem da autorização , que há na
assinação, se é devedor o assinado, a assinação a descoberto, em que haveria indicação, e não autorização,

MÚTUO
estão de olhos fitos na existência, ou não, de negócio jurídico subjacente, justajacente ou sobrejacente.

5.RELAÇÃO JURÍDICA DE COBERTURA E RELAÇÃO JURIDICA DE VALUTA. Denomina-se relação


juridica de co berturti (~eckungSverhaltnís) a relação jurídica que pode existir entre o assinante e o assinado.
Diz-se, também, relação juridica de proviso O. Porque existe essa relação jurídica, só se pode responder iv
casu: pode haver gestão de negócios, mandato (que é o que se supóe existir, quando não se revela qualquer
outra causa da assinaçãO), ou outra relação jurídica. Ou nenhuma.
Chama-Se relação juridica de vaduta à relação jurídica entre quem 6~carregoU de prestar e quem há de receber
a prestação. Na assinação, a relação jurídica de valuta é entre o assinante e o assinatario.
Sempre que há enriquecimento com causa do patrimônio de terceiro, há relação jurídica de valuta. Nem sempre
resulta de compra-e-venda. As causas, menores ‘ou gratuitas, são muitas; é possível, até, que se abstraia da
causa.

6.ABSTRAÇÃO. Tanto a assinação quanto o aceite são manifestações unilaterais de vontade, abstratas.
Aquela, unilateral, quanto à direção ao assinado; quanto ao receptor, também, porque, se existe qualquer outra
relação jurídica, entre o assinante e êle, é subjacente, justajacente ou sobrejacente, e dela é que deriva o ter-se
de entregar o documento de assinação, ou fazer-se chegar ao assinado a declaração (sem razão:
RONRAD CosAcic, Lehrb’uch>, J, 6A ed., 617, ‘fla,, 660; G. PLANCK, Kúmnwntar, ~ 4a ed., 867; contra, F.
LENT, Anwetsititg ais Voilmachi, 129, L. ENNECCERUS, Lehrbuch, 1, 2, 579, nota 1, e 35,a ed., § 201, nota 1,
P. OELtTMANN, Das Recht der Schuldverhãitn2sse, 978).
A entrega do documento é tradição; não é contrato, nem faz contratual a autorização ao assinatário.
As duas autorizações saem em ângulo (do assinante ao assinado, do assinado ao assinatário ou receptor) ; mas
como um todo, e tal unitariedade é que tolda o instituto. Se há autorização a alguém, para que pague, e não há
alguém que seja receptor, não se pode pensar em assinação: faltou elemento do negócio jurídico da assinação;
há, apenas, autorização de pagamento. Idem, se há autorização de receber, e não há autorização de pagar,
espécie em que o autorizante provàvelmente simulou ter concluído assinação.
A assinação é linha que vai do assinante ao assinado. A linha entre o assinatário e o assinado não é essencial, a
despeito de ser essencial que o ato do assinado se dirija ao assinatário, quer tuscita,do por êsse, que se
apresentou (ou apresentou o documento ou os documentos), quer praticado (prestação ou aceite) por aquêle.
Não se pode dizer que não houve o negócio jurídico da assinação se o assinatário não se apresentou (ou não
apresentou o documento ou os documentos). Para que haja assinação , o que se exige é a linha “assinante,
assinado”, que pode dar ensejo a outra: “assinado, assinatário”.

7.FORMA E MODALIDADES DA ASSINAÇÃO. No direito brasileiro, têm de ser observados os arts. 135 e
141 do Código Civil. Isso quer dizer que, nos limites que resultam de tais regras jurídicas, a assinação oral
pode ser promessa abstrata de divida e as regras jurídicas sôbre eficácia da transmissão da assinação incidem.
No direito brasileiro, não há distinguirem-se as assinações que se refiram a coisas fungíveis e as assinaçóes
relativas a coisa nâo-fungíveis, se bem que se haja de atender ao Código Civil, arts. 183 e 134.
A assinação pode ser por escrito, ou oral (inclusive telefônica ou telegráfica). E a autorização oral
freqúentemente se usa e é abstrata.

8. ASSINAÇÃO E MANDATO DE PAGAR. A assinação úo se confunde com o mandato de pagar ao credor


do mandante <L. 12, § 5, e L. 59, § 4, D., mandativel contra,~ 17, 1), ou de pessoa que o mandante tem
interêsse em que seja liberada, ou a quem éle quer doar (L. 19, § 8, D., de donationibus, 89, 5), ou a quem êle
quer dar em mútuo (L. 9, * 8, O., de rebus cireditis si certum petetur et de condictiorte, 12, 1), ou prestar por
alguma outra causa.
Na assinação não há mandato, nem poder de representação . O assinado presta, por conta do assinante. Não em
nome dele .
Nem se pode ver na assinação contrato a favor de terceiro, nem mesmo qualquer contrato. O assinado fica
investido do poder de prestar, e só está adstrito ao ato juridico, que dêle se espera, talvez ato-fato juridico, se a
isso se vinculou por outro negócio jurídico.
O assinante não só deseja que o assinado preste ao terceiro, O assinante o quer e manifesta, unilateralmente,
essa vontade. Tal manifestação unilateral de vontade inclui a manifestação de assumir as conseqUências de ser

MÚTUO
por sua conta a prestação. Nâo se pode excluir o elemento de autorização, cujo cumprimento não é coativo para
o assinado, salvo se êsse, por entro negócio jurídico, o assumiu (excepcionalmente, por fôrça de lei). Portanto,
sempre que o assinado tem de atender ao
que quer o assinante, alguma relação jurídica entre êles, subjacente, justajacente ou sobrejacente, há de reger o
dever de adimplir.
Devido a isso, houve tanta confusão, na doutrina, entre a assinação e o mandato, ou a assinação e a gestão de
negócios.
Mesmo se o assinado é devedor do assinante, sem ter o dever de respeitar a assinação, não está adstrito a isso. A
omissuo, da sua parte, somente constitui infração de obrigação e iradiada de outra relação jurídica entre êles.
A posição juridica do assinatârio não é a de mandatário <mandato para receber, com a particularidade de ficar
com a prestação), mas sim a de quem foi autorizado a receber. Essa re]açâo jurídica, que triangulariza a eficácia
jurídica da assinação, nâo é elemento componente da assinação. O assinante pode autorizar o assinado a prestar
ao assinatário, sem que exista ou sem que já. exista relação jurídica entre o assinante e o assínatário. E o que
ocorre sempre que o assinante autoriza o assinado a depositar na conta do assinatário determinada quantia, ou
quantia determinável, ou a entregar à firma tal, assinatária, a quantia tal, ou a de que o assinado puder dispor,
sem ter feito qualquer comunicação ao assinatário ou apenas para entendimentos que talvez não ocorram ou
n~o possam ocorrer. Em vez disso, se não há a relação jurídica de autorização ao assinado, nãoo há assinação .
A assinação com entrega de documento ou documentos ao assinatário é, rigorosamente, assinação mais entrega
de documento ou de documentes ao assinatúrio, em conseqüência de outra relação jurídica, e pode acontecer
que não se trate de assinação, mas sim de acreditivo. São deis caminhos diferentes, que as exposições não
aprofundadas mui frequentemente confundem.
Por outro lado, mesmo que exista, em virtude de alguma relação jurídica entre o assinante e o assinado, dever
de prestar ao terceiro, o assinatário não tem qualquer direito contra o assinado, salvo se êle já assumiu a dívida.
Também por isso é sem qualquer importância, para o assinatário, que exista ou nâc a relação jurídica de
cobertura entre o assinante e o assinado, O assinatário pode receber mesmo se ignora o que deseja, com a
entrega, o assinatário, e até mesmo se tua rêsibilidade de justificação. Por aí se vê quão artificial e falsa é a
construção que triangulariza a assinação.
Também no tocante ao assinado, o assinatário a quem fôra entregue o documento, ou foram entregues os
documentos, não cobra. Apenas apresenta o que lhe foi confiado. ~ o portador da assinação, como seria
portador o correio ou alguma pessoa física ou jurídica.
A perspectiva do assinatário é a de qualquer pessoa que conheça o conteúdo do instrumento de assinação. Não
há direito, nem, sequer, direito expectativa, ou expectativa de direito (sem razão, EUGEN ULMER, Akkreditiv
und Anweisung, Arehiv (dr die civitistisefle Pra xis, 126, 129 s.; B. REHFELDT, Wertpapterrecht, 35). O
assinado ainda não está vinculado ao assinatário e, se está vinculado ao próprio assinante, isso resultou de outra
relação jurídica entre êles.
Já chamamos a atenção para o conceito de expectativa. que é equívoco, e frisamos que, nos textos de EUGEN
ULME1t e de B. REHFELDT, se empregou o têrmo como sendo a expectativa efeito jurídico. Aí, o erro. O
assinatário ainda não está diante do suporte fáctico da aquisição do direito. A sua situação é como a do oferente
antes de qualquer aceitação. A mera expectativa de quem faz ofertas e aguarda a manifestação de vontade do
destinatário de modo nenhum já é efeito jurídico: permanece, de todo, no mundo fáctico. Aliás, ~ que
expectativa seria essa se o assinante ainda a pode revogar, mesmo se se vinculou perante o assinatário a manter
a assinação? Se o assinante o prometeu ao assinatário, a revogação vale e é eficaz, embora também constitua
infração de dever perante o assinatário. Tal dever nada tem com a eficácia da assinação. Resulta de cláusula de
outro negócio jurídico, ou de pacto adjecto a algum negócio jurídico entre o assinante e o assinatário. Nada tem
com a assinação, porque a ela apenas se referiu.
Se houve entrega de documento ou de documentos, fácil é compreender-se que o assinatário tem de apresentá-
los. Mas a assinação pode ser sem qualquer documento escrito e sem comunicação, sequer, ao assinatário; e. g.,
por telegrama ou telefonema ao assinado. Ou ser por escrito, que o assinante remeta diretamente ao assinado.
O fato de ser o documento da assinação entregue ao assinatário, ou êsse documento e outros documentos serem
entregues ao assinatário, de modo nenhum estabelece relação jurídica oriunda da assinação entre o assinante e o
assinatário. Entre êles pode haver e é provável que haja alguma relação jurídica, inclusive consequente a
cláusula ou pacto adjecto que se refira à assinação. Se A, que vendeu a B, em contrato que concluiu com O se
reporta ao contrato de compra-e-venda em que Ole e B foram figurantes, de jeito nenhum pôs O na relação
jurídica de compra-e-venda. A despeito de poder ter o assinante prometido ao assinatário pagar-lhe mediante

MÚTUO
assinação, o assinatário é estranho ao que se possa passar ou ter passado entre o assinante e o assinado e ao
negócio jurídico unilateral da assinação. Note-se bem: negócio jurídico unilateral da assinação. Há, na
assinação, uma manifestação de vontade, que é a do assinante. Não há duas. A fortiori, não há três.

EFICÁCIA DA ASSINAÇÃO

§ 4.635. Relações jurídicas irradiantes

1.ASSINANTE E ASSINADO. O assinado é apenas autorizado a prestar por conta do assinante. Só existe
dever, direito, pretensão, obrigação, ação, ou exceção, quanto à assinação, ainda se o assinado é devedor do
assinante, se emerge de negócio jurídico subjacente, justajacente ou sobrejacente (negócio jurídico de
cobertura) ; e. g., se, não prestando, tem de indenizar (nos negócios jurídicos acreditivos, teria de observar,
estritamente, as instruções do acreditante).
A autorização ao assinado é revogável, ainda que, com isso, o assinante viole o que prometeu ao assinatário, a
quem, nesse caso, tem de prestar perdas e danos. (O’ pacto de não revogar entende-se incluído no negócio
jurídico subjacente, justajacente ou sobrejacente, e. g., na carta de crédito, salvo se, tratando-se de pacto de
mutuando, se dá o que se prevê no Código Civil, art. 1.092, 2•a alínea, embora essa regra jurídica seja sôbre
contratos bilaterais.)
A assinação torna-se irrevogável desde que o assinado presta, ou põe aceite na assinação. Tôda eficácia entre o
assinado e o assinante somente pode resultar do negócio jurídico subjacente, justajacente ou sobrejacente
(solução de dívida; doação; mandato, o que se supóe se nenhuma outra causa se ~descobre) : quem aceita ou
paga, sem ter causa para ser assinado, aceita, tâcitamente, o mandato.
A abstração da manifestação de vontade do assinante ao <assinado pré-exclui que a invalidade ou ineficácia do
negócio jurídico, causal ou abstrato, existente entre êles, possa influir na assinação mesma. Se ocorre invalidade
ou ineficácia, tem o assinado ação de enriquecimento injustificado contra o assinatário (PAUL OERTMANN,
Das Reckt der Schuldverhàltnis, 977 e 979; O. PLANCK, Kommentar, II, 863; OTTO WARNEYER,
Komrnentar, 1, 1249). Idem, se falsa a assinação (O. PLANCK, 868); podendo dar-se que haja a ação de
indenização por at& ilícito. Uma vez que, na assinação, o assinado presta por conta do assinante, o pagamento
influi na relação jurídica, subjacente, justajacente ou sobrejacente (pode não ser causal, ao que os juristas
costumam não atender>, entre o assinante e o assinado, de modo que, se não se trata de doação, é haver do
assinante o que foi pago (com extinção de dívida, ou como abertura de crédito, ou lançamento em conta
corrente, ou outra categoria jurídica): A prestação do assinado produz, em relação ao assinante, o mesmo efeito
que teria a prestação ao próprio assinante.
Quando se fala da assinação como se, a respeito dela, se levantasse o problema da unidade ou da pluralidade
das relações jurídicas, não se precisa de que é que se cogita: se da unidade ou pluralidade das relações jurídicas
que dela derivam, ou se da unidade ou pluralidade das relações jurídicas que dela derivam e das que sobrevêm
em virtude de algum ato que a assinação suscitou. Quanto à relação jurídica que corresponde, estritamente, ao
negócio jurídico da assinação, há unidade: a relação jurídica é em linha que vai do assinante ao assinado.
Quanto às relações jurídicas que foram conseqúências do negócio jurídico unilateral de assinação, as duas mais
relevantes, muito embora possam não ocorrer, são’ a relação jurídica entre o assinante e o assinado e a relação
jurídica entre o assinado e o assinatário. Por isso mesmo, nada mais equívoco do que se discutir, como fêz
LoDovíco BARASSI (La Teoria generalc delie Obbiigazioni, III, 889), a “unidade ou não da delegação”, têrmo
empregado pelo Código Civil italiano.
Se se fala de unidade ou pluralidade de negócios jurídicos componentes da assinação, certamente que já se
admite que possam ser elemento da assinação os negócios jurídicos, os atos jurídicos etricto sensu e os atos-
fatos jurídicos que dela resultaram. Se há concatenação de negócios jurídicos, há pluralidade, mas isso não
significa que a pluralidade se integre no mesmo negócio jurídico. O ato do assinado não é elemento do suporte
fáctico da assinação, tanto assim que pode ter havido assinação, válida e eficaz, sem que o assinado haja
atendido a ela. Se o unvs ex publico não pratica o ato que a promessa de recompensa teve por fito premiar,
promessa de recompensa houve, pôsto que sem o êxito que se esperava.

MÚTUO
2.ASSINANTE E ASSINATÁRIO. Pela assinação, nenhum direito, dever, pretensão, obrigação, ação, ou
exceção, nasce entre o assinante e o assinatário ou receptor. Qualquer relação entre êles é oriunda do negócio
jurídico subjacente, justajacente ou sobrejacente, isto é, da relação de valuta (Valuta~verhliltnis). Essa é que
pode dizer se o receptor é obrigado a apresentar-se ao assinado, ou se não no é, bem como se o assinante podia
revogar a assinação sem incorrer em infração de dever nascido do negócio jurídico subjacente, justajacente ou
sobrejacente.
Mas observe-se que pode não existir qualquer negócio jurídico subjacente, justajacente ou sobrejacente entre o
assinante e o assinatário. A assinação pode ser feita sem que se revele ao assinatário quem foi o assinante.
Soube A que C, seu amigo, ou pessoa de que êle apenas ouviu falar e passa, no momento ou por doença, por
sérias dificuldades, e assina a B entregar a C a quantia tal, sem que B possa revelar-lhe o nome. Se H presta a C,
ou se deixa de prestar, ou se C não quer receber, ou diz que somente recebe se o nome do assinante lhe fôr
revelado, nada disso importa no tocante à existência , da assinação.

3.ASSINÂTÁRIO E ASSINADO. Em virtude da assinação nenhum direito, pretensão, ação ou exceção nasce
ao assinatário contra o assinado.
Ainda que estivesse obrigado, perante o assinante, a prestar, o assinado pode prestar, apor o aceite, ou deixar de
prestar, ou de dar o aceite. Se dá o aceite, nasce crédito abstrato do assinatário contra o assinado, o que se
satisfaz com a prestação correspondente. Quanto a essa pretensão do assinatário, somente assistem ao assinado
que aceitou objeções tocantes à nulidade ou anulabilidade do aceite da assinação, objeções ligadas ao conteúdo
do aceite (e. g., haver condição), exceções con cernentes ao negócio jurídico de aceite, O assinado pode
compensar, se os pressupostos para isso se compõem. N~ pode opor exceções que derivem de negócios
jurídicos subjacentes, justajacentes ou sobrejacentes à assinação (=z à relação jurídica entre o assinante e o
assinado, ou entre o assinante e o assinatário). Se sobrevém decretação de nulidade, ou de anulação, ou
ineficácia dêsses negócios jurídicos, nenhuma pretensão ou exceção nasce ao assinado, por enriquecimento
injustificado, contra o assinatário (e. g., se o assinado pagou a quem não era credor do assinante, quem tem ação
de enriquecimento injustificado contra o receptor é o assinante, e não o assinado). Na doutrina, há a grande
corrente dos que admitem a pretensão imediata por enriquecimento injustificado se há falta de causa em ambas
as relações (entre o assinante e o assinado, entre assinante e assinatário) ; mas a condictio há de ir contra o
assinante (sem razão, A. vON Tuini, Zur Lehre von der Anweisung, Jherings Jahrbilcher, 48, 50 a.).
~ preciso que se distinga do que pode ter-se passado ou que se passa entre o assinante e o (primeiro) assinado o
que pode ter-se passado ou se passa entre o assinante e o assinatário. Por outro lado, a assinação vai ao
assinado, para que chegue ao assinatário. Àquela relação jurídica chama-se relação de atribuição
(Zuwendungsverhãltnis); essa, relação de cobertura (Deckungsverhãltnis). O negócio jurídico da assinação é
negócio jurídico unilateral. Dirige-se ao assinado, como a promessa ao público dirige-se ao público e como a
promessa unilateral a B se dirige a B. Negócio jurídico abstrato, razão por que os erros, na doutrina, provieram
de não se ter evitado alusão ao que possa ter ocorrido, por baixo, no mesmo momento, ou por cima, entre o
assinante e o assinado, ou entre o assinante e o assinatário.
Frequentemente, a assinação tem por fito solver a dívida do assinante (ou de outrem) ao assinatúrio. Mas às
vêzes ocorre que apenas se atribui crédito, ou mesmo outro bem, ao destinatário da assinação, que é o
assinatario.
Na relação entre o assinante e o assinado, o que êsse presta ao assinatário é por conta do assinante. Ou o
assinado devia ao assinante e está liberado; ou não devia, e o assinante passa a dever-lhe. De qualquer maneira
a prestação do assinado ao assinatário repercute nas duas linhas.
Se o assinado devia ao assinante o mesmo que o assinante devia ao assinatário e o assinado presta o que consta
da assinação, nada mais resta das duas relações jurídicas: quando o assinado solveu a dívida do assinante ao
assinatário, a sua ao assinante também se extinguiu.

4. ACEITE. O aceite é declaração unilateral de vontade, abstrata, irrevogável (P. OERTMANN, Das Reckt der
Sch’zddverhdltnisse, 980; O. CROME, System, II, 924; F. SCHOLLMEYER, Recht der Schuldverhãltnúse, 191;
E. JACOBI, fie Wertpoipiere, 2a ed., 297; L. BRtYTT, Dte abstrakte Forderung, 192; sem razão, O. VON
GIERKE, Deutsches Privatrecht, III, 873, que pensava em contrato, na esteira de F. LENT, fie Anweisung ais
Vollrnacht, II, 870, seguidos de HERBERT MEYER, Das Akzept, 80 e 98, e de H. LEHMANN, no Lehrbuch,
fi, 31.ê~ ,,35a ed., de L. ENNECCERUS, 644, contra a opinião dêsse, que fôra um dos sustentadores da opinião
dominante e certa). Não se há de pensar, porém, na teoria da criação, aqui fora de lugar, porque seria assimilar-

MÚTUO
se a assinação à letra de câmbio e à duplicata mercantil: não basta a simples subscrição; o aceite, aí, é dirigido
ao receptor, se bem que se não bilateralize, com isso, o negócio jurídico da assinação.
Considerar-se o aceite pelo assinado contrato fôra a opinião corrente (e. g., H. THkIL, Das Handelsreeht, j, 5a
ed., § 329; O. PLATIYNER, Zur Lehre von der Assination, Deutsche Gerichtszeitung, II, 15 s.; JoSEF
KOHLELt, tiber die Anweisung, Ánnalen. der Grossherzoglich Radischen Gerichte, 43, 365). Contra isso, cedo
se insurgiu PAUL OERTMANN (K’nnmentar, II, ao § 384).
O aceite, na assinação, é declaração unilateral de vontade, como o aceite na letra de câmbio, na duplicata
mercantil e em alguns títulos cambiariformes. O assinado vincula-se, perante o assinatário, a prestar o que se
designa no título da assinação, na medida e qualidade de que se fala. Nasce ao assinatino o direito e, no
vencimento, ou se já está vencido o crédito, a pretensão. Não importa se o assinado estava, ou não, obrigado,
perante o assinante, a apor o aceite, ou a prestar imediatamente.

O aceite da assinação pode ser no próprio documento da assinação, ainda antes da entrega do documento ao
assinatário, caso em que a eficácia é a partir da entrega. A forma é segundo os arts. 135 e 141 do Código Civil,
exigida forma especial se a prestação ou a promessa de prestação o exige. Basta, de ordinário, a assinatura do
assinado; porém não o simples “visto”; ou “aceito”, sem assinatura.
A propósito da eficácia do aceite, convém frisar-se que, apôsto antes de ser entregue pelo assinatário, isto é,
enquanlo está em mão do assinante ou de outra pessoa que não seja o assinatário, há dois momentos a que se
prende a eficácia do aceite. Se o documento ainda está em poder do assinado, pode êsse riscar o aceite. Se o
documento já está em mão do assinante, ou de quem o presente, ou represente, ou o sina (servidor da posse),
cessou ao assinado que aceitou qualquer poder de revogação. Se acaso o assinado volta a ter a posse de boa fé
(e. g., o assinante lho restituiu para que melhor pensasse sôbre o aceite), renasce-lhe o poder de riscar. Se o
documento, em que se apôs o aceite, é remetido ao assinatário, inicia-se a sua eficácia em relação ao
assinatário, e não se pode pensar em revogação pelo assinado, ou em acordo entre o assinante e o assinado para
eficaz distrato do negócio jurídico de assinação.
Há de haver, após a aposição do aceite, a devolução do documento ao assinatário, se foi êsse que apresentou, e
não se paga imediatamente (EuGEN LOCHER, Das Recht der Wert-. papiere, 158; E. REHFELDT,
Wertpapierrecht, 36; EUGEN ULMMi, Das Recld der Wertpapiere, 141).
~ O aceite pelo assinado pode ser pelo telefone, ou de viva voz? Afirmativamente, ARNOLD SCHMmBAUER
(Scheclc uni! Anweisung, 81), quando se trata de negócio jurídico comercial. A assinação pode ser aformal. O
aceite, não (cf. KARL RIEHL, fie Anweisung, 64), salvo se, conforme as regras jurídicas gerais, valeria a
assunção da dívida.

5.CARTA DE CRÉDITO. É preciso que se não confunda com a letra de crédito, ou carta de crédito, o aviso
de crédito, pelo qual quem há de prestar em virtude de abertura irrevogável de crédito comunica que o crédito
está à disposição do beneficiário.
Carta de crédito contém, de ordinário, assinação: o subscritor, assinante, incumbe o assinado de prestar ao
assinatário. A opinião que aí via, sempre, a figura do mandato está superada. O beneficiado, o futuro portador, o
assinatário, pode ser uma das pessoas, físicas ou jurídicas, indicadas na carta de crédito. Cedo se viu o que
havia de comum entre a carta de crédito e a assinação (R. KoCH, Kreditbrief, FR. voN HOLTZENDORF,
Enúykiopãdie der flecktswissenschaft, II, 2, g~a ed.; R. F. VON HOLZSCHUHER, Theorie und Casuistik des
gemeinen Civitrechts, III, 3.~ ed., 654; LADENBURC, Anwet.ntng und Wechsel, 8 s.; ERIOR MANa, Die
Anweisung, 80).
Mas ~,só há assinação na carta de crédito?

Dissemos que a carta de crédito contém assinação. Não dissemos que ela é assinação. Na carta de crédito, o
subscriter emitente ou o subscritor (se outrem emite) assina; assinado é quem há de prestar; assinatário é quem
figura como futuro recebedor do crédito. O subscritor emitente ou simplesmente subscritor vincula-se perante o
futuro recebedor ou legitimado cartular. De modo que na carta de crédito não há somente a assinação. O futuro
recebedor não se reduz ao simples portador da assinação. O direito dêle insere-se na cártula creditícia. Já os
elementos de dois negócios jurídicos se juntaram e a carta de crédito é o instrumento. Não se diga que há dois
negócios jurídicos, mas sim que há os elementos de dois negócios jurídicos: o da assinação e o da abertura de
crédito, razão por que, diante do tomador da carta de crédito, o subscritor emitente ou simplesmente subscritor
se vincula e não pode revogar a manifestação de vontade com que se vinculou.

MÚTUO
Lê-se no Código Comercial, art. 264: “As cartas de crédito devem necessáriamente contrair-se a pessoa ou
pessoas determinadas, com limitação de quantia creditada: o comerciante que as escreve e abre o crédito fica
responsável pela quantia que em virtude delas fôr entregue ao creditado até a concorrência da soma abonada. As
cartas que não abrirem crédito pecuniário com determinação do máximo, presumem-se meras cartas de
recomendação, sem responsabilidade de quem as escreveu”.

Alguns juristas têm cometido o erro de ver na carta de crédito, como caso mais frequente, o acreditivo. Ora, o
acreditivo não é dirigido ao futuro prestador acreditivo, mas sim ao acreditado, que o apresenta para a
confirmação. Na carta de crédito, o que ocorre é assinação, muito embora se entregue ao cliente a carta de
crédito. O negócio jurídico, que produziu a carta de crédito, êsse sim, é negócio jurídico entre o subscritor e a
pessoa nomeada na carta de crédito, título de crédito que não é endossável. As manifestações de vontade que se
contêm na carta de crédito são uma, de assinação, dirigida a quem tem de prestar, e outra, de abertura de
crédito, dirigida a quem tem de receber. Ambas são unilaterais, como é unilateral a declaração de vontade de
quem subscreve a letra de câmbio, o sacador, e como é unilateral a declaração de vontade de quem subscreve
nota promissória. No que se refere ao futuro pagador da carta de crédito, há saque. No que se refere ao tomador
da carta de crédito, há assunção de obrigação. Apenas, em vez de se juntarem dois negócios jurídicos, juntaram-
se os elementos de dois negócios jurídicos.
A carta de crédito não é promessa de crédito, já é dação de crédito (Kreditzugabe). Quem dá crédito não é
como quem promete crédito. Daí não haver revogabilidade da carta de crédito, que seria mais do que infração
da promessa de crédito. Pode haver resolução ou resilição do contrato (E. DAN~, Zur Widerruf bankmãssiger
Kreditzusagen wegen verãnderter Umstãnde, Bank-Archiv, VI, 97).
A carta de crédito é inconfundível com â carta pela qual alguém promete ser devedor solidário, ou substituir a
pessoa beneficiária, perante aquela que fôr indicada (ou aquelas que forem indicadas>, ou que foi indicada (ou
aquelas que foram indicadas).
A carta de crédito pode ser para apresentação em diferentes lugares, dita carta circular.
De ordinário, o subscritor, no momento da emissão, envia ao destinatário aviso da emissão, com a ficha da
assinatura do beneficiário. Em caso de carta circular, faz-se em duplicata a carta, para que haja o livrinho de
indicações.
Se o beneficiário pode tirar adiantamentos sem outras formalidades, diz-se que há “red clause”, ddusida
vermelha,por ser em tinta vermelha a cláusula de saque antes da apresentação de documentos.
Não se pode dizer, como fêz J. X. CARVALHO DE MENDONÇA (Tratado de Direito Comercial, VI, II, 250),
que o subscritor manifesta a vontade de abrir crédito ao beneficiário e que a carta de crédito é o documento
dêsse contrato. Primeiro, a carta de crédito pode ter resultado de aproveitamento de depósito que o beneficiário
fêz e quer que se lhe preste noutro lugar. Segundo, a creditação pelo destinatário nada teria com o que se passou
entre o subscritor e o beneficiário> a fortiori com a carta de crédito: se o destinatário credita éporque prestou e
recebe (outro negócio jurídico), provàvelmente em depósito bancário, o que foi prestado. As cartas de crédito
não contêm ordem de pagamento (Código Comercial, art. 158); porém não são, tão-pouco, promessa de crédito:
são assinação, para que o destinatário preste o que, dentro do limite, o beneficiário exija.
A despeito de o nome “carta de crédito” aludir ao escrito, emprega-se o telegrama e, hoje, até o telefonema,
para a creditação.
O limite é essencial (Código Comercial, art. 264, verbis “com limitação da quantia creditada”). Não há a carta
aberta, a letra aberta do direito luso-brasileiro (JOSÉ DA SILVA LISBOA, Princípios de Direito Mercantil, II,
483).
O subscritor responde ao destinatário pelo que o beneficiário retirar.
Se o destinatário, em vez de prestar, mediante recibo, exige que o beneficiário subscreva titulo cambiário,
deixou de atender ao subscritor da carta de crédito, e só se justifica tal atitude se na carta de crédito se previu
que tal ocorresse. Então, o subscritor da corta de crédito fêz-se garante das operações entre o destinatário e o
beneficiário (Supremo Tribunal de Justiça, 30 de maio de 1888, O D., 47, 198, e 16 de abri? de 1890, 52, 178),
e Relação de Ouro Prêto, 12 de junho de 1891, 56, 442). Sem razão, J. 1<. CARVALHO DE MENDONÇA
(Tratado de Direito Comercial, VI, II, 256) discordou do que aquêles tribunais decidiram. tIes examinaram
espécie em que havia a cláusula e atenderam à cláusula, ao passo que o comercialista se ateve ao nomen, em
vez de atender à volunt as.

MÚTUO
O subscritor da carta de crédito é responsável pela quantia fornecida ao beneficiário. Ésse não tem
responsabilidade perante o prestador; perante o subscritor, o que recebe ou se satisfaz, ou tem em seu poder o
que recebeu e há de ser prestação de outro negócio jurídico, ou injustificado enriquecimento (e. g., houve erro
de nome, o negócio jurídico que se ia concluir não se concluiu). Nos últimos casos, não teria razão a Relação de
Pôrte Alegre, a 6 de setembro de 1888 (O D., 47, 400).
É requisito essencial a determinação da pessoa beneficiada. Trata-se de ato de comércio por parte de quem
subscreve, porém não é essencial que se trate de comerciante (sem razão, as Câmaras Reúnidas da Côrte de
Apelação do Distrito Federal, 24 de novembro de 1909, R. de D., 14, 553).
Se o subscritor revoga a assinação que se contém em carta de crédito, assume a responsabilidade do seu ato
perante o beneficiado. Quanto ao destinatário que prestou, ou que por certo modo atendeu à assinação, não há
revogabilidade. Aliás, convém que alcancemos algumas precisões. A carta de crédito é irrevogável, mas ela só é
irrevogável quanto à abertura de crédito, que o é; portanto, em relação ao beneficiário. No que concerne ao
destinatário, que é, na estruturação do negócio jurídico, o assinado, a chegada, a tempo, da manifestação de
vontade contrária, tem os efeitos que pode, in casu, ter, sem que deixe de ser infração do dever irradiado da
emissão da carta de crédito.
A carta de crédito pode ser a favor de terceira pessoa.
O que mais importa, quando se encontra o nome “carta de crédito”, é saber-se que o destinatário dirá se atende
a ela, ou se não atende. Se se chamou carta de crédito à carta em que se encarrega o destinatário de fazer
operações de crédito, por conta do subscritor, já se deturpa o conceito. Mais ainda se apenas se atribui ao
destinatário fiscalizar ou apenas velar por essas operações.
O traveller’s chcclc é letra de crédito, com a característica endossabilidade.
A relação jurídica de que resultou a carta de crédito pode ter sido abertura de crédito, ou aplicação de fundos
que o beneficiário tem no estabelecimento emissor, o que equivale a depósito irregular destinado ao reembôlso,
razão por que não pode ser perdoado, nem cautelarmente constrito pelos credores do beneficiário.
O assinado, a quem se dirige a carta de crédito, lança no débito do subscritor, que é o assinante, o que, em
cumprimento.da missiva, prestou
O beneficiário não fica em ligação jurídica com o destinatário: nem era credor dêsse, nem se fêz devedor. Se o
destinatário se vincula ao beneficiário, trata-se de outra relação> jurídica. Para isso, basta que assuma,
diretamente, a obrigação que tinha com o subscritor, ou que êsse teria.
No direito brasileiro, a carta de crédito não pode ser à ordem, cláusula que a faria endossável (sem razão, o
Tribunal de Justiça de São Paulo, 19 de maio de 1893, G. J., III, 417).
Se há apenas carta de recomendação, não há vinculação (L. 12, § 12, D., mandati reI contra, 17, 1: “Cum
quidam talem epistulam scripsisset amíco suo: ‘rogo te, commendatum habeas Sextilium Crescentem amicum
meum’, non obligabitur mandati, quia commendandi magis hominis quam mandandi causa scripta sit”).
O direito oriundo da carta de crédito é suscetível de cessão. Inclui-se na cessão tudo de que seria titular o
beneficiado. Os arts. 1.065-1.078 do Código Civil são invocáveis <cf. Código Comercial, art. 636).
Volveremos a tratar da carta de crédito, negócio jurídico bancário.

6. ADIMPLEMENTO. Com o acordo de transmissão de propriedade e da posse, o assinatário passa a ser dono
do que recebeu. Nenhum alcance tem hoje a discussão entre os que se apoiavam em CELSO e os que
invocavam JULIANO para explicar que C adquirira de B o bem, que era de B, para solução. de dívida de A.
CELSO viu a propriedade caminhar de E para A e de A para C, como se, para prestar por A, B precisasse’ da
atribuição da propriedade a A. JULIANO apenas apontava. a linha de B a C, sem qualquer volta ou rodeio por
A.
A assinação promissória, em si, em nada se diferença da assinação para prestar sem promessa, salvo em que a
prestação do assinado é em assunção de dívida. Para o atendimento pelo assinado, na assinação de prestação de
pecúnia, ou de outro bem que não seja crédito, bastam o aceite e o ato-fato jurídico. Para o atendimento de
prestação de assunção de dívida (pres?taçáo de crédito), ao aceite há de sobrevir ou ser concominante o negócio
jurídico em que o assinado se faça devedor. Noutros têrmos: há de haver a promessa, que pode ser bilateral ou
unilateral (e. g., nota promissória). Érro vulgar também é o de se considerar contrato, sempre, o ato de
promessa. Aí, a confusão é com o que mais acontece.
No tocante a existir, ou não, obrigação do assinado quanto à assinação, não se trata de problema concernente à
assinasão, mas ao que, fora da assinação, se passa entre o assinante e o assinado. O negócio jurídico entre êles
pode existir e pode não existir. Se existe, ainda se há de perguntar se cria a obrigação.

MÚTUO
§ 4.636. Objeções e exceções do assinado

1.ANTES DO ACEITE. Antes do aceite, o assinado pode não atender ao assinatário sem que daí surja qualquer
pretensão ou ação do assinatário. Não há relação jurídica entre 4les. O assinado está autorizado a fazer a
prestação ao assinatário ou receptor, por conta do assinante. Se o assinado deve ao assinante e, atendendo ao
assinante, se libera, foi pagamento, que fêz, a terceiro, por conta do seu credor. Se não deve ao assinante, a
prestação, por conta do assinante, ao assinatário, faz nascer o crédito contra o assinante, com a pretensão ao
reembôlso. O dever de reembôlso resulta do próprio atendimento da assinação, pois fôra autorizado a fazer a
prestação, por conta do assinante.
Se, antes do momento de adimplemento, o assinado se recusa a apor o aceite, ou o assinatário não quer
apresentar ao assinado o documento da assinação, tem de comunicá-lo, imediatamente, ao assinante. tsse
cuidará de satisfazer por outro meio o destinatário da assinação mal sucedida. Se o assinado se recusou a apor o
aceite, ou a satisfazer, e estava vinculado a isso, o assinante pode ir contra êle. O destinatário da assinação, êsse,
pode não estar vinculado a apresentar ao assinado a assinação. Se estava, infringiu dever e responde pelos
danos que, com a sua omissão, haja causado ao assinante. Desde que o destinatário da assinação se recusa a
apresentá-la ao assinado, tem de devolver o documento.
2. EFEITOS DO ACEITE DO ASSINADO SÔBRE AS RELAÇÕES JURÍDICAS DE VALUTA E DE
PROVISÃO Ao ser feita a assinação , o que logo se irradia do negócio jurídico é a autorização, que o
assinante expede diretamente, ou por intermédio de outrem. Qualquer efeito, no tocante à relação jurídica de
valuta, que exista entre o assinante e o assinatário, ou no tocante à relação jurídica de provisão, que ligue o
assinado ao assinante, depende do negócio jurídico entre o assinante e o assinatário, ou entre o assinante e o
assinado, e não da relação jurídica da assinação. Se o assinado se vinculou a atender à assinação, ou o fêz por
fora, ou pelo aceite, que, a despeito de ter por objeto a autorização assinativa, também é por fora. Se, em vez de
simples pagamento, o assinado promete, há dívida: sôbre ser extintivo da dívida do assinante perante o
assiinatário o ato promissório do assinado, ou ser criador de divida cumula~tiva. De ordinário (e é o que se há
de entender, dispositivamente), o ato promissório é de eficácia cumulativa, e não extintiva.
Se o assinatário declarou liberar o assinante, devedor originário, extingue-se, apesar da cumulatividade, a
dívida, e só permanece a do assinado. Se isso não se deu, o assinatário tem de ir contra o assinado antes de ir
contra o assinante, pois foi essa a situação que êle deixou assentar-se. O segundo devedor foi admitido pelo
assinatário, sem que se pense em solidariedade. O assinado fêz-se devedor principal. (Em todo o caso, seria
errôneo falar-se de ação de regresso, o que tem acontecido.)
Só há assinação com inserção não-cumulativa de devedor se o credor, assinatário, a admite, ou se a isso se
vinculara, quer se trate de sucessão na dívida, quer de novação. Não é o negócio jurídico de assinação que o
determina, porque, êsse, é negócio jurídico unilateral. Numa e noutra espécie, nenhuma ação tem mais o
assinatário contra o assinante, salvo se o assinatário, que libera o devedor originário, ressalvara a sua
responsabilidade em caso de insolvência do segundo devedor.

§ 4.637. Transferência e cessão da assinação

1.ATOS DO ASSINATÂRIO. A transferência da assinação pelo assinatário é transferência de direito contra o


assinante, se anterior ao aceite. Trata-se de contrato entre êle e terceiro, tendo por objeto a sua posição jurídica
derivada do negócio jurídico subjacente, justajacente ou sobrejacente, e da assinação. Se já ocorreu o aceite,
criou-se crédito contra o assinado, e o que se dá é cesso de crédito contra o assinado. De qualquer maneira, é de
mister a entrega do documento ao adquirente.
Surge o problema da cessão de direitos se não foi entregue ao assinatário o documento da assinação. No caso de
ter havido a tradição como se não houve, o que se cede, quanto a direito, é o que se irradia da relação jurídica
existente, ou por existir, entre o assinante e o assinatário, relação jurídica que é estranha à assinação. A cessão,
no tocante à assinação, étransferência de direito futuro e eventual. Não há expectativa, no sentido jurídico, do
assinatário contra o assinado; mas há, contra o assinante, expectativa que se insere no direito que o assinatário
tenha contra o assinante.
O receptor da assinação pode transferi-la (Código Civil, art. 1.078), ou cedê-la (Código Civil, art. 1.065), se não
lho proibiu o assinante; mas, para ser eficaz quanto ao assinado, é preciso que ressalte da própria assinação, ou
tenha o assinado recebido comunicação do assinante. A transferência ou cessão é, então, contrato formal

MÚTUO
(Código Civil, art. 1.067) ; e pode ser no próprio documento da assinação, advertindo-se que o aceite dado ao
transmitente ou ao cessionário pode ser aformal, mas é elemento indispensável a entrega do documento. 56 há
cessão de crédito se já houve aceite pelo assinado; se não houve, só se transmite a autorização (PAUL
OERTMANN, Das Recht der SchuldverMltnisse, 988). Se já houve aceite, o cessionário do assinatário está
exposto às exceções oponíveis ao cedente, segundo o Código Civil, art. 1.072; aliter, se só houve aceite depois,
uma vez que o adquirente tem direito próprio, ou se o assinado, que aceitara, se presta a aceitar de nôvo. Pelos
mesmos princípios regem-se as transferências ulteriores e as cessões ulteriores.
Oassinante pode proibir a transferência, comunicando-o ao assinado, ou fazendo constar da assinação a
intransferibilidade. A comunicação externa ao assinado só é eficaz se anterior ao aceite ou à prestação pelo
assinado. Não há proibição após o aceite porque já nasceu relação jurídica entre o assinatário e o assinado.

2.COMUNICAÇão AO ASSINADO. A comunicação da intransferibilidade da assinação ao assinado é


declaração unilateral de vontade. Se a assinação é intransferível, também é impenhorável, inempenhável e
inarrestável; e não entra na massa concursal (G. PLANCK, Kornmentar, II, 880).

3. EFICÁCIA DA TRANSFERÊNCIA. O adquirente da expectativa recebe crédito futuro e eventual, abstrato


(o artigo 1.072 do Código Civil não incide). Não o recebe o cessionário, após o aceite.
A aposição de nôvo aceite da assinação já aceita é nôvo crédito, e não abstratização do que se obteve por cessão
A transmissão ou cessão da assinação com efeitos para o assinado isto é, notificada ao assinado (Código Civil,
arts. 1.069 e 1.078) autoriza o assinado a prestar, por conta do assinante, não mais ao assinatário, e sim ao
adquirente da expectativa, ou ao cessionário do direito de crédito contra o próprio assinado.
O adquirente (Código Civil, art. 1.078) ou o cessionário (Código Civil, art. 1.069) está legitimado, mediante a
declaração escrita de vontade e a entrega do documento (razão por que a invocação do art. 1.070, L~ parte, do
Código Civil seria impertinente), a obter o aceite ou a exigir a prestação.

§ 4.638. Direção e eficácia

1.DiREçÃo DA ASSINAÇÃO. A assinação dirige-se ao assinado, para que preste algo a favor de alguém,
terceiro, dito assinatário, por conta do assinante. A prestação ao assinatário, feita pelo assinado, é prestação do
assinante. Prestando, o assinado torna-se credor do assinante, pois prestou por conta dêsse, ou, se era devedor,
se libera.
Ouso freqUente do documento entregue ao assinatário levou a doutrina a tentar triangulizar o negócio jurídico
(assinante, assinado; assinado, assinatário). O documento é o meio de legitimação e o instrumento do negócio
jurídico do assinante contra o assinado, que já se vinculou, ou ainda não se vinculou e se vai vincular
posteriorinente, talvez pelo aceite. Mas a vinculação pelo aceite já é perante o assinatário.
O documento, êsse, não pode ser à ordem.
O aceite, que é manifestação unilateral de vontade por parte do assinado, de modo nenhum é “aceitação” de
oferta do assinante, ou do assinado. Nem se há de considerar prestação pelo assinante, feita pelo assinado.
Prestação somente há quando o assinado a faz, por conta do assinante. Não basta a manifestação unilateral de
vontade, que entra no mundo jurídico como promessa de pagamento. No momento em que o assinado presta,
cumpre a promessa feita, pelo aceite, ao assinatário e, se havia dívida entre o assinatário e o assinante, satisfaz o
crédito do assinatário. Todavia, se a assinação previu que o assinado devesse ou pudesse prestar por assunção
de dívida, a prestação por êsse modo não é ato de solução, salvo se o assinante ressalvou não permanecer, pelos
têrmos da manifestação unilateral de vontade, adstrito à entrega do bem. Mas, aí, deturpa-se, de certo modo, a
figura da assinação.

2.DOCUMENTO APRESENTÁVEL DA ASSINAÇÃO. O documento da assinação é instrumento da


manifestação unilateral, receptícia, de vontade, entre o assinante e o assinado. O portador pode ser o assinatário,
mas nada obsta a que seja o correio, ou outra pessoa, estranha à assinação. O documento não se refere a direito
de crédito do assinatário, sendo devedor o assinado, porque isso só é efeito do aceite. Enquanto o assinado não
aceita, só há a linha reta que vai do assinante ao assinado.
O que o assinado presta é pelo assinante que presta.

