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TRATADO DE DIREITO PRIVADO

TOMO LIII

TITULO LIII

OBRIGAÇÕES ORIUNDAS DE ATOS ILÍCITOS ABSOLUTOS,DE ATOS-FATOS ILÍCITOS E DE


FATOS ILÍCITOS ABSOLUTOS “STRICTO SENSU”

CAPÍTULO 1

CONCEITO DE NATUREZA DA RESPONSABILIDADE CIVIL PELO FATO ILÍCITO “LATO


SENSU”

§5.498.Responsabilidade por fatos ilícitos absolutos. 1. Conceito de responsabilidade extranegocial. 2. Relações


de responsabilidade e tentativas de adaptação social. 3. Personalidade e responsabilidade. 4• Direito romano. 5.
Diferenças de classe.6.Imputação e imputabilidade. 7• Responsabilidade delitual e capacidade. 8. Direito penal
e direito civil. 9. Autodefesa, legítima defesa e estado de necessidade. 14. Estado de necessidade
§5.499.Deveres “erga omnes”. 1. Distinções necessárias. 2.Doutrinas quanto aos fatos ilícitos. 3. Suporte
fáctico da ilicitude absoluta
§ 5.500.Abuso do direito. 1. Regras jurídicas a respeito. 2. Direito romano. 3. Doutrina muçulmana. 4. Direito
peninsular e lusa-brasileiro. 5. Discussões doutrinárias. 6. Direito brasileiro
§ 5.501.Considerações preliminares sôbre responsabilidade extranegocial. 1. Conceito. 2. Precisões. 3. Ilicitude
absoluta e ilicitude relativa. 4. Omissão. 5. Responsabilidade das pessoas jurídicas. 6. Responsabilidade pelo
dano sem ilicitude~ do ato. 7. Responsabilidade por exercício de atividade perigosa. 5. Dano causado por
alguma coisa em custódia ..
§ 5.502.Atos ilícitos e delitos. 1. Conceito de delito. 2. Conceito. de delito em direito penal. 3. Métodos e
técnicas próprios.4.Conceito privatístico de delito ou ato ilícito. 5. Ato ilícito absoluto e ato ilícito relativo por
atos de crime. 6 Enriquecimento injustificado. 7. Pretensão à restituição .8.Responsabilidade pelos atos de
outrem. 9. Lei e infrações com efeitos de responsabilidade. 10. Diligência e acidentes

CAPÍTULO II

DEVER DE REPARAÇÃO E DANOS REPARÁVEIS

§ 5.303. Dever de reparação. 1. Fontes do dever de reparar dano.2.Incapacidade e dever de reparação. 3.


Responsabilidade transubjetiva. 4. Atos ilícitos e danos causados por outrem. 5.Dano a terceiro. 6. Danos
causados por terceiros. 7. “Exceptio doli” e fato ilícito. 8. Cláusulas pré-exonerativas e restringentes da
responsabilidade extranegocial
5.504. Responsabilidade por culpa “ia eligendo”, por culpa “in vigilando” e semelhantes. 1. Pluralidade de
responsáveis. 2. Culpa do apontado como responsável. 3. Espécies de culpa em casos de atos de outrem. 4.
Menores e responsáveis. 5.Tutelados e curatelados, responsabilidade dos tutôres e curadores. 6. Atos de
empregados, serviçais e prepostos. 7.Responsabilidade de hoteleiros, elberguistas e outros hospedeiros. 8.
Participação em produto de crime. 9. Direito regressivo, pretensão e ações regressivas
§ 5.505.Problemas de responsabilidade por atos ilícitos. 1. Absolutamente incapazes e responsabilidade. 2.
Responsabilidade transubjetíva. 3. Ônus da prova. 4. Seguros
§ 5.506.Incidência do direito penal e do direito privado. 1. Distinções que se apresentam. 2. Julgamento
criminal e coisa julgada. 3. Pressupostos da coisa julgada material. 4. Responsabilidade objetiva e risco

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profissional
§ 5.507.Bem danificado e pessoa danificada. 1. Atingimento do bem ou da pessoa. 2. Alienação de propriedade
e de posse. 3.Danos à posse. 4. Danos a edifícios. 5. Ato culposo de comistão, confusão ou adjunção. 6.
Alojamento e danificação. 7. Interesse negativo
§ 5.508.Dano e dever de indenizar. 1. Dever de indenizar. 2. Dever de evitar perigos. 3. Responsabilidade pelos
danos.4.Danos e infração de princípios morais. 5. Concorrência de pretensões
§ 5.509. Dano moral. 1. Distinções essenciais. 2. Direito alemão. 3.Direito anglo-saxão. 4. Direito austríaco. 5.
Direito suíço. 6.Direito brasileiro. 7. Indenização
§ 5~510. Direitos e ofensas com ilicitude absoluta. 1. Direitos de personalidade, direitos de família e direitos
pessoais. 2. Saúde e integridade física e psíquica. 3. Direito à honra. 4. Liberdade de indústria e de comércio. 5.
Ofensa ao crédito e outras ofensas. 6. Direito de propriedade e responsabilidade oriunda de ofensa com ilicitude
absoluta. 7. Acidentes do trabalho. 8. Princípio de primazia da reparação em natura. 9. Dano, tempo e lugar. 10.
Interesse próprio e interesse alheio. 11. Interesse de afeição
§ 5.511.Momento em que se avalia o dano. 1. Pedido de indenização e prestação do quanto indenizatório. 2.
Interesses. 262

CAPÍTULO III

ESPÉCIES DE DANOS TRATADOS COMO TEMAS EXEMPLIFICATIVOS

§ 5.512.Imputabilidade e não-imputabilidade. 1. Incapazes e perturbados momentaneamente da psique. 2.


Diferenças de níveis patrimoniais. 3. Problemas de técnica legislativa. 4. Solução e ônus da prova
§ 5.513.Procura e gestão de negócios alheios. 1. Procura e indenização. 2. Gestão de negócios alheios e danos
§ 5.514.Atos jurídicos constritivos. 1. Medidas constritivas cautelares. 2. Penhora lesiva e indenização
§ 5.515.Indenização no caso de homicídio e de lesões corporais (físicas e psíquicas). 1. Princípio geral e
exceções. 2.Regras jurídicas especiais. 3. Pressupostos. 4. Lesões corporais e psíquicas. 5. Alimentos

CAPÍTULO IV

DUELO, LUTAS A DOIS E DANOS

§ 5.516.Duelo e outras lutas a dois. 1. Dados históricos. 2. Conceito de luta a dois e de duelo. 3. Consentimento
e luta a dois. 4. Atos lesivos e fatos lesivos. 5. Legítima defesa e estado de necessidade. 6. Indenização e danos
resultantes de duelo. 7. Titularidede de pretensão à indenização...
§ 5.517.Testemunha, juiz e terceiros. 1. Testemunhas e juizes de luta. 2. Terceiro e luta a dois

CAPÍTULO V

ANIMAIS ERESPONSABILIDADE PELOS DANOS CAUSADOS POR ÊLES

§ 5.518.Danos causados por animais. 1. Solução legislativa em geral, regra jurídica e solução diferenciante. 2.
Dados históricos. 3. Fundamento da responsabilidade pelo fato do animal. 4. Solução unitária do direito
brasileiro. 5. Permissões, licenças e proibições . 6. Culpa do condutor e danos atribuidos a animais
§ 5.519.Danos e causadores de danos. 1. Bem ou pessoa lesada. 2.Espécies de dano. 3. Causador do dano. 4.
Pluralidade de animais. 5. Animais doentes. 6. Animal o lesante, animal o lesado. 7. Danos de ambos ou todos
os animais. 8. Legítima defesa contra animais. 9. Estado de necessidade.10.Fôrça maior e caso fortuito. 11.
Imprudência do ofendido. 12. Provas a favor do demandado. 13. Culpa do lesado. 14. Elemento de parte do
lesado
§ 5.520.Demandas de indenização. 1. Legitimação ativa. 2. Pressupostos da causalidade. 3. Defesa do
demandado. 5. Cláusulas exonerativas da responsabilidade. 6. Provas que têm de ser feitas
CAPÍTULO VI

COISAS INANIMADAS E RESPONSABILIDADE PELOS DANOS CAUSADOS

§ 5.521.Danos causados pelo lançamento ou queda de coisas. 1. Direito anterior. 2. Texto do Código Civil, art.
1.529. 3. Edicto do Pretor e “actio de deiectis vel effusis”. 4. Legitimação passia. 5. Caso fortuito e fôrça maior.
6. Ação regressiva. 7. Pluralidade de causas para responsabilidade extracontratual. 8. Coisas inanimadas não
referidas especialmente.9.Requisitos para a ação de indenização pelo dano causado. 10.Danos causados por
aeronaves
§ 5.522.Danos causados por edifícios e outras construções. 1. Edifícios e outras construções. 2. Direito
brasileiro e direito comparado. 3. Danos e reparação dos danos. 4. Pessoa responsável. 5. Legitimação ativa

CAPITULO VII

RESPONSABILIDADE EXTRANEGOCIAL POR DANOS CAUSADOS POR PROFISSIONAIS

§ 5.528.Medicina e ilicitude absoluta. 1. Precisões. 2. Vontade presumida do lesado. 3. Responsabilidade dos


médicos e cirurgiões. 4. Prepostos de farmacêuticos e droguístas
§ 5.524.Responsabilidade dos advogados. 1. Danos causados por advogados. 2. Deveres dos advogados. 3.
Empregados,inclusive advogados-ajudantes
§ 5.525.Profissionais de es portes. 1. Esportes e profissionalidade.2. Legislação. 8. Indenizações

CAPITULO VIII

RESPONSABILIDADE DO ESTADO E DOS FUNCIONÁRIOS PÚBLICOS

§ 5.526.Estado e responsabilidade pela ilicitude absoluta. 1. Principio de isonomia. 2. Atos dos funcionários
públicos e outros servidores. 3. Depósitos judiciais e responsabilidade do Estado. 4. Registo e denegação
§ 5.527.Responsabilidade dos juizes. 1. Preliminares. 2. Responsabilidade extranegocial. 3. Responsabilidade
do Estado 4.Suscitamento

Título LVI

OBRIGAÇÕES ORIUNDAS DE ATOS ILÍCITOS ABSOLUTOS, DE ATOS-FATOS ILÍCITOS E DE FATOS


ILÍCITOS ABSOLUTOS “STRICTO SENSU”

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CAPÍTULO 1

CONCEITO E NATUREZA DA RESPONSABILIDADE CIVIL PELO FATO ILÍCITO “LATO SENSU”

§ 5.498. Responsabilidade por fatos ilícitos absolutos

1.CONCEITO DE RESPONSABILIDADE EXTRANEGOCIAL.

O fato de se ter tratado de responsabilidade negocial, especialmente da responsabilidade contratual, antes de se


cogitar da ilicitude absoluta e da responsabilidade que dela decorre, justifica a expressão “responsabilidade
extranegocial”.
Cumpre, porém, que acentuemos o conceito de responsabilidade. A expressão “responsabilidade” é suscetível
de várias acepções. Uma delas, peculiar aos adeptos da doutrina do livre arbítrio, repugna à ciência. Outra, mais
restrita, refere-se à distinção, aliás bem vaga e imprecisa, entre psicologia normal e patológica; é o critério dos
psiquiatras e da antropologia criminal. Outra, finalmente, existe, que é rigorosa-mente sociológica, e constitui o
objeto das nossas cogitações. As espécies sociais de responsabilidade não se confundem. com os fatos e limites
que interessam à psicologia normal e patológica, ou à antropologia criminal. A responsabilidade resulta de fatos
sociais, de relações da vida, porque também ela é fato social, sujeito a tentativas de caracterização e de exame
em estado bruto, ou purificado de elementos que o obscureçam. Quando se pune o assassino ou o ladrão, ou a
opinião pública se exalta contra o desencaminhador de mulheres, ou a família afasta do seu seio o membro que
a desonrou, tais julgamentos de responsabilidade são reflexos individuais, psicológicos, de fato exterior, social,
objetivo, que é a relação de responsabilidade.

Eis as questões que a respeito logo se nos apresentam:


.~São ou não são observáveis tais relações e tais julgamentos? ~ Podemos, ou não, descrevê-los, compará-los,
seguir-lhes as transformações, conhecer-lhes as permanência8 e uniformidades, e dêles induzir regras?
Não cabe a negativa, porque são êles fatos sociais, e não há fatos sociais indescritíveis , pôsto que os haja, como
certos ratos de outras ciências, que se têm como mais exatas, dificilmente descritíveis .
Mas em Direito, como em Sociologia, muito ainda existe de mitológico, que é preciso extirpar-se. Eliminados
os critérios teológicos e evidentemente metafísicos, que consideravam a ordem social como obra de Deus, da
Reta Razão, da Natureza, etc., persistiram resquícios de entidades e, ainda nos espíritos mais livres de tais
vícios de pensamento, são encontráveis sinais inconfundíveis. Em vez de terem por deito interno o julgamento
de responsabilidade, que seria explicado como manifestação psicológica da relação social, objetiva, de
responsabilidade, entendem que tais julgamentos, por serem jurídicos ou morais, não significam,
especulativamente, fatos; traduzem o sentimento que têm do que é justo, moral ou juridicamente obrigatório, os
que os pronunciam, mas acrescentam (e aqui discordamos) que, conseqUentemente, êl’es se referem,
explicitamente ou não, a regras (e. g. PAUL ELTZBACIIER, Úber Reoktsbegriffe, 26-27; PAuL
FATJCONNET, La RésponsaUZíté, 2-5).
Ora tal conc1us~o é forçada, resulta necessariamente das premissas. Os fatos sociais são relações, e são as
relações o que os julgamentos traduzem. A extração das regras é processo posterior, porque, no próprio direito
costumeiro, os fatos precedem à regra juridica, que eles descrevem. Imaginar regras prévias, a que se reportem
os julgamentos e pelas quais se modelem as relações, denuncia sobrevivência de teologismo ou de metafísica da
concepção do direito: em vez de nos contentarmos com as relações, queremos sêres, ainda abstratos (regras), de
que dimanem os fatos. Quando o monismo exclui ou pretende excluir o pluralismo, começa a atuar corno
elemento intelectual puro, deformador da realidade. Se assim pensássemos, teríamos de procurar tais regras, e
cairíamos ou no apriorismo ou no estrito empirismo, porque ou elas não seriam perceptíveis e proporíamos
soluções que disputariam a verdade, ou estariam reveladas nos princípios, adágios e mais cristalizações verbais
ou escritas dos costumes, e a elas teríamos como dados espontâneos e indiscutíveis. Poderia, às vêzes, ser útil
tal proceder; porém não seria científico. fl outra a missão do cientista do direito: observar, e estudar as relações
de responsabilidade e delas induzir as regras. Aos que afirmarem a preexistência dessas, a que, explicitamente
ou não, deviam referir-se os julgamentos, podemos responder:
os fatos da Mecânica Celeste, da Física, da Química, da Biologia, não se referem a nenhuma lei; as leis são obra
do espírito humano, que as induz dos fatos, e, por isso mesmo, provisórias e retificáveis. A diferença entre as
leis científicas e as regras jurídicas, quando induzidas, ou formuladas, quando, realmente, leis, está na maior
extensão daquelas. As leis biológicas abrangem todos os fatos da vida, as leis da química vão mais longe,
porque dizem respeito aos movimentos atômicos; as da física, da cinemática, da geometria eucleudiana ou dos
sólidos, da geometria de n ou de urna dimensão, e da aritmologia, dilatam-se ainda mais. Porém das leis
biológicas pode-se partir, não para as leis mais vastas, e sim para as menos extensas: e teremos, sucessivamente,
as leis da coexistência social (comuns a sociedades animais e humanas), das sociedades humanas, das
sociedades. , e as regras jurídicas, que constituem proposições menos gerais que as outras. Apenas ainda se
confundem com ordens despôticas e princípios não científicos , que estão, para as regras de direito, como as
concepções casuístico-metafísicas do mundo e da origem do homem para as modestas induções da ciência
contemporânea . Se encontramos certo número de relações sociais ou julgamentos (dados psíquicos, indiretos),
podemos tirar dêles a regra, que está para êles na mesma relação que as leis da biologia para os fatos que ela
estuda. A possibilidade de nossa intervenção eficaz apenas resulta, se queremos corrigir defeitos ou precipitar
processos, da possibilidade de conhecermos leis mais gerais, que possam afastar a aplicação tia regra jurídica
imediatamente apresentada pelos fatos. A vida só se nos dá em acontecimentos, como nos permite o caráter
finito da experiência, e não em generalidades e abstrações; os princípios jurídicos são simples expressões dos
fatos da vida (Huco SINZHEIMER, Die saziologische Methode in der Privatrechtswissenschaft, 5 s.) se falham
em tal função, constituem erros biológicos, produzidos pela ignorância humana, ou pelo despotismo dos
formuladores das regras jurídicas.

2.RELAÇõES DE RESPONSABILIDADE E TENTATIVAS DE ADAPTAÇÀO SOCIAL. O conceito de


responsabilidade é aspecto da realidade social, representação psicológica das instituições, mas somente como
elemento de estudo é que devemos apanhar, descrever e classificar os conceitos: a relação social oferece mais
acentuada feição objetiva, menor variação, pois os julgamentos são aplicações de caráter particular, como
aspectos individuais e subjetivos.
A análise das relações de responsabilidade leva-nos, sem voltas e sem complicações metafísicas, objetivamente
(digamos assim), ao conceito de personalidade. As regras jurídicas são abstratas: para que se apliquem, são de
mister os suportes fácticos, que se compõem de fatos concretos; mas todas as relações, ainda que exteriores, são
relações entre termos: não se concebe a sanção penal, sem o indivíduo a que se imponha, nem a indenização,
sem o ser que deva indenizar, nem a recompensa, sem aquêle que deva receber o benefício ou prêmio. Trata-se,
sociologicamente , de simples ponto de aplicação , pôsto que, individualmente, seja isso o que mais interessa ao
indivíduo punido, indenizado ou recompensado.
Sem qualquer laivo de censura e apenas com o intuito descritivo, o que biológica, psicológica e
etnologicamente podemos dizer é que a personificação é um dos expedientes do espírito humano em todas as
idades. Atribuir nome a abstração, a conjunto, a uniformidade, constitui o primeiro passo para personificá-la.
Certamente há personificações que correspondem a unidades funcionais e a realidades, como a do homem, mas
outras existem que têm como conteúdo meras criações ou entidades abstratas. Às vêzes, são vagas e dilatáveis,
invadem o conhecimento e enchem toda a concepção do como o antropomorfismo. Nas moedas antigas, podem
ser estudados interessantes casos genéticos rio personificações, até que se tornem nítidas e precisas.

A vendeita aplicava-se aos animais e às coisas, e disso temos exemplos nos Rukis das cercanias de Chittagong
(E. WESTERMARCK, Th,e Origin and Development of the Moral Ideas, 251 s. e 260), nos Antimerina de
Madagáscar (ABINAL ET LA VAISSIÊRE, Vingt ans à Madagascar, 238-240) e em certos australianos
(JAMES DAwSON, Áustratian Aborigines, 53), o que constitui expressivo material etnográfico. Mas não só a
etnografia como também a história no-lo mostram: e. g., no Zendavesta, no direito grego, no direito romano e
no germânico, sob a feição da pena ou da noxalidade, que também se nos depara nas leis de Gortina. Há quem
interprete a Sachhaftung, responsabilidade das coisas, como fase posterior à da imputação direta ao proprietário
(H. BRUNNER, Deutscho Rechtsgeschichte, 556 s.), porém seria pretensão demasiada querermos, com os
dados que se têm, se não falhos, incompletos, o entendimento de elemento psicológico como seria a
responsabilidade direta pelos malefícios involuntários (Ungef’llhrwerke). Noutros povos, o que vemos,

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freqUentemente, é a responsabilização das coisas, das plantas, dos animais, fato que a psicologia individual nos
aponta na criança. No Êxodo, XXII, 28-32, e no Levítico, XX, 15-16, temos exemplos de penas contra homens
e animais. Em Atenas, julgavam-se, em tribunal, animais e objetos homicidas, com indícios rituais arcaicos, e
tal instituição, a que se referem DEMÓSTENES e ARISTÓTELES, veio até o fim da independência. Em Tacos,
no século IV, em ação intentada pelo filho da vitima, esmagada pela estátua do Atleta Teagenes, foi essa
condenada e lançada ao mar. Todavia, se procurarmos elementos subjetivos, perturbaremos a apreciação
objetiva de tais fatos, e é digna de menção a justificativa que de tais sanções daria a época clássica dos Gregos,
racionalista, como era. A indução que se nos impõe é ao mesmo tempo mais modesta e mais significativa: o
homem tentou a princípio de adaptação (pela responsabilidade) entre êle e os animais, os vegetais e as coisas
inanimadas. É isso o que, sob o aspecto biológico, vemos na morte do tigre homicida ou de outro animal, pelos
Kukis de Chittagong. Pense-se na solenidade com que os Antimerina concitavam os caimões à entrega do
culpado de morte; nas cenas de julgamento e execução, seguidas de pranto e entêrro do executado; no célebre
trecho das Leia de Platão (IX, 873D, 8’74A). Pense-se na lei atribuida a Numa, contra o homem e o boi, que, no
trabalho, excediam os limites dos campos (SExnjs POMPEITJS FESTUS, verbo Termino: “Termino sacra
faciebant, quod in eius tutela fines agrorum esse putabant. Denique Numa Pompilius statuit eum, qui terminum
exarasset, et ipsum et boves sacros esse”). Pense-se na Europa medieval (RÀRL VON AMuA, Thierstrafen und
Thierprocesse, Miii eilungen des Instituis fiir õsterreichiscke Geschichísforscaung 550 e seg.) e no catolicismo
dos séculos posteriores, com as maldições e excomunhões em Portugal, na Espanha, na França (até o século
XV), no Canadá, no Brasil (entre outros, o caso do convento de Santo Antônio, em São Luís do Maranhão) e no
Peru.
Certamente, o caráter da sanção não é sempre o mesmo. Variam as penas e os processos. Mas o que
objetivamente de tudo isso nos fica é a tentativa de submeter os animais e as coisas ao expediente adaptativo,
que fôra profícuo no homem e falhou nos demais sêres. E era explicável que se ensaiassem tais
responsabilização porque a educação dos animais domésticos ou domesticados é dado prático que não poderia
ser sem sugestões para o homem: com os nossos gritos e pancadas, o cão elimina, aos poucos, uma porção de
atos que não nos agradam. Os estados da mentalidade dos povos haviam de dar côres diferentes aos fatos e de
algum modo reagir (J. MAKAREWIÇZ, Einfithrung iii. die Pkilosojpkie des Strafrechts 859), mas isso apenas
nos mostra que devemos estudá-los como elementos acidentais, psíquicos, e fatôres de reação.
As execuções em retratos ou imagens é caso mais complexo, porém não escapa à proposição geral que
formulamos. Excluído o que é interpretação dos atos, ficam os que nos revelam a tentativa do processo da
adaptação, ou a correção de defeitos, o que importa no mesmo.
Em Atenas, associa-se a instituição ao ritual arcaico da festa Bouphonia ou Dipoleia; e, tanto entre os
Atenienses quanto em Tasos, o caráter de direito penal é preponderante. Na Roma pré-histérica sobreleva o de
rito expiatório: e. g., ao sacrilégio de ultrapassar os limites dos campos corresponde a consecratio contra os
homens e os bois: ei ipsum ei boves sacros esse.

Ainda assim, entre os Hebreus, Gregos e Romanos, pode-se dizer que a responsabilidade é mista, religioso-
penal. A diferenciação vai caracterizar-se na Europa cristã, pôsto que coexistam as duas espécies de sanções:
uma, aplicada pela sociedade civil; outra, pela Igreja. No processo laico, o proprietário do animal é o réu, mas o
ato examinado é o do animal que cometeu o malefício; há, por vêzes, o abandono noxal, a execução capital,
mutilações simétricas ao delito (principio de talião ). A idéia de simples medidas de polícia é posterior:
surgiu quando se começou a verificar a ineficácia de tais atos que denunciam a tentativa a que nos referimos.
Ainda na segunda metade do século XVIII, eram punidos, à guisa do que se determinava no Êxodo e no
Levítico, os animais com os quais homem ou mulher praticou o crime de bestalidade (Constitutio Theresiana de
1769). A justificativa de ser preciso apagar os vestígios do ato hediondo constitui mera explicação para o
momento histórico, independente da permanência objetiva da vendetia. (KÀX.L VON AMniA fêz a seguinte
distribuição geográfico-cronológica dos processos penais contra animais: França, século XIII; Sardenha, fim do
século XIV; Flandres, século XV; Países-Baixos, Alemanha, Itália, Suécia, segunda metade do século XVI;
Inglaterra, século XVIII.)
Os processos religiosos (católicos) não foram diferentes e concerniam a espécies, e a animais individualmente
considerados (ratos, toupeiras, insetos, lagartas, vermes, serpentes, caracóis e sapos). A justificação livrar os
lugares da ação danosa de tais animais com o caráter preventivo, que distinguiu tais práticas da Igreja católica,
marca certa variação, mas, em todos os casos, a tentativa de submissão dos animais e das coisas ao processo
adaptativo já empregado entre os homens (responsabilidade). Os anátemas católicos continuaram a canseoratio
dos Romanos, a penalidade do tribunal do Pritaneu, as sanções religioso-penais dos Hebreus e outras práticas. A
maldição e a excomunhão apareceram mais ou menos no comêço do século XIII; porém os processos datam do
século XV, vão até o século XVIII, e ainda no seguinte se encontram reminiscências da instituição. Do século
XIII á primeira metade do século XV, ALEXANDRE DE HÂLES, TOMÁS DE A quino e outros pensam que a
maldição não podia recair em animais, criaturas privadas de razão; daí até o meado do seguinte, a doutrina
afirmativa teve defensores, entre os quais FELIX IIEMMERLI, economista suíço, e CHASSENEUS,
jurisconsulto francês. Predominou aquela opinião, pôsto que, no século XV1I, ainda se discutisse em França.
Os ensaios e tentativas d’e utilizar o processo de adaptação , que se contém na responsabilidade, ou, mais
largamente nas sanções, não se estenderam somente para fora do mundo das relações entre homens. Avançaram
também no sentido de se subordinarem os grupos a tais expedientes adaptativos, ou foram além do indivíduo
responsável, sem que entre o paciente e êle houvesse necessariamente laços sociais, como na hipótese da
vedetta exercida contra o primeiro que aparecesse. Não foram improfícuos todos êsses ensaios. De fato, o mais
comprovado experimentalmente foi o da responsabilidade individual direta, porém não seria verdade dizermos
que bastaria êle, nem podemos negar o valor prático de outros. Ninguém poderá reputar frustrâneo e ineficaz o
ensaio de adaptação pela responsabilidade coletiva, segundo o parentesco e com êle variável nos diversos
povos, ajustamento que não é sem interesse entre a extensão real da família, ou grupo, e a sua responsabilidade.
No meio de todas as medidas de sanção coletiva, muitas devem ter havido completamente errôneas; mais ainda
entre as que o parecem ter sido, algumas serviram à ordem social e outras são ainda conservadas, como se dá no
direito chinês, no anamita, no japonês e no coreano. No direito clássico romano, teve-se a consecratio bo-norum
(Tu. MOMMSEN, Rõmisckes Strafrecht, 592-902, 1005 e 1011), a inelegibilidade da posterioridade dos
proscritos, sob Sila, e, na época cristã, a lex Quis quis (L. 5, C., ad legem Adiam maiestatis, 9, 8; Codex Theod.,
IX, 14, 13), de Arcádio (ano 937). Os anglo-saxões, com a regra de que o filho de outra seguia a condição do
pai, tiveram a responsabilidade coletiva. Nos pós-glosadores e nas Siete Partidas permanece a lição romana. A
Igreja católica também possuía penas espirituais e temporais aplicáveis à coletivida. de. As medidas da
Inquisição, a aplicação da lex Quis quis aos eréticos, segundo a decisão de Frederico II, e a penalidade da
traição, no direito inglês, são exemplos frisantes.

a. PERSONALIDADE E RESPONSABILIDADE. A personalidade surge como representação do sujeito. Sem


conceito do eu, o homem é apenas individuo. Com êle e por êle será personalidade (BERNHARD RAwITZ,
Urgesch.ichte, Geschichte und Politilc, 50). Mas a personalidade não é menos dependente das relações sociais
em que é termo o indivíduo.
No direito, o que é responsável, isto é, mais amplamente, o que é suscetível de sanção, muito já possui do que é
necessário para ser tido como pessoa.
A personalidade é algo de visto dentro da floresta, para usar a imagem mais concreta; fora, tudo é relação,
objetivo. Quando se define o sujeito de direito, tem-se de pensar na pesquisa do principiuni individuationis. É o
subjetivismo, que segura a candeia para se ver o dado. Se o homem se acostuma à análise das relações, ao
objetivismo, pode corrigir o seu êrro e ver no que vê o que os olhos mostram e o que êle explica. E a ciência.
Devemos insistir no assunto. Para todos, há sêres a que se chama flôres e, quando se diz “flor”, não tem outro
conteúdo a palavra que o daquela concha mais ou menos exôticamente dividida em pétalas. É o conceito
prático, “o que vejo”. Mas, se se recorre ao que se sabe, para o que nos aproxima da realidade do mundo, dá-se
à expressão conteúdo que é mais objetivo do que o imediato, e por êle se explicam as coisas. A flor começa de
ser, para nós, simples órgão reprodutivo dos vegetais.
O direito não é conteúdo de regras, mas vida; não é entidade metafísica, mas evolutiva e vital. Assim como a
própria ciência natural ou matemática não pode ser tida como representação, ou, sequer, cópia da realidade, e
sim por vida e construção, também o jurídico deixou de ser considerado como dado lógico e racional, ou como
resultado da imposição de ditames. Houve confusão no crer objetivo o que era subjetivo no processo da
objetivação, ou somente subjetivo o que constituía o dado, nem por isso menos objetivo, da investigação dos
fatos jurídicos. Ora, se é verdade que inter homines se realiza o direito e as várias situações são corolários da
personalidade e suas manifestações, de modo a ser o direito tudo íntimo, não o é menos que há elemento social,
exterior e intê2rior ao mesmo tempo, que supera o indivíduo, objetiva os efeitos da atuação e limita o sujeito.
Não é, pois, cindível a fenomenologia subjetivo-objetiva da realidade social.
A noção de relação dá-nos o processo de investigação subjetiva; são próprias do subjetivismo e do voluntarismo
as noções laterais, que somente consideram os pólos das relações, as suas extremidades, o sujeito ativo e o
sujeito lias-avo. Daí as distinções escolásticas entre direitos e obrigações, como se o ias et obligatio sunt

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correlata não traduzisse o que concretamente se passa no mundo aos fatos característicos da vida jurídica. (Em
boa terminologia, correlatos são os direitos e as dívidas. Correlata da obrigação é a pretensão. Aliás, a actio
romana é pretensão, e não ação, no sentido de hoje.)
Os direitos são apenas os próprios deveres do lado ativo (LEO VON PETBAZYCKI, Die Motive des Ishnjelns
und das Wesen der Moral und des Rechia, 36), tanto quanto a linha ab é a mesma linha ba e a minha caneta é a
mesma, quer a ponha diante dos olhos com a pena voltada para mim, quer a dirija para fora. Na realidade, no
dado físico, que é a relação, “direito e dever” não se distinguem senão pelo eventual valor de fixação no espaço;
em nós, no dado psíquico, direito é poder, appetitus, e o dever, o pau. Quer dizer: ali, há o attribuere; aqui, o
imperare.
Assim, a diferença entre direito e a dívida é somente de sentido: aquêle, positiva; negativo, êsse. Na chamada
geometria sôbre uma reta, se imaginamos segmento ab na linha xx (eixo orientado), o número precedido do
sinal mais (+) ou menos () medirá a extensão de ab conforme o móvel marcha de « para b ou de b para a.
Denomina-se origem do segmento o ponto que o inicia e extremidade o em que acaba. Mas ab e ba têm o
mesmo valor absoluto e sinais contrários; portanto, ali + lia = O. Não param aí as possibilidades de tradução
matemática dos fenômenos jurídicos, na hipótese de se acharem separados dois elementos da propriedade gôzo
e disposição, como por vêzes se dá, não se deforma o fato, não se perturba com fôrça nova o equilíbrio social,
porque em três pontos do eixo orientado a, li, e e, no qual ali exprime o gôzo e be a disposição, a relação é
simétrica quanto aos três pontos e, pois, ali + be + ca = O (relação de Charles).
Quando fazemos o que não temos o direito de fazer, certo é que cometemos ato lesivo, pois que diminuímos,
contra a vontade de alguém, o ativo dos seus direitos, ou lhe elevamos o passivo das obrigações, o que é
genéricamenlte o mesmo> Porém danos há que são irressarcíveis , ou porque nêles se contém o regular
exercício do direito de outrem (expressão do Código Civil brasileiro), ou por serem de ordem que deva ficar
fora do mundo jurídico, que há de sempre ser o “minimo” ético, a que se referiu GEORG JELLINEK “das
ethische Mmimum”. Bastam ao nosso propósito de agora, e até que volvamos, mais de espaço, ao assunto, dois
expressivos exemplos: o pôr trave, quando a isso se tem direito, ins tigni immittendi (L. 1, § 1, D., de tigno
juneto, 47, 3; Código Civil, art. 695) o ganhar no jôgo e gastar o que foi ganho, e depois perder e não pagar o
que perdeu (Código Civil, art. 1.477).
~. Como, então, caracterizar-se a responsabilidade? Como se há de fundamentar, filosôficamente, o direito de
reparação?
É aqui que intervém o apriorismo e encontra campo propício para se exercitar. Cientificamente, cumpria
perguntar-se, como se explica a reparação? Mas isso não bastaria ao apetite abstrativo dos que querem
prescindir das realidades para somente cogitarem de princípios.
Há princípios jurídicos vagos e mutáveis; com êles não poder! amos construir nenhuma ciência: correspondem
a épocas ; são fatores sociais que os inspiram; e são outras circunstâncias que vêm apagá-los ou invertê-los. O
da liberdade, que preside, na frase de ROBERT ADAM POLLAK (Uber Rechtsprinzipien, Archiv filr Rechts-
13, 110), como Zeus, no Olimpo de tais preceitos vagos e fugidios permite que as aplicações sejam as mais
discordantes e sirvam a benefícios e a desproveitos, a bens e a males. indistintamente.

RuuoLr VON JEEBINO falou de três instintos fundamentais do direito: autonomia, igualdade e “fôrça e
liberdade”. Antes, II. AURENS, referia o de comunidade (Gemeinschaft) e o de personalidade individual,
JOSEF KORLER preferiu coletivismo e individualismo. RUDOLF vON JHERINO e ALEarn Bozii aludiram,
respectivamente, ao da inviolabilidade dos direitos justamente adquiridos (UnvertetzlÃchkeit der
wohlerworbenen Rechte) e o da continuidade (Stetigkeitspriuzip). Há muitos outros e fôra escusado enumerá-
los. Não é em tal sentido que empregamos a expressão “princípios científicos”. Os que aí foram apontados são
produtos de investigações intelectualistas, escolástica, e não científicas. Podemos continuar a denominá-los
“princípios jurídicos”, nome com que surgiram porem, não se compreenderia que lhes ajustássemos o adjetivo
“científicos”.
Um dos princípios mais referidos é o principio da equivalência, que provê ao equilíbrio (Prinzip der
Entgeltung). A êle referiram-se, principalmente, E. VON JHERINC (Getst des rdmischen Rechts, 1, 127),
FRITZ BEROLZHEIMER (System der Rechts- unci Wirtschaftsphilosophie, III, 103 s.) e outros.
Serviço e remuneração, dano e prestação do equivalente, crime e pena são elementos assaz conhecidos e que,
por isso mesmo, nos dispensam de longas considerações sôbre o princípio da equivalência. O segundo dos
citados escritores houve por bem explicá-lo como aplicação da lei de causalidade à vida jurídica e econômica:
não há efeito sem causa; e das causas vêm os efeitos. Essa ligação desatende a conceito mais científico, que é o
de função. Às vêzes, tem-se como causa o que não é.
A proibição de ofender, neminem laedere, é um dos princípios fundamentais da ordem social. Mas é princípio
formal, pressupõe a determinação concreta do que é “meu” e do que é “teu”, de modo que pode um ato ser
ofensivo num tempo ou lugar, e não no ser noutro tempo ou lugar. O que se induz da observação dos fatos é que
em todas as sociedades o que se tem por ofensa não deve ficar sem satisfação, sem ressarcimento. Em vez do
absolutismo, tão propicio aos processos racionalistas de estudo do direito, temos de assentar, mais uma vez, a
relatividade social e jurídica. O neminein laedere um dêstes princípios que sintetizam a realidade formal do
direito; como ao jus suum cuique tribuere e aos outros, falta-lhe o conteúdo positivo. Em todo o caso, êles o
pressupõe e em qualquer estágio da vida social serão inteligíveis, pôsto que, como as fórmulas algébricas, só
nos dêem o que pusemos dentro dêles. Se nada pusermos, nada teremos, porque as abstrações servem a tudo.
Em latim, contrahere, contractus, não supõe vontade, mas relação, ligação, vínculo, ainda que se trate de
obrigação ex re, ex facto. Contrahere delictum, contrahere crimen, são dizeres do Digesto. Ex male contractu,
lê-se em texto de Trifonino, que THEOPOR MOMM5EN entendeu emendar para ex male facto. Em Cícero
estão as expressões: ex male contractis rebus, suis contractis (por sua causa).
Assim, pois, res contracta e res mala contracta, negotium contractum e crimen contractum não constituem
conceitos sem sentido preciso; nem se há de desprezar a lição filológica e técnica que encerram.
Não contradiz a observação que aí fica a divisão do direito em repressivo e restitutivo, a que se poderia
acrescentar o cooperativo. Observadas nas manifestações extremas as regras jurídicas, publicação da lei
(imposição abstrata e geral) a aplicação compulsória aos casos (imposição concreta e particular), diferenciam-se
segundo o efeito violento, que as caracteriza: umas consistem na diminuição patrimonial ou pessoal (direito
repressivo) ; e outras ordenam a reposição das coisas no estado em que se achavam ou reputados por justos
(direito restitutivo). No direito primitivo preponderam aquelas; nos povos da antigúidade, há a obsessão do
castigo. Na lei das XII Tábuas diminui tal caráter; separam-se, ganham corpo e autonomia as sanções
restitutivas: são espécie jurídica distinta, possuem órgãos especiais e diferentes processos. Acima dêles começa
a desenvolver-se o direito cooperativo (doméstico e contratual). Mas ainda é evidente a persistência da norma
repressiva: dos 115 fragmentos, que se juntaram, de varia fonte, dos quais alguns não classificados, somente 66
podem ser atribuidos ao direito repressivo, a despeito de lhes favorecer a índole dos escritos em que se
colheram os passos enumerados.

No direito civil, como no direito penal, a causação é momento o necessário do suporte fáctico das regras
jurídicas sobre o ilícito. Nas primeiras épocas humanas, há a vingança, o revide; depois, a prisão e o
apoderamento do autor do delito pela manus iniectio. A noxa é posterior. Atende a diferentes interesses; a
taxatividade resultava do vínculo que criava entre os lesados e os lesantes, sem se chegar ao conceito de
indenização. Nunca se apagaram no velho direito os traços das composições voluntárias, que as composições
legais mal encobriam. Da vingança passou-se ao acôrdo para se renunciar ao direito de vingança. No Código
Hamurabi, se alguém quebra membro de outro homem, tem de sofrer que se lhe quebre o seu; pelo ferimento na
cabeça, paga-se mina de prata; mas se o boi enfurecido investe, na carreira, contra alguém e o mata, não há
reclamação.
Ora, a vingança, em si, não compunha equilíbrio. Daí a crítica de AULO-GÉLIO, em Noctes Atticae, XX, 1,
escritas no século II: Se fere um membro e não há acôrdo si membrum supsit, ni cum co pacit, talio est há
talião . Sem que se revele a atividade da vingança, ~como se pode dar execução justa à lei de tailão? Se o que
foi ferido no membro quer usar de represália, inquiro: ,como se pode equilibrar ofensa e pena? Aí, a primeira
dificuldade é inafastável. ~,E como, se o atentado foi imprudentemente feito? Porque, afinal, golpe fortuito e
golpe premeditado não caem na mesma similitude taliônica. t Como, para se executar a pena de talião, e se
vingar de ato imprudente reproduzir o mesmo ato sem a imprudência? Se o ofensor procedeu voluntariamente ,
como se há de ter pêso e medida para se saber se a ferida foi mais larga, ou mais funda? Se excede, e do ato de
talião resulta outro, ao ridículo junta-se a atrocidade.
À medida que os círculos sociais se consolidam (tribos, nações de tribos, cidades, Estados), as composições
voluntárias são substituidas pelas composições legais, O interesse do ofendido passa a ser menos relevante que
o da coletividade. A princípio, há a fixação tarifária (z para cada delito), no que se revela o critério empírico,
instintivo, da atuação da regra jurídica. O ofendido tem de contentar-se com a tarifa e o ofensor tem de pagar o
que se preestabeleceu genéricamente.
Na Lex Salica, na lei dos Francos ripuários, no sistema romano dos delitos privados, acentuava-se a fixação
tarifária. Na lei das XII Tábuas, para o furtutn manifestunt é voluntária a composição; para o furtusn nec

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inanifestum, legal. Quando as civilizações puderem mais livremente versar o assunto, há consciência na função
legislativa e surge a face dos delitos públicos e das indenizações do prejuízo causado.
Ao lado da imiuria e do furtum, a lei das XII Tábuas punia outros delitos, não suscetíveis de se considerarem
injúrias, nem furtos. A Lex Aquilia, a que outras leis antecederam (L. 1, pr., D., ad legem Aquiliam, 9, 2).
Supõe-se do ano 286 antes de Cristo.
Na responsabilidade negocial, há, antes dela, a divida do culpado ou responsável. Na culpa extranegocial, não
há, antes dela, qualquer relação jurídica entre o lesado e o lesante (ou dela se abstrai).

4.DIREITO ROMANO. Desde as XII Tábuas (VIII, 120), pelo menos, que se regulou o furto e as suas
conseqüências . Distinguia-se, quase só processualmente, o furto manifesto, o furto em flagrante, furturs
manifestum, e furtunt nec manif estum, o que coincide com o direito germânico (II. I3RUNNEII, Deutsche
Rech,tsgeschichte, fi, 2Y ed. 626). O roubo à noite, ou se o ladrão operava com armas, visto por alguém, a
morte dêle podia ser imediata. Dava-se o mesmo no direito germânico.
No direito romano, o furtum compreendia o que hoje chamamos furto e a apropriação indébita, inclusive a
apropriação indébita do uso (furtum usus) e a destruição de documentos de créditos. Alguns textos fazem
pensar-se em que nos tempos antigos se podia falar de furto de imóvel, mas isso foi pôsto de lado (GAIO, L. 38,
D., de usurpatianibws cl usucapionibus, 41, 3, onde se diz “abolita est enim quorumdam veterum sententia
existimantium etiam fundi locive furtum fieri”). Isso era, também, a substração da coisa empenhada e até
mesmo das pessoas livres (GAIO, Inst., III, 199 s.).
Os danos (damnum injuria daí um) podiam ser, por exemplo, por incêndio de casas ou plantações, ou
devastação. A lez Áquiliae de damno uniformizou o tratamento. Quase trezentos anos antes de Cristo. Assim
dizemos porque a opinião de TEOFILO, na paráfrase às Institutas, 4, 3, 15, não convence. Para êle, o ano seria
286 antes de Cristo.
O direito pretório e a jurisprudência introduziam o principio da culpa-pressuposto (damnum culpa datum). Não
se exigiu o dom malus. A fortuídade pré-excluia a responsabilidade. Quanto às causas mediatas e aos danos
provenientes de omissão foi-se mais longe do que a lex Aquiliae de dainno. Outrossim, a diminuição ou
atingimento material, bastava, pôsto que não se pudesse cogitar de adio furti. A jurisprudência lançou o
princípio do “id, quod interest”, de modo que qualquer dificultação de lucros era dano (GAIO, Institutiones, III,
212; IJLPIANO, L. 21, § 2, D., ad legem Aquiliam, 9, 2).
A iniuria, o dano causado à pessoa, foi regulada nas XII Tábuas, como os danos aos bens. Além dos atentados à
integridade corporal, cogitavam da bruxaria, do recitar de fórmulas malignas, do inala carmina incantare, e da
difamação em público (occentare). Não se pode dizer que dois delitos fôssem idênticos, como dano moral (sem
razão, F. BECKMANN, Zauberei und Rechi in Roms Friikzeit, 27 s.).
A mutilação, membrum ruptum, dava ensejo a pena de tailão , como no direito mosaico, desde que não
houvesse arranjo, pactum, entre ofensor e ofendido.
Tudo isso tinha de ser superado, mesmo porque a desvalorização da moeda tornara obsoleto o que se
estabelecera nas XII Tábuas. Intervém a influência grega (II. E. HITZIG, Iniuria, Beitrag zur Geschichte der
injuria im griechischen und rómischen Recht, 60 s.). No Edicto urbano (cf. L. 15, §2, D., de iniuriis ei famosis
libeilis, 47, 10), há a ação por atentado aos bons costumes.
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A ofensa à boa fama da mulher honesta ou de donzela compreendia o próprio cortejar inadequado e o fato de
segui-la sem discrição.
Palavras e atos infamatórios eram delitos (L. 15, § 25, D., de iniurjis ei famosis libeilis, 47, 10).
Atentados ao corpo eram atos ilícitos.
O ofendido tinha a adio iniuriarum aestimatoria. A condenação era infamante e os julgamentos faziam-se, com
as regras de eqUidade, sem se exceder o que fôra pedido.
O critério casuístico dos atos ilícitos é o mais primitivo. Depois, teve-se o suporte fáctico de grande
generalidade. No direito romano, dos delitos de direito civil e dos tipos delitivos do direito honorário
irradiavam-se aciones poenales, e na ação de ressarcimentos. O direito pretório deu ensejo a alguns delitos, com
o dolus e o metus e a alicnatio in fraudem creditorum (E. LEvy, Privatrechi und Schadenersatz um klassisehen
rõmischen Redil, 14 s. e 17 s.).
5. DIFERENÇAS DE CLASSE. Longe vai o tempo em que se refletiam nas indenizações, no direito à
reparação do dano, as diferenças de classe. Com o desenvolvimento das instituições municipais, começou,
desde o século XII, em Portugal, a emancipação do homem de trabalho. Verdade é que, com o direito
municipal, coexistiram iniquidades. Em Santarém, não era obrigado a reparação ~o amo que maltratava o
criado ou dependente (mancebo ou homem), se o não tolhia de algum membro (Costumes de Santarérrfl. Nos
Concelhos de CimaCoa, o amo que feria o criado, aportelado, não pagava por isto calúnia; mas quem feria
criado alheio, mancipum ou apccniguado (hominem de suo pane), na presença de senhor ferido, pagava calúnia
dobrada, metade para o conselho e metade para o senhor. Quem matava aportelado de outrem, ou violava a
mulher ou filha dêle, pagava ao amo a metade da calúnia. (Calunia era a multa pecuniária, imposta aos colonos,
pelos delitos cometidos no lugar em que habitasse, se não ge conhecia o delinquente.)
Há evolução intrínseca do direito. Algo que hoje reputamos por bom e estável, tempo virá que o tenha por
imprestável e iníquo. Por onde se tira que pouco vale, por si só, o juízo humano, nas contingências das
realizações sociais, quando não o segura e encaminha o método científico, tão generoso em nos abrir horizontes
e em revelar a possibilidade de outros, que os resultados dos seus cometimentos de hoje não alcançam, nem
prevêem. A relatividade das coisas humanas e das instituições sociais é a mais evidenciada e fecunda das lições
da história das sociedades; é ainda, porém, a idéia em que menos crêem os nossos contemporâneos: julgam-se
ao topo de um castelo e dêle contemplam, como os mais felizes, as gerações que os antecederam. ~ a ilusão
produzida pelo presente; mas dia virá em que consideraremos injustas regras jurídicas de hoje e escrever-se-ão
entre iniqUidades, como agora o fazemos quanto aos costumes de Santarém e de Cima-Coa, muitos artigos dos
melhores códigos.

6. IMPUTAÇÃO E IMPUTABILIDADE. A linguagem técnica precisou de termo que designe a aptidão para o
papel de paciente da pena ou da sanção restitutiva, mas eventualmente. De certo, juridicamente se trata de caso
particular de capacidade. No francês não há denominação técnica e precisa; têm-na, porém, o alemão, no
expressivo Zurechnungsfãhigkeit.
A palavra imputabilidade é adequada, mesmo se não pudéssemos dizer, como em textos italianos, que alguém é
imputável; no francês, a noção de imputabilidade só se refere ao ato. No dicionário de ANTôNIO DE MORAIS
E SILVA lê-se o seguinte:
“Imputabilidude, s. f.. O ser imputável; a imputabilidade das culpas”. “Imputado, part. pass. de imputar”.
“Imputador, s. m. O que imputa”. “Imputar, v. aí. Declarar alguma ação pertencente a alguém, e feita por êle:
v.g., imputam-lhe a morte dêste homem. ~ Atribuir: v.~., “imputam-lhe a culpa dêste desastre”. “Imputável, adj.
Que se pode imputar, dar em culpa: v..q., “faLia imputável ao teu desleixo, ou negligência”. Aí, o ato é que é
imputável e não o homem.
No dicionário de F. 3. CAmAS AULETE, insere-se a palavra imputabilidade com a seguinte explicação: “s. 1.,
qualidade do que é imputável: A imputabilidade do fato”. E adiante:
“Imputável, ad]., que se pode imputar; que pode ser taxado de culpa: Falta, êrro imputável”. Mas, sob a
expressão que não vinha em MORAIS, imputação, escreve: “s. f., ação e efeito de imputar. // Inculpação com
fundamento ou sem êle. /1 Fig. Responsabilidade pessoal; consciência do alcance que possa ter aquilo que se
diz ou se pratica.: ~ um energúmeno sem imputação. // (Jur.) Ato pelo qual se declara que alguém, sendo autor
ou causador moral de uma ação ordenada ou proibida, deve responder pelos bons ou maus efeitos dela.
Dedução que se deve fazer na importância de um crédito, quando o credor desfrutou os bens do devedor ou
arrecadou qualquer quantia pertencente ao mesmo devedor. (Teol.) Aplicação dos merecimentos de Jesus Cristo
por intenção dos fiéis. O próprio delito ou culpa imputada”. A despeito da copiosidade de significados, não
podemos descobrir a acepção que dão à palavra os escritores italianos. Não há dúvida que entre imputa çÉzo
responsabilidade pessoal e imputabilidade responsabi1ida-~e eventual pouca distância existe; mas existe, e F. J.
CALDÂS AULETE não a quis excluir.
No dicionário de CÂNDIDO DE FIouFsrnEno conserva-se u sentido ordinário e consigna-se mais o substantivo
imputa. tirado de FILINTO ELÍSIO.
Temos, hoje, de admitir que a imputação e a imputabilidade se refiram ao ato (o crime tal é imputável a E, a
culpa é imputada a E) ou à pessoa a que o ato é atribuido e o pode ser (de tal culpa é imputável E, não há
imputabilidade dos loucos por tais atos).
7. RESPONSABILIDADE DELITUAL E CAPACIDADE. No sistema do Código Civil há incapacidade
absoluta (art. 5) e incapacidade relativa (art. 6): daquela surgem atos nulos (artigo 145, 1); dessa, atos anuláveis
(art. 147, 1). Os que são absolutamente incapazes devem ser representados, os relativamente incapazes hão de
ser assistidos (art. 84), isto é, figuram nos atos conjuntamente com os pais, tutôres ou curadores. Já. têm, então,
faculdade de resolver em assuntos seus: sem a sua assinatura ou presença, falta o agente, porque o tutor ou
curador assiste ao incapaz, não o representa (art. ‘7, 384, V, 426, 1, e 459). Aos absolutamente incapazes

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nenhuma intervenção se permite (arts. 7, 884, V, 426, 1, e 459). Os silvícolas são considerados relativamente
incapazes (art. 6, parágrafo único). A incapacidade do art. 5 é absoluta (corresponde à Handlungsunfàkigkeií da
teoria do direito comum alemão). Assim, se o menor, que pratica o ato ilícito, não completou dezesseis anos,
responsável é o pai, ou quem tenha o menor em sua companhia; se tem dezesseis anos, ou mais, a
responsabilidade do pai é solidaria com a sua (art. 1.512, 1). Os loucos, no direito brasileiro, são absolutamente
irresponsáveis, e, salvo limitação judicial (art. 451), também os surdos-mudos que não podem exprimir-se.
Praticamente , são êles iguais aos loucos. As pessoas mencionadas no art. 6 são relativamente incapazes e a
expressão técnica do Código corresponde ao beschrdnkter GescMftsunfãhiger do direito comum alemão. O art.
451 permite supor-se que eventualmente podem ser relativamente incapazes os surdos-mudos. Não existem no
Código Civil regras jurídicas que correspondam aos §§ 827-
-829 do Código Civil alemão (Deliktsfdhigkeit), onde, por exemplo, o menor só é irresponsável pelo ato ilícito
antes dos sete anos; depois, tratar-se-á de questão de fato, como a respeito dos surdos-mudos. A interpretação
corrente (e. g., CLOvIs BEvALQUIA , nota ao art. 1.521), postulando, incondicional-mente, a não
responsabilidade dos menores de dezesseis anos, faz a lei contrária à realidade da vida, à psicologia dos homens
nas imediações dos doze aos dezesseis anos. Um código que permite o suplemento de idade aos dezoito, não é
coerente em considerar incapazes de delitos civil quem tem de quatorze a dezesseis anos. A melhor solução
seria a construção científica livre.
No art. 156, reconhece-se a Deliktsfãhigkeit dos maiores de dezesseis é a única regra sôbre o assunto da
responsabilidade por ato ilícito. Seria útil preencher-se a lacuna da lei com outra regra jurídica, que
correspondesse, por exemplo, ao Código Civil alemão, § 828, 1•a alínea. No sistema do Código Civil brasileiro,
ainda que absolutamente incapaz o menor (handlungsunfãhig, deliktsunfâhig), se do ato lhe resultou proveito,
pode o prejudicado reaver, pela ação fundada no enriquecimento indevido, o que sofreu em danos. Mas isso não
basta para os casos de menor que não tinha discernimento, sem haver in rem verso e, se não tem pai que
responda, como acontece no caso de menor rico e pai pobre.
São irresponsáveis pelo dano: a> Os menores de dezesseis anos. É o que resulta do art. 59 do Código Civil, mas
-devemos, na prática, evitar o abuso de se considerar punível, criminalmente, o menor de dezesseis e maior de
quatorze anos, e reputá-los irresponsável civilmente. 6) Os loucos, e) Surdos--mudos, salvo provando-se que
obraram com discernimento.
d) Os que causem o dano quando privados de discernimento ou em estado mental que pré-exclua o livre
exercício da vontade (cp. Código Civil alemão, § 827, 1•a parte), salvo se estava embriagado ou perturbado por
outros meios, por culpa sua (cp. Código Civil alemão, § 827, 2a parte). Estão incluídos os coactos.
Quando se promulgou o Código Civil, estava em vigor

Código Penal de 1890; daí as considerações que em 1927 fizemos e aqui reproduzimos.
No sistema do Código Penal de 1890, art. 27, não se tinham como criminosos: a) os menores de nove anos
completos (não-imputabilidade absoluta) ; 6) os maiores de nove e os menores de quatorze, que obrassem sem
discernimento; e) os que, por imbecilidade nativa, ou enfraquecimento senil, fôss.em absolutamente incapazes
de imputação; d) os que se achassem “em estado de completa privação de sentidos e de inteligência no ato de
cometer o crime”; e) os que fôssem impelidos a cometer o crime por violência física irresistível, ou ameaças
acompanhadas de perigo atual; 1) os que cometessem crime casualmente, no exercício ou prática de qualquer
ato lícito “com a tenção ordinária” (entenda-as: atenção ordinária) ; g) os surdos-mudos de nascimento, que não
tivessem recebido educação, nem instrução, salvo provando-se que obraram com disernimento.
Surgiam dificuldades decorrentes da falta de regra jurídica de direito civil que correspondesse ao § 828 do
Código Civil alemão (não imputabilidade dos menores de sete anos) ou ao Código Penal de 1890, art. 27, § 1.0
(nove anos).
Antes do Decreto n. 847, de 11 de outubro de 1890, ficavam sujeitos à reparação os bens dos menores de
quatorze anos, dos loucos de todo o gênero, dos coactos por fôrça ou mêdo irresistível e dos autores de fato
criminoso por mero acaso, posto que não pudessem ser punidos (Código Criminal do Império, art. 11).
Passaram a vigorar os princípios gerais do direito civil e tinha-se como tal o da exigência, em quaisquer casos,
da imputabilidade. Passaram todos, portanto, a ser irresponsáveis (FRANCISCO DE PAULA LACERUA DE
ALMEIDA.CARLOS PERDIGAO, M. 1. CARVALHO DE MENDONCA e EDUARDO ESPINOLA).
No projeto primitivo do Código Civil, art. 169, equiparava-se o menor (sem distinção de idade) ao maior, para
os efeitos das obrigações resultantes dos atos ilícitos. Depois se acrescentou: menor entre quatorze e vinte e um
anos; mais tarde, entre dezesseis e vinte e um anos (Código Civil, artigo 156). Ficaram irresponsáveis se
interpretamos pelos métodos clássicos, submetendo4nos ao êrro do legislador os menores de dezesseis anos.
Sôbre os loucos nada se disse. Sôbre os surdos-mudos, também nada. Foram dois os caminhos: 1) recorrer-se ao
critério da lei penal; a) não-imputabilidade absoluta até nove anos; 6) não-imputabilidade relativa <isto é, se
obrou, ou se deixou de obrar, sem discernimento), quanto aos maiores de nove anos e menores de dezesseis (a
lei penal falou de quatorze anos; 2) recorre-se aos princípios gerais do direito civil.
Com a aparição do Código Penal de 1940, art. 22, foi dito:
“É isento de pena o agente que, por doença mental ou desenvolvimento mental incompleto ou retardado, era, ao
tempo da ação ou da omissão, inteiramente incapaz de entender o caráter criminoso do fato ou de determinar-se
de acôrdo com êsse entendimento”. Acrescenta o parágrafo único: “A pena pode ser reduzida de um a dois
terços, se o agente em virtude de perturbação da saúde mental ou por desenvolvimento mental incompleto ou
retardado não possuía, ao tempo da ação ou da omissão, a plena capacidade de entender o caráter criminoso do
fato ou de determinar-se de acôrdo com êsse entendimento”. Supõe -se que não haja a supressão (ou a
inexistência) da capacidade plena; isto é, que, no momento do ato, o agente esteja perturbado, sem se poder
considerar incapaz. Se tal ocorre, a lei dá ensejo à diminuição da responsabilidade , ou, melhor, à atenuação da
pena.
No art. 28, o Código Penal estatui: “Os menores de dezoito anos são penalmente irresponsáveis, ficando
sujeitos às normas estabelecidas na legislação especial”. No Código de Menores (Decreto n. 17.948-A, de 12 de
outubro de 1927), artigo 168. estatui-se: “O menor de 14 a 18 anos, indigitado como tendo cometido crime ou
contravenção, será processado e julgado segundo as normas seguintes”. No art. 169: “Em caso de crime, a
autoridade policial competente, dentro do prazo máximo de 15 dias, procederá às diligências de investigação e
inquirição de testemunhas, que reduzirá a autos e remeterá ao juiz de menores, com o auto de exame de corpo
de delito, certidão do Registo Civil de Nascimento do menor, individual dactiloscópica, fôlha de antecedentes,
boletim a que se referem os arts. 416 e 417 do Código de Processo Penal, quaisquer documentos que se
relacionem com a infração penal e mais esclarecimentos necessários”. Acrescenta-se no § 1.0.: “Se não fôr
possível obter a certidão de Registo Civil de Nascimento do menor, será êste submetido a exame médico de
idade”. No § 2.0: “Lavrado o auto de flagrante pela autoridade competente, esta remeterá o menor sem demora
ao juiz de menores, e prosseguirá no inquérito”. E no § 8.0: “Embora não tenha havido prisão em flagrante, a
autoridade policial apresentará o menor ao juiz, na mesma ocasião em que lhe remeter os autos, para o que fará
apreensão dêle”. Finalmente, no § 49:
“Nenhum menor de 18 anos, prêso por qualquer motivo ou apreendido, poderá ser recolhido a prisão comum; a
autoridade policial o recolherá a lugar apropriado, separado dos presos que tenham mais de 18 anos de idade, e
o remeterá sem demora ao juiz de menores, solicitando a êste o seu comparecimento às diligências, quando sua
presença fôr necessária”. Diz-se que os menores de dezoito anos são plenamente irresponsáveis, mas
submetem-se a processo especial os que têm entre quatorze anos e dezoito anos. Os problemas aproximam--se
daqueles que surgiam ao tempo em que entrava em vigor o Código Penal de 1890.
Diz o Código Penal, art. 24: “Não excluem a responsabilidade penal: 1, a emoção ou a paixão; II, a embriaguez,
voluntária ou culposa, pelo álcool ou substância de efeitos análogos”. No § 1.0: “É isento de pena o agente que,
por embriaguez completa, proveniente de caso fortuito ou fôrça maior, era ao tempo da ação ou da omissão,
inteiramente incapaz de entender o caráter criminoso do fato ou de determinar-se de acordo com êsse
entendimento”. E no § 2.0: “A pena pode ser reduzida de um a dois terços . se o agente, por embriaguez
proveniente de caso fortuito ou fôrça maior, não possuía, ao tempo da ação ou da omissão, a plena capacidade
de entender o caráter criminoso do fato ou de determinar-se de acôrdo com êsse entendimento”.
Diante da divergência entre a lei penal e a lei civil, tem-se admito: ou a) a adaptação do direito privado ao
direito penal, de jeito que, a despeito do texto de direito privado, se admita a indenizabilidade; ou b) a
invocação dos princípios gerais de direito; ou c) o direito, a pretensão e a ação de indenização se hg margem
econômica razoável.
Se a), ficam estabelecidos o direito, a pretensão e a ação contra os menores entre quatorze e dezesseis anos, a
despeito de o ad. 156 do Código Civil somente estabelecer a responsabilidade extranegocial dos que têm
dezesseis anos ou mais.
Quanto a b), convém que examinemos o problema tal como se apresentou a legisladores de alguns Estados. No
artigo 49 da Lei de Introdução (Decreto-lei n. 4.657, de 4 de setembro de 1942), como no art. 79 da revogada
Introdução ao Código Civil, alude-se a “princípios gerais de direito”.
No Código Civil austríaco, § 7, falou-se de princípios do direito natural. A expressão princípios gerais do direita

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vem-nos do Código Albertino, art. 15: “itimanendo nondimento ii caso dubbioso, dovrà decidersi secondo i
principi generali di diritto, avuto riguardo a tutte le circostanze del caso”. ~ Que princípios gerais do direito
eram êsses? Não eram, nem, hoje, devem ser, os do direito romano. O direito romano é invocável, às vêzes, por
seu valor intrínseco, e não por si, por seu valor extrínseco ~ Seriam os do direito natural? ~ Seriam os da escola
histórica? ~ Seriam os do direito italiano, quanto à Itália, ou os do direito brasileiro, quanto ao Brasil? Pela
época, não seriam os da historische Rechtsschule, pois chegava ao auge a especulação do direito natural, o
individualismo racionalístico. Nem os de determinado sistema. Pelos trabalhos preparatórios, sabe-se que se
desejou aludir ao direito natural. Prevaleceu a fórmula “princípios gerais do direito”, como poderia ter
prevalecido qualquer das outras que se propuseram: “princípios da razão’~, “princípios da equidade”,
“princípios da eqUidade natural”, “princípios da razão natural”. Sem dúvida, portanto, a expressão nos veio do
racionalismo jurídico, da “era jusnaturalística” Mas o conteúdo do direito natural, a que se alude, varia,
necessariamente, com as circunstâncias sociais
(gnosiológicas, morais, econômicas, políticas, religiosas, científicas). Hoje, a revelação a priori ou religioso-
intuitiva daqueles princípios de direito natural não poderia satisfazer o espírito humano. Como alcançá-los? Por
meio de abstração, a fim de se colherem regras jurídicas mais compreensivas? ~Por meio de generalização
crescente? Era o que se fazia. Há princípio de ordem: primeiro se recorre à analogia; depois, a tais princípios. A
analogia vai do particular ao particular. (is princípios gerais do direito são generalizações, resíduos das
profundas intuições do direito. O menor de dezesseis anos, perante êles, responde pelo dano? Sim, porque o
causou. Mas (adiante-se) é o próprio Código Civil que deixa perceber que não responde. Á solução é de buscar-
se diretamente às relações da vida, às lições da ciência. Se, porém, queremos raciocinar com a mentalidade do
“século XVIII-XIX” do Código Civil brasileiro, temos de dizer: Se a analogia legis não basta, recorramos à
analogia inris. Então, não seria para se desprezar o direito penal, que, no assunto, é explícito. Experimentemos
as soluções: princípios gerais do direito, analogia juris.
A) Como principio geral do direito poder-se-ia apresentar o seguinte: quem teve inteligência suficiente para
perceber ou prover o dano é responsável. Seria a solução francesa e suiça. O art. 5 do Código Civil ficaria só
referente à capacidade para os atos lícitos. O menor de dezesseis anos seria absolutamente incapaz para aquêles,
mas, para os atos ilícitos, a verificação seria in concreto, isto é, se houve, ou não, inteligência suficiente. O
Projeto primitivo (art. 169) incluía como responsáveis todos os menores. Depois, falou a lei em menores entre
dezesseis e vinte e um anos. Como entendia Clóvís BEvifÁQUA a situação dos menores até dezesseis anos?
Disse êle: “O Projeto primitivo equiparara o menor ao maior em relação às obrigações resultantes dos atos
ilícitos (art. 169). O atual desviou-se dos bons princípios tradicionais do nosso direito e no art. 169 referiu-se
exclusivamente aos púberes”. Portanto, o que o autor do Projeto queria era que não se cogitasse de culpa e fôsse
responsável a própria criança: só interessava o nexo causal. Mas incluiram a noção de culpa e a
irresponsabilidade do menor de dezesseis anos. Assim, para o autor do Projeto, o Código Civil adotaria a
incapacidade delitual do menor de dezesseis anos.