MÚTUO
A assinação tem por fim prestar, e não prometer. Uma vez que o assinado presta, tem pretensão de
ressarcimento contra o assinante. Tal pretensão não nasce desde a promessa do assinado, mas sim desde que
presta. Mesmo se o assinado aceita a assinação, ainda não está pago o assinatário. A cláusula em contrário
desvia da assinação o negócio jurídico (cf.
v.PLUCINsiI, Zur Lehre von der Assination und Delegation, Archiv filr die civilisti.sche Prazts, 60, 344 5.; C.
KARSTEN, Die Redeutung der Form im Obligationenrecht, 179 s.; A. PERNICE, Labeo, 1, 507 s.).
O assinatário somente é adstrito a ir contra o assinante depois de ter ido contra o assinado? A questão é estranha
à assinação. Depende da relação jurídica entre o assinante e o assinatário qualquer solução. Por isso mesmo, a
discussão, em alguns sistemas jurídicos, e. g., no italiano (WALTER BIGL4-VI, La Dele gazione, 24; RENATO
Míacto, Deite Obbligazioni in generate, 270), é sem razão de ser. Não se pode ligar à natureza, da assinação a
eficácia da assinação diante do assinatário, quanto a êle. Se o assinado presta, solvida está a dívida, ou prestado
está o que se havia de prestar ao assinatário . Se não se prestou, continua a dívida ou deixa de ser feita a
prestação ao assinatário; portanto, não há solução, ou não há prestação ao assinatário, concernente a algum
negócio jurídico entre êle e o assinante. Salvo se foi previsto que o aceite bastaria, ou se o aceite foi admitido
pelo assinatário fora das exigências do assinante.

3. PRESCRIÇÃO. No direito brasileiro, há o delicado problema da prescrição da ação do assinatário contra o


assinado-aceitante. No direito alemão, há o § 786 do Código Civil que fixou o prazo de três anos. No direito
brasileiro, a ação fica sob o regime do prazo ordinário de prescrição.

4. DEPÓSITO EM CONSIGNAÇÃO. Se, para a solução da dívida do assinante, o assinado somente precisa de
pagar, a recusa por parte do assinatário permite ao assinado que deposite em consignação. O aceite foi negócio
jurídico unilateral; o pagamento é ato-fato jurídico. Não há, portanto, óbice a que a atividade do assinado, por
sua conta, vá além do que queria o assinante, uma vez que a êsse não cause danos.
Se a obrigação do assinante perante o assinatário não tem de ser solvida pessoalmente, o assinado, terceiro,
pode solvê-la, mesmo se não declara ser terceiro assinado. O assinatário não pode opor objeções e exceções que
não poderia opor ao próprio assinante.

5.RELAÇÕES JURÍDICAS DO ASSINADO COM O ASSINANTE. Se o assinado tinha provisão do assinante


e êsse quis que se solvesse a sua divida ao assinatário e o assinado o faz, extinguem-se essa dívida e, até o
importe do que prestou, o que o assinado devia ao assinante. O triângulo, a que se costuma aludir, não é do
negócio jurídico de assinação, porque esse é unilateral, mas da sua estrada eficacial, a que atenderam o assinado
e o assinatário. O assinante pôs terceiro, o assinado, em seu lugar, para prestar ao assinatário.
Para que haja assinação é preciso que, a propósito da prestação, terceiro possa prestar, em vez do assinante, O
comodatário não pode assinar. Nem o depositário, no depósito regular. Nem as pessoas a que se refere o art. 880
do Código Civil.

EXTINÇÃO DA ASSINAÇÃO

§ 4.689. Causas de extinção

1.CAsos DE EXTINÇÃO. A assinação extingue-se:


a)pela revogação; b) pela destruIção do instrumento particular, nas espécies em que é de exigir-se; o) pelo
adimplemento ou pelo aceite, se é de se atribuir tal eficácia. Não se extingue, de regra (o que em seguida se vai
dizer é de natureza dispositiva, cf. P. OERTMANN, Das Recht dor Sohutdverhãitnisso, 987; G. PLANCI<,
Kornmentar, II, 877), pela morte do assinante, ou do assinado, ou do assinatârio, ou de dois dêles, ou de todos;
nem pela superveniente incapacidade, nem pela decretação da falência de qualquer dêles, de dois, ou dos três
(1-1. DERNBURG, Das Riirgerliche Recht, II, 2, 3a ed., 286;
G.PLANCK, I<ommentoúr, II, 878; E. JAEGER, Kommentar zur Konkursrecht, 1, 381, nota 12; sem razão, A.
VON Turnt, Zur Lehre von der Anweisung, Jherings .Iahrbitoher, 48, 26). O síndico da falência do assinante
pode revogá-la, ainda se houve comunicação em sentido contrário, enquanto não se dá o aceite.

MÚTUO
2.ENTREGA DO DOCUMENTO E DESTRUIÇÃO DO DOCUMENTO. A entrega do documento da
assinação, que se fêz por escrito particular, ao assinante, implica distrato da autorização (distrato não se refere
só a contratos). Se já houve aceite, tal retôrno não basta (P. OERTMANN, Das Reoht der Sohuldverhiiltnisse,
986). Se a prestação ao assinatário se tornou impossível, pode o próprio assinante exigir (O. WALiNEYER,
Kommentar, 1, 1258).
Se há escrito particular, incide o Código Civil, art. 942. Nas cartas circulares de cré alto, só se pode exigir o
documento quando se trate do último pagamento (O. PLANCK, Kommentar~ II, 872).

§ 4.640. Exame das causas de extinção

1.REVOGAÇÃO . A revogação só é possível enquanto o assinatário não obtém aceite ou adimplemento


imediato.
As cartas de crédito são, para o assinatário, irrevogáveis. pelo assinante.
A assinação pode ter, subjacente, justajacente ou sobrejacentemente, negócio jurídico ou outra fonte de relação
jurídica, de jeito que a assinação, que é abstrata, tenha, fora de si, em outro ato, causa solvendi, causa donandi,
causa credendi, causa dotandi ou outra causa. Se há duas relações jurídicas (de valuta e de provisão), a
prestação extingue a ambas (L. 64, D., de solutionibus et liberationibus, 46, 3).
2.DESTRUIÇÃO DO DOCUMENTO. Se é de exigir-se, na espécie, o documento, e foi destruído (ou perdido,
sem recuperação), ou ao assinado não chega, se a êle foi ou havia de ser enviado, ou não chega ao assinatário,
que o teria de apresentar ao assinado, extingue-se a assinação.

8.ADIMPLEMENTO PELO ASSINADO. Se o assinado adimpliu (= aceitou e simultâneamente adimpliu), ou,


nos casos em que se atribuiu ao aceite função extintiva, ou o assinante nao previu o aceite, que resultou de
entendimento entre o assinatário e o assinado, extingue-se a assinação.
O inadimplemento de modo nenhum extingue a assinação,. porque, se foi estabelecido prazo para o aceite e
êsse não se deu, a extinção foi devida ao prazo, e não ao inadimplemento.
Os efeitos da assinação, no tocante à relação jurídica entre o assinante e o assinatário, ou entre o assinante e o
assinado, são efeitos sôbre relações jurídicas oriundas de outras. fontes, provàvelmente de outros negócios
jurídicos. Se o assinado atendeu à assinação, algo foi satisfeito no tocante ao assinatário. Se o assinado não
atendeu à assinação e o assinante tinha de pagar ao assinatário, incorreu em mora: deixou de haver a chamada
prestação indireta.
Quando o assinado presta, e satisfeito fica o assinatário, ou só em parte, por ter admitido o adimplemento
parcial, liberado está o assinante, sem que se possa pensar em dúplice transmissão, como queriam CELSO e
ULPIANO, com a teoria a. que se chamou, nas dissertações alemães, Durchgangstheone. -Só há uma
transmissão, como frisava JULIANO (AFRICANO,. L. 88, § 1, 1)., de solutionibus et liberationibus, 46, 3).
Sôbre isso, II. U. RAEBERLIN (Die Rausalbeziehunger hei der dele. gatio, Zeitsehrift der Savign’y-Stiftrung,
74, 119 s.).

Parte II. Acreditivo

CONCEITO E NATUREZA DE ACREDITIVO

§ 4.641. Conceito de acreditivo

1.CONCEITO DE ACREDITIVO E DE ASSINAÇÂO. Se o figurante (acreditante) de algum negócio jurídico


bilateral ou plurilateral promete ao outro figurante (acreditado) que terceiro, que se vincula, prestará mediante a
duplicata da fatura, ou de outro instrumento, ou porque foi aberto o crédito, ou porque, por exemplo, como
devedor hipotecário, ou pignoraticio, prestará, há negócio juridico acreditivo, ou simplesmente acreditivo. A
assinacão é negócio jurídico unilateral, mas a sua semelhança com o acreditivo exigiu que a puséssemos num
dos Tomos sôbre negócios jurídicos bilaterais, antes da Parte sôbre o acreditivo. Com isso, faz-se mais fácil a
exposição.
O devedor pode fazer, pessoalmente, a prestação, ou, se admissível, por intermédio de outrem. O terceiro ou

MÚTUO
entrega a prestação como núncio, servidor da posse, ou como gestor de negócios com ou sem mandato ou outra
outorga de Poderes, ou como emprêsa que fêz abertura de crédito, ou em virtude de outro negócio jurídico,
bilateral, ou unilateral, ou até mesmo plurilateral.
Uma das figuras hoje assaz usadas é o acreditivo: o outorgado comprador ou outro contraente vincula-se
perante o outorgante vendedor ou outro contraente a que lhe entregue a prestação pessoa, física ou jurídica,
quase sempre banco, que êles determinaram, ou devem determinar; acredita o outorgante, devedor da prestação;
e o terceiro assume, perante o contraente credor (dito acreditado) o dever de pagar, conforme as exigências
apontadas ou de uso.

§ 4.641. CONCEITO DE ACREDITIVO


Qualquer que tenha sido o negócio jurídico de que proveio o crédito a favor do acreditante (que é credor do
terceiro e devedor do acreditado), para a missão de prestar a relação jurídica mais freqúente é a de locação de
obra, porém de modo nenhum sempre mandato nem, tão-pouco, fiducta.
O prestador acreditivo assume a dívida em nome próprio (nomine proprio), em adiectio, sem superposição, nem
substituição. Não se deve levar em conta, no exame da estrutura do acreditivo, a relação jurídica entre o
acreditante e o prestador acreditivo, o que triangularizaria o negócio jurídico.
As teorias tentaram reduzi-lo a alguns dos contratos típicos: outorga de poder de representação ao prestador
acreditivo, o que seria prestar-se atenção ao que é estranho ao acreditivo (à relação jurídica entre A e E, em vez
de à relação jurídica entre A e O e à relação jurídica entre E e C). Demais, o prestador acreditivo assume a
divida nontine proprio.
As outras teorias merecem maior exame.
À finalidade de acreditivo é essencial a futura manifestação unilateral de vontade de quem tem de entregar a
prestação. Enquanto não há essa manifestação de vontade do banco ou outro estabelecimento que se incumbiu
de prestar pelo devedor, não há a eficácia jurídica completa do acreditivo. Mas houve a relação jurídica inicial,
que foi entre o acreditante e o acreditado.
O crédito bancário quase sempre é assumido em contrato de mútuo ou em títulos cambiários ou
cambiariformes. Às vêzes, imediato; outras vêzes, diferido. Aquêle e êsse têm figuras entre si diferentíssimas,
que servem à mobilização dos capitais e à atividade creditícia dos bancos (cf. PIERRE ~TtENNE, Les Crédits
par acceptation, 8). A abertura de crédito e o acreditivo são os institutos mais usuais de crédito diferido.
O crédito por aceite, acceptance credit, Akzetierungsakkreditiv, é aquêle em que o dador do crédito aceita, para
que o creditando possa usar a firma para obter fundos. O dador não é de fundos, mas de crédito. Uma das
funções da dação de crédito é o transporte de fundos. Em vez de se enviar fundo, envia-se crédito.
A carta. de crédito indireta de importação (indirect import letter of credit) é subscrita e emitida por um banco
do Estado do comprador, mas, em lugar de autorizar o saque contra o banco creditante (issuing bank), autoriza
o saque contra banco (drawee bank) do Estado do exportador.
Diferente é a carta de crédito de exportação (export letter of credit) : banco do Estado do comprador subscreve
e emite o título, em que se vincula a atender ao saque do vendedor (WILLIAM E. Mc CURDY, Commercial
letters of credit, Harvard Leio Revicio, 37, 558).
O acreditivo é crédito dependente, para a sua eficácia regular, da confirmação pelo futuro portador acreditivo.
Passa-se entre acreditante e acreditado. A confirmação é entre acreditado e futuro portador acreditivo. Êsse
pode ter de prestar pecúnia (ou outro objeto) ou crédito. Na terminologia de alguns sistemas jurídicos, fala-se
de crédito confirmado, quando, em verdade, o negócio jurídico é de crédito, que precisa, para sua eficácia
regular, de confirmação, O crédito é confirmável, ou não: ao futuro prestador incumbe a tomada de atitude. Isso
não significa que, se êle não confirma, deixe de ter eficácia contra o acreditante o negócio jurídico unilateral.
Se a confirmação é de acreditivo documentário, o acreditado tem de apresentar os documentos, o que a
distingue do aceite da letra de câmbio, que não pode ser subordinada a tais cláusulas.

2.ANGULARIZAÇÃO DAS RELAÇÕES JURÍDICAS. O acreditado, uma vez que houve a confirmação, é
credor do prestador, sem que tal situação dependa do que se haja passado, ou se passe, entre o acreditante e o
prestador acreditivo, e da própria situação do acreditado em relação ao acreditante.
Pode-se estabelecer na comunicação ao acreditado, ou nela e na confirmação, ou na confirmação, que a dívida
do prestador expira na data tal, ou quando algum fato ocorrer. Então, a extinção da dívida é automática.
Uma das conseqdências da principalidade da assunção de dívida pelo prestador acreditivo é a de ser o domicílio
dêsse o lugar da solução e competente para as ações contra êle ou contra o acreditado (forum destinatue

MÚTUO
solutionis).
E inegável a função principalizante de confirmação . O acreditante passa a segundo plano. Não há substituição.
O outorgado, B, no negócio jurídico que houve entre A e E, tem, contra A, a ação que a êsse negócio jurídico
corresponde e ação que nasce do acreditivo ; e, contra C, a ação do acreditivo confirmado. O negócio jurídico
entre A e B criou a relação jurídica de valuta. A confirmação reforça a situação de B, pela angulização da
eficácia do acreditivo.
Não se pode dizer que haja um só negócio jurídico, com três relações jurídicas (relação jurídica de valuta;
relação jurídica dita de ordem, o que seria demasiada generalização; relação jurídica de confirmação). O
acreditamento de A a B é promessa de ato de terceiro, aí C. Não importa se se inseriu como cláusula do negócio
jurídico entre A e E, ou como pacto posterior. Isso traça a linha entre A e B, com pontilhado de B a C (linha
pontilhada). A confirmação põe a reta onde estavam os pontos. Entre A e C pode não ter existido relação
jurídica, como se C tem tôda confiança em A e quer assumir a dívida, a despeito de qualquer negócio jurídico
entre êles. De ordinário, a relação jurídica é de depósito bancário, ou de mandato ou de abertura de crédito, mas
estranha ao acreditivo. Daí ficar entre parênteses, na figura que traçamos (§ 4.625, 6). A dívida do prestador
acreditivo é adjecta à do acreditante ao acreditado, não à daquele perante o prestador acreditivo.
O acreditivo faz o ângulo; e não é ângulo. Há três figurantes, um dos quais se insere depois. Qualquer
concepção que o faça triangular introduz linha, que é estranha ao negócio jurídico acreditivo. Regularmente, há
duas linhas, correspondente a duas relações jurídicas causais (ou, pelo menos, de ordinário causais), porém
essas linhas não são cobertas pela linha que faz a constituição do negócio jurídico acreditivo e a sua integração
pela confirmação pelo futuro prestador acreditivo. Há a relação jurídica de valuta entre o acreditante e o
acreditado (ou se supõe haver), e para que se trate de acreditivo necessâriamente há a relação jurídica
acreditiva. Daí, com a apresentação ao futuro prestador acreditivo, a relação jurídica, que nasce com a
confirmação e traça a linha, que completa o ângulo. Entre o acreditante e o futuro presta-dor acreditivo não
existe qualquer relação jurídica acreditiva:
há a relação jurídica cansai, ou passa a haver tal relação jurídica, se, sem direito a indicar como prestador
acreditivo a pessoa a quem o acreditado há de apresentar os documentos, o acreditante deixou que ficasse a
líbito dessa pessoa adimplir ou não.

3.ATOS INTERNACIONAIS (CÂMARA DE COMÉRCIO INTERNACIONAL). São dignos de menção atos


internacionais que cogitaram dos créditos documentários:
a)VII Congresso da Câmara de Comércio Internacional, Viena, 1983.
b)XIII Congresso da Câmara de Comércio Internacional, Lisboa, 1951.

§ 4.642. Natureza do acreditivo

1.CONSIDERAÇÕES PREVIAS. Um dos males das exposições de ciência do direito é a preocupação de se


reduzir cada instituto a outro, mais conhecido, muito embora nem sempre mais encontrado.
Quando o acreditante conclui o negócio jurídico acreditivo, promete ao acreditado, como modo de pagamento,
que providenciará para que ao acreditado o futuro prestador acreditivo “confirme”. Trata-se de dever, que há de
ser cumprido a tempo, e não de elemento necessário à conclusão do negócio jurídico acreditivo, nem tão-pouco
de condição para que o futuro prestador acreditivo cumpra. A atividade do acreditante, junto ao futuro prestador
acreditivo, apenas faz dever dêsse o atendimento do que aquêle prometeu ao acreditado. Ésse dever se irradia
de outro negócio jurídico entre o acreditante e o futuro prestador acreditivo, sem ser dever que se irradie do
acreditivo. Exatamente, o que o futuro prestador acreditivo passa a dever é o ato que, na relação jurídica entre o
acreditante e o acreditado, ficou previsto e prometido.
Quando um contraente assegura o cumprimento da sua prestação, contra documentos mediante depósito, ou
abertura de crédito, ou outro negócio jurídico, o banco ou outro estabelecimento que possa abrir o crédito põe à
disposição do outro contraente quantia correspondente à prestação devida, ou que vai ser devida, e o acreditado
pode exigi-la se satisfaz o que lhe incumbe.

A relação jurídica entre o contraente A, acreditante, e o banco ou outro estabelecimento abridor do crédito é
contrato de obra, com Poderes para gestão de negócios.
Se se convencionou que se acreditasse determinada quantia, ou quantia determinável, num banco, ou noutro

MÚTUO
estabelecimento hábil, tal prestação é principal. Tal negócio jurídico pode ser condição para outro negócio
jurídico, que dela dependa para se concluir, ou ser cumprido, ou extinguir-se.
A relação jurídica entre o acreditante e o futuro prestador é tida, na doutrina dominante, como de contrato de
obra, que tem por objeto trato de negócio (REICRARDT, Das Akkreditiv, Zeitschrift fiir das gesamte
fnlandelsrecht, 88, 21; KARL HERMANN CAPELLE, Das AkkreditivgescMft, 56; BOES e HARTENFELS,
Das Waren- oder Dokumentenakkreditiv, Die Rank, 1922, 721; ALFRED JACOBY, Das Akkreditiv,
Bankarchiv, 20, 264). Mas isso é apenas o que mais acontece.
Não faltaram sustentadores da teoria do acreditivo con trato a favor de terceiro (e. g., PIERRE MARAIS, Des
Ouvertures eu banques de crédits confirmés et nou confirmés, 25; REICHARDT, Das Akkreditiv, Zeitschrift
fUr das gesamte Handetsrecht, 88, 60). Não há, no acreditivo, contrato a favor de terceiro; em senso largo, há
cláusula a favor de terceiro, mas cláusula inserta em negócio jurídico unilateral.
Tão-pouco se pode reduzir o acreditivo à assinação ou à delegação, que funciona entre assinante, que quer
prestar, e autorizado, assinado, que há de atender, sem ser vinculado por êsse negócio jurídico a isso. O negócio
jurídico do acreditivo dirige-se ao acreditado, seja êle credor ou não: o prestador acreditivo, se está vinculado, é
por outro negócio jurídico. Não há contrato entre o acreditante e o acreditado:
O negócio jurídico é unilateral, pôsto que se dirija ao acreditado. Sem razão, J. BRÉTRE (Le Crédit eonfirmé
eu droit français, 80), A. LÉGAL (Le Crédit confirmé eu Jroit étranger, 57), PIERRE ETIENNE (Les Crédits
par acceptatiou, 50 s.), GEoIwEs MARAIS (Du Crédit documentaire, 277>, EUGEN tJLMER (Akkreditiv und
Anweisung, Archiv fúr die civilistiseke Praccis, 126, 297 s.), KARL HERMANN CAPELLE (Das
Akkreditivgeschàft, 19) e outros.
Errônea também é a teoria, do negócio juridico dupio:
um, de que surge a abertura de crédito, junto ao acreditado; outro, que faz nascer a relação jurídica de
vinculação do futuro prestador acreditivo à confirmação (e. g., CARLO FOLCO, Ii Credito contei-mato di
banca, 66).

2.TEORIA DO ACREDITIVO CONTRATO A FAVOR DE TERCEIRO.


Na teoria do acreditivo contrato a favor de terceiro, faz-se o percurso de A a E e de A a C e, depois, fecha-se o
triângulo, com a conformação (BC). Já aí se deixa de considerar que. a dívida, assumida pelo prestador, é
autônoma e abstrata, em virtude da carta de confirmação. No contrato a favor de terceiro (Código Civil, arts.
1.096-1.100), o promitente (E) pode opor algumas exceções tocantes ao negócio jurídico entre A e E (cf. Tomo
XXVI, § 8.159, 5); no acreditivo, não. A carta de confirmação determina a assunção da dívida, sem que se
precise de qualquer manifestação de vontade do acreditado. Estabeleceu-se o vinculum luris entre E e C: traçou-
se a linha onde estava o pontilhado.

8.TEORIA DO ACREDITIVO ASSINAÇÁO. A teoria do acreditivo assinação é a mais divulgada, a mais


recebida, porém é falsa.
A redução do acreditivo à assinação tentaram-na EITTER (Vom Akkreditiv, Hanseatische Rechtszeitschrift,
1921, 620, com a grave contradição de considerar a confirmação como fiança, ou ao modo de fiança), RARL
HERMANN CAPELIE (Das Akkreditivgeschiift, 19 s.) e outros.
Algumas semelhanças não justificam a identificação. No acreditivo, como na assinação, não são oponíveis as
exceções oriundas da relação jurídica de reabertura, nem as da cobertura. Só se atende ao que constava dos
documentos. A abstração afasta tudo que se prende às duas relações jurídicas. causais.
Entre o acreditante (Akkreditie•rende) e o prestador acreditivo (de ordinário, banco, Aklcreditivbank), pode
haver não o há necessàriamente contrato de serviço, de obra, Porque pode não existir tal relação jurídica, que é
causal, temos de evitar qualquer proposição que possa significar afírmativa de ser triangular o acreditivo, isto é,
de compor-se de três relações jurídicas (entre o acreditante e o acreditado;. entre o acreditado e o prestador
acreditivo, entre êsse e o acreditante). Só há duas, uma das quais integra o negócio jurídico, que produz ou não
produz ângulo.
Assinante (devedor)
Assinatário (credor)
4.TEORIA 1>0 ACREDITIVO MANDATO DE CREDITO. A teoria do acreditivo mandato de crédito também
presta atenção à relação jurídica entre o acreditante e o prestador acreditivo, como se a essa relação jurídica
estranha ao instituto tocasse caracterizar o acreditivo. No mandato de crédito, alguém se vincula perante outrem
a fazer crédito a terceiro, no seu próprio nome e por conta própria, respondendo quem deu o encargo, como

MÚTUO
fiador do débito futuro. Quem conferiu o encargo pode revogá-lo, ressarcindo os danos. Tudo isso, inclusive a
fiança, é estranho ao instituto do acreditivo, que produz duas relações jurídicas, em ângulo, que não estão ai.
Assinado (prestador)
A linha acreditante-prestador não faz parte do ângulo:
resulta de outro negócio jurídico, que pode não ter existido. A linha assinante-credor é que não faz parte do
ângulo; também resulta de outro negócio jurídico, que pode não ter existido (e. g., o assinante fêz assinatário
pessoa que não era o seu credor).
Se chamássemos A ao devedor, B ao credor e C ao prestador, o acreditivo daria ABC e a assinação AGE.
Para se ver que o acreditivo não é assinação, basta que se considerem as duas figuras em que fácil é verificar-se
que o terceiro, no acreditivo, é o prestador e, na assinação, o credor.
No acreditivo, se atendemos às linhas que formam o ânguIo, temos:
Acreditante (devedor)
Xcreditado (credor)
Prestador acreditivo

Na assinação, as linhas eficaciais formam o ângulo, mas não são as mesmas.


5. NEGOCIO JURÍDICO DE VINCULAÇÀO E NEGÓCIO JURIDICO DE REEMBÔLSO. O comerciante A,
que habita no Rio Grande do Sul, quer adquirir frutas de Pernambuco, conclui contrato de compra-e-venda com
B, que ainda não tem as frutas e precisa de dinheiro para que possa havê-las dos produtores, C e D. B procura o
banco E, que lhe exige garantia. Não tem B o que lhe dar em garantia, ou o tem e prefere outra solução para a
segurança de E. As próprias frutas, que lhe vão ser entregues, podem servir para isso. Ou o penhor ou a
propriedade fiduciária. As frutas vão às mãos de A, ou (a> porque C e D as remeteram a E e B as entrega a E,
que por sua vez as expede para A, ou (b) vindo de C e D a E e de E a A, ou (e) de O e D a E e de E a A, ou (d)
diretamente de O e D a A. Compreende-se que E se tenha de garantir ao pagar a O e a D. Nas espécies (e) e
(cl), nos documentos há de estar o nome de E; nas espécies. <a) e (lfl, E é o expedidor. À dunlicata chama-se
carta de vinculação.
Se algum bem foi entregue a terceiro para garantir adiantamento de fundos feito ao alienante e se estipulou que
há de ser entregue ao adquirente mediante reembôlso dêsse dinheiro que se adiantou, há negócio jurídico de
vilUi2daÇUfl (Vinkulationsgeschãft), dito também negócio jurídico Lombardo (Lombardgeschãft). Já estava
nos hábitos da economia do século XV e continuou de ser muito empregado até o século passado (J. BREIT,
Der Vinkulationsgeschàft, 1 s.; HERBERT KLEINER, Die juristische Natur des Sogen. Vinloulationsgeschã
fIes, 1 s.). O adquirente, ao receber do terceiro o que adquiriu, tem de prestar-lhe o que se lhe adiantou para
solver a dívida ao alienante.
A quem adianta chama-se vinculante. A êle ou o bem é dado em penhor, ou a propriedade lhe vai em segurança.
O negócio jurídico de vinculação quase sempre é por prestação de meios de setenta por cento do preço da
mercadoria. Pode ser a prestações sucessivas, conforme os fornecimentos (FLECHTHEIM, sôbre a monografia
de J. BREIT, Zeitschrift fúr das gesamte Handel& und Konkursrech,t, 61, 516).
Alguns juristas consideraram como contrato de comissão o negócio jurídico de vinculação (e. g., TRUMPLER,
Die Vinlculationskommission, Holdheims Monntschrift, 63, 265 s.;
A.DÍIRINGER-HACHENBURC, M., Das Hai<ulelsgesetzbuch, III). Sem razão, O negócio jurídico é por
conta do alienante, e não de quem se vincula (o banqueiro), adverte RAuL LEIIMANN <Lekrbuch des
Islandeltrechís, 803, nota 3); segundo II. MA KOWER (Handelsgesetzbuck, 1337), o possuidor pignoraticio
apenas é fiduciário.
FLECHTIIEIM (Das Vinkulationsgeschãft, Zeitsckrift Ijir gesamte Han deis- und Konkursrecht, 60, 124 s.)
pensou em dupla assinação: do vendedor ao banqueiro e ao comprador.
Para J. BitnT (Das VinkutationsgescMft, 1 s.; Das Wesen des Vinlçulationsgeschãft, Holdh>eims Monatschrift,
17, 61 s.; Vinkulation und Zurtickbehaltungsrecht, Leipziger Zeitschrift, 11, 886), a natureza do negócio
jurídico de vinculação depende do elemento econômico preponderante ou do fim do negó cio jurídico, e não da
correspondência com os fatos in casu. O conteúdo da carta de vinculação é sem relevância: quem presta pelo
adquirente pode fazer-se proprietário, ou credor pignoratício; é indiferente. Se proprietário, tem o dever de
transferir o direito de propriedade ao adquirente se foi satis-feito: a transferência não é automática. J. BREIT
mais analisou o instituto de que formulou teoria.
Os elementos são o adquirente e o preço, que há de pagar, e o alienante, de fora, que presta a mercadoria; entre

MÚTUO
êles está o que presta o preço, em vez do adquirente; fazendo-se proprietário ou titular de direito de penhor. Daí
a nova relação jurídica que surge. O prestador do preço, quase sempre banco, faz-se proprietário fiduciário (em
seguida), em virtude de constitutum possessoriuin, ou pela tradição simples, ou outro meio. <HERBERT
KLEINER, Die juristische Natur des sogen.. Vinkulationsgeachãftes, 29, nega que se transfira ao prestador a
propriedade, apenas se lhe outorga poder jurídico sôbre a coisa, pois a transmissão da propriedade é abstrata.)
Em verdade, o portador possui em próprio nome, tem os direitos de proprietário em segurança ou de titular do
direito de penhor.
A teoria do portador vinculante-representante deturpa o instituto. Para ela, o prestador-vinculante apenas
representa o adquirente; não opera em nome próprio: a propriedade passa do alienante ao adquirente, mesmo se
a carta de vinculação fala de transmissão da propriedade (HERBEIIT KLEINER, Pie juristische Natur des
sogeu. Vinkulationsgeschiiftes, 62 s.). Há inconvenientes na transmissão, concordamos, como se se têm de
pagar dois impostos; mas aos figurantes é que cabe preferir a figura jurídica do penhor, com a permissão de
alienar se não satisfeito o crédito.
<b) Se o exportador, em vez de ser satisfeito diretamente pelo comprador, importador, recebe o preço do bem
de pessoa, quase sempre banco, que foi indicado, há negócio jurídico de reembôlso (Remboursgeschâft, crédit
de remboursement). De ordinário, há letra de câmbio contra o importador, que se desconta no banco
estrangeiro, e banco nacional aceita (II. KÕNIGE, Der Vinkulationskauf, Gruchots Beitrãge, 52, 287).
(c)Nenhuma das duas figuras se confunde com o acreditivo. Não há, no acreditivo, a trama de relações de que
se cogita no negócio jurídico de vinculação e no negócio jurídico de reembôlso.
O prestador- acreditivo de ordinário, banco exerce função própria, inclusive no tocante aos documentos, e não
função de intermediário no pagamento. Se é certo que êle vela pela exatidão, quer no tocante à entrega dos bens
quer no que respeita à solução da divida, isso de modo nenhum atinge a natureza da sua posição jurídica,
quando faz a confirmação, manifestação unilateral de vontade. Ai, a sua atividade parece-se com a que tem no
negócio jurídico de vinculação e no negócio jurídico de reembôlso, sem qualquer identificação.
No acreditivo, o prestador acreditivo fica no lugar do adquirente, que é o acreditante, ao passo que, no negócio
juridico de vinculação, substitui o alienante. O prestador, no acreditivo, mais interêsse há de mostrar em velar
pelo que toca ao adquirente; no negócio jurídico de vinculação, o seu velamento é pelo que provém do
alienante.
No negócio jurídico de reembôlso, aceita-se a letra de câmbio; no acreditivo, há o pagamento de contado, ou
dação de crédito (BOES, Die Waren- oder Dokumentenakkreditive, Zeitschrift fiir Handelswissenschaft und
Ha.nd.elspraxis, 1921, 46 s.; RARL HERMANN CAPELLE, Das AlckreditivgescMft, 2 s.).
Onegócio jurídico de reembôlso é o mais frequente nas operações de compra em ultramar. O comprador
(importador) indica ao vendedor (exportador) o seu banco (lugar do reembôlso), para que apresente a sua letra
de câmbio e, com ela, os documentos (conhecimentos, apólice de seguros). Também pode ocorrer que o
comprador (exportador) endosse a letra de câmbio ao banco estrangeiro, que a desconta, com a tradição dos
documentos. O banco estrangeiro do vendedor remete a letra de câmbio ao seu grupo bancário que apresenta no
lugar do reembôlso, onde se dá o aceite, entregues os documentos.
No negócio jurídico de reembôlso, há negócio de crédito. No acreditivo, o que é mais frequente é o pagamento
de contado. Negócio de crédito, com o negócio jurídico de reembôlso, há o perigo da falsidade dos documentos,
ou se ocorre a falência do importador e seu comprador <WALDEMAR MÚLLER, Die Organisation des Kredit-
und Zahlungsverkehrs in Deutschland, Banlcarchiv, 13, 115 s.).
Quando o prestador acreditivo aceita lera de câmbio, mistura-se a figura do acreditivo com a do negócio
jurídico de reembôlso, salvo se fica patente que se solveu a dívida, isto é, que se teve por solvida.
Por outro lado, quando se intromete no negócio jurídico de reembôlso a confirma.çâo, com o seu caráter, aí, de
manifestação unilateral de vontade, faz-se do negócio jurídico de reembôlso verdadeiro acreditivo. Então, o
portador mesmo acreditiva o negócio jurídico. EUGEN ULMER (Akkreditiv und Anweisung, Árchiv fúr die
civilistieche Prais, 126, 266> falava, precisamente, de acreditivação do vendedor (Akkreditierung des
Verkãufers). O assunto preocupou, em 1922, a Commercial Letters of Credit Conferente dos Estados Uni-
dos da América, caracterizando-se a diferença entre tetter o•f credit e confirmed letter ol credit.

6.ACREDITIvO E LETRA DE CÂMBIO. Quando A subscreve e emite letra de câmbio a favor de B contra C,
não há acreditivo. A semelhança é grande entre o que ocorre em virtude do saque cambiário, da assinação e do
acreditivo, mas há necessidade de se distinguirem os três institutos e de se evitar qualquer assimilação. Parecer
não é ser. Para que se pudesse pensar em assinação, seria preciso que se dilatasse o conceito de assinação, e isso

MÚTUO
teria sérios inconvenientes na doutrina e na prática.
Se há o acreditivo e o acreditado, em vez de receber de contado, anui em que se lhe pague com título cambiário
ou cambiariforme, ou isso foi previsto, a respeito da cártula cambiária ou cambiariforme, tem-se de atender a
que existiu o acreditivo. Tendo havido solução, extinguiu-se a relação jurídica acreditiva. O que persiste é a
relação jurídica cambiária ou cambiariforme.

§ 4.643. Espécies do acreditivo

1.REVOGABILIDADE E IRREVOGABILIDADE. Na terminologia, é preciso que haja tôda a clareza no


aludir-se à manifestação de vontade a que se refere o adjetivo “revogável” ou o substantivo “revogabilidade”.
De ordinário, a relação jurídica causal entre o acreditante e o acreditado não é revogável; nem no é, portanto, no
que concerne à relação jurídica de acreditivo, que entre êles se estabelece.
A relação jurídica entre o acreditado e o futuro portador acreditivo apenas existe depois da confirmação, seja
anterior, simultânea ou posterior ao têrmo para o pagamento. A confirmação, essa, manifestação unilateral,
recepticia, de vontade, somente é revogável enquanto dela não tem ciência o acreditado.
A relação jurídica causal entre o acreditante e o futuro prestador acreditivo corresponde a negócio jurídico entre
êles, que nada tem com o acreditivo, pôsto que a êle se refira. Se foi concebida como revogável, ou não
revogável, a manifestação de vontade, de um dêles ou de qualquer dêles, é quaestio facti. Aliás, a relação
jurídica de provisão pode ser abstrata.

2. ACREDITIVO LIMPO E ACREDITIVO DO DOCUMENTÁRIO. Um dos males na construção do


acreditivo está na referência que se faz, a cada momento, ao comprador e ao vendedor, como se a relação
jurídica de valuta fôsse sempre a de compra-e-venda. A prática ligou-o à entrega de documentos; por isso, mais
se fala de Dokuntentenakkreditif, para se frisar que se trata de negócio jurídico solutório e que se exige a
tradição dos documentos.
O acreditivo pode ser limpo (clean>, ou documentário.
O acreditivo limpo quase sempre se faz mediante carta de crédito, que é respeitada imediatamente, ou há a
confirmação, para que se estabeleça a relação jurídica entre o presta-dor e o acreditado.
O acreditivo documentário supóe o emprêgo de documentos, que legitimem o acreditado e provem a sua
aptidão a receber. Quais sejam êsses documentos depende da natureza da relação jurídica entre o acreditante e o
acreditado, inclusive os exigidos por lei.
Tem faltado precisão aos têrmos técnicos (sôbre isso, STUMMER, Das Bankakkreditiv, 10; WOLFF, Das
Akkreditiv, .Juristische Wochensehrift, 50, 770; KARL-HERMANN CAPELLE, Das A lckreditivgeschãft, 1 s.).
Ao acreditivo documentário também se dá o nome de acreditivo de mercadorias (Warenakkreditiv) ; mas
introduziu-se especialização: acreditivo de mercadoria é aquêle em que o prestador acreditivo tem de exigir a
entrega da mercadoria, e não só a tradição dos documentos (SOBLEGELBERGER-HEFERMEEL,
Schlegeiberger Handelsgesetzbuch, ~ SY ed., 1559>.
Os documentos servem à garantia de créditos. O presta-dor acreditivo tem a posse e o direito à posse, em
virtude do próprio negócio jurídico. Com êles, ficou o adquirente certo da operação. Com êles, pode o alienante
operar.
Há a cláusula D/P e a cláusula D/A, isto é, “documentos contra pagamento”, e “documentos contra aceite”. Ali,
à prestação pelo adquirente se substitui a prestação pelo prestador acreditivo; aqui, à prestação de crédito pelo
adquirente (ou à própria prestação de dinheiro, o que às vêzes ocorre) se substitui a prestação de título de
crédito ou de títulos de crédito pelo prestador acreditivo.
As funções de cuidado, de velamento, que tem o prestador, também tem o encarregado em velhos institutos
jurídicos, como o negócio juridico de vincula ção (HERBERT KLEINER, Die Juristische Natur des sogen.
Vinlculationsgeschdftes, 27 s.) e o negócio jurídico de reembôlso.
Quando o alienante entrega os documentos, êsses são alusivos à sua prestação. Quando o adquirente os entrega
ao prestador acreditivo, os documentos correspondem à contraprestação, que se deve ao alienante, e são meios
para se segurar quem preste ao alienante, em dinheiro ou em título de crédito. O prestador acreditivo faz a
tradição dêsses documentos condição do seu desembôlso, ou do seu aceite (ou subscrição de algum titulo de
crédito).
O dever do prestador acreditivo é abstrato, de modo que a entrega dos documentos, se funcionasse como

MÚTUO
garantia, seria só no mundo fâctico. Se o adquirente ou o alienante os entrega, mas houve falsidade ou
falsificação dos documentos, ou qualquer óbice a sua função instrumental, a responsabilidade do tradente é pelo
ato ilícito absoluto, e não pelo ato ilícito relativo (responsabilidade negocial ou por infração do negócio
jurídico). O dever do banco, quando confirma, é oriundo de negócio jurídico unilateral, que é a confirmação, a
que melhor se chamaria assunção do acreditivo.
O prestador acreditivo não pode alegar a incontratabilidade da mercadoria (HANS WÚRDINGER, Kommentar
zum HandeLsgesetzbuch, ~v, 2.~ ed., 180) , nem opor exceções que o acreditante tenha contra o acreditado,
nem alegar vícios do objeto. Pode alegar a falta de algum documento indispensável à alienação ou à tradição da
posse da mercadoria, ou a proibição legal de alienação, ou de exportação, ou de importação (EUGEN ULMER,
Akkreditiv und Verweisung, Archiv fúr die civilistisobe Praxis, 126, 257). Sôbre isso, HANS Wt}RDINGER
(Kommentar, IV, 2•a ed., 181).
Mas tem de observar as instruções que constem do acreditivo, ou de negócio jurídico entre êle e o acreditante,
ou instruções que depois da constituição do acreditivo ou antes recebeu, O que não consta do acreditivo
sêmente pode ser cláusula de outro negócio jurídico, ou comunicação de vontade, a que o prestador acreditivo
pode estar vinculado.

De qualquer maneira, tem-se de atender, sempre, a que qualquer atitude do prestador acreditivo que não seja
prevista no instrumento do acreditivo, explícita ou implicitamente, importa recusa da confirmação, sem se
poder pensar em mora do acreditado.

CAPITULO II
PRESSUPOSTOS DO ACREDITIVO

§ 4.644. Três figuras

1.ANÁLISE DAS RELAÇÕES JURÍDICAS NO ACREDITIvO. No acreditivo, há três figuras, para uma das
quais, a segunda, convergem as promessas das duas outras: o acreditante, o acreditado e o futuro prestador
acreditivo. A relação jurídica, que pode não existir, entre o acreditante e o futuro prestador acreditivo, é estranha
ao acreditivo. O acreditante que se põe, como outorgante, em relação jurídica acreditiva com o acreditado, que é
o outorgado, apenas pode vincular à confirmação do acreditivo o futuro prestador acreditivo. Então, o
acreditante cria direito a que o futuro prestador acreditivo “pague”, e isso não é parte do acreditivo, muito
embora a êle se refira.
2.IMPORTÂNCIA DA CONCEPÇÁO PRECISA DO ACREDITIVO. Sem que se parta do exato conceito de
acreditivo, tornam-se freqúentes as confusões com outros institutos. O movimento negocial é, aí, de grande
relêvo: à relação jurídica entre acreditante, devedor, e acreditado, credor, pode seguir-se (e espera-se que se
siga) relação jurídica, também crediticia, entre o acreditado e o prestador acreditivo. Êsse não somente paga:
confirma e paga, mesmo se os dois atos são simultáneos (conceptualmente, êsse imediato àquele).

8.ACREDITANTE E PESSOA EM NOME DE QUEM SE CREDITA. Nem sempre a pessoa em nome de


quem se credita é o figurante do acreditivo. Se A comprou a C a mercadoria e quer pagar a C o preço, A vai ao
banco, B, e pede que se pague a C o preço acordado. O banco incumbe outro banco, D, no lugar em que reside,
ou se acha C, de prestar-lhe o preço.

Aí, há assinação. Se, em vez disso, o banco, em nome de A, autoriza C a receber de D, há acreditivo.
Acreditante foi A, e não o banco B, que apenas serviu a A para a operação acreditiva. A situação de B muda se
êle assume a dívida de A (assunção de dívida alheia) e a referência a A apenas significa informação operacional.
Aí, acreditante é o banco, que se fêz devedor em vez de A. Mas, para que isso se dê, é preciso que O haja
consentido na substituição do devedor. De jeito que o banco, B,. se supõe intermediário para o acreditivo, o que
não oferece qualquer dificuldade porque a relação jurídica entre êle e o futuro prestador acreditivo é estranha ao
acreditivo, muito embora referente a de.

MÚTUO
O banco que se encarrega da operação do acreditivo émandatário sem representação, ou gestor de negócio, ou
há efeito de outro contrato. Não é o acreditante, mas o instrumento para isso, Não se há de confundir a relação
jurídica fntre êle e o acreditante com qualquer elemento do negócio jurídico de acreditivo. O acreditante pode
acreditar, sem precisar do banco, mas o banco exerce exatamente essa função financeira de pagamentos por
outrem. Com o negócio jurídico com o banco, o acreditante deixa de escolher o futuro prestador acreditivo, ou
só escolhe dentre os bancos ou outros estabelecimentos com que o banco tem negócios.
O que se passa entre o acreditante e o banco que com de faz o negócio jurídico acreditivo é estranho à relação
jurídica de valuta (e. g., entre comprador e vendedor). Há negócio jurídico bancário, que é abertura de crédito
ou não, ou que supóe haver crédito aberto ou depósito bancário.
O banco, pôsto em relação jurídica com o acreditante, assume o dever de acreditar, adjecticiarnente e não
substituindo quem quer ser acreditante, de modo que a sua função é operacional, no tocante ao acreditivo. A
relação jurídica entre a pessoa que quer o acreditivo e o banco é de ordem dc pagamento, com particularidades
que merecem referência especial, como, se houve compra-e-venda, a verificação dos documentos, pela qual
responde o banco, mesmo se a infração foi por parte de algum banco que o substituiu no púgamento. Ainda
assim, o acreditante tem ação contra o banco que substituiu com outra o banco que processou a ordem de
pagamento.
Na operação bancária pode estar incluída a de aquisição ou emprêgo de divisa estrangeira, se foi isso o que se
quis que seja prestado.
O banco, nas relações com o futuro prestador acreditivo, pode ser (e é o que mais acontece) assinante, sendo o
prestador acreditivo assinado, para que preste ao assinatário, que diante do acreditivo que é dirigido a êle se
tem por acreditado.
Nas relações com o acreditante, o banco não o representa. A figura depende das circunstâncias internas, o que
nada importa à relação jurídica acreditante-acreditado, e pertence à matéria dos negócios jurídicos bancários.