Podemos aceitar tal interpretação? É a mais próxima da letra da lei. Mas, se é certo que temos de aceitar a
responsabilidade dos maiores de dezesseis anos> que a lei equiparou, expressa-mente, aos maiores, não
devemos, no silêncio da lei, ater-nos à interpretação meramente fundada no argumento a contrario sensu:
irresponsabilidade absoluta dos menores de dezesseis anos e irreparabilidade do dano.
No Código Civil alemão, § 828, adota-se a não-imputabilidade absoluta antes do sétimo aniversário, e a
possível prova do discernimento (imputabilidade) desde os sete anos completos aos dezoito não feitos. No
Código Civil suíço, os arts. 16 e 19, 8≥ alínea, não estabelecem idade fixa: fala-se, indistintamente, em capazes
de discernimento (urteil4óhig). ~ ao juiz que toca decidir se a pessoa ainda está ou não na infância
(A.Ecara, Einleitung, Kontrnentar zum Sckweizerischen Zivilgesetzbueh, 1, 49). Falta o degrau quantitativo.
Muitos comentadores se conformam com isso. Outros, não: procuram-no aqui e ali (na idade, por exemplo, em
que a criança deve entrar na escola, seis anos). Mas há o art. 54 da Lei de 1911. Examinemos os dois sistemas.
O primeiro do Código Civil alemão fixa em sete anos o comêço da responsabilidade quando provado o
discernimento. Qualquer que tenha sido a falta de discernimento, permite ao juiz a equidosa fixação do quanto a
indenização (§ 829). O segundo sistema o do Código Civil suíço estabelece o arbítrio do juiz, que passa a
examinar, subjetivamente, os casos, com o auxílio da perícia psicológica, ou psiquiátrica, se o entender,
segundo as regras cantonais. Se a eqUidade o exige, pode o juiz condenar pessoa incapaz de discernimento à
reparação total ou parcial do dano que ela causou. Essa regra, flácida e salutar, já se achava no Código de
Zurique, no austríaco e no prussiano. Justificou-o, por exemplo, o Message de 1879: “11 peut se présenter des
cas dans lesquels on ne pourrait pas, sans froisser au plus haut degré le sentiment naturel du droit et de l’équité,
liberer une personne irresponsable de toute réparation d’un dommage, causé par elIe. Que l’on suppose, par
exemple, q’un aliéné, un malade dans un accês de fiêvre, ou un enfant ai mis le feu à une maison, tué un animal
ou blessé griêvemente cuelqu’un, et qu’ils soient dans une belle position de fortune, tandis que
ia personne lésée est pauvre ou n’a pas cherché à se defendre par pitié pour l’agresseur”. Fortes ataques
cercaram tal solução, por ferir, dizia-se, os “princípios”. Os defensores argiliam:
princípios contra a vida, irrealidade escolástica contra a realidade; “justiça legal contra a justiça prática, de
todos os dias; mentalidade apriorística, que não sabe se desemaranhar dos fios dos raciocínios, com que teceu o
seu casulo de regras jurídicas abstratas; já é tempo de nos livrarmos de tais empecílios.
RARL HEINSHEIMER (Die Haftung Unzurechnungsfãhiger nach § 829 des BGB., Archiv fur die civilistische
Praxis, 95, 284-255), examinou o § 829, do Código Civil alemão, que corresponde ao art. 54 da Lei suíça e se
bem que alguns juristas considerassem o § 829 carta branca de poderosa importância na mão do juiz, e aquêle
reconhecesse o largo espaço deixado à justiça procurou mostrar o que persistiu, no § 829, da noção de culpa. A
ação do § 829 não é ação de dano, Schadenersatzanspruch,, de espécie comum, mas de ação de eqUidade
(Rilliglceitsanspruch>. Exige o fato do dano, a causalidade, que se requere para os casos comuns; apenas opera,
a despeito da não imputabilidade do agente ou omissor. É inegável que a falta do § 829 do Código Civil alemão,
ou do artigo 54 da lei suiça, deixa o direito brasileiro em condição inferior. Se a denúncia e a jurisprudência
assentarem que a regra do art. 5 do Código Civil incide, em absoluto, quanto à capacidade delitual, teremos o
absurdo, a jaça da lei.
No Código Civil francês, art. 1.810, diz-se, no tocante ao menor: “11 n’est point restituable contre les
obligations resultant de son délit ou quasi-délit”. A jurisprudência tem admitido a responsabilidade se o menor
conhecia as conseqiiências materiais do ato, inclusive crianças de nove anos (Tribunal de Paz de Gournay-en-
Bray, 14 de fevereiro de 1902). Às vêzes, declara responsáveis menores, considerados, em juízo penal (Código
Penal francês, art. 66), como tendo procedido sem discernimento (Orléans, 18 de maio de 1909). Distingue-se,
então, o não-discernimento (direito penal) e a inteligência suficiente (direito civil). No direito francês, o louco ~
irresponsável pelos atos ilícitos (delitos e quase-delitos). A jurisprudência francesa e a doutrina são acordes, se
bem que o não fossem a princípio (antes do Código Civil e ainda com o velho MERLIN). A alienação deve
existir no momento do ato (C. DEMOLOMBE, L. LAitOMELÊEtE, AuBRY e RAU, BÃumty
-LACANTINERIE e BÂLtDE). Há responsabilidade se o ato foi cometido em momentos lúcidos (lucida
intervaila), ainda que de antes provenha a interdição. Mas são responsáveis os perturbados. Os monomanos,
também, salvo se procederem sob a ação da monomania. A embriaguez pode ser causa de irresponsabilidade,
quando não tenha havido culpa inicial, e. g., se foi embriagado por outrem, contra a sua vontade. Mas presume-
se responsável. Cp. A. SOULmAT (TraiU Général de Ia Responsabilitá, 1, 404).
O Código Civil alemão, § 827, a Lei suíça, art. 57, o Código Civil japonês, art. 713, e o antigo Código Civil
sérvio, artigo 807, contêm regra jurídica especial sôbre embriaguez (cp. austríaco, § 1.807). A Nov. III, art. 158,
alterou o § 1.308 do Código Civil austríaco, para fixar em quatorze anos a responsabilidade delitual dos
menores (cp. §248). Quanto a impúberes, loucos, imbecis, se causam dano a alguém, que, por qualquer falta,
deu ensejo a isso, não pode êsse pretender reparação. Há, pois, agora, como antes, a reparabilidade nos outros
casos.
No direito brasileiro temos de resolver que a embriaguez pode causar irresponsabilidade; mas presume-se a
responsabilidade, porque só excepcionalmente aparecem ébrios que se tenham embriagado contra a vontade. O
ônus da prova não fica ao autor da ação de indenização, mas ao réu. A regra jurídica do § 827 do Código Civil
alemão, a do art. 57 da lei suíça, a do art. 713 do Código Civil japonês, a do art. 807, do sérvio, e a da
jurisprudência francesa, também constituem princípio geral do direito, para os efeitos de interpretação da lei
brasileira.
No direito brasileiro, nada temos de indagar quanto aos intervalos lúcidos dos loucos ou doentes do espírito.
Pode dar-se que a pessoa cometa, coagida, o ato ilícito, Contra aquêle, quis alteriws impulsu damnum ctederit,
não era aplicável a responsabilidade Aquiliana. É o que evidenciam os textos romanos: na L. 7, § 8, e na L. 52,
§ 2, D., ad legem Aquiliam, 9, 2, diz-se: Se alguém, induzido por outrem, causa dano, escreve Próculo que esta
ação (a da lei Aquilia) não cabe contra o que induziu o outro, porque não foi êle que matou, nem contra o que
foi levado a praticar o ato, eum qwi impulsus est, porque não causou dÃíÃnnum iniuria, isto é, não produziu o
mal pelo haver querido. Dois plaustros, puxados por duas mulas, passavam na colina do Capitólio. Os
condutores do primeiro suspendiam a parte anterior do veículo, para que mais fàcilmente o puxassem as mulas.
Nesse comenos principiou de recuar o plaustro, de modo que, retirando-se os condutores que se achavam entre

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os dois plaustros, o segundo, batido pelo primeiro, rodou para trás, e esmagou um escravo (et puerum cujusdam
obtriverat). O dono do escravo indagou contra quem devia intentar a ação. Eu respondi (o fragmento é de
ALFENO) que dependia das circunstâncias: se os condutores que sustentavam o plaustro superior se retiraram
por sua vontade, e, assim, não tendo as mulas retido o veículo, retrocederam, não cabe ação contra o dono das
mulas (cum domino mularam nuilam esse actiane’m), mas é possível propor a ação da lei Aquilia contra os
homens que sustentavam o plaustro, pois que é causar dano soltar uma coisa que se retinha, para que (ou de
modo que) fira a outrem (ut id ali-quem feriret), como causaria dano quem aperreasse um asno e não o
retivesse, e igualmente se soltasse flecha ou qualquer outra coisa que tivesse nas mãos. Mas, se as mulas é que
estão em causa, porque, temendo serem esmagados, os condutores deixaram o plaustro, não contra os homens,
mas contra o dono das mulas é que cabe a ação. Se não estão em causa os homens, nem as mulas, mas não
tendo essas podido reter o plaustro, ou se, esforçando-se por puxá-lo, caíram, de modo que recuasse o veículo e
não pudessem sustê-lo os homens, nem contra o dono das mulas, nem contra os homens seria admissível a
ação. O que há de certo é que de qualquer maneira pela qual se examinem as circunstâncias contra o dono das
mulas do plaustro posterior, não; porque não espontâneamente mas pela percussão, é que retrocederam.
~No caso de comando, de origem da autoridade? No direito romano, a obediência tudo escusava; quem
obedecia estava absolvido (L. 157, O., de diversis regulis iuris antiqui. 50, 17: “Ad ea, quae non habent
atrocitatem facinoris, vel sce leris, ignoscitu~ servis, si vel dominis vel his qui vice dominorum sunt
obtemperavínt” Assim, desde que o fato de que se trata não pertence ao número daqueles que se reputam
atrozes, deve-se absolver o culpado, se, escravo, tutelado ou curatelado e quem quer que tenha de obedecer a
outrem, procedeu por ordem. Era princípio assaz geral, que não deve ter, no ambiente de novas relações morais
e econômicas do mundo contemporâneo, nem pode ter maia a larga aplicação que lograva no mundo romano.
Muito mais aceitável é o enunciado, mais restrito, da L. 37, O., ad legem Aquiliam, 9, 2, onde se diz que, se um
homem livre causa dano a outrem, por ordem de terceiro, é contra o terceiro que cabe a ação, se tinha direito de
ordenar, si modo ins imperandi habuit; se não tinha, é contra o que cometeu que se há de mover a ação. Tratou
do assunto E’. LAURENT (Principes de JJroit Civil français, 20, 475), que começou por se referir à
jurisprudência belga e à francesa que assentavam a inimputabilidade nos casos de ato praticado por ordem
da.<autorídade Se se julga que é de mister a obediência à ordem, não se pode cogitar, diz êle, de reclamação de
perdas e danos ao que a executou, pois não havia vontade livre da sua parte e, sem liberdade, não há
imputabilidade. Restaria saber-se se a autoridade responde pelas conseqüências da ordem que deu; porém não é
aqui o lugar para o discutirmos A outra questão, relativa à apreciação da legalidade da ordem por parte do
funcionário público, deixou-a de lado o jurista belga, Por ser, para êle, tese de direito público. No caso do
mandato, pareceu-lhe que a questão somente pode ser levantada, seriamente quanto aos quase-delitos; e não há
dúvida. O mandatário responde sempre pelo que dos seus atos se produza capaz de juntar elementos de culpa
extracontratual; mesmo na hipótese do quase-delito, porque houve, pelo menos, imprudência em executar
instruções que constituem quase-delitos~
Quanto ao caso dos funcionários públicos, é assaz interessante e de valor prático o problema, e não devemos
tratá-lo em termos gerais e apressados. Não é preciso esclarecer-se o serviço que pode prestar á interpretação
científica a análise das relações de comando, ordem e instrução, nos ramos de govêrno e de hierarquia. ~ de
importância para os funcionários públicos saberem que, quando recebessem ordens manifesta-mente ilegais na
substância, ou provenientes de autoridade não legítima, têm que as refutar no segundo caso, ou recorrer a
autoridade superior, demitir-se, no primeiro.

8.DIREITO PENAL E DIREITO CIvIL. Há fatos que são, no direito penal, delitos, sem o serem no direito
civil. Exemplo: tentativa de assassínio, que constitui crime, mas a que falta o elemento dano para compor a
figura do delito civil. Em geral, as contravenções de polícia. A lei civil, a que incumbe restaurar,
individualmente (segundo o sistema de direito até agora adotado em linhas gerais, que é o do individualismo
jurídico), situações jurídicas é, pois, reparar danos, somente se preocupa com os danos que se realizaram, com
o que efetivamente sucedeu. Não assim o direito penal, a que interessa o próprio dano possível, pois à sua
missão social deve caber a vigilância da ordem social. De modo que a polícia exerce função mais aproximada
do socialismo jurídico, e só a recomenda mal o quanto despótico, que é inerente, não a ela, em si, mas à
organização política autoritário-militar.
Há delitos civis que o direito penal não pune: se é fato lesivo e ilícito, sem constar, como crime, do Código
Penal e das leis penais. Mas parece-nos isso imperfeição de tais leis; se o ato é lesivo deve ser punido, a
evolução consiste em acabar-se com tais discordâncias e estender-se o campo de aplicação da plenitude jurídica,
ainda sob a forma defeituosa e precária da repressão criminal.
Na maioria dos casos, há concordância entre as legislações civil e penal: delitos criminais são delitos civis,
como, por exemplo, os homicídios, as injúrias, o incêndio voluntário.
A distinção entre delito (civil) e crime devia ser apenas nas conseqüências , nas medidas; e não na extensão do
interesse social.
O delito civil pode importar, não indenização, mas outra sanção; de forma que não há perfeita coincidência
entre o conceito de delito civil e o de prestação de perdas e danos, entre o delito civil e o Título VII do Livro III
da Parte Especial do Código Civil brasileiro, que trata das obrigações por atos ilícitos. A ingratidão do donatário
é delito civil (Código Civil, art. 1.181), e não se pedem perdas e danos; a sanção é diferente: revoga-se a
doação. O fato que se interpretou como sinal de ingratidão pode provocar a ação para reparar danos, mas nada
tem que ver com a ação fundada no art. 1.181. Assim, não há alternatividade. Pode-se dizer que do fato nasce
aquela e da ingratidão, expressa pelo fato, nasce a ação para revogar a doação. De modo que, sendo delito civil
a ingratidão do donatário, a pena civil é a revogação da doação, e não a indenização. Outro exemplo (e há
muitos no Código Civil) é a sonegação de bens da herança: o herdeiro que sonega bens da herança, não os
descrevendo no inventário, quando estejam em seu poder, ou, com ciência sua, no de outrem, ou o que os omitir
na colação, a que os deva levar, ou o que deixar de restitui-los, perderá o direito, que sôbre êtes lhe cabia (art.
1.780). Além da pena que se comina no art. 1.780, se o sonegador foi o próprio inventariante, remove-se, em se
provando a sonegação, ou negando êle a existência de bens, quando indicados (art. 1.781).
Em qualquer dos três casos, a lei civil pode ser aplicada como regra jurídica sôbre dano se o ato em si o
permite.
j Pode constituir delito ou quase delito ou reunir o duplo caráter de culpa contratual o inadimplemento do
contrato? É questão que ainda apaixona os espíritos. Praticamente , é de importância, por quanto há a diferença
da prescrição, dos juros e da admissibilidade de certas provas. Quanto ao duplo caráter delitual-contratual, basta
que o inadimplemento constitua, por si só, crime, quer de ação pública, quer privada. j Que deve então fazer a
pessoa lesada? Examinadas as circunstâncias, escolhe-se uma das ações e assim electa una via nou datur
recursus ad alteram, quer se obtenha, quer não se obtenha o ressarcimento, salvo se a sentença reserva o direito
de passar a outro expediente, o que se pode dar expressa ou tàcitamente. No direito brasileiro, é possível a
duplicidade: crime e culpa contratual; e quanto à indenização, é ela independente da sanção criminal. É
possível, ainda, as duas culpas civis a contratual e a Aquiliana e então, se o suporte fáctico é um só, escolhida
uma das vias, não mais se pode recorrer à outra, porque seria bis in idem.
Isso não se dá quando o crime só se caracterize com a prévia ação civil.
A possibilidade do duplo caráter está no L. 5, § 8, D.r commodati vel contra, 18, 6: “Quin immo et qui alias re
com modata utitur, non solum commodati, verum furti quoque tenetur, ut lulianus libro undecimo digestorum
scripsit. Denique. ait, si tibi codicem commodavero et in eo chirographum debitorem tuum cavere feceris
egoque hoc interlevero, si quidem ad hoc tibi commodavero, ut caveretur tibi in eo, teneri me tibi contrario
iudicio: si minus, neque me certiorasti ibi chirographum esse scriptum: etiam teneris mihi, inquit, commodati,
imino, ait, etiam furti, quoniam aliter re commodata usus es, quemadmodum qui equo, inquit, vel vestimento
aliter quam commodatum est utitur, furti tenetur”. Tirando em vernáculo, no que mais nos interessa: o que
emprega a coisa emprestada de modo diferente daquele que se convencionou, fica sujeito, não só à ação do
commodato, mas ainda à ação penal de furto, como escreve Juliano no livro undécimo do Digesto. O mesmo
jurisconsulto figura: eu vos emprestei um registo ou códice no qual escreveu promessa quirografária o vosso
devedor, por sugestão e manda de vossa parte. Se, ao me ser reentregue o registo, apago a promessa, ficarei
obrigado perante vós pela ação contrária do commodato, se vos emprestei o códice com o intuito de vo-lo
permitir; mas, se não o emprestei com tal intuito, terei contra vós a ação do comodato pelo uso extraordinário,
discrepante, de que sois responsável. Juliano sustentava que cabe a ação penal de furto. O mesmo devemos
dizer quando se trata de cavalo ou roupa emprestada, se se não obedece ao que foi convencionado.
Desde que se veja, nas condenações à reparação pelo deu lito, meios de adaptar, fâcilmente se compreende a
razão da interdição dos loucos e deficientes mentais. A noção de responsabilidade serve de coordenador entre os
homens, processo de solução biológica, tão natural como outros que no mundo animal se encontram e até entre
homens. Puro expediente criado pela coexistência de sêres pensantes pela sociedade, deixa de existir onde não
há, entre homens, a elaboração de processos atinentes a remover obstáculos à adaptação social:
indígenas-antropófago5 não poderiam nunca comer indivíduos da mesma tribo sem a “motivação juridica”, que
é o corolário da responsabilidade, O interditado não tem mais em função normal o aparelho para o qual criou a
natureza humana a noção de responsabilidade. Essa somente existe, porque é preciso disciplinar a atividade

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física e psíquica; se não houvesse o aparelho de espírito humano, no que êle tem acima dos outros animais, não
seriam necessários outros processos de adaptação social, senão os vigentes entre os demais sêres; não haveria a
noção de responsabilidade, nem, pois, interditados (anormais civis), nem irresponsáveis (anormais do direito
repressivo). Na ciência, não há, portanto, nenhum lugar para a questão do livre arbítrio: nem a côr das flôres,
nem a medida regular dos ângulos do cristal, nem o vôo dos pássaros, nem o instinto de nidificação precisam de
explicativa lógica. Tão-pouco, a responsabilidade: é determinada a mínima vontade do homem, mas a noção de
responsabilidade é necessária à adaptação do homem à vida social, e tão imprescindível à vida comum como os
órgãos humanos se fizeram necessários às funções que lhes cabem. Se algum dia se deparar à vida social outro
processo mais eficaz, por-se-á de lado o antigo, e será possível a adaptação do homem à sociedade, à
coexistência, sem a noção de responsabilidade: outra ilusão pode ser o nôvo processo, ou fundar-se em verdade
colhida na ciência das organizações humanas. Hoje, não há muita diferença entre a faca do homem que sacrifica
o boi, o porco ou o carneiro, para viver, e a pena do magistrado que decreta a prisão do criminoso ou a
reparação de danos. Entre os dois atos, há a mesmidade de fim, a adaptação à vida animal. Êsse, à vida social.
Ali, necessidade biológica; aqui, sociológica.
Diante do exposto, fica sem sentido a incompatibilidade entre determinismo e punição ou retribuição. Não é
preciso percorrer-se a história a fim de se esclarecer o modo pelo qual se desenvolveram os institutos. Com
alguns dados, ainda esparsos, de épocas diferentes, vê-se o que há de transitório e digamos o termo de atual na
responsabilidade individual. Pretendeu ADOLF MERREr, (Recht und Macht, Hinterlassene Fragmente und
gesammelte Abhandlungen, II, 400-
-425) que é inerente ao direito certo elemento da autoridade, de modo que os próprios direitos não prescindem
da defesa própria (Selbsthilfe) que faça prevalecer o direito. No direito primitivo, a posse independia do modo
por que se adquiria.
Mais tarde, veio a prova jurídica ou de razão (Beweisverfahren), que substituiu a prova da fôrça (Machtprobe) e
se fêz perante autoridade, que assim exerce função julgadora e moral. Revela-se a conveniência da
harmonização dos interesses humanos, mas por serem múltiplos e discordantes teve o direito de apresentar o
caráter de acôrdo. Em todo o caso, assistimos, na evolução social, à crescente diminuição do elemento
despótico, daquele fator-autoridade, que ADo~~ MERREL reputou inerente. As regras jurídicas que se realizam
nos atos, impõem-se por si, ou, melhor, incidem, toda imposição é despotismo, violência; e não podemos dizer,
sem ridículo antropomorfismo, que a lei de gravitação impele os planêtas. Nas outras regras, as que se elaboram
subconsciente ou conscientemente, o que é realmente lei, e não abuso ou pressão autoritária, passa a ser
inconsciente ou subconsciente, e o que antes constituía imposição se torna ato espontâneo. No direito que
regula, hoje, a responsabilidade civil, devemos ter sempre diante dos olhos o princípio da progressiva
eliminação do quantum despótico, que foi formulado em 1922.
Em matéria de obrigações por atos ilicitos, desde os primórdios da humanidade, resume-se todo o direito em
prescrever-se o equilíbrio econômico-jurídico com os sós recursos e expedientes da reparação entre indivíduos.
Quem dana, paga. De modo que o Estado, em vez de intervir e assegurar a estabilidade e a ordem, a cuja
garantia se destina, apenas assume a postura de espectador e entrega a solução a um dos seus órgãos comuns: a
Justiça. Tudo anuncia, porém, o aumento das visíveis brechas que no velho sistema se abriam; e dia virá em
que, para viver, terá o Estado de carregar com todas as responsabilidades decorrentes dos desvios e crimes
individuais. É um dêsses dilemas de que se pontilha o percurso da sua evolução histórica.
As circunstâncias em que ocorreu o dano têm grande significação para a responsabilidade. Um dos elementos é
o da falta da vítima, por ato positivo ou negativo, O estar em lugar perigoso não pré-exclui a responsabilidade
de outrem pelo dano sofrido, porque a falta da vitima por estar em lugar perigoso há de consistir em expor-se
ela, conscientemente ou imprudentemente, ao dano (cf. GEORGES RIPF.RT, De l’Exercice du Droit de
propriété dans ses rapports aveo les propriétés voisines, 335).
9. AUTODEFESA, LEGÍTIMA DEFESA E ESTADO DE NECESSIDADE. A propósito de atos ilicitos, atos-
fatos ilícitos e fatos stricto sensu ilícitos, surgem os princípios gerais sôbre autodefesa, que é a manutenção do
estado atual contra ataque, quer se trate a) de legítima defesa, quer b) de defesa contra perigo, quer o) de
evitamento de perigo mediante o elemento causal do bem alheio. As espécies b) e o) são o estado de
necessidade, em que há colisão de interesses legítimos.
O que se defende, em qualquer espécie de autodefesa, é a integridade da pessoa, do corpo e da mente, ou a
integridade matrimonial. Todos os direitos de personalidade são protegidos pelo princípio da autodefesa, bem
como todos os direitos patrimoniais (cf. ALEXANDRE LOFFLER, Unrecht und Notwehr, Zeitschrift f’iir die
gesamte Strafrechtswissen.schaft, Zx, 57; HERMANN GROS5MANN, Das Prinzip der Selbstverteidigung, 17
s.).
Para que haja direito de autodefesa, é preciso que exista o perigo, ou que se haja iniciado o dano, e o que se tem
seja contra direito (ilícito). Se o boi ou o cavalo é de alguém qu~ tenha direito de pastagem, o dono ou
possuidor das terra~i não pode expulsar ou ferir o animal (ARTUR WOLFFSOHN, Nott wehr, Notstand und
Nothiilfe, 37). Todavia, é possível que implícita ou explicitamente se haja exigido não se tratar de animal
bravio, feroz ou perigoso. O bem que vai causar o dano pode pertencer a pessoa jurídica e não importa quem o
pôs em situação de ser perigoso, inclusive em caso d’e gestão de negócios alheios ou de ser o risco proveniente
de luta a dois entre terceiros (GEmia Mt}LLER, Das Recht der Notwehr, 27 e 14).
O ataque pode ser por ato positivo ou negativo, ou provir de bem vivo, ou não, inclusive de irradiações ou de
umidade (cf. Orro v. ALBERTI, Das Notwehrrecht, 146).
No direito estrangeiro, vemos a legitima defesa no Código Civil português, ad. 2.367: “Aquêle que fôr agredido
por outro com violências, que possam lesar os seus direitos primitivos, ou esbulhá-lo do gôzo de seus direitos
adquiridos, ou perturbá-lo por qualquer forma nesse gôzo, é autorizado a repelir a fôrça com a fôrça, contanto
que não ultrapasse os limites da justa defesa”. Depois, no Código Civil alemão, ~ 227: “A ação imposta pela
legítima defesa (Notwehr) não é contra direito. Legítima defesa é a que se faz mister para afastar de si ou de
outrem presente agressão ilegal”.
A Lei suíça de 1911, ad. 52, alínea 1≥, disse: “Quem em legitima defesa (in berechtigter Notwehr) afasta
agressão, não fica obrigado a reparar o dano, que cause ao agressor ou aos bens dêle”. A lei de 1888 não
mencionava o que hoje se lê na e 8~a alíneas: o caso de necessidade, fora da legítima defesa; o uso autorizado da
fôrça. Autorizava-se a represália à agressão por outra pessoa (Notwehr), porém não havia texto para o uso da
fôrça. A lei de 1911 encheu as lacunas; pôs o direito suíço no mesmo grau técnico que o Código Civil alemão .
O Código Civil brasileiro falou da legítima defesa (artigo 160, 1) e em caso de necessidade (art. 160, II). Não
contém regra jurídica que trate de uso autorizado da fôrça, Selbsthilf e. Eis os novos textos da lei suíça: art. 52,
2~a alínea:
“Quem causa dano a bens alheios para afastar de si ou de outrem dano iminente ou perigo, tem de repará-lo
conforme arbítrio do juiz”; art. 52, g~a alínea: “Quem procura proteger-se por si mesmo, com o fim de segurar
direito reconhecido, não é obrigado a reparar, se, devido às circunstâncias, não podia ser obtida em tempo
próprio (rechtzeitig) a proteção da autoridade, e somente pela ação própria podia ser impedida a frustração do
seu direito ou essencial dificultamento do seu exercício”. A tradução exata permite apanhar o pensamento da lei
suíça.
A terminologia alemã é extraordinàriamente precisa e elegante. Not’wehr (Código Civil alemão, § 227) é a
defesa necessária ou legitima defesa, sem que, com êsse adjetivo legitima, se circunscreva o conteúdo da
palavra à defesa de si mesmo.
Assim, Notwehr compreende a defesa de si mesmo e a defesa de outrem. Pode, pois, ser contra aquêle a quem
se dirigia a agressão, e. g., se A, empurrado violentamente, fere quem ia ser lançado fora do comboio em
disparada. No caso de defesa necessária putativa (Puta.tivnotwehr), isto é, interpretação errônea da existência
do dano iminente, tem-se de apurar se o êrro provém de negligência, ou de imprudência, ou se, na espécie, tudo
corroborava a seriedade da ofensa iminente, ou do risco já em mira (E. RIEZLER, J. von Staudingers
Kommentar zum Buirgerlichen Gesetzbuch,, 1, 759, 5). Se não houve, sequer, negligência, nem imprudência
(precipitapão), falta a culpa e, pois, o elemento para a aplicação do art. 159.
Notst and (§ 228) é a situação de necessidade, em que alguém, para evitar dano a si ou a outrem, causa danos
em alguma coisa. Não há a defesa necessária competição entre dois sujeitos de que se trata no § 227. Selbsthilf
e (§§ 229--281) é espécie de justiça pelas próprias mãos. ~ a expressão geral, de que temos, no art. 502 do
Código Civil brasileiro, exemplo particular: o desforço próprio, em matéria de posse. Diz o art. 502: “O
possuIdor turbado, ou esbulhado, poderá manter-se, ou restituir-se por sua própria fôrça, contanto que o faça
logo”. E no parágrafo único: “Os atos de defesa, ou de esfôrço, não podem ir além do indispensável à
manutenção, ou restituIção da posse”. Nada importa a responsabilidade, ou irresponsabilidade, da pessoa que
agride. Pode ser pessoa irresponsável; não perde, por isso, o caráter de em legítima defesa o ato que alguém em
defesa própria ou de outrem tenha de praticar. O que é relevante é a necessariedade do ato. Sôbre a extensão dos
conceitos de legitima defesa e estado de necessidade, Notwehr e Notstand, o que se pode dizer é que em sentido
estrito ou largo pode um abranger o outro e a abrangência depende daquela elasticidade, vulgar nos livros de
doutrina. O mais acertado, porém, é considerar-se a legítima defesa simples caso (II. TITZE, fie
Notstandsrechte im deutschen Bilrgelichen Gesetzbuche und ihre geschichtliche Entwicklung, 16) do estado de

.~> a]
necessidade (P. MORIÂrm, Du Délit rtécessaire a de tttat de nécessité, 87 e 89; WESSELY, fie Befugnisse des
Notstands und der Notweh,r, 4), no qual existe a particularidade da represália que se impõe, da defesa
efetivamente necessária: não se comparam danos, reage-se.
O Código Civil trata-os separadamente (ad. 160, 1 e II). Mas é impossível deixar-se de apontar proposições
comuns aos estados de necessidade e às legítimas defesas, ou que pertencem àquelas, em sentido largo. Os atos
praticados em situação de necessidade (Notstandshandlungen) compreendem os de legítima defesa
(Notwehrhandlungen) e os em estado de necessidade, considerados, aqui, em sentido estrito, que é o do Código
Civil, art. 160, II. Ésses são os que evitam perigo que não procede imediatamente de um homem, seja êle um
irresponsável, nem de coisas ou animais, movidos, preparados ou diretamente açulados por ele. O conceito
torna-se preciso, mas as dificuldades não são poucas, porquanto existem estados de necessidade agressivos.
Exemplo: se me defendo de um cão caso, aliás, que se enquadra no art. 160, 1, por não ser, rigorosamente,
legítima defesa. Pode haver ato de defesa no estado de necessidade, e não se tratar da legítima defesa do art.
160, 1. Exemplo de estado de necessidade agressivo temos no ataque ao cão (que não ofendeu> somente por êle
ter sido mordido por outro hidrófobo.
Essa tem de ser a interpretação da lei brasileira, para que escape à pecha de absurda. No caso de legítima
defesa> não há ilicitude de atos; porquanto: excluída a ilicitude, não há, de regra, reparação. ~ Quando é
possível reclamá-la? Se o que se defende danificou a coisa de terceiro para defender.
-se, há alguém com culpa: o ofensor. A ação deve ser contra o culpado. ~A lei deu-a contra o causador sem
culpa, assegurar -lhe, porém, a ação regressiva contra aquêle? Seria um volteio escusado, que enfearia a lei e
turvaria os princípios jurídicos.
A legítima defesa é o primeiro caso do Código Civil, art. 160, 1. Deve dar-se à expressão legítima defesa a
mais ampla compreensão: desde as ocorrências contra a pessoa ou bens, inclusive, como assenta a
jurisprudência francesa, e os ataques pela imprensa, se bem que em certas espécies mais se deva cogitar da
chamada “compensação de danos”. A legítima defesa somente serve de escusa, de elemento dirimente ou
exclusivo da reparação, somente pré-exclui a responsabilidade pelo dano, quando seja razoável, isto é, não haja
excesso. Se houve excesso, há sempre reparação (FRIEDRIÇH OETKER, tYber Notwehr und Notstand nach
den §§ 227, 228, 904 des Búrgerlichen Gesetzbuches, 7).
No direito do período clássico, é indiscutível a existência do direito de legítima defesa. Isenção do direito penal
ou direito autônomo de defesa? Sustentou aquêle caráter, de que só lentamente evolve, A. PERNICE (La beo, ~
2Y ed., 73 s.), mas teve, diante de si, BRUNNENMEISTER (Das Tàtungsverbrecheu im altrõmischen Recht,
143) e ANDREAS vON TUHR (Der Notstand im Civilrecht, 44 s.). “Qui cum aliter tueri se non possent”, está
em PAULO, “dammi culpam dederint, innoxii sunt: vim enim vi defendere omnes leges omniaque iura
permittunt” (L. 45, § 4, D., ad legem Aquitliam, 9, 2). Na L. 52, § 1, trata-se de caso de excesso. No direito
imperial, a L. 8, O., ad legem Corneliam de sicariis, 9, 16, não deixa dúvida:
“Si... latrocinantem peremisti, dubium non est eum qui in.ferendae caedis voluntate praecesserat, iure caesum
videri”. No entanto, também aí A. GEYER (fie Lehre von der Notweh,r, 57) somente quis ver a isenção do
direito penal.
No direito clássico, A. PERNICE distinguia os danos às coisas móveis e os danos às coisas imóveis, quanto à
dejecção e à simples turbação. No último caso, cabiam o interdictum uti possidetis, o quod vi aut clam, a operis
novi nuntiatio. Em se tratando de dejecção, mais se haveria de cogitar da compensação de culpa do que do
estado de necessidade (L. 5, O., ad legem luliam de vi publica seu privata, 9, 12) : “si forte quis vel ex
possidentis parte vel eius qui possessionem temerare temptaverit, interemptus sit, in eum supplicium exerceri,
qui vim facere temptavit et alterutri parti causam malorum praebuit”.
Omoderamen inculpatae tutelae, que se tem na L. 1, O., unde vi, 8, 4, passou a ser o termo técnico para a
legítima defesa. Lá está: “Recte possidenti ad defendendam possessionem, quam sine vitio tenebat, inculpatae
tutelse moderatione ilitam vim propulsare licet”. Tiraram alguns autôres que dêsse lacere, como do jure caesum
teneri da L. 8, C., ad legem Corneliam de sicariis, 9, 16, provém a segurança de não haver responsabilidade
criminal nem a civil para o ato de legítima defesa (e. g., CHE. FRIED. VON GLÚCK, Ausfiihrlich,e
Erb’iuterunq der Pandekten, X, 825).
O estado de necessidade supõe exercício de direito, por necessidade além dos limites. A legítima defesa, a
antijuridicidade subjetiva do exercício, aí coberta pelo direito (cp., e. g., A. GEYER, fie Lehre von der Not-
weh,r, 25 s.; K. JAMKA, Der strafrechtliclze Notstand, 33 s.; pela antijuridicidade objetiva, M. v. BURI,
Notstand und Notwehr, Gerichtssaal, 30, 471; II.TOBLER, Die Gunzgebiet zwischen Notstand und Notwehr,
60; O. MÂTTHIEU, lii welcken Fallen und iv. welcker Weise ist die Not civilrechtlich von Redeutung, 27).
10.EsTûo DE NECESSIDADE. Também aqui temos o afastamento da ilicitude, determinado no art. 160, II.
Para que se apliquem os arts. 1.519 e 1.520, é preciso que a causa não seja a própria coisa. Não se justifica que
o dono da coisa acione o que interveio; devia acionar o culpado. No caso de necessidade (art. 160, II), pode ser
culpado o que salva; entendamos: pode dar-se que o perigo advenha de ato da própria pessoa que, depois,
intervém para evitar o dano maior. Ai, sim, compreenderíamos a aplicação do art. 1.519 (e não da ação
regressiva), como resulta, expressamente, do final do § 228, in fine, do Código Civil alemão.
~ Como se há de explicar o reconhecimento do estado de necessidade? Alguns o dizem fora do direito, jurídico,
nem acorde, nem contrário ao direito; outros, não imputável aos atos durante êle praticados; outros justificam os
atos então executados, com a comparação de valôres dos bens sacrificados, que, no caso do naufrágio, teria de
admitir graduação entre vidas; outros recorrem à gestão de negócios; outros, mais precisos, à teoria objetiva. i,
Que é, enfim, que se tira a tais atos para que não haja indenização? A própria culpa, dizem alguns, e só poderia
caber à ação de in rem verso. Nada, dizem outros; no conflito de direitos, dá-se apenas a responsabilidade. Essa
teoria serviria aos arts. 1.519 e 1.520 do Código Civil brasileiro, mas teria de chocar-se com o art. 160.
II.Alguns procuram a culpa de outrem: a da vítima ou de a de terceiro. Só em tais casos não há responsabilidade
(e. g., E. SERMET, L’Êtat de nécessité en matiêre criminelle, 243). Alguns recorreram à noção da
desapropriação por utilidade, aqui privada, como há a pública, porém tal opinião é insustentável.
Na França, não há lei para o caso de necessidade; no ato de necessidade há. preferência por um direito, que se
supóe ser o de maior valor. Mas o lesado tem direito a perdas e da-nos por ter sido vítima de verdadeira
desapropriação por utilidade privada.

O caso de necessidade é diferentemente regrado no Código Civil alemão e no direito suíço. No direito alemão,
se o dano não é desproporcional em relação ao perigo, não há ato ilícito (§ 228). Salvo, está claro, se o lesado
foi o causador do perigo.
No direito suíço, o estado de necessidade não apaga a Dicitude, apenas atenua a responsabilidade (art. 52,
alínea 2Y) O juiz tem o arbítrio de fixar, eqúidosamente, a reparação . Não há, como se daria com a legitima
defesa, a exoneração total. ~ assaz importante a diferença. O direito brasileiro segue o Código Civil alemão;
mas, em vez de cogitar do salvador que, antes, fôra culpado, isto é, do que intervém para afastar o perigo por
êle mesmo criado (Código Civil alemão, § 228, in fine), trata, no art. 1.519, da indenização devida ao dono da
coisa, se não foi culpado do perigo. Se o perigo ocorre por culpa de terceiro, o autor do dano fica com a ação
regressiva, para haver a importância que haja ressarcido ao dono da coisa. Portanto, o que se fêz no art. 160, II
(onde se diz que não constitui ato ilícito a intervenção em caso de necessidade) é desfeito, em parte, nos arts.
1.519 e 1.520, onde se dá ação contra o mesmo indivíduo a quem aproveitaria o art. 160, II. No direito alemão,
há o § 904, mas, aí, dá-se ação ao proprietário da coisa, quando danificada, para evitar perigo iminente contra
terceiro, ou usada (o que não se prevê no art. 160, II, da lei brasileira, e, pois, se justifica na lei alemã, que pôs a
regra jurídica do § 904 no direito das coisas) ; salvo: no caso de legítima defesa; no caso de não haver culpa do
favorecido, nem de quem interveio para evitar o dano. Quer dizer: no caso de ser a própria coisa a causa do
perigo.
Para que, pela interpretação, se esclareça a lei civil, temos de dar-lhe o entendimento científico: 1) A
contradição da lei estaria em que: só se abre, no art. 1.519, uma exceção há a reparabilidade aliás objetiva,
porque, como se viu, foi excluída no art. 160, II, a culpa, a ilicitude; a exceção consiste em ser culpado do
prejuízo o dono da coisa. ~Se a própria coisa é a causa do dano, e. g., caiu, explodiu, partiu-se? Se há culpa de
outrem, como admitir-se a ação contra o que interveio e contra o culpado a regressiva? No art. 160, II, exclui-se
a ilicítude do ato praticado em estado de necessidade. Não se alude à maior valia do bem salvo, nem ao
sacrifício da coisa própria; só se fala na coisa alheia. 2) Desfaz-se a contradição se dizemos: a) que o art. 1.519
não vincula à reparação o necessitado, se a causa do estado de necessidade foi a própria coisa sacrificada, ou
outra coisa pertencente ao danificado (confusão da vítima com o beneficiário) ; b) que, havendo culpado do
estado de necessidade, não pode ser aplicado o princípio excepcional da responsabilidade objetiva (art. 1.519) ;
c) que o art. 1.520, na espécie b), permite a ação contra o autor do dano, e a êsse, contra o culpado, a ação
regressiva, mas se há de entender que, uma vez proposta, pode o réu chamar o culpado à responsabilidade; d)
que o art. 1.519 não se pode invocar quando se haja consumado e dano para salvar o próprio dono da coisa
(confusão entre vítima e beneficiário).
Se fizermos a análise das relações, veremos que, nos casos de necessidade, o direito encontra situações
brutalmente surgidas das circunstâncias e, diante dessa determinação física, dos direitos têm de escrever a
resultante, como ocorreria com duas fôrças. Daí a preferência, imposta ao necessitado como fôrça.

.~> a]
O estado de necessidade pré-exclui a contrariedade a direito. O que se passa e lesa não cria a responsabilidade
(Tomo II, §§ 182 e 186, 187, 219, 1, 235, 6).
A responsabilidade somente se cria onde haja culpa ou do próprio necessitado, antes de surgir o estado de
necessidade, obra sua, ou culpa de outrem porque, se não há culpa do necessitado, nem do beneficiado, a ação
tem de ser ação de iv. rem verso contra o beneficiado. O Código Civil português, arts. 2.396 e 2.397, pondo-se
no ponto de vista do benefício, foi mais lógico. Se se beneficia toda uma cidade, a responasbilidade, segundo o
direito português, é de todos os habitantes, solução. acertada, diferente da que deu a Côrte de Bruxelas, em 7 de
julho de 1882, pois que apenas afastou a responsabilidade, e da opinião de alguns juristas que confundem o
interesse público e o patrimônio da entidade estatal.
A regressividade, e não a natureza direta da ação, quando haja terceiro culpado, constítuNria defeito da lei
brasileira.

Desde que haja interesse da coletividade, o particular não deve opor-se a tais medidas que se praticam, como as
de higiene (Supremo Tribunal Federal, 12 de janeiro de 1921) em nome de interesses gerais. A entidade estatal,
essa, pois que, com ou sem razão, danificou a propriedade alheia, d’ave indenizar o prejuízo causado.

§ 5.499. Deveres “erga omnes”

1.DISTINÇÕES NECESSARIAS. Na indenizações que não resultam de infrações de dever de atividade ou ae


omissão. Então, quando se fala de dever de indenizar já se considera irradiado o efeito do ato, positivo ou
negativo, que pode nao ter sido ilícito. São os casos dos arts. 1.519 e 1.520 do Código Civil, em que se prevê
que a remoção de perigo iminente, com deterioração ou destruição de bem alheio (art. 160, II), faça responsável
quem o removeu e, regressivamente, terceiro, culpado do que se deu. Aqui, somente havemos de cogitar da
indenizabilidade pelo fato ilícito.
Ignorantia juris alie gari non pote.st, qwia nunquam praesumitur, neque ezeusa.t. Repetiram-no AGOSTINHO
BARBOSA, MANUEL ALVARES PÊGAS e outros juristas portuguêses, abrindo exceção para menores e
rústicos, o que hoje seria sem base. Seja como fôr, a regra jurídica inserta no Repertório (11, II) passou ao
Código Civil, art. 59 da revogada Introdução (“Ninguém se escusa, alegando ignorar a lei; nem com o silêncio,
a obscuridade ou a indecisão dêle se exime o juiz a sentenciar ou despachar”) e ao art. gO do Decreto-lei n.
4.857 (Lei de Introdução, de 4 de setembro de 1942: “Ninguém se escusa de cumprir a lei, alegando que não a
conhece”).
O Juris ignorantia non excusat apareceu na doutrina e na legislação portuguêsa e na brasileira, com invocação
da L. 9, pr., O., de juris et facti ignorantia, 22, 6: “Regula est iuris quidem ignorantiaifl cuique nocere, facti vero
ignorantiatn non nocet”. A opinião de LÂPIXO (L. 9, ~ 3) que entendia ser de perdoar-se o êrro de direito, se
intrincada a questão e não se pudesse consultar jurisconsulto, não foi recebida; e as exceções antiquadas <G.
HUFELÀND, tiber do. eigentitmi. <Jeist des rômischen flechts, 1, 231 s.) quanto a soldados, rústicos e
mulheres mal passaram de argumentos doutrinários.

Quanto aos que se excluiram do alcance da regra jurídica, ALvARO VALASCO (De cisiírnuin, 11, 334), pôs
claro que as mulheres não se achavam em tal enumeração, salvo lei especial (também, BENTO PEREIRA,
PromptikCtflulfl luridicum, 166), e JORGE DE CÁBEDO (DecisioflÚS, 1, d. 184, n. 3) incluira os que com
têda a diligência, que tivessem tido, não poderiam conhecer a lei. O direito de hoje afasta a exceção.

2.DOUTRINAS QUANTO AOS FATOS ILÍCITOS. No tocante às doutrinas gerais dos delitos no sentido de
fatos feitos, compreendidos, portanto, atos ilícitos, atos-fatos ilícitos e fatos ilícitos há três princípios o
principio da contrariedade a direito, o principio da culpa, o princípio do nexo causa. Uma vez que o fato ocorre
e atinge a esfera jurídica de outrem, o princípio da contrariedade a direito satisfaz-Se com a antijuridicidade,
para que nasçam o dever e a obrigação de indenizar. Ainda assim, convém frisar-Se que nem sempre se vê a
regra jurídica transgredida, salvo quando se entende que o fato ilícito por exemplo, o acidente de automóvel, ou
de trem é, sempre, infração de regra jurídica implícita (zr de regra jurídica que atribui a alguém o dever de pré-
excluir os riscos).
Quando se fala em dano se pensa em pessoa, ou animal, ou mesmo coisa que se lesou, e alude-se a objeto. Mas,
aí, objeto não é o que se põe defronte do sujeito. Sujeito é quem responde e sujeito é quem teve atingido o seu
bem patrimonial, ou o seu corpo ou honra. A expressão “objeto” é apenas referente ao elemento do suporte
fáctico em que o dano ocorreu (eL L. OPPENHEIMER, Die Objekte des Verbrechens, 64 e 81). Ora, o corpo
humano e a honra só ficam de frente, em oposição, ob, diante da própria pessoa, se se tem o Eu como livre do
corpo e da própria honra, o que mostra o longo caminho de abstração que foi percorrido para se ter o próprio
corpo como bem e a própria honra como bem, ou para se disfarçar o que se passou como interesse, ou como
valor. O dano pode ser a coletividade, a povo, a criança (cf. A. MERKEII, vergeltungsidee und Zweckgedanke
im Strafrecht. 10 s.), ou a mulher.
A escola histórica apagou as distinções que a escola do direito natural tentava estabelecer entre as regras
jurídicas (cf. F. HARMS, Regri!, Forrnen nnd Grundiegunti der Reohtspkilosophie, 3). Tomou-se o caminho de
pesquisa do conteúdo das regras jurídicas, ou da sua procedência, da construção lógica dos institutos (B. W.
LEIST, Die realen Grundktgen und die Stoffe des Rechts, 166). O que pode ser ofendido pelo ato ilícito, ou
pelo ato-fato ilícito, ou pelo fato ilícito, depende, em grande parte, da civilização e da cultura (cf. LuDwIa
HÍYLSMANN, Der Gegenstand des Reohtssohutzes, 70).
Há diferença entre a antijuridicidade como elemento do suporte táctico, em direito penal, e como elemento de
antijuridicidade que se exige para suporte fáctico, em direito privado. No direito penal, a violação da lei é que
contém os elementos do suporte fáctico, de modo que ela, em si, não o é (sêbre isso, E. ZITELMANN>
Ausschluss der Widerrechtlichkeit, Archiv .fúr die civilistísefle Prawís, 99, 12 s.; FERNAND SIMON, fie
Schadensersatzansprúclze bei Kàrperverletzung und Tõtung im Zweikarnpf, 16 s.).
A culpa consiste na ligação , no nexo causal, psicofísico, entre o fato externo, contrário a direito, ou não, e o
sujeito. Supõe-se, corno essencial, a voluntas, o ter-se querido, ou o ter-se procedido sem o cuidado necessário,
para que o fato não se desse. A contrariedade a direito, o ir contra o conteúdo da regra jurídica, não é elemento
da culpa. É ele-. mento da ilicitude do ato: contrariedade a direito mais culpa igual a ilícito. Tal o suporte
táctico. As tentativas para se assentar que ilícito é igual a contrariedade a direito mais culpa tomam o caminho
da presunção da culpa para se explicarem aquêles textos em que o legislador prescindiu da prova da culpa; mas,
aí, no suporte fáctico não está sempre, perceptível, a culpa, estão os fatos lesivos e a indicação de alguém, que
se achava em relação com os fatos: a presunção passou-se na mente do legislador, portanto na feitura da lei, que
a traz, como presunção legal. No suporte fáctico, está algo que compõe a figura da culpa. Os juristas que
tentaram a dicotomia responsabilidade pela culpa e responsabilidade sem culpa, ou responsabilidade subjetiva e
responsabilidade objetiva, admitem que se responsabilize alguém que está, de modo nenhum, em nexo
psicofísico com o fato contrário a direito. Com isso, abstraem, arbitrAriamente, daquele algo, que é necessário
exista para que a regra jurídica incida: por conseguinte, cortam elemento do suporte Láctico da norma, a fim de
poderem sustentar a teoria. Não se pode dizer que a responsabilidade dos empregadores, ou a dos donos de
indústrias perigosas, seja derivada de suporte láctico, entre cujos elementos não há nexo causal com o
responsável: o nexo psicofísico não precisa ser entre o ato e o responsável, pode ser entre ato ou atos anteriores
do responsável e o fato lesivo; noutros termos, o responsável pode estar em relação com o fato lesivo, como
causador mediato. Não se deve ter a emprêsa como a causa objetiva, por sua estrutura complexa,
dessubjetivada, como aprouve a W. SJÕGREN (Zur Lehre von den Formen des Unrechts und deil Tatbestanden
der Schadenstiftung, Jherings Jahrbicher, 85, 408-410) ; porque antes dela, há a vontade do que a constituiu e a
faz atuar. Em verdade, há causa mediata do ato ilícito quando resulta de ato de outrem ou de fato ilícito quando
provém, imediatamente, de animais ou de coisas. A imediatidade do ato culposo é que faz a chamada
responsabilidade subjetiva; a mediatidade é que permite pensar-se, sem razão em responsabilidade objetiva.
Porque a responsabilidade objetiva, sem essa explicação, que a nega, seria monstruosa, fora da linha histórica
do pensamento jurídico. A própria fórmula “onde está o interesse, está e perigo~~, ou “procedem a próprio
risco”, n~e faz mais do que pôr o “interesse” no suporte fáctico, sem atender a que, na regra jurídica, se êsse
elemento como suficiente para a presunção. A afirmação disso, que pode ser sem grande alcance para a
aplicação da regra jurídica, pode ser de enorme importância se se examina, de lege ferenda, a regra jurídica, ou
quando se cogita da apreciação da constitucionalidade do seu conteúdo.
Procurou-se explicar a chamada responsabilidade sem culpa pela representação principalmente na Itália (G. E’.
CHIRONI, La Colpa nd diritto civite odierno, 2•a ed., 17, 871 e 887; M. RTCcÂ-BÂRBERTS, La
Responsabilitá. senza oolpa, 54 S.; FRANCESCO CÂRNELUTTT, Teorixt generale dei Diritto, 825 s.); porém
é absurdo pensar-se em representação do empregado pelo empregador, do filho pelo pai, ou da emprêsa pelo
dono dela. Mais ainda, em fiança do preponente pela culpa do preposto, contratualização desabusada do ilícito
absoluto. Não se pode dizer que os legisladores não tenham admitido a responsabilidade pelo fato; mas à
civilização, a que correspondem os sistemas jurídicos que estudamos, repugna que se dispense existir qualquer
nexo psicofísico, ainda mediata a culpa. Onde se diz que não no há, ou há vontade anterior, em gênero> ou em

.~> a]
categoria (cf. FRITZ SCHREIEIL, Schuld und Unrecht, 1, 76); ou nada há, nem se presume de algo, e então a
regra jurídica se choca com o sistema em que o legislador a inseriu. Ésse choque teria de ser sofrido pelos
responsabilizados se todas as regras jurídicas fôssem da mesma resistência; ocorre que, onde há apreciação da
constitucionalidade das leis, regras jurídicas há que preponderam e pode ser decretada a nulidade da regra
jurídica contrária a direito constitucional. O legislador tem de formular a regra jurídica de modo que não
elimine, no suporte fáctico, o elemento necessário e suficiente àpresunção da culpa. Não se pode dizer que o
eliminou quando responsabilizou as companhias de estradas de ferro ou de navegação aérea pelos danos
oriundos de fagulhas das locomotivas, ou pela queda de aviSes; mas tê-lo-ia eliminado se responsabilizasse a
companhia de estradas de ferro e de outros transportes pelo dano causado pela bomba posta nas linhas ou no
aeroporto por alguém estranho ao serviço.
A culpa pode ser in abstracto ou in concreto. O titular do pátrio poder responde, no direito brasileiro, como
qualquer homem normal. O cônjuge, que não é usufrutuário, nem administrador dos bens de outro, responde in
concreto, como depositário (cf. Tomo II, § 178, 3). Uma vez que se leva em consideração a individualidade
daquele de que partiu a infração , a culpa é in concreto. Responde-se conforme se sói praticar o ato, positivo ou
negativo (diligentia quam in suis rebus adbibere solet). Cf. J. BARoN (Diligentia exactissima, diligentissimus
paterfamilias oder die Haftun,g fzir Custodia, Archiv flir die civilistisclie Praccis, 52, 4495; J. CHIt. HÂSSE,
Vis Culpa des rõrniscken Reehts, 216, 351, 408 s., e 413; KURT V. MUTZENEECHER, Beitrilge zur Lehre
von der culpa in conereto, 18, 61 s.).
A regra é que a culpa se aprecia in abstracto, isto é, sem se atender ao estado psicológico do agente. A culpa in
concreto é exceção. Exemplos: a legalização da assinatura nos papéis de expediente, com data atrasada, ou
antecipada, caso em que, sem outros elementos, a verificação tem de ser indulgente; em relação aos pais, cujos
meios de existência não permitem os devidos cuidados quantos aos filhos. Mas o amador, em vez de
profissional, o aprendiz, em vez do mestre, são responsáveis como êsses, e a jurisprudência que desce a
apreciação in concreto se arrisca a sutilezas em nada recomendáveis.
Ao contrário do que ocorre nos negócios jurídicos, especialmente nos contratos, a vítima não teve em conta o
ofensor, nem se há de investigar o motivo para o ato ofensivo. Daí não se precisar dizer que à abstratividade se
chegou para se evitarem dificuldades, às vêzes insuperáveis, da verificação em concreto (e. g., H.
FROMAGEOT, De Ia Faute comme source de la Resposabilité en tIroU privé, 39). Uma das mais relevantes
exceções ao princípio da responsabilidade iii abstracto está no ser irresponsável quem não podia impedir o
dano.
Alguns autores afastam o adágio iii. lego Aquilia et lovissima culpa venit, porque se o agente atendeu ao uso so
excepcionalmente comete ato ilícito. Outros defendem o adágio por entenderem que pouco importa como se
operou a lesão: o que se quer, o que se tem por fim, é a reparação dos direitos lesados.
Sabemos que subjetivamente, e não só objetivamente, o dano é relativo (HANS ALBRECHT FISCUER, Der
Schaden nach. cem BGR. f’iir das Deutsche Reich, 14; JOSEF MAUCZKA, Der Rechtsgrund des
Sch,adensersatzes, ausserhalb bestehender Schuídverhãltnisse, 28, 30). Também o é no caso de diligêneia:
quando se diz que há d’e ser a diligência média (termo bem vago), têm-se em mira os casos ordinários, em que
as circunstâncias não exigem do agente outros cuidados. O motorista do caminhão deve ser mais prudente que o
cocheiro do carro. A culpa in abstrato seria impossível, práticamente. Quem já viu o homem médio? Quem
conhece o “bom pai de família”? zQue tem a diligência do “bom pai de familia” com a do motorista, êsse
mesmo motorista em que se encarna, no dizer do conde de KEYSERLING, a nova era: homem primitivo
adubado pela técnica, criador de um estado de alma social, que faz, numa parte do mundo, a extrema direita e,
noutra, a extrema esquerda?