§ 4.645. Figura do acreditante

1. PRIMEIRA FIGURA. No negócio jurídico acreditivo, a primeira figura é a de quem acredita, do


acreditante. A segunda é a do acreditado. A terceira é a da pessoa que se aponta como futuro prestador
acreditivo. As duas primeiras acordam em que acreditivamente se faça a prestação. A terceira “confirma” e
paga, ou recusa.
O hábito da grande maioria dos juristas, no tocante aos negócios jurídicos de assinação, levou-os, nas próprias
exposições do direito sôbre o acreditivo, a primeiro cogitarem da relação jurídica entre o acreditante e o futuro
prestador acreditivo, como se essa relação jurídica fôsse elemento estrutural da relação jurídica do acreditivo.
Não faz parte do negócio jurídico acreditivo qualquer negócio jurídico que exista (e pode nao existir) entre o
acreditante e o futuro prestador acreditivo. O caminho do acreditivo é por cima (acreditante, acreditado; futuro
prestador acreditivo), e êles vão por baixo (acre-dititvtnte, futuro prestador acreditivo, acreditado), como se o
acreditivo fôsse espécie de assinação.
A primeira relação jurídica que se estabelece, para a composição do acreditivo, é entre o acreditante e o
acreditado.. Pode ser que, de muito, já exista relação jurídica entre o acreditante e o futuro prestador acreditivo,
mas isso é estranho ao negócio jurídico acreditivo e somente regula direitos e deveres entre os figurantes.
interessante observar-se que a relação jurídica entre o acreditante e o futuro prestador acreditivo é que pode ser
de assinação. Mesmo aí, nem sempre o é. Se o acreditante, como é de uso, recorreu a banco que faça a
operação, a relação jurídica de assinação, se há, é entre o banco e o futuro prestador acreditivo, de ordinário
outro banco.

2.RELAÇÃO JURÍDICA ENTRE O ACREDITANTE E O ACHEM‘rABO. O dever do acreditante, perante o


acreditado, em qualquer contrato, é dever que absorve, digamos assim, o dever de ir estar diretamente. O
acreditivo regula o pagamento, a que se refere a relação jurídica de valuta. Por isso mesmo, não se pode pensar
em dever acessório (Nebenpflicht) : tanto é dever principal fazer a contraprestação pessoalmente como
mediante acreditivo. Se não se atende à apresentação, com os requisitos e documentos exigidos, há a mora do
devedor, com tôdas as suas conseqUências. Se o futuro prestador acreditivo não confirma, não se fêz prestador
acreditivo, e a mora, em que acaso incorrer, nada tem com o acreditivo, em que, ex hypothesi, não entrou: mora,
se houve, foi por inadimplemento da pessoa que seria o prestador acreditivo, quanto à divida irradiada de outro

MÚTUO
negócio jurídico entre ela e o acreditante.
O acreditante, pois que tem dever de prestar antes (Vorleistungspflicht), acredita o outro figurante. Dai não se
poder pensar em exceção nou adimpleti contractus, oposta por êle. Salvo se o acreditante, no negócio jurídico
de valuta, se vinculou a prestar ao mesmo tempo, ou depois, porque, então, o retardamento do outro contraente
dá ensejo à oponibilidade da exceção non adimpleti contractus, ou, até, non irite adimpieti contractus.
O prestador acreditivo nenhum interêsse tem no que ocorreu, fora do negócio jurídico acreditivo, entre o
acreditante e o acreditado (negócio jurídico unilateral e abstrato). Se êle tem algum interêsse, deriva de outro
negócio jurídico, ou de outra situação jurídica, e não do acreditivo. Se examina os documentos, o seu interêsse
em fazê-lo decorre de pretender confirmar, ou de confirmar o acreditivo.
A confirmação não é fiança. O prestador acreditivo, que confirma, de modo nenhum garante, razão por que o
negócio jurídico unilateral da confirmação abstrai de qualquer relação jurídica de valuta. Se, por exemplo, o
acreditante descobre defeitos e vícios do objeto do negócio jurídico de valuta, o prestador acreditivo, que
atendeu ao acreditivo, não está exonerado de prestar, nem pode pedir restituição daquilo que êle prestou.
Todavia, se o prestador acreditivo poderia ir contra o acreditado por alguma razão que êle teria para recusar o
atendimento, pela má fé com que se legitimou o acreditado (e. g., documentos omissos ou não correspondentes
a algum fato que o prestador acreditivo tinha de conhecer), mas a razão desapareceu na relação jurídica entre
acreditante e acreditado, também desaparece na relação jurídica entre acreditado e prestador acreditivo.
O prestador acreditivo somente pode alegar insuficiência ou deficiência do negócio jurídico de valuta,
concluído entre o acreditante e o acreditado, se a insuficiência ou a deficiência aparece nos documentos (e. g.,
se da quantidade ou do peso da mercadoria, indicado no instrumento do acreditivo, diverge a quantidade ou o
pêso que consta do conhecimento).

3.NULIDADE E ANULABILIDADE DO ACREDITIVO. O acreditivo pode ser nulo por incapacidade


absoluta do acreditante
•ou do acreditado, ou por ilicitude ou por impossibilidade, ou por lhe faltar forma exigida por lei, ou algum
requisito que seja tido por essencial. Qualquer dessas causas de nulidade pode ser conhecida pelo futuro
prestador acreditivo e alegada por êle para a não-confirmação. Aliter, as anulabilidades (sem razão, CARLO
FOLGO, II Credito confermato di banca, 186).
Se já houve a confirmação, o negócio jurídico confirmativo, abstrato como é, não permite que o prestador
acreditivo se recuse a prestar. O que se lhe permite é tomar as providências que acautelem os seus interêsses e
os do acreditante, ou mesmo do acreditado. Salvo se a própria confirmação é atingida pelo mesmo fato (e. g.,
ilicitude).

§ 4.646. Figura do acreditado

1. CONCEITO. O acreditado é um dos pólos da relação jurídica com que se inicia o negócio jurídico
acreditivo. É o outorgado. De ordinário, o futuro acreditante oferece o meio jurídico solutório, que é o
acreditivo, para que se solva a sua dívida, presente ou futura, ao futuro acreditado; e êsse aceita, ou recusa.
Pode dar-se que a oferta tenha partido do futuro acreditado, o que é sem relevância, porque o que interessa é
que o negócio jurídico acreditivo se conclua.
Acreditado é, portanto, quem, conforme o negócio jurídico acreditivo, teve de alguém, o acreditante, a
promessa de ato de outrem. £sse ato pode ser simples ato-fato, como o pagamento de contado, mas está incluso
em manifestação unilateral de vontade, que o entrosa na figura do acreditivo. A seta foi de A para E; depois,
pelo movimento de B, que se legitimou perante o futuro prestador acreditivo, ou foi procurado, há a reação
positiva dêsse, que vem, como seta, dêle, C, até E.

2. DIREITO DO ACREDITADO. O acreditante, se há, em verdade, acreditivo, tem de estar em relação jurídica
com o acreditado. Se A apenas ofereceu a B o acreditamento, E ou aceita, ou não aceita. Se E aceita, o negócio
jurídico acreditivo pode ser constituído, irradiando efeitos. Se A vinculou C, o futuro prestador acreditivo, a
satisfazer a sua divida a E, ou se não o vinculou, não importa. O acreditivo é negócio jurídico que se faz com a
manifestação de vontade de A, dirigindo-se para E, que apresenta o documento ou os documentos ao futuro
prestador acreditivo, até então simples indicado para isso. Essa pessoa reage ou com a confirmação ou com a
recusa. Se confirma, dêle parte manifestação unilateral, receptícia, de vontade, que a vincula a E. A E

MÚTUO
vincularam-se duas pessoas:
uma, o acreditante, prometendo que outrem preste, e o futuro prestador acreditivo que promete prestar ou desde
logo presta. Com a vinculação de futuro prestador aquisitivo, ou com a solução da divida, A fica liberado.
Para que não haja obscuridade na exposição, precisemos que a cláusula ou o pacto adjecto de ser feita por meio
de acreditivo a prestação implica bilateralidade do negócio juridico. Daí têrmos falado de oferta e de aceitação.
Não há oferta e aceitação em se tratando de acreditivo. O acreditante lança manifestação unilateral de vontade.
O acreditado procura o futuro prestador acreditivo, como qualquer credor que procurasse o devedor ou terceiro
encarregado da solução; ou o procura o futuro prestador acreditivo, que provâvelmente
teve notícia do acreditivo e, até mesmo, esteja por outro negócio jurídico vinculado a atendê-lo.

§ 4.647. Figura do prestador acreditivo

1. CONCEITO. É de chamar-se prestador a quem vai prestar, em virtude da confirma ção acreditiva. Se a
prestação há de ser imediata ou concomitante à confirmação, o ato de prestar contém o de confirmação: presta-
se porque se confirma. Essa é a função da confirmed Ietter of credit, se à vista.

2.DETERMINAÇÃO E DETERMINABILIDADE DO PRESTADOR. De ordinário, o acreditante designa a


pessoa que há de prestar. Se prefere, ou se o prefere o acreditando, e os dois acordam, a indicação pode ser de
duas ou mais pessoas, à escolha do acreditado. Se qualquer banco atenderá, ou para isso providenciou o
acreditante, nada obsta a que se conceba como carta de crédito apresentável a qualquer banco da cidade ou
circular (banker’s eomrruercial letter of credit, cf. GUTTERIDCE-MEGRAH, The Law o! Comntercial
Credite, 31 s.).

3.CONFIRMAÇÃO. O futuro prestador acreditivo deve confirmar, sem que o acreditado se apresente, o
acreditivo, porque isso é de uso comercial. Não se trata de oferta para conclusão de contrato abstrato; mas sim
de declaração unilateral de vontade (sem razão, EUGEN ULMER, Akkreditiv und Anweisung, Archir fiM- die
civilistische Pra xis, 26, 286; REICI-IARDT, Das Akkreditiv, Zeitsehrift fUr das gesantte Handelsreeht, 88,
53). Se o prestador acreditivo retarda a confirmação, responde pelos danos, se teve culpa na tardança. Se foi o
acreditante o responsável, há a resolubilidade e a indenizabilidade. Aliás, se não chega, dentro do prazo para a
prestação, a confirmação, ou o adimplemento, se era o caso, bá mora do acreditante.
Se do futuro prestador acreditivo passa para outro ou outros o encargo, o último indicado é que é o prestador
acreditivo e cabe-lhe confirmar ou não o acreditivo. Os presta-dores intermediários respondem pela exata
transmissão e pela entrega dos documentos que receberam. Na relação jurídica
extra-acreditiva entre o acreditante e o primeiro indicado como portador acreditivo, responsável pelo não-
atendimento é êsse (REICI-IARDT, Das Akkreditiv, Zeitschrift fiir das gesamte Handelsrecht, 88, 44).

4.UNILATERALIDADE DA CONFIRMAÇÃO. A confirmação é negócio jurídico unilateral, abstrato (certo,


por exemplo, GEOR3ES JANSSEN, te Crédil confirmé en France ei eis Belgique, 180 s.), e não contrato (sem
razão, entre outros, OMF.R F.HERSHEY, Letters of credit, Harvard Law Review, 33, 10; WILLLXM E. Mc
CURDY, The Right of the Eeneficiary under a commercial letter of credit, 37, 327 s.).
Surpreendentemente se negou, na doutrina francesa, a unilateralidade, porque os sistemas jurídicos não
poderiam ter negócios jurídicos unilaterais (9. Cf. E. THALLER (De la Nature juridique du Titre de crédit, n.
52). Mais: deduziu-se do fato de aparecerem três pessoas a triangularidade do negócio jurídico (e. g., PIERRE
L~cAL, te Crédit eonfirmé en pays étranger, 56).
A confirmação do acreditivo é negócio jurídico unilateral, e não contratual. A vinculação é abstrata. Algo que
lembra o aceite da assinação, sem se identificar com êle. O fato de atender, o atendimento, já é adimplemento,
máxime se no mesmo momento se confirma e se paga. Ao jurídico abstrato, que se pode reduzir a ato-fato
jurídico (pagamento).
A confirmação lembra o aceite da letra de câmbio; o atendimento, a entrega da prestação. Mas a parecença,
como se dá com o aceite da assinação, deriva da unilateralidade e da abstratividade.
Mesmo se o prestador acreditivo assume dívida, em vez de pagar, ou porque fôra isso o que se assinara, ou se
lhe deixara a líbito seu, ou adveio de acordo com o acreditado, a dívida é abstrata.
A confirmação e a honoração ou adimplemento são atos diferentes, mesmo se aquêle foi tácito.
Com a confirmação nada tem o que se haja passado entre o acreditante e o prestador acreditivo, porquanto teria

MÚTUO
de ser, se algo se passou, subjacente. Se o futuro prestador acreditivo confirmou, não importa se errou em
considerar feita a cobertura, ou ainda não ter sido feita, e até mesmo, em caso de revogabilidade, ter ocorrido,
depois, revogação. Com a confirmação, o futuro prestador acreditivo está vinculado.
5.ABSTRATIVIDADE DA CONFIRMAÇÃO. Com a confirmação, o acreditado adquire direito que é distinto
do que tinha contra o acreditante. Daí não mais poder êsse opor-lhe exceção de compensação (A. AsQUINI,
Pagamenti mediante rimborso di banca, flivista dei Diritto commerciaie, 1922, 1, .258). Nem a de
inadimplemento do contrato entre o acreditante e o acreditado (EUGEN ULMER, Akkreditiv und Anweisung,
Archir fiir die civilistische Praxis, 126, 288). O direito do acreditado supôe a existência, a validade e a eficácia
da confirmação. Se o adimplemento foi feito, por acordo, por meio diferente daquele que resultaria do
acreditivo e da confirmação, são de mister a existência, a validade e a eficácia dêsse acordo.
Quando o futuro prestador acreditivo confirma, vincula-se abstratamente, sem que se ressalve, implicitamente,
qualquer caso de invalidade, ou de ineficácia do negócio jurídico, que até mesmo pode não ter existido, entre o
acreditante e o futuro prestador acreditivo.
No tocante ao negócio jurídico do acreditivo, que é unilateral e dirigido ao acreditado, a confirmação supóe que
êle exista, valha e seja eficaz. (Nada tem com qualquer relação jurídica, de outra origem, entre a pessoa que se
fêz acreditante e a pessoa que foi acreditada.) O futuro prestador acreditivo, ao confirmar, examinou, ou
confirmou com a reserva de serem-lhe mestrados, depois, os documentos. Se essa reserva não houve, a
confirmação vinculou o futuro prestador acreditivo, que se antecipou ao exame. Por outro lado, nulidades e
anulabilidades, ou mesmo inexistência e ineficácia, que êle podia ver e não viu, não as pode opor o futuro
prestador acreditivo. Se, por exemplo, o empregado bancário do acreditante, que assinou o acreditivo, não tinha
Poderes de órgão ou de representante, nem se pode dizer que a confirmação seja sempre atingida (e. g., CARLO
FOLCO, Ii Credito. confennato cli banca, 180), nem que o não seja (A. LÉGAL, te Crédit cmifirmé en pays
étranger, 49). Mesmo porque pode vir à tona a má fé com que obrou o acreditado.
Em tudo isso, cumpre não se confundir com o acreditivo qualquer outro negócio jurídico que exista ou possa
existir entre as pessoas que se apontam como acreditante, acreditada e futuro prestador acreditivo. A
abstratividade também ocorre com a confirmação, que não se há de confundir com qualquer negócio jurídico
que exista, ou possa existir, entre o acreditante e o prestador acreditivo.
A relação jurídica entre o acreditante e o futuro prestador acreditivo pode não existir. Ocorre algo que se
assemelha ao saque chéquico sem fundos.
Se se descobre que a quantidade ou o pêso ou a qualidade da mercadoria, que consta do conhecimento e da
fatura, não é o que em verdade tem a mercadoria expedida, nada tem com isso o prestador acreditivo, quer já
tenha confirmado, quer já tenha prestado (Bank of Plants City v. Canal-Commercial Trust & Savings Bank, 270
Fed. 477, 1921; Leman Importing Co. 1’. Garfield Savings Bank, 105 Mix. 627, 173
N.Y., Supp. 551, 1919; WILLIAM E. Mc CURDY, Commercial Letters of credit, Harvard taw Review, 37, 737).
Nenhuma repercussão tem na relação jurídica que se estabeleceu entre o acreditante e o prestador acreditivo o
fato de haver o acreditante exercido pretensão à resolução do contrato entre êle e o acreditado por demora na
entrega da mercadoria (Frey & Son v. E. E. Sheburne Co. and National City Bank, 193 App. Div. 849, 184 N. Y.
Supp. 661, 1920).
Perante o acreditado, antes da confirmação do acreditivo, nenhuma vinculação há do futuro prestador
acreditivo, de modo que é sem pertinência a questão de poder o futuro prestador acreditivo deixar de confirmar
o acreditivo por estar de má fé o acreditado, a despeito da regularidade aparente dos documentos. A evidência
de má fé há de ser alegada ao acreditante, para que o acreditante não repute infração do dever de atendimento
que acaso tenha o futuro prestador acreditivo. Nem êsse pode opor a má fé, por parte do acreditado em relação
ao acreditante, se não ressalta nem pode ser nociva a êsse; nem cabe ser responsabilizado se a má fé não consta
do exame dos documentos e de fatos que êle, acreditado, dever-ia conhecer (A. LÉGÂL, te Crédit eonfirrné eu
pays étranger, 53; EuCEN ULMER, Akkreditiv und Anweisung, Archiv f’iir cite Ú?vilistisehe Praxis, 126,
294).

6.SUBSTITUIÇÃO DO FUTURO PRESTADOR ACREDITIvO. Para que o futuro prestador acreditivo possa
indicar substituto no mesmo lugar, ou alhures, é preciso que tenha sido outorgado tal poder, expressa ou
tàcitamente. Se o acreditivo cogitou de lugar em que o futuro prestador acreditivo não tem sucursal ou agência,
implicitamente foi permitida a substituição. Se o acreditivo determinou quem substituiria e o futuro prestador
acreditivo apontou outra pessoa física ou outra pessoa jurídica, a substituIção é a risco do que fôra
irregularmente substituído. Pode ser inserta a cláusula de responsabilidade do futuro prestador acreditivo,

MÚTUO
qualquer que seja a pessoa que o substitua.
Perante o acreditante, o substituto de quem teria sido o prestador acreditivo responde pelo inatendimento ou
mau atendimento da incumbência. Não há solidariedade da ação contra o substituto e da ação contra o
substituído: são ações diferentes, pois uma se liga à pretensão que houvesse de ter o acreditante ao atendimento
pelo futuro prestador acreditivo; e a outra somente pode nascer no adimplemento ruim. quase assim,
GEORGES MARAIS (Du Crédit documentaire, 243). Porém o acreditante não poderia ir contra o substituto se
contra êle, com o mesmo fundamento, não pudesse ir quem se fêz substituir.

7.TRANSFERÉNCIA DOS DIREITOS ORIUNDOS DA CONFIRMAÇAO. Primeiramente, havemos de


distinguir os direitos que se irradiam da confirmação e os direitos que podem resultar de algum ato jurídico
lícito ou ilícito ligado ao adimplemento (e. g., em vez de prestar pecúnia, o prestador acreditivo entregou titulo
de crédito).
O acreditivo confirmado é cessível, salvo cláusula em contrário. Se o prestador acreditivo se vinculou em titulo
cambiário ou cambiariforme, entende-se que solveu a divida, pois que sobreveio título abstrato, mas é de
admitir-se a cláusula de ter sido apenas adiado o pagamento.
Se o acreditado endossou o titulo de crédito endossável, ou transferiu a propriedade e a posse do titulo de
crédito ao portador, antes de ter sido aceito pelo prestador acreditivo ou antes de ter havido confirmação, o
adquirente corre o risco de não haver a confirmação.
Se o acreditivo é documentário, a transferência tem de s5er com os documentos, ou sem êles, se consente o
acreditante (cf. GEORGES MARAIS, 11h Crédit confirmé en mxttiÉ~re docuntentaí’re, 26).
Se, em vez de ceder o crédito, ou de transferir a posse e a propriedade do titulo de crédito, o beneficiado faz
nova operação de crédito, a segunda operação de ordinário tem o mesmo têrmo que a primeira, pôsto que haja
diferença no tocante ao preço (li. GAFNER, Dws DocumeflteflO~kkVed%tiv, 77).

§ 4.648. Prazo
1.ACREDITIVO E NEGOCIO JURÍDICO CAUSAL. O prazo para se exercer o direito oriundo do acreditivo,
direito que se exerce com a apresentação do documento ou dos documentos, é o prazo para o pagamento a que
o negócio jurídico causal se reiere, porque a prestação por eficácia do acreditivo é satisfatória da dívida oriunda
daquele negócio jurídico provavelmente causal.
Os arts. 960, L~ e 2•a alíneas, do Código Civil são invocáveis. Assim, pode ser necessária a interpefri$o. Pela
falta de quem deveria ser o prestador acreditivo, responde o acreditante, porque o acreditivo foi meio para o
adimpleifleilto da obrigação do acreditante (H. LEHMANN, Ha’ndel und Gewerbe, 220;, REICRARDT, Das
Akkreditiv, Zeitschnft fúr das gesamte Handeisreeht, 88, 7).

2. RELAÇÃO JURÍDICA ENTRE ACREDITANTE E FUTURO PRESTADOR ACREDITIVO. O momento


em que o futuro prestador acreditivo tem de prestar é aquêle a que se vinculou. Não se vinculou perante o
acreditado, enquanto não confirma o acreditivo. Se, no negócio jurídico causal entre êle e o acreditante, foi
marcado o momento a e, no negócio jurídico acreditivo entre o acreditante e o acreditado, há data ou cláusula
divergente, o futuro prestador acreditivo só está vinculado conforme o negócio jurídico que haja entre êle e o
acreditante, e não conforme o negócio jurídico cansai entre o acreditado e o acreditante, em que se insere a
cláusula de acreditivo, ou a que se adjecta o pacto de acreditivo.
Se, apresentado o instrumento ou documento ou apresentados os documentos pelo acreditado, ao futuro
prestador acreditivo, êsse confirma, há a vinculação ao acreditado, mesmo que outra tenha sido a determinação
de tempo no negócio jurídico entre êle e o acreditante. Se o momento, no negócio jurídico com o acreditante,
era posterior, honrou êsse o acreditivo sem estar vinculado a isso. Se anterior, só não incorreria em mora,
recusando a confirmação, se fosse de inter pretar-se que transcorrera o tempo em que o futuro prestador
acreditivo devia atender ao acreditado.

§ 4.649. Forma

1.ACREDITIVO E NEGOCIOS JURÍDICOS SUBJACENTES.

O contrato de compra~e-venlda, ou outro contrato, de que exsurja divida que se há de solver mediante
acreditivo, está sujeito às regras jurídicas de forma que a espécie de contrato exige. Mas isso de modo nenhum

MÚTUO
atinge o acreditivo, quer na relação jurídica entre o acreditante e o acreditado, quer na relação jurídica entre o
prestador acrediti’vo e o acreditado.
As fórmulas mais usadas são: “sendo banco acreditivo C”, “pagamento contra acreditivo”, “caixa contra
acreditivo”, “Solução por acreditivo”, “acreditado o preço no banco C”, “acreditivo contra conhecimentos’,
“acreditado contra os documentos necessários”. Não é exigida a expressão “acreditivo”, mas é recomendável,
para não se confundir o acreditivo com outros meios de pagamento.

2.CLÁUSULA OU PACTO. O acreditivo impõe-Se ou com a inserção de cláusula em contrato, do qual resulta
relação jurídica de valuta (e. g., compra~e-venda, empreitada, locação de serviços, locação de coisas), ou com
pacto, que pode ter sido anterior, e até para quaisquer operações entre o~ figurantes, simultâneo ou imediato ao
contrato de que emana a divida que o acreditante tem de solver, ou com pacto posterior, adjecto ou não.
Nos contratos de compra~e-venda e noutros contratos, para segurança do vendedor ou de algum outro
outorgante, costuma-Se convencionar que o comprador ou outro outorgado há de apresentar acreditivo escrito
do seu banco, ou mesmo acreditivo já confirmado pelo futuro prestador acreditivo
(3.WIEFELS, isiandelsretht, II, 86Y-89Y ed., 78).

3.MANIFESTAÇÕES DE VONTADE EM ÂNGULO. À Manisfestação de vontade entre o acreditante e o


acreditado não se exige forma especial. Bem assim, à manifestação de vontade de quem promete prestar, do
prestador acreditivo, quase sempre banco. A chamada “confirmação” é manifestação unilateral de vontade. O
crédito documentário fica confirmado: o futuro prestador acreditivo assumiu a dívida.
Entre o acreditante e o acreditado existe relação jurídica, a que se liga a cláusula de acreditivo ou mesmo o
pacto adjecto de acreditivo. Quase sempre, o negócio jurídico, de que ela se irradia, é o contrato de compra-e-
venda. Mas aparece nas locações de serviços, nas empreitadas e noutros contratos bilaterais, ou unilaterais (e.
g., doação de crédito). Embora parecidos, a cláusula e o pacto adjecto não se podem confundir com a cláusula
ou o pacto adjecto “caixa contra documento”, ou com a cláusula ou o pacto adjecto de aceite de letra de câmbio
a um mês, dois ou mais meses.

4.REVOGABILIDADE E IRREVOGABILIDADE. A questão da revogabilidade do acreditivo tem sido mal


posta. Pensa-se na relação jurídica entre o acreditante e o futuro prestador acreditivo, como se essa linha fizesse
parte da figura do acreditivo. O acreditivo chega ao futuro prestador acreditivo, passando, antes, pelo
acreditado. Na assinação é que o caminho é diferente (assinante, assinado, assinatário). Nas linhas que
perfazem o ângulo do acreditivo, não há revogabilidade: se já se traçou a primeira (acreditante, acreditado), à
desconstituíção não se pode chamar revogação; se já se completou a segunda, com a confirmação ou a
honoração, não há falar-se de revogabilidade. Antes da confirmação ou da honoração, o acreditado pode retirar
o seu ato de apresentação, que seria provocar a manifestação unilateral de vontade do prestador.
No negócio jurídico de que se irradia a relação jurídica entre o acreditante e o prestador acreditivo de ordinário,
banco pode haver revogabilidade, e pode não haver. Mas essa relação jurídica, que pode não existir ao tempo
da honoração, é estranha à figura do acreditivo. Evidentemente, tal revogabilidade cessaria se já houvesse
ocorrido confirmação. Com a confirmação, como com a honoração, o ângulo se perfaz.
O negócio jurídico entre o acreditante e o futuro presta-dor acreditivo pode não ter existido. Se existiu e existe,
trata-se de negócio jurídico a favor de terceiro, ou de estipulação
a favor de terceiro, inserta, como cláusula, em algum negócio jurídico. Porque não atenderam a êsses pontos,
principalmente não consideraram a extraneidade da relação jurídica entre e acreditante e o futuro prestador
acreditivo, no tocante àfigura do acreditivo, foi que REICBARDT (Das Akkreditiv, Zeitsckrift liii- das gesamte
Handelsrecht, 88, 23) viu sempre o contrato a favor de terceiro, JAOOBSOHN (Der Kauf gegen
Bankakkreditiv, Gruehots BeitrÉlge, 66, 24 s.) somente o admifiu no acreditivo revogável, e SIPPELL
(Pfandungen von Gutlhaben, auf denen Akkreditive laufen, Bankarchiv, 19, 96) só-mente no acreditivo
confirmado.
(Falamos acima de ângulo. O assunto merece esclarecimento que afaste, de antemão, quaisquer suposiçóes de
ver em ângulo o negócio jurídico do acreditivo. O negócio jurídico do acreditivo é em linha reta, que vai do
acreditante ao acreditado, a favor de quem se irradia a eficácia do acreditivo. A confirmação, da parte do futuro
prestador acreditivo, é outro negócio jurídico, com que se atende à acreditação.)

5.“CONFIRMAÇÃO”, NEGÓCIO JURÍDICO UNILATERAL.

MÚTUO
O chamado “crédito livre”, ou “crédito simples” (unconífirmed credit, crédit non confirmé), não é acreditivo.
Para que se eficacize o acreditivo, é preciso que haja a manifestação unilateral de vontade que é a de prestar o
quanto ou o que se acordou, desde logo, ou depois. Supôe-se não é necessário que tenha existido e exista
relação jurídica entre o acreditante e o prestador. A confirmação afirma que o acreditado pode contar com o que
o acreditante lhe prometeu (mesmo se o prestador apenas só o faz por deferência ao acreditante, como
aconteceria se respeitasse cheque sem fundos) : afirma ctnn o acreditante; o acreditante afirmou, êle confirma.
Seria melhor outro nome, mas êsse se universalizou. No direito, a confirmação ora é ato jurídico stricto sensu,
comunicação de conhecimento; ora é negócio jurídico (cf. Tomos II, § 287, 2; IV, §§ 379, 2, 8, e 450, 2; V, §
544; XXV, § 8.021, 1; XXXVI, § 4.083, 2, 3; XXXVIII, § 4.196, 2).
Na linguagem de alguns povos há a expressão “crédito confirmado”. Verdade é, porém, que tem ela o defeito de
ser alusiva ao negócio jurídico ou ao direito, efeito dêsse, depois de estar iniciado o seu cumprimento. O
negócio jurídico, se tem no acreditivo, é confirmável: se o futuro prestador acreditivo o confirma, há crédito
confirmado; se o não confirma, o crédito é não-confirmado; confirmado, ou não, o acreditivo, negócio jurídico,
existiu.
A forma da confirmação pode ser em instrumento público, ou particular, ou em simples papeleta ou assinatura
no instrumento do acreditivo e nos documentos, ou mesmo por telefone ou telégrafo.
No acreditivo, a “confirmação” é negócio jurídico unilateral, contém manifestação de vontade, de modo que
não se pode apurar a verdade de comunicação de conhecimento. Mesmo se o acreditante mentiu, e com êle o
prestador acreditivo, a confirmação existe, vale e é eficaz.
A Confirmação é o que mais acontece, mas pode o ato do prestador acreditivo ser, desde logo, confirmação e
acreditação , palavra que preferimos, na espécie, a honorificação.
A manifestação unilateral de vontade do prestador dá ensejo a negócio jurídico abstrato. As manifestações de
vontade do acreditante e do acreditado entram no mundo jurídico como negócio jurídico quase sempre causal.
A relação jurídica derivada da confirmação é abstrata. O exame, que tem o prestador acreditivo, dos
documentos de modo nenhum torna com elementos causais a relação jurídica.
Feita a confirmação, que é em manifestação unilateral, receptícia, de vontade, não pode haver revogação,
mesmo se revogável era entre acreditante e acreditado o acreditivo. Confirmação, Bestãtigung, é o têrmo
empregado na doutrina do acreditivo. Nas Regras e Usos uniformes relativos aos Créditos documentários
(Câmara de Comércio Internacional, Lisboa, 1951>, art. 2, diz-se que o crédito (documentário) pode ser aberto
sob a forma de crédito revogável ou de crédito irrevogável; e no art. 5 chama-se crédito irrevogável àquele que
contém vinculação firme do banco, o que supõe confirmação prévia.
A confirmação pode ser confirmação prévia, isto é, antes de poder ser apresentado o acreditivo para que o
futuro prestador acreditivo confirme ou (confirme e) pague. Pode ser no momento em que se exerce o direito à
apresentação. Então é a confirmação imediata à apresentação .

Quer tenha havido confirmação prévia, quer a confirmação tenha sido confirmação à apresentação, a
irrevogabilidade, do lado do futuro prestador acreditivo, está estabelecida.
Quaisquer obscuridades ou omissões que decorram da redação que o futuro prestador acreditivo deu à
confirmação do acreditivo, interpretam-se com êsse (HANS WÚRDINCER, Kom-’mentar zum
Handelsgesetzbuck, IV, 2a ed., 180>.
A confirmação e a honoroção não são aceitação de oferta contratual, muito embora se sustente isso (e. g.,
REICHARDT,. Das Akkreditiv, Zeitschrift fiir das gesamte Handetsrecht, 88, 53; EUGEN ULMER, Akkreditiv
und Anweisung, Árchiv fdr die: civilistische Prazis, 126, 286). A apresentação ao futuro prea tador, que talvez
apenas pague com o dinheiro do acreditani e, depositado no seu cofre, não é oferta: nem do acreditante, através
do acreditado, nem dêsse. Dai ser de repelir-se a solução da doutrina alemã que exige a forma escrita e que até
mesmo tenta afastar a invocabilidade do § 350 do Código Comercial alemão.
Se, em vez do pagamento simples, tem de haver antes a confirmação, para depois se prestar, depende do
negócio jurídico unilateral, que está diante do prestador. Se tem de aceitar letra de câmbio, ou de avalizar, ou
de endossar, a forma escrita é exigida.
A abstração da manifestação unilateral de vontade impõe que se indague do que se passou antes,
simultâneamente ou após a confirmação, entre o acreditante e o prestador. Se houve endôsso, nas relações entre
o acreditado e o prestador, êsse não pode exigir daquele, em regresso, que lhe preste o que o acreditante deixou
de prestar. Aí, o acreditivo é exceção oponívei ao endossante, pelo endossatário prestador.
A confirmação do acreditivo é algo como o aceite da letra de câmbio ou da duplicata mercantil. Não se poderia,

MÚTUO
no estado atual da ciência do direito, considerar o saque e o aceite como elementos do mesmo negócio jurídico.
A unidade está no instrumento, na cártula cambiária, ou cambiariforme. O saque e o aceite são dois negócios
jurídicos unilaterais, que se escrevem no título cambiário ou cambiariforme. Dá-se o mesmo com o acreditivo,
que é entre o acreditante e o acreditado. A êsse pode sobrevir, ou não, a confirmação ou (a confirmação) e a
hono ração. De qualquer modo, há outro negócio jurídico.

As obscuridades, as resistências e até a hostil cegueira diante dos negócios jurídicos unilaterais também se
haviam de observar a respeito da assinação e do acreditivo. Longo tempo teve de passar para que os juristas de
alguns Estados considerassem unilaterais os próprios negócios jurídicos que inserem na letra de câmbio e na
nota promissória. Compreende-se que se passe o mesmo a propósito de outros institutos.

CAPÍTULO III

EFICÁCIA DO ACREDITIVO

§ 4.650. Relações jurídicas acreditivas

1.IRRADIAÇÃO DE EFICÁCIA. A irradiação de eficácia do acreditivo tem duas fontes: o negócio jurídico
acreditivo entre o acreditante e o acreditado e o negócio jurídico unilateral, recepticio, que resulta da
confirmação pelo prestador acreditivo. Raramente, à apresentação ao futuro prestador acreditivo, nasce dívida
que se tenha de adimplir depois; o pagamento é ato-fato jurídico, envolvido pela manifestação unilateral,
receptícia, de vontade, no plano conceptual imediatamente seguida daquele e, no plano prático, simultânea a
êsse, razão por que não se vê.

2.RELAÇÃO JURÍDICA ENTRE O ACREDITANTE E O ACREDITADO. Quase sempre, o acreditivo resulta


de cláusula inserta em contrato de cumpra-e-venda; às vézes, de empreitada ou de locação de serviços, e menos
freqúentemente noutros contratos, O acreditivo pode decorrer de acordo à parte, prévio ou adjecto, ou posterior,
solutionis causa. Basta que se diga que terceiro será o prestador acreditivo, para que esteja pactado o negócio
jurídico acreditivo.

A cláusula, ou o acordo, de que a prestação futura se há de fazer por meio de acreditivo, de modo nenhum já é
acreditivo. Se entre a cláusula ou o acordo e o acreditivo teve o promitente de pedir a banco que faça a
operação, não passa o banco a ser o acreditante: a função bancária é só operadonal; o negócio jurídico entre o
futuro acreditado e o banco é outro negócio jurídico, que fica entre o negócio jurídico em que se inseriu a
cláusula e o negócio jurídico do acreditivo, ou entre o acordo e o negócio jurídico do acreditivo.

3.ACREDITIvo E FRESTAÇÂO ACREDITIVA. A constituição do acreditivo não é pagamento, pôsto que se


possa estipular que o seja. Na dúvida, tem-se como meio para pagamento (cf. KARL HERMANN CAPELLE,
Das AkkreditivgescMft, 49;
A.ROCE, Ra’nken und Bankgeschãfte, 285). O acreditado permanece com a pretensão contra o acreditante até
que seja pago, com os interêsses e indenizações, se houve mora. A mora do prestador acreditivo é mora do
acreditante, cabendo ao acreditado ir contra êsse.
De ordinário, o acreditivo é negócio jurídico (Fixgeschãft), isto é, negócio jurídico em que se afasta qualquer
adimplemento após o prazo ou prazos determinados (Tomos XXIII, §§ 2.772, 6; 2.795, 6; 2.800, 3; 2.809, 9;
2.811, 3; XXV, § 3.090; e XXVI, § 3.102, 4). Cf. SCHLEGEL ERGER HEFERMEHL (Se fliegelberger
Handelsgesetzbnch, III, 3.~ ed., 1573). Se não foi afastado, in casu ser negócio jurídico fixo o acreditivo,
durante o tempo da mora há alternatividade subjectiva para a açao
Durante a mora do prestador acreditivo, enquanto não é satisfeito crédito do acreditado, pode êle exigir o
crédito conforme a relação jurídica entre êle e o acreditante.
Se o acreditado admitiu a confirmação e prazo de graça, ou outro prazo, tem-se por liberado o acreditante.
O que de ordinário acontece é que o acreditivo tenha por fito a solução de divida do acreditante ao acreditado; e
por simplificação é disso que se há de falar. Mas pode ocorrer:
a) Não ser devedor o acreditante, mas sim terceiro, interessado ou não, que quer que se pague ao acreditado.

MÚTUO
b) Querer o acreditante, que não deve ao acreditado, que por êle se preste ao acreditado, em negócio jurídico
gratuito, ou para que o acreditado fique a dever ao acreditante aquilo que receber.

4. TRANSFERENCIA DE DIREITOS . A transferibilidade do crédito acreditivo (crédito contra o acreditante)


pode ocorrer segundo os princípios jurídicos, isto é, se cabe e como se opera. A transferibilidade da passividade,
essa, é de afastar-se, salvo se há substituição do prestador acreditivo, o que depende de nôvo negócio jurídico
entre o acreditante e o acreditado, se ainda não há a relação jurídica entre acreditado e futuro prestador
acreditivo; ou de nôvo negócio jurídico entre o acreditado e o prestador acreditivo, se a relação jurídica entre
êles já se estabeleceu. Cf. WOLFF (Das Akkreditiv, Juristisefle Wochenschrift, 51, 174).

§ 4.651. Deveres do prestador acreditivo


ii
1. EXAME DOS DEVERES. a) O futuro prestador acreditivo, antes ou no momento da apresentação do
acreditivo, ou da comunicação que dêle se lhe deu, tem interêsse em que a promessa do acreditante, feita ao
acreditado, seja adimplida. De ordinário, além da significação que isso possa ter nas relações entre êle e o
acreditante, recebeu ou recebe êle a comissão pelo serviço que admitiu lhe tocasse, ou atende, simplesmente, à
consideração especial que lhe merece o acreditante (honoração do acreditivo, se só falamos de confirmação em
sentido estrito).
Se existe dever de prestar ao acreditado, é questão a que não se responde a priori, e não depende do negócio
jurídico acreditivo.
No momento em que o assinado aceita é que fica vinculado ao assinatário. Também no acreditivo, não é no
momento em que o futuro prestador acreditivo se vincula perante o acreditante (relação jurídica estranha ao
acreditivo, embora a êle se refira), mas sim naquele em que lança a confirmação.
Após o aceite da assinação, como após a confirmação do acreditivo, não importa que tenha sido decretada a
nulidade, a anulação, a resolução, a rescisão, nem qualquer exceção oriunda do negócio jurídico causal entre
assinante e assinatário, ou entre acreditante e acreditado (3. STOUFFLET, Lo Crêdit documenta.ire, n. 384).
b) Após a confirmação em senso lato, isto é, incluídos os casos de honra ao saque, há o dever de adimplir, que
pode ser com obrigação imediata (confirma e paga, ou, pagando, confirma). Mas Osse dever nada tem com a
relação jurídica que possa existir entre o acreditante e o futuro prestador acreditive: nasce do ato de
confirmação, negócio jurídico unilateral.

(A propósito da confirmação, cumpre que se advirta: se o futuro prestador acreditivo somente quer honrar o
acreditivo, como o banco que honra o cheque sem fundo, a expressão “confirmação” está em senso largo e
usual. O futuro prestador acreditivo confirma, porque a sua manifestação unilateral de vontade é de vincular-se,
nos têrmos do acreditivo. Mas confirmar, aí, não é dizer que o acreditante podia emitir o acreditivo.)
c) É de discutir-se se o futuro prestador acreditivo ou o prestador acreditivo, que já atendeu ao acreditado, tem o
dever de comunicar ao acreditante que não vai confirmar, ou que não confirmou, ou que confirmou o acreditivo.
Afirmativamente, em quaisquer casos, KARL HERMANN CAPELLE (Das Akkreditivgeschtift, 58), e EUGEN
ULMER (Akkreditiv und Anweisung, Arehiv fiir die civilistische Praxis, 126, 280). Não está certo, salvo se há
rega jurídica que crie tal dever, o que ocorre com o regulamento alemão dos acreditivos e não no Brasil e
noutros Estados. Fora daí, o dever somente pode resultar da relação jurídica que exista entre o acreditante e o
acreditado, estranha ao acreditivo.
O banco, ou outro prestador acreditivo, tem o dever de verificar os documentos exigíveis. O estarem em ordem
e regularidade constitui pressuposto necessário para que confirme e pague, ou somente confirme. Os requisitos
são os de atendibilidade conforme o exterior, e não os do conteúdo não aparente dos documentos.
Salvo o que em contrário resulte da relação jurídica entre o acreditante e o prestador, êsse tem direito às
despesas que a confirmação e o adimplemento acarretaram. O art. 1.809 do Código Civil é invocável; bem
assim são invocáveis o art. 1.810 e o art. 1.312.
O prazo para o acreditado é de ter-se também como prazo para o pagamento, salvo se foi disposto diferente no
acreditivo (STUMMER, Das Rankakkreditiv naeh deutschem Recta, 64>. Os documentos somente podem ser
entregues se o pagam~nto se faz dentro do prazo. Se houve honoração posterior (aí, não mais se poderia falar de
confirmação em senso próprio), o acreditante não fica vinculado, salvo acordo anterior, simultâneo ou posterior.

MÚTUO
2.REMESSA E ENTREGA DOS DOCUMENTOS. A remessa ou apresentação dos documentos ao prestador
acreditivo im porta oferta para tradição (oferta, ou acordo de transmissão). Os problemas quanto à propriedade
e a posse própria são problemas que se têm de resolver entre o acreditante e o prestador acreditivo, conforme a
relação jurídica entre êles, relação jurídica, frisemos sempre, estranha ao acreditivo. A posse quo o acreditado
oferece é a posse plena. Não lhe fica qualquer posse. O prestador recebe a posse plena. Como se distribuem
entre êle e o acreditante as posses depende do que se há esta.belecido, ou se estabelece entre êles. De ordinário,
a proprie dade e a posse própria, mediata, vão ao acreditante; ao pres tador fica a posse imprópria, mediata.
Se o acreditivo foi usado para se prestar aluguer, ou qualquer pagamento de divida que não seja de aquisição
der propriedade e posse própria, a posse imprópria é de regra adquirida pelo acreditante, ficando como
possuidor impróprio imediato, até que entregue o bem ao acreditante, o prestador. acreditivo, a que foi feita a
tradição.
Se o prestador recusa a confirmação ou honoração, tem de restituir ao acreditado os documentos, porque houve
a oferta de acordo de transmissão e não houve a aceitação, o que somente pode ocorrer se há confirmação ou
honoração. De modo nenhum, pode guardá-los, ou remetê-los ao acreditante. Se há crime, cujo corpo de delito
está nos documentos, isso não justifica a retenção, pôsto que deva o prestador acreditivo, que se recusa a
prestar, comunicar à polícia.

8. DEVERES QUANTO AOS DOCUMENTOS. O prestador,. ao prestar, tem de examinar os documentos.


Nenhum dever de velamento, de cuidado e de fiscalização tem êle se os documentos estão em ordem e
nenhuma discordância há em que se contratou entre acreditante e acreditado e os documentos. Por exemplo:
nada tem êle com ser de diferentes qualidades a mercadoria (EUOEN ULMER, Akkreditiv und Anweisung,
Arch.iv fitr die civilistisehe Prazis, 126, 281), ou com os defeitos da mercadoria (vícios do objeto).
Quanto aos documentos, o prestador tem de examiná-los’ conforme as instruções, os têrmos do acreditivo e os
usos. As rasuras, as emendas e acréscimos marginais ou intercalares. não podem, em circunstâncias regulares,
permitir a recusa de confirmação. Os princípios são os comuns.

O acreditado tem o ônus de provar que houve alterações nos dados concernentes ao negócio jurídico entre êle e
o acreditante, inclusive no tocante ao acreditivo (e. g., diferença ou alterações quanto ao meio de transporte, ou
quanto ao seguro, ou quanto ao enderêço).
O prestador pode afastar-se das instruções que tenha recebido do acreditante (instruções que concernem ao
acreditivo, sem fazerem parte dêle) e dos próprios têrmos do acreditivo, se é de supor-se que, se conhecesse as
circunstâncias, o acreditante teria retificado as instruções ou os têrmos do acreditivo; se é de supor-se que, se
conhecesse as circunstâncias, teria de haver comunicação prévia, o futuro prestador acreditive tem obrigação de
fazê-la.
Quanto à verônde e completitude dos documentos, a responsabilidade do prestador concerne às instruções, ou
aos térinos do acreditivo, conforme o art. 1.800 do Código Civil. No tlireito alemão, alude à falta de regra
jurídica ALFRED JÂCOBY (Das Akkreditiv, Rankarekiv, 20, 265) ; à negligência grave referem-se
JACOBSOHN (Der Kauf gegen Bankakkreditiv, Gruckots Beitrdge, 66, 41) e STUMMER <Das
Bankakkreditiv naeh deutscheni Recht, 54).
Oprimeiro cuidado do futuro prestador acreditivo há de ser o de exigir a legitimação formal do acreditado. Não
importa se é êle que vai ao acreditado (o que supõe saber quem seja), ou se é o acreditado que o procura para
apresentação do instrumento do acreditivo e dos documentos.
As indicações da mercadoria hão de ser as do conhecimento e as da apólice de seguro, bem como de quaisquer
documentos de que devam constar. A data do conhecimento tem ~de ser a da apólice de seguro, porque, se o
seguro foi posterior, não se sabe se houve sinistro no intervalo. Outrossim, é de relêvo saber-se se houve seguro
do lugar da saída para o veículo (navio, trem, aeronave, ônibus) e do lugar de chexada para o estabelecimento
do acreditante.
(Nas relações entre o acreditante e o banco, que se incumbiu de indicar o prestador acreditivo, a
responsabilidade é contratual e abrange os atos de quaisquer bancos que ao banco substituam.)
Os documentos que o prestador acreditivo há de exigir a quem é legitimado a receber são os que constam do
acreditivo. Se só se fala de documentos de expedição, tem-se de entender exigidos aquêles que são necessários
à expedição.
O acreditado tem de apresentar ao prestador acreditivo os documentos. Ésse tem o dever de os examinar, para
que não sejam outros ou diferentemente compostos, em relação aos de que falou o acreditante, no instrumento

MÚTUO
acreditivo. A sua responsabilidade não vai a ponto de se ter por culpado de não descobrir a falsidade não
aparente e, pois, não descobrível pelo homem de negócios. Se o prestador acreditivo há de responder, tem
contra o acreditado, que apresentou os documentos, a condietio indebiti (REICHARDT, Das Akkreditiv,
Zeitsckrift fui- das gesamte Handelsrecht, 88, 60), ou a ação de indenização por ato ilícito absoluto.
O prestador acreditivo deve exigir estrita observância do que o instrumento do acreditivo menciona ou
implicitamente refere para a prestação, ou aceite de titulo de crédito, se é o caso. Por exemplo: não satisfaz o
documento em que a qualidade atribuida à mercadoria não é a mesma. Se, a respeito, há divergência entre os
documentos, não pode o prestador acreditivo entender que um dêles é o verdadeiro na indicação.
De ordinário, os prestadores acreditivos quase sempre, bancos incluem no contrato que têm com os
acreditantes (contrato, ai, subjacente) a cláusula de não serem responsáveis pela veracidade ou autenticidade
dos documentos. Outrossim, quanto a exigências para os acreditivos telegráficos e telefônicos. Tais cláusulas
não eximem o futuro prestador acreditivo da responsabilidade por dolo ou por negligência grave (EUGEN
ULMER, Akkreditiv und Anweisung, Archív fluidie civiistisebe Praxis, 126, 282; JAOOBSOHN, Der Kauf
gegen Bankakkreditiv, Gruchots Beitráge, 66, 24; STUMMER, Das Ran.kakkreditiv na-eh deutsehen Recite,
54).
Se o banco não cumpre o que tinha de fazer, a sua responsabilidade é a de mandatário retribuído, ou outra
responnbilidade contratual que seja a do seu caso. O que normal diligência teria de ignorar quanto à
autenticidade e validade intrinseca dos documentos não se exige ser visto pelo banco prestador acreditivo. A
falsificação de documentos pode dar ensejo à responsabilidade do prestador acreditivo se houve culpa em não a
notar.
Para garantir-se da exatidão, autenticidade e verificidade dos documentos, mesmo fora da aparência, emprega-
se a carta de garantia bancária, que estabelecimentos bancários especializados expedem.
Nas Regras e Usos uniformes relativos aos créditos documentários da Câmara de Comércio Internacional
(revisão de Lisboa, 1951), art. 12, diz-se: “Les banques ne prennent aucun engagement et n’assuxnent aucune
responsabilité quant à Ia forme, la suffisance, ]‘exactitude, I’authenticité, la falsification, la portée légale
d’aucun document, ni quant à Ia de-signatiou, ]a quantité, le poids, la qualité, les conditions, 1’em-baliage, la
Iivraison ou Ia valeur de Ia merchandise que représentent les documents, ni quant aux conditions générales ou
particuijêres stipulées sur les documents, ni encore quant àla bonne foi et aux actes de 1’expéditeur ou de toute
autre personne, ni quant à la so]vabilité, la réputation, etc., des. transportetzrs ou assureurs de la marchandise”.
Nos Estados Unidos da América é usual a fórmula “docurnents will be examined with care suffícíent to as
certain whether in their face they appear be regular in their general fonns”.
Os bancos inglêses só recebem documentos de seguro se têm instruções a respeito, salvo se coincidem
exatamente com as referências do conhecimento.

4.EFICÁCIA DA CONFIRMAÇÃO. Com a confirmação , o prestador acreditivo assume, perante o alienante,


acreditado, a dívida a que se refere a sua manifestação unilateral de vontade. Passa a ser o devedor, em virtude
de vínculo não suscetível de alteração nem de revogação.
A confirmação é quase sempre feita por meio de carta, ou aviso, ou papeleta. A entrega, pelo correio, ou por
algum serviço, próprio ou alheio, de apresentação de documentos bancários ou comerciais. Isso não obsta a que
se faça pelo telégrafo, ou por telefone; nem seria de admitir-se que a confirmação de acreditivo dirigido a outro
Estado longínquo tivera de ser por meio de carta.
Uma vez que o acreditante e o acreditado convencionaram quanto a quem teria de entregar a prestação e o
terceiro assv.miu o dever de fazê-lo (= dito “confirmou o crédito”), o acreditante não é responsável pelos atos
ulteriores do terceiro, quase sempre banco. Antes da chamada confirmação, manifestação unilateral, receptícia,
de vontade perante o acreditado, nenhum direito, pretensão ou ação tem o acreditado contra o terceiro, futuro
prestador acreditivo.
A manifestação unilateral de vontade do prestador acreditivo pode ser revogada enquanto não chega ao
conhecimento do acreditado. Trata-se de manifestação unilateral, receptieia, de vontade.
Aquêles que têm a relação juridica entre o acreditante e o futuro prestador acreditivo como oriunda de contrato
a favor de terceiro, ou de cláusula a favor de terceiro inserta em algum negócio jurídico, logo encontram diante
de si o argumento de não poder ser invocado pelo acreditado, que af seria o terceiro , o art. 1.098, parágrafo
único, do Código Civil. Ao terceiro, nas estipulações a favor de terceiro, é permitido exigir, desde Iogc, a
prestação, porque lhe nasceu o direito. Ao acreditado, não. Quaisquer que sejam as cláusulas entre o acreditante
e o futuro prestador acreditivo, o direito que pode nascer ao terceiro não nasce do negócio jurídico acreditivo:

MÚTUO
primeiro, porque a relaç5o jurídica entre êles não é elemento estrutural do negócio jurídico acreditivo; segundo,
o direito do acreditado contra o prestador acreditivo somente surge de manifestação unilateral, recepticia, de
vontade, que emite o prestador acreditivo.
Com a confirmação, nasce a dívida do futuro prestador acreditivo, que é independente do que se passe entre o
acreditante e o acreditado. Se êle fêz o pagamento, extingue-se a divida do acreditante, e qualquer
desconstituição da relação juridica entre o acreditante e o acreditado é sem repercussão no tocante ao prestador
acreditivo.
Para que se distraie o negócio jurídico acreditivo, após a confirmação e antes do pagamento, é preciso que os
três figurantes sejam os distraentes (SCHLEGELBERGER-HEFERMEI-IL, Schlegeiberger
Hartdetsgeestzbuch, ~ BY ai, 1569).
Depois de confirmada o acreditívo, está vinculado ao acreditado o prestador acreditivo. E contra êle, somente
sãa oponíveis as objeções e exceções que sejam atinentes à confirmação, ou decorram do conteúdo do
acreditivo ou do conteúdo da confirmação, ou que toquem imediatamente ao prestador acreditivo. Aqui, o
regramento é paralelo ao das objeções e. exceções que pode opor o assinado, sem que isso baste para se
assimilar à assinação o acreditivo.
Com a confirmação, há a relação jurídica entre o presta-dor acreditivo e o acreditado. Nada tem ela com a
relação jurídica ou com as relações jurídicas de valuta entre o acreditante e o acreditado, nem com o que se
passou entre o banco e o acreditante. O vínculo é direto, imediato e autônomo, tal como resulta da carta de
confirmação ou de outro instrumento, inclusive a gravação da conversa telefônica. A autonomia e a abstração da
confirmação têm tôdas as conseqUências; portanto, sem que se possa discutir se havia ou não provisão, se
quanto a isso errara ou fôra vítima de dolo do acreditante o confirmante ou prestador acreditivo. A autonomia
explica que, mesmo se era revogável o acreditivo, após a confirmação não se possa pensar em revogação . Nâo
há falar-se em novação, pôsto que, em atinência à relação jurídica entre o acreditanta (ou o banco que fêz a
operação) e o prestador acreditivo, ou qualquer outra, se trata de outro negócio jurídico, de outra relação
jurídica. A independência é típica, devido à abstratividade. No art. 1 das Regras e Usos uniformes relativos aos.
créditos documentários, a Câmara de Comércio Internacional (Lisboa, 1951) reproduziu, de modo geral, o que é
assente em ciência do direito: “Un crédit documentaire constitue, par sa nature, une opération indépendante du
contrat de vente qui peut en former la base et auquel les banques restent entiêrement étrangêres”. Não se
argumente, porém, que assim ocorre com a confirmação do acreditivo porque é o que se dá com a assínaçio.
Ofuturo prestador acreditivo que confirmou pode objetar a inexistência, a invalidade e>a ineficácia do negócio
jurídico, unilateral, de confirmação. Outrossim, não ser o tempo, lugar
ou modo de pagamento aquêle que se supôe. Pode excepcionar (ius ezoipiendi) de dolo, inclusive tratar-se de
contrabando, extracomercialidade e não-importabilidade ou não-exportabilidade. Tem tôdas as exceções
pessoais contra o acreditado, que é a pessoa em contacto com éle. Mais: quanto ao que seja deficiência de
adimplemento, a julgar-se pelos documentos examinados; ao que seja atinente a alguma relação jurídica entre o
futuro prestador acreditivo e o acreditado (depósito, conta corrente) ; a não ter quem veio receber a legitimaçâa
do confirmatário; e a serem nulos os negócios jurídicos de valuta e de provisão, o que dá ensejo a exceção de
enriquecimento injustificado.

§ 4.652. Problemas concernentes à relaçáo jurídica de valuta

1.RELAÇÂO JURIIDICA DE VALUTA E RFILAÇÂO JURÍDICA DE ÃCREDITrVO. Entre o acreditante e o


acreditado, é de supor-se ter existido contrato, de que se irradiou a relação jurídica de valuta. Nesse contrato, ou
em pacto adjecto, ou se houve simulação de negócio jurídico em simples pacto, está o acreditam ento. A
relação jurídica é outra, muito embora se refira a relação jurídica de valuta, de que resulta dívida que o
acreditivo tem por fito solver. Daí os problemas que tangem com a desconstituição ou alteração do negócio
jurídico de que se irradia a relação jurídica de valuta.
Primeiramente, observemos que, ao ter de confirmar, ou recusar confirmação, o portador acreditivo pode estar
inteira-do da desconstituição do negócio jurídico, a ponto de não mais existir a relação jurídica de valuta. O
prestador acreditivo pode exigir, assim ao acreditante como ao acreditado, a verdade sôbre a desconstitutçâo do
negócio jurídico, a ponto de não mais ser devido o quanto, mediante prova suficiente (e. ei., certidão de decisão
preponderantemente desconstitutiva ou com eficácia desconstitutiva, certidão ou cópia de distrato). Não
importa qual seja a causa de desconstituição (nulidade, anulabilidade, resolução, resilição, rescisão, denúncia,
distrato).

MÚTUO
Temos de afastar que a confirmação seja simples relacionamento do dever da acreditante (sem razão o, RIrrER,
Vem Akkreditiv, Hanseatische Reohtszeitschrift, 1921, 609 s.). Reforça, indiretamente; em si, é manifestação
unilateral de vontade, que vincula. A confirmação não é garantia, de jeito que, por exemplo (Código Civil, art.
1.502), possa o portador opor exceçoes que competiriam ao devedor acreditante. A abstração impede mesmo
que se alegue ilicitude, se essa não foi julgada, com eficácia declarativa (inexistência), ou com eficácia
desconstitutiva (invalidade).
Quanto aos vícios do objeto, é assunto para pleito entre o acreditante e e acreditado, que pode lançar mão, se há
os pressupostos, de medida cautelar para que se deposite o quanto que se há de prestar.
Não se pode confundir com a garantia a vinculação do futuro prestador acreditivo. Está vinculado por negócio
jurídico abstrato.

2.CONSEQUÊNCIAS JURÍDICAS DA ABSTRAÇÃO. O que concerne à natureza e à qualidade do objeto, a


que se refere a relaçào jurídica de valuta, fica fora da apreciação do prestador acreditivo, que só se tem de guiar
pelos documentos e conforme êle “confirmar”.
Deve-se repelir qualquer assimilação do negócio jurídico do prestador acreditivo com o contrato a favor de
terceira, ou e ato do terceiro que presta. A prestação por êle é prestação de terceiro, é prestação própria,
abstrata. O prestador não garantiu, nem garante <sem razão, A. KOCH, Unwiderrufliche Akkreditive und
Akkreditivbestãtigungen, Banirarquiv, 22, 73, e BOES-HARTENPELS, Das Waren- oder
Doltumentenakkreditiv, Di>e Banir, 1922, 726>.
Entre o acreditante e o acreditado, há ou vai haver relação juridica extra-acreditiva (dívida, que o acreditante
quer solver; erédito, que o creditante quer criar, mesmo se real o contrato, e. g., doaçào). O acreditivo é negócio
jurídico unilateral, que supôe essa relação jurídica existente ou futura, mas negócio jurídico abstrato. Abstrato
também é o negócio jurídico da confirmação. A adio venditi, por exemplo, nada tem com a ação que nasce da
confirmação; nem essa com aquela. Todavia, a execução contra o acredítante subordina-se a ter-se feito a
execução contra o futuro prestador acreditivo, que não prestou, ou prestou mal. O acreditante só é devedor
enquanto não se opera a solução. Se sobrevém impossibilidade para o confirmante, não pode o acreditado ir
contra o futuro prestador acreditivo (A. VAN MAELE, Droit bancadre, 258 s.). Após a prestação, quaisquer
questões relativas aos documentos e ao negócio jurídico entre o acreditante e o acreditado só se ligam à relaçAn
jurídica de valuta.
Se o futuro prestador acreditivo já confirmou, o que há de ser prestado, seja bem do acreditante, ou seja crédito,
não rode ser penhorado, nem arrestado, ou por outro modo cautelarmente constrito por parte de credores ou de
outros titulares de direitos contra o acreditante.

8.DIREITO DE RETENÇÃO SOBRE OS DOCUMENTOS E PRIVILEGIO ESPECIAL. O prestador


acreditivo, prestando e recebendo os documentos, toma posse dêsses e, enquanto não se extingue o seu crédito
contra o acreditante (ou o banco que para êsse fêz a operação de acreditivo), ou não os entrega, pela confiança
que lhe inspira o acreditante (ou o banco opendor), tem o direito de retenção. Em virtude do art. 102, § 2.0, III,
do Decreto-lei n. 7.661, de 21 de junho de 1945, privilegio especial. Tal direito de retenção e tal privilégio
especial, incidindo sôbre documentos, recaem sôbre as mercadorias e pertenças que dêles constam.
Não se há de falar de direito de penhor, como fazem alguns juristas. Para que exista o penhor, é preciso que
tenha havido o acordo de constituição entre o acreditante (ou o banco operador, em nome do acreditante> e o
futuro prestador acreditivo, ou quem já prestou. Se não houve tal acordo, cuja ~oferta pode constar do
acreditivo, como cláusula que faz parte de outro negócio juridico, não há cogitar-se de direito de penhor dos
documentos e das mercadorias.
O exercício do direito de retenção e do privilégio é por meio do conhecimento e de outros documentos sem os
quais não se podem retirar as mercadorias. O capitão do navio ou pessoa ~que esteja na mesma situaçâo
jurídica, no tocante às mercadorias, exerce posse imprópria imediata delas, sendo possuidor impróprio mediato,
acima de quem é o capitão ou tem a mesma posição jurídica, o prestador acreditivo, e ao acreditante toca a
posse própria mediata. Ao banco que operou na conelusâu do acreditivo sômente vai a posse mediata das
mercadorias quando o prestador acreditivo lhe enviar os documentos.
Observe-se que o prestador acreditivo, possuidor impróprio mediato das mercadorias, é possuidor impróprio
imediato dos documentos. O capitão ou a pessoa que lhe corresponda tem a posse imprópria imediata das
mercadorias, sem ter qualquer posse dos documentos.
Se o capitão ou a pessoa que lhe corresponde vende as mercadorias, ilegalmente ou para reparações do veículo,

MÚTUO
nos casos em que a lei o permite (e. g., Código Comercial, arts. 515-
-518), o conhecimento e os outros documentos sem os quais não se retirariam as mercadorias perderam a
representatividade quanto a essas e faltam ao prestador acreditivo a posse, o direito de retenção das
mercadorias e o privilégio.
A posse dos documentos que implica posse da mercadoria tem de ser a cada momento. Se ao acreditante (ou ao
banco operador) o prestador acreditivo entrega os documentos, mediante recibo em que se ressalva a posse do
prestador acreditivo (mesmo se apenas se diz “entrega sêmente para a retirada”), há trust recei2ot, “recibo
fiduciário” (RAUL C. FREDERICR, The Trust Receipt as security, Columbia Lau’ Review, 1922,. 395). Ésse
recibo pode ser referido no próprio instrumento do acreditivo, ou dêsse não constar. Se no instrumento do
acreditivo se disse que o prestador acreditivo ficará com os documentos e a posse das mercadorias, até que
receba o importe do que prestou, o recibo com ressalva explícita ou implícita da posse basta. Se se previu a
entrega para a retirada, sem que cesse o direito à posse das mercadorias em virtude dos documentos, o que se há
de entender é que os documentos só foram entregues em confiança, em fidúcia, e o prestador acreditivo
permanece possuidor mediato dos documentos (por mediatização da posse imprópria), e possuidor mediato, que
era, das mercadorias.
As soluções que se deram à questão de ficar interrompida a posse do prestador acreditivo se entregou os
documentos, mesmo contra a entrega do trust receipt, ressentiram-se e ressentem-se dos defeitos do sistema
jurídico em que as opiniões se emitiram e se emitem. No sistema jurídico brasileiro, que abstrai do animus e do
corpus, com a sua teoria da posse, o problema é de fácil e acertada solução. São inadmissíveis as afirmações
obsoletas de CESARE VXiVANTE e outros do seu tempo e, nos nossos dias, de PIERRE MARAIS (Des
Ouvertures de banque de crédits confirmés d non confirmés, 178), CARLO FOLCO~ (17 Credito conferniato
di banca, 216) e tantos outros.
A solução do sistema jurídico brasileiro coincide com a. solução do sistema jurídico inglês (cf. I{rirnEwr
HART, Credits.. Journal o Instituto Rankers, 1922, 217).
No direito dos Estados Unidos da América, afasta-se que haja direito de retenção se se entregou mediante trusi
receipt. Alguns julgados (e. q., New Haven Wire Co. Cases, 57 Conri. 352, 18 AtI. 266, 1888) aludem a
conditional saie, o que seria artificial, tanto mais quanto, a qualquer momento, o prestador acreditivo pode
exigir a entrega das mercadorias. Outros julgados recorrem à figura jurídica do chattel mortgage, hipoteca
mobiliar (Bettman-Johnson Co., C. L. A. 1918, 250 Fed. 657; E. Reebaulin Fils, D. C. 1908, 165 Fed. 245),
cuja eficácia depende de registo. Alguns julgados, no caso do trust receipt, dispensam o registo (cf. RAUL C.
FREDERICK, The Trust Receipt as security, Columbia Law Review, 1922, 402>.
Se o acreditante (ou o banco operador) pôs em armazém da alfândega, ou outro depósito, ou transportou as
mercadorias, o prestador acredítivo continua possuidor impróprio mediato. Desde que êle pague as despesas,
pode retirar as mercadorias, se as poderia retirar se estivessem sob a posse imediata do acreditante (ou do banco
operador).
Se o prestador acreditivo (ou o banco operador) faz despesas ou antecipações, tem pretensão por elas contra o
acreditante ou o banco operador (ou contra o acreditante). Por êsses créditos, tem direito de retenção e
privilégio (por analogia, Código Comercial, art. 156, e Código Civil, art. 1.815;. cf. ANGELO SUAFPA,
Mandato commerciale, Ctnnmentarío ai’ Codice di Commercio, 14). No direito brasileiro, não há difi-.
culdades, porque o direito de retenção pode caber ao titular de posse mediatizada (Tomo XXII, § 1.734, 4).
Para o prestador acreditivo exercer o seu direito sôbre os bens a que se referem os documentos, tem de exigir
judicialmente o pagamento, com a cominação de, não sendo solvida a divida, proceder-se à venda das
mercadorias <cf. Código de Processo Civil, art. 302, XII).
Em todo o caso, se o acreditante, ciente do que lhe comunica o prestador acreditivo, que o pôs em mora, não se
opõe , dentro de prazo razoável, tem-se o seu silêncio como aquiescência.

CAPÍTULO IV

MÚTUO
EXTINÇÃO DA RELAÇÃO JURIDICA DO ACREDITIVO

§ 4.658. Causas de extinção

1.RELAÇÃO JURÍDICA DE VALUTA E RELAÇÃO JURIDICA ACREDITIVA. É preciso que se não


confunda com a extinção da relação jurídica acreditiva a extinção da relação jurídica de valuta. A extinção dessa
reflete-se naquela, se aquela não foi integrada pela confirmação do acreditivo. Se houve a confirmação do
acreditivo, a extinção da dívida de valuta de modo nenhum se reflete na relação jurídica oriunda de
confirmação, pois que se trata de outra dívida, a despeito de sua finalidade, que é a de extinguir pela solução a
dívida do acreditante.
<Mais uma vez frisemos que a referência a “dívida do acreditante” é apenas porque o acreditivo para pagar
dívida do acreditante ao acreditado é o que mais acontece. Pode bem ser que o acreditante queira comprar, ou
cpntrato de locação ou outro contrato com o acreditado e a prestação acompanhe ou seja referida pela oferta
que faz ao acreditado. Talvez seja doação, inclusive presente de festas, ou de aniversário, ou prémio a algum ato
do acreditado. Tudo isso mostra como o acreditivo, negócio jurídico unilateral, abstrato, nada tem com qualquer
relação jurídica subjacente, justajacente ou sobrejacente que haja ou não haja, nem venha a existir entre o
acreditante e o acreditado.)

2.MORTE E SUPERVENIENTE INCAPACIDADE. De regra, nem a morte do acreditante, nem a do


acreditado extinguem a relação jurídica oriunda do acreditivo. A morte e a superveniente incapacidade do futuro
prestador acreditivo, essa, por ser fato concernente a relação jurídica estranha, de modo nenhum atingem o
acreditivo, salvo se foi estabelecido que importariam resolução do negócio jurídico.

3.FALÊNCIA, LIQUIDAÇÃO COATIVA, OU CONCURSO DE CREDORES CIVIL, E ACREDITIVO. Com


a falência do acreditante, ou com a liquidação coativa, ou com o concurso de credores civil, vence-se o crédito
contra o acreditante, pois que aindÀ não está na relação jurídica do acreditivo o futuro prestador acreditivo.
Esse, enquanto não tem conhecimento do que ocorreu, pode solver, porque, por analogia, o art. 1.821 do
Código Civil é invocável. Se ainda havia prazo para a prestação do acreditado, pode o síndico da falência ou o
administrador da massa concursal exercer o que lhe permite o art. 43 do Decreto-lei n. 7.661, de 21 de junho de
1945: o contrato bilateral não se resolve, salvo se o contrário quer o síndico ou o administrador da massa
concursal (Tomo XXVIII, § 3.349).
Se o acreditivo já fôra confirmado antes da decretação de abertura da falência, da liquidação coativa ou do
concurso de credores civil, pão mais se pode cogitar de ser atingido pela decretação o contrato entre o
acreditante e o acreditado (KARL HERMANN CAPELLE, Das Aklcreditivgeschtift, 48).
Se o concurso de credores é quanto ao patrimônio do acreditado, sem se ter prestado o que êsse prometera, ao
síndico ou ao administrador da massa toca atender ao art. 43 do Decreto-lei n. 7.661.
~1’
4. ENUMERAÇÃO DAS CAUSAS DE EXTINÇÃO. O acreditivo extingue-se: a) se revogado antes da
confirmação (com a prestação do prestador acreditivo êle se extinguiria) ; b) se destruído o documento nos
casos em que tal destruição importa que não se possa pensar em nova instrumentação do mesmo acreditivo; c)
pela prestação do prestador acreditivo.

§ 4.654. Análise das causas de extinção

1. REVOGAÇÃO. A revogação do negócio jurídico acreditivo somente pode ocorrer se revogável. Nada tem
com a revogação de qualquer negócio jurídico entre o acreditante e o futuro prestador acreditivo, mesmo se
aquêle assumiu o dever de não revogar o negócio jurídico acreditivo. A revogação seria infração do direito que
nascera ao acreditado.

2.DESTRUIÇÃO DO DOCUMENTO E PERDA SEM RECUPERAÇÃO.


Se o acreditivo depende da existência do documento, isto é, se o acreditado não pode exigir nôvo documento,
nem fazer a prova da existência do acreditivo, extingue-se êle com a destruição do documento ou com a perda
sem recuperação.

MÚTUO
No caso de perda, havendo o acreditado de apresentar a dia certo, ou dentro de prazo o acreditivo, ou se houve
cláusula de, com êle, se extinguir alguma dívida do acreditante, ou ficar feita alguma prestação ao acreditado, o
fato da perda tem de ser comunicado ao acreditante, para que dê outro instrumento. Em tais circunstâncias não
se pode dizer que o acreditivo se extinga com a perda. Tem-se de admitir ação do acreditado para que o
acreditante lhe entregue nôvo instrumento, correndo por conta do acreditado as despesas. A recusa do
acreditante, que teria de prestar mediante o acreditivo, pode ser causa de mora. Sê-lo-á, sempre, se a decisão
final, trânsita em julgado, declarar o direito do acreditado à reinstrumentação do acreditivo.
3.ADIMPLEMENTO PELO PRESTADOR ACEEDITIVO. O prestador acreditivo pode adimplir a sua
promessa de pagamento, inclusa na manifestação unilateral de vontade, que é a confirmação, em estrito senso,
ou com a confirmação: a) de contado; i’) ou com sub-rogado, como a letra de câmbio, o cheque contra outra
praça, ou a mesma, ou o endôsso; e) com aceite de letra de câmbio ou duplicata mercantil; d) com desconto de
título de crédito (aqui, a figura pode aproximar-se do negócio jurídico de reembôlso, ou alterar-se a ponto de
deixar de ser acreditivo). Se não há permissão das soluções b), e) e ti), ou de uma delas, ou de duas delas, o
acreditado pode exigir a solução a). Há inconvenientes em que o prestador endosse a terceiro o título: o
acreditante depositou o que lhe tocava pagar e algum endossatário vem contra êle (KARL OBERPARLErrER,
Das documentdre’ Akkreditiv, 13). Aliás, tudo isso é fato intenw à relação jurídica entre o acredítante e o
prestador, e tal relação jurídica é estranha ao acreditivo, pasto que se refira a êle.
Se o acreditado anuiu em qualquer solução que não fôra a que se impunha no acreditivo, tem-se por solvida a
dívida e concluído negócio jurídico com o prestador.
~A dívida do adquirente ao alienante extingue-se a) com a confirmação, ou b) somente com o pagamento? No
sentido de a), REICRARDT (Das Akkreditiv, Zeitschrift filr das gesamte Handelsrecht, 88, 24). A solução
depende dos fatos, não pode ser a priori, porque pode o acreditado admitir, em vez do pagamento de contado,
titulo de crédito, e tem-se de verificar qual a eficácia que se atribuiu a essa dação. Mas confirmação sem outro
ato não é solução.
Confirmar não é solver. No acreditivo, é assunção de dívida. O futuro prestador acreditivo, confirmando, faz-se
devedor. O acreditante não prometeu confirmação. Prometeu confirmação e adimplemento (honoração).
Quando o futuro prestador acreditivo confirmou, fêz-se devedor. Há duas dívidas: uma, do acreditante; outra,
do futuro prestador acreditivo, que confirmou. Não há solidariedade entre essas dividas. A pretensão do
acreditado contra o acreditante, desde o momento em que o futuro prestador acreditivo confirmou, fica
dependente de êsse não cumprir o que unilateralmente prometeu. Cf. GEORGES JANSSEN (Le Crédit
confirmé en France et en Bel giqate, 156). O devedor tomou o caminho de solver mediante o acreditivo, que é
dispendioso. A vantagem, que tem, é a de não estar obrigado pela divida enquanto o prestador acreditivo não
incorra em mora e não deixe de adimplir. O acreditado tem de ir primeiro contra o confirmante; depois, sim, vai
contra o acreditante. É o que acontece, por exemplo, se, entre a confirmação e a honoração, ao prestador
acreditivo édecretada a abertura da falência ou outra medida para a insolvabilidade. Se o acreditivo permitia ou
só se referia a aceite ou outra assunção de dívida e o acreditado endossa o titulo de crédito, vindo contra êle o
endossatário, responde o pres tador acreditivo, ou, após, o acreditante (cf. QUARANTOrFI, L’Apertura di
credito documentado, Rivista dei Diritto commerciale, 1920, II, 513).
Na honoração mediante prestação de contado, o prestador acreditivo confirma e solve. A instantaneidade, aqui
como em outros ensejos, faz pensar-se em que há honoração sem ter havido confirmação. Ora, prestar, para o
prestador acreditivo, é satisfazer o seu credor, e não o crédito do acreditante. A con firmação, manifestação
unilateral, receptícia, de vontade, é’ineliminável. Pode ser prévia, ou simultânea (= imediatamente anterior). Se
foi prévia, ainda não houve prestação. Se essa consistiria ou poderia consistir em aceite ou subscrição e emissão
de título cambiário, houve a prestação. Se não se permitia isso e o acreditado acordou em que se aceitasse letra
de câmbio, ou se subscrevesse e emitisse nota promissória, houve prestação, porque se operou dação em soluto.
(A confirmação é declaração unilateral de vontade, abstrata. Por ser abstrata, quem confirma pode afirmar o que
em verdade não existia nas relações jurídicas entre o acreditante e o prestador acreditivo. Surpreende que se
empregue o verbo “confirmar” no sentido largo de dizer o futuro pres tador acreditivo que o acreditante o
indicou como prestador e êle está pronto a prestar. Mais firma do que afirma ou de que confirma. Por outro
lado, honra-se o acreditivo com o saque, prestando-se, ou confirmando-se somente, por enquanto; mas também
se fixou sentido estrito, que o de prestar pelo acreditante.)

4. AÇÕES. Quanto às ações, as que se irradiam de pretensões oriundas do negócio jurídico unilateral do
acreditivo (do acreditado contra o acreditante) não se confundem com as que procedem do negócio jurídico

MÚTUO
unilateral da con-•firmação (do acreditado contra o prestador acreditivo, que solveu ou não). Tão-pouco,
quaisquer delas se podem confundir com as que se originam da relação jurídica de valuta, ou do negócio
jurídico bancário entre o acreditante e o banco. operador, ou entre aquêle ou êsse e o prestador acreditivo.
A ação do acreditado contra o acreditante, se o acreditivo não foi confirmado, é ação que se liga à pretensão à
confirmaçáo, que foi ofendida. Em todo o caso, como se trata de negócio jurídico abstrato, mas, ex hypothesi,
com o autor estêve em contacto o demandado, pode êsse opor as objeções e as exceções que o subscritor de
letra de câmbio poderia opor ao tomador. A posição jurídica do acreditado é semelhante (não idêntica) à. do
tomador, na letra de câmbio; e a posição jurídica do acre ditante é semelhante (não idêntica) à do sacador.

Se o acreditante deve ao acreditado por título executivo, isto é, título que satisfaz os requisitos para a pretensão
executiva, tem êle a ação executiva mesmo se o instrumento do acreditivo não é, por si, titulo executivo. Pode
ocorrer o inverso:
ser título executivo o titulo do acreditivo, e não no ser o do negócio jurídico unilateral, bilateral ou plurilateral,
em que é devedor o acreditante.

Título XXX

CONCEITO E NATUREZA DO CONTRATO DE DEPÓSITO

§ 4.655. Conceito do contrato de depósito

1. CONCEITO. O contrato de depósito é contrato pelo qual alguém, depositário, se incumbe de guardar
(custodiar) coisa móvel de outrem, e entregá-la ao depositante. “Pelo contrato de depósito”, diz o Código Civil,
art. 1.265, “recebe o depositário um objeto móvel, para guardar, até que o depositante o reclame”. No parágrafo
único, acrescenta-se: “Ésse contrato é gratuito; mas as partes podem estipular que o depositário seja,
gratificado”.
No Código Civil, art. 1.265, há a referência à guardas à custódia. Mas frisa-se que se entrega o bem “para
guardar”.
Como que se grifou a finalidade do contrato de depósito.
A guarda, a custódia, tem, no depósito, a função de assegurar o adimplemento, e não há encobrir-se o fato de ter
o depositário interêsse em bem custodiar o bem depositado, ou os bens depositados, uma vez que assume riscos
além daqueles que em outros contratos assume.
Tem-se dito que falta ao depósito elemento específico, procurando-se ver a “guarda”, assim em contratos de
locação como de mútuo, de mandato, etc. Na locação, não há “guarda”, ou há dação , pelo locador, de espaço
para a coisa, ou transferência da posse imediata sôbre a coisa para uso e gôzo do locatário. Algumas vêzes a
guarda vai a especificações mais reúte~, como conservação de máquinas, lavagens do objeto, alimentação de
animais (II. DERNBURG, Das Rúrgerliche Recht,4•a ed., II, 2, 629). O mútuo é no interêsse do que receba a
coisa; o depósito, no interêsse de quem deposita. Por outro lado, o depósito não se confunde com as relações de
gentileza, que nascem quando se permite deixar a coisa, ainda que não se toque nela, sem se assumir o dever de
depósito (P. OERT MANN, Das Reeht der Sckuldverhãltnisse, 3~a~~4•& ed., 832, 6, e). Cada era tem o seu
contrato ou contratos prediletos; e o depósito, com as responsabilidades que dêle emanam, tem sido menos
favorecido pelos juristas da época do capitalismo século XX, preocupados em tornar locação todos os contratos,

MÚTUO
como há alguns séculos atrás tudo se reduzia a mandato e nos tempos romanos tudo se procurou explicar pela
venda ou pela troca. O contemporâneo, não-técnico, diante de papéis de legitimação, vê a êsses, e não o
contrato de depósito que lá está, porque essa atitude mental é a mais perceptível à sua maneira de viver.
No art. 1.266 do Código Civil, fala-se de guarda e conservação, porque a guarda, aí, não compreende essa (cf.
FR. X. BRUCENER, Die Custodia nebst ihrer Rezieh.ung zur vis maior nack rõmischern Recht, 31 s.). No ato
de se guardar, põe-se a coberto de ofensas de origem estranha o bem depositado; no ato de se conservar,
protege-se a integridade do bem depositado, contra o intrínseco e o que se pode tornar intrínseco. Por isso
mesmo, a conservação pode ser conteúdo de dever, fora do dever de guarda. Presta-se o que é necessário à
integridade, à eficiência e à utilização do bem. Quem se encarrega de conservação do cavalo pode não ser quem
o guarda.
O depositário responde pelas causas estranhas evitáveis . Tem a guarda. Responde pelas causas intrínsecas, ou
que se possam fazer intrínsecas, se é possível tal atividade protectiva.

2.OBJETO DO CONTRATO DE DEPÓSITO. Objeto do contrato de depósito é, em princípio, a coisa móvel.


No plano do direito privado, o depósito de pessoa ou de bens imóveis não se confunde com o contrato de
locação de serviços, ou com o contrato de obra (empreitada), ou com o contrato de mandato, ou de pensão-e-
colégio (internato). No plano do direito público, também há depósito de pessoa ou de bem imóvel, pôsto
que mais se fale de “responsabilidade de depositário”, ou de alguém “responder como depositário

§ 4.656. Custódia e depósito

1. DEVER DE CUSTODIAR. No contrato de depósito, o elemento de custódia é assaz relevante,


característico, pelo que se insere no conteúdo da relação jurídica e pela função que exerce. O escopo de
custódia e de seguridade, que tem o depositante, faz nascer, da parte do depositário, o dever de custodiar. Maa o
elemento de custódia não esgota o conteúdo do negócio jurídico de depósito. Nem só o depositário custodia,
nem a custódia, só por si, faz o depósito. Custodia o transportador, o próprio trabalhador em muitos casos; e há
dever de custodiar por parte de pessoas que nem sequer têm de prestar o objeto custodiado <e. g., hoteleiros e
donos de casa de cômodos ou albergues, pelos bens do hóspede que não lhes foram entregues; bancos, ou
emprêsas de custódia, pelos objetos postos na caixa do cofre alugada ao cliente).
No depósito irregular restitui-se o tantundem: o depositário pode alienar o que recebeu, de modo que não se
pode dizer que tem o dever de conservar. Seria absurdo pensar-se em custódia quando se pode destruir,
derrelinojiir ou alienar. tHá ficção no dever de custodiar, se irregular o depósito? ~ Ou se quis, com o instituto
do depósito, exigir a responsabilidade pela fôrça maior ou pelo caso fortuito, a despeito da fungibilidade do
objeto? Se assim foi, a equiparação é imperfeita, por haver o risco da insolvabilidade do depositário (MAIUO
DE SIMONE, 1 Negozi irregolari, 76). A incidência de regras jurídicas sôbre o depósito regular a propósito de
depósito irregular resulta de só ter ocorrido a distinção por um ser quanto a bens fungiveis e o outro quanto a
bens infungíveis. Quis-se o depósito. As manifestações de vontade são as mesmas. A diversidade decorre da
diferença entre os objetos que são “depositados”.

2.CONTRATOS DE CUSTÓDIA. A propósito do dever de custódia, tem-se dividido a doutrina. Os dois ramos
principais são os dos que entendem que o dever de custódia é dever facien di, e a custódia seria o opus, e o dos
que vêem no dever de custódia dever de resultado. No direito romano, o que ressaltava era a responsabilidade
pela custódia, responsabilidade objetiva ou responsabilidade sem culpa (cf. VINCENZO ARANGIO RUIZ, La
Resvonsabilità contrattuale nel diritto rotnzano, 2~a ed., 65 5.; J. ROSENTHAL, CustoditL und
.A.iktivlegitimation zur Actio furti, Zeitschrift der Savigny-Stiftuno, ‘6$, 217 s.). A custódia como elemento do
conteúdo de negócios jurídicos ou da relação jurídica já se prende aos tempos mo.dernos; mas a distinção não
conseguiu fazer-se nítida, dando ensejo a anfibologia (e. g., em VINCENZO SIMONCELLI, Scritti siuridici, 1,
445 s. e 452 s.), ou a variações perigosas de sentido. Em verdade, o dever de custodiar e a responsabilidade pela
custódia não são o mesmo. O depositário, por exemplo, que não cumpre o dever de custodiar, pode, por
felicidade, não ter de responder, porque o objeto ficou incólume a todos os riscos por que passou, e o cuidadoso
depositário pode ter de responder, a despeito d~ exercício do dever de custódia.

3.CUSTÓDIA E DEVER DE PRESTAÇÃO . A custódia é dever de prestação, que o custodiante assume. Aí, o
que importa é o momento em que se há de adimplir (cf. IsIDORO LÃ LUMIA, 2 Depositi bancari, 98), razão

MÚTUO
por que alguns juristas mais vêem a disponibilidade do bem depositado do que a custódia resma (por exemplo,
MÁRIO CASANOVA, Disciplina giuridica deite Obbligazioni di restituzione nel fallimen-to, 33 5.; BEaTO
BRACCO, 1 Depositi a risparmio, 108 s. e 116). Aliás, dá no mesmo dizer-se que a custódia tem por fito
manter o bem naquele estado em que se achava no momento em que se constituiu c negócio jurídico
(GIOvANNI BALa!, L’Obbligazione di custodire, 15 s.).
A questão devia resumir-se em se saber se, durante a eficácia dos contratos de custódia, se pode verificar se há a
dilixência, os atos preservativos da possibilidade do adimplemento, ~ou se não há. Se não se pode, custodiar
não é diligenciar, 6 responder objetivamente. Se se pode, não há razão para as distinçóes entre diligência e
custódia, salvo para se acentuar a maior extensão daquela. Pela distinção, e. g., EMILIO BETTI (Teoria
generale deile Obbligazioni, 1953, 1, 127), DOMENIGO BARBEiO (Sistema istituziono2e del Diritto privato
italiano, II,
•4.~ cd., 53 s.) e MAIuo GIOItCIANNI (Lezioni di Diritto civile [L’Adempimento], 245 s.). Daí se vai ao
conceito de custódia como a mantença da possibilidade de adimplemento (contra, G. COTTINO,
L’Impossibilità sopravvenuta deila prestazione e la Respo’nsabilità dei debitore, 53 s.).
No fundo, é a determinação do bem infungível ou infungibilizado que permite pensar-se em custódia, e não só
em diligência. Por isso, a relevância é da responsabilidade objetiva, e não da preservação. Por isso, é artificial
falar-se de dever de resultado, o que só se entenderia como reação à teoria do dever de meios (teóricos das
“obligations de résultat”, por exemplo, RENÉ DEMOGUE, Traité des Obligationa en général, V, 538 s., e R.
SAVATIER, TraiU de la Respansabilité civile, 2•a ed., 168; contra, e. g., RENATO SCOGNAMIGLIo,
Contributo alia Teoria dei Negozio giuridico, 454, e UGO MAJELLO, Custo-dia e Deposito, 41 s.).
No depósito, a custódia é elemento essencial, porque a causa do negócio jurídico é a integridade do objeto. Não
só se deve a restituicão, mas sim a restituição do que se depositou tal qual: depositum est quod custodiendum
alicui datum est. Sem razão, afastam que a causa do depósito seja a custódia aquêles que não atendem à
custódia como fim, que se quer no contrato de depósito.
Dir-se-á que o conceito de custódia não tem conteúdo rígido. Mas, a rigor, a custódia, no depósito, é o que se há
de fazer para que se restitua o idem corpus. Mesmo se o depósito, de que se cogita, é depósito irregular, tão
profunda se fêz a concepção jurídica do depósito, através das idades, que não se pode confundir com o depósito
irregular o mútuo: naquele, há o interêsse precípuo do depositante; nesse, o do mutuário. Ali, quer o dador a
disponibilidade do que dá; aqui, o recebedor quer o gôzo do bem. No depósito irregular, de que trataremos mais
de espaço, só não incidem as regras jurídicas sôbre o depósito regular que sejam incompatíveis com a
transmissão da propriedade ao outorgado (cf. COPPA-ZUCCARI, 11 Deposito irregular, 81 s.; BERTO
BRACCO, 1 Depositi a risparmio, 108 s.). É ineliminável a inserção do depósito regular na classe dos
depósitos. Há a figura jurídica do depósito, e o depósito irregular depósito é. Não é contrato de crédito, como
pensam ADRIANO FlORENTINO (Deposito, Commentario dei Codice Ci viU, 98) e ERNESTO
SIMONETTO (1 Contraiti di credito, 418), nem se há de tolerar a escapula da referência a contrato sul generis
(LUIGI LORDI, Istituzioni di Diritto commerciale, II, 884 s.), nem a má caracterização de contrato misto
(ALBERTO TRABUCORI, Istituzioni di Diritto civile, $a ed., 743). Não é contrato misto, nem significa
qualquer coisa dizer-se que um contrato é sui generis; nem há crédito, no sentido estrito.