Designam a ~mesma coisa a simples expressão diligentia e as demais: exacta diligentia, exactissima diligontia,
omnis diligentia; e bem assim, contrariamente : culpa, levis culpa, tevissima culpa omnis culpa.
Para a distinção há de haver o conhecimento dos costumes do povo, do caráter da população e das relações
particulares; teia, como se avalia, assaz densa, em que facilmente se enredaria o pesquisador, e abismo, em que
se empregaria a própria ciência de hoje. Seria preciso aquela escala barométrica da culpa, a que se referiu
LUDWIG ARNDTS (Lehrbuch der Pandekten, § 86, 121).
Não há defender-se o conceito da culpa lovissima, a culpa que existiria mesmo se observada a diligência de
homem normal (J. CHR. HÂSSE, Die culpa dos rõmischen Rochts, 1 s.). Certo é que, muitas vêzes, e
acertadamente, a despeito da diligência, é obrigado alguém por fato ilegal; mas então não é na negligência, na
culpa, que se funda a responsabilidade.
O professor de ginástica, ou de qualquer movimento físico, pode ser responsável pelo dano, O que se exige é
que tenha havido culpa e causação (cf. RICHAR.D WEYL, liMe Haftung fúr tlnfãlle bei Leibesúbungen,
Zeitschrift filr Turnem und ~Tugendspiol, X, 2 s.).
Quem tem a propriedade do bem e não tem a posse própria pode causar danos à posse alheia, como o possuidor
próprio os pode causar à propriedade. Terceiro, que tenha posse imprópria, pode ser responsável por danos à
propriedade ou àposse, ou a ambas, e o proprietário ou o possuidor próprio é responsável pelos danos que causa
à posse imprópria. Tem-se de classificar a responsabilidade, porque, se há contrato entre o responsável pelo
dano e quem o sofra, pode ela ser contratual, inclusive em se tratando de frutos (cf. WILEELM Nuss, Die
rechtlichen BeMehungen zwischon. den beteiligten Personen, wenn aul einem vom Niessbrauchor verpachteten
Grundstitclce Friichte auf dom Haimo teUs beschãdigt, teUs entwendet <worden. sind, 20 s., 40 s.).
As coletas que se fazem sem existir sociedade que delas se encarregue, juridicamente, ou instituição, que as
possa fazer, dão ensejo a que se tenha de proteger o público que para elas concorreu ou os beneficiários que se
apontaram para a aplicação do que se apurou. Há, ainda, o problema das prestações de contas. Falta, no direito
brasileiro, regra jurídica escrita como a do § 1.914 do Código Civil alemão, em que se fala de designação de
curador, se vierem a faltar aquelas pessoas indicadas para que captassem os recursos e os apli cassem. Aliás do
iure condondo a melhor solução seria o dever de registo de remessa das contas a algum juiz,. pois que é
passageira a finalidade, e temos de admiti-la, praeter legom (Tomo IX, * 1.041, 1). A ação de prestação de
contas, por parte de qualquer contribuinte ou pessoa beneficiável, é inafastável. A coleta pode ser com elemento
seletivo (e. g., entre pessoas do nível a ou dos níveis a e b; entre médicos ou professôres, ou entre pessoas que
freqUentam determinada igreja), ou sem qualquer seleção (invitações ou ofertas ao público; (cf.
KRÚCXMANN, Kommissionen, Romitees, Ausschússe, Archiv flir Rilrgoriiches Rechi, VIII, 72).
As emissões ou empreendimentos de coletas, mesmo como emprêsas, não são de hoje, nem do século passado
(Hrr~MANN ISAY, Zur Lehre von den Sammelgeschãften, Jherings .Tahrbilcher, 36, 409; JTJLIUS
KLEEMANN, fie Pflegschaft fui’ em Sammelvormõgen, 10 s.; sem razão, GEoRG BAUM, Das schwebende
und das widorrufliche Eigentum, 28).
Sôbre as coletas e os problemas em geral, Tomos 1, § 103, 2 e 8; IX, § 1041, 1.
O ter ocorrido dano é elemento necessário para qualquer indenização, mas de jeito nenhum se pode considerar
elemento suficiente. Daí ter-se de repelir a teoria subjetiva, que foi sustentada por FRANZ RENSING (Pio
Widerrech,tlichkeit ais Scha-. den,sersatzGrund nach sckwoizorischom Obligationonrochi und dom Entivurf o
duos RGR., 1 s.>. Nem é necessário ter havido infração de direito objetivo (teoria objetiva), porque direitos
subjetivos, que emanam de regras jurídicas, nem sempre têm a proteção de regras jurídicas explícitas. O
demandante tem o ônus da prova de ilicitude, o que não se compreenderia se bastasse ao suporte fáctico o fato
de haver dano. A violação do dever contratual, ou negocial em geral, só é ilícito absoluto. Mas é ilícito o ato do
terceiro que impede E de pagar a O. O locatário pode cometer ato ilícito absoluto em bem de que tem contrato
de locação. Quem boicota comete ato ilícito absoluto; quem difama para vencer na concorrência, comete ato
ilicito absoluto. Quem calunia para que B não case com A, comete ato ilícito absoluto, mesmo se a intenção não
foi a de impedir o casamento. Quem, sem permissão do serviço de tráfego, dirige carro (=não tem carteira),
responde pelo dano a que deu causa, porque é para a proteção do público que se exigem os exames e a
expedição do documento.
Os direitos de personalidade, uma vez que haja dano
econômico ou moral são protegidos. O convidado para festa, em que se exige veste especial, ou adequada ao
fim do convite, se comparece contra o que se esperava e isso dá ensejo a danos, por êles responde. O
funcionário público, que faz o contribuinte pagar mais do que devia pagar, e a culpa é sua, responde pelos
danos. Quem pede a decretação de abertura da falência de outrem e não havia razão para isso, responde pelos
danos. Pôsto que qui jure suo utitur neminon laectit, o que causa danos de má fé, por êles responde. Daí o
principio de responsabilidade pelo abuso do direito.
Pode ocorrer que o ato ofensivo não seja ilícito absoluto, como se o funcionário público, no exercício dos
podêres que lhe atribui a lei e dentro dos limites da sua competência, causa danos a alguém (e. g., ao dono do
bem desapropriado, ou prende como em flagrante quem, depois, se vem a saber que apenas se defendia), O pai
ou a mãe ou o tutor ou o curador que prende num quarto o filho, tutelado ou curatelado, ou lhe dá alguma
pancada, pode não cometer ato ilícito absoluto. Por outro lado, quem exerce direito de propriedade ou de posse
pode cometer ato ilícito e responde pelo dano causado, se abusou do seu direito.
Em princípio, o consentimento do lesado ao ato pré-exclui a ilicitude. A manifestação unilateral ou plurilateral,
ou bilateral pode tornar lícito o ato que, sem ela, seria ilícito. Idem, se se trata de ratificação, ou de retificação.

.~> a]
Vejamos as teorias sôbre o fundamento da responsabilidade.
Sem culpa, dizia-se, nenhuma reparação. Está em R. VON JHERING (Das Schuldmomcnt im ràntischen
Privatrech, 50:
“Ohne Schuld kein Schadensersatz”). Contra o dogma levantou-se E. LONINO (Vi0 Haftung des Staats aws
rechtgwiv,riyen Handiungeu seiner Beamten, 9, 54, 109 e 88-89), em 1879. Depois, G. A. PFAFF (Gutachten
jiber die boantra>gte Revisiou, 8, 9 e 11), nos seus pareceres sôbre textos do Código Civil austríaco (1880).
Certa originalidade apresentaram VIciOa MAnJA (Das Recht des ScMdenersatzes vom Standpunkt der
National Ôkono’rn,ie 1 s.), e EMIL STEINBÂOH (fie Grundsiitze dos heutigeu Rechts ii boi’ deu Ersatz vou
Vermtige’nschaeden, 19 a.). Após êles, JOSEPH UNGER publicou primeiro nos .Jherings Jahrbijcher (30, 363-
421) ; depois, em separado, o estudo Handeln auf cigene Gefahr, onde para certos casos de danos sustentou o
princípio: “eigenes Interesse, cigene Cofahr”. Atendia, assim, não só à culpa, mas também à situacão
econômica dos interessados.
Na história do assunto, não podem ser esquecidos W. SjôGREN (Zur Uehre von d’en Formen des Unrechts und
Thatbestiinden der Schadenstiftung, Jherings Jahrbiieher, 35, 343-
-430), R. MERXEL (fie Koltision rechtm~1.ssiqcy !Ntú»essert und die Schadensersa.tzpflicht boi
rechtnziissigen Handiungeu, 10), ErncH JUNO (Delikt und Schadenszui’echnung, 1 s.), e MAX RÚMELIN
(Pie Unindo &r Schadonszurechnung uM die SIeilung dos BUR. zui’ objektivon Schadense’rsatzpflicht, 71).
Então já se tratava de construção da responsabilidade sem culpa.
O primeiro distinguiu a causa efliciens e a causa finalis nos casos de responsabilidade. Há ações que têm em si
fim objetivo, distinto do fim subjetivo. Tal a emprêsa industrial. Numa e noutra causalidade (eficiente e final)
há momento sintomático, que decide da responsabilidade. A doutrina de R. MERKEL não passou de variante da
teoria de JOSEPE UNGER.
Para VICTOR MATAJA, se o dano provém do acaso, nada se tem a fazer: i’es perit domino. Mas, por vêzes,
não está o proprietário em situação de precaver-se, e. g., se está alugada a coisa. Pense-se no art. 1.208 do
Código Civil.
RAYM’OND SALEILLES (Les Accidents da travail ot la Responsabilité civile, 52 e 105) via no Código Civil
francês, artigo 1.382 (“Tout fait quelconque de l’homme, qui cause àautrui un dommage, oblige celui par la
faute duquel il est arrivé à le reparer”) e no art. 1.383 (“Chacun est responsable du dommage qu’i] a causé non
seulement par son fait, mais encore par sa négligence ou pour soil imprudence”) o principio de que “obrigar à
reparação o fato do homem constitutivo do dano”. Onde há a relação de causalidade, há o dever de reparar, a
responsabilidade. Seria, pois, insuficiente, sem efeitos, a prova da ausência de culpa subjetiva. O art. 1.383 do
Código Civil francês corresponde, segundo êle, ao fato negativo. A indagação subjetiva de nada importa. Mas,
baseada em POTHIER, continuava a dominar a teoria francesa; e o próprio RAYMOND SALEILLES recorreu,
depois, à idéia de responsabilidade pela criação de riscos anormais.
Também excluiam o elemento subjetivo LÉoN MICILEL (Responsabilité civile das patrons envei’s les ouvriers,
605-607), que admitia a irresponsabilidade se há culpa da vítima, e M. TEISSEmE (Essai d’une Tlzéorie
genérale sui’ te Fondemont de la Respansabilité, 156 s.), que via nos danos enconti’o de atividades, pelo qual
deve responder quem preparou o encontro, que é solução menos injusta; mas 1W. TEISSERIE apenas
mascarava a teoria clássica.
P.MARTEAU (La Notion de Causalité dans la Responsabilité civile, 154-159), pretendia que à teoria da
responsabilidade objetiva se faça a limitação concernente à consideração da pessoa. É alguma coisa como a
culpa, que intervém, não para ser condenada, porém como idéia de elemento subjetivo limitante.
E.PORCHEROT (De tAbus de di’oit, 136) conservou a idéia de culpa quando se exercem direitos indefinidos: a
liberdade, por exemplo. Quanto aos definidos, não. Para ser responsável basta ter ultrapassado os limites do seu
direito. É interessante ver-se que a teoria do abuso do direito procurou deslocar as velhas teorias gerais e
explicar, só por si, a responsabilidade civil.
Na confiança funda EMMANUEL LÉvY (Responsabilité et Contrat, Révue critique, 1899, 361-383) a sua
teoria de responsabilidade. É preciso que o lesado conte com o seu direito ou com a situação de segurança, que
o ato lesivo veio, insôlitamente, destruir. L. DUGUTT (Les Ti’ansformations du Droit privé depuis te Code
Napoléon, 139), E. TRIANDAFIL (L’idée do Paute et l’Idée do Risque comnte fondement de la responsabilité,
183-198), e E. BETrREMIEUX (Essai historique a critique aui’ te Fondoment de la Responsabilité civile en
droit français, 105 s.) reputaram insuficiente a doutrina da culpa.. Todos os três estavam de olhos fixos nos
acidentes de trabalho. Ubi emolumentuin, 114 anus. Todos reflexos tardos de dou--trinas alemãs do século
passado.
Certamente, a teoria da responsabilidade tem de variar. Muda, às vêzes, com o conteúdo do próprio conceito de
dano. Com as necessidade gnosiológicas, econômicas e políticas da. sociedade. A teoria teria de ser a do
momento histórico, porque, explicada a noção de responsabilidade, a teoria não seria matéria de ciência, mas
sim de técnica econômica política e jurídica.
Assim, nos nossos dias, já assistimos a mudanças radicais em matéria de responsabilidade. Individualismo:
princípio de independência dos indivíduos, atomismo social; se A procede com prudência, não é responsável.
Autonomia da vontade + culpa extracontratual teorias clássicas da responsabilidade civil. Transição:
intervenção da máquina; grande número de acidentes, calamidades nas classes operárias, movimentos de
revolta de classe; insuficiência do Estado para amparar os menores, as viúvas e os velhos. Maior atenção às
vítimas. ConseqUências-ensaios: mutualismo, responsabilidade por acidentes (interpretação semiclássica:
responsabilidade pela causa finatis, adágios como Eigenes Interesse, eigene Co falir, e Ubi emolumentum, ibi
ônus ; interpretação nova: responsabilidade objetiva, responsabilidade sem culpa). Solução científica:
responsabilidade social e individualização pelo dano.
O individualismo jurídico, para que, no campo das idéias, seja admissível, tem de justificar-se com o ideal da
realização pluralística, individual, da justiça: o dano sofrido por A deve ser ressarcido a A e, porque foi B que o
praticou, a E cabe ressarci-lo, se pode. Grifamos as duas últimas palavras> pelo fato de constituírem, por si sós,
a crítica ao falso ideal, que o atomismo político pretende, fundado em egoísmo, levar a cabo. O indivíduo
recebe o quanto da satisfação, se E pode pagá-la, isto é se tem haveres (quer dizer: se fôr rico ou> pelo menos,
abastado). Mas A precisa poder (isto é, ter dinheiro, independência) para eficazmente pleitear o que lhe é
devido.
O que, até certo ponto, afasta os graves inconvenientes de tal sistema irracional de organização jurídica, é a
ação da polícia preventiva, das sanções penais e dos costumes. Restaurar a ordem justa, o que era, tal o fim das
regras jurídicas do Código Civil, arts. 1.518; mas o ressarcimento, a policia e as sanções não conseguem manter
o que é e restaurar o que deixou de ser. Muitos casos concretos ficam escapos a tais expedientes adaptativos.
3.SUPORTE FÁCTIGO DA ILICITUDE ABSOLUTA. A derrelicção, como a denúncia, é negócio jurídico
(não a apropriação, a tomada de posse, como queria M. WLASSACK, Das Rechtsgeschãft und das Verhãltnis
der Willens zur Erklârung nach dem deutschen BGB.. Allgemeino õsterreich,ische Gerichtszeitung, 53, 72; cf.
Tomo II, § 159, in fino). A vontade do resultado é assaz importante para o negócio jurídico, dá o critério para o
conceito e a classificação (WILHELM FICCE, Der Begriff der Unwirksamkeit im SOB., 16; EL SPECKA,
Rechishandlung (im Gegensatz zu Rechtsgeschãft) nach. gomoinem Recht uM BOR., 33 s.). Mas a vontade
está, também, em atos jurídicos stricto sensu, em atos-fatos jurídicos, e em atos ilícitos e atos-
-fatos ilícitos. A ilicitude, todavia, pode derivar de fato “stricto sensu” ou de ato involuntário a que a lei atribui
irradiação de responsabilidade.
O suporte fáctico do ato ilícito absoluto, do ato-fato ilícito absoluto, ou do fato stricto sensu ilícito absoluto, é
composto de tudo que a regra jurídica sôbre indenização exige para que se considere como ilícito absoluto o
ato, o ato-fato ou o fato stricto sensu. O delito, que dá ensejo à reparação do dano, é delito, mesmo se a sua
eficácia se diminui, ou fica encoberta pela exceção de prescrição. Daí não ser correto dizer-se que o suporte
fáctico há de conter todos os pressupostos para a eficácia (sem razão, MAx Lunwrn MULLER, Zur Lebre vou
der Bedentung dos Kausalzusammenhanges im Straf- ind Schadensersatzrecht, 5). O que se passa no direito
penal (cf., por exemplo, ERNST HELINO, fie Lelire vom Ver~brechen, 145 s.) é típico, e não se pode
considerar, sempre, ilícito absoluto para o direito privado, pôsto que haja coincidências em grande número de
casos. Mas o suporte fâctico é o que mais importa, e não a eficácia, a despeito de se olhar mais a pena do que o
crime, mais o quanto indenizatório do que a fonte da dívida por fato ilícito absoluto.
Outro ponto que se deve frisar é o de não ser essencial
mesmo em direito penal, onde é quod plerumtjue fit o valor individual da determinação volitiva, como queria
GusTAV RADERUCII (Der Handlungsbegriff in seiner Bedoutung fiir das Strafrechtssqstem, 17). O que mais
importa é a causação, a que alguém está ligado (ou causa), para que o direito prevaleça, a função e a dignidade
da ordem jurídica. A causação pode existir sem que exista no sistema jurídica, como se A vai com uma faca para
ferir B e C, que vem passando, a toma e diz que A esbofeteie B, e A faz graves lesões em B (não há
responsabilidade de C, cf. LUDwIG TRÁGER, Dor Kausalbogrif 1 im Straf- uná Zivilrecht, 57; W. voN
BRÚNNECE, Die herrsch,ende Kau.saiitãtstheorie und ihro ,Stellung zum Reichsstra.fgesetzbuch, 17). Não
houve relação concausal: no exemplo, o fato de retirar a faca não é concausa do delito de A (sôbre a
concausalidade, cf. MAx ERNST MAYER, fie Kausalzwsarítmenhang zwisch,en Handlung und Erfolg im
Strafrecht, 14 s.). A lei pode fazer responsável aquêle mesmo que não pode contecer a causa, como se ignorava

.~> a]
que o seu cavalo se enfurecia com as experiências nucleares que o seu vizinho fazia (cf. XV. HEIN, Die
Vorleitung zum Vetragsbruch. nach, búrgerlichem Recht, 53 s.). O fim do ato pode ser tão social que se pré-
retire ilicitude ao ato, que seria ato ilícito absoluto (A. MírnexA, fio Formen der Strafschuld uM ihre
gesetzliche Regelung, 153), como o fim protectivo pode ser tal que se dispense o elemento da culpa.
No tocante a instigadores e cúmplices, a causação também há de existir, em princípio, com os elementos
distintivos da autoria. Mas a responsabilidade sem culpa, ou com presunção de culpa, por parte de quem tem o
edifício, a construção ou o animal, pode existir ao lado da responsabilidade com culpa dos incitadores e dos
cúmplices. Tanto mais quanto a ratio legis pode partir de distinção entre intenção e negligência, ou mesmo entre
negligência conhecida pelo próprio agente e negligência que êle desconhece (cp. A. LÓFFLER, Die
Schuldformen dos Strafrechts iii veruteiche d4istorigchor und dogmatiacher Darstellung, 6 5.); A. MIRICKA,
Die Formou der Strafsckuu und ihre pos etzliche Regeiung, 105 a).
Questão assaz interessante é a de se saber se podem concorrer na mesma espécie a culpa contratual e a
extracontratual. Praticamente a hipótese interessa à prescrição e à prova. Não se há de negar a possibilidade do
concurso das duas responsabilidades ex contractu e ex detido, quando o inadimplemento de contrato também
constitui crime, quer de ação publica, quer de ação privada, de modo que a parte pode intentar a ação do
contrato ou a do delito. Então, electa una via, non datur recursus ad alteram, quer obtenha, quer não o
ressarcimento, salvo se na sentença se reservam os direitos de promover noutro juízo, ou se o mau êxito foi de
origem exclusívamente processual.
Se o fato culposo não constituí crime, é somente contratual a culpa. Se não constitui inadimplemento contratual,
pôsto que cometida a falta na ocasião do contrato, é só Aquiliana a culpa. Exemplos de dupla culpa: a) incêndio
propositadamente ateado pelo inquilino, b) abuso de fôlha de papel assinada, e) fraude do vendedor, d) lesões
no operário ou locador de serviços. Em todos êsses casos há o damnum injuria datum, mas também a ação ex
contraem. Convém notar-se que a real-lição não fica dependente de alternativa; o que dela depende é o
ressarcimento, que há de ser por uma das vias: ex contraciu, ou ex delicto; e nunca por ambas. Bona fides non
patitur, ut bis idem exigatur.
Mas o fato de haver proposto qualquer ação, quando dupla a culpa, e ter sido ressarcido o dano ao lesado, não
obsta á ação penal, que deva promover o Ministério Público (L. 48, § 1, D., de diversis regulis juris antiqui, 50,
17; L. 34, §§ 1 e 2, D., do •obligationibus et actionibus 44, 7; L. 38, § 1, L. 43 e 47, pr. O., pro socio, 17, 2; L.
17, pr., O. de dolo maio, 4, 8; L. 1, § 10, e L. 4, O., do lãs, quj effuderinm, vel deio~.corine, 9, 8).
Pode o juiz achar que não existem os elementos da culpa contratual, e os haja da culpa ex detido, e ineficaz foi
a eleição; é a própria justiça que nega o concurso e sem o concurso, não poderia haver alternativa, nem opção.
Nos contratos ferroviários é difícil distinguir-se da culpa extracontratual a culpa contratual no caso de perigos e
danos durante .as viagens.
É sempre civil a ação de ressarcimento do dano? Não pode ser comercial? A afirmativa tem conseqUências
práticas de grande interesse, como a prescrição. Ao versar a questão, escrevera Groaaxo Gionor (Teoria deite
Obbligazioni, V, 230):
‘Quando de elementos de natureza comercial se constitui o fato ilícito, toma caráter comercial a culpa; mas
parece que tal transformação não se pode dar, sem ser por efeito de alguma cláusula contratual. Então é mais
acertado dizer-se que não se deve falar de delito ou quase delito, mas de culpa contratual”. Não há pretensão
comercial a ressarcimento de danos. A ação é sempre civil, salvo se há, na espécie, publicização.

§ 5.500. Abuso do direito

1. REGRAS JURÍDICAS A RESPEITO. Quanto ao abuso do direito, o que primeiro se impõe é compararem-
se os três códigos : o Código Civil alemão, § 226: “O exercício de um direito é inadmissível, se só tem por fim
causar dano a outrem”;
o Código Civil suíço, art. 2, 2a alínea: “O manifesto abuso do direito não encontra proteção jurídica”; o Código
Civil brasileiro, art. 160: “Não constituem atos ilícitos: 1. Os atos praticados no exercício regular de um direito
reconhecido”.
No direito alemão, o fim lesivo; no suíço, o caráter de manifesto abuso do direito. Ali, tira-se a admissibilidade;
aqui, a proteção jurídica. Prevalece a máxima qui suo iure utitur, nentine laedit. O que se exclui é o amparo pela
justiça (A. REICHEL, Einleitung, Kommontar zum Schweizerischen Zivilgesetzbueh,, 1, 11). Contra o
exercício de direito sem boa fé, há a exceção do dolo’ e a de abuso do direito (MAX GMÚR, Kirttoitung,
Kommentar zum Schweizerischen Zivilgesetzbuch, 1, 55). No direito alemão, o que importa é o fim. Não se
entra na indagação psicológica de ser o único fim o de lesar, pois as circunstâncias podem apontá-lo como tal.
Mas não basta que seja o principal (G. PLANCK, Kommentar zum Bitrgoriiehen Gesetzbuch, ~, 4•~ ed., 563;
outra opinião, E. HÓLDER, Konvmontar zum All.qemeinen TeU des SOB., 457; F. ENDEMANN,
Lekrbuch. des Buirgeriichen Redds, 1, 422, 10; B. MATTHTASS. Lehrbuch des Buirgorlichen Rodfts, 1, 158).
O dano a que se refere o § 226 não é só material; também se compreende como inadmissível o uso do direito
que ofenda a interesses imateriais (E. GOLDMANN u. L. LILIENTRAL, Das Bhirgerliche Geseizbuck, 1, 276;
MAx HACHENBURG, Das 8GB., Vortràge, 71: CARI.. CROME, System des deutschen búrgerlioken Rechts,
1, 530; E. HÓLDER, Komrneníar zum Aligemeineu TeU des 8GB., 458).
No direito brasileiro, diz o Código Civil, art. 160, 1, que não constituem atos ilícitos os praticados em legitima
defesa ou no exercício regular de um direito reconhecido”. Preferiu-se a forma negativa: em vez de se dizer que
o abuso dv direito não é admissível (Código Civil alemão, § 226), ou que deixa de ser protegido pela justiça o
exercício abusivo (Código Civil suíço, art. 2, 2~a alínea), pré-excluemse dos atos ilícitos os atos que constituem
exercício regular. O irregular é, pois, ilícito. Desde logo observe-se que a expressão “direito reconhecido” não
foi feliz, porque, se há reconhecimento, há alguém que reconheça, e não se há de interpretar que êsse alguém
seja o próprio titular, ou o público, nem, tão-pouco, que o terceiro ameaçado de exercício irregular do direito
tenha de reconhecer. Reconhecer é manifestar conhecimento. O exercício há de ser regular; o direito, êsse, há
de existir. Só isso é que se há de exigir. O próprio lesante pode ignorar que o direito não existe; exercendo-o e
lesando a alguém, tem de indenizar. O lesado, que acreditava existir o direito, diante, por exemplo, de alegações
e dados, talvez falsos ou não-invocáveis, que lhe apresentou o pretenso titular, ou alguém por êle, tem ação pela
indenização dos danos sofridos.
Repugna à consciência moderna a ilimitabilidade no exercício do direito; não nos servem mais as fórmulas
absolutas do direito romano. Ao neminem iaedit qui suo iure utitur consagrou a jurisprudência européia
limitações importantes, que chegaram ao conceito final do abuso do direito. Já a doutrina alemã, firmada em
precisa concepção germânica, declarava que todos os direitos implicavam deveres e continham, pois, algo de
indilatável; donde o limite moral inerente a todos (OTro VON GIERRE, Der Entwurf cines 8GB. und das
Deutsche Recta, 183; Deutsches Privatrechi, 1, 319-320). Talvez tivesse razão quem apontou tal teoria como
exemplo de reação das idéias sociais e econômicas sôbre o direito, de modo que tende a tornar-se dever o
direito subjetivo (Z. M. PERIT5CH, Die gegenxvã.rtige Richtung der privatrechtlichen Studien in Frankreich
und Deutschland, Bliitter flir vergíeichende Retidawissonsohaft und Volkswirtsckaft, II, 376 s.), o que
confirmaria idéias de AUGUSTO CoMm; mas, precisamente, o que se deu foi a evolução dos processos
individualistas de justiça, criando-se a solução que se devia dar nos casos de colisão de interesses, assegurados,
cada um de per si, pelo direito.
Cientificamente, todas as relações jurídicas são, especificamente, relações de adaptação. Não podiam, pois, ser
absolutamente rígidas. Como concebemos o mundo qual conjunto de átomos, que se condicionam, temos de
considerar o mundo jurídico como conjunto de relações jurídicas, de direitos. A coincidência da imagem é
fecunda, porque em todo átomo há o elemento negativo e o positivo. Se são relações de adaptação as relações
de direito, se, entre si, todas se tocam, ou podem tocar-se, não seria concebível que, sendo relações adaptativas,
não se conciliassem. Não quer isso dizer, como pareceu a RAYMOND SALEILLES (De la Personaiité
juridique, 542), que o abuso do direito constitua o corretivo indispensável do direito subjetivo. Não se trata de
corretivo aos direitos subjetivos, mas de situação de existência dêles. O individualismo, querendo engendrar a
ilimitação dos direitos subjetivos, a existência dêles como autônomos e sós, criou o que não entrava nos seus
planos: a relatividade de todos êsses direitos, concebidos pelo atomismo social, que está na doutrina
individualista.
Do absolutismo, não como reação, pois a reação seria a negação do direito subjetivo, porém como
conseqUência, surgiu a doutrina do abuso do direito. Tal doutrina não deriva de reações ao individualismo; é
efeito do regime indiviualista. Se todos têm, de per si, direitos, se o espaço A pode ser preenchido pelo
exercício de mais de um direito, é de mister que se regule essa possibilidade de relações entre direitos. A
doutrina do abuso cio direito constitui, portanto, a teoria (individualista) das relações entre direitos individuais.
~Socializa-se, com isso, o direito? Não; conhece-se melhor o aparelho individualista e procura-se prover a
casos que, inicialmente, antes do individualismo, não se manifestavam tão importantes. O que, então, cumpre
fazer-se, é regularem-se as relações recém-conhecidas, isto é, essas relações entre direitos. Como regulá-las? Os
críticos divergiram. Pode-se resolver a parte subjectiva.
Pergunta..~: ~ O abuso do direito, sem fim 1h-cito ou sem fim de prejudicar, pode ser tido como sempre
admissível? Responde-se: ou a) “Sim, porque só a intencionalidade maliciosa o infirma”; ou b) “Não, porque,

.~> a]
ainda sem 6 a malícia, se fôr manifesto o abuso do direito, não pode ser protegido pelo direito”, ou e), entre
outras 6 soluções possíveis, “A atribuição de um direito leva consigo a condicionalidade:
nao ofender o direito dos outros” (a parte objecti). O que é certo é que o direito só tem significação
pelo contacto com outro; como a superfície depende da outra que a limita. Qual o melhor critério? O critério a.
parte subjecti veria no fim, na vontade, na intenção nocente, o que constitui e denuncia o abuso do direito. Ésse
não é, nem o critério da lei suíça, nem o da brasileira. Aquela optou pela objetividade manifesta; essa, pela
irregularidad0 mesma do exercício. São ambas partidárias de soluções objetivas. A alemã preferiu referir-se à
intencionalidade e à ofensa aos bons costumes.

2. DIREITO ROMANO. Diz-se na L. 1, § 12, D., de aqua et aquae pluvute arcendae, 39, 3 (Ui~i.u~o):
“Denique Marceilus scribit cum eo, qui in suo fodiens vicini fontem avertit, nihil posse agi, nec de dolo
actionem: et sane non debet habere, si non animo vicino nocendi, sed suum agrum meliorem faciendi id fecit”.
O proprietário pode abrir sulcos no seu prédio, prejudicando as fontes do vizinho, mas, se o faz para melhorar o
seu e nao com o ânimo de prejudicar o outro. Era, como se vê, o princípio do absolutismo jurídico, com a
exceção restrita ao dano intencional. (Sôbre a L. 1, § 12, há velha opinião acolhente, que se assentava em
doutrina e antiga jurisprudência francesa, cf. C. DEMOLOMBE, Cours de Code Napoléon, 11, 82, aliás contra;
E. PORCHEROT, De tAbus du droit, 215; Louís JoSSERAND, De tAbus des droits, 44.)
Lê-se na L. 2, § 9 (PAULO) : “Idem Labeo ait, si vicinus flumeu torrentem averterit, ne aqua ad eum perveniat,
et hoc modo sit effectum, ut vicino noceatur, agi cum eo aquae pluviae arcendae non posse: aquam enim arcere
hoc esse curare, ne influat. quae sententia verior est, si modo non hoc animo fecit, ut tibi noecat, sed ne sUfi
noceat”. Também nesse caso, havendo inundação, se as obras do proprietário do prédio invadido ofenderem ao
do vizinho, não terá êsse a ação aquae pluviae arcendae; salvo se feitas, não para impedir danos ao seu prédio, e
sim para lesar o outro. Pura concepção intencionalista do abuso do direito.
Também a lide temerária constituía, às vêzes, abuso de direito.
A regra jurídica é que o exercício do direito não cria responsabilidade, mesmo se prejudica ou se causa danos;
nem se pune: “Nuílus videtur dolo facere qui iure suo utitur. Qui jure suo utitur neminem laedit”. “Nemo
damnum facit, nisi qui id fecit, quod facere ius non habet” (L. 151, D., de diversis regulis iuris antiqui, 50, 17).
“Non videtur vim facere, qui jure suo utitur et ordinaria actione experitur” (L. 155, § 1). “Nihil dolo creditor
facit, qui suum recipit” (L. 129, pr.). Na L. 26, D., de d,amno injecto a de suggrundis et projectionibus, 39, 2,
lê-se: “Proculus ait, cum quis iure quid in suo faceret, quamvis promisisset damni infecti vicino, non tamen eum
teneri ca stipulatione: veluti si juxta moa aedifica habeas aedificia eaque iure tuo altius tolías, aut si vicino tuo
agro cuniculo vel fossa aquam meam avoces: quamvis enim et hic aquam mihi abducas et illic luminibus
officias, tamen ex ea stipulatione actionem mihi non competere, scilicet quia non debeat videri is damnum
facere, qui eo veluti lucro, quo adhuc utebatur, prohibetur, multumque interesse, utrum damnum quis faciat, an
lucro, quod adhuc faciebat, uti prohibeatur. mihi videtur vera esse Proculi sententia.”
Disse PRÔGULO que, se alguém faz algo no que é seu, mesmo se prometeu a respeito de dano que ameaçava,
não está vinculado a estipulação. Por exemplo, se junto dos novos edifícios tiveres edifícios e os elevasses mais
altos em uso do teu direito ou se levasses a campo vizinho tua água, que é minha (aquam meam), com um
conduto subterrâneo ou por um canal. Porque, a despeito de nesse caso me tirares água, e no outro prejudiques
as minhas luzes, não me compete ação pela estiuulaçio. Não deve parecer que sofre dano aquêle a quem se
impede lucro que até agora desfrutava, e há muita dieferença

entre quem sofre dano e aquêle a quem se veda colher o lucro que até então colida. ULPIANO reputava certa a
opinião de PRÓCULO.
Os titulares do direito gozavam, pois, de regra geral de imunidade. Era a fase que chamaremos do
individualismo teórico, antes de se exercitar completamente, antes de havermos olhado e visto as suas lutas
íntimas, as suas colisões resolvidas de interesses, as suas contradições e choques entre direitos. Só depois e por
isso mesmo que se praticou o individualismo feroz, foi que o legislador no sentido geral de criador de soluções
jurídicas teve de ressalvar certas situações e iniciar, casuística e, mais tarde, aprioristicamente, a teoria do
abuso do direito. Na sua primeira fase, tinha de ser subjetivista. O direito romano vedava que se exercesse o
direito só para prejudicar a terceiro. Repugnava-lhe tal exclusividade nocente do exercício. Às vêzes como se
deu no caso do fumo impôs reparações. Era a pura casuística. Com QUINTUS Mucius SOAEVOLA,
introduziram-se as noções de uso normal e de uso anormal. ULPIANO e JAVOLENO parecem precursores de
certas doutrinas. Mas o direito romano não tinha doutrina geral senão a do absolutismo jurídico; as exceçoes
não cabiam em princípio consistente.

3. DOUTRINA MUÇULMANA. Na doutrina muçulmana pergunta-se: se o vizinho, sem ter feito abertura nos
muros, eleva de tal modo a construção que me priva do sol, que antes entrava em minha casa, e da brisa, que me
refrescava a habitação, queres tu que tenha eu o direito de impedir a construção, pois que me priva de tais
vantagens? “Não”, responde IBN AL QASEM (Ei moda ouanah, 719-806); cf. MAHMOUD FATHY (La
Doctrine de I’Abw9 des droite, 197), “por essas razões não é possível a proibição. Mas impedir-se-á se quer
abrir buracos que lhe permitam ver o que se passa em minha casa. fl isso o que se lhe interdiz, e então se pode
dizer: Feche-as !“.

4. DIREITO PENINSULAR E LUSO-BRASILEIRO. No direito das Partidas há limitações e regras jurídicas


implícitas: a da propriedade, diz-se, por exemplo, que é “sefiorio de la cosa, y seflorio es poder que orne ha en
su cosa de facer della o em elIa lo qui quisiere, segun Dios e segun fuero” (Partida 3•a, TiL 38, ley 13). “Dios”,
ai, é a moral, a eqúidade. Mas prevalecia a velha regra; tanto assim que lhe encontramos, debaixo da epígrafe
“Como non faze injuria a otro quien usa de su derecho”, a declaração (Tit. 34, ley 14, Partida L~)
“E aun dixeron los Sabios: que non faze tuerto a otro, quien usa de su derecho”. Cf. J. CALVO SOTELO (La
Doctrina dei Abuso dei Derecho, 51).
5. Discussões DOUTRINÁRIAS . Para a maioria dos homens, os direitos aparecem como o que êles podem
fazer, cobrar, exigir. Têm das situações jurídicas em que se acham, ou em que se acha alguém, impressão de
projeções do eu. O mundo é organizado de tal forma que êsses direitos, bilhões de direitos numa só cidade a
propriedade dos prédios, dos móveis, das jóias, as notas promissórias, as ações, o ordenado, a entrada dos
teatros e cinemas se lançam, se cruzam, sem que nunca se choquem, ou se firam. Dificilmente se compreende
que haja embaraços ao exercício dêles, entre si. Por que haviam de não coexistir, confortavelmente , sem se
tocarem, o meu direito de autor e o direito dos outros às suas casas, ao seu quintal, à eletricidade que os serve?
Por aí se chega à concepção absolutista, atômica, dos direitos subjetivos. Nenhum depende do outro; nem
ofende o outro. Movem-se, convivem, sem nunca se encontrarem. Ainda dos direitos dos condôminos, dos
compossuídores, dos sócios, tem-se idéia pluralística, que não chega a ser, molecular. Linhas. Não mais do que
linhas. E sem que uma atravesse a outra, ou a corte. O egoísmo humano encontra em tal noção da vida jurídica
a imagem que mais lhe agrada. O indivíduo como que se libera nesse infinito de órbitas, de trajetórias coerentes
e inflexíveis. Assim seria o mundo jurídico. Aqui e ali, uma ou outra limita çdo dos direitos, mas feita pela lei.
Os juristas logo a inserem nas definições, nos efeitos, nas modalidades. E os direitos como que se retraem, para
que se não tenha a impressão da restrição, do corte.
Mas o mundo jurídico não é assim. Nunca foi. Os direitos topam uns nos outros. Cruzam-se. Molestam-se. Têm
crises de lutas e de hostilidades. Exercendo o meu direito, posso lesar a outro, ainda se não saio do meu direito,
isto é, da linha imaginária que é o meu direito. A regra *Nento injuria faeit qui jure suo utitur traduziu bem o
que pensam os que vêem nos direitos um absoluto.
Há limites aos direito3 e há abusos sem traspassar limites. Não se confundam limitação aos direitos e reação ao
abuso do Direíto. Quando o legislador percebe que o contôrno de um direito é demasiado, ou que a força, ou
intensidade, com que se exerce, é nociva, ou perigosa a extensão em que se lança, concebe as regras que o
limitem, que lhe ponham menos avançados os marcos, que lhe tirem um pouco da violência ou do espaço que
conquista. Não era sem certa razão que os juristas passavam a incorporar ao conceito, diga-se assim, a própria
restrição. Se faço vir mais para trás a cêrca do meu quintal, ou construo muro aquém do que havia, o meu
quintal é o que fica entre os outros lados e a nova cêrca, ou o nôvo muro. Mas, em verdade, a concepção
absolutista tomava a atitude corretiva a fim de continuar com a mesma visão dos direitos: sêres que vivem por
si, sem peias, dentro dos seus próprios limites. A limitação deformou o conceito primitivo. O historiador do
direito vê bem o que se passa: a contração morfológica, a plasticidade, o forçar-se a relação jurídica a
esgueiramentos sinuosos. Não se trata de conformações, mas de deformações .
O mundo dos interêsees é mais largo que o mundo dos direitos e deveres, O direito apenas cobre parte ínfima
da vida. O resto ou pertence à liberdade, ou cai sob o dominio compressivo do arbitrário governamental. A
civilização cresce fazendo maior o número de interesses protegidos sem opressão, deixando livres a ação e o
pensamento humano e submetendo a princípios a própria discrição administrativa, pela adoção de pautas,
planos e responsabilizações Muitas vêzes o exercício do direito de uma pessoa toca o direito ou o exercício do
direito de outra. Conhecem-se casos em que, convergindo na mesma pessoa dois direitos em sentido contrário,

.~> a]
se dá a confusão; Ou, se a contrariedade é inábil para produzi-la, ocorre a inutilidade do exercício (pedir A a
falência da companhia em que tem grande número de ações).
O estudo do abuso do direito é a pesquisa dos encontros, dos ferimentos, que os direitos se fazem. Se pudessem
ser exercidos sem outros limites que os da lei escrita, com iii diferença, se não desprêzo, da missão social das
relações jurídicas, os absolutistas teriam razão. Mas, a despeito da intransigência dêles, fruto da crença a que se
aludiu, a vida sempre obrigou a que os direitos se adaptassem entre si. no~ plano do exercício.
Conceptualmente, os seus limites, os seus contornos, são os que a lei dá, como quem põe objetos na mesma
maleta, ou no mesmo saco. Na realidade, quer dizer quando se lançam na vida, quando se exercitam técnica de
coexistir, têm de conformar-se uns com os outros.
Quem quer que examine a evolução do direito romano, vê que essa se descreve no sentido de quebrar-se o
absoluto dos direitos . Alguns anotam o caminho que vem do direito estrito à eqúidade . Outros poderiam
apontar certo Lencor à polícia dos direitos. Sociologicamente , o que se passa é o reconhecimento dos fatos da
vida pelo jurista, depois pelo próprio legislador. GAIO não inovava; observava, discernia, quando proclamou:
“Male enirn nostro iure uti non debernus”. Não devemos mal-usar do nosso direito. Mal-usar. Note-se o que há
de qualitativo, d’e ético, nesse “male”. Por aí chegou o o jurista à justificação de se interditarem os pródigos e à
proibição do maltrato dos escravos. Não havendo teoria geral, regra escrita sôbre o abuso do direito, conquista
recente, o entrechoque deu ensejo a que outras regras se dilatassem e outros direitos surgissem. Direito e moral
andam parelhas. CELSO define aquêle em termos dessa: “lus est ars boni et aequi”; e PAULO explica que “Non
omne quod licet honestum est”. Frases significativas.
Quando se alastra o intelectualismo frio da escolástica, o absolutismo dos direitos reponta. A Idade Média crê
nos direitos que se estendem, como espadas, e em superposições que os levam a paralelismos de vitrais. Quase
se chega a esquecer qualquer brocardo que lembre o “Summum ius summa iniuria . Mas a Renascença vem.
Falha num país, vence noutro. De qualquer modo, as rigidezas se arrebentam, cedem. Ora mais, ora menos. No
século XVI, diz Gu~ COQUILLE: “Donc, nos coutumes sont notre vrai droit civil; et sur ceiles faut raisonner et
interpréter ex bona et aequo, ainsi que faisaient les jurisconsuítes romains sur les bis et édits: et faut dire quod
fit ars bani et aequi, et non pas une officine de subtilité et rigueur...” Uma oficina de sutileza e de rigor... No
século 1 XVII, BASNAGE, no prefácio do Traité des Hypothêques: ‘X.. ii y a quelquefois de l’inj ustice à
vouloir être trop j uste, summuin jus suinina injuria. Sous prétexte de s’attacher à l’esprit de la lol dans toute sa
rigneur, l’on s’eloigne aisément de l’équité qui est naturellement contraire à cette justice infléxíble qul .ne
pardonfle rien...” No s&ulo XVIII, em Portugal, o Aviso de 19 de junho de 1759 e o Alvará de 25 de junho de
1760, § 20, diziam que a eqúidade é sempre do “ânimo” e “intenção” do Soberano.
Com as codificações, nôvo regresso aos direitos resistentes. As codificações ossificam, dão rigeza oficial e
arquitetônica às leis. O primeiro pendor dos comentadores é para a exegese literal, ou a distribuição das regras
em proposições coerentes, lógicas, que nunca se podem atacar entre si, nem, sequer, premir. Compreende-se
que, após elas, tenha havido pouca margem para se cogitar do abuso do direito. Cresce de ponto o que dissemos
quanto às codificações do século XIX, frutos imediatos ou retardados da época revolucionária, ou do seu
individualismo pontiagudo. A renovação jurídica que se operava, no terreno político, precisava de noção
absolutista dos direitos subjetivos para se erguer contra o absolutismo do antigo regime.
Quando, no comêço do presente século, MARCEL PLANIOL,L.BABDE, A. ESMEIM e outros se põem em
atitude hostil à teoria do abuso do direito, ainda representam a mentalidade que presidiu à leitura do Code
Napoleón. Os inimigos da teoria do abuso do direito são os que vêem nas leis regras abstratas, duas <Dura lez
sed tez), cargas de fôrça atributivas & situações jurídicas subjetivas absolutas (*Nenninem laedit qu~ suo jure
utitur), isto 4, os que buscam o fundamento para regular o bom e o mau social, não nos fatos e resultados, mas
nas intenções, nas culpas.
Os que apoiam a teoria derivam de outras correntes: a) dos que discernem nas leis a “iniciativa” de regrar, por
parte do legislador, e o que se lhes junta com a realidade da vida, com as outras leis, com os outros fatos; 70 a
dos que sabeni ser os direitos subjetivos linhas que avançam, porém não podem cortar, esmaecer, as outras
linhas (relatividade das situações jurídicas, dos direitos) ; e) a dos que pedem e esperam das leis servir à vida,
guiar os fatos, em vez de encaixá-los, de violentá-los, de destruí-los. Logicismo, individualismo, subjetivismo;
investigação científica, critério social, objetivismo.
Em França, nos primeiros anos do século, o conceito de abuso do direito suscitou fina controvérsia. De um
lado, RAYMOND SALEILLES, J. CHARMONT, L. JOsSERÃND. Do outro, MARCEL PLANIOL, L.
BARDE, A. ESMEIN. Investiam êsses contra a novidade, que punha em risco a ordem e a paz jurídicas (2).
Falavam de dentro da tapeçaria dogmática dos direitos a linhas certas, se não paralelas, livres de todo embate.
Não viam quanto era velha a pretendida inovação, nem viam a função social, adaptativa, conciliante e de justiça
viva, que a teoria carreava às relações entre os homens. Aquêles tateavam, mas na boa pista, para colhêr, fixar, o
fundamento da proibição dos exercícios abusivos. Raramente se pode observar, em só cinquenta anos, a
evolução do pensamento, na reconstrução de um instituto. Desce-se aos alicerces. Sonda-se por todos os lados e
escaninhos. No fundo, era a pesquisa do adjetivo exato, que se havia de juntar à palavra exercício
Um dêles era excelente, como qualificação provisória: abusivo. Tudo estava em se saber o que se entenderia por
êle, qual o seu conteúdo preciso. Quando se perguntava: “~ Qual o abuso do direito que se não permite?”, em
verdade se inquiria da significação de abuso. Todo o material que se juntou, toda a discussão que se promoveu,
todas as acomodações que se tentaram, não tiveram outro fito que o de se definir o “abuso”, que o de se achar o
sinônimo mais preciso de “abusivo”, mais explícito do que êle.
A expressão “abuso de direito” é incorreta. Existe “estado de fato” e “estado de direito”; porém não “abuso de
fato” ou “abuso de direito”. Abusa-se de algum direito, do direito que se tem. O Código de Processo Civil fala
de “abuso de direito”, expressão que aparece em certos juristas desatentos à terminologia científica e
indiferentes à sua exatidão. “Abuso do direito” é que é. Recebemo-las dos livros franceses, em que se usa “abus
du droit”. Assim, o livro de E. PORCHEROT, De 1’Ábus diz droit, 1901. O artigo de 3. CHARMONT,
publicado em 1902 na Révue trimestrielie de Droit civil, intitulava-se “L’Abus du droit”. RAYMOND
SALEILLES, no tiude de .sur la Th.éOrie pénérale des Obligations, cuja 2•a edição saiu em 1901, empregou
“abus de droit” (pág. 370, nota 1), mas sem seguidores. L. JOSSERAND deu ao seu livro, aparecido em 1902, o
titulo de De tAbus des droits. L. CAMPION teve o mesmo procedimento com o seu La 2’kéorie de tAbus des
droits. CÊzAJi-BEu e MORIN, nos Anuales de l’Université d’Ais, 1906, escreveram artigo sobre “La faute, le
risque et l’abus du droit”. Em teses, R. BuTTIN fala de L’Usage abusif du droil, 1904; L. SALAN5ON, De
l’Abus da droit, 1903; L. REYNAUD, L’Abus da droit, 1904; Cortoí, La Th,éorie de tAbus da dro ii, 1910; C.
DOBROVICI, De tAbus de droit, 1909; A. BARDESGO, L’Abus da droit, 1913;
2. ROUSSEL, L’Abus da droit, 1914.
Na Itália e em Espanha, igualmente (e. g., G. Nom SÀitDEONA, L’Abnso dei derecho, 1907; TEDEsÇRI,
L’Abuso dei diritio, 1912; Josfl CALvo SOTELO, La Doetrina dei Abuso dei derecho, 1917; JosÉ F. L.
CASTIGLIONE, El Abuso dei derecho, 1921). Artigo em francês, publicado na revista Zeitschritt fúr
sehweizerisches Redil, em 1905, por ALFRED MARTIN, mostra que cedo se falou de L’Abus da droit et l’acte
ilticite.
Há também, ao longo do tempo, a linha de evolução do conceito. O abuso do direito, para os juristas romanos,
dependia da “malícia”. Pelo menos essa era a regra. Depois, supunha o ato contrário à função mesma do direito
exercido, bastando a intenção ou a consciência do desvio. Mais tarde, esvaziado de todo elemento psicológico,
o conceito fêz-se mais ligado à vida social que à projeção mesma dos direitos: é suficiente que o exercício do
direito se desvie. Por outro lado, de princípio que apanhava alguns direitos, e não todos, passou a certa
generalidade que o tornou teoria, no sentido exato. Já então pôde entrar nos Códigos; e entrou. O abuso do
direito de que se fala no Código de Processo Civil é o abuso do direito público (subjetivo) de demandar, o
abuso da “ação” (e da exceção), o abuso do remédio jurídico processual ou de atos processuais. O art. 8.0 do
Código de Processo Civil aplica-se ao autor, ao reconvinte, ao embargante terceiro, ao interveniente e ao que
usou do direito de embargar, ou de apelar, ou de agravar, sem ter sido autor ou réu na ação. A todos aquêles que
pediram ao Estado a prestação jurisdicional ou, usando de direito processual, a perturbaram; e. g., o simples
assistente.
Oabuso do direito, ou da pretensão, ou da ação, ou da exceção de direito material, é outro conceito. Não é êsse
o abuso do direito a que se refere o Código de Processo Civil, art. 3.0, parágrafo único. Dêle tratou o Código
Civil, art. 160, ~, 2~a parte (cf. Tomos II, §~ 185 e 190, 2; IV, § 462, 2, e 459, 2, 7; VI, § 658; VII, § 748, 7; XI,
§ 1.168, 4; Xli, § 1.617;.XVII, § 2.095, 3).
A hostilidade à noção do abuso do direito chegou, no Brasil, a revelações interessantes. Assim, a ga Câmara
Cível da Côrte de Apelação do Distrito Federal (21 de novembro de 1930, R. F., 51, 275) não hesitou em
considerá-lo “incompreensível reunião de palavras antagônicas”. Influência perniciosa de MARCEL
PLANIOL, ainda depois do Código Civil, art. 160, 1, conforme se vê do acórdão da mesma Câmara, a 9 de
abril do mesmo ano (A. 1., 28, 33: ‘¾.. uso abusivo do direito que com todo critério PLANIOL classifica uma
logomaquia, pois cusn; usa de seu direito pratica um ato lícito”, “se comete um abuso, age sem direito, e pratica
assim um ato ilícito”).

6.DIREITO BRASILEIRO. No direito brasileiro adotou-se fórmula que, a despeito de ser um tanto misteriosa,

.~> a]
na aparência, sem que, na essência, o seja, é a que mais corresponde aos hodiernos reclamos do sentimento e da
mentalidade liberal e democrática, em sua vigente conciliação com o capital.
Para justificar o que dizemos, não temos meios melhores do que reproduzir o trecho de J. CHARMoNT (Le
Droit e l’EspKt démoeratique, 172) que se segue e merece lido com toda a atenção: “11 est vrai qu’on peut sans
connaitre la loi avoir le sentiment du Droit; mais ce sentiment est en réalité beaucoup moins commun qu’on no
le croit. Bien des gens irteFigerts, dévoués, généreux, charitables, en son tout à fait dépourvus. Par example, ils
ne pourront pas tolérer un acto blâmable ou dangereux sous prétexte que celui qui l’a fait a simplement usé de
son droit. C’est pis encore si 1’exercice de c~ droit las atteint dans leur intérêt. A mon sens, c’est là le véritable
criterium. De même que le libéral est avant tout celui qui est soucieux de la liberté des autres, de même,
c.elui-là a le sentiment du droit qui reconnait le bien fondé d’une prétention adverse, sait avouer qu’une
personne peut avoir raison à son préjudice”. Ora é justamente o que se estatui na lei brasileira: a) o
reconhecimento da possibilidade de prejuízo, mas havendo razão de quem o causa; 6) a ressarcibilidade do
dano quando, ainda no exercício do direito, não devesse causá-lo o titular (exercício irregular).
O exercício do direito não é só a efetivação do direito em relação a outros; é também toda efetiva realização do
conteúdo do direito (tatsàchliche Verwirklichung des Rechtsinhalts.) A efetivação pode ser judicial ou
extrajudicial, indiferentemente. Pode exercer direito o que veda ato de outrem. Assim, na Apelação Cível n.
2.400, decidiu o Supremo Tribunal Federal, a 25 de abril de 1925: “Não podia, nem devia a ré consentir na
pretendida passagem de nível, já por ser perigosa a passagem dos trens, já porque o autor não cumpriu como
legalmente lhe exigiu a ré, o dispositivo do art. 13 do Decreto n. 1.930, de 26 de abril de 1857, que dispõe o
seguinte: “As vias públicas que se abrem depois da concessão de uma estrada de ferro, poderão atravessá-la
superior ou inferiormente, ou, quando fór absolutamente dispensável, ao nível, contanto que não lhe imponham
o ônus das obras necessárias, nem qualquer outra pessoa. Os cruzamentos ao nível não se poderão estabelecer
sem o consentimento expresso da administração da estrada de ferro, de cujas decisões haverá o recurso do
artigo 6.0”. Assim, pois, embora tivesse o autor provado a posse jurídica no local da lide, não teria provado
turbação alguma por parte da ré, que está procedendo de acôrdo com o direito que lhe confere êsse artigo 18.
Ora, qui jure suo utitur neminem laedit: ergoque non turbat”.
A eficácia do direito quer no tocante às pretensões quer no tocante às ações e exceções, quer no que concerne
ao exercício fáctico (e. g., colheita de frutos) é o que importa. Daí ter-se falado de “efetiva realização do
conteúdo” (“conteúdo” está, aí, em vez de eficácia). A irradiação dos direitos não se limita às pretensões, ações
e exceções; há efeitos que enchem o exercício fáctico (sem razão, RUDOLF BLÍIMNER, fie Lehre von
bàswilligen Reehtsinissbrauch. [Chikane] nach. gemeinern. Recht und nach dem Reeht des BGR., 158 s.).
t lícito todo exercício regular do direito. ~ irregular o que ofende interesses, quer se trate de interesses materiais,
quer de interesses imateriais. Demos exemplo, tirado da jurisprudência. Nos térmos do Decreto n. 2.475, de 18
de março de 1897, art. 73, d), disse-se que compete à Câmara Sindical dos Corretores: “Autorizar, proibir e
suspender a negociação e a cotação de qualquer valor, com exceção dos títulos da divida pública federal,
estadual e municipal, e dos estrangeiros, que só serão admitidos à cotação por ato do Ministro da Fazenda”. No
uso dessa atribuição podia a Câmara Sindical exigir de tOdas as sociedades emissoras de títulos negociáveis na
BOlsa os esclarecimentos e documentos, que reputar precisos para a inclusão de tais valOres no boletim de
cotações”. Nisso não há limitação, nem lhes fizera a Lei n. 354, de 16 de dezembro de 1895 (Aviso do
Ministério da Fazenda de 5 de março de 1898). Ora, no art. 89 do Decreto n. 2.475, fui disposto que a Câmara
Sindical responde civilmente pelos prejuízos resultantes da admissão à cotação de títulos, debêntures,
irregularmente emitidos, ou se não foi realizado o capital exigido nas leis, para que as suas ações sejam
negociáveis. Se a Câmara nega, fundada em razões de direito, não é responsável pelos danos (Supremo Tribunal
Federal, 14 de dezembro de 1918).
(A expressão “abuso do direito” compreende qualquer exercício irregular, inclusive por ato negativo. Dai ter-se
de afastar a expressão “uso abusivo do direito”, que seria demasiado restrita, não só porque fôsse logomáquica,
como disse JosÉ F. li CÁSnOLIONE, El Abuso dei derecho, 18, mas porque onde há abuso não há direito, O
uso não é compreensivo de todos os exercícios do direito e a expressão “abuso” foi empregada em sentido mais
vasto do que o de uso. O direito não cessa onde o abuso começa: o que dá ensejo à reparação é a existência do
dano, O dono do terreno, por onde os vizinhos passam, pode cercá-lo, ou proibir, em aviso pintado em árvore
ou placa, que a passagem continue. Se por êle anda alguém, sem causar dano, invadiu-o; não cometeu ato ilícito
absoluto que dê ensejo a indenização. Se o proprietário do terreno pôs garrafas quebradas para que ninguém
entrasse, sem ter proibido a travessia que era costumeira, abusou do seu direito, mas o direito não cessou:
apenas o dono se ÚXpú3 1 pretensão do ofendido a que lhe preste a reparação do dano~ corporal, se ferido foi.
Mais admissível o que escreveu JUAN. JOSÉ AMÉZAGA, Culpa Aquiliana, 28, pois não há repressão . do
abuso do direito, em tese; há regra jurídica sôbre ressarcimento de danos. Quem passa pelo terreno aberto do
vizinho abusa do direito, porém não comete ato ilícito absoluto. A lei pode proibir tal travessia; bem assim, o
dono e o possuidor. Se não há proibição da passagem e o vizinho joga o fósforo e queima as árvores ou
plantações, aí sim há ato ilícito, dar e reparação.)