§ 4.657. Natureza do contrato de depósito

1.GRATUIDADE E ONEROSIDADE. No direito comum, o depósito era sempre gratuito. Se intervinha no


suporte fáctico remuneração, tornava-se contrato de locação de serviços. No parágrafo único do art. 1.265 do
Código Civil, fala-se de poder ser gratificado o depositário, de modo que, segundo a lei, o contrato de depósito
não se desvirtua, não se trausmuda em locação de serviços, se os contraentes acordam em gratificação ou
remuneração. Aqui, as duas expressões equivalem-se. Em conseqUência, o contrato de depósito pode ser
gratuito e pode ser de depósito remunerado. Todo contrato gratuito de depósito é contrato unilateral, porém
nem todo contrato remunerado de depósito é bilateral. O contrato de depósito sómente se bilateraliza se a
remuneração é contraprestação: continua unilateral, ou imperfeitamente bilateral (O. VON GIERKE, Deutsches
J’rivatrecht, III, 730; O. WARNEYER, Kommentar, 1, 1118), se a remuneração foi apenas para indenização de
despesas a serem feitas, ou a titulo de auxílio à custódia. O contrato de depósito é contrato real, ainda que se
bilateralize. Por isso mesmo, se por qualquer razão se não entrega a coisa, não é devida a remuneração. Se,
antes do tempo que se estipulou ao depósito, o depositante retira a coisa, a remuneração só é devida em parte,

MÚTUO
proporcionalmente ao tempo da custódia.
O depositante pode não ser o dono do bem depositado. Pode só ter a posse imediata, que êle transfere ao
depositário.
Ainda a respeito do depósito remunerado temos de dizer que, se A guarda os carros ou as armas de caça ou de
pesca das pessoas que passam pelo local e demoram, mas apenas exige que a quota de despesas anuais
prováveis sejam pagas pelo lugar ocupado (em relação à garagem ou ao espaço destinado à custódia) e pelo
tempo, não há onerosidade do depósito.

2.DEPÓSITO, CONTRATO REAL. O depósito, de regra, é o contrato pelo qual se entrega a outrem a posse do
bem móvel corpóreo, para que o guarde gratuitamente. É a definição mesma que o Código Civil, art. 1.265,
redigiu: “Pelo contrato de depósito recebe o depositário um objeto móvel, para guardar, até que o depositante o
reclame”. No direito romano e, no direito brasileiro, o contrato só se conclui com a entrega da posse do bem.
Se o acordo de vontades foi no sentido de se dar em depósito, mais tarde, a coisa, não há contrato de depósito,
mas apenas pré-contrato de depósito.
O contrato de depósito de regra não se torna contrato consensual; é contrato real. Se é de interpretar-se como
consensual, o caso que se compõe é de pré-contrato, ou apenas há o dever do futuro depositário de receber o
depósito. A entrega para custódia é que faz o conteúdo único ou principal do contrato de depósito. Aqui, surgem
alguns problemas de interêsse prático. Se, por exemplo, o contrato de depósito se fêz para mobiliário, antes de
ser transportado, a tradição opera-se no momento em que o veículo pertencente à emprêsa de depósito, ou à
emprêsa que essa incumbiu de transportar, apanha as peças. Cada peça entregue faz íntegro, quanto a ela, o
contrato. Não é preciso que as peças entrem no veículo. Basta que o poder fáctico tenha passado à emprêsa de
depósitos, inclusive se o depositante, ou alguém por êle, disse que estavam entregues e podia retirá-las. Dá-se o
mesmo se a emprêsa recebe na agência, ou autoriza a entrega em alguma estação, pôrto ou estabelecimento.
Aqui, convém que se precise bem a diferença entre contrato real de depósito, contrato consensual de depósito e
pré-contrato de depósito.
Se real o contrato de depósito, antes da entrega do bem não há contrato de depósito, porque se considerou a
entrega elemento indispensável para qualquer irradiação de efeitos. Nem o possuidor do bem depositando pode
exigir que o futuro depositário receba o bem, nem a pessoa que seria o depositário teria qualquer ação contra o
depositante, no depósito remunerado, para haver a remuneração.
Se consensual o contrato de depósito, o depositário vinculou-se a receber o bem depositando, sem que se possa
pensar, portanto, em que faltasse a tradição para se considerar concluído o contrato de depósito. Se concluído
não estivesse, não se irradiaria o dever de receber e, recebendo, guardar e conservar.
Se os contraentes se vincularam a concluir contrato de depósito, seja real seja consensual, não tem pretensão e
ação o possuidor do bem depositando para que o depositário receba o bem depositando. A pretensão é a que se
conclua o contrato de depósito. Se o contraente, que o exige, não obtém o contrato, a ação é a do art. 1.006 do
Código de Processo Civil.
No direito suíço, o contrato de depósito é consensual. Mas o depositário não tem ação para a entrega da coisa a
ser depositada. O depositante deposita, ou não; se o não faz, não tem de pagar perdas e danos.
No direito brasileiro e nos demais, que têm o contrato de depósito como contrato real, a ação do depositário não
poderia nascer, porque o contrato não se concluiu, sendo real; não nasce, tão-pouco, a ação do depositante para
que o depositário receba a coisa em depósito: não há, ainda, depositante e depositário. Aliter, se consensual o
contrato. Ação tem o possuidor da coisa se (a), em vez de haver contrato ainda não concluido de depósito, há
pré-contrato de depósito e o possuidor quer a conclusão do contrato real, ou o que terá de ser depositário quer
haver a remuneração ou o uso da coisa, se houve a cláusula pré-contratual que lhe criou tal interêsse na
perfeição do contrato, ou (b) se as cláusulas contratuais são explícitas quanto à consensualidade.

3. DIREITO BRASILEIRO. No direito brasileiro, o contrato de depósito é real. Se apenas se acordou em que
se tomasse a coisa, futuramente, em depósito, há contrato consensual de depósito. Se apenas se promete o
contrato de depósito, não bá contrato de depósito, e sim pré-contrato de depósito, pois os figurantes prometeram
concluir contrato de depósito. A tal pactum de de.ponendo, que o Código Civil não regulou, concernem
também, por analogia, os arts. 1.278 e 1.208, in tine (para recusa de receber e depositar). Se a coisa já estava na
posse do depositário, consensualmente contraente ou pré-contraente, como se a vendeu ao outro figurante ou ao
pré-contraente depositante, com cláusula de, constituto possessório, o contrato consensual, ou o pré-contrato,
torna-se contrato real, pelo adimplemento do pactum de deponendo.

MÚTUO
Na dúvida, o pactum de deponendo entende-se com dever e obrigação do que vai guardar, e não do que tem de
guardar (O.VON GIEncE, Deutsches Privatrecht, III, 729, nota 10;. 1>.OERTMANN, Schuldrecht, II, 880; sem
razão, E. GOLDMANN. -L. LILIENTIIAL, Das Riirgerliche Gesetzbuchs, 1, 714; CARL, CROME, system, II,
742, nota 12; F. SCHOLLMEYER, Das Recht der einzelnen Schuldverhãltnisse, 141).
e eficácia seria obsoleto duvidar-se da existência, validade do contrato consensual de depósito, como também
do pré-contrato de depósito. Quem vai para fora e quer deixar guardados os bens móveis, contrata com a
emprêsa de guarda-móveis, ou de cofres, e pode estabelecer que só se entregarão (ou só se apanharão) os
objetos que vão ser custodiados quando o depositante avisar, ou na véspera da partida, ou em determinado dia.
Em vez do contrato consensual, pode ser concluído o pré-contrato. O que seria elemento constitutivo essencial,
no contrato real, passa a ser, no contrato consensual, elemento de adimplemento, ou, no pré-contrato, simples
objeto do contrato que se promete.
Se o contraente que teria de depositar não deposita no tempo devido, está obrigado ao que prometeu pagar pelo
depósito, porque os contraentes estavam vinculados. Aliás, é justo. que receba o que seria retribuição quem
reservou o lugar, ou por outra razão contou com a entrega.
Tratando-se de pré-contrato, há a indenização por inadimplemento por parte de quem prometeu o contrato de
depósito e não o quis concluir. Não há a execução judicial especifica, porque não cabe tal execução nos pré-
contratos e contratos que não se executam contra a vontade do figurante inadimplente. Aliás, aí, o que em
verdade há é mora creditoris. Do lado do que prometeu receber o depósito, ou firmar, como pre-contraente
depositário, o contrato de depósito, também não se pode pensar em execução judicial especifica, porque se iria
contra o art. 880 do Código Civil (Nemo potest cogi ad fac tum).
-Nas obrigações de fazer, se o obrigado recusa a prestação só .a êle imposta, ou só por êle exeqUível, só há um
meio para tse atender à pretensão do outro figurante, que é o da indenização de perdas e danos.
É de uso e não mais se poderia contra êle opor a letra do Código Civil contratar-se o depósito, com a indicação
do lugar em que o depositário há de apanhar o objeto que se quer depositar. O contrato está concluído. Há o
dever de ir buscar o bem depositando. Seria ir-se contra as realidades da vida sustentar-se que não houve
conclusão do contrato; e artifício intolerável pretender-se que há dois contratos, um de que se irradia o dever de
ir buscar e outro, que seria, à tomada da posse, o contrato de depósito, ou que, em quaisquer casos, a
autorização para ir tomar posse já é tradição. O documento de legitimação certamente bastaria. Mais: qualquer
eficaz cessão da pretensão à entrega. Porém temos de atender a que nem sempre há a tradição ou a cessão da
pretensão a entrega, como acontece sempre que a transmissão da posse depende de o depositário ir à hora certa
à casa indicada, onde estará o depositante ou alguém autorizado a transferir a posse. Daí ter-se de admitir ser
possível, em tal caso, entre outros, o contrato consensual de depósito.
A questão de se saber se a pessoa que vai guardar e conservar o bem depositando, com a carta, ou outro meio de
legitimação, já se fêz possuidor a título de depósito, ou se a autorização para ir buscar ainda não importa
tradição, é quaestio facti. Se a interpretação assenta que tradição houve, o contrato real de depósito se concluiu,
ou se adimpliu o contrato consensual que antes se concluíra.

4.POSIÇÕES JURÍDICAS DOS FIGURANTES. O depositante tem a pretensão à restituição da coisa e a


pretensão a que o depositário guarde a coisa. O depositário tem a posse direta ou imediata (Código Civil, ad.
486), e como tal pode usar dos remédios possessórios. Se resulta do contrato, cabem-lhe as pretensões ao uso da
coisa (Código Civil, art. 1.275). O Código de Processo Civil só se interessou pela ação ligada à pretensão do
depositante a ser-lhe restituida a coisa que foi depositada. Negócio jurídico bilateral, nem sempre real (e. g., um
dos figurantes é obrigado a receber). Contrato real, de modo que pode existir o pré-contrato ou promessa de
depositar, com o depósito da coisa a riscos e perigos para o obrigado (Código de Processo Civil, arts. 1.006 e
302, XII). É o pactum de deponendo, que não foi regulado pelo Código Civil e se rege pelos princípios gerais.
Na dúvida, só se entende obrigado por êsse pacto o futuro depositário, não o futuro depositante (O. VON
GIERRE, Deutsches Privatrechi, III, 729, nota 10); PAUL OERTMANN, Das Recht ‘der Schuldverhãltnisse,
13•a~14•a ed., 830) ; mas aquêle tem, eventualmente, pretensão a ser indenizado do que despendeu para poder
depositar (PAUL OERTMANN, 830; L. EN?NECCERUS, Lehrbuch, 1, 2, 489). A responsabilidade dos
empresários de teatros, cassinos, clubes, hotéis, pelas peças de vestiaria, é responsabilidade de depositário (O.
WARNEYER, Komment ar, 1, 1118). Os estábulos para guarda de animais são depósitos, se não prevalece a
figura do contrato de locação. Os restaurantes e cafés abertos, sem serviço de fichas para chapéus e outros
objetos, não respondem como depositários. Também não respondem os escritórios de advogados e os gabinetes
de médicos e dentistas quanto a chapéus, bôlsas, etc., se não têm serviços de custódia (e. g., porteiros

MÚTUO
recebedores).
O oficial de justiça, ou outro auxiliar da justiça, enquanto a coisa não é entregue ao depósito público e
permanece com êle, responde como depositário. Se a confia a outrem, há, também, o contrato de depósito entre
êle e êsse terceiro (O. WARNEYER, Ko-mment ar, 1, 1119).
Sempre que a lei dá a alguém a incumbência de receber quantia, ou coisa pertencente a outrem, e de depositar,
em nome daquele a quem pertence a quantia, ou a coisa, a equiparação ao depositário é implícita.
A 7.~ Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Distrito Federal, a 10 de maio de 1949 (D. da J. de 16 de outubro
de 1952), negou, radicalmente, ao “depósito” em garantia de divida a ação de depósito. A 6~a Câmara Cível, a
12 de dezembro de 1950 (D. da J. de 7 de novembro de 1951), pré-excluiu a ação de depósito se o objeto do
depósito é coisa fungível. A questão é de direito material: não é verdade que o depósito regular de coisa
fungível não tenha a ação de depósito e a cominabilidade da pena de prisão. Adiante, § 4.663, 6.
Quanto ao depósito em garantia, se a garantia não mais tem razão de ser, nenhum óbice há a que se exija a
restituição.

§ 4.658. Depósito e outras figuras jurídicas

1. CUSTÓDIA. Custodiar é conservar materialmente, ou, pelo menos, tomar as providências para isso. Supôe-
se, portanto, o estado em que o bem foi recebido. A atividade, que se tem de exercer, depende da natureza do
bem em custódia. Essa é que dá os limites ao conteúdo do dever de fazer e de não fazer que o custodiar implica.
Tal dever é exercido de maneira que os riscos sejam do depositário. Isso não pré-exclui que no contrato se
apontem atos positivos e atos negativos que a custódia imponha. Lê-se no art. 1.266 do Código Civil: “O
depositário é obrigado a ter na guarda e conservação da coisa depositada o cuidado e diligência que costuma
com o que lhe pertence, bem como a restitui-la, com todos os frutos e acrescidos quando lho exija o
depositante”.
Com a custódia salvaguardam-se interêsses do depositante. Há dever de custódia que não deriva da relação
juridica de depósito, mas sim da lei ou das circunstâncias, tal como acontece com o pai, a mãe, o tutor ou o
curador que tem de guardar títulos ou documentos do filho, do tutelado, ou do curatelado, ou com o mandatário
a quem o mandante entregou papéis ou objetos necessários ao exercício do mandato, ou com o sócio que tem de
ir receber ou prestar algo pela sociedade. Em tôdas essas espécies, à relação jurídica existente corresponde
dever de prestação, ou dever acessório, dentro do qual se incrusta. o de custodiar. A infração não é do dever
decorrente da relação jurídica de depósito, pois, ex hvpothesi, depósito não houve, mas sim de outra relação
jurídica.
O contrato de depósito tem por fim especifico a custódia. Não se pensa em dever incluso, ou em dever
acessório. O dever foi o que se colimou determinar, ao se concluir o contrato.
Nem sempre o dever de custódia é assumido de maneira a ter a intensidade que é a sua própria, aquela que se
espera com a conclusão do contrato de depósito. Se o advogado E, ou algum dos empregados do escritório, anui
em que o cliente
deixe no armário da sala, ou em gaveta da mesa, a pasta, ou a bôlsa, ou a caixa, dificilmente ocorreria tratar-se
de contrato de depósito. Nos consultórios de médicos e em restaurantes ou bares sem guarda-roupa, a regra
também é o não se concluir contrato de depósito. Não assim se há balcão separativo, com empregado que há de
receber os chapéus, pacotes, com entrega de fichas, ou se há sala, quarto, ou palanque, ou portaria, onde os
trabalhadores, freqUentadores de teatros ou de cinemas, ou estudantes, ou visitantes de exposições, ou sócios de
clube, têm de deixar roupas, ou outros objetos. No direito do trabalho, o empregador é depositário, se a ficha é
indicativa do que se entrega; se o não é, o empregador tem dever de vigilância e de guarda, sem ser depositário
(não é, por isso mesmo, possuidor imediato, mas sim tenedor). Se a emprésa tem espaço próprio para os
automóveis, as bicicletas e as motocicletas dos empregados, assume ela dever de custódia (cf. GUSTAV
ADOLF BaLA, Sorgepflicht des Arbeitgebers um eingebrachtes Arbeitnehmer-Eigentum, Recht der Arbeit,
1950, 88).

2.DEPÓSITO E COMODATO. O depósito distingue-se do comodato em que o interêsse primacial, naquele, é


do depositante; nesse, é o do comodatário. Não se fale de se diferençarem pela gratuidade, ou pela usabilidade:
o depósito também é gratuito, pôsto que se possa estabelecer a retribuição, e o comodato é gratuito; o
depositário não pode, de regra, usar o bem depositado, mas a lei permite a cláusula de uso (Código Civil, art.
1.275). O dever de diligência e de proteção, que assume o comodatário (Código Civil, art. 1.251), de modo

MÚTUO
nenhum tem a intensidade do dever de custódia, que é o do depositário (Código Civil, arts. 1.265-1.267 e
1.287). -
Muitos são os contratos em que um dos figurantes entrega o bem e o outro figurante se vincula à restituição. No
depósito, o fim é a custódia. No seqUestro, o fim é retirar a posse imediata da pessoa contra a qual se decreta o
seqUestro. Ésse não se confunde, tão-pouco, com o depósito em garantia, que supôs o depósito enquanto não se
solve (ou existe) a divida.
No comodato, o fim é do interesse exclusivo do comodatino, o que o distingue, evidentemente, do depósito, O
comodatário guarda porque usa ou usa e frui. Pode-se aludir, aí,

à instrumentalidade da custódia. No depósito, a iniciativa é do depositante, mesmo se excepcionalmente


ocorreu invitatio ad depositandur>v. No comodato, se há interêsse do comodante em dar para guardar o bem,
tal interêsse não atinge a estrutura do contrato.

3.DEPOSITO E MANDATO. No depósito, o interêsse primacial é do depositante. No mandato, o interêsse


relevante também é o do mandante. Em ambos os contratos, há da parte de alguém atuação em interêsse de
outrem. Em ambos, um dos figurantes confia. O depositário pode fazer reparos e alterações que êle faria se o
bem fôsse seu (cf. Código Civil, -art. 1.266) e se o depositante, se conhecesse o estado do bem depositado,
admitiria ou exigiria que fizesse.
Por vêzes, o depositante, antes de o ser, era mandante, e acordou em que, cumprido o mandato, o mandatário
guardasse em depósito o bem a respeito do qual outorgara Poderes. A!, há dois contratos, a que correspondem
duas posses impróprias, imediatas, mas diferentes: a posse de mandatário e a posse de -depositário, que sucede
àquela.

4. DEPÓSITO E LOCAÇÃO. Na locação de coisas, o locatário deve ao locador: há prestação correspectiva à


do uso ou do uso e da fruição, que é o aluguer. No depósito, nenhuma prestação deve o depositário.
O possuidor do bem pode dá-lo em locação e estabelecer que, a partir da expiração do têrmo do contrato de
locação, ou a partir de qualquer outra causa de extinção, o locatário ficará com a custódia do bem, como
depositário. Aliás, a relação juridica de depósito pode sobrevir ao comodato, como se A empresta a B os brincos
ou o relógio e acordam comodante e comodatário em que E, no dia tal, entregará a jóia ao Banco C, que a
guardará, considerando-se depositário, no intervalo, E.

5.DEPÓSITO E CONTRATOS COM ELEMENTO DE GUARDA. Pode haver guarda ou custódia do local,
sem haver guarda ou custódia direta do bem que se põe no lugar; ou custódia do bem sem alusão ao local. O
depósito não se confunde com o aluguer de cofres, armários, caixas fortes, ou outro local, ou móvel-pertença ou
parte integrante de prédio, em que o possuidor guarde: aí, há locação ou arrendamento do local, receptáculo
ou esconderijo onde se possa colocar a coisa; ou, se gratuito, commoda.tum loci. A locação de caixas, gavetas
ou cofres apenas torna o locador responsável pelo que ocorra por falta de vigilância do prédio, ou de parte do
prédio, porque locou a alguém espaço de segurança.
O contrato de depósito em que o depositário recebe contra-prestação pelo fato de guardar e qualquer outra
incumbência, globalmente, é contrato oneroso, porém não se torna contrato de locação de serviços, nem de
mandato.
As circunstâncias podem estabelecer-se de tal modo que o contrato, ou por ser de adesão, ou por outra causa (e.
g., depósito em mãos de depositários judiciais), tenha de ser contrato oneroso.

6.OUTROS CONTRATOS. Se alguém apenas põe à disposição de outrem espaço para que guarde o bem
móvel, infungível ou fungível, sem assumir o dever de custódia, não há contrato de depósito. Se o guardador
recebe contraprestaçio, há arrendamento do espaço, o que é a figura vulgar nos lugares em que estacionam
automóveis, bicicletas, motocicletas, cavalos, ou cães; ou, se o guardador tem de limpar ou alimentar, locação
de serviços. Inclusive se há parquímetro.
Distingue-se do penhor o depósito, porque, naquele, o fim do negócio jurídico (que produz direito real) é
garantir algum crédito, e não o dar para guardar. Por outro lado, o depósito não supõe qualquer outra relação
jurídica, de que se irradia dívida, ao passo que o negócio jurídico de penhor é necessàriamente negócio jurídico
acessório.
Também do contrato de transporte se distingue o contrato de depósito, porque, naquele, há a prestação de levar

MÚTUO
de um lugar para outro. O guardar é conseqUência, e não fim, razão por que a responsabilidade não é
necessàriamente a mesma.
Em todo o caso, há elemento de depósito que pode juntar-se aos elementos do transporte e teremos ensejo de
examinar as espécies mais freqUentes.

7.DEPÓSITO E ATO OU RELAÇÃO DE GENTILEZA. Não há depósito, mas simples ato ou relação de
gentileza ou amizade quando alguém guarda ou dá lugar para guardar objeto de outrem, sem assumir o dever de
custódia. Isso não significa que, a despeito das circunstâncias, que puseram em contacto dois amigos, tendo
sido a amizade um dos fatôres da confiança, não se possa estabelecer entre êles relação jurídica contratual de
depósito. ‘Têm de ser interpretados os fatos e as manifestações de vontade.

§ 4.659. Pressupostos subjetivos e objetivos

1. DEPOSITANTE INCAPAZ. Se incapaz é o depositante e a incapacidade é absoluta, o contrato de depósito é


nulo. Se relativamente incapaz, tem de ser decretada a anulação, podendo ser pedida a restituição do bem,
mesmo se há têrmo a favor do depositário, ou haver a restituição, se o têrino foi a favor do depositante.
Proposta a ação de anulação, pode o juiz deferir o depósito judicial imediato, até que se profira a sentença. O
depositário é responsável enquanto não restitui, ou não deposita judicialmente o bem.
Anulado o contrato de depósito, o figurante incapaz não é vinculado à prestação do que teria de pagar ao
depositário, salvo no que apenas consistiu em despesas para a conservação do bem (cf. Código Civil, arte. 964-
966).
A propósito do menor relativamente incapaz, advirta-se que não pode êle alegar a menoridade para se eximir da
responsabilidade como depositante, ou como depositário, se dolosamente a ocultou, inquerido pelo outro
contraente, ou se, no ato de se vincular, espontâneamente se disse capaz (Código Civil, art. 155). Também são
invocáveis os arts. 156 e 157.
Se o contrato de depósito é nulo por incapacidade absoluta do depositante, a pessoa que se cria depositário, pois
recebera de boa fé o bem e de boa fé o tivera sob sua guarda, tem direito à indenização das benfeitorias
necessárias e úteis, bem como das voluptuárias, se lhe não forem pagas, ou a levantá-las, quando isso fôr
possível sem detrimento do bem depositado (Código Civil, ad. 515, 1.~ parte). Pelo valor das benfeiterias
necessárias e úteis pode exercer o direito de retenção (art. 5~5, 2Y parte). Se de má fé o que teve sob sua guarda
o bem, só tem direito à indenização pelas benfeitorias necessárias (art. 516), sem direito de retenção.

2. DEPOSITÁRIO INCAPAZ. 1-lá dois pontos principais no tocante à incapacidade do depositário, pró-
excluído o da incapacidade absoluta, porque, em tal caso, bá nulidade do contrato de depósito. A incapacidade
relativa pode ser ao tempo da conclusão do contrato de depósito e da entrega do bem para custódia, ou sobrevir
à entrega do bem. Em princípio, há a anulabilidade. Se, porém, foi menor, relativamente incapaz, que se fêz
depositário, dolosamente ocultando a idade, inquirido pelo depositante, ou se, no ato de contratar, espontânea-
mente se disse maior (Código Civil, ad. 155>, ou com suplemento de idade, responde como depositário,
abstraindo-Se da sua incapacidade relativa. Se, no tocante aos danos, o relativamente incapaz responderio por
ato ilícito (não só se pense ~io menor relativamente incapaz, atendo-se à letra do Código Civil, art. 156), tem-se
de assentar a sua responsabilidade como depositário nos limites em que responderia pelo ato ilícito.
Se o contrato de depósito é nulo, ou se é anulável por incapacidade do depositante, há a pretensão à restituição
imediata, mesmo que ocorra a incidência do Código Civil, art. 155.
Se o depositário incapaz alienou o bem, tem de prestar ao depositante o que reverteu em seu proveito (cf.
Código Civil, art. 157).
Se o depositário incapaz exerceu o dever, que se supunha existir, de conservar o bem, inclusive fazendo
despesas, tem pretensão à retribuição e ao reembôlso.
Lê-se no Código Civil, ad. 1,276: “Se o depositário se tornar incapaz, a pessoa que lhe assumir a administração
dos bens diligenciará imediatamente restituir a coisa depositada, e, não querendo ou não podendo o depositante
recebê-la, recolhê-la-á ao depósito público, ou promoverá a nomeação de outro depositário”.
Se o depositário que se tornou incapaz era depositário em virtude de ato de profissão e houve sucessão no
estabelecimento ou escritório, mesmo em se tratando de incapacidade absoluta, o sucessor pode assumir a
posição jurídica de depositário, ficando ao depositante denunciar, ou não, o contrato de depósito.

MÚTUO
3. PLURALIDADE DE DEPOSITANTES. “Sendo dois ou mais os depositantes e divisível a coisa”, estatui o
Código Civil,art. 1.274, “a cada um entregará o depositário a respectiva parte, salvo se houver entre êles
solidariedade”. O depósito pode ter sido feito por duas ou mais pessoas, ou por uma, em nome. de duas ou
mais. A natureza do bem depositado, da res deposUa, é que, estabelecendo a divisibilidade ou a indivisibilidade
do bem depositado, determina a da própria dívida. Se divisível a res deposita, têm-se os depositantes como
legitimados ativos. ao recebimento das suas quotas respectivas, que, na falta de explícita ou implícita
discriminação quantitativa, se consideram iguais (cf. Código Civil, art. 890). Se a res deposita é indivisível, não
há pensar-se em quotas, nem em solidariedade: os que depositaram têm de, juntos, exigir a restitiúção ,. ou
qualquer o pode fazer; mas só há liberação do depositário se êle restitui a todos conjuntamente, ou a um dêles,
que dê caução. de ratificação pelos outros (cf. Código Civil, art. 892).

4. BEM DEPOSITADO. O ad. 1.265 do Código Civil só se refere a bem móvel. Se foi concluído contrato que
tem por objeto a custódia de bem imóvel, o contrato não é de depósito, mas de locação de serviços ou de obra,
ou de outro contrato. No direito processual civil, há o depósito de imóveis (Código de Processo Civil, art. 945,
II, verbis “e imóveis”), e não é vedado o depósito de bens imóveis, a despeito das expressdes do Código Civil,
art. 1.265, se as circunstâncias permitem-que se pense em depósito, como se está em causa pequeno trato-de
terra em que se esconderam valôres ou jóias preciosas ou se foi achado e ainda não se quer retirar o tesouro. A
custódia, quando o objeto é bem imóvel, é elemento de outro contrato. As apólices da dívida pública gravadas
com a cláusula de inalienabilidade consideram-se bens imóveis para ps efeitos legais (Código Civil, art. 44, II).
Podem ser entregues em depósito, pôsto que, inalienável como é o direito de crédito que nelas se incorporou,
seja sem grande alcance o depósito.
Qualquer bem móvel pode ser objeto de depósito. Ê preciso,. porém, que se trate de bem suscetível de
conservação material;. muito embora para isso os deveres cresçam de ponto. Os bens-incorpóreos não são
depositáveis, salvo excepcionalmente, mas, aí, o contrato de depósito inclui outros deveres que o consen vação
material.
O depositário do bem corpóreo em que está bem incor-póreo tem deveres especiais e não se pode dizer que não
seja bem depositado o bem incorpóreo. O exemplo mais expressivo. é o do depósito de papéis ou de outro
material em que se insere alguma descoberta científica ou industrial, ainda não-divulgada. Aí, o depositário
tem, a mais, o dever de sigilo. Aliás, o dever de sigilo está implícito em qualquer depósito. em que o depositário
saiba que tem de guardar segrêdo.

5.MoDo DE ENTREGA. A entrega pode ser mediante qualquer ato de transmissão da posse. O que importa é
que a transferência da posse, necessária à custódia, conforme os têrmos do contrato, se haja operado. O
depositário pode vincular-se pelo simples recebimento dos conhecimentos, ou dos recibos de outro depositante,
ou pela simples cessão da pretensão à entrega. Quem assume a posição de depositário tem de-prever qual o
meio de transmissão da posse que lhe basta. O depositante transfere a posse a titulo de depósito; e a título de
depósito recebe-a o depositário. Se A adquiriu, na joalheria de E, o colar de diamantes, e C assinou com A o
contrato de depósito, satisfazendo-se com o recibo de E, assumiu a posição jurídica de depositário, muito
embora a transmissão da posse tivesse sido longa manu. A responsabilidade de E é de ven-dedor, e tal
responsabilidade permanece até que B entregue a C o objeto. Mas a responsabilidade de C começa no momento
-em que, tendo recebido a posse mediata de A, poderia retirar o objeto.
Se a pessoa que vai ser depositário já tem posse do bem, de ordinário posse imprópria imediata, o contrato real
de depósito conclui-se com a tradição brevi manu. Nada obsta a que a posse, que ela tem, seja apenas posse
imprópria mediata, se o contraente pode exigir a seu líbito a entrega da posse-imprópria imediata.
Também a pessoa que aliena a propriedade ou a posse do~ bem pode fazer-se, pelo constituto possessório,
depositário dêle.
“Se o depósito se entregou fechado, colado, selado, ou lacrado”, diz o Código Civil, art. 1.267, “nesse mesmo
estado~ se manterá; e, se fôr devassado, incorrerá o depositário na presunção de culpa”.

§ 4.660. DURAÇÃO DO DEPOSITO


Trata-se da vedação de abrir o depósito fechado. Se o depositante entregou, fechado, colado, selado, ou
lacrado, o depósito, quis, implicitamente, que não se abrisse. Se, porém, há menção do que contém, seria
arriscado para o depositário deixar de abri-lo à vista do depositante, ou do portador.
Alguns depositários costumam receber os pacotes fechados, ou as caixas, e no recibo declaram que o

MÚTUO
depositante “diz conter” determinados objetos, inclusive moeda. Essa declaração nao exime o depositário dos
deveres de custódia e do dever de não abrir; mais: de modo nenhum o torna irresponsável pela desaparição de
algum elemento do conteúdo e do próprio
-elemento que se disse lá estar, pois o ônus de alegar e provar que lá não estava passou ao depositário, se há
vestígio ou qualquer prova de abertura ou de violação. Por isso, não é recomendável a ambiguidade da
declaração do depositário.
Quanto à posse, qualquer meio de transmissão da posse é bastante para o elemento do contrato de depósito. Em
todo o caso, os contraentes podem restringir a alguns meios ou a um dos meios a transmissão da posse com que
se há de reputar integrado o contrato real, ou o próprio contrato consensual, ou adimplível o pré-contrato.
Comprou A a B o automóvel e contratou o depósito com C, mas ficou estipulado que só se teria por feita a
tradição se o automóvel fôsse entregue por A, ou por empregado de A, inclusive se após as exigências e
formalidades policiais. Também é permitida a cláusula de só se apanhar o automóvel no dia tal, ou ter C de ir
buscar o automóvel.

6. SE A FORMA É PRESSUPOSTO NECESSÁRIO. Diz o Código Civil, art. 1.281: “O depósito voluntário
provar-se-á por escrito”. Temos de entender: a) que a forma escrita não é essencial ao negócio jurídico do
depósito; b) que a prova tem de partir de comêço de prova por escrito; e) que a confissão basta àprova (2.~
Câmara Civil do Tribunal de Apelação de São Paulo, 7 de maio de 1940, R. dos 2’., 128, 540>. A 2.~ Câmara
Civil, a 19 de outubro de 1943 (R. dos 2’., 148, 234), chegou a dizer:
“O depósito voluntário pode ser provado por qualquer meio, ilão se exigindo exclusivamente a prova por
escrito”. O depósito pode ser provado pelo cupão, ficha, tíquete ou outro rótulo, que se entregue ou saia do
automático, ou pelos telegramas ou telefonemas que possam ser provados. Telegrafou A: “Peço -apanhar no
salão a jóia de que me esqueci, na mesa do canto da sala, com tantos diamantes, e guardá-la e depósito”.
Resposta de C: “E abriu-me a casa e apanhei jóia, em perfeito estado; tenho-a em depósito”. Aí está apenas
exemplo.

7.NULIDADE E ANULABILIDADE. As regras jurídicas sôbre nulidade e sôbre anulabilidade do contrato de


depósito são as mesmas que incidem a propósito dos outros contratos. A forma usual, em virtude de regra
jurídica explícita, é a escrita, ressalvado o que acima dissemos (n. 6).

§ 4.660. Duração da relação jurídica de depósito

1.ESPÉCIES. Pode dar-se a) que a nenhum têrmo se refira, explícita ou implicitamente, o contrato de depósito,
b) que haja têrmo determinado, ou determinável.
O depositante pode ter interêsse no têrmo, determinável ou indeterminável, e pode ser que êsse interêsse seja do
depositário. Não é de afastar-se que o têrmo interesse aos dois.

2.CONTRATO DE DURAÇÁO. Contrato de duração, ou de adimplemento continuado (mesmo se há


interrupções, como se o depositante retira a pasta com os papéis todos os dias quando sai para o trabalho, ou a
hóspede do hotel pede, de noite, as jóias para as usar)~ o contrato de depósito supóe tempo dentro do qual o
depositário custodia.

3.DEPÓSITO E DETERMINAÇÃO DE TEMPO. O depósito pode ser por tempo determinado, ou


determinável, ou por tempo indeterminado. Todavia, diz o Código Civil, art. 1.268: “Ainda que o contrato fixe
prazo à restituição, o depositário entregará o depósito, logo que se lhe exija, salvo se o objeto fôr judicialmente
embargado, se sôbre êle pender execução, notificada ao -depositário, ou se êle tiver motivo razoável de
suspeitar que -a coisa foi furtada, ou roubada (art. 1.273> “.
A exigência da restituIção não é revogação (aliter, no mandato, Código Civil, art. 1.316, 1, 1.a parte), e sim
denúncia vazia, mesmo se há prazo determinado (no direito alemão, a denúncia é cheia, pois o § 696 do Código
Civil alemão exige fundamento importante, “em wichtiger Grund”).

Discute-se se o art. 1.268 do Código Civil é ins cogens ou tua dispo.sitivum. Pela dispositividade, PAUL

MÚTUO
OERTMANN (Das Recht der Schuldverhiiltnisse, 837), G. PLANCK (Kommentar, II, 4~ ed., 708) e JOSEF
ESSER (Lehrbuch des Schuldrechts, 335). Por exemplo: o contrato diz que é “pelo prazo de dois anos, quando,
voltando ao Brasil, abrirá o cofre em que os diamantes foram postos pelo depositário”; não há denunciabilidade
vazia nos dois anos; findos os dois anos, a restituição é em virtude de ouLa causa de extinção, a que consta do
art. 955 do Código Civil.
Não obstante a letra do art. 1.268 do Código Civil, havemos de entender que, se há prazo determinado, os
contraentes podem regular a pretensão à restituição. O art. 1.268 tem de ser tratado como ins dia positivunv.
Isso não significa que a irrestituíbilidade negocial não fique exposta a que o depositante alegue fundamento
relevante para exigir o depósito, ou a que o depositário mostre que as circunstâncias impossibilitam a guarda e a
conservação do depósito ou as fazem de dificílimo adimplemento.

4.TÉRMO A FAVOR DO DEPOSITANTE E TERMO A FAVOR DO DEPOSITÁRIO. A propósito do que se


assenta quanto ao pedido de restituição, ou à restituição, não há qualquer distinção entre depósito oneroso e
depósito gratuito.
Se o têrmo é a favor do depositário, o art. 1.268 do Código Civil não é de invocar-se: o depositário pode
denunciar o contrato, ao passo que o depositante está adstrito ao têrmo. A denúncia pelo depositário há de ser
seguida de prazo razoável para a restituIção, isto é, há de haver aviso prévio ou pré-aviso. Ou, se é o caso, de
depósito judicial.
A fixação de têrmo a favor do depositário não transmuta em comodato, ou em penhor, o negócio jurídico. Se
passa à frente do interêsse de custódia o de uso pelo depositário, então sim.
Se há têrmo e não se diz a favor de quem, o que se há de entender é que foi inserto a favor do depositante.
Se nenhum têrmo se estabeleceu, qualquer dos figurantes pode denunciar o contrato. Se é o depositante que o
denuncia, o pedido de restituição a que se refere o art. 1.268 do Código Civil denúncia é. Se é o depositário, ou
o depositante recebe o bem, ou ao depositário nasce a pretensão a que se faça o depósito judicial (cf. Código
Civil, arts. 1.270, 973, 1 e II, 975 e 982). A denúncia pelo depositário é denúncia cheia, e não denúncia vazia. O
depositário somente pode denunciar se há “motivo plausível”.
Se houve têrmo a favor do depositante, é preciso que haia invocabilidade de alguma das regras jurídicas dos
arts. 1.269 ou 1.270 do Código Civil.

EFICÁCIA DO CONTRATO DE DEPóSITO

§ 4.661. Direitos e deveres do depositante

1.DESPESAS FEITAS PELO DEPOSITÁRIO. Se o depositário faz despesas para a guarda e a conservação da
coisa depositada, tais como gastos de reparação ou de consêrto, alimento, medicação, ou prêmio de seguros,
desde que sejam, conforme o costume do tráfico ou as circunstâncias, indispensáveis, ou que pareçam
indispensáveis, tem o depositante o dever e a obrigação de as pagar. No art. 1.278 do Código Civil estabelece-
se: “O depositante é obrigado a pagar ao depositário as despesas feitas com a coisa, e os prejuízos que do
depósito provierem”. Quanto ás despesas, não é preciso que sejam indispensáveis; basta que razoávelmente ao
deposiário pareçam ser indispensáveis. O erro inescusável é que obsta a que lhe nasca a pretensão ao
reembôlso.
O que faz típico o negócio jurídico bilateral do depósito é a confiança do tradente na custódia pelo que tem de
guardar a coisa. Guardar é pôr em lugar seguro. Pode haver, noutros negócios jurídicos, o dever de guardar, e
essa é a razão por que as leis se referem a certas pessoas dizendo-as responsáveis “como depositários”, e
algumas respondem como o depositário responderia, sem serem depositários (e. g., os administradores de títulos
representativos ou de crédito).
As discussôes em torno de haver, ou não, dever de custódia procederam, como vimos, de se atentar ora na
duração do depósito ora no seu adimplemento. O dever, para a segunda atitude, seria dever de adimplir com
integralidade do objeto depositado, ao passo que, para a primeira, dever permanente, desde
a entrega do objeto para depósito até a restituição. O argumento contra essa consistiu, principalmente, cm ser
sem grande alcance a exigibilidade da custódia e da diligência se a responsabilidade é pelo que resulte da
própria fôrça maior ou do caso fortuito, que não se possa provar. Cf. Código Civil, a:ts. 1.266-1.271 e 1.273.

MÚTUO
2.POSSE, ELEMENTO DO SUPORTE FÁCTICO. A coisa que se quer depositar pode não pertencer ao
depositante. Basta que seja possuidor, para que dê ao depositário a posse imemata. Todavia, o tenedor da coisa
que precisa depositá-la pode fazê-lo: o contraente é êle, o depositário recebe posse imediata, em virtude de ato
de gestão de negócios alheios por parte do depositante. Pode ser o caso do achador que não se fêz possuidor
(Tomo X, §~ 1.064, 7, 1.064, 7, 1.081, 3, 6, e 1.137, 1).
Para a entrega da posse ao depositário, basta qualquer dos meios de transferência da posse (tradição simples,
tradicão brevi manu, tradição longa rnanu, constituto possessorio. cessão da pretensão à entrega da posse). O
vendedor que transfere a propriedade e acorda em que a coisa fique depositada é alienante que transfere o
domínio e a posse e se faz possuidor imediato, pelo constituto possessório.
3.ELEMENTOS DE OUTROS CONTRATOS. Se, além da custódia, com o requisito de lugar e guarda, o
contrato atribui ao depositário atividade especial de vigilância e cuidado (essa atividade pode ser intrínseca ao
depósito, caso em que não se precisa de cláusula ou de pacto adjecto), há, a mais, contrato de locação de
serviços, ou de mandato, ou há qualquer dêsses e, a mais, o contrato de depósito. Se o contrato é apenas de
locação de serviços ou de mandato, com a cláusula de responsabilidade corno depositário, o contrato não é de
depósito, e apenas se agrava a responsabilidade em relação à que resultaria do tipo do contrato. Faz irradiar-se o
dever de custódia.

4.CONTRATO DE EXPOSIÇÃO. O contrato de exposição (exposicão artística, tecnológica, científica,


industrial, comercial, agrícola; local, municipal, estadual, nacional, internacional) pode envolver a
responsabilidade de depositário e de. regra a envolve. O interêsse preponderante é o do depositante, cm que se
guarde e conserve e em que se exponha o que foi entregue. O contrato é de depósito, com a obrigação de expor;
ou de exposição (contrato atípico), com a cláusula de depósito (contrato misto) ; ou simples mandato. Não há
solução a priori. O que mais acontece é o contrato misto (expor e guardar).

5.CONTRATO ONEROSO OU GRATUITO. De regra, o contrato de depósito é gratuito, no sentido de não


haver remuneração ao depositário, mas isso só tem, hoje, a relevância para se considerar dispositivo o princípio.
Os contraentes podem fazê-lo oneroso para o depositante, e é o que resulta do art. 1.265, parágrafo único, do
Código Civil: etste contrato é gratuito; mas as partes podem estipular que o depositário seja gratificado”. Se a
remuneração apenas indeniza gastos que tem de fazer o depositário, ou se não há qualquer gratificação, o
contrato é unilateral e gratuito. As gorjetas e mais presentes que o depositante dá aos empregados do depositário
de jeito nenhum fazem oneroso o contrato de depósito. Tão-pouco é oneroso o contrato de depósito porque o
depositante teve de pagar as despesas de transporte para o lugar do depósito, feitas pelo depositário, ou porque
alguém fêz presente ou alguns presentes ao depositário.
A extinção do dever de restituir importa, correlativamente, a extinção do dever do depositante de pagar
qualquer remuneração ao depositário, que se haja estabelecido em cláusula ou em pacto adjecto. Tem-se, então,
de remunerar somente pelo tempo em que foi diligentemente exercido o dever de custódia.

6.REMUNERAÇÃO PARCIAL. Se a remuneração foi por período ou tempo único antes de cujo têrmo foi
exigida a restituição da coisa, é de entender-se, na dúvida, que só se presta a parte correspondente ao tempo em
que a coisa estêve depositada. Se, a despeito de acordarem no depósito os interessados, a coisa não foi entregue,
não há pensar-se em remuneração, salvo cláusula expressa em que se preveja tal obrigação pré-contratualmente
assumida, como se o contraente, que teria de receber a coisa, tem de reservar lugar para ela, ou fazer gastos. Se
o contrato de depósito é consensual, ou se houve pré-contrato, a remuneração pode ser cobrada em caso de
inadimplemento e exigida a indenização de perdas e danos.

Nos contratos consensuais de depósito, é usual pagar-se, à assinatura do contrato, ou à sua conclusão, com o só
recibo da remuneração (“Recebi de B em cuja casa serão apanhados hoje os móveis descritos no verso”), parte
ou tôda a prestação periódica. Se o depositante muda de vontade e deixa de entregar o objeto, tem-se de
interpretar que a parte ou o total da prestação periódica é irrepetível pelo depositante.

‘7. “SEQUESTRATIO” E SEQUESTRO. Caso especial de depósito, no direito romano, era a sequestratio.
Supóe-se pluralidade de pessoas interessadas no depósito, a uma das quais se há de entregar a coisa, conforme
fôr determinada. É interessante observar-se que o sequestratário tinha a posse, à diferença dos outros

MÚTUO
depositários. A ação para a restituição era a ação de depósito, a acUo depositi sequestraria (POMPÔNIO, L. 12,
~ 2, 13., depositi vel contra, 16, 3; PAULO, L. 6). Exemplos de seqUestração no direito romano, tinham-se no
depósito da coisa sôbre cuja propriedade pendia litígio (cf. FLORENTINO, L. 17, D., depositi vel contra, 16,
8).
Advirta-se em que é rara, hoje, a seqUestração, depósito voluntário; o que há é o seqUestro por fôrça de lei, ou
como medida cautelar.
A má terminologia de algumas leis confunde o seqUestro e a penhora, que é inicio de execução. O que há de
comum, entre êles, quando determinado aquêle pelo juiz, é o serem medidas constritivas, aquela cautelar, e
essa, não.
Sôbre a diferença entre a sequestratio e o seqUestro, Tomo X, § 1.114, 1.
No direito brasileiro, o seqUestro extrajudicial, que é aquêle que se perfaz com a entrega da coisa, por uma ou
mais pessoas, para que posteriormente se diga quem lhe pode exigir a restituição, só se refere a coisas móveis.
No tocante a imoveis, o negócio jurídico, com os Poderes e deveres de administração, de regra não é o depósito
(ai, sequestrum). Mas há o depósito cautelar e executivo de bem imóvel.

8.LUGAR DADO SEM ASSUNÇÃO DE DEVER DE CUSTÓDIA. Se alguém recebe ou permite que outrem
deixe em certo lugar, ou em qualquer lugar que ocupa, algum objeto, sem assumir dever de custódia (zz com a
só vigilância geral, inespecializada), não há contrato de depósito. É o que se passa com o abrigo que se põe na
salinha de entrada da frisa ou do camarote, ou com o cavalo ou com a bicicleta que se encostou ao muro ou à
árvore do jardim, ou com a pasta que se entregou à porteira do gabinete médico ou do escritório de advocacia,
para se vir buscar mais tarde. O abrigo que se entrega ao encarregado ou encarregada do guarda-chapeus fica
em depósito, mas o cartão, que se dá para a retirada, é título suficiente de legitimação. O chapeleiro do edifício
da fábrica ou da casa. comercial e o responsável pelos automóveis ou bicicletas dos operários são depositários.
Sempre que a guarda é forcada, como se dá nas alfândegas, pontos de fiscalização, seqUestro judicial ou
policial, nos cartórios e secretarias de tribunais (no que concerne a documentos e escritos), há contrato de
depósito.

§ 4.662. Uso e custódia do bem depositado

1. Uso E PROPRIEDADE. Aqui, o que nos interessa é a cláusula de uso (zz cláusula de poder ou de dever o
depositário usar a coisa depositada), ou o pacto adjecto de uso (= pacto de poder ou de dever o depositário usar
a coisa depositada), e não a transmissão da propriedade da coisa depositada, assunto que adiante se versará a
propósito do depósito irregular, stricto sensu.
Ao depositário não se permite usar a coisa, salvo cláusula eu pacto adjecto expresso. Lê-se no art. 1.275 do
Código Civil:
“Sob pena de responder por perdas e danos, não poderá o depositário, sem licença expressa do depositante,
servir-se da coisa depositada”. Se há contraprestação, dificilmente os elementos do suporte fáctico deixam de
compor a figura da locação; mas, ainda aí, não é para se dizer que, havendo contraprestação, há locação, e não
depósito. O que importa saber-se é se o depósito é o que está na intenção dos contraentes, sendo o uso ou o uso
e a fruição por pacto adjecto ao contrato de depósito. Exemplo de simples obrigação secundâria tem-se na de
cobrar os cupões dos títulos depositados ou apresentá-los para efeitos de conservação de pretensões, ou para
recebimentos, ou para o exercício dos direitos formativos.

Se o depositante consentiu no uso do bem depositado, tem-se de distinguir do depósito de bem fungível o
depósito de bem infungível. Ali, o depósito é irregular; aqui, regular. Se regular o depósito, tem-se de saber se
verdadeiramente o é, ou se não passa de comodato. Aliás, só há a questão se gratuito o contrato. O que importa
é a posição do interêsse no contrato:
se de quem recebe o bem, há comodato; se de quem entrega, há depósito. Se há depósito com permissão do uso,
o exercício do uso é regulado como seria o do comodatário (cf. Código Civil, arts. 1.251, 1.252 e 1.254).

2.REGRAS JURÍDICAS CONCERNENTES AO DEPÓSITO.

MÚTUO
O depósito mais freqUente e típico, com a incidência, portanto, de tôdas as regras jurídicas tocantes ao
depósito, era, em direito romano, e continua de ser, o depósito de coisas certas. Sôbre elas não adquiria o
depositário domínio, nem por imperfeição da teoria da posse segundo o direito romano posse. No direito
brasileiro, o depositário, em principio, não adquire o domínio, mas recebe, sempre, a posse. O art. 486 do
Código Civil atribui-lhe, implicitamente, a posse imediata, que pode, aliás, mediatizar-se. Ao depositário
conforme o direito romano só se reconhecia a tença % detenção, no direito comum, naturalis possessio, o
tenere rem).
O depositante tinha, em direito romano, a acUo depositi directa; às vêzes, a acho depositi contraria, o
depositário.
Regia e rege hoje o principio da restituibilidade co gente. O depositante podia exigir, quando entendesse, pela
acho depositi, a restituição da coisa depositada. Havia, para isso, a pretensão e a ação. No direito brasileiro,
vige tal principio, que se exprime no art. 1.268 do Código Civil: “Ainda que o contrato fixe prazo à restituição,
o depositário entregará o depósito, logo que se lhe exija, salvo se o objeto fôr judicialmente embargado, se
sôbre êle pender execução, notificada ao depositário, ou se êle tiver motivo razoável de suspeitar que a coisa foi
furtada, ou roubada (art. 1.278)”. Teremos ensejo de cogitar do direito de retençâo que pode ter, hoje, o
depositário (art. 1.279).
Em direito romano, o depositário somente respondia pelo dolo, ou já no direito justinianeu pela culpa lata. O
que se pode trazer à tona contra a segunda proposição seria a L. 82,
D., depositi vá contra, 16, 3, mas temos que não é de CELSO a referência a depósito. Por outro lado, na L. 1, §
5, D., de oblibationibus d actionibus, 44, 7, houve interpolação.
Os direitos e as pretensões que tinha o depositário, como teria o comodatário, exerciam-se em judicium
contrarium.
À acho depositi directa não se podia opor compensação, nem direito de retenção (cf. L. 11, C., depositi, 4, 34; e
o texto de PAULO, Sententiae, II, 12, 12: “In causa depositi compensationi locus non est, sed res ipsa reddenda
est”). Veja-se o que, no Tomo XXIV, § 2.987, 4, dissemos sôbre o texto de PAULO, que é espúrio.

8. ALTERAÇÕES AOS PRINCÍPIOS DO DEPÓSITO. (a) Ao depositário pode agravar-se dever ou obrigação
(maior diligência, assunçao dos riscos). Daí resulta que os arts. 1.266 e 1.277 do Código Civil podem ser
atingidos, por expressa cláusula ou pacto adjecto. Na L. 1, § 6, 13., depositi vel contra, 16, 3, IJLPIANO disse-
o: “Si convenit, ut in deposito et culpa praestetur, rata est conventio: contractus enim legem ex conventione
accipiunt”. Adiante, na L. 1, § 35, acrescentou:
“Saepe evenit, ut res deposita vel nummi periculo sint eius, .apud quem deponuntur: ut puta si hoc nominatim
convenit” (cf. L. 89, 13., mnndati vel contra, 17, 1). Na L. 7, § 15, de pactis, 2, 14, ULPIANO informa~ si
quis pactum sit, ut ex causa depositi omne periculum praestet, Pomponius ait pactionem valere nec quasi contra
iuris formam factam non esse servandam”. O texto da L. 1, § 35, é expressivo: por vêzes ocorre que se deposita
a coisa a risco do depositário. E foi o que disse POMPÔNIO, segundo ULPIANO.
(b) O depositário pode ser favorecido por alguma cláusula ou pacto adjecto. O art. 1.275 do Código Civil é a
regra jurídica que o reconhece: “Sob pena de responder por perdas e danos, não poderá o depositário, sem
licença expressa do depositante, servir-se da coisa depositada”.
Se o depósito cabe na espécie prevista no art. 1.280, o uso está incluído no domínio. Não basta que a coisa seja
fungível, é preciso que seja fungível e se haja anuído na transferência da propriedade.
Se o depósito não cabe na espécie prevista no art. 1.280, é preciso cláusula expressa ou pacto adjecto expresso.

§ 4.66.3. DEVERES E DIREITOS DO DEPOSITÁRIO

Na L. 84, pr., 13., mandati rei contra, 17, 1, AFRICANO acentuou que, se se convenciona que o dinheiro que se
deu em depósito passa a ser creditado, o que era do depositante se faz do depositário (quod, si pecuniam apud te
depositam convenerit ut creditam habeas, credita fiat, quia tunc nummi, qui mei erant, tui fiunt>.
Na L. 9, § 9, 13., de rebus creditis si certum petetur et de condictione, 12, 1, é de ULPIANO: “Depositei dez
moedas e depois te permiti usar delas: Nerva e Próculo dizem que também antes de serem utilizadas posso
reclamá-las pela condictio como quase mutuo feito a ti, e é verdadeiro, como também parecia a Marcelo:
porque começou de possuir com animus. E depois o risco passou ao que solicitou o mútuo e poder-se-á
reclamar pela condictio”. Com o depósito, teve o corpws; com o pacto, vem o animus e dá-se aquisição.
A concepção e a teoria da posse, que tem o sistema jurídico brasileiro, não podem mais admitir o que está em

MÚTUO
ULPIANO. Ao depositário vai a posse imprópria imediata, que se pode mediatizar. Depois, com a permissão de
utilização das moedas, é a posse própria que se transfere.

4. DEPÓSITO EM SEGURANÇA. Depósito em garantia diz-se o depósito que se faz para que, com êle, se
assegure a solução de alguma dívida presente ou futura. Ou há, no que se convencionou, depositum simulatum
(cf. L. 27, 13., depositi vá contra, 16, 3), ou penhor, ou depósito que funciona como garantia, em virtude de
pacto que não lhe alterou a natureza (e. g., o banco tem permissão para se pagar com o depósito, que se fêz com
prazo para a retirada).

5. DEPÓSITO NOS ARMAZÉNS GERAIS. Já tratamos dos depósitos nos armazéns gerais, dos
conhecimentos e dos. warrants, títulos representativos (Tomo XV, §§ 1.757, 5, 7; 1.825; 1.830-1.832; XX, §
2.549, 2; XXI, §§ 2.595; 2.634; 2.659-2.667; XXXITJ, § 3.799, 2).

§ 4.663. Deveres e direitos do depositário


1. DEVER DE CUSTODIAR. (a) Tem o depositário o dever de custodiar. O depositante, ao entregar-lhe a
coisa, presunúvelmente se informou quanto à idoneidade e aos hábitos do depositário a respeito do que guarda,
seu ou seu e dos outros. Por isso, há de esperar que o depositário tenha com o depósito o cuidado que costuma
ter com o que lhe pertence.
Na L. 32, 13., depositi rei contra, 16, 3, CELSO lembrou a PRÓCULO e a NERVA: “O que dizia Nerva ser o
dolo culpa mais lata, e não agradava a Próculo, a mim me parece mui verdadeiro. Pois que, também, se alguém
é diligente pelo modo que a natureza dos homens requere, mas não tem cuidado com o depósito a seu modo,
não precisa de fraude: porque, de boa fé, não porá menor cuidado nelas do que nas suas coisas” (nec enim salva
fide minorem is quam suis rebus diligentiam praestabit).
No contrato de depósito, o dever de custodiar é o dever principal. O depositário recebe o bem depositável para
guardá-lo, porque êsse é o fim que tem o depositante. Se algum outro dever passa à frente, não se trata de
depósito, mas de outro contrato, ou de contrato misto.
Custódia não é administração. Administra quem assume gestão econômica. Não basta que mantenha o bem no
estado em que o recebeu. ‘O depositário não tem, sequer, dever de segurar o bem. De regra, quem administra
custodia. mas quem custodia de regra não administra.
Todos os bens ocupam espaço. Porém seria errôneo dizer-se que custodiar implica reservar espaço, ou, a
fortiori, reserva imutável de espaço. Cláusula contratual pode determiná-lo, o que é plus, em relação ao contrato
típico.
No contrato de depósito pode-se (e usa-se) inserir a cláusula de o bem ser pôsto em determinado lugar em que o
depositário costuma colocar os bens depositados, ou num dos lugares, ou de ser a certa altura ou com
exigências de frio ou de calor, de ar sêco ou úmido, ou sem (ou com) a proximidade de outros objetos.
O dever de custódia, em princípio, se limita à dação de lugar e de proteção eficaz, que supôe a prática de atos
de conservação e a omissão de atos danosos ou que possam expor a danos. O depositário tem de estar atento ao
que se passa com o bem depositado, para que a tempo possa afastar o que prejudicaria o bem depositado. Não é,
salvo cláusula contratual, adstrito a conservar o bem no estado estrito em que se achava, ‘embora se leia no art.
1.266 que lhe toca dever de “conservação” do bem. Os bens depositados também sofrem deteriorações pelo
tempo. Também se estragam em peças. Também requerem reparos e podem, por defeitos estranhos à
conservação, diminuir de valor ou de utilizabilidade.
Diz o Código Civil, art. 1.277: “O depositário não responde pelos casos fortuitos nem de fôrça maior; mas, para
que lhe valha a escusa, terá de prová-los”.
O que importa, quanto ao art. 1.277, é atender-se a que êle somente estabeleceu, contra o depositário, o ánus de
alegar e provar. Se houve caso fortuito ou fôrça maior e o depositário alega e prova o que ocorreu, não
responde pelo dano, mesmo que tenha havido destruição do bem. Se, em vez disso, houve o caso fortuito e êle
deixou de alegar, oportunamente, ou alegou porém não provou o caso fortuito ou a fôrça maior, responde pelos
danos, quaisquer que sejam.
No art. 1.278 do Código Civil estatui-se que o depositante tem de pagar ao depositário as despesas feitas com o
bem e os prejuízos que do depósito lhe advieram. Entenda-se: despesas que não hajam resultado de culpa do
depositário e prejuízos que provenham de culpa do depositante na conclusão do contrato, isto é, se êsse não
comunicou a causa ao depositário ou êle mesmo não a conhecia.
O dever de custódia compreende o de reparos e alteracões que o estado do bem depositado exija, tais, que o

MÚTUO
depositário, se o bem fôsse seu, faria, e que o depositante, conhecendo o que ocorre, exigiria ou permitiria.
Todavia, o depositário, antes de qualquer reparo ou alteração, deve avisar o depositante, a tempo de receber a
resposta, salvo se há algum risco na espera.
(14 O depositário é possuidor imediato, que pode ter servidores da posse. Não pode entregar a posse a outrem.
No direito brasileiro, a regra jurídica, não-escrita, é ius dispositivum. No direito alemão, o § 691 do Código
Civil alemão é interpretativo, o que, de inre condendo, não é solução recomendável. Se o depositário, sem
permissão, dá a outrem a posse imediata, fazendo-o ou não depositário, infringe o contrato e responde por
perdas e danos. Se foi inserta a cláusula de entregar a guarda, a responsabilidade do depositário é por sua
própria culpa, inclusive in digendo.
Quanto a servidores da posse, como ajudantes na custódia ou na conservação, têm êles de operar rigorosamente
conforme o conteúdo e a finalidade do contrato. De ordinário, são permitidos os ajudantes que a natureza do
objeto depositado exija. A responsabilidade do depositário é pela culpa in eligendo ou com fundamento no art.
1.521, III, do Código Civil, sem se afastar a de infrator.
O depositário pode modificar a guarda da coisa, inclusive quanto ou lugar, se, pelas circunstâncias, seja de
supor-se que o depositante aprovaria a modificação se conhecesse o ocorrido. Tem de comunicá-lo ao
depositante e aguardar a resposta, se não há perigo na demora das providências aconselháveis.
Mesmo se foi inserta cláusula de determinado lugar para a guarda do bem, a superveniência de perigo que não
podia ser previsto, ou que se não previu, permite ao depositário mudar o lugar do depósito. Tem, conforme os
princípios, de préviamente avisar o depositante, ou de avisar em prazo razoável, se a demora na mudança
poderia ser lesiva.
(c) O depositante pode, a qualquer momento, exigir a restituícão da coisa. O art. 1.268 do Código Civil é
dispositivo:
“Ainda que o contrato de depósito fixe prazo à restituição, o depositário entregará o depósito, logo que se lhe
exija, salvo se o objeto fôr judicialmente embargado, se sôbre êle pender execução, notificada ao depositário,
ou se êle tiver motivo razoável de suspeitar que a coisa foi furtada, ou roubada (art. 1.273)”. O ad. 1.268 põe o
principio da restituibilidade do depósito. O depositário, em exceção, pode e tem de alegar que sobreveio
medida constritiva, que lhe conservou a posição jurídica de depositário, mas o tornou (também) depositário
judicial, ou que lhe foi tomada a posse imediata para se entregar a depositário judicial. A medida constritiva, a
que a lei se refere, é qualquer medida constritiva que estabeleça vedação de alteração da posse imediata ou
outra posse perante a justiça (arresto, seqfiestro, busca e apreensão, exibição, penhora).
O arresto veda dispor, restringindo a posse, pois o arresto é feito, ex hypothesi, em mãos do depositário. O
sequestro retira posse imediata e dá a posse imediata ao depositário ou a outrem. Quando o juiz retira a posse
imediata ao depositário, em verdade mediatiza a posse do depositário. Têm-se, então, em ordem: posse própria,
mediata, do dono; posse imprópria, mediata, do depositário negocial; posse imprópria, imediata, do depositário
judicial, que pode ser o depositário negocial.
Se o depositante exige a restituição, mas o faz inoportunamente, como se quer, sábado, ou domingo, ou em dia
feriado, os títulos que estão depositados no escritório ou no banco, o depositário pode responder que o
expediente está fechado e somente recomeça no primeiro dia útil.

2. BEM E ACESSõES. A coisa há de ser restituida com as suas acessões. Quanto às pertenças, hão de constar
do instrumento de depósito, ou de pacto posterior. As partes integrantes consideram-se entregues em sua
totalidade, porque foi entregue a coisa e não se pode admitir que só se haja entregue a coisa sem alguma parte
dela constar do instrumento do contrato ou de pacto posterior (declarativo) que faltava.

8. RESTITUIÇÃO. Lê-se no ad. 1.269 do ‘Código Civil:


“No caso do artigo antecedente, última parte, o depositário, expondo o fundamento da suspeita, requererá que
se recolha o objeto ao depósito público”.
O art. 1.269 do Código Civil é jus cogens. Também o é o § 695 do Código Civil alemão, a despeito das
divergências da doutrina. Entendem G. PLANCK (Kommentar, II, 707), L. ENNECCERUS-H. LEHMANN
(Lehrbuch, 1, 2, g1ag5~a ed., 550) e O. voN GIERKE (Deutsches Privatrecht, III, 736, nota 50) que se trata de
direito dispositivo; porém não era essa a opinião de 1’. LOERTMANN (Das Recht der Schuldverkdltnisse,
836), E. SCHOLLMEYER (Das Recht der einzelnen Schuldverhtfltnisse, 135), H. DERNBUEG (Das
liuirgerliche Recht, II, 2, 1329) e outros. Se a vontade dos contraentes não pudesse retirar o princípio da
restituíbilidade a líbito do depositante, no caso do art. 1.269 haveria razão para a espera.

MÚTUO
No direito alemão (Código Civil alemão, § 695), se há tempo marcado para a restituição, o depositante pode
exigi-la a qualquer tempo. Bem assim no direito brasileiro: o depositante pode exigir a restituição quando
queira; é inteiramente a seu líbito. Só há as exceções de que acima se falou.
Conforme dissemos (§ 4.660, 8, 4), o art. 1 .268 do Código Civil é ins dispositivum, pôsto que a cláusula de
prazo possa ser sem qualquer fundamento.
Surgem os problemas do têrmo a favor do depositário e do têrmo a favor do depositante. Somente se devem
atender se há interÉisse legítimo em que haja o têrmo.
A restituição há de fazer-se no lugar em que se previu, ou no lugar em que se fêz o depósito, ou em que, sem
culpa do depositário, se acha. O depositário não tem de levar ao depositante o bem depositado. Em todo caso,
pode o depositante determinar que se entregue a terceiro, ou se remeta a terceiro, às expensas e a risco do
depositante. Na L. 12, § 1, D., depositivel contra, 16, 8, POMPÓNIO deixou-o em têrmos claros: “O depósito
deve ser restituído naquele lugar em que se acha, sem dolo mau daquele com que está o depósito: e não importa
onde está o depósito (Depositum eo loco restitui debet, in quo sine dolo maIo eius est, apud quem depositum
est: ubi vero depositum est, nihil interest). Comumente, o mesmo se há de entender em todos os juízos de boa
fé. Mas é de dizer-se que, se quer o autor que de sua conta e risco se leve a coisa a Roma, há de ser ouvido,
porque isso também se observa na ação de exibição (eadem dice’nda sunt communiter et in omnibus bonae
fidei iudiciis. sed dicendum est, si velit actor suis inpensis suoque pericolo perferri rem Romam, ut audiendus
sit, quoniam et in ad exibendum actione id servatur)
Não é essencial ao contrato de depósito que haja a contínua disponibilidade pelo depositante. Pode ocorrer, por
exemplo, havendo interêsse do depositário, como o de somente restituir o quadro de pintor célebre, que está em
depósito, ao terminar a exposição de pintura que êle, ou grupo a que pertence planejou. O prazo para a
restituição, a que se refere o art. 1.268 do Código Civil, é prazo de restituição a favor do depositante. Pode
haver a cláusula de não-restitulbilidade até certo tempo, cláusula a favor do depositário.

4. FORA DE TEMPO. O depositário, se foi fixado prazo, somente pode antecipadamente restituir o depósito se
há razão relevante para isso. Se não foi fixado, pode fazê-lo a qualquer tempo, desde que não seja inoportuno o
momento. Se o depositante não retira o depósito, ou não o recebe, incorre em mora accipiendi e também em
mora debendi, porque tem a obrigação de retirar.

5. AçÃo CONTRA O DEPOSITÁRIO, DITA AÇÃO DE DEPÓSITO.. O Código de Processo Civil, arts. 866-
370, disciplinou a ação de depósito.
O depósito não é negócio jurídico formal. Pode fazer-se por instrumento particular, ou público; ou mediante
cautela, que é título de legitimação. Tal documento tem de ser junto com a petição inicial (Código de Processo
Civil, art. 159).
A escrita é de exigir-se ad pra bationem para o contrato (Código Civil, art. 1.281) ; mas o instrumento contrato
particular, ficha, cartão, recibo de depósito, etc. dito “documento” no art. 867, é necessário ao exercício da
ação dos arts. 366 e 867. Não sendo êle pressuposto da pretensão, a ação pode ser exercida com o rito ordinário.
A afirmação do autor é confessável pelo réu (com razão, TEIXEIRA DE FREITAS, Consolidação, art. 430,
nota 1, e CLóvís BEVILÁQUA, Código Civil Comentado, V, 20; sem razão, JoÃo MONTEIRO, Direito das
Ações, 175, nota). O escrito não é de modo nenhum sujeito a formalidades; não é, necessàriamente, o contrato
“assinado” do art. 135 do Código Civil. No próprio direito civil, não se poderia exigir a forma do art. 185,
tratando-se de casos do art. 1.284 do Código Civil. No direito comercial, menos ainda. A questão da forma tem
de ser examinada em cada espécie. Mas está assente que a certidão do registo do documento particular de
depósito (sem firmas reconhecidas. deixou de explicar a g•a Câmara Civil do Tribunal de Apelação de São
Paulo, a 4 de março de 1942, 1?. dos T., 136, 621) não basta. Aí, a solução seria a mesma para qualquer outro
contrato.
A lei processual não falou de frutos e de acessões (Código Civil, art. 1.266). Quanto às acessões, aderiram; é,
pois, acadêmica essa questão. Quanto aos frutos, tratando-se de frutos naturais, como a cria da égua ou da vaca,
pedem-se pela ação do art. 866, desde que haja documento. Tratando-se de títulos de crédito com cupões,
pedem-se títulos e cupões ou o dinheiro recebido com a apresentação dêsses. Nem são frutos, nem acessões;
porque se depositaram o título e o cupão, e não o título só. Quanto aos frutos que tenham sido pedidos, ou não
tenham sido pedidos, uma vez que se trata de coisa certa, a sentença é, por lei (Código de Processo Civil, art.
994, § 1.0), título hábil para a execução pelos frutos.
O depósito pode ter por objeto coisas infungíveis, ou coisas fungíveis (Código Civil, art. 1.280), regulando-se,

MÚTUO
nesse caso, pelos princípios que regem o mútuo (cf. Código Civil, arts. 1.256-1.264).
A ação de depósito contém elemento de condenação, a forte dose, mas é ação executiva. A lei joga com três
técnicas executivas, a da restituição da coisa (cf. Código de Processo Civil, arts. 367, verbis “entregar o objeto
depositado”, 992 e 993), a da entrega do equivalente (art. 367, verbis “ou seu equivalente em dinheiro”) e a da
constrição psicológica processual (art. 367, verbis “sob pena de prisão”). A resolução judcial é concebida nos
seguintes têrmos: (1) ou a) entrega da coisa, ou b) entrega do equivalente em dinheiro; (2) ou prisão. A
executividade é evidente se consideramos o primeiro caso da lei que corresponde a (1), ou se consideramos o
segundo, inclusive a decretação da prisão (Código de Processo Civil, art. 369). O segundo somente possui uma
fase: citação, nâo-(1), (2); o primeiro tem duas: citação, a) ou b), não-(2) contestação, curso ordinário.
Pode dar-se o caso de haver o depósito da coisa, ou do equivalente, e não haver contestação.
Têm legitimidade ativa para a ação de depósito: (a) os depositantes; (b) os herdeiros e sucessores; (e) os que
penhorarem pretensões dos depositantes ao depósito. Se divisivel a coisa, o pretendente, quanto à sua parte
(Código Civil, ~rt. 1.274). No caso de mandato ad recipienda solutione, ou de contrato a favor de terceiro, ou
terceiros, dá-se a legitimação do mandatário, ou do terceiro ou dos terceiros.
Têm legitimação passiva para a ação do art. 866 do Código de Processo Civil:
(a) O depositário, ou quem seja processualmente legitimado, emv ez dêle.
(b) Os herdeiros e demais sucessores do depositário. A intransmissibilidade das pretensões e ações oriundas do
depósito é lenda, que se vai repetindo, com certa aparência de chavão sábio. O que não se herda é o efeito
extracivil dos atos do depositário.
PEREIRA E SonsA (Primeiras Linhas, IV, § 482, nota 950) disse que somente não cabia o procedimento da
captura contra o herdeiro (naturalmente pela razão de ser fato de outrem). Bebeu-o em MANUEL MENDES
DE CASTRO (Practica Lusitana, 112), que ia mais longe, excluindo, contra os herdeiros e a mulher, a via
executiva, citando julgado isolado daquele tempo. SILVESTRE COMES DE MORAIS (Tractatus de
Executionibus. 2a ed., 1, 57) repetiu a MANUEL MENDES DE CASTRO: “iste modus executivus exigendi
depositum solum admittatur contra ipsum depositarium, non contra eius haeredes, aut successores”. Vê-se bem
que entre SILVESTRE GeMES DE MORAIS e PEREIRA E SonsA houve diferença. £sse suspeitou da
generalidade do que ousaram MANUEL MENDES DE CASTRa e, antes dêle, o “Senatus” lusitano. O
problema técnico, viu-o ULPIANO (L. 1, § 47, D., depositi rei contra, 16, 3). Tem-se de indagar se o herdeiro
ou sucessor conhecia a causa da posse (“ignarus depositam vel commodatam”), para se saber se obrou com
dolo, eu não. A pretensão ao valor da coisa é independente disso; o que pode tombar é a pretensão à restituíçáo
da coisa (“non tenebitur de re”), se o herdeiro ou sucessor de boa fé a alienou. Portanto, a ação pode ser movida
contra o herdeiro ou sucessor. Éle, que se defenda, nas quarenta e oito horas, provando que alienou de boa fé,
ou sofra a prisão e se defenda na contestação. O argumento de alguns Códigos de Processo Civil anteriores, na
esteira do Reg. n. 737, de 25 de novembro de 1850, art. 268, terem excluído o herdeiro ou sucessor, prova
exatamente o contrário do que pretendem os que o invocam:
o Código de Processo Civil riscou a regra. Entre os comentadores, J. M. DE CARVALHO SANTOS está certo;
sem razão, Luis MACHADO GUIMARÃES (Comentários, IV, 639).
(c) Os depositários por fôrça de lei (depósito não convencional),tais como: os hospedeiros e estalajadeiros,
pelas bagagens dos viajantes, dos hóspedes e dos fregueses (Código Civil, art. 1.284) ; os empresários, gerentes
ou administradores das emprêsas de armazéns gerais (Lei n. 1.102, de 21 de novembro de 1903, art. 11, inciso
1.0) ; os leiloeiros (Decreto n. 21.981, de 19 de outubro de 1982, art. 27, § 4,0) ; o síndico
da massa falida (Decreto-lei n. 7.661, de 21 de junho de 1945, art. 69) ; o terceiro que confessa ter dinheiro de
outrem em sua mão (art. 937, § 1.0). As pessoas jurídicas podem ser depositários (sem razão, o acórdão da
antiga Côrte Suprema, a 31 de março de 1987, aliás com indevido fundamento no art. 268 do Reg. n. 737, que
não mais aparece no Código de Processo Civil, de modo que nenhuma pertinência tem hoje).
A pena de prisão é, na ação de depósito, apenas meio coercitivo para se obter a execução da obrigação de
restituir o depósito. Advirta-se em que se o depositário se adianta em consignar a coisa, ou o equivalente fixado
por perito citado o depositante, não cabe pensar-se em cominação de prisão (ALExANDRE CAETANO
COMES, Manual Prático, 145 e 146).
A pena de prisão é a cominação usual da ação de depósito, que tem o depositante contra o depositário. Não
poderia o autor substitui-la pelo pedido de condenação à entrega, com aplicação final do art. 993 (imissão na
posse). Ainda quando pareça prudente ao réu não requerer a prisão, por haver dúvida quanto à legitimação
passiva. Se o depositário é pessoa jurídica, a pena há de ser cominada a quem fôr o presentante dela em juízo.
Trata-se de efeito de pretensão civil, e não criminal; de modo que o argumento da “personalidade” não cabe. O

MÚTUO
princípio de que a pena não passa da pessoa do delinqúente é de direito penal, e não civil; e no próprio direito
penal não isenta os herdeiros de responder dentro das fôrças da herança.
O autor, estimando a coisa, fixa-lhe o valor para o caso de não poder ser-lhe restituida. Só haverá 1iquidacão
final de perdas e danos, quando, tendo o réu depositado o equivalente, restituir a coisa, ao passar em julgado a
sentença, e existirem perdas e danos (Código de Processo Civil, art. 994, § 29). O valor estimativo, prévio, do
art. 867 do Código de Processo Civil nada tem com o valor posteriormente estimado segundo o art. 994, § 49.
‘O art. 994,. § 19, do Código de Processo Civil, é aplicável, na execução.
No art. 867 do Código de Processo Civil, diz-se que o autor pede que o depositário, sob pena de prisão, deposite
o objeto ou seu equivalente. Não há alternativa da pretensão, a favor do devedor. Há alternativa na primeira fase
do processo. Se a coisa pode ser restituida, isto é, se está com o depositário, ou é depositada para que êsse
conteste, ou é depositado o equivalente em dinheiro, seguindo-se a contestação. Se o réu deposita dinheiro, e
não contesta, alegando a impossibilidade de restituir a coisa ia natura, é condenado à restituição. Não se
interprete o art. 367 do Código de Processo Civil como permissivo de aquisição da coisa. Não é verdade que se
dê alternativa do pedido, ou da pretensão. O depósito do ad. 370 do Código de Processo Civil é que é
alternativo, a favor do réu; não o do art. 367, que se refere à pretensão (certa, a Côrte Suprema, a 6 de dezembro
de 1934, E. F., 66, 577). Cabe ao réu o ônus da alegação e da prova da impossibilidade de restituir (cf. O.
WARNEYER, Kommentar, 1, 1121).
A aparição da coisa cria obrigação de restituir. A desaparição cria a de comunicar e depositar o equivalente. O
equivalente ou está explícito no título mesmo (Código Civil, arts. 1.534 e 1.535) e é valor “equivalente” a que
se refere o Código de Processo Civil, ou foi estimado, na inicial, pelo autor, entendendo-se que há de ser
razoável a estimação. Se o réu foi condenado, ou se expede mandado de busca e apreensão (Código de Processo
Civil, art. 933), ou se levanta o depósito, cabendo alternativa a favor do autor. O art. 994, § 2.0, salvo no caso
de ter sido depositado o equivalente e sobrevir restituição do bem, e § 49, é inaplicável. O valor da perda já
está, ex hvpothesi, fixado.
Ou o réu entrega a coisa e não vai contestar, devendo javrar-se o auto; ou o réu a entrega ao juízo, requerendo
que ~se deposite, pois que vai contestar; ou requere o depósito só-mente para haver as despesas e prejuízos de
que fala, por exemplo, o Código Civil, arts. 1.278 e 1.279. O art. 368 do Código de Processo Civil só se refere
ao primeiro caso. Se o réu oferece o equivalente ou o autor o aceita, ou não no aceita. Se o aceita, lavra-se o
têrmo como se lavraria se o réu tivesse entregue a própria coisa, solvida ficando a dívida de depósito. Se o autor
não o aceita (e. g., Código Civil, arts. 1.266 e 1.267), tem de requerer o depósito judicial, impugnando o
oferecimento. JORGE AMERICANO (Comentários, II, 217) adota a solução de ser a impugnação no tríduo, ad
instar do art. 294, IV; Luís MACHADO GUIMARÀES (Comentários, IV, 655) prefere que o autor receba a
coisa e promova a vistoria ad perpetuam -rei memoriafli. para instruir a ação de indenização, ficando a coisa
conservada em depósito. Nem uma nem outra solução é a do Código de Processo Civil. Entrega só se dá se
O autor se satisfaz. Se não se satisfaz, o réu ou oferece o equivalente dos danos, e o autor aceita; ou não
oferece, ou oautor não aceita o que êle oferece, e a coisa tem de ser avaliada e depositada (ou o seu equivalente,
fixado na petição inicial), discutindo-se o assunto de acordo com o Código de Processo Civil, art. 370. O que
dissemos sôbre dano vale para ocaso de alegar o autor não-identidade da coisa oferecida. O auto de entrega é
solução da dívida, em direito material, e negócio jurídico processual, que extingue, de regra, a relação jurídica
processual, tal como a transação e a desistência (Código de Processo Civil, art. 206). ~O têrmo tem de ser
assinado pelo juiz, porém há de ser homologado para valer como sentença, isto é, para ter a eficácia processual
a que acima iios referimos? A questão tem tôda a pertinência porque as relações jurídicas processuais precisam
terminar. tTermina com o têrmo, que é assinado pelo juiz? ~Ou é de mister a homologação? Práticamente,
produzidos os efeitos de direito material, é vulgar que se desinteressem as partes. Para o juiz, sabe êle que a
desistência prescinde de têrmo e não de homologação (Código de Processo Civil, art. 16) ; a transação depende
de têrmo de homologação, ou, se feita extrajudicialmente, por escritura pública, de homologação (Código de
Processo Civil, arts. 206 e 207) ; a entrega do depósito, de têrmo (Código de Processo Civil, ad. 368) e, para a
cessação da relação jurídica processual, de homologação.
A defesa tem de versar sôbre a não-existência da pretensão do autor, ou sôbre a impossibilidade física ou
jurídica da restituição, ou sôbre direito do réu a ficar com a coisa. Não-existência da pretensão do autor ou da
ação, ainda que continue a pretensão (depósito de objeto ganho em jôgo ao réu pelo autor). Impossibilidade
física: perda, ou deterioração (e. g., morte do animal depositado), sem culpa do depositário (Código Civil, arts.
1.277 e 1.274) ; ou furto, ou roubo, devidamente provado. Impossibilidade jurídica: penhora ou embargo da
coisa, tendo sido notificado disso o depositário (Código Civil, art. 1.268) ; depósito judicial da coisa, no caso do

MÚTUO
art. 1.270 do Código Civil; desapropriação da coisa; ter-se já substituído a coisa <Código Civil, art. 1.271).
Exceção do depositário: compensação, quando fundada noutro depósito também de coisas fungíveis, ou de
títulos de crédito, ou “irregular”, suspeita de furto ou roubo (Código Civil, arts. 1.268, 1.273 e 1.280) ;
condição da entrega pelo depositário judicial, pagamento do valor das despesas provadas e líquidas feitas com a
coisa ou dos prejuízos que do depósito provierem (Código Civil, arts. 1.278 e 1.279). Sôbre embargo judicial e
execução, ver Código de Processo Civil, arts. 676, 1 e II, 935, 931, 930 e 937, § 1.0. O depositário
convencional é nomeado. depositário judicial, podendo excepcionar à restituição da coisa, segundo o princípio
de que o depositário judicial só atende ao juiz que mandou depositar (MANUEL ÁLvÂRES PÊGAS,
Commentaria ad Ordinationes, III, 567; ALEXANDRE CAETANO COMES, Manual Prático, 144). Aliás, o
depositário convencional, que sofre a penhora, arresto ou seqUestro, deve dar ciência disso ao depositante
convencional (“per notificationem, vel aliam quamlibet diligentiam”, explicou MANUEL ÁLvALIES. PÊGÂs,
Resotutiones Forenses, 1’, 439, que o tirou dos glosadores, entre êles GREGóRIO LórEz).
Se o depositário suspeita que a coisa fôra roubada ou. furtada, deve recolhê-la ao depósito público (Código
Civil, arts. 1.268 e 1.270; Código de Processo Civil, art. 318, sôbre ignorância ou dúvida), a favor daquele a
quem pertencer, ou de quem seja o dono ou possuidor conhecido. Se foi citado na. ação do art. 366, deve
entregá-la, com a explicação do que sabe (art. 369), devendo pedir que se notifique pessoalmente ou por edital,
conforme o caso, o terceiro, que passa a ser interveniente litisconsorcial na ação que não deixa de ser de
depósito, pois o depositário continua como réu, a despeito de ter o terceiro ônus da prova da propriedade ou
posse. O depositário tem de provar a “suspeita”. Se não o prova, pode ter de responder em ação de abuso do
direito. Quanto à compensação em quaisquer casos, seria absurdo do Código Civil: ainda se houve culpa do
depositante autor quanto ao primeiro depósito, é difícil justificar-se a regra jurídica fora. da interpretação que
lhe demos.

Não cabe reconvenção em processo de depósito (Código de Processo Civil, art. 192, II). Pode dar-se que o réu
alegue ter domínio sôbre a coisa, o que era freqüentíssimo já ao tempo de AGOSTINHO BARROSA
e de PEDRO BARBOSÁ (século XVII) ; como se alguém emprestou bens para outrem nomeá-los à penhora,
ficando o dono como depositário judicial (ALEXANDRE CAETANO COMES, Manual Prático, 145).
Se as despesas, ou prejuízos, a cujo ressarcimento tem direito o depositário, não estiverem provados
suficientemente, ou forem ilíquidos, pode o depositário exigir caução idônea do depositante, ou, na falta dessa,
remoção da coisa para o depósito público, até que se liquidem (Código Civil, art. 1.279). Se estão provados e
líquidos, pode opor o direito de retenção, nos têrmos do Código Civil, art. 1.278. Aliás, é de “depósito com
condição à entrega” que se trata. O depositário, depositando, perde a posse imediata; e a entrega ao depositante
é condicional. Tem de alegá-lo ao requerer o recolhimento da coisa ao depósito de outrem, ou em suas mãos, e é
como depositário judicial. No último caso, ainda seria de construir-se como direito de retenção; e é a melhor
construção, porque a posse de depositário convencional que cessou foi somente a posse imediata.
O art. 367, parágrafo único, do Código de Processo Civil, diz que, no depósito judicial, a entrega do objeto será
requerida ao juízo da execução. Aí está legitimação processual de quem pediu e obteve o depósito judicial,
criando-se a relação jurídica entre o juiz e o depositário judicial. Essa atribuicão de legitimidade processual de
modo nenhum altera a eficácia daquela relação jurídica, de que se irradiam direitos, pretensões civeis e penais
e ações cíveis e penais do Estado contra o depositário judicial, nem descarrega o Estado da responsabilidade
perante quem pediu e obteve o depósito e perante a pessoa a que posteriormente se defira o pedido da entrega
do bem depositado.

6. AçÃo DE DEPÓsITO E PROCEDIMENTO. O réu é citado para que entregue o bem depositado, ou o seu
equivalente em dinheiro. Se o não faz, não pode contestar, O juiz expede, então, o mandado de prisão, se o
autor o requere. O requerimento .supõe que se haja escoado o prazo das quarenta e oito horas. Discerniu-se se
já na petição inicial podia estar o requerimento, e a ±Y Câmara Civil do Tribunal de Justiça de São Paulo, a 20
de fevereiro de 1951 (R. dos T., 190, 765), entendeu que não.
A 7•~ Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Distrito Federal, a 10 de maio de 1949 (13. da ./. de 16 de
outubro de 1952), negou ao depósito em garantia de dívida a ação de depósito. A 6? Câmara Civel, a 12 de
dezembro de 1950 (O. da 3% de 7 de novembro de 1951), pré-excluiu a ação de depósito se o objeto do
depósito é coisa fungível. Já o dissemos no § 4.657, 4. Mas aqui convém que mais de espaço cogitemos do
assunto.
(a) Quanto à primeira proposição, que é a de não haver prisão em caso de depósito em garantia de dívida, o que

MÚTUO
se há de dizer é que tal depósito tem, de regra, a seguinte função: o bem é entregue, para depósito, por A, a E,
mas no interêsse de C; E comunica a C o que se passou ou C manifesta a sua adesão, o que o insere no contrato
de depósito como favorecido pela eficácia negocial; o depositário não pode liberar-se, restituindo o bem ao
depositante, sem que o terceiro, O, consinta. Ê ineliminável, na exposição da matéria, o fato de haver-se o
depositário que é depositário como qualquer outro vinculado ao terceiro. (Óbvio é que, para essa vinculaçáo, é
preciso que o terceiro tenha interêsse na vineulação, como se o depositante lhe deve, ou prometeu vender-lhe o
bem, ou já o vendeu e ainda não está com os pressupostos para a tradição da posse própria.)
As espécies configuráveis são muitas e à expressão “depósito em garantia” preferível seria outra, como
“depósito no interêsse de outrem”, porque, aí, outrem seria o próprio depositário, uma vez que, no depósito, o
interêsse é, caracteristicamente, do depositante.
A restituição pode ser ao depositante ou ao terceiro, espécie em que se introduziu cláusula a favor de terceiro.
Nenhum óbice há, no sistema jurídico brasileiro, que tem os arts. 1.098-1.100 do Código Civil, a que se faça o
depósito com tal cláusula. Nem à sua eficácia.
A restituição ao depositante se o terceiro consente também resulta de cláusula do contrato de depósito e não há
duvidar-se da sua validade e da sua eficácia, no direito brasileiro. No Código Civil italiano, art. 1.773, há regra
jurídica expressa.
Se comparamos as duas espécies, ressalta que, na primeira, o depositário deve ao terceiro a restituição do bem,
pois foi isso o que se irradiou do contrato de depósito, em que foram figurantes quem podia depositar e
transferir a posse (própria ou imprópria, conforme os fatos) a terceiro; ao passo que, na segunda, o terceiro tem
apenas o direito a ser interpelado antes da entrega ao depositante. Ali, tem êle as pretensões e as ações para
haver o bem e para a indenização dos danos pelos quais respondem os depositários, ou pelos quais responde,
iii. casu, o depositário. Aqui, não.
Discute-se se a segunda espécie, que é a da exigência do consentimento, se enquadra na figura do contrato de
depósito com cláusula a favor de terceiro. A resposta afirmativa impõe-se. Aliás, o Código Civil brasileiro tala
de “estipulação a favor de terceiro”, o que abrange a estipulação em contrato a favor de terceiro, a estipulação
em negócio jurídico unilateral, ou nesse ou em contrato, como cláusula.
Se o depositário, que devia entregar o bem ao terceiro, entrega o bem ao depositante, ou, se tinha de conhecer a
manifestação de vontade do terceiro, o entrega sem interpelação ou contra a vontade do terceiro, responde pelo
inadimplemento, ou pelo adimplemento lesivo.
No que respeita ao depositante e ao terceiro, o que ímporta é o negócio jurídico subjacente, justajacente ou
sobrejacente que há ou havia entre êles.
(b)No tocante à disciplina do depósito irregular, o depositário tem de restituir bem da mesma espécie e
qualidade e na mesma quantidade do que recebeu. Os riscos, durante a relação jurídica de depósito e até que
seja restituído o bem depositado, são do depositário. Se o bem depositado não foi dinheiro e ocorre a
impossibilidade da restituição, sem culpa do depositário, a restituição há de ser do valor, ca1culado conforme o
tempo e o lugar da restituição. Não há, porém, diferença entre a ação de restituição do depósito irregular e da
ação de restituição do depósito regular.