§ 5.501. Considerações preliminares sObre responsabilidade extranegocial

1. CoNCEITOo. A responsabilidade civil, de que aqui se há de tratar, não é a de alguma infração de dever que
resulte de negócio jurídico, mesmo se a cláusula negocial consiste em regra jurídica dispositiva ou
interpretativa. Seria, porém, fora do rigor científico que só se considerasse tal responsabilidade como ligada à
prática de “ato ilícito”. Há atos ilícitos stricto seneu, há atos-fatos ilícitos e há fatos ilícitos stricto sensu. Daí a
necessidade de afastarmos a express5o demasiadamente restritiva: “obrigações por atos ilícitos”.
O direito das obrigações tem de considerar os fatos ilícitos absolutos, como a ofensa ao corpo humano, aos
animais pertencentes a outrem e aos bens inanimados, e os fatos ilícitos relativos, como a infração da cláusula
contratual.
Nos fatos ilícitos, quer absolutos quer relativos, estão os atos ilícitos, como os atos-fatos ilícitos e os fatos
ilícitos strwto sensu. E há responsabilidade sem ilicitude do ato.
Na legislação comparada, podemos notar três grupos de. legislações que tratam dos atos ilícitos. O grupo latino
por ser o de quase todos os países neolatinos e ao qual se ligam a Holanda (arts. 1.401 e 1.402) e a Áustria.
Chamaríamos a tal grupo sistema franco-austríaco e seríamos justos. O grupo inglês ou sistema anglo-saxônico
compreende a tradicional doutrina do direito inglês. O grupo alemão-suíço. Apriorismo, no primeiro;
empirismo, no segundo; mais acentuada tendência para ver o geral sem perder os fatos, no terceiro. É bem o
espírito dos três povos.
O Código Civil francês alude à culpa faute. A idéia de responsabilidade pelo risco proveio dos intérpretes e da
jurisprudência. Algumas vêzes aparece nas leis, quando há algum contrato entre os interessados (Lei de 2 de
agOsto de 1885, que modificou os arts. 262 e 263 do Código de Comércio francês; Lei de 9 de abril de 1898,
sôbre acidentes do trabalho), ou, até, quando não há (Lei de 29 de dezembro de 1892, sôbre prejuízo causado
pelas operações necessárias ao estudo dos projetos de trabalhos públicos; art. 446 da Instrução criminal,
modificado a 8 de junho de 1895, sôbre indenização pelo Estado, no caso de êrro judiciário). A legislação da
responsabilidade sem culpa evidencia-se fraca, de modo que, na própria vida, o sistema da França continua o
mesmo.
O Código Civil austríaco, § 1.295, parece-se com o Código Civil francês. Procedeu-se à revisão para se falar no
abuso do direito. O dano pode resultar seja de ato positivo ou negativo da parte de outrem, seja de acidente. A
lesão pode ser voluntária ou involuntária. É involuntária quando o dano deriva de ignorância, desatenção ou
descuido. Nos dois casos há culpa (§§ 1.293 e 1.294). Responde-se pela culpa levis; não pela falta de diligência
excepcional. O estado de necessidade não exclui, em geral, a responsabilidade. Mas a revisão estatuiu que o
juiz deve atender às circunstâncias, ao patrimônio dos interessados (§ 1.306). No nôvo § 1.307 introduziu-se a
responsabilidade do que se põe em desordem mental ou em estado de necessidade; e fala-se da obrigação de
reparar ao terceiro, que, por culpa sua, causou ao ofensor êsse estado.
O Código Civil português fêz alguma coisa por si. E o art. 2.368 sobreleva a todos os que regra semelhante
contêm, pela finura: “Cabe àqueles, que presenciaram tais agressões, auxiliar o agredido, não excedendo os
limites da justa defesa dêste, e se, não correndo risco, deixarem de obstar ao malefício, serão subsidiàriamente
responsáveis por perdas e danos”. JosÉ DIAS FERREIRA (Código Civil português anotado, V, 112),
comentando-o, explicou: “A redação do artigo do Código Penal deixava entrever que a obrigação de auxiliar o
agredido só cabia a quem podia e devia ao mesmo tempo impedir o dano, parecendo assim que só obrigava os
funcionários públicos, a. quem a lei comete funções de polícia, O Código; porém, comete essa obrigação a
todos os que presenciaram as agressões”.
No Código Civil espanhol, a teoria da culpa é evidente.
No direito inglês, a expressão tort designa, hoje, fatos. que autorizam a ação de indenização. Mas não há teoria
inteiriça; há casos, há delitos civis esparsos. Se é tido por ilícito o prejuízo, cabe a reparação. A riqueza do
direito inglês ainda. consiste na sua casuistica. Por êsse caminho, chega-se à responsabilidade do que sugere a
alguém a violação de um contrato, do que seduz uma mulher casada, ou não casada, se prestava serviços a
alguém, ou aos pais, O que guarda um. animal responde, como veremos (§ 5.517), pelo prejuízo que êsse causa.

.~> a]
No direito alemão, além da culpa, fala-se em contrário ao direito (widerrechtlicn) Também em dano ao corpo, à
vida, à saúde, à liberdade, à propriedade e a qualquer direito. Menos a priori, menos generalizante, que o
francês. São os direitos que pertencem ao individuo pelo direito privado aquêles de que cogita o Código Civil
alemão, § 828; mas evitou-se o princípio jurídico abstrato. Trata-se de interesse próprio ou de terceiros.
Escapam à enunciação, que é limitativa, a ofensa à honra e aos sentimentos religiosos, mas há alguns artigos
especiais (Código Civil alemão, §§ 824, 825, 828, 23 alínea, e 826).
No direito suíço, cogita-se também, do dano por ato ilícito e do que se causa a outrem por fatos contrários aos
costumes (art. 41). A culpa dependente, segundo II. OSER (Komqnen tar zum Sekweizerischen
Zivilgesetzbuck V, 179 e 175), da prevísao deve apreciar-se in abstracto. O julgamento penal não obriga o juiz
do cível no que respeita à culpa. Nem quanto àcapacidade de discernimento. No art. 41, alínea 2.~, dispôs-se:
“Também é obrigado à reparação o que causa dano a outrem por fatos contrários aos bons costumes”. Em
relação ao § 826 do Código Civil alemão, ambos alargam a noção de ato ilícito.
O princípio da causa ou da responsabilidade pelo simples fato (Veranlu.ssungsprinzip) contrasta com o
princípio da culpa (Verschuldensprínzip) O princípio da liberdade pessoal cria obstáculos à teoria do risco.
Desde muito que se esgrimem as armas da atividade industrial livre, da liberdade do indivíduo, contra o surto
das responsabilizações fundadas em qualquer culpa ou fato. Se tivéssemos de admitir como absolutas tais
abstrações, não ficaria lugar para a ação do indivíduo. Segundo o princípio da liberdade pessoal, quem, pelo
fato do desenvolvimento normal da própria personalidade, causa dano a outrem, não fica por isso adstrito a
fazer desaparecer o mal causado. ~ o pensamento que domina as codificações. Onde a vida se intensifica e a
luta diária se acentua e a interação cresce, também os choques se produzem mais frequentemente. Já não é mais
possível admitir-se o princípio abstrato, frio, da causa: quem fêz o mal, que pague. Certamente, tal deve ser a
conclusão lógica, a realização prática, coerente com o individualismo jurídico, mas a vida, que o desmente nas
aplicações gerais, mais ainda o destrói nos casos especiais. A responsabilidade por toda culpa emperraria os
gonzos da existência social, que não se concilia com isso. Assim, principalmente nas codificações, não tem
prevalecido o princípio da responsabilização pelo simples fato; mas o da culpa. Compreende-se que muito se
afaste a questão da responsabilidade pelo dano sem culpa. Em certos códigos expressamente se diz que pelos
atos sem culpa ninguém responde; outros, que não se obrigam crianças e loucos; e ainda outros, que pela culpa
alheia ninguém fica responsável. No Disoours introdutório ao capítulo francês referente ao dano lê-se o
seguinte: “Le dommage, pourqu’il soit sujet à réparation, doit être l’effet d’une imprudence de la part de
quelqu’un: s’il ne peut être attribué à cette cause, il n’est plus que l’ouvrage du sort dont chacun doit supporter
les chances; mais, s’il y a eu faute ou imprudence, quelque légêre que soit leur influence sur le dommage
commis, il en est dú réparation”.
Assente o critério geral, são as leis especiais que o vêm ferir, como instrumentos de renovação e de vida real,
por isso mesmo que resultam, quase sempre, da reação de certos interesses, que os princípios abstratos
desamparam ou ofendem. Aparecem a responsabilidade das estradas de ferro, a dos automóveis, a das fábricas e
das instalações de eletricidade e outras, que têm por fito corrigir no contacto com a vida o tecido de
abstrações, que se contém nos códigos, obra em muitos pontos, de racionalismo intemperante.
Cronolôgicamente, devemos referir, primeiro, o direito das estradas de ferro. É àPrússia que se deve o “ato
genial”, como JUSTUS WILHELM HEDEMANN (Die Fortschrttte des Ziviirech.ts im XIX. Jahrhun dert, 1,
88) considerou a famosa Lei prussiana de 3 de novembro de 1888, sôbre emprêsas de estradas de ferro. Estatuiu
o § 25: “A sociedade é obrigada à reparação de todo dano que se dê no trajeto pela estrada às próprias pessoas
conduzidas, a bens ou também a outras pessoas e às suas coisas, e sómente pode livrar-se da responsabilidade
pela prova de que houve o dano ou pela própria culpa do ofendido ou por acidente exterior inafastável. Pela
natureza de risco da própria emprêsa, não pode ser considerado tal acidente liberatório da reparação do dano”.
Os outros Estados alemães seguiram a trilha da Prússia e, mais tarde (7 de junho de 1871), todo o antigo
Império logrou a unidade de legislação. Depois, teve a Suíça a sua lei (Lei suíça de 1 de junho de 1S75), que foi
revista em 28 de março de 1905, com a particularidade da agravação da responsabilidade quanto ao dano moral,
nos casos de desleixo grosseiro do dolo (cf. R.. HUGUENIN, 1/ou der zivilrechtiiche Haftung, 110 s.). Na
França, não se cogitou de legislar sôbre tais danos causados pelas estradas de ferro. À jurisprudência deve-se o
ter aberto o caminho, às vêzes de modo assaz interessante, como aquêle em que, no direito administrativo, se
admitiu a idéia de responsabilidade fora de qualquer culpa, em se tratando de trabalhos públicos, e. g., o
incêndio ao longo das vias férreas, devido às locomotivas (Bordéus, 21 de junho de 1859; Tolosa, 6 de maio de
1902).
A culpa in concreto, ou diligentia quam suis, nada tem, em geral, com os fatos ilícitos absolutos. É excepcional,
mesmo nos negócios jurídicos, tal como ocorre com o depósito <Código Civil, art. 1.266). Sôbre a
responsabilidade pela culpa in concreto noutros sistemas jurídicos, e. g., no alemão (W. VON HÁGEN, Die
sogenvante Culpa in concreto naeh. biirgerlichem fiesetzbuch, 19-37, 88 s.), veja-se a critica feita nos Tomos II,
§ 178, 2, 8, com exceção para os atos de representação legal (atos ilícitos relativos), e XLVI, § 5.038, 4 (quanto
a hotéis).
Ao aparecimento de novos danos, causados por circunstâncias ou inventos novos, deve corresponder nova regra
j uridica. É êsse um dos pontos em que mais se afirma a vantagem do mesmo método para o legislador, para o
intérprete e para o aplicador do direito: se aquêle ainda não formulou as regras que devem ser obedecidas,
formula-as o intérprete, ou o juiz, pela pesquisa das relações sociais, das quais objetivamente há de tirar a
norma ou as normas que as devera reger. Pouco importa quem vem antes o legislador, o intérprete ou o juiz; o
que é preciso é que o direito não deixe sem provimento os fatos da vida, e chegue a tal desígnio, não pelo
dogma da plenitude lógica do direito, pela elasticidade das abstrações e a dilatação indefinida, que o apriorismo
e o dedutivismo conseguem, mas pela subordinação dos fatos, que devem ser o material do cientista do direito,
como de todos os cientistas. A navegação a vapor, a eletricidade, o automóvel, a aeronave, são exemplos de
novos inventos, a que corresponderam novos danos possíveis e pois novas regras. Se o legislador as formula
sem o conhecimento do assunto, e não atende às necessidades da ordem jurídica, o que o intérprete ou o juiz
deve fazer é ver, por sua própria conta, os fatos e resolver segundo a lição que recebe das realidades, porque o
método objetivo, científico, se impõe igualmente ao legislador, ao intérprete e ao juiz. As leis sôbre tais
prejuízos podem ser mais ou menos gerais, mais ou menos especializadas. A Suiça, por exemplo, edictou lei
especial sôbre eletricidade (Lei de 24 de junho de 1902; cf. L. SCHNELLER, Das Veranlassungaprinzip im
schweizerischen Zivilrecht, 112 5.; A. SCHLECHT, Reeltt der ElelctriziUit, 162 s.). Por vêzes surgem nos
regulamentos postais regras jurídicas concernentes a indenizações dos danos. A Áustria, já na Lei de 11 de
junho de 1879, § 85, cogitou da responsabilidade da administração militar pelo próprio aquartelamento.

2.PRECIsÕES. Os atos ilícitos, de que aqui tratamos, são os atos ilícitos absolutos, e não os atos ilícitos
relativos, cuja ilicitude concerne à vinculação negocial, que se infringiu. O assunto já foi objeto de exposição na
Parte Geral. Tornos 1, § 63; II, §§ 166, 2; 170. Sôbre fatos ilícitos, XXII. § 2.718; XXVI, § 3.104, 1.
As duas regras jurídicas básicas estão ro ad. 159 e zio art. 1.518 do Código Civil. Diz o art. 159: “Aquêle que,
por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência violar direito, ou causar prejuízo a outrem, fica
obrigado a reparar o dano. A verificação da culpa e a avaliação da responsabilidade regulam-se pelo disposto
neste Código (artigos 1.518 a 1.532 e 1.537 a 1.553)”. E o art. 1.518: “Os bens do responsável pela ofensa ou
violação do direito de outrem ficam sujeitos à reparação do dano causado, e, se tiver mais de uru autor a ofensa,
todos responderão solidariamente pela reparação”. Ainda o parágrafo único: “São solidàriamente responsáveis
com os autores os cúmplices e as pessoas designa-. das no art. 1.521”.
Os textos não têm a necessária precisão, porque o artigo 159 reduziu a responsabilidade à de quem pratica ato,
ou omite ato que havia de praticar: só abrangeria os atos ilícitos positivos e os negativos. O art. 1.518 deixa
margem a interpretação menos restringente, porém não seria bastante à exposição científica.
Quando a lei é protectiva, tem-se de entender que as pessoas foram avisadas, pelo texto legal, do perigo de
infringi-la e, pois, de ter de prestar a indenização. Se a regra jurídica estabelece responsabilidade por culpa, ou
objetiva, ou transubjetiva, depende do seu conteúdo. A lei protectiva nem sempre cria direitos para as pessoas
protegidas, ou cujos bens se protegem. Em consequência, não se há de exigir que haja direito ferido (cf. MÃX
RÚMaIN, Pie Verwendung der Causalbegriffe in Straf- und Civilrecht, Arehiv fitr tifo civilistisehe PraxiÉ, 90,
326; MAX LUTHARDT, Die Grundlagen der Ilaftpflickt aus §
823 11GB., 47); nem cabe alegar-se que não se conhecia a regra jurídica (ERNST BELING, Erltiuterung dos §
823, Abs. 2, 11GB, 56 s.).
A infração da lei nem sempre dá ensejo à indenização dos danos, se não houve culpa. Para que a reparação se
haja de dar sem ter havido agente culpável, é preciso que se tire do texto legal. Nem basta que se trate de crime,
porque há crimes que não supõem culpa, pôsto que seja raro. Por outro lado, não há a correspondência entre a
responsabilidade civil e a penal, que muito ocorria no direito romano (cf. GEORGE DETMOLD, Der Begriff
des Schutzgesetzes im § 823 des BGB., Fostgabo der Gõttinger Juriston-Fakultãt fur E. REGELSEERGER,
521; FRIEDLjICE WÍYNDISCH, Dio Sch,utzgosotzbostintmungin § 823 Abs. 2 RUE., 17 s.).
Quanto ao conteúdo, o que mais ocorre é que a lei pratectiva é lei penal (HERMANN Voss, Der
Sefladensersaizansprueh aus § 823 Abs. 2, BGB., 14), ou regra jurídica penal, que haja de ser respeitada como
Zez (o. g., regras jurídicas de tráfego). O conteúdo pode ser de defesa da honra. de modo que haja reparação do

.~> a]
dano moral (KARL LINCKELMANN, fie Schadensorsatzpflicht aus unerlaubten Handlungon nack dem
11GB., 18), mesmo se não há sanção penal. Pode dar-se que o lesado haja, em defesa própria, infringido outra
lei protectiva. Não há solução a priori, porque existem graus entre leis protectivas; mas o que mais acontece é
poder-se dizer que regem os princípios da legítima defesa, ou, se os danos foram plus, que o lesado causou, êle
é que tem de suportá-los (cp. ERNsT FEDfli, Verantwortlichkoit fiir fremdos Versekulden naeh, dom 11GB., 2
s.>.
Entre os atos lesivos não devemos omitir o prazer quase. mórbido, ou, não raro, mórbido, de fazer o mal, a
Schaden.freude, que consiste no gôsto de lesar, de prejudicar, de destruir. As crianças apresentam-no em época
que de si só denuncia a primitividade de tais sentimentos hostis. É dolo, por bem dizer-se espontâneo, mas dolo.
Não queiramos entrar em indagações psíquicas, que nos empregaria no mais complicado subjetivismo, que é o
que resulta das verificações, mais ou menos vagas, mais ou menos aventurosas, dos propósitos e das intenções
do agente.
Certamente, o dolo há de dar ensejo, sempre, ao dever de ressarcimento; mas, no que toca aos atos ilícitos
absolutos, não se deve entrar em distinções. Culpa osi omne factum mi consultum, quo nocetur alil injuria, todo
fato de ação, ou de omissão, em que não se exige o propósito de lesar. (M. P.-A.-F. MALAPERT, De la
Prostatiou dos Pautes, 34 s.).
O direito tem de procurar a culpa; hoje não precisa de escalas para que se profira a condenação ao
ressarcimento.
É possível que do ato lesivo derivem benefícios ao lesado., de modo que, se por certo lado lhe causa dano, por
outro lhe é favorável. A respeito de atos ilícitos, ou injustos, que, em vez de lesarem, favorecem, existe a
decisão do Supremo Tribunal Federal, a 13 de dezembro de 1916, cuja doutrina é insustentável: segundo tal
julgado, não tem ação para se decretar invalidade de ato administrativo quem, em vez de lesado pelo ato, por
êle foi favorecido com vantagens superiores às permitidas em lei.

Ora, seria confundirem-se casos Ostintíssimos : a ilegalidade do ato, que continua ilegal, a despeito de
quaisquer consequências de ordem pecuniária, e não só o interesse material autoriza a ir-se a juízo; e o
aumento, ou não, dos vencimentos, honorários, ou o que quer que seja. Quanto ao que nos interessa, que é a
ação de indenização, ou o ato não causa dano, e então lhe falta o requisito objetivo para a obrigação por ato
ilícito; ou dêle resultam danos e vantagens que se compensam, ou que se não compensam: no segundo caso
(incompensabilidade dos danos com os prejuízos), claro é que há a ação para se haver o que efetivamente se
perdeu, ou se deixou de ganhar; no primeiro, só no caso de tácito, ou de expresso aproveitamento da situação (a
1 + 1 = a), pode-se negar ao lesa do favorecido a ação de indenização, cuja sentença deve condenar a prestação
dos danos e a restituição dos benefícios, ou, quando o indicarem as circunstâncias, o excesso.
Caso assaz delicado e sutil (digamos assim) de injúria, temos na crítica literária, científica ou qualquer outra,
quando em termos ultrajantes, ofensivos do elemento moral que há em toda a consideração de que podem gozar
os homens, quer sejam sábios, literatos ou artistas. Certamente, não constitui difamação a severidade dos
censores, a rigorosa exigência, o requinte de análise; isso pode ocorrer, sem se infamar, sem se ultrajar, sem se
denegrir. Pode alguém criticar a um sábio de modo que lhe negue o valor das próprias experiências e vamos
além as próprias experiências, e não incorrerá em crime ou delito civil de injúria. Pode não chegar a tão graves
afirmações que destruiriam a fama do investigador (em sendo verdadeiro o que se diz), mas incorrer naquele
crime e naquele delito civil pelo desabrido da linguagem, pela rispidez aviltando do vocabulário, pela
perversidade injustificável dos ditos e das frases. Se A escreve que B é plagiário, não lhe imputou determinado
crime, e não se trata, em rigor, de calúnia; mas injuriou-o. No direito penal, a distinção muito interessa pela
possibilidade da execptio veritatis, no primeiro caso, e não no segundo. No direito civil, dá-se o mesmo, porque
coincidem o delito civil de calúnia e o delito criminal.
Temos de atender aos seguintes conceitos: A) Noção de ato ilícito: a) ação ou b) omissão voluntária;
compreendendo:negligência, imprudência, dolo. B) Limites do ato ilícito:
a) legítima defesa; b) deterioração ou destruição da coisa alheia, a fim de remover perigo iminente (Código
Civil, artigos 160, II, 1.519 e 1.520), uma vez que o ato se torne necessário (a lei diz: absolutamente
necessário), não excedendo os limites do indispensável para a remoção do perigo. C) probrabilidade do dano
(arts. 159 e 1.518).
Não se identifiquem o delito (ato ilícito) e a reparabilidade dado. Pode haver delito, ou melhor, ato ilícito, sem
dano, e pois sem que se possa reclamar a reparação. Então, a ilicitude só permite a legítima defesa, as ações de
manutenção de posse, os preceitos cominatórios, o hábeas-córpus e outros remédios preventivos dos danos à
pessoa ou ao patrimônio.
No ato gerador de responsabilidade extranegocial, de regra se vêem os seguintes elementos: a) ato ou omissito
(ato positivo ou negativo; 14 aio imputável ao réu, salvo em casos excepcionais de reparação sem
imputabilidade; e) ato o anoso por perda, ou privação de ganho; á) ato ilícito sane droit, sem direito, dizia a lei
suíça de 1888; praticado d’uno numero ilicite, widerrech,tlick, de maneira ilícita, diz a lei de hoje
intencionalmente, ou por negligência, ou por imprudência.
Assim, o simples cometimento de dano patrimonial em bem de outrem não torna, de regra, responsável pelo
dano a pessoa que o causou; pois é preciso existir determinado -fundamento pessoal da parte do autor, que
justifique o ressarcimento.
Na Divina Comedia, DANTE, cuja concepção de direito foi assaz aristotélica, considerou a justiça uma das
onze virtudes morais, “la quale ordina noi ad amare e operare diritiura in tute cose”, como dizia no Convívio
(IV, 17), retitude ou regra que tira o oblíquo de toda parte, “iustitia in se et in propria natura considerata est
quaedam rectitudo sive regula obliquu’nhinc inde abiciens” (Do Monarchia, 1, 13). Por isso, no céu de
<Túpiter, diz-lhe Beatriz (Par., XVIII, 5).

Muta pensier, pensa ch’io sono Presso a Colui ch’ogni torto dis grava.
No Inferno, diz o poeta que foi a justiça que presidiu à criação dêle (II, 2):

Fecemi la divina Potestate


La Summa Sapienza e l’primo Amore.

Tudo se prende a nostra taipa (Inf., VII, 21). Portanto, não há mal em si: o poeta segue a TOMÁS DE
AQUINO: “Deus est auctor mali quod est poena, non autem mali quod est culpa” (Szimma Thool., Quaestio 49,
art. 11). O mal que causo para punir não é mal; mal é o que pratico com culpa.
Quem transmite a outrem, mesmo por negligência, ou imprudência, alguma moléstia ou doença, é responsável
por ato ilícito, ainda que o ofendido seja ascendente, cônjuge ou descendente, ou concubina, ou companheiro.
Dá-se o mesmo se deixa que se propague doença ou praga a floresta, plantação ou animal (cf. Código Penal,
arta. 259 e 260).

3.ILIOITIJDE ABSOLUTA E ILICITUDE RELATIVA. Os atos ilícitos, os atos-fatos ilícitos e os fatos stristo
sensu ilícitos, de que se irradia responsabilidade extranegocial, podem, ao mesmo tempo, ser infração negocial,
de modo que o suporte fáctico da responsabilidade extranegocial e o da responsabilidade negocial coincidem. O
depositário, por exemplo, pode responder por violação do contrato de depósito e por ilicitudo extracontratual. A
lesão corporal de quem tomou em locação o cavalo pode ser imputável ao locador, como contraente, e ao
mesmo tempo ao locador, pelo delito que cometeu, excitando, de propósito, o animal, para que o locatário
caísse. Na L. 34, § 1, D., de obligationibus et actionibus, 44, ‘7, está dito: “Si IS, cri vem ccmmodavero, cam
subripuerit, tenebitur quidem et commodati actione et condiotione, sed altera actio alteram peremit aut inso iure
aut per exceptionem, quod est tutius”. 1’. na L. 34, § 2: “. .. si tibi commodavero vestimenta et tu ta rureris:
utraeque, enim actiones rei persecutionem continent”. Há conto tréncia de ações, como há das pretensoes
satisfeita uma das dívidas, a outra se extingue até a quantidade concorrente (cf. RUDOLF SCI{MIDT, Die
Gesetzoskonknrrenz im búrgerliúhen Recht, 180 s.). Não há afastamento da incidência das regras jurídicas
sôbre ilicitude relativa pelas regras jurídicas sôbre ilicitude absoluta, nem vice-versa. Salvo se há regra jurídica
especial, que altere o conteúdo de uma, cada regra jurídica tem o seu. A teoria da concorréncia do rrreten~sões é
que prevalece. O’ que se pode dar é que a vinculação negocial acentue o delito, como que a colori-lo.
Os arts. 1.521 e 1.523 do Código Civil não são invocáveis a propósito da responsabilidade perante os
empregados ou outros auxiliares, porque tal responsabilidade dos empregadores ou pessoas auxiliadas é
negocial: é como devedores que êles respondem. Todavia, pode haver responsabilidade pelo ato ilícito absoluto
se a relação jurídica negocial não está em causa
De ordinário, os leigos pensam que da violação das obrigações dos devedores não se irradiam deveres de
indenizar por atos ilícitos absolutos. Noutros termos: a infração de dever, o inadimplemento ou o adimplemento
ruim de dívida ou de obrigação não geraria dever de reparação por ilicitude absoluta. Ora, nem todos os atos
ilícitos do depositário, ou do locatário, ou do médico são atos ilícitos relativos (cf. 1% VON LISZT, fie
Doliktsobligattonon im System dos DOR., 10 s.). Na dúvida, só há a infração do dever negocial (cf. E. PRYM,
Pie Konlcurrenz dos Ánspruchs aus dom Vertrago mit dem Anepruche aus unerla,ubter Handlung, 46) ; mas

.~> a]
nada impede que haja os dois atos ilícitos, o relativo e o absoluto, e até mesmo a responsabilidade delitual pelo
ato-fato ilícito ou pelo fato str-icto sensu ilícito (cp. r. VON LISZT, fie Doliktsobligationen, 10 e 275 5.; HANS
WALDMULLET, Verletzung ron Schuidnerpflicht ind unerlaubte Handtung, 4 s.). Sôbre as teorias e a solução
científica, Tomo TI. §§ 169-171.
O delito pode existir mesmo nos casos de delegação de dívida. No negócio jurídico bilateral de confirmação de
crédito (contrato de crédito confirmado ou de confirmação de crédito), o devedor vincula alguém (delega a
alguém) a dívida, que tem, com outrem. Assim, .A deve a C e faz B assumir a sua dívida, de modo que A e B
passam a dever a C a meshíne inde abiciens” (De Monarchia, 1, 18>. Por isso, no céu de Júpiter, diz-lhe Beatriz
(Par., XVIII, 5).

Muta pensier, pensa ch’io sono Presso a Colui ch’ogni torto di,s grava.

No Inferno, diz o poeta que foi a justiça que presidiu àcriação dêle (II, 2):

Fecemi la divina Potestate


La Summa Sapienza e l’primo Amore.

Tudo se prende a nostra colpa (Inf., VII, 21). Portanto, não há mal em si: o poeta segue a TOMÁS DE
AQUINO: “Deus est auctor mali quod est poena, non autem mali quod est culpa” (Summa TIwoL, Quaestio 49,
art. 11). O mal que causo para punir não é mal; mal é o que pratico com culpa.
Quem transmite a outrem, mesmo por negligência, ou imprudência, alguma moléstia ou doença, é responsável
por ato ilícito, ainda que o ofendido seja ascendente, cônjuge ou descendente, ou concubina, ou companheiro.
Dá-se o mesmo se deixa que se propague doença ou praga a floresta, plantação ou animal (cf. Código Penal,
arta. 259 e 260).

8.ILICITUDE ABSOLUTA E ILICITUDE RELATIVA. Os atos ilícitos, os atos-fatos ilícitos e os fatos strieto
sensu ilícitos, de que se irradia responsabilidade extranegocial, podem, ao mesmo tempo, ser infração negocial,
de modo que o suporte fúctico da responsabilidade extranegocial e o da responsabilidade negocial coincidem, O
depositário, por exemplo, pode responder por violação do contrato de depósito e por ilicitude extracontratual. A
lesão corporal de quem tomou em locação o cavalo pode ser imputável ao locador, como contraente, e ao
mesmo tempo ao locador, pelo delito que cometeu, excitando, de propósito, o animal, para que o locatário
caísse. Na L. 84, § 1, D., de obligationibus et actionibus, 44, 7, está dito: “Si 13, Clii rern ccmmodavero, cam
subripuerit, tenebitur quidem et coramodati actione et condictione, sed altera actio alteram peremit aut ipso jure
aut per exceptionem, quod est tutius”. 12 na L. 84, § 2: “. . . si tibi comrnodavero vestimenta et tu a n’feris:
utraeque, enim actiones rei persecutionem con
tinert”. lIA concorrência de ações, como há das pretensões satisfeita uma das dívidas, a outra se extingue até a
quantidade concorrente (cf. RUDOLF SCHMIDT, Die Gesetzeskonkurrenz im. bi&gertichen Recht, 180 s.).
Não há afastamento da incidência das regras jurídicas sôbre ilicitude relativa pelas regras jurídicas sôbre
ilicitude absoluta, nem vice-versa. Salvo se há regra jurídica especial, que altere o conteúdo de uma, cada regra
jurídica tem o seu. A teoria da concorrência de pretensões é que prevalece. O que se pode dar é que a
vinculação negocial acentue o delito, como que a colori-lo.
Os arts. 1.521 e 1.523 do Código Civil não são invocáveis a propósito da responsabilidade perante os
empregados ou outros auxiliares, porque tal responsabilidade dos empregadores ou pessoas auxiliadas é
negocial: é como devedores que êles respondem. Todavia, pode haver responsabilidade pelo ato ilícito absoluto
se a relação jurídica negocial não está em causa.
De ordinário, os leigos pensam que da violação das obrigações dos devedores não se irradiam deveres de
indenizar por atos ilícitos absolutos. Noutros térmos: a infração de dever, o inadimplemento ou o adimplemento
ruim de dívida ou de obrigação não geraria dever de reparação por ilicitude absoluta. Ora, nem todos os atos
ilícitos do depositário, ou do locatário, ou do médico são atos ilícitos relativos (cf. ?. VON LISzT, fie
Detiktsobligationen im System des EGB., 10 sj. Na dúvida, só há a infração do dever negocial (cf. E. PRYM,
Die Konkurrenz des Anspruchs aus dem Vertrage ntit dem Ánspruche aus unerlaubter Handlung, 46) ; mas nada
impede que haja os dois atos ilícitos, o relativo e o absoluto, e até mesmo a responsabilidade delitual pelo ato-
fato ilícito ou pelo fato siricto sensu ilícito (cp. r. VON LíszT, fie DeliktsobUgationen, 10 e 275 s.; HANS
WALDMULLET, Verletzung vofl Sckuldnerpflicht ind unerlaubte Handlunq, 4 s.). Sôbre as teorias e a solução
científica, Tomo II, §§ 169-171.
O delito pode existir mesmo nos casos de delegação de dívida. No negócio jurídico bilateral de confirmação de
crédito (contrato de crédito confirmado ou de confirmação de crédito), o devedor vincula alguém (delega a
alguém) a dívida, que tem, com outrem. Assim, A deve a C e faz E assumir a sua divida, de modo que A e E
passam a dever a O a mesma soma. Para isso, A há de ter cobertura junto a B. A E ficam os podêres e o dever
para pagar a C o que A deve; e C está legitimado a receber.
Do negócio jurídico bilateral, que se conclui entre o devedor, A, a C, e, por exemplo, o banco, E, irradia-se o
dever de E, quanto a prestar o que A deve. Há com a titularidade e eficácia novativa, de modo que A deixasse
de ser devedor e E se substituísse a A.
Se E pratica delito, uma vez que não houve substituição de A, A responde.
A legitima defesa pré-exclui a ilicitude dos atos jurídicos e dela já tratamos nos Tornos II, §§ 182, 183 e 186;
XII, § 1.408; XVIII, ~§ 2.246, 3; 2.199, 3; e XXII, § 2.787, 1;além do que foi exposto, a respeito da posse, no
Tomo X, §§ 1.069, 1, 5; XI, §§ 1.109, 1; 1.110, 2; 1.114, 1; 1.121-1.125.
A legítima defesa, como direito, está em todos os povos primitivos. Não só a pessoa precisa de defender-se
contra violência e usurpações; pois os próprios direitos têm de ser defendidos (cf. TE. MOMMSEN,
RÕmisches Strafreeht, 653; 5. SCHMITT, Die Selbsthitfe im rõmischen Privatrecht, 15 s.; C. LEVITA, Das
Reoht der Notwehr, 48; A. GEYER, Dte Lekre v•on der Notweh,r, 100 s.). Um dos pressupostos é a
verossimilhança da ofensa ou perigo (W. v. ROHLAND, Die Gefahr im Strafréoht, 2•a ed., 1 s.). A ofensa ao
terceiro ou a direitos do terceiro não deixa de ser ilícita se o terceiro é estranho ao que se passou entre o ofensor
e quem exerceu a legítima de fesa (cf. II. TOBLER, Die Grénzgebieie zwisclien Notstand und Notwehr, 155;
JOSEF MÚNz, Die Vo’rawssetzungen unil Wirkungen der Notwehr, des Notstandes und der Nothilfe im 13GB.
und ihre Untersefliede, 27 s.).
Quem se diz com procura, ou com mandato, ou com poderes de presentação, sem ter havido outorga, nem
ratificação, sem que o terceiro conheça a falta e sem ter havido promessa de ratificação , responde ao terceiro
pelos danos, pois o seu ato foi ato ilícito absoluto. Pense-se na actio doU, na adio leglis Aquiliae e na própria
acHo furti (cf. FR. HEITIJMANN. Die Steltvertretuna in Rechtsqe.schííften, 148; VTKTOR S¶IIIMPF, Die
rechtliche Redeutuna des von eznem unbevoltmdchtigtefl Steltvcrtreter abgeschlossenen Vertrags, 81-91).
A decretação da nulidade do contrato, como a da anulação por dolo ou coação, pode basear-se em ato, ato-fato
ou fato stricto sensu, que seja ilícito; de jeito que a desconstituição do negócio jurídico deixa com as suas
conseqUências a licitude e a responsabilidade. Também a retirada da oferta, mesmo se cabia, pode ser ilícito
absoluto (J. E. WOLF, Die Perfection der Schuidvertrdge, 68 sj. Se, por exemplo, o oferente retirou a oferta,
para que houvesse o dano, dolo houve, e a responsabilidade extranegocial ocorre.
Quem deu ensejo à conc1usão de negócio jurídico nulo, ou anulado, ou rescindido, responde pelo interesse
negativo. Nos casos de rivalidade, há ato lesivo, que não se pode reputar de inadimplemento de contrato, ou
outro negócio jurídico, e a indenização é devida (cp. ANDREAS FRITSCH, Das negative Vertragsinter esse, 83
s.). O locatário de bem móvel que êle pôs no edifício em que provoca incêndio responde pela não-restituição do
bem móvel e pelos danos, inclusive destruição do bem móvel.
Quando se fala de inadimplemente e de ressarcimento de danos há substituiçào da prestação e prestação dos
interesses. Há ilicitude relativa, pois que se ofende a esfera juridica (lo credor: não se exige a prestação, mas
espécie de respeito ao negócio jurídico (cf. HANS HAPEL, Was versteht das 8GB. unter “Schadensersatz
wegen Niehterfúllun g”, 50; contra, IVILHELM Kjscn, Der Schadensersatz wegen Nichterfiiilluflg bei
gegenseitigen Vertrãgen, Jherings .JalzrbiichAr, 44, 81 s. e 98).
A responsabilidade ex recepto é negocial, pôsto que possa haver, contra quem recebeu os bens (armadores,
emprêsas de naves, hoteleiros), ação penal e até mesmo de indenização por fato ilícito absoluto, ato-fato ilícito
absoluto ou ato ilícito absoluto, como se o hoteleiro pôs fogo na fábrica, que era perto do hotel, e o hotel foi
atingido ou atingidas as bagagens do hóspede. Pode haver a ação do hóspede contra o hospedeiro, como tal, e a
ação ex delicto (cf. RICHARD HÀBLELt, fie Haftpflicht ex recepto nach Kóniglich Sdclvsisohem und
Reiehsrecht, 88 e 45 s.). Dá-se o mesmo a respeito dos transportes.
4. Ornssão . ~ Quando a omissão constitui culpa?
Não há, fora das relações jurídicas negociais, a obrigação de evitar o dano a outros; o que há é a de não lesar.
Se A deixa de ir hoje ao escritório e por isso B não pôde receber o dinheiro que tinha em mãos de A, para pagar
a C, A não é responsável pelos danos, se A não sabia que era hoje o pagamento, nem o fêz para lesar, nem lhe
afirmou que estaria, hoje, no escritório.
A simples omissão danosa não produz a obrigação de reparar. Só a produz se há seguimento de atos que, uma

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vez praticados, não permitem que dêles alguém a líbito se desinteresse, sem que dêsse inoportuno desinteresse
resulte prejuízo de outrem.
Se há obrigação de fazer ou de dar obrigação de caráter social puro, ou jurídico, mas fora das relações jurídicas
negociais, porque, então, seria negocial a culpa a omissão constitui ato ilícito (TI. FRoMAGEoT, De la. Faute
comrne source de la Respon.sabilité en droit privó, 81). Portanto, a obrigação pode: a) constar de texto legal, ou
por meio de um dos processos clássicos de revelação do direito (analogia, por exemplo); b) ser induzida de
fatos da vida (método científico de revelação de direito).
De qualquer modo, há violação de regra jurídica, legal, classicamente revelada, ou cientificamente colhida na
vida. Também isso se dá quanto ao ato lesivo de caráter positivo. De modo que há razão em afirmar-se ser sem
grande interesse a distinção dos atos ilícitos em ações e omissões.
Se há lei penal que ordene o ato, ~ a omissão, por si só, basta para a responsabilidade civil?
Há duas opiniões: a) A dos que negam tal necessariedade privatística do ato, quando a lei penal puna a omissão.
Assim, o capitão que não salva embarcação em perigo comete crime, porém a responsabilidade penal não
engendra a civil.
b) A dos que consideram bastante o conceito penal para que a responsabilidade civil se estabeleça: se há dever
perante o público (direito penal), há, lôgicamente, perante cada um. Êsse “cada um” é justamente o beneficiário
do dever. Mas terceira opinião, c), mais científica, é a que apresentamos em 1927:
a omissão, por si só, não engendra culpa; engendra, se há circunstâncias que obriguem o ato. Trata-se de
circunstâncias materiais e jurídicas. Desde que o ato seja dever legal ou regulamentar, a omissão cria a
presunção de culpa extranegocial, de ato ilícito absoluto: só se escusa o presumido culpado se prova legitima
defesa, estado de necessidade, ou, o que, na espécie, é assaz importante, a inutilidade extremamente provável
dos seus esforços. A responsabilidade penal e a civil não coincidem, não são paralelas, não constituem duas
linhas verticais que avancem com a mesma altura. A responsabilidade penal apenas estabelece degrau de
presunção, o que o ofensor, por ato positivo ou negativo, tem de demolir para se livrar da obrigação de ressarcir.
Por isso mesmo, o próprio capitão que procura salvar fica responsável se não usou as medidas especiais mais
aconselhadas. Ora, se isso se dá no caso de intervenção insuficiente, mais forte razão nos de não-intervenção Se
o que procura, inàbilmente , salvar, é responsável, a fortiori o que cruza os braços.
Não há culpa em não se segurarem bens (Tribunal de Lion, 29 de junho de 1909) ; salvo se em qualquer
negócio jurídico foi estatuído isso, porque então: a) há a culpa contratual perante o que estipulou; b) a
extracontratual, porque o fato de não haver seguro, quando era obrigado, induz culpa, falta de exação, ou e) se a
lei fêz obrigatório o seguro. Também não há culpa quando se declara à noiva que, em verdade, é filho
adulterino o noivo.
O fato de não usar, ou de usar tardiamente de um direito, não constitui culpa. Mas há fáceis exemplos de
exceções: se A tem direito a metade dos peixes de uma pescaria, e não os leva, deixando os vizinhos
prejudicados pelo apodrecimento, podem êsses pedir que se lhes ressarçam os danos causados; a companhia. de
estradas de ferro que não arranca as árvores marginais, a cujo cortamento tinha direito, se a locomotiva dá
ensejo a incêndio que se estende à plantação de outros proprietários, responde pelos danos; se 13 não cobra hoje
o que lhe devia O pagar, não fica responsável pelo dano que sofra o devedor, porque os efeitos da mora são, aí,
relativos a matéria negocial, mas é possível que circunstâncias extraordinárias criem figura da culpa Aquiliana.
Exemplo: se escrevo dizendo que desejo, no dia do vencimento, os sacos de milho bichado, e no dia não os vou
buscar. Respondo pela mora creditoris e pelo dano a terceiros, que tenham milho bom no mesmo arma~zém.
Onde há culpa há responsabilidade.

A deixa de ir hoje ao escritório e por isso B não pôde receber o dinheiro que tinha em mãos de A, para pagar a
C, A não é responsável pelos danos, se A não sabia que era hoje o pagamento, nem o fêz para lesar, nem lhe
afirmou que estaria, hoje, no escritório.
A simples omissão danosa não produz a obrigação de reparar. Só a produz se há seguimento de atos que, uma
vez praticados, não permitem que dêles alguém a líbito se desinteresse, sem que dêsse inoportuno desinteresse
resulte prejuízo de outrem.
Se há obrigação de fazer ou de dar obrigação de caráter social puro, ou jurídico, mas fora das relações jurídicas
negociais, porque, então, seria negocial a culpa a omissão constitui ato ilícito (TI. EROMAGEOT, De la. Paute
comme sourco de la Responsabilité eu droit privá, 81). Portanto, a obrigação pode: a) constar de texto legal, ou
por meio de um dos processos clássicos de revelação do direito (analogia, por exemplo) ; b) ser induzida de
fatos da vida (método científico de revelação de direito).
De qualquer modo, há violação de regra jurídica, legal, clàssicamente revelada, ou cientificamente colhida na
vida. Também isso se dá quanto ao ato lesivo de caráter positivo. De modo que há razão em afirmar-se ser sem
grande interesse a distinção dos atos ilícitos em ações e omissões.
Se há lei penal que ordene o ato, j, a omissão, por si só, basta para a responsabilidade civil?
Há duas opiniões: a) A dos que negam tal necessariedade privatística do ato, quando a lei penal puna a omissão.
Assim, o capitão que não salva embarcação em perigo comete crime, porém a responsabilidade penal não
engendra a civil.
b) A dos que consideram bastante o conceito penal para que a responsabilidade civil se estabeleça: se há dever
perante o público (direito penal), há, lôgicamente, perante cada um. Êsse “cada um” é justamente o beneficiário
do dever. Mas terceira opinião, o), mais científica, é a que apresentamos em 1927:
a omissão, por si só, não engendra culpa; engendra, se há circunstâncias que obriguem o ato. Trata-se de
circunstâncias materiais e jurídicas. Desde que o ato seja dever legal ou regulamentar, a omissão cria a
presunção de culpa extranegocial, de ato ilícito absoluto: só se escusa o presumido culpado se prova legitima
defesa, estado de necessidade, ou, o que, na espécie, é assaz importante, a inutilidade extremamente provável
d~os seus esforços. A responsabilidade penal e a civil não coincidem, não são paralelas, não constituem duas
linhas verticais que avancem com a mesma altura. A responsabilidade penal apenas estabelece degrau de
presunção, o que o ofensor, por ato positivo ou negativo, tem de demolir para se livrar da obrigação de ressarcir.
Por isso mesmo, o próprio capitão que procura salvar fica responsável se não usou as medidas especiais mais
aconselhadas. Ora, se isso se dá no caso de intervenção insuficiente, mais forte razão nos de náo-intervenção~
Se o que procura, inàbilmente, salvar, é responsável, a fortiori o que cruza os braços.
Não há culpa em não se segurarem bens (Tribunal de Lion, 29 de junho de 1909) ; salvo se em qualquer
negócio jurídico foi estatuído isso, porque então: a) há a culpa contratual perante o que estipulou; b) a
extracontratual, porque o fato de não haver seguro, quando era obrigado, induz culpa, falta de exação, ou e) se a
lei fêz obrigatório o seguro. Também não há culpa quando se declara à noiva que, em verdade, é filho
adulterino o noivo.
O fato de não usar, ou de usar tardiamente de um direito, não constitui culpa. Mas há fáceis exemplos de
exceções: se A tem direito a metade dos peixes de uma pescaria, e não os leva, deixando os vizinhos
prejudicados pelo apodrecimento, podem êsses pedir que se lhes ressarçam os danos causados; a companhia de
estradas de ferro que não arranca as árvores marginais, a cujo cortamento tinha direito, se a locomotiva dá
ensejo a incêndio que se estende à plantação de outros proprie tários, responde pelos danos; se E não cobra hoje
o que lhe devia O pagar, não fica responsável pelo dano que sofra o devedor, porque os efeitos da mora são, aí,
relativos a matéria negocial, mas é possível que circunstâncias extraordinárias criem figura da culpa Aquiliana.
Exemplo: se escrevo dizendo que desejo, no dia do vencimento, os sacos de milho bichado, e no dia não os vou
buscar. Respondo pela mora ereditoris e pelo dano a terceiros, que tenham milho bom no mesmo armazém.
Onde há culpa há responsabilidade.
Às vêzes a violação de um contrato se considera crime; em tais casos, quase sempre há delito civil e infração
negocial: ao lesado a escolha da ação.
A obrigação de indenizar, dissemos, pode resultar de omissão . Lia exemplo assaz importante: o do indivíduo
que encontra criança exposta, e não avisa a autoridade competente. Não é preciso reproduzirem-se aqui todas as
excelentes regras dos velhos códigos penais dos cantões suíços; mas alguns merecem citação: o de Neuenburg,
de 1856, art. 177: “Celui qui, trou. vant un enfant exposé, n’en prévient pas l’autorité, et ne lul procure pas,
autant que possible, l’assistance nécessaire, est puni par une amende de 20 à 50 francs, ou par un
emprisonuement de quatre à quinze jours”; depois, o de Turgóvia (Strafgesetzbiich fiir Thurgau, 1868, § 84) ;
em 1870, o Código Policial de Obwalden, §§ 136 e 137; em 1793, o Código Penal, art. 286. Cp. a Lei prussiana
de Minas, § 205, a Lei austríaca de Minas, § 190; e a Ordenação de Frederico II (Co’nsti tutiones Siculae, 1, 29)
A pretensão à eliminação de perturbações, à omissão, dá ensejo a indenização; e discute-se se basea a infração
dita “objetiva”, isto é, sem dolo, nem negligência. Se há culpa, no caso, não surge o problema, porque os
princípios gerais incidem. Se não há, tem-se de pensar em dever de pré-eliminar, ou de eliminar, para que o ato
negativo, objetivo, seja injusto. Não se pode pensar em presunção da intenção. Se há dever, há direito e
pretensão, mesmo a medida cautelar e o preceito cominatório. Não se precisa recorrer à equiparação OU
identificação de tal direito e de tal pretensão aos direitos de senhorio, pôsto que qualquer ofensa a direito real

.~> a]
seja ato ilícito absoluto. Os deveres de omissão são deveres de pré-eliminar, de eliminar ou de omitir o ato
lesivo que pode atingir a todos: os atos são objetivamente antijuridicos. A doutrina acirrou-se em discussão,
porque surge o problema de se saber quem é o titular do direito subjetivo que ao dever corresponde: ~. o
público, o Estado, ou quem seja lesado? Se esperamos que se dê o dano para se dizer quem é o titular do direito
subjetivo, de certo modo olvidamos que se aludiu a direito anterior à lesão. O direito à omissão é direito erga
omites, se concerne, e. g., à personalidade e aos direitos reais. Se foi criado o perigo,passageiro ou duradouro,
tem responsabilidade quem o criou, ou quem não o afasta, se está em pessoa, coisa, inclusive animal, ou num
direito a que esteja ligado.

5.RESPONSARILIDMIE DAS PESSOAS JURÍDICAS. Quanto à questão da responsabilidade das pessoas


jurídicas pelos delitos dos seus órgãos e representantes, muito se discutiu (e. g.~ negativamente: E. C. vON
SAvIGNY, Systern eles heutigeu Rómischen Rechis, II, § 94, 310; G. F. PUCHTA, Pandekten, 9•a ed., 76;
LunwiG ARNDTS, tehrbuch der Pandekten, 93; com restrições, B. WINDSCHEID, Lehrbuch deis
Pandelctenrechts, ~, 3Y cd., 144, e g~a ed., 279 5.; afirmativamente, C. E. F. SINTENIS, Das praktische
gerneine Civilrecht, 1, 122 s.; A. F. BERNER, fie Lehre von der Theitnahrne am Verbrechen, 175 s.). Mas, se é
o órgão que pratica o ato ilícito, têm de responder: é a própria pessoa jurídica que o pratica, conforme acentuou
o direito comum, inclusive quanto a pessoas jurídicas estatais: “Ministri quippe sunt tantum vice principum
veluti imago et umbra” (DAvID MÉvIO). Cf. HEINRICH WAENTIG (ti ber die ffaftung filr fremde unerlaubte
Ha’ndlungen, 4 s.). Os atos dos órgãos são atos da pessoa jurídica. Atos de empregados, de representantes, não
são atos dela (cf. WALTER PIPER, Verursachung und Versehulden ais &rundlagen der Sehadenshaftung nach
dem BGB., 54 s.).
A responsabilidade extranegocial das pessoas jurídicas foi negada com base no direito romano, salvo se houve
locupletamento (L. 15, § 1, 13., de dolo maio, 4, 3,; L. 4, 13., de vi et de vi armata, 43, 16). Diferente, pela
responsabilidade, o direito germânico (OTTo vON GIERKE, Das dcutsche Genossenschaftsrecht, II, 622, 793 e
817 s.). Os pós-glosadores sustentaram a capacidade delitual da universitas (e. g., OLDRADo e BÁRTOLO DE
SAXOFERRATO). Cf. GOTTFRIED KaÚGER (fie Ilaftung dc” juristisefleu Personeu, 9, 11 e 13 s.).
O direito comum assentou a responsabilidade delitual das pessoas jurídicas.
Onde há personalidade há responsabilidade. Os princípios sôbre fatos ilícitos e dever de indenizar, quer se trate
de responsabilidade por culpa presumida ou não, quer de responsabilidade subjetiva ou transubjetiva, quer por
fato ilícito absoluto stricto sensu, são invocáveis a respeito das pessoas físicas e das pessoas jurídicas,
indistintamente.

6.RESPONSABILIDADE PELO DANO SEM ILICITUDE DO ATO. A responsabilidade extranegocíal em


caso de legitima defesa, se alguém em defesa de outrem danificou o bem (Código Civil, arts. 160, 1, e 1.520,
parágrafo único), não é responsabilidade extranegocial por ato ilícito. A licitude existiu, a respeito do dano: só
se estabeleceu antijuridicidade; houve dano, e a lei estatui que seja indenizado. Assim, nem todas as
indenizações em virtude de responsabilidade extranegocial são oriundas de atos ilícitos. Há sanção legal, que
tem como ratio legis cobrir-se o que se perdeu, a despeito de a própria lei ter permitido. Permissão excepcional;
responsabilidade que tem outro fundamento que o da reparação dos danos por ato ilícitos. Assim, só está em
causa o quantum respondeatur; não o an respondeatur.
A responsabilidade civil pelo dano causado em estado de necessidade (Código Civil, arts. 159 e 1.519) é
derivada de ato lícito, e não de ato ilícito. O dono do bem atingido tem ação contra o agente, e êsse,
regressivamente, contra o terceiro quê~ tenha tido culpa (art. 1.520). Há a licitude do ato, a despeito de se ter de
indenizar. Cf. GIovÂNNI PALADINI (Fattori deila Responsabilitá civile e pende, 103).
O estado de necessidade pré-exclui a ilicitude, não a responsabilidade. O agente tem de indenizar, porque se
fala, no ad. 160, II, do Código Civil, de não ser ato ilícito a deterioração, ou destruição, da coisa alheia, a fim de
se remover perigo iminente (“quando as circunstâncias o tornarem absolutamente necessário”, art. 160,
parágrafo único), e, no art. 1.520, de ser indenizável o dano, com a ação regressiva, se houve culpa de terceiro.

7.RESPONSABILIDADE POR EXERCÍCIO DE ATIVIDADE PERIGOSA. No Código Civil não há regra


jurídica escrita sôbre responsabilidade pelo exercício da atividade perigosa. Com a evolução técnica de hoje,
cogitou-se, por exemplo, da.s emprêsas de transportes. De jure condendo, j,é de mister que se insira nas leis
regra jurídica geral sôbre os danos causados pelo exercício de atividade perigosa? O primeiro argumento
contrário à necessidade de regra jurídica geral está em que, se a profissão exercida é provàvelmente perigosa,
a causação do dano logo estabelece a presunção hominis. A solução legislativa, ou será a da responsabilidade
objetiva portanto, radical ou a da transformação da presunção hominis em presunção iuris tant um.
No sistema jurídico que acolhe a responsabilidade pela presunção inris tantum, como se passa no Código Civil
italiano, art. 2.050, abstrai-se dos casos raros em que, a despeito da periculosidade da profissão exercida, a
causação não compõe a presunção hontinis.
De qualquer modo, alegado e provado que o dano resultou da atividade perigosa, a culpa do exercente está
presumida. Ao demandado apresentar a prova de que não teve culpa, pois tomara todas as providências e
medidas para que o dano não se desse.

8.DANO CAUSADO POR ALGUMA COISA EM CUSTODIA. Falta no Código Civil regra jurídica sôbre
dano causado por alguma coisa que alguém tem em custódia, ou leva consigo. Quem causa o dano responde
pela indenização: o ato ilícito absoluto foi seu, ou foi seu o ato-fato ilícito. Mas há culpa em casos que não são
de atos ou atos-fatos do responsável. O ad. 1.518 do Código Civil não falou de “atos ilícitos”. O art. 159 fala de
ação, ou omissão. Mas a culpa pode ser por ter consigo coisa perigosa, como pode ser por exercer profissão
perigosa. Ora, se a coisa causou o dano e alguém a tinha em custódia, guarda ou em transporte (B apanhou a
caixa, em que havia uma bomba e a pôs na calçada), o dano proveio da coisa mais a falta de diligência, de
atenção, ou de cuidado, do responsável. Não poderia alegar o caso fortuito, porque não há fortu~dade no que é
perigo previsto. O que é preciso que se frise é que o homem não é só responsável por atos seus, ou atos-fatos
seus, também o é pela coisa, animada ou inanimada, que pode produzir dano, e êle não afastou a possibilidade.
O ato negativo, a omissão, é causa do dano, porque, se êles não tivessem ocorrido, dano não teria havido.
Se a coisa só é perigosa quando usada pelo demandado, tem-se de alegar e provar o ato positivo. Se ela é
perigosa por si mesma, a prova da culpa do demandado é mais fácil, porque houve a omissão.

§ 5502. Atos ilícitos e delitos

1. CONCEITo DE DELITO. À palavra “delito” correspondem diferentes conceitos: a) o conceito de espécie de


ato, em direito civil ou penal, que é o de ato contrário a direito, de modo absoluto, no que se diferencia do ato
contrário a direito, por infração de dever perante alguém (infração de ver ou obrigação de origem negocial, ou
irradiado de ato jurídico stricto sensu, ou ato-fato jurídico, ou simples fato jurídico) ; b) o conceito abstrato da
figura jurídica, com que trabalha o sistema jurídico (figura delítiva), quando precisa descrever o suporte fáctico
das regras de direito penal ou civil conceito a que corresponde cada ato de delito a), quando a regra de direito
penal ou civil incide; c) o conceito psicológico e jurídico, que é o de ato revelador de algo da personalidade de
quem o pratica; d) o conceito sociológico, que é o de fato que se tem, em determinado círculo social, como
reprovado pelo sistema jurídico.
A expressão “direito de outrem” (verbis “violar direito, ou causar prejuízo a outrem”, no art. 159 do Código
Civil; “em sonstiges Recht elues Anderes”, no § 823 do Código Civil alemão) mereceu estudo especial de R.
SCHULZ-SCHÀFFER (Das sub jektive Recht im Gebiete der unerlaubten Handtung, 1, 109 s. e 106). Veio à
balha o conceito de direito subjetivo e depois a análise do assunto, com mais acentuado objetivismo, pôsto que
nem tudo que devia e era de esperar empregasse no trato da matéria. A ordem jurídica protege os interesses dos
membros da comunid4de, enquanto entre si se harmonizam e coexistem; isto é, protege-os enquanto são dignos
de proteção e necessitados dela. Tais noções de dignidade do amparo e da necessidade dêle (Schutzwúrdigkeit,
Schutzbedúrfigkeit) não deixam de ser fecundas, porque, embora sintéticas, são resultados de observação das
relações jurídicas. Dá-se a distribuição dos interesses pelo valor imperativo, Imperativpotenz, conceito que
entendeu formular.
No conceito de atos ilícitos, devemos precisar a independência da obrigação que dêles resulta. Certo seria
defini-los pelo seu efeito, porque a obrigação por atos ilícitos é efeito de tais atos; mas nao é sem interesse
aproveitar-se O assunto para se esclarecer noção assaz movediça e insegura, como éa de que tratamos. O
conceito de ilicitude ou de atos ilicitos é mais vasto do que na acepção, restrita e técnica, do direito civil e,
particularmente, do direito das obrigações. O que o tutor executa sem dever e sem poder executar é ilícito; e
ilícito é todo exercício não legal de qualquer ação, de qualquer movimento. Não é essa a acepção que agora nos
interessa. Pode o mandatário deixar de executar, corno devia, o mandato, ou excedê-lo; não raro, os curadores
se afastam do caminho que lhes traça a lei; e o enfiteuta foge a certas obrigações. Em todos êsses casos, as
conseqüências do direito violado não se produzem fora da relação preexistente: ou nasceram junto a ela, ou a
ela aderem. Dá-se isso, quer se trate de relação jurídica de obrigação, quer de relação jurídica real, quer de

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direito de família ou de sucessão. Então, diremos que se trata de conseqúências anexas ao direito, e não é isso o
que significa a expressão atos ilícitos. Aqui, supomos a independência da obrigação resultante do ato. É
preciso, para ser ato ilícito (no restrito sentido), que produza obrigação independente, isto é, invada a esfera dos
direitos que de modo geral competem a alguém. O ato ilícito estabelece, de si só e originàriarmente, o vinculo
de obrigação. Quer dizer: excluem-se da matéria tudo quanto não produza aquela obrigação independente,
oriunda de invasão da esfera jurídica de outrem. Assim, o conceito de ato ilícito não pode ser equiparado ao de
violação de direito (sentido geral), de que nascem tOdas as ações e exceções; não pode ser assimilado ao de
certas perdas de direitos, impostas como conseqüências de se haver infringido a lei, nem, tão-pouco, com as
penas em geral; não poderia confundir-se com o de modificacão ou extinção de relações jurídicas obrigacionais
já existentes. Nos dois últimos casos, não se vai a juízo pedir a indenização com fundamento no Código Civil,
arts. 1.518-1.558; mas, e simplesmente: a) haver a indenização por perdas e danos resultantes da inexecução ou
da irregular execução de contrato (Código Civil, arts. 1.056 a 1.064) b) pedir o cumprimento estipulada por
alguma infração contratual ou negocia! unilateral (artigos 916 a 92’?) ; e) requerer que se apliquem certas
penas, que a lei estabelece. Exemplos da espécie e) : no art. 1.530, onde se diz que o credor, que demanda o
devedor antes de vencida a dívida, fora dos casos em que a lei o permita, fica obrigado a esperar o tempo que
faltar para o vencimento, a descontar os juros correspondentes, embora estipulados, e a pagar as custas em
dôbro; no art. 1.531, que fala da obrigação do que demanda por dívida já paga, no todo ou em parte, sem
ressalvar as quantias recebidas, ou pede mais do que é devido; nos arts. 1.780 a 1.784, que tratam dos
sonegados. A semelhança entre o que se dá nos arts. 1.530 e 1.531, bem como nos artigos 1.780 a 1.784, e o que
denominamos, restritamente, obrigações por atos ilícitos, está em que, ainda que independente, a relação
jurídica criada pelo ato, naqueles casos, não resulta do próprio dano, nem a êle se limita, mas da regra jurídica
que estabeleceu a responsabilidade pelo ato ilícito.
Assim, se já existe relação jurídica entre o lesado e o autor do dano, ou se aquêle pede o que a lei, para o caso,
fixa, como pena não se regem pelo Código Civil, arts. 159 e 160, 1.518-1.553, as violações de direito.
A distinção é de valor técnico, limitado ao conceito correspondente a certa causa especial das obrigações. No
conjunto da ciência e devido à plenitude com que a lei põe diante de cada indivíduo a expressão organizadora
do movimento social, a toda obrigação corresponde a inexecução ou infração de preexistente obrigação.
Apenas, no caso dos atos ilícitos, não somente dêles resulta obrigação independente <independência que, na
ordem geral, é suscetível de graus, e relativa, como tudo no mundo), como também tal obrigação surge de
invasão da esfera jurídica de outrem.
Aqui convém que afastemos qualquer dúvida a respeito de relação jurídica preexistente e fato ilícito absoluto. A
cada momento fala-se de ato ilícito absoluto, ou de ato-fato ilícito absoluto, ou de fato ilícito absoluto em
suma, de responsabilidade extranegocial e de responsabilidade negocial, frisando-se que essa supóe relação
jurídica preexistente, e aquela, não, Os arte. 1.580 e 1.581 do Código Civil aludem a quem demanda por divida
ainda não vencida e a quem demanda por dívida já paga. Numa e na outra espécie supõe-se que
o demandante se diga credor e possa cobrar a dívida. Mas a regra jurídica do art. 1.530, com a do art. 1.531, de
modo nenhum se prende a qualquer eficácia da relação jurídica que existe, ou que existiu. Exista, ou não exista
a dívida, o que é tido como ilícito é a cobrança, e não a infração de qualquer dever oriundo da relação jurídica
que acaso exista.
Das relações jurídicas existentes, negociais, irradiam-se direitos, mas êsses direitos, quando violados, se são
pessoais, dão ensejo à responsabilidade negocial (e então é razoável que se fale de relação jurídica preexistente,
porque é a ela que se fere). Muito diferente é a violação de direitos que nada têm com a pessoa ofensora.
~ Quando é violado o direito? Todo direito, uma vez violado, ,permite a ação de reparação? A questão é
delicada. Demolir a construção constitui dano ao próprio possuidor de má fé se o autor do atentado à
propriedade não é um dos autorizados, por lei, àquele ato: e. g., se não tem melhor posse. É dano matar animais
alheios, porém, se o que os mata quis razoavelmente (a tanto se reduz o absolutamente necessário do art. 160,
parágrafo único) evitar que os referidos animais ofendam a pessoas que êles persigam, nenhuma reparação
cabe.
Aí está a doutrina legal dos limites subjetivos e objetivos dos direitos: a) legítima defesa, b) exercício regular de
direito; e) necessidade.
Os coniderações subjetivas), tornam ilícito, ou não, o ato humano de intervir na esfera jurídica de outrem. Por
quê? Porque um direito não existe absolutamente, mas relativamente. Os próprios direitos erga omnes são
relativos. Nenhum é mais firme, mais pleno, que o domínio, mas contra o proprietário pode ser exercida a ação
do possuidor de boa fé, ou, até, de má fé (Código Civil, art. 550 e 517). U&~ direito não tem a mesma face para
todos; depende dos outros direitos e, pois, dos titulares de direito. Depende, ainda, de circunstancias puramente
extrapessoais.
O homem tira do ambiente, do mundo exterior, aquilo de que precisa para a sua subsistência e para o seu bem-
estar. Tudo de que necessita para subsistir e para viver bem é interesse humano, no sentido do art. 76 do
Código Civil. Quem priva a A de ir ao templo fere-lhe um interesse de ordem religiosa, sim mas interesse,
porque entra na classe dos atos ou fatos que dão o bem-estar.
Interesse é o valor que possui uma coisa ou uma relação (RtJDOLF VON JHERING, Der Resítzwilie, 26;
FRITZ BERoLz1-IEIMER, Rechtsphilosophisehe Studíen, 101). O intrigado, se prova a intriga e o dano que
disso adveio, tem direito a ação.
Nem o Código Civil brasileiro, nem outros códigos civis identificam direitos subjetivos e interesses
juridicamente protegidos. O que exerce a ação, no caso do art. 76, pode não ter direito subjetivo. Por isso
mesmo, o art. 159 fala em “violar direito”, “ou causar prejuízo a outrem”. Pode não haver, de frente, violação
de direito; ferir-se um interesse. Não há preexistência de relação jurídica independente. Basta o dano, porque
dêle é que a relação jurídica se irradia. Se houve culpa, o dano ainda que não resulte de ferimento direto de
direitos subjetivos há de ser ressarcido. A linguagem dos arts. 159 e 76 é coerente.
O dano é relativo. Depende de circunstâncias objetivas e subjetivas. O dano que se causa ao microbiologista,
quebrando-se-lhe o microscópio, não é o mesmo que se causaria ao sertanejo, ou trabalhador do campo, que,
sem o usar praticamente , tivesse um microscópio entre os objetos da sua casa (JOSEF MAIJCZKÂ, Der
Reehtsgrund dér Sehadcnsersatzes ausserhalb besteflender Schuldverhdltnisse, 28; também II. DEGENKOLB,
Der spezifische Inhalt des Schadensersatzes, Archir /1k civiÃlistische Prayis, 72, 57). Mas não é dano
ressarcivel o que se causa a res nuilius.
O dano pode ser variação, alteração, modificação, ou destruição mecânica ou química; mas seria êrro afirmar-se
que toda alteração física ou química cause dano. ~ preciso que seja, realmente, danosa; e mais ainda: que o seja
para alguém.
Não se pode publicar artigo, em que se diga ser adúltera alguma senhora. Seria punido quem o fizesse. Mas, se
alguém tem de advogar a ação de desquite proposta pelo marido, pode articular o adultério, e prová-lo. Não se
pode atribuir filho ilegítimo a alguém, mas pode-se propor a ação de reconheci-
mento. Do mesmo modo, durante a campanha para uma eleição, pode-se publicar que um dos candidatus já
estêve prêso. O funcionário público solicitado por superi ores para dar informações sôbre antigo empregado, se
as dá desfavoráveis em sigilo, ainda que não as possa provar, não fica por isso responsável: serve, ou presume-
se que sirva, a interesses acima dos interesses privados. Mas a agência que as presta mentirosas, ou levianas, e
com isso causa danoso não se exime da obrigação de reparar, ainda que declare serem confidenciais tais
indicações.
São exemplos de responsabilidade extranegocial:
a) Representar, em romance ou peça de teatro, com todos os seus caracteres, a alguma pessoa, principalmente se
lhe imputa o romancista ou o escritor teatral atos ridículos, desonestos ou infames. Mas o romancista ou
dramaturgo pode inspirar-se na vida real, desde que não esboce conjunto de qualidades de que surja,
reconhecível, alguma pessoa. Ainda que se trate de fatos notórios, ou públicos. No conjunto, que as compõe,
podem ser copiadas as vidas públicas das pessoas. E impossível postular-se a ilicitude de um retrato que, no
meio dos fatos narrados pelo historiador, pelo romancista, ou descritos pela tela cinematográfica, dá a imagem
psicológica do homem público, desde que lhe não impute atos puniveis (calúnias), nem o injurie.
Ninguém pode, sem incorrer em responsabilidade pelo dano, publicar as moléstias de que outrem sofreu e se
curou, quer seja com intuito de reclame, quer de informação científica. O cientista, o médico, deve obter
permissão para declarar o nome, ou pôr apenas os dados que descrevam, sem se reconhecer, a pessoa curada.
Aliás, é assim que procedem todos. Nas fotografias, inutilizam-se as partes principalmente o rosto que
poderiam permitir o reconhecimento.
b)Publicar advertência ao empregado ou ao funcionário público, quando tenha de ser observada. A divulgação
em círculo maior do que o devido constitui ato ilícito. Outrossim, fazer menção, ou estatística dos erros,
cometidos por alguém como empregado, ou como funcionário público, e fixá-la em paredes. Certo, a crítica, em
artigo literário, seria permitida;mas há diferença entre publicar, como opinião, e voltar a reproduzir, por
exemplo, semanalmente, o mesmo escrito.
e)A publicação das dívidas passivas de uma casa. Constitui ato ilícito; salvo: em se tratando de jornal,
geralmente aceito, em que se anunciam, regularmente, as dívidas de todas as casas, ou de determinado ramo ou
círculo; se fôr em lista regular de comerciantes que não pagaram títulos protestados.

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2.CONCEITO DE DELITO EM DIREITO PENAL. Teve enormes vantagens e desvantagens o fato de se ter
submetido a investigações, não raro exageradas e absorventes, o delito e o delinquente. Vinha-se de longo
período em que se havia deixado de ver e de investigar o delinquente (a) e o fato social do delito (b). O jurista
teve de assistir à crítica mais profunda e, por vêzes, mais extremada dos seus conceitos, das suas fórmulas e dos
seus métodos. A certo momento, sentiu-se mesmo que se concentrava em (a) e em (b), ou somente em (a), ou
só-mente em (b), toda a atenção; e apressou-se o aproveitamento daquelas investigações para se volver,
tempestivamente, à técnica jurídica que era especifica. A (a) ligou-se o memorável e bulhento movimento
científico e literário que veio da antropologia criminal da CESARE LOMBROSo à psicologia criminal, à
psiquiatria criminal, à biologia criminal e à psicobiologia criminal, propensa a exame global, integral, do
delinquente. Em (b) estava a sociologia criminal de ENRICO FERRI que mais se preocupou com as causas
sociais do delito. Convergiu-se, com (a) e (b), para o estudo, superados os dois movimentos, dos fatôres do fato
punível: físicos, biológicos, psíquicos, sociais (ambientes, econômicos, religiosos, morais, políticos, jurídicos,
de deslocação ou de calamidades). Tudo isso há de interessar ao jurista como elementos informativos da técnica
legislativa de direito penal e de técnica da execução da pena ou de técnica de tratamento, ainda quando o direito
penal pré-exclui, in casu, a incidência da regra jurídica penal. A Criminologia, para o jurista, é o conjunto
dêsses conhecimentos, que não são os conhecimentos jurídicos prôpriamente ditos. Tanto mais quanto o
conceito sociológico do delito pode ser mais largo, ou menos largo, ou não coincidir, em seus limites, com o
conceito jurídico, ainda na mesma sociedade observada. Há anti-social, para o sociólogo, que o legislador não
incluiu
nas leis penais, e há delitos que ao sociólogo repugnaria considerar delito. Para o sociólogo, que conhece as leis
sociológicas e sabe o que, no sentido da evolução social, se vai destruindo, o delito de professar outra religião
que a do Estado muito lhe serve para mostrar, em certas sociedades, que o elemento religioso mantém poder
político assaz forte para impedir que se passe ao princípio da liberdade religiosa. Por outro lado, pode êle ver,
antes do jurista, que certas regras jurídicas já são letra morta: o jurista é mais lento em proclamar que já está
obsoleto o texto.
O ato pode ser criminoso e incorrer em pena quem o pratique sem que daí resulte dever de indenizar (falta ao
suporte fáctico o elemento do dano) e o de restituir aquilo com que se aproveitou (não houve enriquecimento
injustificado). O dever de indenizar, como o de prestar por enriquecimento inostificado, pode não ser
criminoso; ser, por exemplo, apenas contra os bons costumes. Quem ofende a esfera jurídica de outrem, mesmo
se as leis penais não o prevêem, tem de reparar o dano. Não é preciso, sequer, que tenha havido infração dos
bons costumes. Pode haver a contrariedade a direito sem haver crime, nem enriquecimento injustificado, nem
atingimento dos bons costumes.
A oposição entre juristas, de um lado, e (a) e (lfl, do outro, levou a reafirmar-se em teoria geral do direito e em
teoria geral do direito penal, ou em gnosiologia jurídica, que as regras jurídicas são imperativos (lógicos) e,
pois, trazem dentro de si julgamento de valor. Aos capítulos de ciência, que estudam causas e efeitos (muitas
vêzes, tomando como causas efeitos), foram reservados os julgamentos do fato. Com isso, cavar-se-ia abismo
entre juristas, de um lado, e (a) e (b), de outro, isto é, entre o direito e a criminologia. Cometer-se-ia, porém,
êrro maior, o de se eliminar a ponte entre êles, a técnica legislativa de direito penal, de que se serve, na
dimensão política, o legislador; ao mesmo tempo que se confundiriam o político e o jurídico, pois a regra, antes
de se fazer juridica, pertence ao campo do “dever ser”, deixando de ser tal, exatamente quando já se está na
dimensão jurídica.
3.MÉTODOS E TCNICAS PRÓPRIOS. A cada um dos conceitos correspondem métodos e técnicas próprios.
O psiquiatra, o psicanalista e o biopsicologista têm os seus, a despeito de ser o mesmo conceito de delito o dos
três. Têm os seus os sociólogos, conforme são mais próximos da física, da biologia ou da psicologia. Têm os
seus valôres os juristas, conforme a dose da ciência que há nêles e o grau da mentalidade científica a que
correspondem; e. g., investigadores do que foi ditado por Deus ou pelo legislador, da vontade ou do espírito da
lei, em vez do que é, no estado atual da ciência jurídica, o conteúdo das regras jurídicas formuladas. (Sôbre a
animismo que persiste em se falar de “espírito do legislador’ ou de “vontade do legislador”, “espírito da lei” ou
“vontade da lei”, o nosso estudo de 1922, Subjektivismus und Voluntarismus im Recht, Arch,iv fflr Rechts- unil
Wirtschaftsphiiosophie, Tomo XVI, ERNST ZITELMANN Festschrift, 522-545).
O direito penal diz quais os atos contrários a direito, a que correspondem sanções penais. A tautologia ressalta;
porém, com ela, presta-se o serviço de apontar como errôneas as definições que dão o direito penal como ramo
do direito que faz corresponder a atos proibitivos as sanções. Há sanções civis, de direito administrativo e, até,
de direito constitucional e das gentes, que não são penais. A nulidade e a anulabilidade são sanções; a ineficácia
pode ser sanção; a caducidade, também. Não há direito penal sem pena, em sentido estrito. Porém a luta contra
o crime é em maior extensão que aquela que assenta na pena: há luta contra o crime, na dimensão jurídica, sem
ser mediante a pena; e há luta contra o crime, sem ser na dimensão jurídica: há luta política, luta religiosa, luta
ética, luta econômica, até luta estética, que de nenhum modo se vale da pena, nem, sequer, de meios jurídicos.
O delito passa a ser objeto da pesquisa, de combate e de tratamento, para além do que se leva em conta quando
se redigem leis penais. ~ visto, então, de todas as dimensões sociais, no terreno teórico e no terreno prático,
inclusive da dimensão jurídica, especialmente do direito penal. Tal investigação e tal planejamento de luta,
ainda quando totais, de modo nenhum excluem ou absorvem o direito penal: primeiro, porque a dimensão
jurídica é ineliminável porque, na própria dimensão jurídica, o direito penal é ramo específico. Ganha o
penalista em saber o máximo possível sôbre o delito, mas os antropologistas, os psicólogos, os sociólogos e os
missionários e moralistas não o podem deslocar da sua posição excepcional, na técnica contra o delito. Uns
tratam com a realidade, para colhêr os dados científicos; o jornalista serve à vida, pala aproveitamento
normatizante do saber de cada momento. Se êsse aproveitamento foi o máximo que podia ser, dado o momento
histórico social do povo, ou se avançou de mais, ou se foi deficiente, é outra questão: por ai é que se hão de
julgar a ciência e a técnica legislativa de que lançaram mão os formuladores das regras jurídicas.
A técnica legislativa, que precede à feitura ou à corrigenda das leis penais, assenta: a) em estudo do sistema
jurídico vigente, especialmente penal (dogmatica), razão por que se sói consolidar e se recomenda consolidar-se
o direito penal antes de qualquer nova codificação; b) em guosiotogia jurídica, especialmente penal, para que se
saiba o que é que se conhece e como se conhece a distinção entre atos. de delinqUência e atos não-delitivos; c)
em crítica das deficiências, exageros e erros das leis penais, de que saem considerações de jure condendo; d) em
estudos dos conceitos.

4.CONCEITO PRIVATÍSTICO DE DELITO OU ATO ILÍCITO. O emprego da expressão “delito”, em sentido


privatístico, ou “delito civil”, é insuficiente para se cogitar de ato ilícito a fortiori, de fato ilícito strioto .sensu,
ou de ato-fato ilícito porque há indenização sem ser por detituosidade.
Se nos atemos ao passado, a pena convencional é pena, e não indenização; é simples variante da pena
publicística (W. SJÓGREN, Úber die rõ’nvische Conventionaiatrafe und die Strafklausein der frãnkischen
Urkunden, 11; PAUL DEUS, Die Vertragsstrafe nach dem RGB., 6). O art. 927 do Código Civil atende à
penalidade, e não à indenização; mas o art. 924 atenua o principio (cp. Código Civil alemão, § 343, e Código
Civil brasileiro, art. 924). O ato ilícito, aí, é por infração negocial.

5.ATO ILÍCITO ABSOLUTO E ATO ILÍCITO RELATIVO POR ATOS DE CRIME. A responsabilidade de
quem é figurante de negócio jurídico, pelos atos dos seus prepostos ou incumbidos de auxiliar adimplemento,
rege-se pelo princípio de que quem escolhe responde pela pessoa que escolheu (Tomo XXII, 12.721, 11, 12).
Não importa se há representação, preposição ou simples auxílio. Se se trata de órgão , o ato é do próprio
devedor, ou do credor, que tem custódia do bem devido e ainda não prestado. Não se trata de terceiro. Isso não
quer dizer que essas pessoas não possam ser responsáveis por ato ilícito absoluto. Se o falso procurador, no
momento da conclusão do negócio jurídico, era auxiliar do representado, responde a pessoa que, com isso, lhe
deu tal ensejo, embora sem culpa, se o outro figurante estava de boa fé. Idem, se há excesso de poder, que o
outro figurante ignorava. Para qualquer responsabilidade do devedor empregador é preciso que êle haja pôsto o
empregado em função e que êsse pratique, ou pareça, dentro da função do emprêgo, que pratica os atos do
devedor empregador (cf. EMIL MATEIS, Reste/a nack gemeinem Recht bei der Werkverdingung ejue
Icontraktliche Haftplicht d’es Werkrneister fUi- das Versehulden seiner Gehilfen?, 1 s.; ALFRED
WERTEEIMER, fie Haftung d’es Sch,uldnerg fUi- seine Cehittfen nach dem Rechte des EGE., 28).
A infração do contrato, por parte de A, pode dar causa à indenização dos danos contratuais ao outro figurante, e
à indenização dos danos, por ato ilícito absoluto, a C (cf. WILHELM KOPPEL, Das Interesse eines Dritten
beim Sekadensersatz ana Tertràgen, 45 s.), como o ato ilícito absoluto de C pode dar ensejo a que A tenha de
prestar a B o que recebeu de C.

6.ENRIQUECIMENTO INJIJSTIFICADO. Enquanto o direito à indenização do dano supõe o dano, com a


respectiva responsabilidade, que, ordinariamente , porém não em todos os casos, é fundada na culpa, o direito à
prestação do que a alguém injustamente enriqueceu resulta de princípio, cuja naturalidade os legisladores
romanos sublinhavam: Natura aequum est nem&tem cum alterius detrimento fieri locupletiorem (L 14, O.. de

.~> a]
condictione indebiti, 12, 6; L. 206, O., de diversi,s regulis mi-is antiqui, 50, 17). Cumpre, porém, observar-se
que o enriquecimento injustificado, resultante do acaso, não dava, no direito clássico, ensejo à condictio, e que
a condictio ex tege e a condictio generalis foram bizantinas. Aliás, a jurisprudência clássica quase se restringia
aos casos, sem classificações doutrinais (indebitum solutum, que não compreendia os casos de dividas atingidas
por exceção perpétua, e não exigia a prova, como faz hoje o Código Civil, art. 965, com fonte em texto
atribuido a PAULO, L. 25, pr., D., de probationibus et praesumptio’nibus 2~ 3 mas em verdade bizantino; datio
ob rem, em que “res” era o fim, de que exsurgiu, na época pós-clássica, a condictio ob causam datorunt;
condictio ob tapem causam). Falou-se em princípio geral de equidade, que seria à base das condictiones (PAUL
FRÉDÉRIC GrnARD, Manuel élémentaire de Droit romnain, g•a ed., 653). Há, aí, a falta de referência à
primitiva indenização do dano pelo ato ilícito, que seria de posterior inserção nas condictiones (dai-e ob turpem
causam, condictio ex causa furtiva). Seja como fôr, a justificação pela equidade e pelo direito natural é
provàvelmente de inspiração na ética de Nicomaco e no estoicismo (ULRICE v. LÍIBTOw, Beitrãge zur Lehre
vou der Condictio itach râmiseflem nnd çpeltendem Reckt, 22 s., 81 s.; cf.
H.COING, Zum Einfluss der Philosophie dos Aristoteles auf die Entwicklung des rõmischen Recbts, Zeitschrift
der Savigny-S’tiftung fui- Reehtsgeschiehte, 69, 40 5.; II. NíEDERLANDER, Pie Rercicherungshaftu’ng im
klassischen rãmisch,en Recht, 105, 112). No comêço, a casuistica judiciária mostrou que faltava generalidade,
mais ainda teoria (cf.A.ERxLEBEN, fie condictiones sine causa, 1, 4 s., e prefácio, V; PFERSOBE, Pie
Rereich,erungsklagen, 3 s. e 52 s.). Cumpre, ainda, atender-se à extensão que tem hoje a pretensão por
enriquecimento injustificado, que pode abranger locupletamento com posse alheia, ou qualquer direito com que
outrem se possa locupletar (HERMANN WITTE, fie Rereicherungslclagen des gemeinen Rechts, 41). Não se
precisa aludir ao direito de posse, ou a qualquer espécie de direito, e fêz bem o legislador alemão quando
retirou do Projeto de Código Civil a referência (cf. ERICE JUNO, fie Rereicherungsanspriiche und der Mangel
des “rechtlichen Grundes”, 44; RIcHARD PLESSEN. Pie Grundlagen der m.odernen condictio, 16 s.).
O enriquecimento injustificado não se dá somente pelo pagamento indevido. O conteúdo do art. 964 do Código
Civil apanha qualquer locupletamento sem causa, o que se pôs em relêvo no Código Civil alemão, § 812, alínea
1•a (com a imediata exposição doutrinária, e. g., A. HARTMANN, DerBereicherungsanspruch des BGB., Are
14v fUi- BUrgerliches Recht, 21, 231 5.; e a anterior, e. g., em PIcKERT, Reiti-Étge zur Lekre vou der
condictio indebiti -nach rõmischem und prenssisclzem Recht, 7).
Para o direito de hoje, não tem importância a discussão sôbre se a condictio foi figura processualística (e. g., R.
VON MAYR, fie condictio des rõmischen Privatrechts, 17 s.), ou não (e. g., J. vON ROSCHENBAHR-
LYSKOWSKI, fie condictio ais Rereicherungsklage im klassisehen rômischen Rech,t, 54).
Para o direito brasileiro e a concepção do enriquecimento injustificado, Tomo XXVI, §~ 3.132-3.149.

‘7. PRETENSÀO À RESTITUIÇÃO. A pretensão à restituição supõe que não se trata de pretensão à
prestação. PAULO, na L. 38, ~ 4, D., de usuris et fructibus et causis et omnibus accessionibus et mora, 22, 1,
frisa a plena significação de “restituas”, quando se revoga. “Restitui-se”, em ação real, como a úndicatio, ou em
ação real, como se houve mandato, ou gestão de negócio alheio, ou delito, ou condietia sine causa (repetitio),
ou acUo i-edhibitoria, ou depósito, comodato, ou penhor (PAUL OERTMANN, tiber die fiducia, 184; MAX
IAcomi, ritische Untersuchungeu, 13). Assim, a palavra “restitutio” não se liga somente a deveres de origem
negocial.
O que se tem como resultante de ato-fato ilícito, ou de ato ilícito stricto sensu, ou de fato ilícito stricto sensu, e
se há de entregar porque é de outrem, é bem que se restitui.

8.RESPONSABILIDADE PELOS ATOS DE OUTREM. Quem deve e se faz presentar ou representar assume
a responsabilidade pelos atos do presentante ou representante, como se o encarregado de pagar entrega cheque
falso ou falsificado. O art. 1.521, III, do Código Civil é invocável. Além da responsabilidade de origem
contratual, o devedor tem a responsabilidade pelo fato ilícito (e não só pelo ato ilícito). No direito alemão, a
respeito do devedor, foi inserta regra jurídica especial, que é a do Código Civil alemão, § 278, onde se explicita
responder o devedor por culpa do presentante ou do representante ou dos auxiliares. Mas, com a inserção,
suscita-se o problema da distinção entre a) o dever de adimplir diligentemente e b) o de responder pela
reparação dos danos causados pelo terceiro, que foi incumbido de prestar. Em verdade, há outra distinção: entre
a responsabilidade de quem incumbe terceiro de prestar, como se fôsse o devedor que prestasse, que é a espécie
a), e e) a de quem presta, com ato seu, e encarrega a outrem de entregar (e. g., pagar em dinheiro). O devedor
responde se deu incumbência; não, se foi o terceiro que por êle quis prestar.
A interpretação que se dá ao art. 1.523 do Código Civil não pode ser estendida às espécies a), b) e e) ; porque a
prestação se prende à responsabilidade negocial, que seria a espécie d). Se o auxiliar rouba ou furta ou quebra
algum bem do escritório do credor, ou se o fere, a responsabilidade é regida pelo art. 1.523, porque se restringe
ao art. 1.521, III.
Nas espécies a), b) e o), não se precisa alegar culpa in eligendo (sem razão: 5. CER. fiASSE, Pie Culpa des
rtmisehefl .I?echts, 408 s.; 13. WINDSCHEID, Lehrbuch des PandektenreChtS, ~ 9•a ed., 746 s.), nem cabe
dizer-se que só há a responsabilidade em caso de locatio concluctio operis. Deve-se, fora de dúvida, a L.
ENNECCERUS, em 1884, a precisão do assunto, porque o devedor há de ter diligência em prestar (Juristentu4
vim 1881#, II, 95-116).
Quando se diz que, fora das relações jurídicas negociais, não se pode pensar em responsabilidade de quem
emprega, sem ter culpa, isso não importa frisar-se que é de mister, para a negociabilidade das relações, que já se
tenha concluído negocio jurídico. A responsabilidade pelo ilicito já é negocial antes de se concluir o negócio
jurídico. O hoteleiro é responsável pelos danos causados às malas do futuro hospede, mesmo se, ao chegar ao
escritório ou balcão, ou portaria, o hoteleiro verifica que não tem apartamento que sirva ao freguês. Dá-se o
mesmo se já foi paga a conta, entregues as chaves e o dano é causado pelo empregado do hotel, ou pelo
automóvel do hotel.
Quem incumbe outrem de atos, positivos ou negativos, somente não responde se teve todo o cuidado na
escolha do incumbido, na aquisição ou destinação dos utensílios ou maquinarias, e na direção da atividade, ou
se, ainda que êsse cuidado tivesse tido, o dano ocorreria. O problema do ônus da prova exsurge, uma vez que se
não estatui, em geral, como faz o direito francês, a responsabilidade, mesmo sem culpa do incumbente (Código
Civil francês, art. 1.384, alínea 3; Tomo III, § 352, 2), nas espécies do art. 1.523 do Código Civil. A melhor
solução é, de jure condendo, a de se atribuir ao incumbente o ônus da prova de não ter tido qualquer culpa; &
tal foi a que se pôs no Código Civil alemão, § 831, com inversão do ônus da prova (o apontado como
responsável é que tem de alegar e provar a não-existência de culpa, tal como. ocorre no direito suíço, art. 55).
Mantém-se a atitude do direito comum (há de haver culpa, razão para se ter de responder, cf. S•TOBBE,
Handbuch dies deutsehen Privatrechts II, 254 e 888; WILHELM PFEIPFER, Pie ausserk.ontq-aktlicae Ilaftung
fúr Handtungen dritier Persouen nack § 831 und 832 8GB., 9 s.; cf. FRANZ ANRALT, Die awsservertrugíicn~
Haftpflicht des Geschàftsherren und des Aufsichtspflicntgen fUr Handlungen dritter Personen, lOs.). Sôbre o
assunto, Tomos 1, §§ 91,3; 98, 2,6; 99,4; II, §§ 156,7; 178 e 197,1; III, § 852,2, sôbreo pro.biema do presunção;
IX, § 1003, 4; XV, § 1.731, 1; XXVIII, § 8.346, 1; XXXVII, § 4.153, 2; XLV, § 4.865, 3; XLVI, §4.972, 2;
XLVIII, § 5.145, 2; XLIX, §§ 5.168, 6; 5.185, 3.
Se se permite a prova de não ter havido culpa, dita prima de exculioação (ExkulpationsbeMreis cf. A. E. II.
NÓLDERE, Die ausserkontraktíiche flaftung fOr fremdes Verschulden nach den §§ 831, 832 BGB., Gruchots
Reitrãge, 41, 772; LASS und MAJER, faftpflichtrecht und ~ gebung, 23 ed., 60), houve, na lei, presunção de
culpa.
A responsabilidade extranegocial, que é a que resulta das regras jurídicas do Código Civil, art. 1.521, e de
semelhantes a elas, de medo nenhum é exceção à regra jurídica da responsabilidade do devedor pelos atos de
que incumbiu alguém para satisfazer a sua dívida. A responsabilidade pelos fatos ilícitos absolutos (= estranhos
a relações jurídicas negociais) nada tem com a de quem prometeu, ou teria de prestar (cf.F.VON LISZT, Pie
Deliktsobugatíone,i im Sustem des 8GB., 104 s.; RARL PHILIPP, 8GB: Pie Stellung des § 278 zu dem § 831,
45; ALFRED WERTIIEIMER Die Haftu:ng des Sclzuldners flir geme Gehiilfen, 15; BRUNO BLAU,
Verantwortucnkeít fUr frem Jes Versehuíden nack dem 8GB., 38).
111
O que pratica o ato em virtude de disposição legal, ou de ordem de autoridade legítima, não é responsável pelo
dano. A razão é simples: não se ferem direitos; e se algum fôr lesado, o meio hábil está nas leis processuais : os
recursos, os embargos de terceiro senhor e possuidor, ou de terceiro credor hipotecário, o hábeas- corpus , os
preceitos cominatórios, etc.
O subalterno não pode ser punido no cumprimento de ordens legais formalmente legais; menos ainda, o que
procede por ordem legal da autoridade competente.
Se alguém pratica o ato por ser obrigado, incorre na obrigação o que ordenou, conforme os princípios que
regem a espécie. Só é obrigado quem está vinculado.

9.LEI E INFRAÇÕES COM EFEITOS DE RESPONSABILIDADE.


Se alguma lei veda atos, positivos ou negativos, de modo que se repute infringida a lei, mesmo se não houve

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culpa, o dano que a infração sem culpa causou dá direito a indenização; salvo se há outra regra jurídica quanto à
reparação por ilicitude (cf. HERMANN VOss, Per Schadensersatzanspruch. auc § 823 Mm. 2 des 8GB., 27 s.).
Vedar atos, positivos ou negativos, não é dizer que o ato ilícito absoluto cause a responsabilidade sem ter
havido culpa. Para que a pretensão à reparação nasça, sem ser culpado o ofensor, é preciso que haja presunção
de culpa, salvo regra jurídica especial.
Dos dados objetivos consideradas como tais as diferentes regras legais, que atestam a convicção do legislador e
mostram o sentimento geral e o costume (material, de que deve o juiz e, mais amplamente, o intérprete tirar as
regras jurídicas, ainda que pela pesquisa sociológica interior à lei, intra legem, como queria GÉZA I<íss
(Soziologische Rechtsanwendung im rómischen Recht, Archiv flir BUrgertiches Retckt, 38, 221 s.) extraiu
JOSEF KOHLER (Em Fali der Menschenhilfe im Privatrecht, 36, 3) o princípio, que ora traduzimos, é de
inestimável aplicação no direito privado e no direito público:
há o dever de velar pelas pessoas feridas, que se encontram, e de lhes prestar os socorros imediatos.
Naturalmente, não se estendem aos casos de morte tais deveres. Se procurarmos princípio mais geral, temos:
quem encontra pessoa que precisa de auxílio, ou socorro, ou ajuda, e o prestá-los não exige sacrifício grave ou
perigo da parte de quem está presente, deve envidar todos os esforços para acudir ao necessitado, ferido, ou em
risco. Assim, A pode ser responsável pelo dano sofrido por B, que perto ou longe dêle passa, se A sabe que
adiante há perigo, pode avisá-lo, e não o avisa; pela prestação do Co-digo Civil brasileiro, art. 1.538, se não
ampara a criança exposta, ou que foi, no caminho, pisada pelo animal que corria. É indiferente que seja positivo
ou negativo o fato do delito ou do quase-delito; porquanto qui non facit quod facere debet, videtur facere
adversus ea, quia nou facit (L. 121, D., de diversi.s regulis juris antiqui, 50, 17).
Se alguma lei estabelece que a prestação, devida em virtude de relação jurídica negocial, há de obedecer a
exigência especial (pondo-se, aqui, de lado o problema de haver, ou não, infração do princípio constitucional
que veda a retroeficácia), tem-se de verificar se houve inserção de cláusula, ou de pressuposição, ou de regra
jurídica cogente.
Se a regra jurídica atende a possíveis mudanças de circunstâncias, surge o problema da cláusula, ou
pressuposição, ou imperatividade da mudança.
O direito comum tinha como implícita a cláusula rebus sie stantibws. Entenda-se: supunha-se existir a regra
jurídica. Tudo se passava como se houvesse enunciado que dissesse:
tem-se por inserta no negócio jurídico a cláusula rebus sie stantibws. Houve a reação contra isso, para se evitar
a inseguridade que daí surgia. Não porque se quisesse afastar qualquer resolução ou resilição por
impossibilidade superveniente, mas para que mudanças desfavoráveis não fôssem causa de graves danos a
quem se tivesse por favorecido.
Repelir-se a teoria do direito comum não significa afastar-se qualquer manifestação implícita, tácita, ou mesmo
pelo silêncio, que dê efeito resolutivo, ou resilitivo, ou reajustativo; melhor: que dêem efeito de fazer nascer
pretensão à resolução, ou à resilição, ou ao reajustamento ou revisão, a algum dos figurantes do negócio
jurídico.
A correção monetária, como toda revalorização, que não dependa de cláusula contratual, é em virtude de
pressuposição rebus sie stantibus, e não de cláusula rebus sie staritibus. A cada momento ouve-se e lê-se sôbre
incidência de lei, que estabelece a pressuposição rebus sie stantibus, como se de “cláusula” se tratasse. O êrro é
grave e tem levado a confusões lamentáveis. A pressuposição pode ser contratual, ou legal; a cláusula, não. A
doutrina da cláusula levou à da pressuposição (cf. L.. PFAFF, Die Klausel: Rebus sie stantibus in der Doktrin
und der õsterreichischen Gesetzgebung, Festschrift fúr JOSEPE UNGER, 296; O. FRLTZE, Clausula rabus sic
stantibus, Arehiv filr Biirgerliches Recht, 17, 20 s~ MAx MATTÍlIAS, Rechtswirkung der clausula rebus sic
siantibus und der Voraussdzung sic stantibus, 17 s.) ; mas aí está apenas ligação histórica. Se em qualquer
negócio jurídico, em princípio, pode ser inserta a cláusula rebu.s sie stantibus, isso de modo nenhum justifica
que se tenha como cláusula a exigência ex lege de qualquer mudança da espécie, qualidade, quantidade da
prestação, ou do modo de prestar, ou do tempo.
Sôbre o assunto, Tomos III, §§ 261 e 329; XII, § 1.346; XXV, §§ 3.059, 3.060; 3.067; 3.068, 3; 3.072; 8.076.

10.DRIGÊNCIA E ACIDENTES. Os acidentes são, na maioria dos casos, resultados de distrações, o que na
terminologia alemã se denomina, expressivamente, Zerstreutheit, falta de ajustamento da consciência às
circunstâncias em que nos achamos. No direito, é assaz importante, porque a distração pode ser da própria
vítima, ou de outrem, e então se confundem o problema jurídico e o problema psicológico, com toda a sua
desafiadora obscuridade. Ao estudo da responsabilidade estão ligados os mais graves assuntos de psicologia do
inconsciente e do subconsciente, tanto quanto dos fenômenos de consciência. Conhecem todos o jôgo de
“philopoena”, no qual não pode o jogador resistir à tendência subconsciente de responder sim ou nao as
questões que se lhe apresentam, ou, mais caracterizado, o “eu também” do folclore infantil. É a discordância
entre a percepção subconsciente e a ação subconsciente: aquela, mais demorada; essa, acelerada pela
predisposição natural à repetição motora. O tipo mais simples de resposta motriz subconsciente é, para os
psicólogos, a que consiste em praticar ação mais ou menos oportuna ma1s ou menos habitual, sem que se
produza nenhuma impressão na consciência. Levanta-se A para fechar à chave a porta, e verifica que já a havia
fechado. Em dia de calor, no escritório.
O empregado do banco quer tirar o casaco, e vê que antes o tinha tirado. O frade esmoler da igreja passa, mais
de uma vez, com o prato, ou a sacola de oferendas e esmolas, com a consternação dos presentes. O empregado
da estrada de ferro muda a posição da agulha sem perceber que antes já o executara, e assim causa o desastre. O
primeiro ato foi praticado distraidamente; dai a dúvida ou a falsa convicção de não o haver praticado.
Às vêzes, a atividade inconsciente, em vez de desservir, serve ao indivíduo. Dois exemplos: um já vulgarizado
por JOSEPH JAsTROW e outro dos nossos cadernos de observações psicológicas de 1927. Poderíamos lembrar
outros, vulgares, como o dos pacote de papéis um dos quais se quer lançar no fôgo e outro não; na ocasião,
distraidamente, A atira as enamas o que queria guardar e vice-versa, mas há o repentino reconhecimento
subconsciente de que trocou os papéis no momento crítico para o gesto. Os dois, que vamos dar, bastam à
explicação. Uma senhora seguia pelo corredor do hotel a caminho do elevador, a pensar noutras coisas; de
repente, acreditou ver diante de si um homem que não conhecia. Parou, então percebeu que a porta do elevador
estava aberta e que, se não parasse, teria caído de grande altura. No caso dos papéis, o reconhecimento
subconsciente avisa com reação real, que impede o ato; no último, não: a impressão subsconsciente provoca a
alucinação e dela parece utilizar-se. Em outubro de 1920, ao passar pela Rua ‘7 de Setembro e pela Rua
Uruguaiana, quase fui apanhado por um caminhão, que fêz a curva, sem que eu percebesse o seu sinal; livrei-
me com um salto; e, após, não sabia se fOra Ônibus , automóvel pequeno, ou caminhão. Não há dúvida que
subconscientemente o vi, pois dei o salto, realmente ágil, tão estranho à minha consciência, que no momento
me pareceu o salto, e não o terror do caminhão, a causa de se me acelerar a pulsação. Tudo isso evidencia que n
verificação da culpa é dificílima exploração em regiões obscuras e, por maiores que sejam os esforços e a
exação das testemunhas, dos peritos e dos juizes, desgraçadamente falível.
Nos acidentes de automóvel ou carros, por vêzes têm de ser consideradas as medidas de livre trânsito. A
respeito, o que mais se impõe é atender-se a que, se o culpado estava contra as determinações da autoridade
pública, grande elemento já se há de culpa; se, pelo contrário, obedecia a elas, é então que só a culpa pode
patentear-se por si mesma.
Ainda assim, cumpre atender-se à existência excepcional de livre trânsito, de que gozam alguns veículos, como
os de assistência pública. A respeito escrevíamos em 1927 (Das Obrigações por atos ilícitos, 1, 125) “Por
exemplo, no Distrito Federal, as ambulâncias da Assistência Municipal, quando em serviço de salvação pública,
têm o direito de livre trânsito, isto é, segundo o Decreto n. 1.189, de 8 de junho de 1908, art. 12, deu-se-lhes a
preferência no tocante aos demais veículos, que devem imediatamente parar (§ 1.0). Porém não quer isso dizer
que fiquem escapos aos princípios comuns, normais, de prudência, sem os quais não se poderiam evitar os
atropelos de transeuntes. Salvar a um não justifica poder matar outro, ou mais de um. Com o intuito de ganhar
alguns segundos, não pode o motorista tentar temeridades. Um caso de tal índole julgou a 12- Câmara Cível da
Côrte de Apelação do Distrito Federal, a 15 de maio de 1919: dirigia-se o veículo em rápida marcha e ao
penetrar na rua Euddock Lobo, procedente da rua Machado Coelho, seguiu pelo lado mais próximo da calçada,
junto à linha do bonde, que estava parado, em vez de tomar a parte mais larga; do ato imprudente resultou ser
apanhado pela ambulância o transeunte, exatamente na ocasião em que da calçada se encaminhava para
alcançar o bonde, onde já se achava uma sua filha: dano, culpa, e, conseqUentemente, indenização.
No direito alemão, explicitamente, a obrigação de reparar o dano também incumbe a quem viola lei que tem por
fim a proteção de outra pessoa (Código Civil alemão, § 828, 2a alínea). Os demais casos da 22- alínea
compreendem-se, a nosso ver, na 12-: o dever geral de diligência basta para fundamentar as ações; não é
preciso, para o conceito de ilicitude, recorrer-se, mais ou menos artificialmente, a regulamento.s sanitários, ou
de polícia (OTTo BÂHR, Gegenentwurf zu dem Entwurf cines RC 7R., 166; G. DETMOLD, Der Regrift des
Schutzgesetzes, 332). PAUL OERTMANN dizia que a alínea 22-era apenas complemento, extensão da
primeira. Também ERICH JUNO (Erõrterungen zum EGE., Jherings Jahrbikher, 69, 128), desde
que ao conceito de lei de proteção (Schwtzgesetz) se desse o largo entendimento que lhe dá a opinião
dominante. O que se protege, o que se ampara, é todo interesse juridicamente protegido; tOda situação que se

.~> a]
ampara é tOda situação a que se reconhece a inviolabilidade, o não dever ser modificada senão por movimento
do próprio fato jurídico.
Não quer isso dizer que as regas do direito penal, policial, sanitário, ou alfandegário, não sirvam para
apreciação dos casos. Pelo contrário, são elementos de grande eficácia, porque surgem sempre que se inicia o
exame das relações (o que a lei ou regulamento da saúde pública ou da polícia, das aduanas ou dos automóveis,
não pode é servir de base suficiente à ação dc ressarcimento, que é civil, e no direito civil encontra tudo que lhe
compõe o suporte fâctico) ; na determinação da ilicitude entram e devem entrar, como entram os elementos
morais e de costume.
No direito alemão, há o § 826 do Código Civil que obriga a reparar o dano quem, de maneira contrária aos bons
costumes, o causou a outrem (Cf. FRANZ F. BEm, Die Feststoliungswirkung dez Zivilurtejis, 269 s. e 280). Aí
cabe a aplicação sociológica intra legem, a que se referiu GÉZÂ I(íss (Soziologische Rechtsanwendung im
rõmischen Recht, Archiv fibr Riigerliches Reclit, 38, 221 s.). Usos, costumes do povo e concepções são
material bruto, com que o juiz trabalha e com o qual revela as regras jurídicas, a que se cinge, de modo que tais
elementos constituem o conteúdo mediato da lei.
A imprudência, que, nos casos de profissão técnica, pode aparecer, cria situação irretorquível de culpa (e. g., o
motorista que dá, durante a noite, grande velocidade ao seu carro; o ciclista, o cocheiro, o automobilista, que
avançou, velozmente, nas curvas). A regra técnica cria situa cões de que a análise das relações induz regras
jurídicas. Podemos dizer que as profissões geram a cada momento, com as invenções, os enunciados de cautela
profissional, de penem executória, de previdência, elementos das regras jurídicas latentes: quando se tem de
verificar a culpa, tais florações espontâneas da vida e da evolução industrial aparecem como subsolo do direito.
a autoridade administrativa as inclui nos regulamentos, dá-lhes mais um grau de juridicidade, porém elas já têm
algo de jurídico, antes mesmo de serem incluídas nos regulamentos e nos cartazes.
Assim, sempre que se tem de apurar a culpa do profissional, profissionais devem ser ouvidos. Só e. atenta
consideração das normas técnicas, que devem por êles ser cumpridas, pode, na maioria dos casos, apanhar as
circunstâncias, em tOda a sua delicada significação.
A previsão não há de ser somente a do que mais acontece, e sim a do que pode suceder. O fização , a chuva
torrencial dos trópicos, a inundação de certos iíos não são menos naturais que aquelas outras reações de todos
os dias. Não é normal,. nem previsível, o rechaço da bala de chumbo durante a caça (COrte de Paris, 24 de
novembro de 1896), tanto mais quanto o caçador, qae aceita a ida à caça, sabe que se expõe, a cada momento, a
certos riscos.
Entre as Leis físicas que permitem a previsão hão de ser incluídas as de ordem fisiológica, como a de contrair
moléstias. O homem que contamina, nas relações sexuais, a uma mulher, ou vice-versa, é responsável pelo
dano. Outrossim, o pai da crianÇa doente que a confia à criada, sem que essa soubesse do risco que corria.
O espanto do animal, durante uma viagem, corrida ou passeio de carro, se disso resultam prejuízos a outrem,
obriga quem dirige ou o dono a ressarcimento do dano. Devia prever tais acidentes.
O critério para verificação da conduta dos indivíduos e assaz abstrato, pois que é o do homem normal. S o que
dizem os textos romanos. Lê-se na L. 31, O., ad legem Aqui/Iam, 9, 2: “. . . culpam autem esse, qucd cum a
diligente provideri poterit, nou esset provisumA culpa está em não se prever o une homem preveria ou
sOmente se atentar
quando já impossível evitar-se o dano. Na L. 13, § 1, O., de pQgn’ratioia actione rei contra, 13, 7: “Venit autem
in hac ac tione et dolus et culta, ut in commodato: venit et custodia: vis maior ron venit”. E na L. 14: “Ea igitur,
quae diligens pater famílias in suis rebus praestare solet, a creditore exiguntur”. Em vulcar: “Conseofientemente
é exigido do credor o cuidado, rIe cm suas coisas sói o bom pai de família”. L. 12, O., de periculo c[ comrnodo
rei venditae, 18, 6: “. . . si venditor eam diligeatiam adhibuissent in insula custodienda, quam debent homines
frugi et diligentes praestare, si quid accidisset, nihiL ad eum pertinebit”.
O homem normal seria o bom pai de familia. Mas a velha expressão diz bem pouco. O uso comum, a boa
diligência, diriam mais. Primeiro, porque é o uso e não a mentalidade do pai de família (conceito assaz vago)
que realmente decide da culpa. Não é uso deixar-se à porta da casa objeto de luxo. Nem remeter-se dinheiro em
carta fechada sem nenhuma declaração. O uso varia. O patrão de hoje não pode tratar os operários como os
tratava nos séculos passados. Além de variar com o tempo, o uso varia com as profissões, as classes, os povos.
O ato é ilícito, ou por seu efeito imediato, de que é exemplo a tomada da posse da coisa de outrem, ou por
efeitos lesivos de que culpado seja o agente. Por culpa não sOmente se tem a violação em que houve
consciência da ilegalidade (doUw), nem só se houve a falta da diligência, que fOra mister e com que se
evitariam os efeitos (negligentia). Lê-se em decisão do Supremo Tribunal Federal, a 5 de agOsto de 1925
(ementa) “Aquêle que procede com cuidado e atenção, que o homem regularmente atento costuma dispensar
aos seus negócios, não pode ser acusado de haver agido com culpa ou negligência”. No texto: “A idéia de
fraude, por parte dos réus, está excluída, pois não foi sequer alegada. Culpa, ou negligência, que também obriga
à reparação do dano (art. 159 do Código Civil), não houve igualmente, porque os réus não deixaram de
empregar o cuidado, a atenção, que o homem regularmente atento costuma ter em seus negócios. Êles
receberam uma procuração em forma, e agiram. Culpa ou imprevidência teria havido por parte da União que
pagou os juros de anos atrasados, sem exigir certidão de vida do nossuidor das apólices. Contra os réus apenas
poderia ser aduzido e foi o argumento de que ê!es se prontificaram a restituir a importância recebida, O
argumento é de ordem simplesmente moral”.
11.OFENSOR CÔNJUGE DO OFENDIDO. Quanto ao adultério, tem-se de admitir a ação de indenização
contra o cônjuge adúltero e seu cúmplice (com razão, HENRI LALOU, La Responsabilité civile, 367; R.
SAvATIER, Traité de lei. Respon.sabiIité civile en d%roit français, 1, 13; JosÉ DE AGUIAR DIAS, Da
Respmzsabiiidade civii, J~, 4Y ed., 444). O dano pode ser patrimonial, e não-patrimonial, com repercussão não-
patrimonial ou simples materialidade.
Aliás, o matrimônio não afasta responsabilidade pelo ato ilícito absoluto ordinário (Código Civil, arts. 159 e
1.518) como pelos atos ilícitos que a lei especializou, como no art. 1.519, 1.521-1.523, 1.537-1.540 (homicídio,
ferimento, ou outra lesão), 1.541 (usurpação, ou esbulho), 1.545 e 1.546 (dano causado pelo cônjuge médico,
ou cirurgião, ou farmacêutico, ou parteiro, ou dentista), 1.547 (injúria ou calúnia), e 1.550 (ofensa à liberdade
pessoal).
A transmissão de moléstia, por negligência, ou imprudência, ou má intenção (cp. P. WATRIN, La Rançon> de la
débucite, 92), é ato ilícito. Cf. Código Penal, arts. 130 e 131.
Além das espécies acima referidas, o cônjuge responde pelos danos que resultarem de fatos ilícitos absolutos ou
de atos-fatos ilícitos. Se a casa vizinha é do marido de A (ou da mulher de B) e dela, devido a ruína, ou defeito
de construção, cai parte do telhado, destruindo ou causando danos à casa de A (ou de E), há a responsabilidade
extranegocial, conforme o Código Civil, art. 1.528.

CAPITULO II

DEVER DE REPARAÇÃO E DANOS REPARÁVEIS

§ 5.503. Dever de reparação

1.FONTES DO DEVER DE REPARAR DANO. A reparação


do dano, sem se incluir a reparação pelo dano oriundo de ato ilícito relativo (= infração dc deveres ou de
obrigações nascidas de negócio jurídico), pode ser por haver contra medade a direito, ou sem haver
contrariedade a direito. Se há contrariedade a direito, há ilicitude, ai absoluta; se não há contrariedade a direito,
não há ilicitude, e então a reparação se funda em que a esfera jurídica de alguém foi invadida oem que o ato
invadente se considere contrário a direito. A ciência e a técnica jurídicas conhecem espécies em que se pré-
exclui a contrariedade a direito (atos praticados em legítima defesa, ou em estado de necessidade). Conhecem,
também, atos-fatos, contrários a direito, em que há o dever de reparação, sem se apurar a capacidade delitual do
agente. Assim, na fatos ilícitos stricto sensu, se alguém responde pelo fato (e. g., pelo caso fortuito, ou pela
periculosidade da indústria) há ato-fato ilícito, quando houve o ato, conta o fato contrário a direito (e. g.,
condenação reis nocivo da propriedade) ; há ato ilícito, se o agente há de reparar pelo que fêz, ou outrem há de
responder, que teria de bem escolher e vigiar e não escolheu bem ou não vigiou.
O dano pode originar-se de fato do homem, do animal ou da coisa. Pensava-se sempre em culpa, mas os
acidentes e outras causas de dano provocaram ferinas aos códigos, inclusive o Código Civil francês (cf. G.
MoRTN. La Révalte des Faits centre lo Cade, is.). Um dos pontos principais estava na distinção: fatos do
homem, fatos de bens animados, fatos de bens inanimados (cf. MAX VITRY, La Détermination da faít de
l’homme, de Paninwl, de Ia chose, 37 s.). Se o fato é do homem, o lesado, em princípio, tem o Ônus da prova.
Se o fato é do animal, o expediente legislativo da presunção de culpa passa à frente. Animal e coisa inanimada
podem ser apenas instrumentos na mão do homem.
A responsabilidade por fato (natural, ou do animal, ou da planta) pode ser objetiva, ou transubjetiva. Diz-se
objetiva quando nenhuma válvula se deixa à prova contrária da causação ou da culpa. Transubjetiva, quando

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não se repara se não há ligação ao sujeito, pOsto que não provenha de ato dêle, diretamente, o dano. O que
responde pelo dano, que o vaso, caído da sua janela, causou, não lançou o vaso; pondo-o lá, a sua conduta
permitiu que a queda se desse: não causou a queda (cf. Código Civil, art. 1.529). Se A não demoliu o prédio que
era para ser demolido, e a ruína, o desabamento do teto, ou da parede, causou dano, A responde, pela
contrariedade transubjetiva a direito (art. 1.528). Dá-se o mesmo se o animal morde o passante, ou o vizinho, ou
o visitante (art. 1.527), e o dono fracassa na prova de qualquer dos incisos do art. 1.527. A responsabilidade por
ato de outrem (art. 1.521, 1-1V), qualquer que seja a regulamentação do Ônus da prova, é responsabilidade
pela contrariedade transubjetiva a direito. TOdas as espécies acima referidas são inconfundíveis com o dever de
reparar ato ilícito relativo, isto é, ato que somente pode ser praticado por determinada pessoa (e. g., o locador ou
o locatário, o vendedor ou o comprador).
Em 1927, no livro Das Obrigações por atos ilícitos (1, 224 s.), escrevemos: “No direito brasileiro afastou-se a
questão dos intervalos lúcidos, que seriam causadores de dúvidas terríveis e conseqUências perigosas. De certo,
de jure condendo, não se compreende que o demente rico não pague a indenização. Alguns sistemas jurídicos
fazem responsável o curador. É a solução de inre condito; e não é a melhor. Não é perfeita a outra, que obrigaria
o doente a ressarcir o dano. De jure condendo, e tanto quanto podemos pensar, pressupondo a permanência
protetora do Estado, é a êsse que devia caber toda a responsabilidade, desde que, tendo o encargo, por seus
funcionários,
de dar curadores, não o fêz em tempo oportuno. Porém, ao juiz na aplicação do direito atual é dado examinar a
culpa do Estado e sempre que encontre elementos que a perfaçam deve responsabilizá-lo pelo ocorrido. Em
favor do curatelado e do tutelado provê texto expresso, que responsabiliza
subsidiàriamente o juiz (Código Civil, art. 420), quando o menor ou curatelado (art. 453) sofre prejuízos em
razão da insolvência do tutor ou curador, de lhe não ter exigido a garantia legal, ou de o não haver removido,
tanto que se tornou suspeito, e direta e pessoalmente (art. 421) quando não tiver nomeado tutor, ou curador, ou
quando a nomeação do tutor ou do curador não houver sido oportuna. Nada mais razoável do que obrigar-se o
Estado quando se trate de terceiros e se verifique que, se os funcionários houvessem procedido como diz a lei,
não ficaria sem ressarcimento a vítima do dano. Aliás, no caso do louco, por exemplo, pode ser
responsabilizada a pessoa que o tenha em casa, ainda que não seja curador. Bom seria, em todo o caso, adotar-
se a solução 2lema-suíça, e deixar-se ao juiz certo arbítrio”.
O ressarcimento prende-se à origem do homem, como reação ao mal, ao que fere ou ofende (cf. G.
VENEZIAN, Danno e risarcimento fuori dei contratti, Opere giuridiche, 1, Ss.). O que se prestava para ressarcir
podia ser em outra espécie de bem, mas a condenação nem sempre ressarcia, porque predominava o “dente por
dente”.
Seja qual fOr o dano, mesmo o dano moral, o seu valor é fixável em dinheiro. As ofensas à personalidade têm
de ser medidas pecunariàmente, por mais estranho que seja ao patrimônio o direito forjado («1. ALnEDO
MINOZzI. Siudia sul danno nou patrimoniale, 32), o que sempre sustentamos. Com o dano -e a composição do
suporte láctico da regra jurídica
sObre responsabilidade, que incide na espécie e no caso, nasce o direito à indenização, direito de crédito. Tal
direito, de ordinário, é transmissível, renunciável e dispensável. Mesmo se o fato ilícito absoluto atingiu a
pessoa, física ou psicamente, o direito, que resulta, é direito patrimonial. Por outro lado, a ação é prescritivel.
Quando as legislações falam a) de culpa, como elemento necessário do fato ilícito absoluto, cogitam de regra
jurídica

r
sôbre o que mais acontece. Logo após têm elas b) de disciplinar as espécies em que faz presumida a culpa, o
que não é afasta-la, mas apenas atender a circunstancías que sugeriram dar-se ao responsável o ônus da prova
de que nau houve culpa. Aí nau param, porque redigem o) regras jurídicas em que se estabelece a presunção e
se apontam as únicas provas que são admissíveis. Se tão forte é a probabilidade da culpa que seria
desaconselhável, de jure condendo, dar-se margem á prova de não ter havido culpa, d) já se deixou de
considerar a culpa como pressuposto necessário.
A propósito de á) a técnica doutrinária e a técnica legislativa lançaram proposições ou regras jurídicas que se
baseiam na chamada presunção legal absoluta, expediente que põe no plano do direito promulgado o que
poderia ter sido convicção do legislador. Há presunção hominis e presunção íurzs tantum (cf. Tomos 1, § 18, 3;
III, § 352, 1, 2; 347, 2). Quando já se está no piano do direito feito, de jure condito, já não se pode falar de
presunção luris et de jure. Seria volver-se ao plano da dimensão política.
A responsabilidade pela culpa é a regra; as outras espécies são exceções, sendo que a responsabilidade com a
culpa presumida como que se senta nos dois terrenos. No fundo, os fatos lesivos culposos produzem
responsabilidade; alguns fatos lesivos, não culposos, também a produzem.
O dano ressarcível consiste nas perdas sofridas, uni emergens, e no ganho que não se teve ou não se vai ter, 1w.
de mister que uns e outros derivem do que ocorreu, como fato ilícito absoluto, ou como fato que, a despeito de
não ser ilícito, dá. ensejo à responsabilidade pelos danos.
2. INCAPACIDÂDE E DEVER DE REPARAÇÃO. Os fatos jurídicos stricto sensu (lícitos ou ilícitos) e os
atos fatos jurídicos (lícitos ou ilícitos) podem ser causados ou praticados por absolutamente incapazes. Não
assim, os atos jurídicos (ou sejam atos jurídicos strieto sensu, ou negócios jurídicos). Donde resulta que o
menor de dezesseis anos e as outras pessoas absolutamente incapazes respondem pelo dano causado, se há
alguma das espécies do Código Civil, arts. 1.528 e 1.529. Quem, por dolo, culpa, ou negligência, deixa que
edifício ou construção cause danos, responde segundo o art. 159. O artigo 1.528 diz: “u dono do edifício ou
construção responde pelos danos que resultarem de sua ruína, se esta provier de falta de reparos, cuja
necessidade fôsse manifesta”. Se não houvesse, ai, pelo menos, presunção, elidível, de culpa, o art. 1.528 seria
inútil. A discussão somente pode ser em tôrno da elidibilidade, ou não , da presunção. No Código Civil alemão,
§§ 836-838, pré-exclui-se a ilicitude se foram tomadas as cautelas exigidas, segundo os usos, para se evitar o
perigo (§ 836, 1.~ alínea, lis tine) ; portanto, aí, não há dever de reparação. Tal regra de ré-exclusão foi
interpretada como havendo nos §§ 836-538 a presunção elidível de culpa (contra, OTTO voN GERXE,
Dentsches Privatrecht, 1H, 957) ; mas o teor do art. 1.528 do Código Civil brasileiro não se presta à analogia
perfeita com o direito alemão: tem-se de alegar e de provar que o réu , ou construção, que o dano resultado na
por falta de reparos (ou demolição), que a necessidade da reparos (ou de demolição) era manifesta. Nenhuma
alusão a culpa, nem a ato do dono do edifício ou construção. como elemento de omissão (conduta), que se
presume culposa, Porque o reparo (ou a demolição) era de exigir-se iii abstraeM. Responsabilidade
transubjetiva, pelo fato. Provando -se que não era manifesta a necessidade, não se elide a presunção de culpa:
dá-se prova contrária a alegação de um dos pressupostos objetivos. Idem, provando-se que não houve o dano,
ou que o fato ocorreria ainda que o edifício não precisasse de reparos (ou de demolição). A necessidade de
demolição pode ser parcial, ou total. Qualquer elemento subjetivo é estranho ao art. 1.528: o proprietário, que
ignora o estado do imóvel, ou que deu ordem para os reparos (ou demolição), ou contratou os reparos (ou
demolição), responde. Responsabilidade transubjetiva, pelo fato.