7.DEPOSITÁRIO E CARÁTER PESSOAL DA CUSTÓDIA. O depositário não pode dar em depósito a


outrem o que lhe foi entregue, salvo se houve prévio assentimento do depositante. Se há “motivo plausível”,
para que o depositário n~.o o “possa guardar”, o que a lei permite é o depósito judicial (Código Civil, art.
1.270: “Ao depositário será facultado, outrossim, requerer depósito judicial da coisa, quando, por motivo
plausível, a não possa guardar, e o depositante não lha queira receber”). Outras razões para a restituicão, ou o
depósito judicial, são a suspeita de que a coisa foi furtada ou roubada (art. 1.268 e 1.269), o arresto, ou o
seqUestro, casos em que o depositário não é adstrito a ficar como depositário judicial. Se o depositário, sem
assentimento do depositante, deposita em poder de outrem o bem, continua de responder como depositário. Se
diz ser depositário e indica (ou não) quem é o depositante, o contrato de depósito continua com tôda a sua
eficácia e o depositante, que não assentiu, tem as ações contra o depositário e, como quem vai contra terceiro
tenedor, contra o depositário em segundo grau (e. g., a ação de reivindicação). Se havia assentimento, a ação
contra o depositário também pode ser exercida contra o depositário em segundo grau (subdepositário). Não há,
porém, relação jurídica contratual entre o depositante e o subdepositário. Tal relação jurídica somente existe se
foi permitida a transferência do contrato, caso em que o depositário deixa de ser depositário.

8.INCOMPENSABILIDADE DA DÍVIDA. Diz-se no art. 1.278 do Código Civil: “Salvo os cases previstos

MÚTUO
nos arts. 1.268 e 1.269, não poderá o depositário furtar-se à restituição do depósito, alegando não pertencer a
coisa ao depositante, ou opondo compensação, exceto se noutro depósito se fundar (art. 1.287)”. Tem-se dito,
sem razão, que a dívida oriunda do depósito irregular é compensável. Regular ou irregular o depósito, o crédito
é de restituição de bem, não se devendo afirmar que só exista incompensabilidade se o credor tem situação
possessória. Cf. Tomo XXIV, § 2.987, 2.
O argumento mais usual a favor da compensabilidade contra o depositante irregular é o de serem compensáveis
as “dividas” de bens fungíveis. No art. 1.010 do Código Civil, diz-se, é verdade, que a compensação se efetua
entre dívidas líquidas, vencidas e de coisas fungíveis. Não se acrescentou:
“sempre”, ou “em qualquer hipótese”, “qualquer que seja
a espécie”; nem se pode deixar de atender ao que está explícito no art. 1.015, que, aludindo à diferença de
causa das dívidas, afastou a compensação “se uma se originar de comodato, depósito ou alimentos”. Ora, a
causa, no depósito regular e no depósito irregular, é a mesma, e chocar-se-ia com a causa (ou a abstratividade)
da outra obrigação.
(De passagem, observemos que a proibição de compensação, em se tratando de depósito, não se prende à
infungibilidade, mas à própria natureza do depósito, mesmo se irregular, pois dêle derivara a actio depositi para
se obter a restituição do bem depositado, embora a propriedade se haja transferido ao depositário. Quando o
contrato era de mútuo, em vez de depósito irregular, o outorgante, para obter o que emprestara, tinha a actio
certae creditae pecuniae. A fungibilidade é pressuposto necessário da compensabilidade; o depósito é
pressuposto suficiente da incompensabilidade.)
A falta ao depositante, no depósito irregular, de posse própria mediata também não é explicação para a
compensabilidade, o que pretendeu Uoo MAJELLO (Custo dia e Deposito, 276). Certo, no sentido da
incompensabilidade, ERNESTO SIMONETTO (1 Contratti di credito, 858).
O art. 1.278 do Código Civil refere-se à possível compensação se o depositante também é depositário e tinha de
restituir o que lhe fôra entregue. Aí, a compensação entre dívidas de depósitos irregulares é mais fácil, porém
não as unicas. A compensação, no caso de depósito regular, é mais difícil, e de ordinário é entre valôres.

CAPÍTULO 1H

DEPÓSITO IRREGULAR

§ 4.664. Depósito de coisas fungíveis, com transmissão da propriedade

1. “DEPOSITUM IRREGULÂRE”, EM SENTIDO ESTRITO.


O depósito irregular em que se transfere a propriedade é uma das espécies de depósito irregular. A fungibilidade
dos bens ou resulta da natureza dêles, ou foi criada pelos contraentes. Num e noutro caso, o depósito com
transmissão da propriedade rege-se pelo art. 1.280 do Código Civil, que diz: “O depósito de coisas fungíveis,
em que o depositário se obrigue a restituir objetos do mesmo gênero, qualidade e quantidade, regular-se - ápelo
disposto acêrca do mútuo (arts. 1.256 a 1.264) “.
Não se entenda que o depósito de bens fungíveis se regule, sempre, pelo que se estatui a respeito do mútuo, mas
sim que se regule pelo que se estatui sôbre o mútuo, no que fôr aplicável, o depósito de bens fungíveis “em que
o depositário se obrigue a restituir objetos do mesmo gênero, qualidade e quantidade”. Tem-se de examinar, in
easu, qual o depósito que se fêz, se regular ou irregular. Se os bens eram fungíveis e nada, volitivo ou
circunstancial excluiu a fungibilidade, o que se há de ter como querido pelos contraentes é que sejam restituidos
por objetos do mesmo gênero, qualidade e quantidade. Não se individualizou, não se infungibilizou o que foi
entregue.
Depositum irregulare diz-se o depósito a que alguma cláusula ou pacto adjecto atingiu, de jeito a modificá-lo
(contractus qui egrcdit notissimos depositi terminos, L. 24, pr., D., depositi vei contra, 16, 8: “egreditur ea res
depositi notissimos terminos”; contractus qui depositi modum excedit, L. 26, § 1).

Há outro conceito, mais estrito, de depositum irregulare, que é o de depósito com a cláusula ou pacto adjecto de
se transferir ao depositário a propriedade. Aliás, a cláusula é implícita, se não há elementos volitivos, ou

MÚTUO
circunstanciais, acolhidos pela vontade dos contracutes, que faça infungíveis os bens fungíveis objeto do
contrato.
A expressão “depositum irregulare” é moderna.

2. CONCEITO E CONSIDERAÇÕES GERAIS SÔBRE A ESPÉCIE.


O contrato de depósito irregular pode resultar de contrato escrito, ou não. Na L. 31, O., locati condueti, 19, 2
(ALFENO), diz-se que, se alguém depositou dinheiro de contado, de modo que não o entregasse fechado, nem
selado, mas que o contasse, aquêle em cujo poder se depositou não deve mais do que a quantidade (si quis
pecuniam numeratam ita deposuisset, ut neque clausam neque obsignatam traderet, sed adnumeraret, nihil aliud
eum debere apud quem deposita esset nisi tantundem pecuniae solveret).
No depósito forçado, dito, mais tarde, depositum misera,bile, que era o feito devido a ruína, incêndio, ou
naufrágio, cabia o duplum de interêsses (texto do Edicto na L. 1, § 1, O., depositi rei contra, 16, 3). Aí, não se
concluiu acordo, de modo que as circunstâncias mesmas irregularizaram o depósito.
Duas correntes tentaram dar explicação extrema do contrato do depósito irregular e das relações jurídicas que
dêle se irradiam. Uma, apegando-se ao nome, o faz espécie do contrato de depósito regular, exprobrando o
adjetivo. Outra o reduz ao contrato de mútuo, negando que se trate de depósito. Essa não vê contrato de
depósito onde não há posse de bem alheio atribuida ao depositário, mas as longas dissertações pecam, de início,
pelo nível inferior da teoria da posse, que ainda persiste nos sistemas jurídicos em que se discutiu o problema.
O que é inegável é a afinidade de estrutura e de função entre o depósito regular e o irregular. Por outro lado, não
se pode dizer que falte a posse ao depositário, no depósito irre guiar, porque, devido à fungibilidade inafastada
do bem depositado, o depositário, no depósito irregular, recebe mais do que o depositário, no depósito regular:
recebe propriedade e recebe posse própria.

Quanto à redução do contrato de depósito irregular a contrato de mútuo, um dos argumentos contrários que não
se conseguiram destruir é o de diferença de função entre os dois institutos jurídicos.
Para que se não identifique o depósito irregular com o mútuo, tem-se de distinguir do tantundem, que o
mutuário tem de pagar, o tantundem, que o depositário tem de restituir. Aqui, o objeto da restituição deixou de
ser do depositário; ali, não . Aqui, o bem fungível tem de ser restituído, porque volveu a ser de propriedade do
depositante; ali, não: o que o mutuário deve só volve a ser do mutuante depois de prestado. Por isso, a
insolvência, no mútuo, é mais grave. A remissão do Código Civil, art. 1.280, a regras jurídicas sôbre o mútuo
(não a tôdas, a despeito da referência aos arts. 1.256-1.264), não faz contrato de mútuo o contrato de depósito
irregular.
Ao têrmo da relação jurídica do depósito irregular, o depositário fica de posse do que já não é seu e devia ser
entregue ao depositante. A posse legítima do depositário acabou: êle é possuidor do alheio, uma vez que o
tantundem deixou de ser seu, como deixa de ser do fiduciário a propriedade, no momento em que se atinge o
têrmo final.
Ao têrmo da relação jurídica de mútuo, o depositário continua na posse própria do tantundem, porque não
deixou de ser proprietário nem possuidor próprio: deve aquilo com que pode pagar, mas aquilo, com que pode
pagar, é seu e está em sua posse própria.

3. DEPÓSITO E RESTITUIÇÃO . No depósito regular, o que se há de restituir é a eadem res. Mesmo se o


objeto do depósito regular é bem fungível ou consumível, o que se tem de restituir é o mesmo bem. Se o
depósito é irregular, ainda se depositado foi bem infungível que a vontade do depositante fungibilizou, ao
depositário incumbe restituir o que possa “fungir” o bem recebido. Operou-se a transmissão da propriedade,
porque a natureza do bem, ou a que lhe impôs a vontade do possuidor, tornou impraticável a exigência da
eadem res.

§ 4.665. Depósito irregular e outros contratos

1.PRECISÕES. A respeito do mútuo, o Código Civil disse (ad. 1.256) que é o empréstimo de coisas fungiveis.

Falando de depósito, não estatuiu que há de recair em coisa não-fungível, como o comodato (Código Civil, art.

MÚTUO
1.248) aludiu a coisa móvel (art. 1.265, verbis “objeto móvel”) e no art. 1.280 explicitamente enunciou. “O
depósito de coisas fungíveis, em que o depositário se obrigue a restituir objetos do mesmo gênero, qualidade e
quantidade, regular-se-á pelo disposto acêrca do mútuo (arts. 1.258 e 1.264) “. Pergunta-se:
,~,a) o art. 1.280 do Código Civil faz o contrato de depósito não ser, para ser o de mútuo; ou b) há depósito a
que se aplicam regras jurídicas sôbre o mútuo? A segunda proposição é que é verdadeira.
Há o deposilum irregulare, que é depósito, e não mútuo:
o depositante pode exigir, a qualquer tempo, o objeto do depósito, embora os riscos tenham passado, todos, ao
depositário. A opinião a), que foi a de KONRAD COSACK (Lehrbuch, 7A~ ed, 1, 621) e a de CLóvís
BEvILÁQUA (Código Civil comentado, \T, 19: “Não há, portanto, depósito irregular, no sentido do-direito
romano”), finalmente ruiu diante da verdadeira interpretação do § 700 do -Código Civil alemão e do art. 1.280
do Código Civil brasileiro (P. OERTMANN, Schuldreckt, 839; Orno voN GIERKE, Deutsches Privatrecht, III,
737; CARL CROME, .Svstem, II, 748, nota 1; E. MATTHIASS, Lehrbudi, 1, 350). O receptor suporta os riscos,
se bem que o negócio jurídico seja mais no interêsse do depositante do que no interêsse do depositário, à
diferença do mútuo, em que prima o interêsse do mutuário. Dir-se-á que não é mútuo, nem depósito; em
verdade, porém, o elemento de custódia não desaparece. Não há mútuo, de modo que seria errado pensar-se em
contrato misto (depósito + mútuo), como está em E. SCT-IOLLMEYER (Das Recht der einzelnen
Schuldverhtiltnisse, 2•a ed., 186), ou em contrato especial, como sustentava E. ENNECCERUS (Lehrbuch, 11,
§ 391).
TEIXEIRA DE FREITAS (Consolidação das Leis Civis, nota (2) ao art. 431) excelentemente disse: “O
depósito voluntário é regular ou irregular; sendo o primeiro de coisas não fungíveis e o segundo de coisas
fungíveis. No primeiro, a Sanção do Código Criminal, ad. 258, pode dar-se em qualquer tempo, sempre que o
depositante provar que o depositário usou do depósito; no segundo, tal sanção sé é possível, se o depositário
ficar em mora de restituir a quantia ou a quantidade depositada. Tendo o depositante facultado ao depositário o
uso do depósito, o contrato não se transforma em empréstimo; mas, quanto ao uso gratuitamente concedido,
devem ser aplicadas as regras dêsse outro contrato”.

2. DEPÓSITO IRREGULAR E VINCULAÇÃO. No depósito irregular, o depositário é vinculado a restituir a


coisa em igual quantidade ejusdem generis; sómente não é obrigado a restituir in specie.
Na L. 24, D., depositi vel contra, 16, 3, tirou-se de PANNIANO: ‘Lucius Titius Sempronio salutem. Centum
nummos, quos hae die commendasti mihi adnumerante servo Sticho actore, esse apud me ut notum haberes, hac
epistula manu mea scripta tibi notum facio: quae quando voles et ubi roles confestim tibi numerabo’ (Lúcio
Titio saúda a Semprônio. Faço-te saber, por essa epístola, escrita de minha mão, para que o notes, que estão em
meu poder as cem moedas que me confiaste, hoje, por entrega feita, de contado, pelo escravo Stichus,
administrador; as quais eu te entregarei, quando queiras e onde queiras, imediatamente (confestim).
Cabe a ação de depósito, comenta PAPINIANO; porque confiar <commendare) não é outra coisa que depositar.
Se se conx’encionou que se restituisse outra tanta quantidade de moeda, em vez de as mesmas moedas, o
negócio (jurídico) ultrapassa os conhecidíssimos têrmos do depósito (si ut tantumdem solveretur convenit,
egreditur ea res depositi notissimos terminos), sem deixar de haver depósito.
Tentou ler L. J. NEUSTETEL (Rõmisohrechtliche Untersuchungen, 15 s.) o “egreditur ea res depositi
notissimos terminos” e o “si depositi actio non teneat” como se afastassem tratar-se de depósito. Mas seria
desatender a que se tem, no texto, o comntendare como depositare e a que a L. 25, § 1, depositi vel contra, 16,
3, também tirada de PAPINIANO, foi explícita: “Qui pecuniam apud se non obsignatam, ut tantundem redderet,
depositam ad usus proprios convertit, post moram in usuras quoque ludicio depositi condemnandus est”. O que
inverteu em seus próprios usos o dinheiro depositado em pacote sem sêlo, para que devolvesse outra tanta
quantidade, há de também ser condenado nos interêsses, no juízo do depósito.

§§ 4.664-4.666. DEPÓSITO IRREGULAR


PAULO, na L. 26, § 1, D., depositivel contra, 16, 3, depois de narrar que Lúcio Tício recebera e tinha em seu
poder dez mil dinheiros de prata, que se obrigara a entregar, pagando interêsses, notou que tal contrato excedia
o modo do depósito de moeda (eum contractum, de quo quaeritur, depositae pecuniae modum excedere), mas
admitiu pedirem-se, na ação de depósito, os interêsses. O erro de L. J. NEUSTETEL foi o de muitos de hoje:
estar preocupado com a transferência dos riscos; não prestar atenção: a) à inadmissibilidade da compensação,
cue seria irrecusável em se tratando de mútuo (os banqueiros de hoje, como os argentários, os mensulários e os

MÚTUO
numulários de outrora, sabem que não podem tirar o dinheiro da conta corrente para cheque e com êle pagarem-
se de letra de câmbio e notas promissórias ou duplicatas mercantis) ; b) à inadmissibilidade da exeeptio non
numeratae pecuniae (L. 14, § 1, C., de non numerata pecunia, 4, 30; e) o privilegium exigendi, de
-que, embora exíguo em certas legislações, gozam os créditos por depósitos em argentários, mensulários,
numulários e banqueiros (A. C. J. SCHMID, tYber das depositum irregulare, Archiv fiir die civilistische Praxis,
30, 83 s.).

3. DEPÓSITO BANCÁRIO. O depósito bancário é a mais relevante das operações dos bancos. Por êle, põe-se
à disposição do depositante a provisão, o fundo disponível a que se refere a lei sôbre cheques. Se é, no sistema
jurídico brasileiro, depositum irregulare, ou contrato de crédito, mútuo que o mutuante “ofereceu”, depende do
negócio e do exame da legisaçáo civil, comercial e especial.
O depósito bancário é depósito irregular. O sistema juridico brasileiro sempre teve o depósito irregular, que é
subespécie de depósito, e não mútuo. No depósito bancário, como em todo depósito irregular, o depositário tem
o dever de restituir o tantundem, quando o exija o depositante, ainda que o contrato seja a prazo. A restituição é
no domicílio do depositário, despesas por conta do depositante. Não há a incidência do Código Civil, art. 1.010,
e sim a do art. 1.015, II. A redução do depósito bancário ao mútuo eliminaria diferença econômica, técnica e
jurídica, que existe, e pois seria de sérios jnconvenientes. Ninguém pode deixar de ver a diferença entre
o empréstimo de x feito ao banco e o depósito de x no mesmo banco.
Se, no mútuo, não há guarda, não se pode sustentar que o banco de depósitos até certo ponto não guarde. No
mútuo, a disponibilidade da coisa pelo depositário é essencial; no depósito irregular, inclusive no depósito
bancário, a disponibilidade pelo depositário há de ser tal que não exclua a disponibilidade pelo depositante: o
depositário pode dispor, desde que assegure disponibilidade pelo depositante. Ora, êsse elemento é de guarda,
de custódia, se bem que a organização e as operações bancárias permitam custodiar a despeito da fungibilidade
do bem depositado e da sua disponibilidade técnica. O depósito irregular não é contrato de crédito pessoal; seria
contrato de crédito real.
E verdade que nos depósitos bancários a prazo fixo e de aviso o elemento direito à provisão se dilui, sem,
todavia, desaparecer: nos depósitos à vista, a atualidade do direito à provisão é ressaltante. O depósito bancário,
que permite a emissão de cheques, é o contrato de depósito irregular, pelo qual alguém dá ao banco, ou o banco
considera como entregue, quantia sôbre a qual o depositante tem poder de dispor, portanto de atribuir a outrem
o direito à provisão, ou parte dela. A disponibilidade pelo depositante coexiste com a disponibilidade pelo
banco, mas passa-lhe à frente quando o depositante o entenda. Se o depositário tem a propriedade, é
propriedade limitada pelo poder de dispor, que tem o depositante. Situacão semelhante é a do marido que pode
dispor dos bens móveis comuns, sem que se possa dizer que a mulher perdeu a propriedade. £ bem exígua a
propriedade que se transfere, retendo-se a disponibilidade (depositum regulare) ; porém não no é menos a da
mulher casada quanto aos bens móveis de que o marido pode dispor. O direito depositado é dinheiro que se
transferiu, retido o poder de dispor. De nenhum modo se poderia pensar em espécie de mútuo. O depositante
pode dispor e dispõe, a despeito da entrega, sem ser em depósito simples; o depositário pode dispor e dispõe, a
despeito de estar exposto ao ato de disposição por parte do depositante.
O contrato de depósito irregular é, de regra, contrato ‘unílateral l: os deveres e obrigações são do depositário;
por isso mesmo, não tem êle a ação de resolução por inadimplemento (Código Civil, ad. 1.092, parágrafo
único), nem a exceção non adimpleti coatractus (art. 1.092). Ê, normalmente, contrato real: só se conclui com o
encaixe no banco, ou a outra pessoa que seja depositária. Às vêzes, é oneroso, porque produz interêsses. Na
dimensão econômica, o depositário-banqueiro, pois que tem consigo o depósito, dêle dispõe, com preterição
eventual do depositante; na dimensão jurídica, o poder de dispor, que tem o depositante, passa a frente.
Mais de espaço trataremos do depósito bancário no Título referente aos negócios jurídicos bancários.

4. DEPÓSITO IRREGULAR E CONTRATO DE REPORTE.


O contrato de reporte é aquêle contrato pelo qual alguém (reportador) transmite a propriedade e a posse de
títulos de créd:to ou ações, ou títulos representativos, com a cláusula de, a certo tempo, ou ao implemento de
condição, o adquirente (reportado ) transmitir-lhe a propriedade e a posse de outros da mesma espécie e
qualidade, recebendo o transmitente o preço do reporte, quase sempre mediante percentual para mais ou rara
menos. Se ao preço da primeira alienação é qual o preço da segunda, diz-se reporte ao par. O lucro é rara o
reportador. Se o lucro é para o reportado, diz-se cont2at() dc deporte. Temos de falar do contrato de reporte e do
contrato de deporte como um dos negócios jurídicos de bôlsa e de banco.

MÚTUO
Trata-se de contrato único e indivisível, transíativo da propriedade sôbre os títulos, contrato oneroso e real. No
direito brasileiro, pode haver o pré-contrato de reporte ou de deporte. Não se confunde com o depósito regular.
Ao contrato de reporte e ao de deporte de modo nenhum são invocáveis regras jurídicas peculiares ao depósito
ou ao mútuo. O que o rege, fora das normas jurídicas que lhe são peculiares, são as do contrato de compra-e-
venda. O que é comum a êle e ao depósito irregular é o direito concernente ao acordo de transferência da
propriedade, ao acordo de transferência da posse e ao têrmo para a segunda transmissão de propriedade e de
posse, que é a retro. O depositário, no depósito irregular, restitui o que já não é seu. O reportado restitui o que
deve e, se não presta, cabe a ação por inadimplemento , e não a ação de depósito.

5. SUPORTE FÁCTICO DO ART. 1.280 DO CÓDIGO CIvIL. Se houve a cláusula ou pacto adjecto de se
restituir o tantuntem, e não cadem nummorum corpora, o depósito irregular é evidente. Restitui-se o tantundem
ciusdem generis.
Resta saber-se se o simples fato de se entregar ao depositário coisa fungível basta para se ter a figura do art.
1.280 do Código Civil. O assunto prende-se aos arts. 1.267 e 1.280. No art. 1.267, estabelece o Código Civil
que, “se o depósito se entregou fechado, colado, selado, ou lacrado, nesse mesmo estado se manterá; e, se fôr
devassado, incorrerá o depositário na presunção de culpa”. Teremos de mostrar que o art. 1.267 não é elemento
bastante para se dar solução ao problema. O depósito que se entregou fechado, colado, ou lacrado, de que fala o
art. 1.267, é o depósito que em tal estado se entregou para que não fôsse aberto; portanto, depósito que não se
rege, necessâriamente, pelo art. 1.280 e tem a particularidade, a mais, de se ter entregue como indevassável. ~
Para que o depósito de bens fungiveis seja depósito regido pelo art. 1.280, é preciso que tenha havido a cláusula
ou o pacto adjecto de só ser exigível o tantundem eiusdem generis (art. 1.280, verbis 41em que o depositário se
obrigue a restituir objetos do mesmo gênero, qualidade e quantidade”)? ,~Náo se disse que, sendo de coisa
fungível o depósito, sempre se entende que foi entregue em depósito irregular?
Examinemos primeiro o problema de direito romano.
A L. 81, D., locati conducti, 19, 2, que é de ALFENO, levou a pensar-se em que, sendo de coisas fungíveis o
depósito, de depósito irregular se havia de cogitar. Mas o texto não permite que se vá até aí: não se dispensava,
em direito romano, nem se dispensa hoje, a manifestação de vontade dos contraentes. Diferente, CRu. Eu.
GLÚCE (Austithrliche Erliiuterung der Pandect eu, 15, 157). A leitura da L. 24, D., depositi vel contra, 16, 8,
basta para se ter certeza do que era a regra jurídica romana. Aí, PAPINTANO frisa que é de mister a convenção
de só se restituir o tantundem.
O que se havia de explicitar era tratar-se de depósito, porque, se isso não ocorresse, de mútuo é que se havia de
cogitar. Aliás, o texto de PAPINIANO, na L. 24, D., depositivel contra, 16, 8, foi muito desfigurado.
O art. 1.280 incide quer o depositário tenha a) proposto a transferência, quer b) Iba tenha dado o depositante.
Se a), a transferência opera-se antes de qualquer ato de dono, desde o momento em que o depositante aceita; se
liO, a aceitação tem de ser pelo depositário, porque o oferente foi o depositante. Na L. 10, D., de rebus creditis
si certum petetur et de condictione, 12, 1, diz-se que, se, desde o comêço, se tiver permitido ao depositário
utilizar-se do depósito, se quisesse, não há crédito antes de se haver utilizado, porque não é certo que se
constitui a dívida. Os textos fazem nítida a distinção entre a pretensão à restituição do que foi depositado e a
pretensão ao pagamento, entre o ter de restituir o que é do depositante e o ter de prestar o que é objeto do
crédito. Dai terem alguns juristas lido a L. 10 como se houvesse dito: quase mútuo somente há desde que se
utiliza o depósito. Ainda na L. 1, § 84, D., depositi veZ contra, 16, 8, está escrito: “Si pecunia aputi te ab initio
hac lege deposita sit, ut si voluisses utereris, prius quam utaris depositi teneberis”. Se desde o início se
depositou dinheiro em teu poder para que, se o quiseres, o utilizes, antes de o utilizares estás obrigado pelo
depósito.
O art. 1.280 do Código Civil de modo nenhum desnatura o depósito irregular. A despeito da redação do art.
1.280, as
regras jurídicas do mútuo são invocáveis até onde não tornem mútuo o negócio jurídico do mútuo irregular. Os
contraentes tiveram o animus deponendi; e não há regra jurídica que diga tratar-se o contrato de depósito
irregular como contrato de mútuo. Há a pretensão à restituição a qualquer momento (Código Civil, art. 1.265),
ao passo que, no tocante ao mútuo, em se tratando de mútuo de dinheiro, há o prazo de trinta dias (art. 1.264,
II).

§ 4.666. Natureza e eficácia do depósito irregular

MÚTUO
1. PRECISÕES. Alguns negaram ao depósito irregular ser depósito; outros afirmaram que não perde na
classifica-. ção dos contratos o lugar do depósito, e daí caber a acUo depositi. Para aquêles, o pacto adjecto não
o alteraria (e. g., DANIEL NETTERBLADT e G. OELRICHS), de modo que, com o pacto adjecto, teria o
depositante a acho depositi e a que resultasse do pacto adjecto. Para êsses (e. g., 3. L. J. DEDEKIND e Eu. G.
ZOIJLER), não: o depósito, que excede o seu tipo, não é depósito. Terceira opinião é a que distingue os
essentialia e os naturalia depositi, donde a necessidade de análise (J. VOET,
C.VAN BYNKERSROEK, 3. AVENARIUS, R. Cmi. HENNE,
J. GOTTFR. SAMMET, A. E. 3. TmBÂUT, C. G. OVERBECK).
A discussão peca por se extremarem as opiniões: ou é depósito, ou é mútuo. Por outro lado, não se há de pensar
em união de contratos. Só há um contrato. Perlustrando-se os textos romanos e dando-se desconto ao que revela
de indecisão e tendo-se pesquisado o depósito irregular dos nossos dias, o que se há de responder é que, às
vêzes, há mútuo, com falso nomeu juris; e, outras vêzes, o depósito, apesar da transmissão de propriedade,
continuou depósito. Além disso, é preciso não se confundir o depósito com transmissão de propriedade, que é o
de que trata o art. 1.280 do Código Civil, e o depósito em que entre os bens dados em depósito se estabelece
comunhão, tornando-se depósito coletivo. Ai, os depositantes tornam-se comuneiros, comproprietârios, e o
depositário de modo nenhum adquire a propriedade, nem suporta os riscos como se dá no depósito irregular do
art. 1.280 do Código Civil.

2.DEPÓSITO IRREGULAR E OUTROS CONTRATOS. Como


o depósito regular se distingue do comodato, mesmo coincidindo serem, in cctsu, gratuitos, o depósito irregular
não se pode confundir com o mútuo. O depositante, no depósito regular como no irregular, precisa de depositar,
o comodatário e o mutuário precisam de que se lhes dê o bem. Mesmo no depósito irregular, o depositante pode
pedir, a todo tempo, a restituição. conforme os princípios que expusemos.
Se o contrato é de mútuo, e não de depósito irregular, a que corresponda o art. 1.280 do Código Civil, a ação do
tradente é a actio certae creditue pecuniae (cf. NERVA, PItÓCULO e MARCELO, em IJLFIANO, L. 9, § 9,
D., de rebus creditis si certum petetur et de condictione, 12, 1). Se o contrato é de depósito, irregularizado com
a transferência da propriedade, havia a adio depositi (iudicium bonae fidei) e não podemos negar a existência
de tal ação, hoje, se o contrato não deixou de ser contrato de depósito. O próprio direito romano chegou a
admitir, aí, os interêsses, e a atitude contrária à admissão da figura do depósito irregular, inclusive no tocante a
interêsses (e. g., juros) pagáveis pelo depositário, dificultaria, enonnemente, a explicação científica dos
depósitos bancários. Basta pensar-se, para a confirmação do que dissemos sôbre o depósito com transmissão de
propriedade, sem se levar em conta (porque não vem ao caso) as interpolações à L. 25, § 1, D., depositi vel
contra, 16, 3, e a L. 28, em que aquêle texto e êsse falam da adio depositi ainda para reclamar os interêsses.

3.CONTRATO DE DEPÓSITO DE TíTULOS DE CRÉDITO E DE TÍTULOS REPRESENTATIVOS. De


ordinário, o contrato de depósito de títulos de crédito ou de títulos representativos é depósito regular, de jeito
que não há qualquer diferença entre êle e o contrato de depósito de outro bem móvel. Todavia, além do dever
de custódia, tem o depositário o dever de administração, isto é, de receber os dividendos ou os interêsses,
informar-se quanto a bonificações, prêmios e reembolsos, preferência para subscrição de aumento de capital ou
do empréstimo. Dever de administração somente pode existir se o depósito é regular, pois é preciso que
continue titular do direito de propriedade, ou do usufruto ou do uso, o depositante. O depositário só tem a posse
imprópria, imediata, e não pode usar dos títulos, nem, a fortiori, dêles dispor.
Os riscos da perda de posse dos títulos ao portador e dos títulos endossáveis levam os portadores a depositar em
bancos ou estabelecimentos especializados os seus títulos. Ou se oferece aos clientes o depósito de titulos, ou a
locação de cofres fortes. A segunda solução é menos completa, em segurança, porque o depositário dos títulos
tem o dever de administração, o que falta ao locador de cofres fortes. O dono ou usufrutuário dos títulos postos
em cofre forte têm de retirá-los para apresenta-cão e formalidades, de lhes cortar cupões e de informar-se e
providenciar quanto às operações a que tem direito, O locador do cofre forte ignora-lhe o conteúdo. Por isso
mesmo, não pode, sequer, aconselhar o locatário em qualquer dos pontos de fato e de direito, inclusive quanto a
acontecimentos previsíveis.
Com o depósito de títulos, o depositário exerce a administração, comparecendo, inclusive, a assembléias gerais,

MÚTUO
tomando resolucões sôbre aumento de capital e sôbre conversão.
O cofre forte tem o inconveniente de poder alguma pessoa, que saiba da morte próxima do locatário, apanhar a
chave, ou a chave e o segrêdo.
Discute-se se o depósito de títulos pode ser anônimo , isto é, sem que o recibo diga quem depositou. Tem-se de
responder negativamente, não só porque poderia ocultar crime como porque se fraudaria o fisco, em casos de
infiscalizabilidade das rendas (cf. R. CORDIER, Des Opérations sur titres dans Les banques, 832).
Dizem-se depósitos simples de títulos os que não têm regras jurídicas especiais que os rejam. Depósitos
clausulados, os depósitos em nome de incapazes, ou de cônjuges, e os coletivos. Não há razão para não se
considerarem simples os depósitos em nome de pessoas jurídicas. Quem exerce os Poderes e direitos a
propósito dos depósitos de pessoas jurídicas são os órgãos , ou, se êles lhes outorgaram Poderes especiais, os
representantes. Os depósitos de títulos, se há nu proprietário e usufrutário, são depósitos coletivos. Os depósitos
para a garantia de certa conta, ou para despesas futuras e eventuais, são depósitos clausulados.
possível abrir-se conta corrente de títulos, mas ou a figura é a do depósito bancário em conta corrente, ou a do
contrato de conta corrente em que as remessas são em títulos.
O depositário de títulos tem os deveres de conservação e de restituição, quase sempre o de administração.
Se advém direito de subscrição, o depositário ou procede conforme as instruções recebidas, ou tem o dever de
consultar o depositante. Ou subscreve, ou cede o direito de subscrição. Se o depositante n~o atende ao aviso,
sem que seja caso de se reputar manifestação de vontade o silêncio, no caso, o que se há de entender é que, no
último dia, o depositário pode ceder, onerosamente, o direito de subscrição. Se não o cedesse, perdê-lo-ia o
depositante.
O depósito de títulos de crédito ou de títulos representativos pode ser irregular, mas isso é excepcional. A
aquisição da propriedade, por parte do depositário, supõe que se haja tratado o bem como bem fungível. Se o
título é a) título de massa, ou se é b) titulo de série, ou o) titulo singular, é questão de fato, que se supóe
resolvida para que se possa raciocinar a respeito da irregularidade do depósito. Os títulos da classe o) são
infungíveis, ao passo que os das duas outras classes podem ser tratados como fungíveis ou como infungiveis. Se
ao portador, a fungibilídade é fácil; se à ordem, o endôsso em branco pode bastar, se admitido. O fato de haver
sorteio, pelo número, não é óbice à fungibilização, se fica preestabelecido que o depositante tem comunícação
do nôvo número antes do sorteio (sem razâo, FRANCESCO MESSINEO, Operazioni di borga e di banca, 380;
ADRIANO FlORENTINO, Le Operazioni banoa-~ rie, 256, que não aludem a essa possibilidade).
Se os títulos foram mencionados sem se referir o elemento individualízante que serve ao sorteio, o que Se há
de entender é que se abstraiu disso.
A fungibílização pode dar ensejo a contrato de depósito irregular, ou a contrato de mútuo. Numa e noutra
figura, a propriedade passa ao depositário ou ao mutuário. Sé a restituição pode individuar o bem instituído. No
mútuo, o fim do contrato é a transferência; no depósito irregular, efeito. Aqui, o que se entrega entrega-se para
segurança da posse e, pois, da propriedade, a despeito da contingência da fungibiIidade
Ali, o que o mutuante dá ao mutuário a êsse vai para seu uso e disposição. No mútuo, o mutuário sói pagar
interesses ; no depósito, o depositante é que paga remuneração, pôsto que se possa admitir que o depositário
conta juros a favor do depositante, ou o depositante remunera.

4.DEPÓSITO IRREGULAR E REGRAS JURÍDICAS CONCERNENTES AO CONTRATO DE MÚTUO.


Dentre as regras jurídicas sôbre o mútuo, que o Código Civil diz invocáveis a respeito do depósito irregular as
dos arts. 1.256-1.264 do Código Civil somente podem incidir, a propósito do contrato de depósito irregular e
dos seus efeitos, o que não se choque com o conceito de depósito. Faltou, evidentemente, ao ad. 1.280, mas
subentende-se, o usual “no que fôr aplicável”. Passemos ao exame das regras jurídicas.
N~o há dúvida quanto ao art. 1.256, 23 parte, onde se estabelece que “o mutuário” portanto, na espécie, o
depositário, se irregular o depósito “é obrigado a restituir ao mutuante o que dêle recebeu em coisas do mesmo
gênero, qualidade e quantidade”. Apenas se há de notar que a expressão restituir é anfibolégica, se se fala de o
locatário de coisa restituir e de restituir o mutuário, de restituir o depositário ou o fiduciário, na propriedade
fiduciária, e de restituir o comodatário. O depositante, no depósito irregular, restitui como o locatário de coisa,
como o fiduciário, se a propriedade fiduciária volta ao constituinte do fideicomisso, e como o depositário, no
depósito regular. Não é possível abstrair-se da diferença, a despeito da expressão “restituição ”.
No art. 1.257 do Código Civil, estatui-se que o mutuante
portanto, na espécie, o depositante, se irregular o depósito “transfere o domínio da coisa emprestada”, digamos
depositada, “ao mutuário”, isto é, ao depositário, “por cuja conta correm todos os riscos dela desde a tradição”.

MÚTUO
A sorte do bem e a do figurante são iguais num e noutro contrato. As razões são o óbvias: a fungibilidade
obrigou a que se tivesse a posse recebida pelo depositário como posse própria, pela impossibilidade de
determinação do bem possuído; nas duas relações jurídicas, tinha de incidir o mesmo princípio Res peru
domino.

invocável, no tocante ao depósito irregular, como a respeito do mútuo, o art. 1.258 do Código Civil, que trata de
moeda do ouro ou de prata, observada a legislação especial.
No art. 1.259 do Código Civil diz-se que “o mútuo feito a pessoa menor, sem prévia autorização daquele sob
cuja guarda estiver, não pode ser reavido nem do mutuário, nem de seus fiadores, ou abonadores (art. 1.502) “.
Cf. arts. 155 e 1.502. Se a figura do depósito irregular foi in fraudem legis, claro é que o art. 1.259 incide. Se
houve depósito irregular, invàlidamente feito, o que pode acontecer é trazer-se àdiscussão o art. 155 do Código
Civil, ou o art. 1.260.
O art. 1.261 do Código Civil diz que “o mutuante pode exigir garantia da restituição, se antes do vencimento o
mutuário sofrer notória mudança na fortuna”. Em princípio, o depositante pode exigir, quando entrega, a
restituição do bem depositado, seja regular seja irregular o depósito (Código Civil, art. 1.268). Se irregular o
depósito, o art. 1.261 do Código Civil incide, a fortiori.
O mútuo civil pode ser oneroso, se há cláusula expressa (Código Civil, ad. 1.262). O mútuo mercantil
dispositivamente o é (Código Civil, art. 248). O depósito irregular é gratuito, mesmo se mercantil. Na prática, a
solução é sem grande alcance, devido a não ser frequente o depósito irregular mercantil. O depósito bancário
assunto de que trataremos em conjunto com os outros negócios jurídicos bancários exerce função relevante. O
depósito irregular, como depósito, que é, tem de ser considerado gratuito, dispositivamente, mesmo porque o
diferimento da restituição foi no interêsse do tradens, e não do accipiens. Daí falar-se, no art. 1.265, parágrafo
único, do Código Civil, de gratificação ao depositário, e não de interesses pagáveis por êsse. Isso não importa
vedar-se que se paguem interêsses pelo depósito irregular, como é de praxe geral no depósito bancário.
O art. 1.264 do Código Civil não é invocável a propósito do depósito irregular.
Se algum prazo foi estabelecido entende-se a favor do depositante, e não do depositário. Nenhuma regra
jurídica sôbre têrmo do mútuo se há de invocar a propósito do depósito irregular, a despeito da referência do art.
1.280 ao art. 1.264. Se, no contrato a que se chamou depósito irregular, se diz que o bem depositado, produto
agrícola, se destina a semeadura, ou ao consumo, não houve contrato de depósito irregular, mas sim contrato de
mútuo, e o art. 1.264, 1, incide. Se o depósito irregular foi de dinheiro, é exigível quando o depositante o queira,
porque a prevalência do interêsse do depositário o tornaria mútuo.

5.DEPÓSITO IRREGULAR E REGRAS JURÍDICAS SÔBRE DEPÓSITO REGULAR. Há regras jurídicas


sôbre depósito que são comuns ao depósito regular e ao depósito irregular e regras jurídicas sôbre depósito
peculiares ao depósito regular.
O depositário, no depósito irregular, faz-se dono e possuidor próprio do bem depositado. Isso não impede que o
depositante invoque o art. 1.268 do Código Civil ou o art. 1.269 ou o art. 1.278, em vez de invocar outros
princípios.
No art. 1.265, parágrafo único, do Código Civil permite-se a cláusula de gratificação ao depositário. A despeito
da transferência da propriedade e da posse, o interêsse do depositante pode ser tal que abra margem à cláusula
de gratificação.
No art. 1.266, 23 parte, do ‘Código Civil, há o dever de restituição do bem depositado “com todos os frutos e
acrescidos”. O problema tem de ser considerado conforme as espécies. Se o objeto do depósito irregular foram
créditos, êsses podem ter juros. Se foram ações ao portador, podem ter dividendos e bonificações em ações ou
em dinheiro. São frutos e, salvo cláusula em contrário, restituíveis. Aliás, usa-se o depósito irregular de ações
ao portador, com fins de o depositário participar em eleições, sem que êsse fique isento de restituir os
proventos. O problema faz-se mais delicado se o objeto depositado é dinheiro. O dinheiro não produz frutos
naturais nem frutos civis. Se o depositário, no depósito irregular, dá em mútuo o que recebera em depósito
irregular e percebe juros, ou com o dinheiro comprou ações, ou animais, qualquer produto resulta do
investimento que fêz, e não do contrato de depósito.
Se o depositário prometeu juros ou outro interêsse do dinheiro, houve negócio jurídico de mútuo, e não negócio
juridico de depósito irregular.

MÚTUO
O fato de existirem regras jurídicas a propósito de depósito regular que são invocáveis quando está em exame
depósito irregular mostra que não é possível reduzir-se ao mútuo o depósito irregular. A técnica jurídica poderia
ter chegado a êsse ponto extremo; mas a ordem histórica impediu a inovação e foi bom que isso acontecesse.
(Quando se fala de onerosidade no depósito, há ambigUidade: ora se atende a que o depositante remunera, ora a
que o depositário paga juros. Aqui, marcha-se para o lado da locação de coisas ou do mútuo; ali, para o lado da
locação de serviços.)

CAPITULO IV

DEPÓSITO NECESSÁRIO

§ 4.667. Conceito e natureza do depósito necessário

1. CONCEITO. Por vêzes, em virtude de leis de direito público, o Estado toma posse de bens alheios, ou por
medidas cautelares, ou por medidas executivas, ou por medidas de requisão <Constituição de 1946, art. 141, §
16, 2•a parte). O Estado responde como se tivesse havido contrato de depósito.
Lê-se no Código Civil, ad. 1.282: “t depósito necessário:
1.O que se faz em desempenho de obrigação legal (art. 1.283).
II. O que se efetua por ocasião de alguma calamidade, como o incêndio, a inundação, o naufrágio ou o saque”.
O art. 1.283 acrescenta: “O depósito de que se trata no artigo antecedente, nY 1, reger-se-á pela disposição da
respectiva lei, e, no silêncio, ou deficiência dela, pelas concernentes ao depósito voluntário (arts. 1.265 a 1.281)
“. E parágrafo único: “Essas disposições aplicam-se, outrossim, aos depósitos previstos no art. 1.282, nY II;
podendo êstes certificar-se por qualquer meio de prova”.
O ad. 1.282 do Código Civil não é exaustivo. A necessariedade do depósito tem abrangência maior, razão por
que começamos por apontar casos a que o ad. 1.282 não se referiu.
e
2.BAGAGENS DE VIAJANTES, HÓSPEDES OU FREGUESES, NAS HOSPEDARIAS, ESTALAGENS OU
CASAS DE PENSÃO. Lê-se no art. 1.284: “A êsses depósitos” está-se a falar dos depósitos necessários “é
equiparado o das bagagens dos viajantes, hóspedes ou fregueses, nas hospedarias, estalagens ou casas de pensão
onde elas estiverem”. E no parágrafo único: “Os Hospedeiros ou estalajadeiros por elas responderão como
depositários, bem como pelos furtos e roubos que perpetrarem as pessoas empregadas ou admitidas nas suas
casas”.
Quem permanece, ainda que por poucas horas, em hotel, hospedaria, estalagem, albergue ou casa de pensão,
precisa de guardar o que consigo traz. Saindo, só as gentes do hotel, da hospedaria, da estalagem, do albergue
ou da casa de pensão podem vigiar o que, por minutos, por horas, ou por dias, ou por mais tempo, o freguês
deixou. Não se pode, indistintamente, considerar de depósito qualquer das situações estabelecidas, nem como
sendo sempre de natureza diversa da situação contratual de depósito.
As opiniões pendem para a unicidade de figura jurídica. Assim, aparecem as que assentam só haver, em todos:
a)Responsabilidade legal do hospedeiro, decorrente do fato de haver consentido na introdução de equipagem no
lugar em que exerce a sua indústria (L. ENNECCERUS-H. LEHMANN, Lehrbuch, fl, l4.~ recomp., 694; G.
PLANCK, Kommentar, II, 4•a ed., 715; PAUL OERTMANN, Das Recht des Schuldverhdltnzsse, 842; H.
DERNBURG, Das Rriirgerliche Recht, II, 2, 645; CARL CROME, Syst em, II, 752, nota 7; F. ENDEMANN,
Lehrbuch, 1, 1167, nota 7; E. SCHOLLMEYER, Recht der SchutdverMltmsse, 137; JOSEF ESSER, Lehrbuch
des Schuldrechts, 338; H. SmEi~, Schuldrecht, 877).
b)Efeito do contrato de hospedagem (A. LANCEN, Die privatrechtliche Stellung der Wirthe und der
Gastaufnahmevertrag, 27 s.).
Aí, tem-se o contrato pelo qual se aloja alguém com a sua bagagem como irradiador do efeito de dever de
custódia, de modo que hospedar é, necessáriamente, assumir tal dever. Em todo o caso, advirta-se em que seria

MÚTUO
de levantar-se a questão de ser permitida, ou não, a cláusula que pré-excluisse êsse efeito. Noutros têrmos: seria
de discutir-se se a regra jurídica, não escrita, sôbre o dever de custodiar, é jus cogens, ou ins dispositivum, ou
mesmo ins interpretativum.
c)Efeito de contrato especial de hospedagem distinto do efeito do contrato de hotel ou de albergue (1<.
POLENSKE, Gastschaftsvertrãge, 313 s.).
Segundo tal opinião, há contratos de hospedagem de que resulta o dever de custódia e contratos de hospedagem
de que não deriva tal efeito. A regra seria a não produção do dever de custódia, pelo menos do dever de custódia
que importasse a figura do depósito. Essa opinião levaria a ter-se de fixar qual a espécie de contrato de
hospedagem de que se emanaria o dever de guardar em depósito.
d)Efeito de contrato autônomo de depósito (Orro GIERKE, Dentsches Privatrccht, III, 743).
A opinião d) nega o efeito de dever de custodiar, que implique ser depositário o hospedeiro. Exige que se haja
concluído, expressa ou tâcitamente, contrato de depósito, que funcionaria como pacto adjecto, ou talvez como
contrato inteiramente à parte, isto é, sem adjecticiedade.
No direito brasileiro, a despeito do art. 1.284 do Código Civil, que se poderia interpretar como se houvesse
adotado a solução b), ou a solução d), não se pode assumir qualquer atitude a priori.
O contrato de hospedagem é unitário, a despeito da pluralidade de prestações que dêle derivam, a cargo do
hospedeiro.
O mais simples é o contrato de casa de cômodo, uma vez que se aloja o hóspede sem se lhe fornecer comida.
Discute-se se a prestação principal é a do alojamento, o que faria contrato de locação de coisa qualquer contrato
de hospedagem, ou se o contrato é misto (locação de coisa, de obra e de depósito) ou se é contrato atípico.
A responsabilidade do hoteleiro tem limite espacial. Só é responsável pelo que está no hotel, ou em carro do
hotel, ou já está ou ainda está em mãos dos seus empregados. Tem-se corno incluso no espaço custodiante o que
foi entregue. Se foi dada ficha ou cartão para retirada, tem-se como atribuida ao hotel a posse mediata para
obtenção da posse imediata: até esse momento, a responsabilidade é de mandatário, e não de depositário;
recebido o bem, inicia-se a responsabilidade de depositário. Mas a responsabilidade do hoteleiro começa de ser
responsabilidade de depositário desde o momento em que êle retarda, sem ser por caso fortuito ou fôrça maior
(que êle tem de provar), a retirada dos bens a que a ficha, o recibo, ou o cartão se refere.