3.RESPONSABILIDADE TRANSUBJETIVA. Diz o Código Civil, art. 1.529: “O’ que habitar uma casa, ou
parte dela, responde pelo dano proveniente das coisas, que dela caírem, ou forem lançadas em lugar indevido”.
Há possibilidade, no art. 1.529, para o fato ilícito, com responsabilidade transubjetiva (verbis “que dela
caírem”) e para o ato-fato ilícito (verbis “forem lançadas em lugar indevido”), com responsabilidade
transubjetiva. Não se exige capacidade delitual do dono ou habitante da casa, ou parte dela. Se a casa é habitada
pelo menor, dificilmente só é por êle. Há de haver quem dêle tome conta, e com êle resida. Tal pessoa é que é
responsável, nas espécies do Código Civil, art. 1.529.
Diz-se no Código Civil, art. 1.527: “O dono, ou detentor, do animal ressarcirá o dano por êste causado, se não
provar: 1. Que o guardava e vigiava com o cuidado preciso. II. Que o animal foi provocado por outro. III. Que
houve imprudência do ofendido. IV. Que o fato resultou de caso fortuito ou fôrça maior”. O ato do animal é
simples fato; de modo que o dever de reparar provém da entrada de tal fato, como ilícito, no mundo jurídico.
Não se exclui o princípio da culpa, tanto que se admite a prova contrária à presunção de culpa. Para o dever de
reparar não se exige capacidade delitual do dono, ou detentor do animal (PAUL OERTMANN, Das Recht der
Schuldverlzitltnisse, 3a4a ed., 1104 s., e a opinião vencedora; sem razão, F. voN LISZT, fie Deliktsobligationen,
107, e F. ENDEMANN, Lehrbuch des Bitrgerlicken Rechts, J, 8Y-93 ed., 1273, nota 9). O que produz o dever
de ressarcir é o fato ilícito stricto sensu: o ato do animal, que é fato. A responsabilidade é transubjetiva, porque
se presume a culpa do dono, ou do detentor, só se permitindo ao acusado que prove um dos pressupostos pré-
excludentes do art. 1.527, 2•a parte.
Se o animal é do menor absolutamente incapaz, há a responsabilidade conforme a regra jurídica do art. 1.527 do
Código Civil, mas tem êle a ação regressiva contra o tutor ou curador, e não é de afastar-se a ação subsidiária
contra o juiz, se o caso se enquadra no art. 420.
No Código Penal, o art. 23 estatui: “Os menores de dezoito anos são penalmente irresponsáveis ficando
sujeitos às normas estabelecidas na legislação especial”. Vale dizer-se:
o Código Penal só incide quanto a atos, positivos ou negativos, de quem já completou dezoito anos. Assim,

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submetido ao Código de Menores, o menor é internado “em seção especial de escola de reforma”, conforme a
Lei de Introdução ao Código Penal, art. 7•O (Decreto-lei n. 3.914, de 9 de dezembro de 1941). O Código de
Menores (Decreto-lei n. 17.943-A, de 12 de outubro de 1927), art. 69, admite o processo do maior de quatorze
anos e menor de dezoito; porém não permitiu, com o art. 74, a interpretação de que sejam civilmente
responsáveis: seria de propor-se, apenas contra o maior de dezesseis anos e menor de vinte e um, a ação do art.
1.524. A capacidade delitual não é pressuposto necessário para a responsabilidade segundo o art. 1.527, ou
1.528, ou 1.529. O’ suporte fáctico que entrou no mundo jurídico não foi ato humano: ou foi fato do animal ou
da coisa, ou foi ato de alguém (lançamento de coisas, art. 1.529, 2? parte), que só se pode tratar como fato (ato-
fato jurídico, se as lançou homem; fato jurídico stricta sensu, se as lançou animal ou máquina).
4.ATOS ILÍCITOS E DANOS CAUSADOS POR OUTREM. No suporte fáctico dos fatos ilícitos de que trata
o Código Civil, art. 1.521, 1-1V, há, sempre, ato humano: ou ato de menores ou curatelados (arts. 1.521, 1 e II),
ou ato de pessoa entregue, “legalmente”, à vigilância de outrem (Decreto 17.943-A, de 12 de outubro de 1927,
arts. 68, § 49, e 74), ou ato de empregado, serviçal ou preposto, “no exercício do trabalho que lhes competir, ou
por ocasião dêle” (artigo 1.521, III), ou de hóspedes, de moradores, ou de educandos (art. 1.521, IV).
A responsabilidade dos agentes, de que fala o Código Civil, art. 1.521, 1-1V, existe, por si, com fundamento no
artigo 159; é a responsabilidade subjetiva: agente lesou, agente deve a reparação. A responsabilidade dos que o
art. 1.521, 1-1V, tem por devedores de indenização é transubjetiva: não há apurar-se se o menor sujeito a pátrio
poder, tutela, ou curatela, ou entregue, “legalmente”, a guarda de outrem, ou se o empregado, serviçal, ou
preposto, ou se o hóspede, morador, ou educando, é delitualmente capaz ou não. A relação jurídica é entre o
titular do direito e da pretensão à reparação e o que se aponta como culpado de não escolher, de não vigiar, ou
de instruir e munir suficientemente. Trata-se de responsabilidade por culpa própria, se bem que de outrem o ato
responsabilidade transubjetiva, que se distingue das de que se cogita nos arts. 1.527-1.529, em que, no suporte
fâctico, em vez do elemento fato (do animal ou da coisa), ou do elemento ato que se há de tratar como fato, está
ato humano. ~ indiferente que êsse ato humano entre, ou não, no mundo jurídico, como ato ilícito. Bastaria isso
para se ver quanto a responsabilidade do art. 1.521, 1-1V, independe da responsabilidade do art. 159.

5. DANO Á TERCEIRO. Em todos os casos de responsabilidade por culpa de outrem, o dano há de ser a
terceiro. Portanto, não há invocabilidade da regra jurídica sôbre dever de reparar se o dano foi à própria pessoa
culpada, ou a quem poderia ser responsabilizado. O dano à pessoa que pratica o ato, positivo ou negativo, pode
ser por culpa de quem tem o dever de vigilância; mas aí os princípios jurídicos são diferentes (e. g., o tutor ou o
próprio titular do pátrio poder ou o curador pode ter de indenizar o dano que sofreu o incapaz, por falta de
cuidado do tutor, pai ou curador).

6.DANOS CAUSADOS POR TERCEIROS. De regra, os terceiros não são adstritos ao respeito dos contratos.
Nada têm, outrossim, com as convenções entre os devedores e alguns dos credores, desde qme não sejam para
os prejudicar. Mas há exceções ; exemplos: a) os casos do Código Civil, art. 1.235; b) o de quem retira de outra
casa o empregado que sabia contratado por outrem por tempo determinado; o) se o terceiro impede, por fraude,
a execução de um mandato; á) se concorre para que outrem simule falência ou insolvência; e) se compra, a
preços anormais, aos devedores, e com isso causa dano aos credoras do perdedor; f) se colabora na simulação
de cases de fôrça maior. O ônus da prova compete ao contraente, ato ilícito do terceiro.
A regra é que os terceiros respondem extracontratual-mente se impedem a execução de algum contrato. O dever
dos terceiros é o de permitir, deixar ou facultar que os contraentes adimplam as suas obrigações. Se por atos ou
omissões voluntárias e. g., impedir a passagem do material de construção, que um dos contraentes se obriga a
fornecer, ou colaborar com o obrigado na simulação da impossibilidade de execução ( desabamento de uma
parte, soltura de águas represadas) o terceiro não deixar que se executem as prestações. responde pelos danos.
Outro caso de responsabilidade é a do terceiro que lesa direitos pessoais resultantes de contratos com
proprietários: o terceiro que impede por dolo, negligência ou imprudência, por ações ou omissões o exercício
do direito de locação; o que não deixa que o comodatário se utilize da coisa infungivel, que alguém lhe
emprestou; o que dificulta a impressão da obra, cuja edição o autor contratou com alguém; o que impede ao
parceiro cultivador, ou criador, o aproveitamento do prédio rústico.
Ainda que se não trate de contrato, a gestão de negócios cria certa situação de fato, regulada pelo direito.
Assim, o que, sem autorização do interessado, intervém na gestão de negócio alheio, tem de dirigi-lo segundo o
interesse e a vontade presumível do dorninus negotii. Por isso mesmo, fica responsável a êsse e às pessoas com
quem trate. O terceiro, se lesa as coisas geridas, responde pelos danos: a) ao proprietário, porque o ato ou
omissão, negligência ou imprudência do terceiro, precipuamente o atinge; b) ao gestor de negócios, como
representante sem mandato do proprietário, e diretamente, em tudo que possa importar, perante o proprietário,
em responsabilidade (Código Civil, arts. 1.331-1.345).
A delicadeza das questões relativas ao ato ou omissão nocente do terceiro ao exercício de direitos pessoais
conferidos ao lesado, por outrem, está na verificação dos casos em que a ação ou omissão do terceiro provém
de outro direito, que diminua, cerceie ou se conflite com o direito que se quer exercer. As vêzes, há casos de
exerci cio irregular de um direito reconhecido (Código Civil, art. 160, 1), ou de abuso do direito; outras, de
cumplicidade, ad instar do que se dá em direito penal (L. HUGUENEY, Responsabilité civile des Tiers com
plice de la violation d’une obligation contractuelie, 141 s.) ; outras,de concurso de credores; outras, de situações
legais, que serão perfeitamente antedíveis, ou não, segundo se fracasse, ou não, na prova da fraude.
O homem pode fazer tudo que quer, exceto o que se não conforme com as situações jurídicas criadas pelas leis
e pelos regulamentos, ou pela moral, o que já entra noutra dimensão. A esfera de ação depende, portanto, das
circunstâncias jurídicas que o cercam. Circunstâncias jurídicas, ou circunstâncias materiais, de que aquelas
possam nascer. Tais como a legítima defesa, a necessidade, que é como a defesa contra o ato que vai lesar não
só ao defensor, mas ao terceiro.
Por onde se vê que no sistema quase inextricável do direito, se é certo que o terceiro tem tantas obrigações
extranegociais, também êle será favorecido pela lei no caso de ocorrer perigo iminente. O art. 160, ii, é como o
reverso da medalha do ato ilícito cometido por terceiro: nesse lugar do Código Civil, pré-exclui-se a obrigação
de reparar a deterioração ou destruição da coisa alheia, a fim de remover perigo iminente, que poderá ser contra
o terceiro, ou contra o patrimônio de terceiro.

7.“ExcEPTIO DOLI” E FATO ILÍCITO. Se bem que a extensão da exceptio dou generalis não seja, hoje, a da
exceptio dou generalis segundo o direito romano, há tal exceção (cf. OTTO WENDT, Lhe exceptio doli
generalis im heutigert Recht, 18 s.; KURT DRONXE, Lhe exceptio doli generalis, 118).
Problema que se há de resolver afirmativamente é o da exceção de dolo, se alguém, por violência ou dolo, ou
por êrro do outro figurante, obteve crédito, mas já prescreveu a ação de anulação.
Sôbre a exceptio doli, II, § 246, 6; III, § 262, 2; IV, §§327,8; 360,1; 457,4; VI, §§ 628, 1; 638; 718,8.
A pretensão derivada de fato ilícito pode ser exercida por via de exceção, mesmo se permitida a ação por fato
ilícito.
Se há invalidade parcial de negócio jurídico, e há parte válida, por ser separável (Código Civil, art. 153, 1.a
parte), há a réplica de dolo (replicatio dou, se, por exemplo, quem exige o pagamento descontara o título
cambiário, que se prendia à parte inválida.
Se alguma hipoteca ou penhor foi constituído em conseqüência de estar o proprietário vinculado a prestar a
garantia, por ter de pagar toda a dívida ou parte dela, e o credor renuncia ao direito real de garantia, ou consente
no cancelamento, está liberado o devedor. Discute-se se contra o credor, que cobra a dívida, há a exceção de
dolo (cf. KONRAD SOI-INEIDELI, Treu und Glauben im Recht der Schuldverhdltnisse im .BGR., 45-87;
RICI-IARD WEYL, System der Verschuldensbegriffe in BGR., 465; SCHUMACHER, Lhe Exceptio doli
generalis nach. BCB., 18). Ou o proprietário do bem gravado era devedor principal, ou não no era: se era, opõe-
se objeção, e não exceção; se não no era e se houve dolo do credor, há exceção (cp. WALTRER GEORO
KRUHÕFFER, Lhe exceptio doli generalis im Recht der Schuldverhdltnisse, 31 s. e 86).

8.CLÁUSULAS FRÉ-EXONERATIVAS E RESTRINGENTES DA RESPoNSABILIDADE


EXTRANEGOCIAL. Tem de ser versada a questão de poder, ou não, o obrigado, prêviamente, por ato de
vontade declaração unilateral, ou bilateral, ou plurilateral exonerar-se da responsabilidade por fato ilícito
absoluto. Prêviamente, dissemos; porque posteriormente, após o dano, qualquer limitação ou supressão pode
ser obtida segundo os princípios gerais de direito. Em certos casos, as leis, de interesse público, interdizem tais
exonerações; e sirvam de exemplo as leis sôbre acidentes de trabalho (Lei n. 3.724, de 15 de janeiro de 1919,
art. 26>, sôbre pensões de empregados de estradas de ferro, ou canais, que devem ser interpretadas como
implicitamente vedativas de vinculações exonerativas em cláusulas ou pactos; a forti,ori, de exonerações por
declaração unilateral de vontade. No direito inglês, o transportador ordinário, não submetido ao Raiiway and
Canal Tra fie Ad, pode limitar a própria responsabilidade, uma vez que não imponha restrições excessivas e
desarrazoadas, inclusive quanto à culpa do pessoal. Interpreta-se tal restrição contra o transportador e só
exonera se expressa e clara. O Carriera Ad, em 1830, limitou a responsabilidade quando se tratasse de ouro,
prata, ou outros valôres; só os felortions aets tornavam responsável o transportador vulgar. Mas, no que respeita

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aos transportes por estrada de ferro, ou em canal, o Raiiway and Canal Trafie Act de 1854 admitiu a exoneração
por negligência ou culpa, desde que escrito e assinado pelos interessados o contrato e reputadas justas, peia
corte, que as apreciasse, as clausulas insertas. Por meio de publicações, que chegue ao conhecimento dos
expedidores, quanto ao transporte por mar. Reputam-se desarrazoadas as cláusulas de exoneração quanto ao
estado dos veículos, insuficiência, outras falhas e dos agentes. Os armadores inserem a negligente clause: mas o
klerchant Skipping Ã4út de 1894 não permitiu cláusula exonerativa quanto a navegabilidade do navio.
Permitiu-se a exoneração pelas faltas dos prepostos e a cláusula de exoneração ii?. navigation 0v in the mana
gement of the vessel, abrangendo todas as faltas náuticas. Quanto aos seguros só se exclui a responsabilidade
em caso de dolo. O segurador responde ainda quando haja negligência do segurado. Lê-se no art. 55 do
Maritime Insurance Act de 1906 que o segurador não responde pelas perdas atribuíveis à falta voluntária do
segurado. Nos seguros de vida, a cláusula concernente ao suicídio foi tida como de ordem pública.
No direito francês, o Código de Comércio, art. 103, última alínea, redigida em 17 de março de 1905, dispôs
(responsabilidade do voiturier) : “Toute clause contraire inserée dans toute lettre de voiture, tarif ou piêce
quelconque est nuíle”. Cf. Código Civil francês, arts. 851-853 e art. 1.780, alínea 5~a, modificada a 27 de
dezembro de 1890, que proibe a renúncia àação de indenização pela rutura do contrato de trabalho, bem como a
Lei de Acidentes do Trabalho, de 9 de abril de 1898, art. 80. As convensões exonerativas da responsabilidade
pela falta de outrem são menos antipáticas; as que tendem a excluir a própria culpa não gozam de simpatia.
Porque aquelas repousam em presunção, e podem não corresponder à verdade; e essas, não. Outras razões para
a distinção: o dever de vigilância tem violações ordinâriamente por culpa leve; ao passo que a culpa própria
acontece, ordinàriamente, ou por dolo ou por negligência grave.
São convenções lícitas de não-responsabilidade: a) aquela pela qual o hoteleiro declara não responder pelas
bagagens do viajante que não tomou certas precauções; b) aquela pela qual o depositário avisa não ser
responsável pelas mercadorias que lhe cheguem sem determinados requisitos de “embalagem”
(há responsabilidade se o dano não proveio disso, ou do que se frisa em a) ; e) aquela pela qual o transportador,
verificando defeito da. coisa ou do envoltório, só transporta com a declaração expressa. São todas reservas
licitas.
Na Bélgica, excluem-se do seguro o dolo e a culpa grave (Lei de 1.0 de junho de 1874, art. 16: “Aucune perte
ou dommage causé par le fait ou par la faute grave de l’assuré n’est àla charge de l’assureur; celui-ci peut même
retenir ou réclamer la prime s’il a dejà commencé à courir les risques”. Quanto ao seguro marítimo (art. 182)
“Toutes pertes et dommages provenant de son fait (de l’assuré) ne sont point à la charge de l’assureur”. Os
danos causados pelo fato ou falta dos proprietários afretadores e carregadores não incumbem aos seguradores
(art. 188). Quanto aos seguros de incêndio (art. 88)
“Les risques d’incendie comprenent tous les dommages survenus aux objets assurés par suite d’incendie, sans
un fait ou une faute grave imputable à l’assuré personnellement”. Não há textos sôbre as cláusulas de
irresponsabilidade.

§ 5.504. Responsabilidade por culpa “in eligendo”, por culpa “in vigilando” e semelhantes

1.PLURALIDADE DE RESPONSÁVEIS. a) O dano pode ser ausado por uma só pessoa ou duas ou mais
pessoas (pluralidade de devedores da reparação, pela relação de causalidade entre os seus atos, positivos ou
negativos, e o dano). b) Pode ser causado por pessoa, que tenha, ou não, capacidade para atos ilícitos absolutos,
e haver o dever de outrem quanto à eparação, porque o causador foi empregado, preposto ou pôsto em serviço
por êsse terceiro, devido a culpa em escolher (inclusive não-despedir) e em vigiar. Os pressupostos são a) o
dano, b) a relação de emprêgo, preposição, ou serviço, e c) a culpa na escolha ou na vigilância, ou outra
semelhante. O legislador tem diante de si três soluções técnicas: ou presume a culpa, provados o dano e a
relação; ou não presume a culpa, e cabe ao autor o ônus da prova, sem se excluirem, é claro, presunções
hominis; ou elimina qualquer possibilidade de prova de não-culpa. O direito comum dava o ônus da prova ao
lesado, inclusive quanto ao nexo causal entre a culpa do réu e o dano. O Código Civil alemão, § 831, alínea 1?,
deu o ônu5 de prova negativa ao empregador, preponente, amo, ou patrão (comitente); quer dizer: tratou no
mesmo pé de igualdade as espécies dos incisos 1-111. O Código Civil brasileiro, no art. 1.521, 1-111, não
adotou (com o Decreto n. 17.943-A, de 12 de outubro de 1927, arts. 68, * 4•O, e 74) solução diferente para os
incisos 1 (pais) e II (tutôres, curadores, pessoa legalmente encarregada de menor) e para o inciso III. Os que são
apontados como devedores de reparação, no art. 1.521, III, têm o ônus da prova da não-culpa; os que os
apontaram têm de dar a prova de que havia o vinculo contratual entre o agente e o responsável e o dano
derivasse de ato previsto no artigo 1.521, III.
A causa do delito é a causa, que em dado momento teve como resultado o dano; e não a causa in abstracto, isto
é, o que poderia determinar o dano, em quaisquer outras circunstâncias (cf. ANmN HESS, tYber
Kausalzwsammenhang und unkôrperliche Denksubstrate, 11-18). Às vêzes, os que participam da causação
apenas deixam apontável o fato de inserção e não a espécie de elemento da causa, com que concorreu; mas o
que importa é que haja a relação de causa e efeito, objetivamente, e se saiba quem subjetivamente concausou o
dano (cf., e. g., HANS TUZINA, Die civilrechtliche Haftung mehrer DeUnquenten nack dent SUB., ‘70 s.).
O dever de vigilância de determinadas pessoas (menores, curatelados, pessoas que necessitam de assistência,
devido ao estado físico ou psíquico> supõe que não tenha havido adimplemento do dever: a insuficiência do
cuidado causou o dano, ou não o evitou, ou não o evitou em sua extensão. A indenização é a quem sofreu o
dano, à pessoa sob vigilância ou a terceiro. Há algo de semelhante à responsabilidade de quem a assumiu
mediante contrato.
Se à pessoa sob cuidado é imputável o delito (e. g., se é maior de dezesseis e menor de vinte e um anos, Código
Civil, art. 156, e os curatelados relativamente incapazes), há duas responsabilidades.
O art. 1.521, 1 e II, do Código Civil, não fala do padrasto nem da madrasta: só se refere aos pais e aos tutôres e
curadores. A transmissão do pátrio poder ao outro cônjuge, se falta quem o tinha, é ipso iure; mas a
responsabilidade conforme o art. 1.521, 1, independe da titularidade do pátrio poder. A mãe que não tem pátrio
poder e exerce a guarda do filho (o que ocorre, por exemplo, nas espécies dos arts. 881, 825-329 do Código
Civil) responde conforme o art. 1.521, 1. Se a mãe tem o pátrio poder e a guarda, e vive em companhia,
maritalmente, de alguém, o demandante tem o ônus de alegar e provar que tal convivência ocorre e houve culpa
do companheiro. Se a mãe que casou com outrem tem a guarda, o padrasto tem o mesmo dever de vigilância,
atendendo-se a que a culpa in. vigilaizdo se aprecia conforme a idade, aptidões, qualidades e grau de
desenvolvimento do menor. A mulher casada que tem a guarda fáctica dos filhos e filhas do marido é
responsável, mas o ônus de alegar e provar a culpa toca ao demandante. Aliter, se a guarda é legal.

2.CULPA do APONTADO COMO RESPONSÁVEL. A culpa do comitente, empregador, preponente, ou


locatário de serviços, se não deu aos empregados, prepostos, ou locadores de serviços os instrumentos,
utensílios, ferramentas, maquinaria, ou ingredientes necessários, pode ser a do Código Civil, art. 159, se o dano
ocorreria provavelmente , quem quer que fôsse, no lugar do empregado, preposto, ou serviçal; pode ser em
pluralidade de culpas (culpa do comitente e culpa do autor do dano) ; ou, ainda, só na escolha, na falta de
vigilância, ou de organização dos serviços, ou no fornecimento dos meios para o trabalho. Na última espécie, o
ato causador foi do empregado, preposto, ou serviçal a culpa do empregador, preponente, ou amo, é apenas a
respeito da relação causal entre escolha do agente, ou do lugar, ou dos meios, com que havia de trabalhar o
agente, e o aumento de probabilidades do ato do empregado, preposto, ou serviçal. Por exemplo: A emprega B
para demolir, a dinamite, pedra que há no seu terreno, porém E não sabe dosar a dinamite para certa previsão
dos resultados, e A não se preocupou com isso; E usa carga demasiada, a ponto de fragmentos irem alcançar a
casa do vizinho. A está na situação do art. 1.521, III, e a prova de que A não inquiriu das habilitações de E
bastaria para assentar a culpa in eligendo. A emprêsa A põe nos seus serviços de caminhões motorista B, que já
fôra condenado por ter jogado num jardim de residência o caminhão que dirigia: A responde
pelo ato de B, bastando a prova de que B já havia praticado atos perigosos para a segurança do público. A culpa
in digendo é evidente, se A admitiu no seu serviço motorista sem carteira. Se o dano se haveria produzido, se o
comitente tivesse sido exato na escolha e nas cautelas, o Código Civil, artigo 1.521, III, não incide, O comitente
que deu instruções balhas, ou se esqueceu de dar instruções, ou as deu tardas ou obscuras, pode responder
segundo o art. 159, ou segundo o artigo 1.521, III.
Houve grandes divergências na interpretação dos artigos 1.521, 1.522 e 1.523 do Código Civil. Prevaleceu a
que demos em 1927. Assim, desaparece a dificuldade que advinha. do art. 1.521, 1, conter “e’ em vez de “ou”, e
afastou-se qualquer exigência da prova da culpa por parte das pessoas apontadas, no art. 1.521, 1-1V, como
responsáveis.
3.ESPÉCIES DE CULPA EM CASOS DE ATOS DE OUTREM.

O dever de reparar o dano, por ato ilícito absoluto, funda-se, de ordinário, na culpa. Para se admitir que o ato de
uma pessoa acarrete dever de outra, é preciso (a) que a pessoa, a quem se atribui o dever de reparar, tenha culpa
em escolher ou em vigiar, ou em policiar (no sentido mais largo), ou outra semelhante, ou (li) que as
circunstâncias, em que alguém exerce os seus atos de profissão, ou indústria, sejam tais que a atividade mesma

.~> a]
aumente os riscos das outras pessoas e se possa substituir o fundamento na culpa por outro (responsabilidade
dita “objetiva”>. Quando alguém tem o dever de reparar, por ação de outrem, mas culpa sua, diz-se
transubjetiva a responsabilidade, como é subjetiva, se a culpa é sua e seu o ato, e objetiva, se não há culpa, ou
não é pressuposto a sua culpa.
(a)A técnica legislativa da responsabilidade transubjetiva, diante das espécies em que o dano é causado pela
ação de outrem, ou a) exige a prova da ação de outrem e a prova da culpa de quem tem o dever de reparar, ou b)
exige a prova da ação de outrem e presume a culpa de quem tem o dever de reparar. A presunção pode admitir,
ou não, prova em contrário, porém a exclusão da prova em contrário transforma a presunção em ficção, que é o
cxnediente técnico em que se dão à situação conseqUências inelimináveis.
(b)No art. 1.521, diz o Código Civil: “São também responsáveis pela repartição civil: 1. Os pais, pelos filhos
menores que estiverem sob seu poder e em sua companhia. II. O tutor e o curador, pelos pupilos e curatelados,
que se acharem nas mesmas condições. III. O patrão, amo ou comitente, por seus empregados, serviçais e
prepostos, no exercício do trabalho que lhes competir, ou por ocasião dêle (art. 1.522).
IV.Os donos de hotéis, hospedarias, casas ou estabelecimentos, onde se albergue por dinheiro, mesmo para fins
de educação, pelos seus hóspedes, moradores e educando. V. Os que gratuitamente houverem participado nos
produtos do crime, até à concorrente quantia”. No art. 1.522: “A responsabilidade estabelecida no artigo
antecedente, n. III, abrange as pessoas jurídicas, que exercerem exploração industrial”. No artigo 1.523:
“Excetuadas as do art. 1.521, n. V, só serão responsáveis as pessoas enumeradas nesse e no art. 1.522,
provando-se que elas concorreram para o dano por culpa, ou negligência de sua parte”. Mais, no art. 1.524: “O
que ressarcir o dano causado por outrem, se êste não fôr descendente seu, pode reaver, daquele por quem pagou,
o que houver pago”. O art. 1.523, segundo a interpretação que déramos em 1927, alude à ação de outrem,
presumindo-se culpa, exceto na espécie do art. 1.521, V. O Decreto n. 17.943-A, de 12 de outubro de 1927
(Código de Menores), art. 74, frisou a presunção de culpa para as espécies dos incisos 1 e II, mantendo o ônus
da prova da falta de culpa in elegendo ou irt vigilando ao demandado nas espécies III e IV.
O filha que no momento do ato ilícito não tinha aptidão para apreciar o ato que praticava não é, em princípio;
responsável, salvo se tal estado proveio da sua culpa. t o caso do bêbedo. Se quebrou os jarrões do salão em
que se achava, por ter bebido demais, responsável 4. Afaste-se, portanto, que o que tomou entorpecente seja
irresponsável. Quem foi pôsto por outrem em estado de inaptidão, ou por acidente, responsável não é.
4.MENORES E RESPONSÁVEIS. Quanto ao inciso 1, hoje há de ser lido: “Os pais, pelos filhos menores que
estiverem sob seu pátrio poder ou em sua companhia, não provando que não houve de sua parte culpa ou
negligência”. O ônus da prova do fato negativo incumbe a quem se aponta como devedor da reparação: não no
é, se consegue elidir a presunção juris tantum. Deve-se ler o art. 1.521, 1, como relativo ao titular do pátrio
poder e ao genitor, que tenha o menor em sua companhia, porque no art. 68, § 4~O, e no art. 74 do Decreto
número 17.943-A, de 12 de outubro de 1927 (Código de Menores), estatui-se: “São responsáveis pela reparação
civil do dano causado pelo menor os pais ou a pessoa a quem incumba legalmente a sua vigilância, salvo se
provarem que n~o houve da sua parte culpa ou negligência” (Código Civil, arts. 1.521 e 1.528). Tal regra
jurídica se inseriu no sistema jurídico brasileiro e necessariamente o esclareceu no tocante àquelas pessoas,
como o avô, outro parente, ou estranho, inclusive preceptor, que, tendo legalmente a vigilância, todavia não é
titular do pátrio poder. No presente momento do direito civil brasileiro, temos, portanto, as regras jurídicas
seguintes, formuladas como se uma só fôsse: “Suo também responsáveis pela reparação civil: 1. O pai ou mãe,
titular do pátrio poder, ou o genitor, que tem em sua companhia o filho, por lei (inclusive decisão judicial, que é
aplieaç5o de lei)”.
O residir junto, o coabitar, dá ao pai ou à mãe a possibilidade de vigilância, de jeito que não se exige que haja o
pátrio poder, O tutelado, ou curatelado, que reside com a mãe , ou com o pai, tem de ser vigiado pelo tutor e
pelo genitor. Não se pode dizer que, em todos os casos, a culpa de quem tem o filho em sua companha a afaste
considerar-se presumidamente culpado o tutor, ou curador, pois que podem coexistir as duas culpas in
vigilando. Dá-se o mesmo se o menor que está sob pátrio poder reside com o genitor que n~o é o titular. Se
passamos ao ad. 1.521, IV, duas eu mais culpas in vigilando podem aparecer, presuntivamente; e. g., há o pai
titular do pátrio poder, a mãe que permanece no hotel e o hoteleiro; o menor, tutelado, ou curatelado, mora
com a mie, e estuda na escola. Se o pai, mãe, tutor ou curador, devia ter consigo o incapaz e o internou sem ser
necessária a inclinação , ou o internou defíciemente, há a responsabilidade.
Se o responsável dá mau exemplo de comportamento, ou de amizades, dificilmente pode provar que nAo é
culpado do fato negativo, isto é, do ato impediente.
A pessoa presumidamente responsável tem ou provar que dá a devida educação (cf. ALBERTO TRABUOCHI,
Suila Prova Jiberatoria deila presunzione di colpa esimente dela responsabiiità indiretta dei genitore,
Giurisprudenza Italiana, 1953, 1, 1, 283 s., sôbre o julgado da Cassação a 5 de agôsto de 1952), ou tratamento
exigido.
Na apreciação da prova que dá o titular do pátrio poder, ou o pai ou mãe que tem em sua companhia o filho, ou
o tutor ou o curador, tem o’ juiz de levar em consideração a profissão ou ocupação, a situação econômica e,
entre outras circunstâncias , as de tempo e lugar.
A prova que o titular do pátrio poder, ou pai ou mãe que tem consigo o filho, o tutor ou o curador, há de dar,
para que não seja condenado à indenização, é a de que teve todo cuidado necessário a evitar o dano. Prova de
não ter havido a causa mediata ou indireta. Se êle o prova, fica incólume a presunção juris tantunt, a presunção
do fato próprio culposo, porque o responsável tinha dever de vigilância e a lei pôs à frente a culpa in, vigilando,
com os fundamentos que se assentaram nos sistemas jurídicos.
Resta saber-se se o art. 1.521, 1 e II, do Código Civil é taxativo, de modo que, em situações semelhantes, não se
possa invocar a presunção iuris tantum. A resposta é afirmativa, pois, no art. 1.521, 1, são o pai e a mãe, que é
titular do pátrio poder, ou que o não é e tem em sua companhia o filho. Quanto aos tutôres ou curadores, há a
incidência do art. 1.521, II, porém a mulher do tutor ou do curador, se o tutor ou o curador, que reside fora, lhe
entrega o tutelado ou o curatelado, somente é responsável se o demandante prova a culpa. Aí, não há presunção
juris tantum de culpa. O que pode ocorrer é que se componha presunção hominis de culpa in vigilando, o que já
estava bem afirmado em OTORGIO GTORGT (Teoria de lia Obbligazioni, V, 73 ai., 436 s.) e em O. IR
CHrnONI (La Colpa ne* diritta civile odierno, II, 179 s. s 187).
A, responsabilidade pode ser de ambos os pais, se na companhia de ambos está o menor; pode ser de um só. Se
de ambos, é solidária a obrigação (Oto WÂRNEYER, Kommenlar, 1, 1882). Se o genitor satisfaz a dívida e o
menor estava ‘em colégio, ou outro estabelecimento com dever de vigiar, há ação regressiva do genitor, mas
fundada no ad. 1.521, IV, talvez combinado com o art. 1.521, III.
A só proibição do ato, positivo ou negativo, não é vigiar. Não é pressuposto da responsabilidade segundo o art.
1.521, 1, qualquer culpa do menor; pode ser absolutamente incapaz:
a culpa e a responsabilidade são próprias do genitor. Há de ser dano a terceiro; não ao próprio menor. O dano ao
menor é regido pelo art. 159, ou pelo contrato; então, tem de ser provada a culpa (PAU!, OERTMANN, Das
Reeht der Schuldverkiiltnisse, 4a ed., 1099). Quanto aos danos ao menor causados por terceiro, no colégio, é de
invocar-se o contrato. Sem que se afaste a possibilidade de fato ilícito absoluto.
A reparação pelos atos dos que devem ser vigiados, quando a relação não resulte de incidência de lei, ou
aplicação judicial de lei, cai sob o ad. 1.521, IV; a reparação, quando o dever de vigilância resulte de lei, ou de
aplicação judicial de lei, sob o art. 1.521, 1 e II, e o Decreto n. 17.948-A, de 1Z de outubro de 1927, arts. 68, §
4~O, e 70. Não é só o pai, que, sendo titular do pátrio poder, tem de vigiar o menor, é também o pai, que não é
titular do pátrio poder, mas tem em sua companhia o filho, a mãe, que sendo titular do pátrio poder, tem de
vigiá-lo, ainda que não esteja em sua companhia e, pois, nos limites do exercício do pátrio poder, e a mie, que
não tem o pátrio poder, mas tem consigo o filho. Não se responde se, no tocante ao ato, ou à causaçao do ato,
nada podia o pai, ou a mãe. Por exemplo, se o filho, que estava em companhia da mãe, ainda que em dias de
férias, fere a alguém, com arma, proibida ou não , a mãe não responde, se prova que a educação do filho ficou
ao pai e êsse dela descura sem que a mãe possa intervir. Então, deve a reparação o pai. Se é a mãe, que, vindo o
filho à casa, lhe permite más companhias ou uso de bebidas, ela, e não~ o pai, que o ignora, é que responde. A
causação não precisa ser de conduta do genitor ao ato do filho; basta que seja de conduta a conduta: o filho tem
tal conduta porque o genitor a tem, ou deixa que o filho a tenha, ou ]ha dá, ou não a impede como devera.
O genitor somente escapa à incidência do art. 1.521. combinado com o Decreto ii. 17.943-A, se prova que não
houve da sua parte culpa ou negligência isto é, que cumpriria, com suficiente atei~ção, o seu dever de
vigilância.
n respeito do art. 156 do Código Civil, decidiu a 5•a Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Distrito Federal, a
21 de maio de 1957 (D. da 1. de 25 de setembro de 1958) “A regra ao art. 156 não afasta a solidariedade dos
pais pelos atos danosos os filhos, comprovada a culpa ou negligência da sua parte. No caso dêstes autos, há
decisão condenatória do Juizo de Menores, o que nos termos do art. 1.525 do Código Civil torna certa a
obrigação de reparar o dano. Daí a sem-razão com que o réu pleiteia reabrir, nesta instância, campo à prova
ilidente da decisão condenatária. E menos ainda no entender que a condenação no Juízo de Menores não se
reveste de fôrça bastante para obrigar a reparação civil. O próprio Código de Menores e as alterações que lhe
trouxe u Decreto-lei n. 6.026, de 1948, desautorizam tal versão, consignando o art. ‘74, de forma expressa, o
princípio da responsabilidade in casu dos pais, nos termos em que a prescrevem os arts. 1.521 e 1.523 do

.~> a]
Código Civil”.
A responsabilidade pelos atos de pessoas submetidas a pátrio poder, tutela ou curatela, ou a guarda dominical,
começou limitada ao pai ou ao dono. A reação vingativa era contra o agente, e responsável era quem se negava
a entregá-lo ao ofendido (noxae deditio). A responsabilidade do agente era, ao tempo das XII Tábuas,
independente de ter o pai ou dono conhecido a infração (CELSO, na L. 2, ~ 1, 1)., de ,toxalibus actianibus, 9,
4). Nos ínicios da República foi que r~e cogitou da culpa dos responsáveis, com a possibilidade de eximir-se
com a entrega do ofensor. (Diferente, quanto ao dano causado por animal.)
No art. 1.521, 1, do Código Civil, fala-se de pais que tenham em seu poder e em sua companhia os filhos.
Repete-se a referência no tocante a tutôres e curadores. Poder, aí, é mais do que pátrio poder, porque o tem o
tutor ou o curador, O pai, ou mãe , que não tem o pátrio poder, tem consigo o filho (“em sua companhia”),
responde conforme o principio. Se o tutelado é incapaz, ou se tornou incapaz durante a tutela, o tutor que ainda
não se tornou curador tem, em continuação, o dever de vigilância, O padrasto, se o enteado está em companhia,
da mãe, ~e, pois, dêle, ou a madrasta, se em sua companhia está o enteado, é responsável. A doutrina
estabeleceu isso, acertadamente.
O Supremo Tribunal Federal, a 7 de janeiro de 1954 (li. da J. de 26 de outubro de 1959), assentou o que
sustentávamos, e o voto do relator foi explícito: “PONTES DE MIRANDA analisou verticalmente os citados
dispositivos, concluindo não constituir o art. 1.521 exceção ao princípio da culpa nem suscitar caso de
responsabilidade por culpa alheia, O que éle faz é estabelecer, em favor do lesado, a presunção de que foram
culpadas as pessoas que êle enumera nos incisos 1 a IV. Significa pois, e apenas, inversão do ônus da prova. A
objeção de que o art. 1.528 exige essa prova, que deve ser dada por quem afirma a responsabilidade pretendida,
levaria a admitir antinomia, ao parecer, indespontável. Entretanto, como observa PONTES DE MIRANDA, se
o artigo 1.521 criou presunção vencível de culpa, e se a presunção o é meio de prova (ad. 136, n. o que se pode
concluir é que, dada a situação figurada naquele artigo, a prova exigida no art. 1.528 já está satisfeita. Na lição
do jurista citado, a contradição entre os arts. 1.521 e 1.528 não existe, na real verdade. Ela se limitaria ao ônus
da prova, por isso que os atos do art. 1.521 não induzem responsabilidade pela culpa, mas pela ação de outrem.
Não contam exceção princípio da culpa e nem suscitam responsabilidade por culpa alheia. Trata-se de culpa
própria, mas presumida”.
Já antes a Câmara Cível da Côrte de Apelação de Minas Gerais, a 14 de abril de 1987, baseou-se no que
escrevemos em 1.927, com explícitas referências (Das Obrigações por atos ilícitos 1, 277 sj. Portanto, contra a
interpretação de CLã VIS BEliVAGUA e a de outros juristas. Um dos trechos do acórdão:
“Para Pontes de MIRANDA, limita-se ao Ônus da prova o conflito entre os arts.• 1.521 e 1.523, por isso que
os atos do artigo 1.521 não induzem responsabilidade pela culpa; mas pela ação de outrem. Não contêm
exceção aos princípios da culpa, nem criam responsabilidade pela culpa alheia. Trata-se de culpa própria mas
presumida. Larga e exaustívamente se refere o douto jurista pátrio ao problema, dando-lhe solução contrária à
pleiteada pela recorrida..

No sentido do que dissemos, o Supremo Tribunal Federal, a 23 de agôsto de 1944 (A. J., 743, 312), a 22 de
outubro de 1948 (1?. dos 7’., 183, 934), a 22 de maio de 1953 (A. J., 114, 425), a 18 de junho de 1955 (A. 1,
116, 407), a 2•a Turma, a 11 de novembro de 1952 (108, 207), a 19 de outubro de 1954 (114, 484) e a 4 de
setembro de 1958 (113, 567: “Se exigida fôsse da parte do autor, em hipóteses semelhantes, a prova da culpa do
preponente, ficaria sem sentido a regra contida no art. 1.521 do mesmo diploma legal. ~ o que bem salienta
PONTES DE MIRANDA, em seus comentários ao Código Civil, Manual, 16, 3•a parte, 420. Não há presunção
legal sem regra de direito que a formule. E o art. 1.523 parece que a exclui. Mas, então, ,para salvarem a
aparente viciosa significação do artigo 1.528, sacrificariam o art. 1.521, que é fundamental? Ou êsse art. 1.521
significa presunção de culpa, ou n~o significa coisa nenhuma, porque os pais, tutores, curadores, amos, patr5es,
comitentes, hoteleiros, hospedeiros, educadores não estariam sujeitos a nenhuma regra especial, responderiam
como todo o mundo”), a 1.a Turma, a 30 de abril de 1953 (A. J., 109, 65), a 1.a Câmara Cível do Tribunal de
Justiça do Rio Grande do Sul, a 27 de dezembro de 1955 (1?. J., 23, 187>, o Tribunal de Justiça do Ceará, a 14
de setembro de 1953 (3’. e 19., 12, 184), a g•a Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Distrito Federal, a 2 de
outubro de 1951 (A. J., 108, 272), a
Turma do Tribunal de Justiça do Espírito Santo, a 26 de março de 1951 (1?. do T. de J. do E. S., VI, 419:
“Acrescenta o mencionado autor (J. M. DE CARVALHO SANTOS) que a boa interpretação está com PONTES
DE MIRANDA. Para êsse, a culpa do patrão deve presumir-se, “desde que as circunstâncias não afastem a
presunção. “O lesado escreveu também PONTES DE MIRANDA “tem de provar que o encarregado da
execução do trabalho causou dano, quando o executava, e mais: o laço de vigilância; porém o réu pode provar
que o dano se daria se houvesse procedido com todo o cuidado e vigilância, ou que procedesse com toda a
diligência. No caso sub judice, os réus não provaram que o dano teria ocorrido ainda que da parte de seu
motorista tivesse havido perícia, prudência, diligência, atenção ordinária e respeito às normas do trânsito. Diz
mais PONTES DE MIRANDA: “A culpa do responsável” (no caso em exame, o patrão) “consiste em não haver
exercido, como devera, o dever de vigiar, de fiscalizar (culpa in vigilando), ou de não haver retirado do serviço
ou de haver aceito quem não podia exercer, com tOda a correção, o encargo (culpa in eligendo) “, a 5 de março
de 1950 (VI, 411), a 2,a Câmara Cível do Tribunal de Justiça de Minas Gerais, a 16 de junho de 1941, a 9 de
fevereiro de 1942 e a 8 de outubro de 1949 (R. E., 88, 61, 92, 131, 156, 189), a 2•a Câmara Cível do Tribunal de
Justiça do Paraná, a 13 de outubro de 1955 (Paraná J., 63, 429), a Câmara Cível, a 9 de outubro de 1954 (61,
882), a 28 de maio de 1955 (62, 575), a 1•a Câmara Civil do Tribunal de Justiça de São Paulo, a 18 de outubro
de 1954, o 2.0 Grupo de Câmaras Civis, a 24 de junho de 1954, o 3•O Grupo, a 5 de fevereiro de 1954 (sem
razão, a 10 de dezembro de 1953), a 4.~ Câmara Civil, a 18 de abril de 1950, a 25 de março de 1954, a 6.8
Câmara Civil, a 26 de outubro de 1951, a 22 de fevereiro de 1952, a 5•8 Câmara Civil, a 1.0 de junho de 1951,
a Câmara Civil, a 18 de março de 1949 (EL dos T., 179, 701:
O entendimento de autoridades do porte de PONTES DE MiRANDA, JOSÉ ANTONIO NOGUEIRA,
OROZIMBO NONATO, COSTA MANSO, SABOTA LIMA, CARVALHO SANTOS, GABRIEL DE
REZENDE e outros”), e a g•a Câmara Civil, a 16 de setembro de 1948 (177, 228) ; também assim, as Câmaras
Civis Reunidas do Tribunal de Alçada de São Paulo, a 24 de março de 1954, a 2.8 Câmara do Tribunal de
Alçada de São Paulo, a 81 de janeiro, a 21 de maio, a 3 de setembro de 1952 (E. dos T., 206, 487), a 14 de
outubro de 1953, a 1.8 Câmara, a 2 de fevereiro (E. dos 7’., 212, 507) e a 13 de outubro de 1953; e a 2.8
Câmara Cível do. Tribunal de Justiça de Sergipe, a 11 de maio de 1950 (1. de 1950, 108).
Sem razão: Câmaras Conjuntas Civis do Tribunal de Justiça de São Paulo, a 1.~ de junho de 1949 (E. dos IX,
181 , 403) e a 19 de novembro de 1951 (E. dos T., 196, 349), a Câmara Civil do Tribunal de Justiça de São
Paulo, a 6 de outubro de 1953 (E. dos 7’., 218, 281), a 13 e a 18 de agOsto de 1958, e a 1•a Câmara Civil, a 22
de junho de 1948 (176, 224), em tom impróprio de acórdão.
O filho maior, a quem o pai confia a direção do automóvel, ou caminhão, é preposto do pai (13 Câmara Civil do
Tribunal de Alçada de São Paulo, a 26 de maio de 1953; 2.8 Câmara Civil, a 17 de novembro de 1953 (E. dos
7’., 222, 416).
O empregador ou o preponente pode não ser o proprietário do carro ou do automóvel e sim quem dêle se utiliza
e encarrega terceiro de guiá-lo (33 Câmara Civil do Tribunal de Justiça de São Paulo, 25 de outubro de 1951 (E.
dos 7’., 197, 162).

5.TUTELADOS E CURATELABOS, RESPONSABILIDADE DOS TUTORES E CURADORES. Quanto ao


inciso II, há de ser lido, hoje, como se nêle estivesse escrito: “O tutor e o curador, pelos pupilos e curatelados,
que se acharem nas mesmas condições, não provando que não houve de sua parte culpa ou negligência; bem
assim quem, sem ser pai, mãe, tutor, ou curador, tem em sua companhia, legalmente, o menor”. O diretor do
sanatório ou pensionato responde segundo o artigo 1.521, IV, e o art. 1.523; o tutor ou curador, segundo o artigo
1.521, II, e os arts. 68, § 4?, e 74 do Decreto n. 17.943-A, de 12 de outubro de 1927. Tanto aqui, como a
respeito dos pais, não é preciso a culpa do agente: o ato pode ser do absolutamente incapaz. O art. 1.521, II, e o
art. 1.521, 1, como os arts. 68, § 4?, e 74 do Decreto n. 17.943-A, de 12 de outubro de 1927, só se referem a
danos a terceiros. Se a pessoa necessitada de vigilância sofre algum dano devido a falta de diligência
(negligência), ou culpa mais forte, do que tem o dever de vigiar, em sua pessoa, ou em sua propriedade, a
responsabilidade é segundo o art. 159, portanto sem inversão do Ônus da prova.
No direito brasileiro, é essencial a diferença entre dever de vigilância de origem negociei e dever de vigilância
de origem legal (Decreto n. 17.943-A, de 12 de outubro de 1927, arts. 68, § 4», e 74, verbis “pessoa a quem
incumba legalmente a sua vigilância”). Entende-se por incumbir legalmente a vigilância a alguém pertencer-lhe
o dever de vigilância em virtude de regra jurídica bastante em si mesma, como os artigos 379-383, 893 e 384, 1
e II (pátrio poder), ou de regra jurídica que tenha de ser aplicada pelo juiz, ou a cuja incidência se haja de seguir
ato estatal (arts. 406-445; arts. 446-461). Se o juiz ordena a internação do menor em colégio, nu asilo, ou outro
estabelecimento, ainda que gratuito (aliter, art. 1.521, IV), tornou-se o colégio, asilo, ou estabelecimento
legalmente incumbido.

.~> a]
O tutor, o curador ou a pessoa legalmente incumbida de vigiar somente se forra à incidência do ad. 1.521, II,
combinado com o Decreto n. 17.943-A, se prova que não houve da sua parte culpa ou negligência isto é, que
cumprira, com suficiente atenção, em todo o tempo, o seu dever de vigilância.

6.ATos DE EMPREGADOS, SERVIÇAIS E PREPOSTOS. Quanto ao inciso III, compete a quem se diz com
pretensão à reparação provar o laço de emprêgo, preposição, ou serviço, exista ou não salário (e. g., o ter o dono
do veículo passado a direção ao amigo, tratar-se de servidor da posse, ou de mandatário, cf. nosso Das
Obrigações por Atos ilícitos, 1, 371). O art. 1.528 não excetuou da regra de ter-se de afirmar e provar a culpa ou
negligência a espécie relativa ao patrão, amo ou comitente; de jeito que, no sistema do direito civil brasileiro,
não se adotou o dever de reparar sem culpa (responsabilidade dita objetiva), nem se exigiu a afirmação da
causalidade entre o dano e a conduta do empregado, preposto, ou comitente (responsabilidade subjetiva) : a
responsabilidade é transubjetiva repara-se, pela culpa in eligendo, ou in vigilando, ou outra semelhante, o dano
que outrem causou; culpa de outrem e sua, ação de outrem. Assim, se a emprêsa admitiu no seu serviço
motorista que já havia sido condenado por atropelamento, ou desastre, ou crime de certa gravidade, que o
apontasse como mal-recomendado ao serviço, é culpada in digerido, razão por que foi certo, in casu, o voto
vencido do desembargador MÁRIO GTJIMARXES, no acórdão da 8.8 Câmara Civil da COrte de Apelação de
São Paulo, a 24 de abril de 1936 (1?. E., 67, 518). Das provas do dano e dos antecedentes do empregado,
preposto, ou serviçal, pode resultar a prova da culpa que se faz mister na espécie do ad. 1.521, III, ex argumento
ao ad. 1.528. Não se exige que o ato seja do patrão, amo, ou comitente; porque, se o fOsse, bastaria o art. 159:
exige-se a prova da culpa in eligendo ou in vigilando, ou outra culpa semelhante, pois que a ação foi de outrem.
No acórdão da COrte de Apelação de São Paulo, a 25 de maio de 1987 (R. dos’ T., 110, 658), condenou-se o
empresário, porque um dos atOres, entrando, imprudentemente, em automóvel, que êle guiava, em cena, causou
danos a outro e condenou-se bem, pela culpa in vigilando do empresário (aliás, havia aí acidente no trabalho).
Outrossim, se o patrão admite a superlotação dos veículos (COrte de Apelação de São Paulo, 7 de maio de
1937, 1?. dos 7’., 108, 698). Há culpa in eligendo se só se admitiu o mau empregado por pedido, ou por
sentimento de caridade, ou por afeição, ou se não se tomaram pro-. vidências quanto à apuração da culpa ou
punição do empregado. Não despedir, quando é o caso, é incorrer em culpa de escolha, ex nuno, se já se não
incorreu nela, ex tune.
Foi no art. 1.384, alínea 5 do Código Civil francês que se pôs a regra: “La responsabilité ci-dessus a lieu, à
moins que les pêre et mêre, instituteurs et artisans, ne prouvent qu’ils n’ont pu empêcher le fait qui donne lieu à
cette responsabilité”. Presunção de culpa, elidível segundo essa regra jurídica. BERTR.AND DE GREUILLE,
em relatório ao Tribunato, perguntava se não teriam os amos e comitentes de se lamentar de ter dado a sua
confiança a homens maus, desajeitados ou imprudentes (“à se reprocher d’avoir donné leur confiance à des
hommes méchants, maladroits ou imprudents”). Pensava na culpa in etigendo e, por certo, na culpa in
inspiciendo. Em 1867, RImOLE VON JHERING (Das Schuldmoment, 50) podia proclamar, como se houvesse
peneirado todas as espécies de deveres de indenização: sem culpa, nenhuma reparação do dano (Ohne Schuld,
kein Schadenersatz). Levantou-se contra êsse dogma, que se alastrava, E. LONINO (Die Haftung d.es Staats
aw~ rech.tswidrigen Handiungeri seiner Reamten, 9 e 54, 88-89). Por ocasião da revisão do Código Civil
austríaco, já L.PFAEF (Gutachten zur Lehre vom Schadensersatze und Genugtuung nach õsterreichiscken
Recht, 8, 9 e 11) cogitara, abertamente, de responsabilidade sem culpa, objetiva (disse). Posteriormente, EMIL
STEINBACH (fie Grunds&tze des heutigen, Rechts ilber devi Ersatz volt Vermõgensschdden, 19 s. e 86 s.),
VICTOR MATAJA (Das Recht des Schadenersatzes, 57 s.) e JOSEPH UNGER (Han.deln au>’ eigene Gefahr, 1
s., e Handeln au? frernde Gefahr, 1 s., em 1891 e 1894) ; na Alemanha, R. MERKEL (fie Kollision
rechtmãssiger Interessen und die Sehadensersatzvflicht bei rechtindssigen Flandlun.qen, 1 s., em 1895), com o
“princípio do interesse ativo”, MAX

RÚMELIN (Dte Griinde der Schadenszurech.nung uná die Steitung des BGB. zur objektive
Schadensersatzpfticht, 1 s.), em 1896, com o “princípio da responsabilidade pelo perigo
na França, RAYMOND SALEILLES (Siude d’une Théor-ie pénérale de l’Obligation, 376) e M. TEIssEIRE
(Essai d’une Théorie générale sur le Fondeinent de lii Responsabilité, 156 s.), para quem o que preparou o
encontro de atividade há de ressarcir. Os demais juristas exerceram papel secundário. Em muitos dêles, dá-se a
insólita confusão entre responsabilidade por acidentes no trabalho e responsabilidade a terceiro por ato do
empregado (e. g., L. DUGUIT, Les Trans! ormations pénérales du Droit privé depuis le Cod>e Napoléon, 139;
E. TRIANDAFIL, L’Idée de Faute et l’Idée de Risque comme foudement de la respon.sabilité, 188-198; P.
BETTREMIEUX, Essai historique et critique sur le Fortdement de la Responsabilitá cívile en droit français,
105 s.).
Pode-se responder sem culpa, porém não se o caso foi fortuito, porque responder pelo ato de outrem é
responder mesmo sem culpa própria. Quem não responde se houve caso fortuito, pois que aí houve risco, não
responde pelo risco. Tal responsabilidade, se fôsse qualificada como pelo risco, seria parcial, o que de certo
modo deturpa o conceito.
A responsabilidade da emprêsa ou do empregador é pela culpa presumida (cf. FLOUR, Les Rapports de co-
ntmettant àpré posé dans l’article 1.384 du Code Civil, 82 s.; Ii. et L. MAZEAuD e TUNC, Traité théorique et
pratique de la Respon~. sabilité civile délicúxilie et contra etuelte, f, 5.~ ed., 990 s.). O risco pode resultar da
exploração perigosa, sem ligação a alguém (e. g., defeito da máquina), o que nada tem com o art. 1.521, III, do
Código Civil. É muito difícil provar a emprêsa que a exploração ou outro acidente foi sem qualquer culpa sua
ou dos empregados.
O trabalho retribuído conforme o resultado e o trabalho retribuido por tempo tem o mesmo tratamento, para se
invocar a responsabilidade do empregador, porque o que importa é haver, ou não, a situação de dependência. Se
o trabalho ésubordinado, nenhuma dúvida pode surgir, e não se trata de empreitada, mas sim de locação de obra
sensu stricto (cf. GIORGIo GIORGI, Teoria degli Obbligazioni, ~, 7.~ ed., 518;
TENdO BRASIELLO> 1 Limiti deita Responsabilitá per dauni, 117; HENRI LALOU, La Responsabilité
civile, 623; R. ROBlÊRE, La Responsabilité civile, 106 s.).
A história do ad. 1.523 permitiu que o interpretassem como regra jurídica que dá ao lesado o Ônus da prova.
Até o parecer da comissão do Senado, dizia-se que “não serão responsáveis as pessoas enumeradas” nos arts.
1.522 e 1.521, “provando que empregaram, por si, ou seus representantes, tOda a diligência e precaução
necessárias para evitar o dano” (Parecer, art. 1.525). Foi a emenda do Senado, em 1913, que o alterou.
Várias soluções têm sido propostas: umas, que sacrificam todo o art. 1.521; outras que desfazem todo o art.
1.523. Ora, se, de um lado, o Ônus da prova cabe ao lesado (art. 1.528), também é certo que o art. 1.521 cria
presunção de culpa. Se as circunstâncias excluem a presunção, cabe ao lesante provar. Com isso não se há de
querer consertar o errado, nem consertar o que assaz afeia o texto legal; é boa regra de interpretação a que salva
o sistema de um código. O lesado tem de provar que a pessoa encarregada da execução do trabalho causau dano
quando o executava; mais: há de provar o laço da vigilância. O demandado pode provar que o dano se daria se
houvesse procedido com todo o cuidado e vigilância, ou que procedeu com tOda a diligência. Perguntou-se:
tentão, a que se reduz o art. 1.528? A simples explicação de que o art. 1.521 não constitui exceção ao princípio
da culpa (Verschuldungsprin zip), nem a regra jurídica importa princípio de causa (Verursachungsprinzip): dá
responsabilidade pela própria culpa, e não só pela de outrem. A culpa do responsável consiste em não haver
exercido, como devera, o dever de vigiar, de fiscalizar (culpa ivi vigilando), ou de não haver retirado do seu
serviço ou de haver aceito em seu pessoal quem não podia exercer, com tOda a correção, o encargo (culpa iii
ehgendo). Por vêzes, a presunção de culpa se impõe, o que, na prática, tornaria sem grande alcance a fixação do
Ônus da prova. Exemplo: o motorneiro que cometeu o ato ilícito quando bêbedo. Está na essência dos fatos a
presunção da culpa da emprêsa. Não se há de impor ao lesado o Ônus de provar que o motorneiro bebia: a)
porque o beber é mais ato de série de atos do que fato esporádico ; b) porque, ainda que o motorneiro só
naquele dia houvesse bebido, cabe às emprêsas fiscalizar os seus serviços. £ mais natural que os outros
empregados do mesmo carro tenham obrigação de participar à emprêsa a falta do motorneiro do que a lei impor
aos transeuntes ou passageiros o dever de verificar se estão bêbedos os motorneiros. É a culpa in re ipsa.
Imaginemos o caso do pai que sai e fecha os filhos em casa, sem guarda. A culpa é in re ipsa. Provar a ausência
não o isentaria da responsabilidade. Falamos da ausência, porque ainda nos códigos em que não há a
contradição do texto brasileiro, dificilmente se solvem as questões. Leia-se, por exemplo, o que está em G. P.
CHnioNí (La Colpa nel diritto civíle odierno, ~f, 2P ed., 600). Nas causas em que se invoca o art. 1.521 do
Código Civil, o que mais sucede é a luta de provas: não há um só e presto combate; há escaramuças seguidas. O
Ônus da prova que faria A falar antes deixa de ter capital importância porque B terá de voltar à luta, pois que A
o ataca. Mas a presunção de haver diligência dos responsáveis, nos casos do art. 1.521, ofenderia os princípios
gerais do direito, a que o art. 7 da Introdução mandava recorrer e está hoje no art. 49 da Lei de Introdução. Ora,
nos casos do art. 1.521, são relações jurídicas anteriores que determinam a obrigação de vigilância, de bem
escolher. É disso que nasce a presunção, é dos fatos da vida que ela se induz. O art. 1.523 exclui a possibilidade
de se interpretar que há, aí, responsabilidade objetiva, a presunção absoluta e irrefragável . Também seria