Há também limite funciono). A responsabilidade do hoteleiro é somente quanto ao que é de uso normal do
freguês.
Há limite temporal à responsabilidade: é preciso que já esteja concluído o contrato de hospedagem, reputando-
se conclusão do contrato a resposta de haver quarto, ou apartamento, ou lugar para o hóspede. Se o dano
ocorreu antes da resposta negativa, a responsabilidade rege-se pelos princípios comuns.
Cumpre observar-se que, mesmo nos casos em que não há responsabilidade de depositário, por parte do
hoteleiro ou outro explorador de acomodações, nem outro dever de custódia, pode êle ser responsável pelos
danos, segundo o direito comum, ainda extracontratualmente, quer provenham de culpa sua, quer de seus
empregados.
Cs bens entregues e os bens portados não têm o mesmo trato. Os bens entregues podem ser portáteis, ou não;
os bens portados são os que são portáteis (e.. g., a maleta de mão, a pasta, a bôlsa de viagem) e os que foram
levados com o viajante como se portáteis fôssem (e. g., a mala que o viajante ou o hóspede quis que pusessem
no apartamento, quarto ou cabina.
A responsabilidade do hospedeiro não é a mesma se o bem lhe foi entregue, ou se o bem apenas foi portado ao
hotel, porém a diferença é pequena. Maior é a que concerne àqueles objetos que o hóspede traz sempre consigo,
como o relógio de bôlso ou de punho, a cigarreira e o isqueiro.
Se algum bem foi entregue ao hoteleiro para guarda, há custódia especial, não se devendo pensar apenas no art.
1.285 do Código Civil, pois há o elemento da voluntariedade (art. 1.267-1.275). A acessoriedade dilui-se, tanto
assim que pode ter deixado o hotel o freguês e ter pedido que os bens continuassem em custódia especial. A
gratuidade não é obstáculo a essa conclusão .
Sempre que falamos de hoteleiro, aludimos a quaisquer hospedeiros, inclusive hospitais, estabelecimentos
balneários de estadia, ônibus com leitos, navios em que se dorme, aeronaves e trens de leito. O que importa é
indagar-se se, na espécie, o freguês poderia custodiar êle mesmo os bens que não possam ficar consigo, ou não
se costuma pôr sob a vigilância do próprio freguês.
Quem permanece no hotel, ou na pensão, ou mesmo em clube que hospeda, tem de pôr nas dependências do
prédio as maias e outros objetos. Desde o momento em que os empregados retiram as malas e os pacotes e os

MÚTUO
levam para lugares ~ue não são de freqúência ordinária, o que se há de entender é que os coloca onde fique a
coberto de furtos e erros de entrega. Não se compreende que não haja chaves, ou vigias em número suficiente.
A solução a) é a que se impõe se não há elementos a mais, que se hajam de levar em conta. Uma vez que há a
entrada e colocação de equipagem, há responsabilidade, sem que se tenha de alegar e provar a culpa do
hospedeiro ou dos seus empregados.
Todavia, se há nota das peças entregues, ou se é de interpretar-se que o contrato supóe a dação de lugar, a
solução b) intervém.
Porém não só. Se há quartos ou espaços que se tomam (= se pagam) à parte, como se o preço do hotel é r e mais
y para as bagagens de porão, há a figura da solução e). Quando os registos do hotel avisam que, a respeito de
jóias e valôres estranhos às vestes, sapatos e chapeus, a responsabilidade só existe se foram entregues para
depósito, há a figura da solução d).
No que observamos quanto aos hotéis de muitos Estados-membros do Brasil, ressaltou que há as quatro figuras.
Uma só não esgotaria o problema.
~ Como se há de interpretar o art. 1.284 do Código Civil?
Primeiramente, o art. 1.284 do Código Civil nada tem com os restaurantes e outros estabelecimentos que
somente fornecem comida e bebida. Aí, os chapeus e pacotes quase sempre são dados ao porteiro, ou ao
chapeleiro, às vêzes com o cartão ou a ficha. Nem o art. 1.284 do Código Civil pode ser invocado se o hospital
ou casa de saúde não tem leitos para dormidas à noite, ou para internações. No tocante aos vagões-leitos, o art.
1.284 somente há de incidir se a bagagem não fica junto ao viajante. Se fica, a solução é a).
O art. 1.284 do Código Civil de modo nenhum pode ser invocado pela pessoa que apenas visita o hoteleiro, ou é
hóspede pessoal (invitado) da pessoa que é o gerente ou o hoteleiro, e não da emprêsa.

A responsabilidade começa desde que o motorista, ou encarregado de fregueses do hotel, os apanha no pôrto, ou
no aeroporto, ou na estação ferroviária ou rodoviária. Ou desde o momento em que o hotel já devia estar de
posse, imediata, dos bens de cuja retirada se incumbiu.
~ preciso que o dano tenha sido por perda ou mau trato da bagagem. Tanto pode ser aos bens que chegaram com
o hóspede, como aos que êle recebeu depois, mesmo se não pertencem ao hóspede, pôsto que só o hóspede
possa reclamar. Idem, quanto aos bens que chegaram antes do hóspede e foram recolhidos como bens de
hóspede a chegar.
Não há a responsabilidade do hotel se o dano é imputável ao próprio freguês, a empregado dêsse ou a pessoa da
sua família, ou a pessoa recebida pelo hóspede, ou sua família, ou empregado. Idem, se houve fôrça maior (cf.
Código Civil, art. 1.277). Mas ao hospedeiro incumbe o ônus da prova.
A pré-exclusão negocial da responsabilidade é permitida, desde que escrita e com explícita aceitação do freguês
Não basta o cartaz, o letreiro, o aviso pôsto na portaria ou no apartamento. Todavia, a cláusula pré-exclusiva
deixa margem à responsabilidade por culpa do hoteleiro ou do serviço; e nula, por ilícita, é a cláusula que não
se coadune com a indústria de hospedagem e de hotéis, e. g., com os regulamentos.
O art. 1.284 do Código Civil não apanha os ônibus e os carros de viagem, porque aí o contrato é de transporte, e
não ~de hospedagem, nem os lugares em que se toma banho de
-mar ou de piscina, barcos de passeio, ou barracas de praia. Ainda assim, há hospedagem nos navios, aeronaves,
ônibus e outros veículos em que se dorme. Por outro lado, se há entrega de tíquetes, estabelece-se a
responsabilidade pela custódia de que adiante se falará.
Não há inteira correlação entre a responsabilidade do hospedeiro e o seu eventual direito de penhor legal.
Responde êle pela perda ou dano dos bens, não pertencentes ao hóspede, que por êle foram levados para a
guarda do hotel (PAUL OERTMANN, Das Recht der Schzddverhàltnisse, 846), embora ao dono, não hóspede,
faltem a pretensão e a ação; e não tem direito de penhor legal sôbre o que se acha na bagagem sem ~er do
hóspede (G. PLANCK, Komin-ent ar, II, 4..~ ed., 724; Orro GIERKE, Deutsches Privatrecht, III, 745; A.
LANGEN, fie privatrechtliche Stellung der Wirthe und der Gastaufnahmeverflag, 130; A. STURM, fie
Finbringung von Sacheu bei Gastwirten nach dem Recht des BGB., 81).
A responsabilidade do hospedeiro supóe a existência de contrato de hospedagem entre o hospedeiro e o
hóspede, devendo-se evitar a referência a hospedeiro e a pessoa que sofreu o dano. O dano pode ser a bem que
está com o hóspede, como se é empregado de emprêsa e tem consigo amostras ou encomenda. O que importa é
que o cliente haja introduzido no hotel o bem a que se refere o dano, ou haja entregue a empregado do hotel,

MÚTUO
mesmo se no aeroporto, ou no pôrto de mar ou de rio ou de lago, ou na estação de trem ou de outro veículo.
Não importa qual o tempo que haveria de durar, ou durou,
-a hospedagem.
Pôsto que as leis especiais, de ordem administrativa, exijam formalidade de inscrição de hóspede, a introdução
com permissão tácita basta para que se tenha como concluído o contrato de hospedagem. Se a pessoa, a cuja
presença no hotel se liga a estada de objeto, não é cliente, a responsabilidade do hospedeiro rege-se pelos arts.
159 e 1.521, III e V, do Código Civil. Lê-se no art. 1.521, IV, que são também responsáveis pela reparação civil
“os donos de hotéis, hospedarias, casas ou estabelecimentos onde se albergue por dinheiro, mesmo para fins de
educação, pelos seus hóspedes, moradores e educandos”. Já o art. 1.521, III, estatui também ser responsável “o
patrão, amo ou comitente, por seus empregados, serviçais e prepostos, no exercício do trabalho que lhes
competir ou por ocasião dêle (art. 1.522) “. A distinção é de relevância, porque, se é de invocar-se o art. 1.284 e
parágrafo único, rege o art. 1.285, ao passo que, nas espécies que se prendem aos arts. 159 ~ 1.521, 1H e IV, a
quem sofreu o dano é que incumbe fazer a prova da culpa do hospedeiro.
O direito brasileiro não tem regra jurídica escrita que distinga da responsabilidade em se tratando de bem
entregue ao hospedeiro a responsabilidade se o bem foi apenas levado ao hotel, ou hospedaria, ou estalagem, ou
albergue, ou casa de cômodos. A distinção tem relevância pela precisão que se com o dever de custódia se o
bem foi entregue para guardar.
Aí, o guardar é guardar especialmente (e. g., em quarto especial, em cofre, em lugar seguro, em lugar fresco ou
quente).

§ 4.668. Transmissão e extinção das pretensões do hóspede

1.MORTE DO HóSPEDE. Se falece o hóspede, a pretensão permanece com os herdeiros, ou conforme os


princípios concernentes ao depósito em consignação (A. LANGEN, fie prioatreehtliche Steliung der Wirthe
und der Gastauj-nahmevertrag, 29).
Se o hóspede tinha cônjuge, que também era hóspede, não há pensar-se em alteração da situação. Idem, se o
hóspede chega ao hotel e falece antes da retirada regular dos bens.

2. RETIRADA DOS BENS. Sómente se têm como retirados os bens quando o hospedeiro e os empregados
perdem toda a guarda dêles. Se o hotel se encarrega da remessa ao pôrto, ou ao aeroporto, ou à estação, ou a
algum outro lugar que o hóspede designou, a responsabilidade permanece, até que se dê a tradição.
Se sobrevém penhora, ficando como depositário o hoteleiro, a responsabilidade é perante o hóspede, como tal, e
perante o Estado, como depositário dos bens penhorados.

3. FALTA DE COMUNICAÇÃO. A pretensão contra o hospedeiro só se extingue pela falta de comunicação do


dano ou perda ao hospedeiro se o hóspede, que teve conhecimento do fato, imediatamente não a faz. Se o bem
estava em custódia especial do hospedeiro (e. g., em cofre), a extinção da pretensão só se dá com a entrega sem
reclamação.
Ao hospedeiro toca o ônus de alegar e provar ter faltado a comunicação (ER. LEONHARD, fie Bcweislast, 2•a
ed., 399; contra, G. PLANCK, Kommentar, II, 4.~ ed., 723). Ao hóspede cabe o ônus de alegar e provar que
reclamou ao ser-lhe entregue o bem em custódia.
1
§ 4.669. Depósito em desempenho de dever legal

1.EXTENSÃO DO SENTIDO DE DEVER LEGAL. Dever legal, no art. 1.282, 1, do Código ‘Civil, está por
dever ope legis e dever oriundo de atribuição judicial ou administrativa. ‘O depositário
em virtude de nomeação pelo juiz, ou por autoridade administrativa, é depositário em depósito necessário. Cf.
Código de Processo Civil, arts. 945, 565, parágrafo único, 568 e 591; Decreto-lei n. 8.951, de 28 de janeiro de
1946.

2.DEPOSITÁRIO DE BENS EM CASO DE PENHORA 013 DE MEDIDA CAUTELAR. (A) O Decreto-lei n.


8.951, de 28 de janeiro de 1946, não excluira a parte do art. 945, no tocante ao depósito em mãos do próprio
executado; nem o fizera o Decreto-lei n. 3.077, de 26 de fevereiro de 1941. A regra jurídica derrogada foi os
bens penhorados depositar-se-ão da seguinte forma ; ainda assim, onde houver a figura do depositario

MÚTUO
judicial.
A legislação posterior ao Código foi a seguinte:
a) Decreto-lei n. 3.077, de 26 de fevereiro de 1941, art. 1.0: “As consignações em pagamento e, em geral, as
importâncias em dinheiro cujo levantamento ou utilização depender de autorização judicial serão
obrigatóriamente recolhidas ao Banco do Brasil”. Parágrafo único: “Todos os que, a qualquer título, sejam
atualmente depositários de importâncias em tais condições ficam obrigados a transferi-las ao Banco do Brasil,
mediante comunicação ao juízo competente”.
b)Decreto-lei n. 8.951, de 28 de janeiro de 1946, art. 1.0:
“Onde houver depositário judicial, a êle cabe, obrigatóriamente, a função, não se aplicando o disposto no art.
945 do Código de Processo Civil”. Art. 2.0: “Nos casos de penhora, seqüestro , arrestos, buscas e apreensões
em dinheiro, jóias, pedras e metais precisos, títulos e papéis de crédito, já depositados no Banco do Brasil,
Caixa Econômica ou outros bancos, o depositário judicial assinará o respectivo auto e terá direito a uma
comissão arbitrada pelo juiz”. Art. 3.0: “Com exceção dos casos previstos no art. 2.0 desta lei, o depositário
judicial terá sempre direito à remuneração fixada no Regimento de Custas em vigor”.
O depositário judicial, quando os bens se achavam depositados no Banco do Brasil (Decreto-lei n. 3.077, art.
1.0 e parágrafo único), não tinha responsabilidade pela guarda. Apenas recebia caderneta, que não podia
movimentar. A percentagem segundo o Decreto-lei n. 8.951, e sempre que o depósito se fizesse no Banco do
Brasil, era pelo receber e guardar a caderneta, e não pelo serviço de guardar, que é do Banco do Brasil ( 5.~
Câmara Cível do Tribunal de Apelação do Distrito Federal, 21 de dezembro de 1943, A. .1., 70, 221; Câmaras
Cíveis Reúnidas, 10 de junho de 1943, R. dos T., 152, 708).
c) O Decreto-lei n. 8.951, de 28 de janeiro de 1946, foi abrogado, e deu-se a restauração do art. 945 do Código
de Processo Civil, no que aquêle decreto-lei havia atingido. Disse o art. 1.0 da Lei n. 3.186, de 24 de junho de
1957: ‘t~ revogado o Decreto-lei n. 8.951, de 28 de janeiro de 1946 (Dispõe sôbre o depósito judicial e dá
outras providências) “. E o art. 2.0: “~ revigorado o art. 945 do Código de Processo Civil”.
O preposto que exerce o cargo por escolha do depositário judicial não tem pretensão a salários (3.~ Câmara
Civil do ‘Tribunal de Apelação de São Paulo, 1.0 de setembro de 1943, li. dos T., 147, 179). Em casos especiais,
podem ser fixados judicialmente salários de guardas, dadores de ração, lavadores, veterinários, etc.
A dação de posse do depositário não é caso de entrega a que se refere o Código de Processo Civil, art. 842,
XVII; por isso mesmo, se o depositário recebe os bens, ou a êle se manda entregar em depósito, ainda que
coincida ser terceiro embargante, não cabe recurso de agravo de instrumento (1.~ Câmara Civil do Tribunal de
Apelação de São Paulo, 17 de abril de 1944, R. dos 7’., 149, 591).
A remoção, para o depósito público, de bens penhorados, quando se trata de estabelecimento comercial, é
injustificável; os bens hão de ficar onde se acham e ao depositário judicial cabe guardá-los (Conselho de Justiça
do Tribunal de Apelação do Distrito Federal, 4 de dezembro de 1940, A. J., 62, 24).
A lei considera o depósito judicial em mão do executado como negócio jurídico em que a declaração de vontade
do Estado é dependente de aceitação do executado e do exeqúente. Não cabe a êsse o ônus de afirmar ou de
provar que o executado não lhe serve como depositário. Está-se em plano de declarações de vontade. Em todos
os outros casos (Código de Processo Civil, art. 945, 1-111), o depósito independe da aceitação do exeqUente.
Tudo se passa entre o Estado e o depositário. O exequilente é como o terceiro do art. 1.098 do Código Civil. Em
todo caso, o art. 945, pr., sofre limitação na regra jurídica do Código de Processo Civil, art. 945, II. Cf.
Conselho de Justiça do Tribunal de Apelação do Distrito Federal, a 23 de maio de 1944 (R. F., 100, 289).
Cs estabelecimentos estatais e os paraestatais são obrigados a aceitar o depósito; os outros, congêneres, a que se
refere o Código de Processo Civil, art. 945, 1, somente são obrigados segundo as leis que os regem. Se o
exeqúente entende que um dêles lhe não merece confiança, não pode exigir que se mude o depósito. Todos os
seus atos hão de ser tendentes a assegurar a responsabilidade do Estado e a dos seus órgãos. Daí a conveniência
de informar o juízo quanto a elementos de contra-indicação. As informações podem bastar a estabelecer-se, daí
em diante, a culpa do juiz. O interessado pode interpelar o Estado e exercer, se o quer, a pretensão cominatória,
judicialmente.
Os móveis e semoventes, quando o exeqüente recusa o executado como depositário, podem ser depositados em
mão dêsse, se ao juiz lhe parecer preferível. A regra jurídica do Código de Processo Civil, art. 945, II,
estabelece duas distinções: a declaração de vontade do exeqüente , no caso de querer o juiz depositar os bens
em mão do executado, não perde o caráter de declaração de vontade, porém cede como declaração de vontade
ante a do juiz (diferença essencial entre a comunicação de vontade, que permitiria a apreciação judicial do caso,
e a declaração de vontade que quebra diante de outra, cp. Código Civil, art. 635, §§ 1.0 e 2.0, e em todos os

MÚTUO
casos de maioria). O juiz emite declarações de vontade, quer no segundo, quer no primeiro caso do Código de
Processo Civil, art. 945, II.
Tudo se passa entre o juiz e o depositário. O juiz emite declaração de vontade, dependente de aceitação. Se o
nomeado ou o depositário judicial tem de aceitar é outro problema, entre éle e o Estado.
A responsabilidade do depositário é só sua, e não da parte (3.~ Câmara Civil do Tribunal de Apelação de São
Paulo, 27 de outubro de 1943, R. P., 99, 451). O Estado pode ter responsabilidade.
Os riscos da coisa depositada, sendo nomeado pelo juiz, ou judicial, o depositário, são do devedor, enquanto
não perde, judicialmente, a coisa (arrematação, adjudicação). São os i’iscos do valor da coisa: se o depositário
judicial (oficial) ou nomeado pelo juiz perde ou se apropria da coisa, sofre a perda da coisa o devedor
executado, tendo, ainda, de prestar o valor para nova penhora (cf. 1•a Câmara Civil do Tribunal de Apelação de
São Paulo, 13 de abril de 1942, 1?. E., 91, 457).
O Estado responde ao devedor executado, segundo os princípios. Se, no exercício do direito do art. 926 do
Código de Processo Civil, o credor nomeia bens à penhora, com infração da lei, de modo que perece a coisa
que, se não tivesse sido indevidamente depositada, não teria perecido, ou não seria provável que perecesse,
pode exigir outra penhora, mas responde pelo ato ilegal e suas consequências. Na ação contra o credor pode o
executado pedir medida constritiva sôbre o depósito.
Ao depositário judicial, nas execuções, cabe guardar e conservar os bens depositados. Não há relação jurídica
processual entre êle e o exeqilente, ou entre êle e o executado. A relação jurídica é entre o Estado e êle. Todo
ato do depositário é de responsabilidade perante o Estado. Se êle assume, in concreto, dizendo, por exemplo,
que o bem nunca saíra de sua guarda e cuidados, qualquer responsabilidade de outrem rege-se pelos arts. 159 e
160 do Código Civil, fundada na culpa. Por isso mesmo, a responsabilidade de guarda e de conservação é do
depositário judicial, e qualquer incumbência que, no tocante ao bem depositado, deu a outrem, é de inteira
responsabilidade sua, não se podendo invocar as regras jurídicas sôbre responsabilidade somente por culpa in
eligendo ou in vigilando, pois a função de guarda e conservação, regida, aí, pelo direito público, é indelegável.
Tal limitação de responsabilidade do depositário judicial poderia exsurgir, se o juiz, examinando a designação
do encarregado pelo depositário, a aprovasse: a aprovação excluiria a responsabilidade pela culpa leve e pela
culpa in eligendo, pôsto que deixando de pé a responsabilidade pela culpa in vigilando e pela culpa inspiciendo.
E o Estado assumiria.
Após o depósito judicial, qualquer acordo entre exeqúente, ou executado, e depositário, para se prepor alguém a
esse , nas funções específicas, é estranho ao plano processual, e só se processualizaria com a aprovação pelo
juiz, em ato que poderia ser válido, se ouvido o executado, ou o exeqúente (isto é, a outra parte), ou, se não
houve tal audiência, necessariamente nulo. Nos casos em que a preposição, ou alguma substituIção funcional
do depositário se deu, a aquiescência de uma das partes, por ser estranha ao processo, de modo nenhum é ato
da parte.
Se o exeqúente, em acordo com o depositário judicial, obtém que terceiro faça as vêzes dêsse, ou auxilie a êsse,
na guarda e conservação, sem audiência do executado e sem aprovação do juiz, ou com essa aprovação mas
sem aquela audiência, ao executado fica livre reclamar do Estado a reparação dos danos, ou de reclamá-la do
depositário, ou do exequente, com fundamento nos arts. 159 e 160 do Código Civil.
Por outro lado, se o executado, em acordo com o depositário judicial, obtém que terceiro faça as vêzes dêsse, ou
auxilie, a êsse, na guarda e conservação, sem audiência do exequente, com ou sem aprovação do juízo, ao
exeqúente fica livre reclamar do Estado a reparação dos danos, ou reclamá-la do depositário, ou do executado,
com fundamento nos arts. 159 e 160 do Código Civil.
(B) A função e a responsabilidade do depositário, que foi investido em processo de medida cautelar, são as que
tem o depositário, em caso de processo executivo.

§ 4.670. Depósito em ocasião de calamidade pública


1. ESPÉCIES. O art. 1.282, II, do Código Civil, diz que é depósito necessário “o que se efetua por ocasião de
alguma calamidade, como o incêndio, a inundação, o naufrágio ou o saque”. O art. 1.282, II, in fine, é
exemplificativo. Calamidade pode também ser ameaça de guerra, ou de revolução, ou mesmo ameaça de motim
ou motim.

2.RESPONSABILIDADE PELA CUSTÓDIA. O depositário responde conforme o art. 1.288, parágrafo único,
do Código Civil. O depósito pode ser provado por qualquer meio de prova. Se a pessoa que recolheu o bem não
estêve em contacto com a pessoa ou alguma das pessoas que poderiam dar em depósito e apenas obra a seu

MÚTUO
líbito, houve gestão de negócios alheios, e não depósito. A responsabilidade rege-se, então, pelos arts. 1.881-
1.345 do Código Civil.

§ 4.671. Depósito em caso de infração

1.DEPÓSITO DE OBJETOS QUE INTERESSAM AO PROCESSO


PENAL. Alguns objetos são instrumento do crime ou quê interessam à prova, devendo acompanhar os autos do
inquérito (Código de Processo Penal, art. 11). Outros são de porte que não permite que acompanhem o inquérito
ou o processo, a despeito de serem apreendidos, por interessarem ao processo. Os bens apreendidos e os
seqUestrados (Código Penal, art. 74, II, e 100; Código de Processo Penal, arts. 118, 119 e 779) são depositados.
Enquanto em mãos da autoridade policial ou judiciária, responde ela como depositário necessário.

2.RESPONSABILIDADE DO ESTADO. O Estado não é depositário, em se tratando de depósito público; mas,


em virtude do art. 194 da Constituição de 1946, a responsabilidade da pessoa jurídica de direito público é
objetiva, mesmo se apenas se pode responsabilizar por culpa o funcionário público.
Enquanto os bens que têm de ir para as mãos de depositário indicado ou nomeado permanecem com
funcionário público, a entidade estatal responde conforme o art. 194 da Constituição de 1946.
No caso de apropriação indébita, há o crime do art. 168 do Código Penal, com o aumento previsto no § lA, 1
(“quando o agente recebeu a coisa: 1, em depósito necessário”)~ ou do § 1.0, II ou III.

3.EMBARCAÇÕES APREENDIDAS. Lê-se no art. 757 do Codígo de Processo Civil: “Provando-se que navio
registado como nacional obteve o registo sub-repticiamente ou que perdeu, há mais de seis meses, as condições
para continuar considerando nacional, a autoridade fiscal competente do lugar em que se houver realizado o
registo, ou do lugar onde se verificar a infração dos preceitos legais, apreenderá o navio, pondo-o
imediatamente à disposição do juiz de direito da comarca”. No art. 758: “Enquanto o juiz não nomear
depositário, exercerá tal função a autoridade a quem competia o re-gisto, a qual procederá ao arrolamento e
inventário do que existir a bordo, mediante têrmo assinado pelo capitão, ou pela mestre, se o quiser assinar”.

Um dos pressupostos é o de ter sido brasileira a embarcação. Se a embarcação não obteve registo, nem perdeu a
qualidade de brasileira, o assunto pertence apenas ao direito penal e ao direito processual penal.
À disposição do juiz passa a embarcação apreendida pela autoridade administrativa. Enquanto o juiz não
nomeia o depositário, é depositário judicial a autoridade a quem competiria o registo (Tribunal Marítimo, ou
Capitanias, ou Delegações, conforme a legislação administrativa). De modo que desde a apreensão o fiscal tem
o dever de pôr a embarcação à disposição do juiz, convindo entregá-la, simultâneamente, àautoridade
competente para o registo, para evitar o lapso e a sua responsabilidade pela posse imediata intercalar entre a
apreensão e o depósito. Tudo aconselha a que a apreensão de que fala o art. 757 do Código de Processo Civil, o
arrolamento e inventário referidos no art. 758 sejam feitos no mesmo momento. As coisas inventariadas
pertencem ao navio.

§ 4.672. Depósito e viagens

1.CUSTÓDIA E DEVER DE PRESTAÇÃO DE TRANSPORTE. A hospedagem em hotéis, hospedarias,


albergues, estalagens, casas de pensão e casas de cômodo não é a única prestação que pode dar ensejo a
responsabilidade dos empresários.
O devedor da prestação de transporte é responsável pelos danos aos bens ou às pessoas. Ai, há dever de
proteção, que a emprêsa assume uma vez que se reputa apta a transportar.
Mas aqui temos de distinguir o dever de custódia, que supõe inserção do bem no lugar em que se presta o
serviço, ou que se aluga, e o dever de proteção, que independe de posse ou tença pelo prestador do serviço ou
do bem locado.
A bagagem posta no porão ou no camarote do navio, ou do ônibus ou da aeronave, é entregue à emprêsa, que dá
ficha ou recibo. O que o passageiro tem consigo, não. Ésse dever de proteção não é integrativo do dever de
transportar, de modo que a sua infração pudesse considerar-se infração do dever de prestar o transporte
(HEINRICII STOLL, Abschied von der Lebre von der positiven Vertragsverletzung, Archit’ flir die civilistische
Prax is, 186, 287 5.; SPIRoS SIMITIS, Pie faktischen Vertragsverhaltnigge, 69 s.).

MÚTUO
2.OBJETOS QUE O VIAJANTE LEVA CONSIGO. Se o viajante não deu a guardar o que tem consigo, ao
entrar no veículo, ou antes, quando tomou assento, ou por intermédio de alguém que entrou no veículo, a
responsabilidade do transportador rege-se pelos princípios gerais. Todavia, se o lugar é reservado, tendo sido
entregue a chave ao viajante, ou, se ainda não fôra entregue, tendo sido pôsto no camarote, ou quarto, ou
cabina, o objeto, há dever de custódia, porque as chaves, em duplicata, ou mais exemplares, estão com o
viajante e com o empregado ou com os empregados, ou ainda somente com o empregado ou com os
empregados.
Se a emprêsa alega e prova que o viajante deixou aberto o lugar de que tinha a chave, ou se o deixou algum
intermediário seu, não há responsabilidade da emprêsa, salvo se o viajante alega e prova que não foi no
momento em que estava aberto que se deu o furto, ou roubo, ou destruIção, ou dano. Outrossim, se é caso de
custódia em qualquer lugar do veículo.
Também aqui cabe a diferença entre bens entregues e bens podados.
CAPÍTULO V

EXTINÇÃO DA RELAÇÃO JURIDICA DE DEPÓSITO

§ 4.673. Causas de extinção da relação jurídica e depósito

1.DEPÓSITO E EXTINÇÃO DA RELAÇÃO JURIDICA. A relação jurídica de depósito extingue-se pelas


mesmas causas pelas quais se extinguem as outras relações jurídicas contratuais. Se o contrato de depósito é
nulo, não há relação jurídica de depósito. Se é anulável, a desconstituição do contrato extingue a relação
jurídica. Há, ainda, outras causas de desconstituição, uma das quais é a resolução ou a resilição. Se o depósito é
com dação de uso, há a rescindibilidade por vícios do objeto depositado.

2.RESTITUIÇÃO DO BEM DEPOSITADO. Se a relação juridica de depósito se extingue, tem de ser


restituído o objeto depositado. Se a causa da extinção é o advento de têrmo, ou o implemento de condição, ou o
têrmo foi convencionado no interêsse do depositário, ou o foi no interêsse do depositante. O depositário
vinculou-se a custodiar, de modo que o restituir tem significação especial, pois o interêsse do depositante
permaneceu durante todo o tempo da relação jurídica.
Se nenhum têrmo se fixou no contrato de depósito, nem há condição, a presunção de ser o depósito no interêsse
do depositante induz a que êsse possa, a qualquer momento, denunciar o contrato (denúncia vazia) e exigir a
entrega. Não importa se o depósito é gratuito, ou se é remunerado.
Quanto ao depositário, reconhece-se-lhe o direito à denúncia, mas à denúncia cheia. O art. 1.270 do Código
Civil diz que êle pode, por motivo plausivel, denunciar o contrato e restituir o bem depositado. Se o depositante
não o quer receber, pode o depositário requerer o depósito judicial. t assim que se há de entender o art. 1.270.
O direito escrito brasileiro não diz qual o trato de tempo que há de correr entre o ato de denúncia e a entrega do
bem depositado ao depositante. O prazo há de ser prazo razoável, conforme a especie.

8.PLURALIDADE DE DEPOSITANTES. Se o contrato foi concluído por dois ou mais depositantes, ou a


favor de dois ou mais terceiros, a quem se há de fazer a restituição, ou há divisibilidade do bem depositado e
incide o art. 1.274 do Código Civil, ou não há divisibilidade. Pode dar-se: a) que todos sejam acordes em que a
tradição seja a um ou mais, com ou sem a presença de todos; b) que um só ou só alguns tenham exigido a
entrega, ou compareçam para receber o bem depositado. Se o bem é divisível, há a restituição pro parte, de
modo que, se um só exige, só êsse recebe a sua parte. Se algum ou todos exigem, cada um recebe a sua parte.
Tal solução é resultante do jus dispositivum do Código Civil, art. 1.274; de jeito que pode haver, em virtude de
cláusula expressa, solidariedade. No direito italiano, a solução é diferente (cf. Código Civil italiano, art. 1.772).
No direito brasileiro, também é possivel, além da ação de depósito, regulada nos arts. 866-370 do Código de
Processo Civil, a ação de preceito cominatório (art. 302, XII).
Se o único depositante falece e há herdeiros, o art. 1.274 do Código Civil é de invocar-se.
Se há pluralidade de depositantes e algum ou alguns falecem, o art. 1.274 do Código Civil incide, devendo a
quota do falecido ser dividida pelos seus herdeiros, ou as quotas dos falecidos ser divididas pelos herdeiros.
No caso de indivisibilidade, sem haver solidariedade, ou todos os depositantes exigem a restituição, ou o

MÚTUO
exigem os depositantes vivos e o herdeiro ou os herdeiros do falecido ou dos falecidos, ou o depositário pede o
depósito do bem, invocando o art. 1.270 do Código Civil.

4.PLURALIDADE DE DEPOSITÁRIOS. A pluralidade pode ser de depositários. Se há dois ou mais


depositários, a restituíção pode ser exigida a qualquer dêles. Aí, há solidariedade ex lege (Código Civil ad. 904).
Se faleceu algum dos depositários e a res deposita é divisível, a cada herdeiro só se pode exigir a quota que lhe
corresponde (Código Civil, art. 905).
Se algum ou alguns dos depositários n~o têm a posse ímediata, por ter sido mediatizado, ou terem sido mediati
zados, o que tem a posse imediata e vai entregar o bem depositado tem o dever de aviso ao outro ou aos outros
depositários que não têm posse imediata. Se falta o aviso, o depositário que restitui responde pelos danos que
possam resultar da sua omissão.

5.DEPOSITÁRIO TORNADO INCAPAZ. Se o depositário se tornou incapaz (ou se o era e sobreveio a


interdição), o curador tem de diligenciar para que imediatamente seja restituído
o bem depositado, ou sejam restituidos os bens depositados. Lê-se no art. 1.276 do Código Civil: “Se o
depositário se tornar incapaz, a pessoa que lhe assumir a administracão dos bens, diligenciará imediatamente
restituir a coisa depositada, e, não querendo ou não podendo o depositante recebê-la, recolhê-la-á ao depósito
público, ou promoverá a nomeação de outro depositário”. Êsse depositário, que o juiz nomeia, é depositário
judicial, e não o depositário público. A fonte foi o Projeto de Coelho Rodrigues, art. 1.117: “Quando o
depositário se torna incapaz, a pessoa que assumir a administracão dos seus bens deverá promover logo a
entrega da coisa e, se o depositário não quiser ou não puder recebê-la, deverá pedir a transferência dela para o
depósito público, ou a nomeação de outro depositário”. Há bens depositados para os quais não seria
recomendável a remessa para o depósito público. Ao fazer o pedido de depósito judicial, o curador escolhe, sem
que o juiz fique adstrito a essa escolha.

§ 4.674. Particulares eventualidades no tocante à restituição

1.RESTITUÍÇÁO VOLUNTÁRIA E RESTITUIÇÃO EXIGIDA.


O depositário restitui, nas espécies em que pode, por vontade sua, restituir, e pode ter de restituir por exigência
do depositante ou de terceiro legitimado.

2.RESTITUIÇÃO AO TERCEIRO REFERIDO NO CONTRATO. Se o bem foi depositado em nome de


terceiro, houve contrato a favor de terceiro e regem os arts. 1.098-1.100 do Código Civil. A substituibilidade do
terceiro somente ocorre se foi reservado pelo depositário o direito de substituição.
Se foi convencionado que não se restituiria ao depositante o bem depositado sem que houvesse assentimento ou
consentimento do terceiro, não houve, prôpriamente, contrato a favor de terceiro, porque não se falou de
restituibilidade ao terceiro, mas sim ao depositante, com a anuência do terceiro. Algumas vêzes é recomendável
essa cláusula, que reconhece interêsse do terceiro sem que o contrato seja a favor dêle. Não tem o terceiro
pretensão à restituição, mesmo em alternativa com a pretensão do depositante.
Se no contrato de depósito ou em pacto adjecto foi dito que o depósito é feito também no interêsse de terceiro,
sem cláusula de substituibilidade (Código Civil, art. 1.100), o depositário não pode restituir ao depositante o
bem depositado, sob pena de ter de ressarcir os danos ao terceiro, se não mais pode ser satisfeita a exigência do
terceiro. Se o depositário quer restituir o bem, nos casos em que o pode fazer, tem de comunicar a sua vontade
ao depositante e ao terceiro.

8.FRUTOS E ACRESCIDOS DO BEM DEPOSITADO. O depositário tem de restituir o bem depositado, com
os frutcs e quaisquer acrescidos (cf. Código Civil, arts. 607-017). Lê-se no Código Civil, art. 1.266: “O
depositário é obrigado a ter na guarda e conservação da coisa depositada o cuidado e diligência que costuma
com o que lhe pertence, bem como a restitui-la com todos os frutos e acrescidos, quando lho exija o
depositante”. Fala-se dos frutos. Entenda-se do bem não fungível, porque, se fungível o bem, o contrato é de
depósito irregular, e não se supõem devidos os interêsses. Se, porém, o bem fungível é titulo que dê juros ou
dividendos, têm-se por devidos, a despeito da irregularidade do depósito.
No sistema jurídico brasileiro, o depositário tem de restituir com os frutos. (L. 1, § 24, D., depositi rei contra,
16, 8). No dever de custodiar como custodia os seus próprios bens entende-se incluido o de colhêr os frutos e

MÚTUO
evitar que se percam.
*
O uso do bem depositado, se não foi permitido, é infração do contrato. Se houve dano, há o ressarcimento
(Código Civil, art. 1.275). O uso pode não ser danificante. Então, não há indenizabilidade. Não há pretensão a
interêsses pelo uso indevido do bem depositado, mesmo se o depósito foi depósito de dinheiro. Não basta para
se sustentar o contrário o argumento de que o depositário transforma em depósito irregular o depósito que seria
regular. Nem seria cabível a ação de enriquecimento injustificado.

4.HERDEIRO DO DEPOSITÁRIO. Morto o depositário, o herdeiro pode ignorar que o bem, de que o falecido
tinha a posse, não fôsse propriedade dêsse. Se o herdeiro aliena o bem depositado, êle, a quem se transferiu o
dever de restituição, tem de assistir ao depositante ou seu sucessor, na reivindicação (alienou-se coisa alheia;
portanto, ineficazmente) e a restituir o equivalente. Se há a reivindicação, ao que a sofreu, o herdeiro há de
restituir o que recebera como preço. Se o herdeiro doou, também se dá a reivindicação. No Código Civil, art.
1.272, estatui-se: “O herdeiro do depositário que de boa fé vendera coisa depositada é obrigado a assistir o
depositante na reivindicação e a restituir ao comprador o preço recebido”. Se não foi possível a reivindicação, a
restituição do preço é ao depositante. Se o preço ainda não fôra pago, ou não o fôra integralmente, o depositante
sub-roga-se, oqe legis, nos direitos do depositário contra o terceiro.
A alienação de má fé é ato ilícito, furto ou apropriação indébita.

5.BEM DEPOSITADO E SUCEDÂNEO. Pode ocorrer que no lugar do bem depositado algo juridicamente se
ponha, como se houve pagamento de seguro, ou se houve indenização por ato ilícito de terceiro, ou, mesmo se
licito, nas espécies dos arts. 160, II, 1.519 e 1.520 do Código Civil. O art. 1.271 do Código Civil refere-se a
uma das espécies, que é a de ter recebido outro bem em lugar do bem depositado, mas apenas se formulou o
que resulta de princípio geral. Lê-se no art. 1.271: “O depositário que por fôrça maior houver perdido a coisa
depositada e recebido outra em seu lugar, é obrigado a entregar a segunda ao depositante e ceder-lhe as ações,
que no caso tiver contra o terceiro responsável pela restituição da primeira”. O texto contém graves
imperfeições. Ao depositante passam, ope tegis, as ações que tem o depositário contra o terceiro,
automAticamente, porque foi o depositante que atribuiu a posse imprópria imediata ao depositário; e não há
pensar-se em cessão coativa das ações. O terceiro é sujeito passivo nas relações jurídicas com o depositante e
com o depositário.
Sempre que o depositário vem a saber de que terceiro se diz com direito sôbre o bem depositado, tem o dever
de comunicar ao depositante. Se ocorre propositura de ação pelo terceiro, o depositário pode requerer o
depósito judicial do bem depositado, se o depositante não o quer receber, ou se foi impedido, cautelarmente, de
fazê-lo.
Se o depositário foi citado como réu, pode nomear à autoria o depositante (Código de Processo Civil, art. 99).
Desde o momento em que o depositário é citado em ação de medida cautelar ou em ação executiva, não pode
restituir o bem ao depositante (Código Civil, art. 1.268). Fora daí, para que deixe de restituir, é preciso que
tenha “motivo razoável de suspeitar que a coisa foi furtada ou roubada” (Código Civil, art. 1.268), mas terá de
recolher o bem ao depósito público, ou requerer o depósito judicial (cf. art. 1.270).

6.BEM PRÓPRIO DO DEPOSITÁRIO. O depositário tem de restituir ao depositante o bem, sem poder ou ter
de exigir que o depositante prove o seu direito de propriedade, ou a posse imprópria. O depositante pode não
ser proprietário, nem ter posse própria. Se o depositário descobre que é seu o direito de propriedade, ou a posse
própria, ou posse que lhe permitisse depositar, o contrato de depósito é nulo. Se o depositário é o dono, mas o
depositante podia depositar (e. g., é usufrutuário, ou locatário), o depositário proprietário, ou possuidor próprio,
tem dever de restituIção.
Se A é dono do bem (e. g., jóia) e deu em locação a E, por um ano, e B teve de ausentar-se, nada obsta a que E
entregue o bem em depósito a A, pois B é possuidor impróprio. Passa A a ter, além de sua posse própria
mediata, a posse imediata, continuando E com a posse imprópria mediata, que fica entre as duas posses que
estão com A.
7.ESBULHO E TURBAÇÃO DA POSSE DO DEPOSITÁRIO. Se ocorre perda da posse do bem depositado,
sem se poder imputar ao depositário, deve o depositário comunicá-lo, imediatamente, ao depositante. Se
cumpre o dever de comunicação, libera-se do dever de restituir. Todavia, o dever de custód4x inclui o de defesa
de mão própria (Código Civil, art. 50~ e parágrafo único), se dentro dos hábitos do depositário a respeito dos

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seus bens.
A ofensa à posse pode ser somente à posse própria, ou imprópria, do depositante, ou somente à posse do
depositário, ou a ambas. Se foi à posse do depositante, sem atingir a posse do depositário, àquele é que tocam as
ações possessórias e de indenização.
Quanto ao dever de comunicação, a infração põe o depositário como responsável por todos os danos que da
falta resultem.
Quem, depositário, sabe, como depositário, da situação que se criou ou que se vai criar contra o depositante,
tem dever de comunicar e de praticar os atos, extrajudiciais e judiciais, necessários ou oportunos para
recuperação, ou para obstáculo a ofensa, ou para acautelamento; e a responsabilidade apenas exige nexo causal
entre evento e dano.

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