.~> a]
escusado: a responsabilidade do art. 1.521 funda-se na culpa do próprio responsável, e não na de outrem; não
há, no art. 1.521, “responsabilidade sem culpa”, há, como quer o art. 1.523, responsabilidade por culpa, ou in
vigilaudo, ou in eligendo. No direito brasileiro, há, pois, a possibilidade da prova liberatória. Não podemos,
portanto, a propósito do art. 1.521, III, invocar a opinião dos comentadores franceses e italianos. Não se aplica
ao nosso direito; seria absurda a citação dêles. A interpretação estreita, contraditória com a evolução do direito
civil, nos poria em situação semelhante à da Áustria, em 1811, ou da Suíça, em 1888. A interpretação científica
permite-nos entrar na estrada que tomaram o Código Civil espanhol, o Código de Processo Civil ale
mão e a Lei suíça de 1911. Mas teria sido absurdo transplantarmos a doutrina francesa do risco, que estaria em
contradição com o sistema do Código Civil e constituIria ato de demasiada reação, incompatível com o art.
1.528. A interpretação que demos, em 1927, atenuou as conseqúências de interpretação rigorosa, antiquada, mas
contra a qual não se justificaria a adoção de doutrina extremamente oposta. Não poderíamos excluir a prova
liberatória: o que se podia discutir é se o artigo 1.523 exige a prova ou demonstração de certo nexo causal,
presumida a culpa; ou se têm de ser provados aquêle nexo e essa culpa. A prova da culpa está na lei, pelo
menos, nos seus termos. Mas: a) choca-se com o direito contemporâneo; b) contradiz o estatuído para as
estradas de ferro; c) contra-diz o próprio art. 1.521.
Quando os juizes procuram das circunstâncias tirar a prova da culpa in eligendo, ou quando recorrem a
presunção facti, é evidente que o intuito dêles é o de se evitar o choque com o art. 1.523. Porém, no caso das
emprêsas de transporte, com caráter de serviço ao público, o Supremo Tribunal Federal e a Côrte de Apelação
do Distrito Federal, aquêle mais do que essa, procuraram abordoar-se à Lei n. 2.681, para que a presunção de
culpa se estabeleça. Há certa tortuosidade nisso, pois que se força a interpretação do ato como culpa contratual,
porém, na ordinariedade dos casos, a doutrina é valentemente exposta. Mas perguntávamos, em 1927 por que
não se enfrenta a questão prévia da contradição existente entre os arts. 1.521, 1.522 e 1.523? Noutros termos:
~entre o sistema do Código Civil e o texto à última hora introduzido? A COrte de Apelação que, no comêço,
tinha por impresumível a culpa nos acidentes de bondes, regidos, dizia, pelo art. 1.528 do Código Civil, contra
cuja interpretação vulgar não se insurgia, adotou a posição do Supremo Tribunal Federal.
No direito brasileiro, a situação é bem essa. Se a interpretação velha, bolorenta, insistisse em dar o ônus da
prova de culpa ao lesado (art. 1.521), ficaria, ainda assim, muito diminuído o campo de incidência do art. 1.521,
sobretudo do art. 1.522. Por que há a Lei n. 2.681, de 7 de dezembro de 1912. Está em vigor essa lei? Sim, a
despeito do que queriam RODRIGO OTÁVIO e, depois, L. DE MORAES LEME (Da Responsabilidade civil
fora do contrato, 66, 87). Trata-se de lei que rege tOdas as relações de transporte por via férrea. Tal opinião, que
sustentamos contra os dois juristas, prevaleceu, e ninguém pôs mais em dúvida a vigência da Lei n. 2.681,
depois de 1916.
A presunção nos casos do art. 1.521 nasceu de observação do quod plerumque fit, dos fatos. A lei apenas
tornou legal presunção cuja ordinariedade lhe pareceu evidente. Se, agora, a lei brasileira parece desconhecê-lo,
é que a lei brasileira propôs o não-justo, o êrro. A atitude do intérprete deve ser a de olhar para as realidades.
Desprezar o êrro, pela verdade, é a única atitude louvável. Interpretar diferentemente
o Código Civil é pôr o direito brasileiro fora de seu tempo. Os nossos dias permitem discutir-se se há de ser
presumida a responsabilidade, ou, em vez disso, responsabilidcde objetiva, em se tratando de casos do art.
1.521. Mas a alternativa responsabilidade presumida ou responsabilidade só se fôr provada a culpa (o que
tornaria desnecessário qualquer dos artigos 1.521-1.528) é dilema que já não se põe defronte de legisladores e
de intérpretes.
No tocante aos empregados, serviçais e prepostos, o que precipuamente importa é que o dano tenha sido
causado quando a pessoa se achava no exercício do trabalho. Se o dano foi fora da incumbência, quanto ao
lugar e ao tempo, não há responsabilidade. Cumpre, porém, notar-se que o ato não precisa estar incluído nos
que o incumbente havia de prever, porque o que mais interessa é o contacto com terceiro, como incumbido.
Diante do art. 1.528 do Código Civil, de péssima redação, temos de considerar que há a admissão de prova em
contrário, da presunção juris tantum, porque não se pede pensar em responsabilidade absoluta. Se o fundamento
está no provérbio cuins commoda ejus incommoda, ou se em ser direta a responsabilidade (e. g., GTOVANNT
PALÂDINI, Faltori deila Responsabilità civile e pende, SOs.), ou apenas a lei pôs a presunção iuris tantum,
sem se poder fixar a ratio legis, é sem grande relevância. De qualquer modo, se o incumbente nenhum proveito
tiraria, ou poderia tirar, no momento (por exemplo, o empregado estava no dia de saída e não trabalhava, ou se
era copeiro e tirou tempo para ir comprar vestes que queria comprar ou tinha de comprar), não há a
responsabilidade. Cessante ratione tegis, cessat et ipsa tez.
Quanto à relação jurídica de incumbência , há dois pressupostos essenciais: a escolha e a dependência . Escolhe
quem nomeia, ou contrata, ou quem se insere em negócio jurídico de que resultou a escolha (= fêz sua a escolha
por outrem).
Pergunta-se: 2.exime-se da responsabilidade o incumbente se prova que escolheu bem? Não; porque o ato
ilícito prova que não houve perfeição, de jeito que não se há de considerar fundamento a culpa in> elegendo,
salvo se se entende que a culpa está no ato mesmo de incumbir, razão por que, se foi outrem, sem podêres
outorgados, que incumbiu, o art. 1.521, III, não incide. O dono é culpado, porque escolheu, e não só porque
escolheu mal. A culpa do incumbido determina a responsabilidade sem culpa do incumbente, porque foi êle que
escolheu (ou acolheu) o incumbido.
A culpa, nos casos de vigilância e de escolha, pode ser qualquer. ~ Em que consiste a diligência se não em
vigiar, a fim de que os menores, os loucos, ou os tutelados não causem danos aos demais? Nesse sentido é que
se há de apreciar a diligência. Nos casos de culpa in eligendo, basta que não tenha examinado os antecedentes e
as qualidades da pessoa aceita no serviço. Por exemplo: o míope, nos trabalhos de desvios de trens; o surdo,
como sinaleiro; o que bebe, como motorneiro ou maquinista. O que o autor da ação ou o lesado tem de provar,
nos casos do art. 1.521, 1 e II, é a obrigação de vigilância e que entre a pessoa responsável e o fato ilícito
existiu situação de fato que tornou possível a vigilância devida. Podemos entender que o art. 1.528 se refere a
êsse segundo elemento.
TOda interpretação dos arts. 1.521 e 1.528 corno regras de dever de reparação sem culpa, dita responsabilidade
objetiva, é estranha ao sistema jurídico brasileiro. Frisamo-lo em 1927 e a jurisprudência por vêzes (e. g.,
Câmara Cível da COrte de Apelação de Minas Gerais, 14 de abril de 1987) tem invocado os fundamentos que
demos para repelir a chamada presunção absoluta ou a responsabilidade objetiva. Ainda de jure condendo
porque, se a vida criou riscos maiores para os que podem sofrer danos, também maiores criou para quem os tem
de reparar: a imprudência dos motoristas e a dos transeuntes, se não se equivalem, aproximam-se. A civilização
aumentou alguns riscos, ao mesmo tempo que diminuiu ou extinguiu outros. Isso não quer dizer que não haja
nenhum problema de reparação que se não possa resolver pela responsabilidade sem culpa. As estradas de ferro
apresentaram um dêles, e a legislação prussiana, para tempo em que só se cogitava de regular início de nova
indústria (158 quilômetros de estrada), estabeleceu que a emprêsa de estrada de ferro responderia, com
fundamento na periculosidade da emprêsa (gefãhrliche Natur der Ijnternehmung), salvo prova da culpa da
vítima ou caso fortuito. Em 1871, a Alemanha tinha a sua lei sobre responsabilidade das estradas de ferro. Já a
Áustria (5 de março de 1869) tinha a sua; e a Suiça (12 de julho de 1875, lei revista em 28 de março de 1905)
seguiu-as. No Brasil, a Lei n. 2.681, de 7 de setembro de 1912, nos arts. 1-16, deu as regras jurídicas
concernentes ao transporte de mercadorias, portanto sObre responsabilidade contratual (ilícito relativo). Nos
arts. 17-28, tratou dos desastres, em senso largo, dizendo, no art. 17, 23 e 83 alíneas, que “a culpa será sempre
presumida, só se admitindo em contrário alguma das seguintes provas: 1?, caso fortuito ou fOrça maior; 22,
culpa do viajante, não concorrendo culpa da estrada”. Há, portanto, responsabilidade transubjetiva,
responsabilidade por atos de outrem, atos-fatos e fatos, se não é possível uma das provas do art. 17, 2? e 8?
alíneas. Nos arts. 24 e 25, cogitou-se do atraso dos trens, suspensão ou interrupção do tráfego, ou de algum
trem, com a responsabilidade da estrada (ilícito relativo!), salvo se houve fôrça maior. Finalmente, o art. 26, 1•a
alínea, estabeleceu a responsabilidade pelos danos às propriedades marginais, salvo se o proprietário incorreu
em alguma das espécies do art. 26, 2? alínea (ilícito absoluto). Tratando-
-se de ilícito absoluto, não há, portanto, responsabilidade dita objetiva, ainda a propósito de estradas de ferro.
A jurisprudência, a respeito dos arts. 1.521, III, e 1.528. não se fixou, como teria sido de esperar, em todo o
país. Ora se pende para a afirmação de presunção legal absoluta de culpa, que não está na lei, ora se desprezam
elementos que
bastariam a mostrar a culpa in eligendo, ou a culpa in inspidetido, ora se misturam opiniões doutrinárias de
outros sistemas jurídicos. O que se poderia discutir seria apenas se o art. 1.528 estabelece a presunção legal
relativa de culpa, ou se não a estabelece. De presunção legal absoluta não há cogitar-se. a) Por outro lado, a
culpa, que se tem de presumir, se presunção legal há, é a culpa in digendo <e. g., A tomou a seu serviço pessoa
que para êle não era recomendável, ou por defeito físico, como falta de boa visão, ou psíquico, ou de origem
fisiológica, inclusive nervosa, ou por precedentes criminais ou infracionais), ou iti inspiciendo, ou iti vigilando,
ou culpa por falta de materiais adequados ou eficientes. A culpa que se tem de presumir é na relação do patrão,
amo, ou comitente, com o empregado, serviçal, cu preposto, e não do patrão, amo, ou comitente, com o ato
ilícito. b) Se não se tem de presumir, isto é, se o sistema jurídico brasileiro não acolheu a solução da inversão
do ônus da prova, então o que se tem de provar é o ato ilícito do empregado, serviçal, ou preposto, e a culpa in
eligendo, ou in inspiciendo, ou in vigilando do patrão, amo, ou comitente: não se tem de provar relação entre o

.~> a]
ato e o patrão, amo ou comitente. Quer na solução ít), quer na solução b), não há responsabilidade sem culpa:
certo, trata-se de responsabilidade pelo ato de outrem, mas a responsabilidade pelo ato de outrem não implica
que se não houvesse adotado presunção de culpa, ou que se não haja de afirmar a culpa in eligendo et
inspiciendo (velha conclusão errada de C. SAINCTELETTE, De la Responsabilité eI de la. Garantie, 124 s.). A
“exigência da ordem social” é que fundamenta a responsabilidade pelo ato de outrem, com ou sem presunção;
só se atribuir a fOrça de tal exigência para a responsabilidade sem culpa, presumida ou não, é demasia. Não se
trata de obligatio ex lege; para o dever de reparação, o que se estabelece, propter utilitatem publicam, é,
exatamente, a ligação à escolha, à inspecção, à vigilância, ao ministrar os materiais necessários, no caminho
que o direito romano abriu, que foi o da ligação à escolha, à inspeção, à vigilância. O acontecimento nOvo, no
século XIX, foi a inversão do Ônus da prova. Já na L. 5, § 6, D., de obligationibus eI actionibus, 44, 7, GAIO
dava o fundamento da responsabilidade pelo ato de outrem o capitão do navio, ou o hoteleiro, o estalajadeiro
(exercitor navis, aut cauponae, aut stabuli) tem-se como responsável (teneri videtur), quase por delito (quasi ex
maleficio), pelo dano, ou pelo furto, que se deu no navio, no hotel, ou na pousada, se é que não há delito algum
próprio, mas de alguém daqueles com cujo serviço explora a nave, o hotel, ou a pousada; porque, não se
achando estabelecida, por contrato, contra êle tal ação, e sendo de cedo modo réu de culpa (culpae reus), porque
utiliza serviços de homens maus (quod opera malorum hominum uteretur) se tem como responsável, igualmente
(ideo) quase por delito”. O “aliquatenus culpae reus est, quod opera malorum hominum uteretur, ideo quasi ex
malefício teneri videtur” mostra que o fundamento era a culpa do comandante do navio, do hoteleiro, ou do
aíbergueiro (cf. § 8, 1., de obligationibus quae quase ex delicIo nascuntur, 4, 5). Na L. 7, § 4, D., nautae
caupones síabularji ut recepta restituani, 4, 9, ULPIANO, depois de ter dito (pr.) que não sem razão responde o
capitão pelo fato dos seus marinheiros, pois que os emprega a seu risco (cum ipse eos suo periculo adhibuerit),
explicitou que o capitão responde em seu próprio nome, por os ter escolhido: deveria investigar quais são sua
fidelidade e probidade (explorare eum oportet, cuius fidei, cuius innocentiae sint). Na L. única, § 5, D., furti
adversus nautas caupones síabularios, 47, 5, há o mesmo pressuposto da culpa iti eligendo eI inspiciendo (c.f.
A. PERNICE, Mareus Anti.stirs Labeo, II, 248, nota 32).
Se há responsabilidade pelo ato de terceiro, há solidariedade, porém não entre as duas pessoas, porque o
encarregado tem de prestar o que o responsável prestou. A culpa do eml)regado é elemento necessário para que
responsável êle seja (F. vON LISZT, Die Deliktsobli.qationen im System des BGB., 102; E. BRÚCKNER, Die
privatrechítiche Hafíung fiir das rechtswidriae Verhalten Ánderer, 28).
A regra jurídica sObre a responsabilidade, em caso de ser encarregado de prestação terceira pessoa, nada tem
com a regra jurídica que se refere à responsabilidade dos empregados pelos atos ilícitos. Nem é lex specialis,
quanto a essa (e. g., BiurNo BLAU, Verantwortlichlceit flir fremdes Ver. schulden nack dem BGB., 89;
ARTHUR NuSSBAUM, Hafíung fitr Hiilfspersonen nach. § 278 BGB. im Ver gleich mil dem gemeineu und
Landrechí, 72 s.; KURT PRIEWE, Die Haftung ties Schuldners fiir seine Gehilfen, 92) ; nem essa quanto
àquela (sem razão, BRUNO BLAU, 89; ARTHUR NUSSBAUM, 72 5.; e KURT PRIEwE, 92; com razão,
HANS WOLFP, Die Haftung flir drilte Personen nach dem BGB., insbesondere die §§ 278 und 831 uM ihr
Verhãltnis zu einander, 58 s.). Se os dois suportes tácticos se compõem, o lesado tem escolha da ação, pois uma
não pré-exclui a outra (E. DERNBURG, Das liuirgerliche Redil, 1, 1, 138; ERNST FEDER, Verantwortlichkeit
fil’.tremdes Versefluldeu nach denv BGB., 89 s.; KARL PHILIPP, BGB.: Die SteUun.q des § 278 zu dem §
831, 47; PAuL OERT.MANN, Kommentar zum Búrgerlicheti Gesetzbu eh, 2,a ed.. 939; HANS WOLFF, Die
Haftung fiM- drilte Persúnen nach denL SUB., 60).
A responsabilidade pelo ilícito absoluto, quer com base no art. 1.521, quer na Lei n. 2.681, de 7 de dezembro de
1912 (estradas de ferro), é inconfundível com a responsabilidade por acidentes no trabalho. O acidente no
trabalho supóe a relação entre o empregador e o empregado lesado. Não se trata, pois, de ilícito absoluto; mas
de ilícito relativo: o acidente ocorrido a quem visita a fábrica, ou passou pela fábrica, ou se aproximou de
alguma das suas dependências, não é acidente no trabalho. O fundamento para a lex specialis é a necessidade de
proteção contra os riscos da industrialização por máquina, ou, pelo menos, da intensificação da produção, ou,
ainda, contra os riscos próprios da atividade específica do trabalhador. Aqui, sim, teria cabimento o Bigenes
Interesse, ei-gene Gefahr de Josrrur UNCER. Começou-se com a proclamação, nos livros de doutrina jurídica,
de economia e de sociologia, da “injustiça” das regras de direito comum para a responsabilidade civil nos
processos de acidentes no trabalho. O tratalhador não podia obter reparação se não provasse a culpa do patrão.
Prova difícil; às vêzes, devido à complexidade da indústria contemporânea, impossível de fazer-se. A vítima
sofria o incômodo oriundo da emprêsa. Tornara-se, também ela, peça de máquina, que se gasta, ou se quebra. O
Ubi emolumentum ibi ônus não tinha qualquer ensejo. O surto legislativo começou na Alemanha e na Áustria.
A idéia de risco profissional surgiu na França; e o projeto de FÉLIx FAURE, em 1882, apoiou-se nêle. Só o fim
do século XIX viu, na França (1898), o nOvo rumo legislativo, com os aplausos de RAYMOND SAIJEILLES e
L. JOssmiANn, que de comêço eram simpáticos à inovação. FÉLIx FAULiE dizia que a noção de “risco
profissional” havia existido sempre, o que parecia identificá-lo com o fundamento romano, e não com o Ubi
etnolum,entum ibis ônus, ou o Rigenes Interesse, eigene Gefahr. Mas outros viam no princípio criação da
maquinaria industrial contemporânea. Verdade é que a própria lei francesa não podia ser invocada para uma ou
outra solução. Antes da lei, RÁYMOND SALEILLES (Les Accidenís du travail eI la Respo’nsabilité civile, 6 e
12) procurou revelar o princípio do risco profissional, como “la rançon du machinisme et de l’industrie
moderne”, “la part inévitable d’inconnu qu’il faut subir lorsqu’on se livre à ces. terribles engrenages devant
lesquels l’initiative de l’ouvrier disparait presque”. Mas êle mesmo soltava a noção de perigo:
“Lã oú s’exerce une activité personnelle qui entre eu contact avec les autres, qul les emploie à son service, et les
engrêne dans sa sphêre d’action, cette activité s’est, par le fait même, approprié toutes les conséquences de son
iniciative, tous les risques qul peuvent en découler pour ceux qui la servent, ou auxquels elIe touche, et qui se
trouvent exposés aux contre coups que’elle produit dans le monde des faits extérieurs”. Então, não se trata de
risco profissional, mas de risco criado (pela utilização das coisas), o que L. JossEn.AND (De la Res ponsabilité
du fail des choses inanimées, 105 s.) tentou levar as últimas conseqUências: “Ce ne sont pas seulement les
choses industríelles qui engagent, par les dommages qu’elles occasionnent, la responsabilité du patron; ce sont
les choses quelcon ques qui engagent, par le préjudice qu’elles causent, la responsabilité de celui qui s’en sert”,
donde, para êle, a necessidade de se substituir ã noção de risco profissional a de risco criado. Verdade é que o
próprio L. JOSSERAND reconhecia que, se a vítima houvesse tido culpa, a responsabilidade não surgiria.
Depois disso, J. CABOUAT (TraiU des Accidenís du Travail, 1, n. 113) recorreu à noção de solidariedade dos
riscos entre pessoas interessadas em obra comum: a responsabilidade não seria individual, mas indivisa e
comum; nos encargos gerais
da produção, entraria o de reparar o acidente no trabalho. Tal concepção mais alemã-austríaca do que francesa
pode corresponder a sistema jurídico em que se tenha a participação dos empregados nos lucros e na direção.
Pensou-se em que a irresponsabilidade pelos acidentes no trabalho causaria enriquecimento sem causa por parte
dos empregadores; mas, se se adotam a noção de responsabilidade pela despesa de produção e a participação
nos lucros, o argumento desaparece, Aliás, se não há lei que dê o dever de reparação, tcoma apoiar-se o jurista
em enriquecimento sem causa, se o lucro, aí, é legal?
Diante da legislação de acidentes do trabalho (Decreto lei n. 7.036, de 10 de novembro de 1944, arts. 1.o~7.o),
a responsabilidade é individual (dos empregadores), pOsto que, em obediência ao art. 157, IV, da Constituição
de 1946, se haja de edictar a lei sObre participação dos empregados nos lucros, porque a lei sôbre participação
nos lucros não torna indivisa, juridicamente, a gestão, nem comuns os lucros e perdas: apenas estabeleceria a
pretensão ao quanto participável. Tal pretensão não é real; é preciso que se dêem a distribuição e a destinação
efetiva das quotas para que o direito seja real. A própria jurisprudência francesa, que não pôde satisfazer-se com
o article de Paris que era a noção de risco profissional, nem endossou a do risco criado, nem, tão-pouco, a da
solidariedade dos riscos, enveredou pela noção de risco de autoridade: “L’ouvrier ou l’employé est au lieu et au
tempa. du travail en tout lieu et en tout temps oú il est sous Fautorité et la direction du chef d’entreprise” (Civ.,
20 de abril de 1902, D., 1902, 1, 273), ou onde quer que êle se ache “sous la subordination” do chefe da
emprêsa. Ou tal noção pretendia publicizar a relação, o que havemos de repelir, e não nos parece que seja o
caso; ou abria atalho para se volver à noção da culpa in inspiciendo. A noção de risco profissional e a de risco
criado foram postas de lado. A COrte de Cassação (Câmaras ReUnidas, 8 de janeiro de 1908, D., 1908, 1, 85)
acabou por acentuar o ilícito relativo, a ligação do dever de reparação ao contrato de trabalho, o que, verdade
seja dita, mais se coaduna com a responsabilidade em profissões ordinàriamente sem perigo de máquina, ou de
coisa, e em profissão que não trata com coisas (e. g., acidente no trabalho pelo caixeiro viajante). O risco de
autoridade seria apenas a edição século XX da culpa in inspiciendo, tal como ocorre com os pais, tutOres,
curador’es e pessoas legalmente encarregadas da vigilância de outras pessoas (art. 1.521). Seja como fôr, é
evidente que a noção de risco profissional e a de risco criado foram passageiras, expedientes de que lançaram
mão juristas atordoados e, por isso, prontos à adesão fácil à legislação nova. Só a noção de risco de escolha e
direção é que pode explicar que a culpa da vítima (fora o dolo, Decreto-lei n. 7.036, de 10 de novembro de
1944, art. 7, a) não pré-exclua o estar o empregado a serviço de interesse pessoal do patrão, como empregado
da empresa . Demais, a noção de risco profissional e a de risco criado ergueriam a responsabilidade por
acidente no trabalho à semelhança do ilícito absoluto, ao mesmo tempo que exagerariam o elemento de
periculosidade da indústria que serviria a outros suportes fácticos. A responsabilidade pela escolha e pela

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direção, essa sim, é a que satisfaz as exigências da sistemática do direito, no tocante aos acidentes no trabalho.
7.RESPONSABILIDADE DE HOTELEIROS, ALBERGUISTAS E OUTROS HOSPEDEIROS. Quanto ao
Código Civil, art. 1.521, IV, o texto não sofreu alteração: “Os donos dos hotéis, hospedarias, casas ou
estabelecimentos, onde se albergue, mesmo para fins de educação, pelos seus hóspedes, moradores e
educandos”. Continuou, pois, a presunção iuris tantum da culpa ou negligência, salvo se a casa ou
estabelecimento foi legalmente incumbido de alojar a pessoa. Assim, se o menor foi pOsto no colégio pelo pai,
ou pela mãe, ou tutor, responde o pai, ou mãe, ou tutor, segundo o art. 1.521, 1 ou II, e o dono do colégio
segundo o art. 1.521, IV. Se o menor foi pOsto no colégio em virtude de decisão judicial, designando o juiz o
colégio (o que supõe aplicação do art. 894 do Código Civil), a responsabilidade do dono do colégio é segundo
o art. 68, § 49 e o ad. 74 do Decreto n. 17.943-A, de 12 de outubro de 1927 (Código de Menores), verbis
“pessoa a quem incumba legalmente a sua vigilância”. A responsabilidade dos colégios é durante todo o tempo
em que o menor se acha nêle, inclusive recreios (Oro WARNEYER, Komm.entar, 1, 1882) e excursões.
O contrato pode estabelecer a responsabilidade por infração do dever de vigilância, mas é outra questão. O que
seria devedor da reparação, se não houvesse contratado, continua de ser devedor; e apenas tem contra o
contraente a ação para haver o quanto da indenização. Haja, ou não haja contrato, o que tem o dever de
vigilância responde segundo os arts. 1.521, IV, e 1.523; o que contratou com qualquer das pessoas mencionadas
no art. 1.521, IV, sendo incluido no artigo 1.521, 1 ou II, responde, mas tem a ação ex contractu contra as
pessoas incluídas no art. 1.521, IV. Se o que respondeu como pessoa incluída no art. 1.521, 1 ou II, ou nos arts.
68, § 49, e 74 do Decreto n. 17.943-A, de 12 de outubro de 1927, havia confiado, sem cláusula contratual de
responsabilidade, a pessoa mencionada no art. 1.521, IV, que havia de vigiar, tem a ação regressiva contra essa
pessoa mencionada no ad. 1.521, IV, provando a culpa de tal pessoa segundo o art. 1.523.
Se a causa do dano provém de terceiro, e não de pessoa a que se refere o art. 1.521, 1-1V, não há a presunção de
culpa que no art. 1.521, 1-1V, se estabeleceu (2.~ Turma do Supremo Tribunal Federal, 14 de dezembro de 1948,
R. dos 2’., 189, 1024; 2? Grupo de Câmaras Civis Reúnidas do Tribunal de Justiça de São Paulo, 12 de abril de
1951).

8. PARTICIPAÇÃO EM PRODUTO DE CRIME. Quanto ao Código Civil, art. 1.521, V, os que gratuitamente
receberam algo do produto do crime, à semelhança do que se passa com a espécie do princípio do art. 968,
parágrafo único, ver bis “por título gratuito”, ainda que de boa fé, respondem pela quantia concorrente. Não há,
aí, presunção de culpa; ‘trata-se”, dizíamos em 1927, “de caso especial de in vem versio”. e argúiamos: “Era
preciso exprimi-lo? Pode um sistema jurídico deixar de ter a ação de in rent verso? Não; e a cominação do art.
1.521, V, em nada autoriza a crer-se que tal ação dependa de texto legal. Só tem o efeito de lembrar um dos
casos; e nada mais” (nosso Das Obrigações por atos ilícitos, 1, 380; cp. J. DE AGUIAR DIAs, Da
Responsabilidade Civil, 11, 157).

9.DIREITO. REGRESSIVO E AÇÕES REGRESSIvAS. Estatui o art. 1.524: “O que ressarcir o dano causado
por outrem, se êste não fOr descendente seu, pode reaver, daquele por quem pagou, o que houver pago”.
Os maiores de dezesseis anos são capazes delitualmente (art. 156). Admitido isso, tcomo resolver a questão do
direito regressivo? No sistema do Código Civil, ainda que absolutamente incapaz o menor, se do ato lhe
resultou proveito, pode o responsabilizado reaver, pela ação fundada no enriquecimento injustificado, até o
quanto da inserção no patrimônio do incapaz, o que prestou. Por analogia, poder-se-ia admitir o direito
regressivo. Se não houve proveito? A solução mais razoável está no art. 54 do Código suíço das Obrigações,
referente à ação direta; não se refere à regressiva. No Código Civil alemão, § 828, há a não-imputabilidade
absoluta antes do sétimo aniversário, e a possível prova do discernimento <imputabilidade) desde os sete anos
completos aos dezoito não feitos. No Código Civil suíço, os arts. 16 e 19, S.~ alínea, não estabelecem idade
fixa: fala-se, indistintamente, de capazes de discernimento. ~ ao juiz que cabe decidir se a pessoa ainda está, ou
não, na infância (A. ECCER, Einleitung, Kommentar zum Schweizerischen Zivilgesetzbuch, 1, 49). Falta o
degrau quantitativo. Muitos comentadores se conformam com isso. Outros, não: procuram-no aqui e ali (na
idade, por exemplo, em que a criança deve entrar na escola: seis anos). Mas há o art. 54 do Código suíço das
Obrigações. O Código Civil alemão fixou em sete anos o começo da responsabilidade quando provado o
discernimento. Mas, qualquer que tenha sido a falta de discernimento, permite ao juiz a equidosa fixação do
quanto da indenização (§ 829). O segundo sistema o do Código Civil suíço deixa a solução ao arbítrio do juiz,
que passa a examinar, subjetivamente, os casos, com o auxílio da perícia psicoloção , ou psiquiátrica, se o
entender, segundo as regras cantonais. Se a eqUidade o exige, pode o juiz condenar uma pessoa incapaz de
discernimento à reparação total ou parcial do dano que ela causou. Essa regra jurídica, eminentemente salutar,
já se achava no Código Civil de Zurique, no Código Civil austríaco e no prussiano. Ao art. 54 corresponde o §
829 do Código Civil alemão carta branca, de poderosa importância, nas mãos do juiz, na frase de Ecx. Mas o
que é certo é que tal ação não é Sckadenersatzan,spruck mas Biiigkeits~ anspruch (ação de eqUidade), e
poderia ser estendida, de jurecondendo, aos responsáveis pela culpa de outrem para reaver o que pagassem. A
lei não o fêz (cp. C. CHR. BUILCKARDT, Die Revlsion des Schweizerischen Obligationenrechts in Hin.sicht
auf das Schaden,ersatzrecht, 76). No Brasil, falta-nos urna ou outra regra jurídica. ,Que havemos de decidir,
com os princípios comuns? Admitir a ação regressiva contra o maior de quatorze anos e menor de dezesseis?
Para sermos coerentes, só o poderíamos admitir entre os quatorze e os dezesseis, pois seria injusto não dar ao
tutor, ou ao curador, a ação regressiva. g.Que poderia justificar pagar alguém Por pessoa de quatorze anos a
reparação do dano, sem que pudesse reaver? ~,Por que não intervir em tais julgamentos um pouco de
eqUidade? Argumentamos com o direito do Código Civil após as leis de menores.
Está claro que não há ação regressiva se o menor causou o dano por ordem do tutor, curador, ou conitente (cf.
Esbôço de TEIXEIRA DE FREITAS, art. 3.670). É a lição do Código Civil chileno, ad. 2.325: “. . . si e] que
perpetró ei dafio lo hizo sin órden de la persona a quíen debia obediencia”. Aqui tem o juiz de examinar as
circunstâncias e a eqUidade ganha bons foros porque pode suceder que toda a culpa do menor seja,
causalmente, do tutor, ou que êsse seja o verdadeiro responsável. Damos exemplo: a) no caso de o tutor ter sido
o remoto introdutor do menor em casas de jOgo, ou apresentado a mas companhias; 6) ter havido culpa grave
do tutor e leve do menor, O que dizemos do tutor aplica-se, mutatis mutandis,. aos outros responsáveis.
No direito francês, não há a regra geral do art. 1.524 do Código. Civil brasileiro. Algumas leis reconhecem o
chamado “recurso” (e. g., Lei de 28 de setembro de 1791, Título II, arti-.. go 8; Lei de 15 de abril de 1829, art.
74). Mas dai não se tira que só se dê em casos excepcionais. A regra existe, sem a lei geral, e com o caráter
geral. Não se exerce contra o irresponsável. Assim, L. LAROMEXÊRE, O. BÂUDRY-LACANTINER~ e L.
BARDE, C. BEUDANT, A. SOURDAT, RENÉ DEMOGUE (cf. 1’. MONDET, Le Recours des personfles
responsables du fail d’autrwi, 57; A. DEMARNE, De ia Resport.sabiiité des cornmettants, 205>. Discute-se se
existe entre o civilmente responsável e o autor alguma presunção. Noutros termos: ainda que haja duas faltas,
dias culpas, to regresso é para o todo? L. LAEOMRIÉRE e outros têm o autor como obrigado principal, e
admitem a própria indenização suplementar. Outros autores querem que se paiitiibe entre o autor e o civilmente
responsável, mas confessam as dificuldades <e. g., RENÉ DEMoGUE). O que justamente se deve decidir é que
não cabe a ação regressiva: a) no caso de ordens do civiluiente responsável, executadas pelo autor do dano sem
culpa igual; b) no caso de ser a culpa do responsável a verdadeira causa. O que não deixa dúvida é a natural
intervenção do arbítrio equidoso do juiz, e por vêzes as circunstântil, criam situações delicadas.

. Mas cumpre advertir-se que o autor do dano pode ter defesa em relação a um dos que responderam, e não
contra outro. Inversamente, um dos responsáveis solidários pode ter ação contra um dos autores do dano, e não
contra outro. As culpas podem concorrer.
Lê-se no Código Civil espanhol, art. 1.904: “El que paga el dafio causado por sus dependientes, puede repetir
de éstos lo que hubiese satisfecho”. Já era, no fundo, o que queria o Projeto de 1851. No Código Civil
argentino, art. 1.123, diz-se:
“El que paga el daflo causado por sus dependientes y domesticos, puede repetir lo que hubiese pagado, del
dependiente édomestico que lo causó por su culpa ó negligencia”. No Código Civil chileno, art. 2.225: “Las
personas obligadas a la reparacion de los dafios causados por las que de elías dependen, tendrán derecho para
ser indemnizadas sObre los bienes de éstas, silos hubiere, i si eI que perpetró ei dafio lo hizo sin órden de la
persona a quien debia obediencia, i era capaz de delito o cuasidelito, segun ei art. 2.819”. Isto é: maior de sete
anos e são de espírito; se menor de dezesseis, quando o juiz tenha reputado com discernimento. Também o
Código Civil uruguaio, art. 1.826, recebeu a regra espanhola.
No Brasil, escava no esboço de TEIXEIRA , artigo 8.670: “Os responsáveis enumerados no art. 3. não ficam
isentos da responsabilidade, ainda mesmo provam que lhes era impossível impedir o dano. Terão, porem, direito
contra os autores do dano pela indenização que pouvereni pago, se êstes o causaram sem ordem sua, e forem
susceptive4s de imputação.
As questões estão levantadas: (a) ~ Há o direito regressivo contra os menores de dezesseis anos? (b) &Há
contra os loucos e surdos-mudos a que se refere o art. 5,07 No Chile, não. No sistema do Esbôço, também não.
No direito argentino, a questão ficou para a doutrina. Tal a situação, no Brasil. Se bem que o direito regressivo
não se estenda aos ascendentes, a questão da imputabilidade ou capacidade delitual conserva tOda a sua

.~> a]
delicadeza e gravidade. Porque os tutores o têm. Os curadores, também. Os empregadores, pelos empregados
menores.
A ação a ser exercida com fundamento no art. 1.524 do Código Civil tem de ser instruída com a prova do
pagamento em virtude de sentença de condenação passada em julgado. Nada obsta a que se peça a citação do
autor do dano appel cri garcintie do direito francês mas o que é certo é que êsse expediente que obviaria a
certas particularidades do Código Civil (art. 1.520 e parágrafo, por exemplo) não existia, explícito, nas leis
brasileiras. Hoje, temos de invocar o art. 88 do Código de Processo Civil. No direito francês, tal recours en
garantie escapa à regras da competência rat,ione boi, não àcompetência rationcie persanae ou matericie. Mas
ainda: a pessoa civilmente responsável pode intervir no processo contra a vítima para firmar a sua não-
culpabilidade e, se fracassar, assegurar-se a regressividade. Inversamente, o autor pode intervir no processo
contra o civilmente responsável.
A figura do civilmente responsável é a do co-autor, cúmplice presumido, e por isso responde solidàriamente.
Causa ocasional do ato ilícito, nos casos ordinários do art. 1.521: só excepcionalmente apresenta outro feitio
técnico. Devemos tratar autor e civilmente responsável como coobrigados. Não se excetuou o princípio da
culpa: continua êle a reger a espécie e a situação doa dois é a mesma quanto à obrigação, se bem que a
obrigação violada seja qualitativamente diferente: fazer; não fazer; eleger, vigiar, fiscalizar, prover.
No Código Civil, art. 1.524, há originalidade: excetua da responsabilidade os filhos e demais descendentes. É
rasgo de concepção jurídica efetiva. Justa? Escreveu o autor do Projeto primitivo: “O direito regressivo, de
quem teve de ressarcir o dano causado por outrem, é de justiça manifesta, é uma conseqúência natural da
responsabilidade indireta. Mas, se o autor do dano fôr descendente de quem teve de o ressarcir, não haverá
regresso, declara o art. 1.524. É uma particularidade do nosso Código, que se justifica, perfeitamente, por
considerações de ordem moral, e pela organização econômica da família. Na verdade, nenhuma das pessoas que
têm de ressarcir o dano causado por dutra se acha na situação especial de aproximação afetiva, de dever de
vigilância, de solidariedade moral, e, até certo ponto, econômica, do ascendente para com o descendente. São
razões essas mais que suficientes para dar apoio sólido à exceção restritiva do Código Civil brasileiro”. Para
vermos até que ponto pode ser injusta a exceção, imaginemos alguns casos: a) filho de quinze anos ou neto,
rico, tutelado da mesma idade: dano ressarcido pelo pai ou avô pobre; pré-afastada a ação regressiva; lO fortuna
paterna absorvida pela indenização paga; impossibilidade da ação regressiva.
O Código Civil, art. 1.793, declara: “Não virão também à colação os gastos ordinários do ascendente com o
descendente, enquanto menor, na sua e élucação , estudos, sustento, vestuário, tratamento de enfermidades,
enxoval e despesas de casamento e livramento em processo crime, de que tenha sido absolvido”. ~ Têm de ir à
colação a indenização ex delicto e as demais despesas relativas a isso? A lei brasileira nada diz. ~O art. 1.524
supõe que se aplique o art. 1.793 aos pagamentos feitos pelo pai? No art. 1.793 não se excluem da colação as
despesas em processo crime quando não tenha sido absolvido o filho. Assim, se não se houvesse determinado
no art. 1.524 que aos ascendentes não assiste o direito regressivo, a questão não existiria: estariam resolvidas as
dificuldades pelo uso do direito regressivo, transferido aos herdeiros, É a inovação brasileira de caráter afetivo
moral que cria o problema. Quanto aos menores de quatorze, seria admissível a colação do que o pai ou avô
pagou. A culpa in eligendo e a in vigilanda são o principal, em tais casos. Igualmente, quanto aos loucos e aos
surdos-mudos absolutamente incapazes. Entre os de dezesseis e vinte e um anos, há responsabilidade do próprio
menor, equiparado ao maior. Portanto é indiscutível a colação. Entre dezesseis e quatorze, não há isenção da
responsabilidade criminal; e haveria, absurdamente, da civil, se interpretássemos à feição clássica o Código
Civil.
A ação regressiva supõe que a pessoa que pagou a indenização não tenha tido culpa, mesmo in eligendo ou in
vigilando.

§ 5.505. Problemas de responsabilidade por atos ilícitos

1.ABSOLUTAMENTE INCAPAZES E RESPONSABILIDADE. Às vêzes, apresentam-se casos em que a


incapacidade para responder por atos ilícitos cria situaç6es chocantes; e. g., o louco de muitos haveres quebra a
vitrina do droguista pobre, ou o menor, absolutamente incapaz, rico, fere a alguém, que não tem recursos para o
tratamento e o sustento, seu e da família, nos dias ou meses em que não trabalha. O direito romano não atendeu
ao problema; ao direito prussiano deve-se o primeiro passo. De comêço, a técnica legislativa mal conhecia
aquilo mesmo que criava, exceto quanto ao principio inspirador. A reparação ter-se-ia de fundar em razões de
eqúidade. Não tem o sistema jurídico brasileiro regra jurídica correspondente ao § 829 do Código Civil alemão
e ao art. 54 do Código suíço das Obrigações, segundo os quais pode ter de reparar o absolutamente incapaz.
Seria ação de reparação sem culpa, ação de equidade, responsabilidade pelo ato-fato ilícito. O direito francês
admitiu, através da jurisprudência. casos de reparação pelo menor. O princípio da equidade concreta (Prinzip
der konkreten Billigkeit), devido, talvez, a V. TEVENAR (F. G. SIEWERT, Materialien zw’ wissenschaftiieken
Erkidrung der neuesten preussischen L.andesgesetze, 1, 34), apareceu no Allgemeines Landrecht prussiano (1,
6, §§ 41-44) e repercutiu nos Códigos Civis dos cantões suíços (e. g., Zurique, § 1.835), nos Códigos suíços das
Obrigações (1881, artigo 58; 1911, art. 54), no alemão (§ 829) e no soviético (artigo
406). Cedo se percebeu que o suporte fáctico de tal fato jurídico, gerador do dever de reparar, a despeito da
incapacidade delitual, não podia ser o ato ilícito absoluto: tinha de ser suporte fáctico, em que não tivessem de
entrar a culpa e a imputabilidade do agente. Segundo nota dos redatores do Projeto prussiano publicado (II, 1,
Titulo 3, §§ 32-34), o ato seria tratado como simples acidente, fundando-se na eqúidade natural o dever de
indenização. No Anteprojeto austríaco (III, § 456) e no Projeto de MARTINI, pensou-se em ligação (ou
parecença) com o ato em legítima defesa. Vê-se bem que se procurava o lugar dêsse fato jurídico na
classificação dos fatos jurídicos e hoje podemos dizer que se trata de ato-fato juridico ilicito. Certamente, o
legislador não tem arbítrio em estabelecer, a seu talante, tais indenizações, porque seria invadir a esfera jurídica
das pessoas, sem razão suficiente para isso. Não pode a lei fazer sem meios de vida o louco, que causou o dano,
pois os parentes e o Estado hão dever de os proteger e vigiar. Se o sistema jurídico não tem, aí, princípio de
eqUidade concreta, compreende-se; se tem regra jurídica de reparação pelo absolutamente incapaz, tal regra
jurídica precisa de ter fundamento naquele princípio. O Código suíço das Obrigações, art. 54, estabelece que,
“se a eqUidade o exige, pode o juiz condenar pessoa incapaz de discernimento à reparação total ou parcial do
dano que ela causa” ‘cf. Message de 1879: “II peut se présenter des cas dans lesquels on ne pourrait, sans
froisser au plus haut degré le sentiment naturel du droit et de l’équité, libérer une personne irresponsable de
toute réparation d’un dommage causé par elIe. Que l’on suppose, par exemple, qu’un aliéné, un malade dans un
accês de fiêvre, ou un enfant ait mis le feu à une maison, tué un animal ou blessé griêvement quelqu’un, et
qu’ils soient dans une belle position de fortune, tandis que la personne lésée est pauvre, ou n’a pas cherché à se
défendre par pitié pour l’agresseur”). Muito se discutiu, depois, se o princípio nôvo excetuava o da culpa, ou se
era concessão ao da causa. Não há dúvida que se atende à causa; mas os dois princípios, o da culpa e o da
causa., exigem a capacidade delitual, o que torna heterotópica a discussão: tem-se de discutir se é concessão ao
principio da causa, que é relativo a
atos ilícitos, ou se é principio que se formula noutra classe de fatos jurídicos, a dos atos-fatos ilícitos. E a
resposta há de ser afirmativa do segundo enunciado. De jure condendo, seria acertado firmar-se o princípio, mas
sem se dar carta branca ao juiz, como fazem o Código suíço das Obrigações e o Código Civil alemão. Não há
pensar-se em semelhança com o ato em legitima defesa: a contrariedade a direito é pré-excluída, na legítima
defesa e no estado de necessidade, ao passo que não no é na espécie do Código suíço das Obrigações, art. 59, e
do Código Civil alemão, § 829. Tão-pouco, é de admitir-se que ainda exista em tais regras jurídicas, como
pareceu a KARL HEINSHEIMER (Die Haftung Unzurechnungsfilhiger nach § 829 des Bflrgerlichen
Gesetzbuchs, Archiv 11W die civilistieche Praxis, 95, 234 s.), resquícios do princípio da culpa.
Oproblema da responsabilidade extranegocial do doente mental foi pôsto no direito romano, a propósito da ação
da lei Aquilia. PÊGASo entendia que não respondia: não estando em seu juízo, Lque culpa havia nêle? Não há
ação contra êle, como não há, frisava-se, contra o quadrúpede, que causou o dano, ou contra a telha que caiu (L.
5, § 2, D., ad legem Aqui-liam, 9, 2). ULPIANO confirmou-o; e na L. 3, § 1, D., de iniuri is, 47, 10, explicitou-
o, a respeito da iniuria, como o fêz, expressivamente, POMPÚNIO, na L. 61, D., de administratione et periculo
tutorum a curatorum qui et famosis libeltia, gesserint vel non et de agentibus vel conveniendis uno vel piuribu,s,
26, 7. Cf. L. 13, § 1, D., de of ficio prassidis, 1, 18; L. 14 e L. 9, § 2, D., de lege Pompeja de parricid lis, 48,
9. Quanto à responsabilidade daqueles que têm a guarda, como os titulares do pátrio poder e os curadores, além
dos textos da XII Tábuas, L. 7, pr., e L. 6, D., curatoribus 1w-rioso et aliis extra minores dandis, 27, 10, L. 13, §
1, e L. 14, D., de officio pra-esidia, 1, 18; cf. KARL ESMARCH (Ilõmische Recktsgesehich,te, 3.” ed., 61).
Algumas regras jurídicas tratavam dos intervalos lúcidos, lucidum intervailum, da intermissio e indutia (e. g., L.
6, D., de curatoribus furioso 4 aliis extra minores dandis, 27, 10, e L. 6, § 1, C., de curatore furiosi vel prodigi,
5, 70).

No direito germânico, a concepção da responsabilidade extracontratual pelos danos foi diametralmente oposta à

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romana. Abstraia-se do elemento subjetivo; só importava o elemento objetivo: houve o dano, tem de ser
ressarcido. Tenha havido culpa, ou não tenha havido. Quem danificou tem de reparar o dano. Wer Sofladeu tut,
musa Sefladeu beaseru. Cf.W. E. WILDA (Das Strafrecht der Germaneu, 552) e OTTO SToBBEH. O.
LEHMÂNN (Ilandbuch. des deutacheu Privatredita, ~ 3.’~ cd., 508). A discriminação quanto à idade (doze
anos) foi posterior (Lex Salica, Título 28, § 6), quanto ao fre dum; Lex Frisionum, Título 3, § 70).
A responsabilidade do curador do louco era subsidiária, se houve culpa (cf. O. HAMMER, Die Lehre tom
Schadenersatz nach dem Sachacuspiegel und deu verwandten Rechtsqueflen, 97; sem razão, os que invertiam).
Com a introdução do direito romano, os juristas frisaram a diferença das concepções. Por exemplo, Auo. DE
LEYSER (Meditationes ad Pandectas, sp. 532, §§ 1-3) “lus Germanicum priscum furiosos delinquentes a poena
liberat, sed damnum datum restituere iubet; ius Romanum furiosos ab utroque liberat”.
Na doutrina do direito natural tentou-se restaurar o princípio germânico (e. g., CHRISTIANUS THoMAsIUS:
“Hodierna vero actio, larva legis Aquiliae ei detracta, talis amplius nou sit, igitur et illud necessario sequitur,
quod actio hodierna dari debeat adoersus furiosos”) ; J. G. HEINEccnis: “Nec dulium, actionem hodiernam de
damno dato etiam adversus furiosus et infantes dari, eatenus est damnum ab iis datum ex ecrum bonis
resarciatur”).
No direito territorial prussiano, a responsabilidade dos incapazes passou a ser subsidiária: se os bens dos pais,
tutôres ou curadores não bastavam para o ressarcimento (cf. GUSTAV ALEx. l3rELrrz, Praktischer Kommentar
zuni.• alígem. Landrechte fur die preussiacheu Staat eu, 1, 248; ERNST FERDINAND KLETN, System des
preussiecheu Civilrechts, 1, 188 s.; .1. W.J.BORNEMANN, Systema.tische Darstellung des Preussischen
Civilrechts, 1, 88, e II, 172).
Tudo isso mostra que há problema de doutrina e de técnica legislativa, que foi tratado com demasiado apêgo a
um 011 outro. No direito francês, por exemplo.
A.SOURDAT (1’raité général de la Responsabiflté ou de 1/acUou eu dommages interêta eu dehors des contrata,
1, 9 s.> reputava caso fortuito o ato do louco e repelia que se fizesse recair sôbre o seu patrimônio o dano
(idem, A. DULiÂNTON, Coura de Droit français suivant le Code Civil, VII, 504, e outros). Reagiu M.
TEISSEIRE (Essai d’une Théorie générale sur te Fondenvent de la Responsabitité, 319 s.). ,Que importa à
vítima perguntava êle que tenha sido lesada por um louco ou por algum homem com juízo? E dava,
claramente, a sua opinião: “II faudrait donc peut-être détruire ce dernier vestige du point de vue individualiste
et admettre la responsabilité du fou et de l’enfant. On peut déjà relever des traces de cette audacieuse
conception. Le fou est souvent livré à Iuimême. Sa folie même peut le pousser à des actes dangereux. Et sa
personnalité n’est-elle pas três accentuée même que beaucoup de personnalités raisonnables ?“ Depois de
muitas considerações: “L’individu ne serait plus atteint parce qu’il a une volonté, mais parce qu’il a un
patrimoine, parce qu’il représente et symbolise ce patrimoine”. Muitos seguiram o mesmo caminho (e. •q.,
MARCEL PLÂNIOL, E. HERMANcE, E. PERREÂU, II. PASCÂUD).
No Código Civil austríaco, § 1.307 (Novela III, art. 157), diz-se que, se alguém se pôs, por sua culpa, em estado
de não se poder conter, ou se pôs em estado de perigo, o dano que causa é imputável à sua culpa. A regra incide
quanto ao terceiro que isso provocou. No § 1.308 (Novela III, art. 158), acrescenta-se que, se alienados,
imbecis, ou crianças de menos de sete anos causam dano a alguém, que, qualquer que seja a culpa, lhe deu
ensejo, não pode êsse exigir ressarcimento. No §1.309, estatui-se, fora daí, quanto à responsabilidade dos que
tem o dever de vigilância. O § 1.310, êsse, fere o assunto, na esteira do direito territorial prussiano (cf. JOSEF
MAUCZKA, Der Rechtsgrund des Schadenersatz ausserhalb bestehender Schuldverhã.ltnisse, 320 s.) : “Se a
vítima não pode, de qualquer maneira, receber a indenização, deve o juiz, decidir se cabe indenização total, ou
só parcial e eqUidosa, se culpa não cabe, no caso determinado, a quem causou o dano, mesmo se não tem
habitualmente o uso da razão, ou se a vítima não renomeia à defesa para poupar o autor do dano, ou,
finalmente,tomar em conta & fortuna do autor do dano e a da vítima (endlich mit Rúcksicht auf des Vernióben
des Beschãdigers und des Beschãdigten).
Foi evidente a influência nos Cantões suíços (Código Civil de Berna, 1824, regra 971; de Lucerna, 1931-1939,
§§ 724- 726; de Soiothurn, 1841, 1847, §§ 1.371 e 1.372; e de Argau, 1847, 1856, § 807). No Código de Direito
privado do Cantão de Zurique, 1853, 1856, ~§ 1.835, 1.872 e 1.873, há a indenização conforme o arbítrio do
juiz.
No Código federal suíço das Obrigações, art. 54 (antigo art. 58), pôs-se a regra jurídica de poder o juiz, se a
eqúidade lho exige, condenar pessoa, mesmo se incapaz de discernimento, à reparação total ou parcial do dano
que ela causou. As criticas ao texto suíço, antes da promulgação do Código federal das Obrigações e depois,
foram vivas, como contrário aos princípios; mas os defensores foram muitos.
Admitido que possa o juiz, após apreciar as circunstâncias e a diferença entre os patrimônios, inclusive a falta
de responsável pela vigilância do ofensor ou a insuficiência dos meios econômicos, condenar o incapaz ao
ressarcimento, surge o problema da ratio legis. A teoria da culpa seria incabível. Ter-se-ia de recorrer à ficção
(teoria da ficção, lançada por HEINROTH. Cf. ADoLPH DIETER WEBER (ttber Iujurien uud
Schmãhsckriften, ga ed., 66, nota).
Diferente a teoria de KARL HEINSHEIMER (tiber die Haftung Unzurechnungsfãhiger nach des EGE., § 829,
Archiv filr die civilistisehe Pra xis, 95, 234 s.), que tem a responsabilidade por eqflidade como firmada nos
elementos objetivo e subjetivo do suporte fáctico delitual, abstraindo-se da integridade mental do agente. O que
importa é que tenha havido o dano e o ser humano o haja causado. Aos mesmos resultados chegou Ltmwro
TaXant. Aproximadamente, antes, GUSTÂV RÚMELIN (Culpahaftung und Kausalhaftung, Archiv fier die
civilistisch,e Praxis, 88, 285 s.), e FRÂNZ EERNHÓFT (Das EGE. aIs Grundlages des ktinftig’en Rechts,
Reitrâge zur Áusle.qung dea BGB., 1, 8). Contra, 3. CnR. SCHWARTZ (Das Rulligkeitsnrteil des §
829 RUa., 14).
A teoria da causalidade pura seria suficiente se a regra jurídica não fôsse de arbítrio judicial. A teoria do risco,
também; e estar-se-ia a pôr no mesmo plano a responsabilidade pelo ato do animal e pelo do homem (cf. A. E.
J. THIBAUT, Vers’uche ilber ejuzeine Teile der Theorie des rõmischen Redita, II, 186).
A teoria da reparticão objetiva dos danos permitiria expiicação ua responsabilidade da pessoa com dever de
vigilância e da responsabilidade do louco, com a atenção à política dos necessitados (cf. ANToN MENCER,
Das biergerliche Recht und bcsitztosén Volicsklassen, 192).
Frise-se que a regra jurídica especial afasta a indenizacão que teria o lesado contra o agente sem discernimento,
em caso de se equiparar o seu ato a ato em estado de necessidade. Aliás, contra o doente mental há a pré-
exclusão da delituosidade por legitima defesa ou em estado de necessidade (Código Civil, arts. 160, 1 e II,
1.519 e 1.520). Cp. EBLER RITTER Faz. ALOYS v. ZEILLER (Das natiiríiche Privatrecht, 186).
A regra jurídica especial tem a vantagem de concorrer para que diminua o número de atentados por parte de
anormais, pois o cuidado e a vigilância por êles há de aumentar (cf. EDIIAED GEISER, Úber
ausserlcontraktliche Haftung Geisteskranlcer, 82).
Se a regra jurídica alude a ser maior a fortuna do ofensor do que a do ofendido, levanta-se a questão de haver,
ou não, ação de indenização em caso de igualdade. Três respostas:
a) negativa (M. vON STUBENRAUCH, Komrnentar zunt aligemeinen õsterreiehisehen Bhirgerlichen
Gesetzbueh, III, 527 s.)
b) afirmativa, quanto à metade do valor dos danos (ErLER RITTER Faz. ALoys v. ZEILLER, Kornmeutar iiber
das allgemeine bitrgerlíúlte Gesetzbuch, III, 734 s.) ; e) “maior” e “igual” têm o mesmo trato, salvo se se
deixaria sem meios o lesante.
A responsabilidade é subsidiária. Se não há responsável pela vigilância, cabe a ação. Se há, mas os seus meios
são in suficientes, responde o autor do dano.
Se o lesado foi o doente mental e o autor do dano alega que obrou em legítima defesa, tem de ser examinado o
caso, porque o autor do dano pode não ser responsável.
Se a lesão foi oriunda de causação dos dois, tem-se de verificar a medida dos danos.
~Qual a solução no direito brasileiro?

Devemos ter precisão na redação da regra jurídica que havemos de considerar inserta no sistema jurídico
brasileiro. Primeiramente, repitamos que se trata de ato-fato ilícito. Qualquer que seja a idade ou o estado
mental se o ato proveio do incapaz, tem-se de considerar existente o direito à reparação se se compõe o suporte
fáctico da regra jurídica não escrita. Tal regra jurídica pode ser expressa nos seguintes termos: Se o ato do
incapaz não deu ensejo à responsabilidade de outrem, como o pai, a mãe, o tutor, o curador, ou a emprêsa de
hospital ou hospício, ou se tal responsável não tem meios para pagar a indenização, e o incapaz que a tivesse de
prestar não ficaria sem meios para viver no mesmo nível do lesado antes do dano, é legitimado passivo na ação
de ressarcimento pelo ato-fato ilícito.

2. RESPONSABILIDADE TRANSUBJETIVA No sistema do direito civil brasileiro, a responsabilidade pelo


ato, positivo ou negativo, de outrem, é transubjetiva. Não adotamos a responsabilidade dita objetiva. Nem a
respeito do art. 1.521, incisos 1 e II, do Código Civil, nem a respeito do inciso V, nem a respeito dos incisos III
e IV: aqui, tem-se de supor a culpa na escolha, ou na vigilância, ou outra culpa semelhante; acolá, presume-se a
culpa in vigilando (1 e II); ali, apenas se explicita a ação do lesado (V). Os arts. 1.521, 1-1V, e 1.523, nenhuma

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exceção trazem ao princípio da responsabilidade pelo ato, positivo ou negativo, de outrem, fundado na culpa.
Apenas se regula a prova. Ora a prova incumbe ao autor, ora ao réu.
As dificuldades mais resultam de não se atender a que ha suportes fácticos diferentes nos inciso 5 1, II, III e IV
do art. 1.521 do Código Civil, e a que as objeções do demandado é que podem afastar ou não a presunção juris
tantum da responsabilidade Nas espécies do inciso 1, o demandante tem de alegar a paternidade ou a
maternidade e ou a companhia, bem como a menoridade do lesante. Nas espécies do inciso li, dá-se o mesmo
quanto à investidura da tutela ou da curatela, como de ser menor ou curatelado o agente. Nas espécies do inciso
1H, o que importa é a relação jurídica entre o empregador (senso largo) e o empregado (senso largo) e o
exercido do trabalho. Nas espécies do inciso IV, a relação jurídica já irradiada ou por irradiar-se (e. g., freguês
ou cliente que ainda está a satisfazer as exigências da portaria) passa à frente, mas há os elementos fácticos da
entrada da pessoa e das bagagens ou outros bens.
A responsabilidade do art. 1.521, 1-1V, é própria, por culpa própria, e não por culpa alheia; por isso mesmo, o
pai, a mãe, o tutor, o curador, a pessoa que tem a guarda do menor absolutamente incapaz, ou o curador da
pessoa absolutamente incapaz responde. O ônus da prova é que se não regula igualmente para todas as espécies;
os incisos 1 e II foram tratados um tanto diferentemente dos incisos 1H e IV. O que a técnica legislativa
procurou estabelecer foi a diferença da atribuição do anus probandi, nas espécies do art. 1.521, 1-1V.

3.ÔNUS DA PROVA. Nenhum texto posterior resolveu a questão doutrinária de ser a alusão do art. 1.523 aos
outros incisos inoperante, ou não, para se entender invertido ~ ônus da prova.
Quanto aos arts. 1.524 e 1.525, 1•a parte, nenhuma presunção legal contêm êles. Quanto ao art. 1.525, 2•a parte,
os arts. 63-67 do Código de Processo Penal vieram alterar o sistema do Código Civil. Dizia o art. 1.525, 23
parte: “não se poderá, porém, questionar mais sôbre a existência do fato, ou quem seja o seu autor, quando estas
questões se acharem decididas no crime”. No Código Penal, art. 74, 1, disse-se que são efeitos da (sentença de)
condenação “tornar certa a obrigação de indenizar o dano resultante do crime”. Depois, o Código de Processo
Penal foi mais longe. Distinguiremos os dois sistemas.

4.SEGUROs. Nenhuma quantia ou pensão recebida em virtude de seguro afasta a indenização por fato ilícito
absoluto (no sentido da jurisprudência dc Supremo Tribunal Federal, a 43 Câmara Civil do Tribunal de Justiça
de São Paulo, a 20 de março de 1952, 1?. dos T., 200, 380).
Se quem pode vir a ser responsável pelo dano sofrido por outrem, em virtude do art. 1.521, 1-1V, conclui
contrato de seguro, com isso não se livra da responsabilidade, salvo se há lex specialis.

§ 5.506. Incidência do direito penal e do direito privado, no tocante a responsabilidade negocial e extranegocial

1.DISTINÇÕES QUE SE APRESENTAM. Em princípio, para a técnica legislativa, as duas responsabilidades,


a delitual e a contratual, são distintas. ~ó o Código Civil português e o Código suiço das Obrigações
pretenderam a unificação. Mas, em geral, as legislações recentes procuram evitar as discrepâncias . Diz o
Código Civil português, art. 2.393: “A responsabilidade, proveniente da não execução dos contratos, regular-se-
á pelas disposições dos arts. 702 e seguintes; a responsabilidade, que derivar de quaisquer outras obrigações,
reger-se-á pelos mesmos princípios em tudo aquilo a que êstes forem aplicáveis”.
No direito inglês, se é a mesma a extensão em caso de tort e em caso de breach of oontract, é inegável a
distinção. O ônus da prova cabe, nos torta, ao credor, salvo se há presunção de negligência; nos contra eta, ao
devedor, a quem incumbe provar que não houve culpa na inexecução. A regra juridica actio yer8oflaZu racritur
«um persona domina o direito dos torta. Não se aplica, como princípio, aos contratos. Nos torta, as perdas e
danos são exemplary. O rompimento do contrato de esponsais excepcionalmente recebe a aplicação da regra
actio personalis moritur cum persona e da indenização dos exemplar~ damages. Pode haver, no mesmo ato,
brcach of cnntraet e tort; cabe ao lesado a escolha da ação (E. JENES, A Digest of English Civil Law, II, 336).
O que constituIria injury, ainda se não houvesse contrato, é tort. Pode o ato suscitar a ação ex contraetu contra
uma pessoa e ex delioto contra outra. O cúmplice da violação de um contrato pode ter de responder pelo tort, e
pela infração contratual o contraente (Luvalyse versus Gye, 1953). Na inexecução de um contrato, pode
acontecer que terceiro goze de ação ex delicto contra o contraente.
No direito austríaco, o Código Civil (1811) estatui que há o dever de reparar o dano causado por culpa, quer
provenha da relação de um contrato (dever fundado em convenção), quer não se reporte a violação de contrato
(§ 1.295). O que pretende ter sido impedido, sem culpa sua, de executar obrigação resultante da lei ou do
contrato, deve prová-lo

(§ 1.298). Mas o § 1.296, que se refere aos delitos, estatui que se presume, na dúvida, ter sido sem culpa o dano
ocorrido. Têm-se de provar o fato e a culpa, ao contrário do que ocorre com a execução das obrigações
contratuais (§ 1.298).
No direito espanhol, há o art. 1.092 que diz: “Las obligaciones civiles que nazcan de los delitos ó faltas se
regirán por laz disposiciones del Código penal”. E o art. 1.093: “Las que
~wriven de actos á omissiones en que intervenga culpa érú-jigencia no penadas por la ley, quedarán sometidas à
las çi!snosiciones del cap. II deI titulo XVI de este libro”. Adiante, no art. 1.214: “Incumbe la prueba de las
obligaciones aí que reclama su cumplimiente, y la de su extinción aí que la opone”.
No direito alemão, a seção 1 do Livro II do Código Civil alemão, §§ 241-304, compreende o “conteúdo das
relações obrigacionais” (Inhalt der Schuldverhãltnisse). Só após vem a seção TI relativa a “relações de
obrigações que se originam do contrato” (Schuldverhãltnisse aus Vertrãgen). De modo que aquela seção é geral,
e essa, não; aquela atinge os atos ilícitos, essa se limita aos contratos. Algumas exceções (§§ 847, 843-845 e
912, alínea 2.~) constituem limitações à generalidade da seção 1. Quanto aos prepostos, há duas regras
•jurídicas: a) Quanto à responsabilidade contratual, o § 278, 1•a parte, estatui que o devedor responde pelas
faltas dos representantes legais e das pessoas de que se serve para a execução da prestação, na mesma medida
em que responderia pela própria falta. O § 278 não se aplica aos casos de culpa in contrahendo, nem de culpa
delictual. Daí a colocação dêle sob o titulo I/erpfliehtung zur Leistung (dever de prestar). O §120 é une se
aplica às inexatas transmissões de declarações de vontade. Não há possibilidade de prova liberatória. b) Quanto
a responsabilidade delitual, o § 831 permite a prova liberatória de ter havido todo o cuidado exigido pelas
relações de uso, ou de haver acontecido o dano, ainda que todo o cuidado tivesse havido.
Diz o § 831: “O que pre põe outra pessoa para a execução de um trabalho (Verrichtung), é obrigado à reparação
do dano que estoutro cause, ilegalmente (widerrechtlích), a terceiro, nesta execução. Não cabe a obrigação de
indenizar se o dominus negotii (Cescbiiftsherr), na escolha da pessoa preposta, e, quando deva fornecer
aparelhos ou instrumentos ou dirigir a execução, tenha tido, no fornecer ou dirigir, todo o cuidado exigido pelo
uso, ou se o dano também ocorreria no caso de aplicação dêsse cuidado”. O § 831 não constitui exceção ao
princípio do § 278. E apenas regra para os casos em que o § 278 não caiba. Se a relação violada é a contratual,
ou não, deve ser decidido pelas circunstàncias do caso.
No direito suíço, o art. 99, alínea g~a, do Código suíço das Obrigações, diz que as regras relativas à
responsabilidade por atos ilícitos por analogia se aplicam aos efeitos da culpa contratual. Fala-se de “Mass der
Haftung”, isto é a fixação do dano e de determinação da indenidade. Há os arts. 42-44 sôbre extensão dos
danos; e outros, como os arts. 97, 45-47 (quando a contrato de transporte) e o art. 49. Seria errado aplicar-se o
art. 50, pois, havendo muitos devedores e não execução por parte de todos, a responsabilidade dêles (individual
ou solidária) é pelos termos e pela natureza da convenção que se rege.
No direito brasileiro do Império, a reparação dos danos em caso de ilicitude absoluta foi regulada pelo Código
Criminal, arts. 21-32, sob o titulo de “satisfação”, a despeito de se tratar de direito civil. Não obstante a absurda
colocação, houve defensores (e. g., JosÉ DA SILVA COSTA, Estudo teórico e prático sôbre a Satisfação do
dano, 2Y ed., 12 s.).
Algumas diferenças, que se apontam para a responsabilidado contratual e a delítual, são falsas. a) A culpa é a
mesma, para a infração contratual e para a delitual. O adágico in lego Aquilia et levissima culpa venit não
significa que deva ser mais grave a culpa contratual. A própria culpa in concreto só aparece em certos contratos,
e. g., arts. 774 (credor pignoraticio), 1.192, II (locatário), 1.267 (depositário), 1.284-1.285 (hospedeiro,
estalajadeiro), 1.386 (gestor de negócios), 1.251 (comodatário), 1.300 (mandatário). Não é critério geral dos
contratos. b) Ambas podem resultar de atos e de omissões. Obrigações de fazer, de dar; obrigações de não fazer,
de não dar. Atos ilícitos positivos, atos ilícitos negativos. c) Quanto às cláusulas exoneratívas, se há distinções
entre as responsabilidades delituais e as contratuais, também as há entre aquelas,
como espécies, e entre essas. Portanto, algumas vêzes, o critério distintivo falharia.
Apontam-se como diferenças, no direito positivo: a) quanto ao fôro: para a responsabilidade delitual, seria o do
delito ou o do domicílio do réu, à escolha; para a contratual, a do domicílio do réu ou o previsto no contrato (.~,
mas será isso verdadeira diferença?) ; b) quanto à mora: “Nas obrigações provenientes de delito”, diz o Código
Civil, art. 962, “considera-se o devedor em mora desde que o perpetrou”; por isso mesmo é de importância
verificar-se se houve culpa contratual ou culpa extracontratual. Diz o Código Civil, art. 1.064: “Ainda que se

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não alegue prejuízo, é obrigado o devedor aos juros de mora, que se contarão assim às dívidas em dinheiro,
como às prestações de outra natureza, desde que lhes esteja fixado o valor pecuniário por sentença judicial,
arbitramento, ou acôrdo entre as partes”. E no art. 1.536, § 2i’: “Contam-se os juros de mora, nas obrigações
ilíquidas, desde a citação inicial”. No art. 962: “Nas obrigações provenientes de delito, considera-se o devedor
em mora desde que o perpetrou”. No caso de obrigações ex delicto que, na terminologia do Código Civil,
compreende toda responsabilidade por fatos ilícitos contam-se os juros desde a perpetração, quer se trate de ato
positivo, quer de ato negativo. Resta saber-se se a responsabilidade civil fora dos atos ilícitos como, por
exemplo, no caso de necessidade (Código Civil, art. 1.520 e 1.519), se rege pelo art. 962, ou pelo art. 1.064.
Não se trata de delito; portanto, há lacuna da lei. Mas o fundamento do art. 962 é o de correrem por conta do
devedor os riscos da coisa devida. A questão torna-se delicada. No EsbOço, art. 1.073, dizia TEIXEIRA DE
FREITAS: “Se a obrigação fôr de indenizar dano causado por delitos, ou ofensas, ficará o devedor constituído
em mora desde o dia do delito, ou ofensa”. Procurou conciliar o direito civil com o criminal, pois o Código
Criminal então vigente, no art. 26, estatuia que se contassem os juros desde o momento do crime. No Projeto
primitivo, art. 1.103, só se falou em delito. ~ E as ofensas sem delituosidade, sem ilicitude? Viu-as e a elas
proveu o Esbóço; parece que não as enxergou projeto, nem o Código Civil. Quid inris? ~Há mora ex ré nos
danos causados pela pessoa a que a lei não imputa ato ilícito?

mora do art.7 962 concerne ao delito, ou a todos os danos causados? A lei não diz; porém havemos de assentar
que, não havendo culpa, do ato se contem os interesses . Contra o culpado, não podem deixar de correr os juros,
segundo o art. 962. Se a obrigação é mais contratual que extracontratual, a linha divisória dificilmente se vê e
há muito de opinativo nas apreciações: não incide o art. 962. Se há possibilidade de escolha das ações, a que diz
respeito à infração do contrato e a nascente do delito, dá-se a contagem segundo a ação proposta. c) Quanto ao
ánus da prova: cabe ao devedor, se houve inexecução; ao credor em conseqUência do delito, se invoca os
danos. Mas provar a inexecução é fazer a metade da prova da culpa. Demais, se a obrigação é negativa, o ônus
cabe ao devedor, numa e noutra. Na positiva, ao credor. De modo que, numa e noutra responsabilidade, o ôllus
cabe ao autor.
Na França, menciona-se como verdadeiro elemento de distinção a inaplicabilidade do art. 1.150 do Código
Civil francês aos delitos.
O art. 1.150 do Código Civil francês é aquêle em que se diz que o devedor só se vincula (n’est tenu que) pelos
danos e interesses que provieram ou que possam provir, salvo se o inadimplemento resulta do dolo.
Dano é qualquer lesão ou dano à pessoa ou a algum bem ou interesse. Pode ser ao credor e dar ensejo à
responsabilidade negocial, ou à responsabilidade pelo ato ilícito absoluto, ou ato-fato ilícito absoluto ou fato
ilícito stricto sensu absoluto. Se ocorre essa, não há relevância a distinção entre lesão à relação jurídica negocial
e a lesão ao direito ou interesse, porque pode essa ser ao direito, à pretensão ou à ação do credor, sem se tratar
de violação da relação jurídica preexistente, O que não se pode reger pelo direito concernente aos atos ilícitos
absolutos é a ofensa à relação jurídica negocial. As próprias regras jurídicas sôbre capacidade do agente são
diferentes. Em princípio, porque é o que mais acontece, a lesão atinge a relação jurídica que há entre o agente e
o lesado, razão por que a ação de indenização por ato ilícito absoluto é improponível. Isso não afasta que não se
trate de lesão à relação jurídica entre os interessados ou que haja tal lesão simulttaneo ou ao lado de ofensa que
componha o suporte láctico do ato ilícito absoluto, ou do ato-lato ilícito absoluto ou do fato ilícito stricto sensa
absoluto. Não importa se a relação jurídica preexistente é privatística ou publicística, ou se não é prôptiamente
negocial, como se resultou ex lege.
Havia a opinião que de modo nenhum via responsabilidade extranegocial nascida de atingimento de direitos de
origem negocial (e. g., KARL LINCKELMANN, Die Schadenersatzpfuicht aus unerlaubten flandtung, 20 5.; E.
ECK, Vorírtige ilber das Reckt des 13GB., 1, 601; ERICH JUNO, Delikt und Schadensverursach,ung, 25).
Repeliu-se tal atitude, na doutrina dominante (e. g., F. voN LISZT, Die Deliktsobligationen, 12 e 18; II.
DERNBURG, Dais Biirgerliche Recht, II, 1878; GUSTÂv MULLER und GEORO MEIXEL, Das Ehirgerliche
Recht, 2~a ed., 659; com fundamentação completa, Oro CHRISTIAN FISCHER, Die Verletzung des
Glãubigersrechts ais unerlaubte Handlung, 96-103).
Se o direito já nasceu, sem a lesão ser a pretensão, ou ação ou exceção, que dêle haja de nascer, ou se já nasceu
a pretensão, sem dela ter de nascer ação, ou exceção, sem que ao crédito possa haver efeito dependente da sua
vontade, houve integração definitiva no patrimônio. Ato positivo, ou negativo, do devedor qu o ofenda, ou
ofenda a pessoa do credor, é ato ilícito absoluto.
Muitos entendiam que falar-se de ação para reparação de danos causados por ato ilícito absoluto se há relação
jurídica entre o lesante e o lesado é contradição. Ora, se o transportador, o motorista do táxi, por exemplo, furta
a carteira do passageiro, a ofensa extranegocial é evidente. O ato intendonal da vítima, para obter a prestação do
seguro, é ilícito absoluto, e não de violação contratual (cf. O. DUPONT, De la Responsabilité en. matiêre
d’accidents d’automobile, 82).
A pessoa que se diz procurador com podêres para a conclusão de negócio jurídico e não os tem, se não se
vinculou, nem o dono do negócio se vinculou, responde pelo ato ilícito al)soluto. É sem relevância, hoje, no
tocante a actio institoria, a discussão a propósito da solução romana (cf. O. MANDRY, Das gemeine
Futmilienrecht, II, 600 s.; contra, ELSÂSSER, tlber die institorisefle Klage, 17 s.; cf. SIEGMUNI)
SCHIOSSMANN, Das Kontrahieren mit oflener Voihnackt, 217 s.).

A venda do bem de outrem é contrato de compra-e-venda, mas a negociabilidade não afasta, perante o terceiro,
dono do bem, a ilícitude absoluta do ato. Há ato ilícito absoluto, com o dever de reparação, além dos deveres
decorrentes da reivindicabilidade. A ofensa pode ser ao possuidor próprio, que não seja proprietário. Enquanto o
comprador de boa fé não adquire a propriedade, ou mesmo o de má fé, pela expiração do prazo para a
reivindicação (pois o comprador usucapiria), a venda do bem de outrem é ineficaz, e não nula, como se costuma
dizer noutros sistemas jurídicos. O vendedor vinculou-se perante o comprador, e seria absurdo que pudesse
alegar a nulidade por ter vendido o que não era seu (certo, E. ARNTZ, Cours de Droit Civil français, II, 402,
que aliás falava de nulidade relativa, termo impróprio; sem razão, DANIEL DE FOLLDVILLE, Essai sur la
Vente de la chose d’aut rui, 89 s.).
Sôbre mandatário, comodatário, vendedor, credor com direito de penhor, locatário e gestor de negócios, cf. JoH.
CAsP. GEN5LER (Exercttationes juris civilis ad Doctrina de culpa, 11 s.).
O inadimplemento de obrigação, de origem negocial, pode dar ensejo à responsabilidade por ato ilícito
absoluto, como se A, que deve a 13, sabe que E conta com o dinheiro para pagar a C, que o ameaça de pedido
de decretação de abertura de falência, e somente por isso A, que ia solver a dívida, deixa de fazê-lo. Aí, o dolo
foi estranho à relação jurídica contratual e a indenização pode ser por ato ilícito absoluto, à parte das
conseqUências da venda. Aliter, se a obrigação é correal e só um dos devedores praticou o ato ilícito absoluto,
porque cada obrigação é separada, a despeito da causalidade (cf. CARL HoFFSÚMMER, Haftung eines
Korrealschuldners fhir culpa und mora des Anderen, 11 s.).
A quitação é ato jurídico síricto sensu (Tomos II, § 159, in fine; XXIV, §§ 2.889, 5; 2.909, 8; 2.913-2.921). Já
assim se haveria de entender no direito grego, pôsto que os juristas historiadores não se hajam preocupado com
classificá-la entre os fatos jurídicos (cp. L. MITTEIs, Reichsrecht und Voiksrecht, 468, 1; EUCÊNE
R~vILLoUD, Les Obligations en Droit égyptien campa ré aia antres Droits de Pan tiquité, 81 s.). Havia a im
pressão digital, como o protocolo do ato oral de quitação. Não se há de confundir com a apodia e o pactunt de
non pretendo.
Quem entrega quitação falsa, ou seja o devedor ou alguém por êle, comete ato ilícito absoluto. Só o devedor ou
quem o presente ou represente pode dar quitação: tem de assiná-la. Não há negócio jurídico. Há ação para que o
credor, que recebeu, a dê (cf. BRENNO FRESE, Zur Lehre von der Quittung, 281). A declaração de que a
quitação foi falsa mostra que o ato de afirmá-lo podia ser ilícito absoluto.
A alienação, com fraude, com prejuízo dos credores, em direito romano (Tomo IV, §§ 483, 488 e 490) e na
técnica legislativa posterior (§§ 484-487, 489, 490-504), dá ensejo a ações específicas. Fora delas, pode haver a
ação de indenização, porque não cabe (ou não mais cabe), ex kypothesi, a restitutio in integrum, nem a
revocatória, que correspondem ao interdictum fraudatorium, exercivel pelos credores, e a restitutio sómente
pelo curator bonorum, pôsto que, depois da alienação da massa, houvesse a actia rescissoria pelos credores. A
acUo Pauliana, que é do direito justinianeu, era proponível pelos credores e pelo curator bonorum (cf. J. J.
EMIL ZURcHER, Die Actio Pauliana, 6 s.).
Aqui temos de abstrair da invalidade do ato, ou ineficácia, porque só interessa a ilicitude absoluta. Não é
preciso que já esteja pedida a decretação da abertura do concurso. Basta que se haja dado garantia a crédito já
existente, de jeito a prejudicar alguém.
Sôbre a responsabilidade extranegocial do vendedor, ToIno XXXIX, § 4.886, 5.
Sôbre a responsabilidade das emprêsas de navegação, perante terceiros, Tomo XLVIII, § 5.146.
~Têm campos distintos as duas responsabilidades? Nos casos em que se fala da culpa iii concreto (Código
Civil, artigo 774, 1.192, II, 1.267, 1.284, 1.285, 1.386, 1.251 e 1.300),
~ pode ser invocada a responsabilidade fundada na culpa in abstracto? Não; seria tornar inútil o texto da lei.
Seria mais:

.~> a]
seria querer-se completar uma responsabilidade com a outra. Repugnaria à independência deixada aos
figurantes. O que se pretende é bem ou mal, pois não se fala de liEge fereurida atenuar a responsabilidade: os
contratos criariam inextrincáveis rêdes de interesses lesáveis. Mas, 2.se o ato é separado? A reparação de que
cogita o art. 1.518 pode ser pedida. Se a infração contratual é delito penal, cabem duas ações: ao autor, escolher.
No caso de inexecução por dolo, C. SAINCTELETTE (De ia Respon.sabilité et de la Garantie, 18 s.) afirmava
a dualidade de ação no caso de transporte.
O que não permanece em dúvida é a necessidade de proverem as legislações à unificação das duas
responsabilidades, a fim de se afastarem distinções escolásticas, sutilezas e incertezas indestrutíveis. O domínio
do optativo é sempre prejudicial e é o que resulta da técnica legislativa consagradora da dualidade. As
responsabilidades pelo fato de coisas e de animais, ou por atos de outrem, aplicam-se entre contraentes. O
contrato não as exclui, só por si; mas, dadas certas circunstâncias, é possível afastarem-se por alguma cláusula
expressa. Pode também ocorrer violação de contrato por uma das pessoas designadas no art. 1.521, 1-1V. Então,
só há violação contratual, e não responsabilidade delitual: a) Se o preposto ou filho ou hóspede, ou outra pessoa
que se insira naquela regra jurídica, apenas procede com má execução do contrato. Não se dá o mesmo quando
o contrato só deu ensejo ao ato; e. g., o preposto joga contra outrem objeto depositado, e quebra-o. Há ação do
depositante contra o preposto (Côrte do Banco do Rei de Montreal, 29 de dezembro de 1928). E há a ação
contra o comitente, fundada no Código Civil, art. 1.521, se no exercício do trabalho se deu o fato ou por
ocast~o déie;
b) Se o ato só em execução do contrato poderia ser praticado. Nos casos de dualidade, ao autor cabe a escolha
da ação; não pode cumular as ações. Mas há circunstâncias que permitem, excepcionalmente, a cumulação; e.
g., ação de nulidade contra o incapaz e ação de in rem verso, fundada no art. 157 do Código Civil: “Ninguém
pode reclamar o que, por uma obrigação anulada pagou a um incapaz, se não provar que reverteu em proveito
dêle a importância paga”; ações separáveis, porque o dano do contrato concerne a determinado prejuízo e o
dano da culpa extracontratual recai em tOda a esfera jurídica do lesado quando a dualidade deriva da pessoa do
lesante e nêle estão duas pessoas, por bem diber distintas. A responsabilidade pede ser contratual em relação a A
e delitual em relação a 13. Se na mesma pessoa estão ambas, claro é que se podem cumular as ações.
Pelo ferimento recebido por A em acidente de ônibus em
que viaja, é contratual a responsabilidade da emprêsa; mas é delitual a responsabilidade dela em relação aos
parentes lesados pela morte de A. Se um vizinho comete atos que excedem os inconvenientes ordinários da
vizinhança, o locatário pude acionar o vizinho e também o locador. Se terceiro se faz cúmplice da violação de
um contrato, delitual é a sua responsabilidade e contratual a do contraente (PIERRE HUGUENEY,
Responsabilité du tiers caiu plice de la vioíation d’une obligation contraetuelle, 24 s.), mas a dêsse pode ser
delitual e contratual, segundo já dissemos. O sublocatário responde contratualmente pelo incêndio em relação
ao locatário e êsse ao proprietário; mas também o proprietário tem ação pela responsabilidade delitual contra
aquêle. Diz o Código Civil, art. 1.208:
“Responderá o locatário pelo incêndio do prédio, se não provar caso fortuito ou fôrça maior, vicio de
construção ou propagação de fôgo originado em outro prédio”. E no parágrafo único: “Se o prédio tiver mais de
um inquilino, todos responderão pelo incêndio, inclusive o locador, se nêle habitar, cada um em proporção da
parte que ocupe, exceto provando-se ter começado o incêndio na utilizada por um só morador, que será então o
único responsável”. No caso de incêndio na casa A, locada, que se transmite à casa B do mesmo proprietário
locador, há duas responsabilidades distintas: uma, contratual, fundada no art. 1.208 do Código Civil; outra, com
base no artigo 1.518 (responsabilidade delitual). O ônus da prova é diferente, segundo a lei.
Os herdeiros de um viajante, vítima de culpa do capitão do navio, ou dirigente de outro transporte, têm duas
ações à escolha: a) a ação contratual, herdada do defunto; b) a ação delitual, que lhes vem diretamente.

O direito tende a eliminar os resquícios de delito penal que há no conceito de delito civil (diminuição do
quantum despótico), tanto mais quanto vemos, a cada momento, leis que estabelecem a responsabilidade, com
presunção inris tantum, pelos riscos, ou a responsabilidade objetiva.

t possível, portanto, esperar-se que se apaguem as distinções entre a responsabilidade delitual e a


responsabilidade negocial, de modo que se crie, por sôbre elas, mais sólida-mente, outro sistema, unitário, de
reparação fundada na culpa ou em equilíbrio material de posições jurídicas. A dualidade perderia quase todo o
sentido atual. Mas, se isso pode ser esperado dos fatos, da evolução, não surgiu ainda nas construções unitárias
artificiais. Assim: a) dizer-se que, se impossível, por culpa do devedor, a execução de um contrato, se extingue
a dívida por falta de objeto (arg. do Código Civil francês, art. 1.802), e a obrigação que nasce é pioduzida pela
lei e obedece ao art. 1.382 (J. GLIANUMOULIN, Nature délictuelte de la Responsabilité pour violation des
obligations contractwcíles, 7), e b) invocar-se o art. 1.184 do Código Civil francês, que considera o contrato
como lei entre os figurantes e a lei como espécie de contrato, são tautologias e construções artificiais, que se
têm de repelir (cp. 41. AUrnN, Responsabilité délictuefle et Responsabilité contractuelle, 44).
2.JULGAMENTO CRIMINAL E COISA JULGADA. (a) Na esteira por que passou, depois, a Lei n. 261, de 8
de dezembro de 1941 (art. 68, 23 parte: “Não se poderá, porém, questionar mais sôbre a existência do fato e
sôbre quem seja seu autor quando essas questões se acharem decididas no crime”),
o Código Civil (art. 1.525) obstava a que se rediscutisse no juízo cível o que se decidira, no juízo criminal,
quanto à existência do fato (res judicata in rem concepta), ou quanto a quem foi o autor (res indicata in
personam concepta). Existência, ou não-existência, entenda-se; autoria, ou não-autoria. Se o que se decidiu, a
mais, foi sôbre não haver crime, por faltar algum dos outros elementos subjetivos do suporte fáctico (e. g., só
houve negligência), pode, no juízo cível, ser redecidida a matéria, porque o suporte fáctico (fora a existência do
fato e a relação causal fáctica) contém elementos diferentes se se trata de ilícito civil ou de ilícito criminal.
Todavia, cumpre não se confundir com decisão sôbre pronúncia decisão de condenação, ou absolvição: a
pronúncia, por ser julgamento de cognição incompleta, não obsta à discussão e decisão no cível. Tão-pouco, a
absolvição por prescrição da ação penal: tratando-se de exceção, apenas se declara que, se pretensão há, está
encoberta a sua eficácia pela exceção de direito penal. Também não impede a rediscussão e decisão o ter-se
decidido não ser crime o ato de que se acusou a pessoa: pode não ser ilícito criminal e ser ilícito civil. A decisão
criminal sôbre legitima defesa, afirmando-a, versa sôbre inexistência do fato ilícito, sôbre não ser contrário a
direito o ato, e a decisão criminal influi no juízo cível, porque coincidem os conceitos do Código Civil, ad.
160, 1, ja parte, e do Código Penal, arts. 19, II, e 21. Diga-se o mesmo quanto ao estado de necessidade (Código
Civil, art. 160, II, e Código Penal, arts. 19, 1, e 20).
Todavia, resta a reparação pelo ato não contrário a direito (arts. 1.519 e 1.520), a respeito da qual a decisão
criminal não pode influir. A sentença criminal de condenação influi totalmente no juízo civil. A de absolvição
por negação do fato, ou da relação causal entre o agente e o fato, também. Nenhuma decisão de cognição
incompleta (e. g., falta de prova) atua no cível. Se a sentença criminal estabelece que houve culpa do ofendido,
a atuação no juízo cível depende de haver coincidência entre a regra jurídica penal e a regra jurídica civil, na
espécie, o que não se pode afirmar, ou negar, a priori e o Código Civil não anuiu em que se admita o caso
julgado sôbre simples culpa.
Se o julgado cível não diverge do julgado criminal quanto à autoria, pode haver condenação por aquêle e
absolvição por êsse, ou vice-versa. O que não se pode é negar o fato que o juízo criminal deu por existente, ou o
ter sido o acusado o agente do crime (cf. 23 Turma do Supremo Tribunal Federal, 11 de maio de 1955, .4. 3.,
76, 800). As dirimentes e justificativas são estranhas à existência e à autoria, mas há o artigo 65 do Código de
Processo renal: “Faz coisa julgada no cível a sentença penal que reconhecer ter sido o ato praticado em estado
de necessidade, em legitima defesa, em estrito cumprimento de dever legal ou no exercício regular do direito”.
Trata-se de plus em relação ao ad. 1.525 do Código Civil (cf. 2•a Turma do Supremo Tribunal Federal, 19 de
janeiro de 1948, A. 3., 68, 81, 24 de agôsto de 1950, D. da 3., 9 de julho de 1952, e 24 de outubro de 1953, A.
3.. 112, 101; 13 Turma, 13 de janeiro de 1947, 1?. P., 111, 887 si.
Se o juízo criminal não decidiu quanto ao ato e a autoria, a decisão é sem repercussão no cível. Não basta o
despacho de arquivamento do processo, nem a impronúncia (23 Turma do Supremo Tribunal Federal, 12 de
novembro de 1943, A. 3., 69, 236: “A mesma impronúncia do acusado, segundo PONTES DE MIRANDA, não
produz o efeito do art. 1.52W’; 33 Câmara Civil do Tribunal de Apelação de São Paulo, 4 de dezembro de 1940,
e 28 de novembro de 1940, R. dos T., 139, 675: 4~a Câmara Civil, 13 de maio de 1942, 6 de agôsto de 1941,
139, 689).
A absolvição somente pode ter eficácia no cível se nega a existência do fato ou a autoria (23 Turma do Supremo
Tribunal Federal, 8 de setembro de 1942, 1?. E., 95, 68; 19 de janeiro de 1948, A. 3., 68, 31: “A absolvição
influi quando faz excluir a indicação ou pela prova em contrário, ou pela condenação de outrem, cf. PONTES
DE MIRANDA, Manual, XVI, 3a .~ Parte, n. 845”); 53 Câmara Cível do Tribunal de Apelação do Distrito
Federal, 15 de julho de 1941, E. F., 88, 148 s.; 4.~ Câmara Cível, 19 de abril de 1941, A. 3., 58, 225).
Se houve condenação criminal, houve os pressupostos da declaração da existência do ato ilícito e da autoria.
Portanto, há a res indicata para o cível: a dívida de indenização foi assente no julgado, como efeito da sentença,
pela declaratividade implícita (cf. 4.~ Câmara Civil do Tribunal de Apelação de São Paulo, 14 de julho de 1942
e 4 de março de 1943, 1?. dos T., 139, 263 e 144, 625).

.~> a]
Se a absolvição não nega a autoria e apenas se reputa casual o ato ilícito, ou Por outra razão isento de culpa o
ofensor, não está afastada a responsabilidade civil (i.a Turma do Supremo Tribunal Federal, 29 de dezembro de
1941, E. E., 91, 405; Tribunal de Apelação de Alagoas, 15 de julho de 1941, 90, 198 s.: “No processo criminal,
por isso que se visa à aplicação da pena de prisão, exige-se prova mais rigorosa, cf. PONTES DE MIRANDA,
Manual do Código Civil, XVI, 8a Parte, 522”; 1.~ Câmara Cível do Tribunal de Justiça da Bahia, 18 de marco
de 1942 e 18 de junho de 1950, E. dos 7’. da Bahia, 42, 86; 23 Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Distrito
Federal, 20 de novembro de 1958; 53 Câmara Cível do Tribunal de Apelação do Distrito Federal, 18 de janeiro
de 1942, A. 3., 62, 223, e 15 de setembro de 1942, E. E., 93, 508; .23 Câmara Cível do Tribunal de Apelação de
Minas Gerais, 10 de fevereiro de 1941, E. dos 7’., 87, 747; Câmaras Reúnidas do Tribunal de Justiça de
Pernambuco, 2 de dezembro de 1946, A. E., 20, 261; 23 Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Rio Grande do
Sul, 9 de novembro de 1943, E. E., 122, 206, 27 de setembro de 1949, 1., 31, 867 s., e 12 de janeiro de 1950,
E.E., 132, 199).
A absolvição do acusado, sem ter havido negação da existência do ato criminoso, ou da autoria, não tem
eficácia de res indicata para o juízo cível, nem estabelece presunção a respeito (sem razão, a 23 Câmara Cível
do Tribunal de Apelação do Rio Grande do Sul, a 21 de junho de 1944, E. E., 100, 525; as Câmaras Civis
Reunidas do Tribunal de Apelação de São Paulo, a 13 de agôsto de 1945, E. dos T., 159, 272). E. g., o incêndio
nas matas de A estava extinto, completamente, e não podia ter dado causa ao incêndio nas matas de B (l.~
Câmara Civil, 8 de maio de 1944, 150, 661).
A. absolvição somente por falta de provas (=não há provas do crime, nem de não ter havido crime) não faz
coisa julgada para o cível (23 Câmara Civil do Tribunal de Apelação de São Paulo, 6 de abril de 1943, E. dos T.,
143, 696).
A absolvição por ter havido imprudência do ofendido, e não ato ilícito do ofensor, faz coisa julgada, se se nega
a existência do ato ilícito (cp. 33 Câmara Civil do Tribunal de Justiça de São Paulo, 20 de maio de 1954).
A absolvição por não terem os danos causados por animais resultado de culpa do possuidor ou tenedor dêles
não afasta a ação civil com fundamento no art. 1.527 do Código Civil, em conseqUência da diversidade de
pressupostos (cf. 6.~ Câmara Civil do Tribunal de Justiça de São Paulo, 80 de novembro de 1951, E. dos T.,
198, 266).
Quanto ao ato ilícito praticado em estado de necessidade, ou em legítima defesa, ou no exercício regular do
direito, a 13 Câmara Cível do Tribunal de Apelação do Rio de Janeiro, a 21 de dezembro de 1942, A. 3., 65,
115), acordou que a decisão da justiça criminal faz coisa julgada no cível.
No art. 65 do Código de Processo Penal atribuiu-se eficácia de coisa julgada material ao julgamento que
absolve por ter ocorrido estado de necessidade. Cumpre, porém, advertir-se que, com tal eficácia vinculante do
juízo do cível, não se pré-exclui a proponibilidade da ação de indenização baseada nos arts. 160, 1, 1.519 e
1.520 do Código Civil, nem as ações petitórias e possessórias para a restituição do bem.
Não só. A absolvição por não ter havido furto não pré-exclui as ações de reivindicação, de restituição ou de
posse.
A decisão criminal que julgou prescrita a ação penal não nega a existência do ato ilícito, nem a autoria (cf. 1~a
Câmara Cível do Tribunal de Apelação do Rio Grande do Sul 26 de agôsto de 1941, R. E., 88, 213, que, no
entanto, comete o êrro de não considerar mérito a prescrição, que é exceção de direito material).
A diferença da prova entre o juízo criminal e o juízo cível é sem relevância, porque aquêle exige mais, e êsse,
menos, e, se houve condenação no juízo criminal, a res indicata se impõe ao juízo cível (cp. Câmaras Civis
ReUnidas do Tribunal de Justiça de São Paulo, 6 de outubro de 1958).
As duas ações podem correr ao mesmo tempo ou uma após a propositura da outra (cf. 43 Câmara Cível do
Tribunal de Apelação do Distrito Federal, 8 de agOsto de 1940, A. 3., 57, 37; 1.8 Câmara Cível do Tribunal de
Apelação do Rio Grande do Sul, 11 de janeiro de 1944, 1?. E., 98, 651).
8.PRESSUPOSTOS DA COISA JULGADA MATERIAL. O Código Civil, como a Lei de 3 de dezembro de
1841, art. 68, fizera bem em só formular a regra jurídica de atuação (preclusão imposta a outro processo,
portanto res indicata, no que foi julgado) para aquêles quatro enunciados existenciais:
existência do fato, não-existência do fato; existência da relação fáctica de causação, não-existência da relação
fáctica de causação. Porque, fora daí, tudo depende de coincidirem os conceitos do direito penal e os do direito
civil; e o Código Civil, art. 1.525, 13 parte, estabeleceu que “a responsabilidade civil é independente da
criminal”. Quanto ao art. 1.527 (dano causado por animal), a sentença criminal, que negue o fato, influi, bem
assim a que o afirme; não a que decida sôbre propriedade ou posse, nem sObre a prova da culpa. Quanto ao
artigo 1.528, a decisão sôbre o fato, negativa ou positiva, influi; não a que decida sObre propriedade, posse,
detenção, ou culpa.
Quanto ao art. 1.529, a decisão sObre o fato de ter caldo a coisa, ou ter sido lançada, influi; não a sObre a
habitação por A, ou por B, quaestio juris, ou sObre ter sido alguém, que não o habitante, o autor do crime,
porque pode ter havido, ainda aí, infração do dever de vigilância, ou outro dever.
A superveniência do Código de Processo Penal, arts. 68-67,foi assaz exprobrada, mas sem razão. O prurido de
crítica tem impedido, de certo tempo para cá, a formação de juristas. A crítica é fácil, principalmente quando
não se aprofundou muito o estudo do direito. O art. 65 do Código de Processo Penal estatui: “Faz coisa julgada
no cível a sentença penal que reconhecer ter sido o ato praticado em estado de necessidade, em legitima defesa
ou no exercício regular de direito”. Sob o Código Civil, não era assim. O Código de Processo Penal considerou
que tudo isso só se passa no mundo fáctico, e que as regras jurídicas do art. 160, 1 e II, são regras jurídicas pré-
excludentes: ato ilícito não houve, porque houve o fato, mas não entrou no mundo jurídico. O art. 65 do Código
de Processo Civil não exclui a reparação segundo os artigos 1.519 e 1.520, porque tal reparação não é ex
delicto: é reparação por ato não-contrário a direito. Mudou-se, portanto, o art. 1.525, 23 parte, quanto à
Legítima defesa, ao estado de necessidade e ao exercício regular de direito, porque se permitiu mais do que o
enunciado existencial sObre fato ou relação causal: permitiu-se o enunciado existencial mais o enunciado sObre
a não-contrariedade a direito. Nesses pontos é que se há de firmar a decisão no cível, porém de modo nenhum
se pré-elimina a discussão sObre a reparação segundo os arts. 1.519 e 1.520, que tem outro fundamento que a
contrariedade a direito.
No art. 1.519 do Código Civil, o dono da coisa, cujo dano resultou de outrem tê-la destruído, ou deteriorado,
para remover perigo imitente, sem ter sido culpado do perigo, tem ação de ressarcimento contra quem causou o
dano, ou contra a pessoa a favor da qual se evitou o perigo. Tal indenização nada tem com ilicitude de ato: o
sistema jurídico acolhe o direito (diga-se mesmo o dever) de afastar o perigo. .~ Quid inris, se a deterioração ou
destruição foi para que o público não sofresse? Qualquer culpa que tenha tido o dono, ou possuidor, ow tenedor,
pré-exclui a ação que ele poderia ter. Se nenhuma culpa teve e a probabilidade do dano seria eliminável, e. g.,
por simples aviso que lhe dessem, há a ação contra o agente, porque preferiu destruir ou deteriorar a avisar. Dá-
se o mesmo se podia ser evitado o dano sem ser com a ofensa à coisa.
No art. 1.520, parágrafo único, alude-se ao dano causado para a defesa de terceiro, ou própria, pois não se
justificaria que o dono ou possuidor ou tenedor do bem sofresse dano por alguém tê-lo usado para se defender,
ou defender outra pessoa.
No art. 63, o Código de Processo Penal estatui: “Transitada em julgado a sentença condenatória, poderão
promover-lhe a execução, no juízo cível, para o efeito da reparação do dano, o ofendido, seu representante legal
e seus herdeiros”. Os que não entenderam essa regra jurídica criticaram-na acerbamente, e sem razão. A regra
jurídica do art. 63 faz de pêso executivo processual civil (eficácia mediata) a sentença condenatória penal:
confere-se acho iudicati à sentença penal. A coisa julgada formal estabeleceu-se no juízo penal; a eficácia
mediata da sentença permite que se execute no juízo cível. A sentença criminal, por certidão, é o titulo
executivo, a que se refere o art. 63 do Código de Processo Penal, devendo constar que transitou em julgado. O
art. 63 não impede que, antes de proferida e trAnsita em julgado a sentença penal, ou se a sentença penal, sem
excluir ressarcimento, deixou de condenar em reparação, se proponha, no juízo cível, a ação de condenação:
“Sem prejuízo do disposto no artigo anterior”, diz o art. 64 do Código de Processo Penal, “a ação para
ressarcimento do dano poderá ser proposta no juízo cível, contra o autor do crime e, se fôr o caso, contra o
responsável civil”. “Intentada a ação penal, o juiz da ação civil poderá suspender o curso desta, até o
julgamento definitivo daquela”, acrescenta o parágrafo único. Essa regra é regra jurídica de processo civil
inserta no Código de Processo Penal. O juiz pode; não é obrigado a suspender: há arbítrio, pôsto que não seja
arbítrio puro. Por outro lado, é preciso atender-se a que, aí, não há exceção de litispendência entre o juiz do
cível e o penal, ou vice-versa. A ação civil pode ser intentada antes ou depois da ação penal, salvo se já há coisa
julgada material sôbre o ponto da reparação. A influência somente se dá com o trânsito em julgado; não há
exceção de litispendência, nem eficácia de pré-preclusão. Ainda na estrada dos mesmos princípios, o art. 66
explicita: “Não obstante a sentença absolutória no juízo criminal, a ação civil poderá ser proposta quando não
tiver sido, categôricamente, reconhecida a inexistência material do fato”. “Categôricamente” está aí por
decisivamente, isto é, quando a sentença penal nega que o fato material se tenha dado (existido). Ainda o art. 67
põe em claros termos:
“Não impedirão igualmente a propositura da ação civil: 1, o despacho de arquivamento do inquérito ou das
peças de informação ; II, a decisão que julgar extinta a punibilidade; III, a sentença absolutória que decidiu que
o fato imputado não constitui crime”. Esses enunciados e os dos arts. 65 e 66 deixam incólume o art. 1.525 do

.~> a]
Código Civil, regra de direito civil, ao passo que são regras de direito processual civil as dos arts. 65-67 do
Código de Processo Penal (heterotopia). De jure condendo, ou a) se atribui só ao juízo criminal a competência
para a ação de indenização pelo delito; ou b) se separam a ação (criminal) de condenação e a actio Úudieati,
cível (assim fôra o direito brasileiro ao tempo do Código Criminal de 1830, art. 31: “A satisfação não terá lugar
antes da condenação do delinquente por sentença em juízo criminal, passada em julgado”) ; ou o) se reconhece
a competência cumulativa do cível, só, para a acho judicati (Código de Processo Penal, arts. 63-68) ; ou d) se
exclui a competência criminal para a condenação na indenização (e. g., Lei n. 261, de 3 de dezembro de 1841,
art. 68, 13 parte, que disse: “A indenização em todos os casos será pedida por ação cível, ficando revogados o
ad. 31 do Código Criminal e o § 52 do artigo 269 do Código de Processo”), O Código Criminal de 1830, que
seguira a solução b) de técnica legislativa, abria exceção para os casos de delinquente ausente, ou falecido (ação
contra herdeiros), e se o ofendido preferia a ação cível (artigo 82). Os civilistas, TEÍXEIRA DE FP.EITÂS
inclusive, festejaram a solução d). Não escondemos a nossa simpatia pela solução do Código de Processo Civil,
combinado com os arts. 63-68 do Código de Processo Penal, que é a solução c) (nossos Comentários ao Código
de Processo Civil, VI, 29-31; XIII, 23 ed., 33-35). Coincide com o que sustentamos em 1927.
O art. 1.521, III, não é exceção ao princípio da culpa, nem cria responsabilidade por culpa alheia. O fundamento
da regra jurídica é o de que o empregador entrega ao empregado o serviço, a função, que é do seu interesse, e
ele há de escolher, vigiar, superintender. Não se pode dizer que o ato do empregado seja elemento ínfimo,
isolado, sintomático, como o adjetiva W. SJOGREN (Zur Lehre voil den Formen des Unrechts und den
Thatabestanden der Schadenstiftung, Jherings Jahrbiicher, 35, 414 e 426); nem, com JosErH IJNGER (Handeln
auf eigene Gefahr, .Jherings Jahrbúcher, 30, 391 s.), que onde está o interesse há de estar também o perigo
(Elgenes Interesse, eigene Gefahr).
A sentença penal tem a eficácia executiva (civil) do artigo 63 do Código de Processo Penal: “Transitada em
julgado a sentença condenatória, poderão promover-lhe a execução, no juízo cível, para o efeito da reparação do
dano, o ofendido. seu representante legal ou seus herdeiros”. Trata-se de efeito mediato (executivo civil) da
sentença penal efeito contra aquêle que foi condenado. A pessoa, que empregou o culpado, trate-se de patrão,
amo, ou comitente, não está incluída no efeito mediato (executivo civil), porque não no está na fôrça
condenatória da sentença penal. Para que o estivesse, seria preciso que contra ela também houvesse corrido o
processo penal e houvesse, contra ela, sentença condenatória penal. Não há pensar-se em que as pessoas
mencionadas no art. 1.523 do Código Civil respondem por culpa de outrem: respondem, como sempre temos
frisado, há mais de um quartel de século por ato de outrem, mas culpa própria. A eficácia da sentença penal,
inclusive a eficácia mediata (executiva civil), é contra condenados; portanto, por se basear o direito penal em
dolo ou culpa, contra culpados. As presunções de culpa civis não se levam em conta no direito penal, quer
material quer formal. De posse da sentença penal, trAnsita em julgado, o ofendido, seu representante legal, ou
seus herdeiros podem executá-la, civilmente, contra o condenado. Não contra as pessoas mencionadas no art.
1.523 do Código Civil. Condenadas também essas, sim. A sentença penal contém a preclusão de toda
a discussão a respeito de quem foi condenado; não, a respeito de outrem. Tem-se, contra as pessoas que
respondem por ato de outrem, de propor a ação civil de reparação do dano, onde se invocam as presunções
legais civis, se as há. Tal ação não é de propor-se se a pessoa, que responderia por ato de outrem, foi também
acusada e processada, tendo sido julgado que o delito do agente não foi, e. g., no serviço do patrão, amo ou
comitente (ai, o “ter sido fora”, é o mesmo que não ter existido o ato, cf. Código de Processo Penal, art. 66, in
fine).
De jure condendo, a sugestão de se reformar o Código de Processo Penal para se permitir a intervenção do
empregador, em caráter de litisconsórcio passivo, é de afastar-se:
ou se acusa o patrão, amo, ou comitente, por ato, positivo ou negativo, dêle, que seja crime, e então o
empregado e êle podem ser condenados; ou não se acusa o patrão, amo, ou comitente, e só no cível se pode
intentar a ação de reparação, com fundamento no art. 1.521, III, que é a responsabilidade civil por ato de
outrem.

4.RESPONSABILIDADE OBJETIvA E RISCO PROFISSIONAL. Os dois conceitos, “responsabilidade


objetiva” e “risco profissional”, que aparecem a cada momento em sentenças e leis, aludem à doutrina e à
jurisprudência já ultrapassadas, ainda na França, a propósito de acidentes no trabalho. Quando, no Brasil, se
procurou, através dos princípios do direito comum, assegurar aos trabalhadores, acidentados no trabalho, a
indenização, compreende-se que a jurisprudência reagisse (e. g., Supremo Tribunal Federal, 13 de dezembro de
1913; Côrte de Apelação do Distrito Federal, 10 de julho de 1908, R. de li., X, 153). Desde 1904, 1908 e 1915,
projetos surgiram, de inspiração francesa, e sem qualquer referência ao seguro obrigatório. O seguro seria
facultativo, para cobrir o empregador (1904); haveria Caixa de Previdência (1908). Exatamente contra essa
concepção de ilícito relativo, a Constituição de 1946 acentuou a obrigatoriedade do seguro. A lei numero 2.724,
de 15 de janeiro de 1919, seguida do Decreto n. 13.498, de 12 de março de 1919, não adotou o seguro
obrigatório: o Decreto n. 13.498, no art. 28, apenas disse ser “lícito ao patrão” segurar, individual ou
coletivamente, os seus empregadús. O dolo da vitima pré-excluia, como na lei vigente, a responsabilidade. Ora,
se o dolo da vítima, incluída a desobediência a ordens expressas do empregador (o que nem sempre é dolo), e a
fôrça maior pré-excluem, já se atenua a presunção de culpa: há algo, não de presunção legal mista, rias de
negação de elemento do suporte fáctico. Estenderem-se, porém, aos acidentes sofridos por terceiros as regras
jurídicas de responsabilidade pelos acidentes no trabalho, já é ir-se além do que estêve à base da concepção
mesma das reis sobre acidentes no trabalho.

§ 5.5G?. Bem danificado ou pessoa danificada

1.ATINGIMENTO DO BEM 011 DA PESSOA. Não somente há a danificação material, há, também, o dano
dito moral. Por outro lado, o dano pode ser no corpo humano, ou à psique, e não à propriedade do bem
corpóreo, ou à posse do bem corpóreo, ou à propriedade, ou à posse, ou à titularidade pessoal do bem
incorpóreo.
O fato pode ser fato ilícito absoluto sem causar dano. Entrou B na casa de A, sem permissão, mas nenhum
prejuízo patrimonial ou não-patrimonial resultou do seu ato imprudente. Pode haver dano sem ilicitude, quer
relativa, quer absoluta: para defender-se ou defender C contra B, A quebrou a vitrola de D. Já nesse caminho,
entre outros, G. P. CHIRONI (La Colpa nel dirilto civil odierno, ~, 2Y ed., ns. 23 e 24), FRANCESCO
ANTOLISEI, (L’Offesa e ii Dauno nel reato, 49 s.), IRAYMOND SALEILLES (Étucle sur la Théorie générale
des Obliqations, 3.~ ed., 360 s.).
O dano é valor a menos, porque toda relação de valor é relação entre um homem e um bem (MÕLLER,
Summen und Einzelschaden, 10 s.).
O fato ilícito que, fora das relações jurídicas negociais, gera responsabilidade, tem de ser chamado fato ilícito
absoluto, porque o que se ofendeu foi objeto de direito absoluto (personalidade, corpo, vida, propriedade,
posse), sem que isso pré-exclua a responsabilidade pelo ato ilícito ao credor como titular de direito sem se levar
em consideração a ligação negocial. Todavia, a técnica legislativa teve de cogitar de responsabilidade
extranegocial, mesmo sem ter havido ilicitude ou ilegalidade, tal como se passa com o ato em caso de estado de
necessidade ou de legítima defesa (Código Civil, arts. 160, 1 e II, e 1.520 e parágrafo único).
Ointe’rêsse que se considera violado pelo fato ilícito absoluto é interesse tutelado pelo direito. Não há relação
jurídica entre o ofensor ou responsável e o ofendido de que tenha de irradiar-se êsse direito; o que se exige é
que haja interesse que o sistema jurídico protege. Dai a velha expressão: “damnum injuria datum”, que supóe a
ilicitude do fato que o causa.
O sujeito ativo da relação jurídica de divida pelo fato ilícito absoluto portanto, trate-se de ato ilícito absoluto,
trate-se de ato-fato ilícito absoluto, trate-se de fato stricto sensu ilícito absoluto exerce direito, pretensão e
ação.
O dano à pessoa pode ser permanente. O juiz, em tais casos, ou fixa a quantia necessária a que se indenize até
que morra o lesado, o que supõe exame e cálculo, ou estabelece prestação vitalícia, periodicamente feita.
Observe-se que o próprio dano emergente pode ter de ser ressarcido em função de tempo, como se o lesado tem
de submeter-se a cura periódica. O lucro cessante, êsse, também pode estar sujeito a prestação em períodos.
A renda atende melhor à duração do dano, mas há de o juiz cogitar da fonte da renda e das garantias. A
insolvibilidade do indenizador somente é afastável com medidas eficientes, inclusive no tocante à
desvalorização da moeda. Mesmo se foi prestado o total, e não a renda periódica, há todo o interesse na
aplicação do capital, a fim de que não fique sem reparação suficiente o lesado.
Falamos, acima, de fatos ilícitos, mas não é escusado, a cada momento próprio, frisarmos que há
indenizabilidade excepcionalmente, é certo que não resulta de ilicitude. Reparam-se danos que se causaram
sem que os atos, de que resultaram, sejam ilícitos.
O principio da proporcionalidade, em caso de legítima defesa ou de estado de necessidade, ou de dupla causa,
tem de ser atendido sempre que se possa determinar a causação . E. g., quem, para se defender do que lhe
causaria z danos, causa ao outro x + 7/ danos, que poderiam ser menores se o ato defensivo não fôsse tão
imprudente (e. g., quem para se livrar de bofetada dispara o revólver). O juiz tem, aí, missão importante (cf.

.~> a]
SIGISMUND V. CZÀRNECKI, Das Prinzip der ProportianaNuit beim Notstande und bel der Notwehr, 14). É
preciso que a destruição ou deterioração tenha sido necessária e o dano, que se causou, não tenha sido
excessivamente maior do que o que resultaria do perigo. Quem vê avançarem cavalos por sua fazenda não pode
tomar a carabina e matá-los todos. Quem vedou a passagem pela ponte, por estar em consêrto, não pode atirar
pedras no transeunte. Dá-se o mesmo se o caso é de legítima defesa, porque os atos defensivos hão de ser
necessários ao afastamento do ataque, ou à sua cessação. Apenas, ali, mais se medem os danos previsíveis, ou
prováveis; aqui, mais a relação entre os atos (HERMANN GROSSMANN, Das Prin,zip der Selbstverteidigung,
44 s.; erradamente, sem distinguir, a propósito dos §§ 228 e 904 do Código Civil alemão, H. TITZE, fie
Notstandrecht, 105, nota 20; cp. Código Penal norueguês de 22 de maio de 1902, que entendemos também
concernente a danos à pessoa, contra NITSCHE, Der strafrecktliche N.otstartd nach Grund un,d Ausdehnung
mit Berlicksicldigung der modernen Entwurfe, 59 ). Não se pode considerar permitido qualquer ato de legítima
defesa (cp. OTTO v. ALBERTI, Das Notwehrreeht, 21 5.; LEO AHSBAHS, Grundlinien des Notwehrrechta,
10; HÀBERLEIN, Exzess der Notwehr, 24 s.; HEINRICH KRONER, Die Verletzung vom Rechtsgútern des
Dritten bel der Notwekr, 10).
O ato ilícito absoluto, o ato-fato ilícito absoluto e o fato ilícito absoluto stricto sensu podem gerar danos, mas ao
mesmo tempo dêles decorrerem benefícios, como êsses se podem transformar, mais tarde, em danos maiores
(cf. PAUL OERTMANN, Die Vorteilsausgleichung beim Sckadeiwersatzanspruch, 25 e 67 s.). Assim, não é só
num momento que se têm de apreciar os danos, porque há de haver previsão das conseqüências . Mesmo porque
há elementos nocivos e há elementos favoráveis que se têm de levar em conta. Não só se há de considerar o
presente. Tem-se de ver o futuro.
O que é atingível não são apenas direitos sôbre coisas. Quaisquer direitos e interesses tais, que, feridos,
diminuam o patrimônio em que se aglutinam. Se o fato ilícito absoluto,lato senso, destrói ou deteriora algo que
é de alguém, porém tal destruição ou deterioração de modo nenhum causou prejuízo (e. g., a pedra jogada rolou
pela ribanceira sem ofender qualquer planta, ou só ofendeu planta que ia ser ou devia ser cortada, porque não
mais daria frutos), não houve dano que se tenha de ressarcir (cf. 11. DEGENKOLB, Der epezifische Inhalt des
Schadensersatzes, Archiv fúr civiiistische Praxis, 76, 57). Além disso, o prejuízo tem de ser à pessoa ou ao seu
patrimônio. Se o bem não tinha qualquer valor para o dono, ou possuidor, e teria para outrem, que todavia não o
compraria (se o quisesse comprar o preço oferecido seria valor para o dono ou possuidor), não se pode cogitar
de reparação. Se o bem foi roubado, ou furtado, e ainda ninguém o usucapiu, a lesão é ressarcivel , porque o
bem reivindicável, ou de posse vindicável, ou restituível, continua valor patrimonial.
O valor do bem não é só o valor no comércio ou no tráfico. O que se há de verificar é se continua com o valor
ou se tem valor para a pessoa que dêle é dono ou possuidor.
Falamos de dono e de possuidor. Mas o lesado pode ser simples tenedor, se, por exemplo, o dano é ao seu
patrimônio, ou se tem êle de responder ao dono ou possuidor.
O cavalo de corrida ou pássaro é bem lesável , a despeito de muito custar a mantença daquele, ou dêsse. Se A
contratou com E a edição de livro, à custa de E ou de A, e E perdeu o único texto que A tinha, há dano
avalizável e na avaliação se hão de considerar os esforços de A para escrevê-lo de nôvo e o que, durante o
tempo para faz~-1o, A poderia ter recebido da percentagem convencionada com E, ou da vantagem, se a sua
custa. O dono do palácio, ou casa de alto nível (por exemplo, a que pode conter toda a biblioteca, ou a coleção
de quadros), não é legitimado a exigir indenização, somente conforme preço de venda: há plus, que atende às
circunstâncias, inclusive subjetivas (JOSEP KOHLER, Zwdlf Studien zum EGE.: 1. Das Obligationsinteresse,
Archir flir Rúrgerliches Rechts, 12, 2). O contrato com o professor de piano, ou de pintura, ou de idiomas. faz
nascer para o figurante (ainda se é para ensino a filhos) direito patrimonial (sem razão, PAUL LABAND, Zum
7weiten Buch des Entwurfs eines EGE., Archir flir die dviiistisehe Praxis, 78, 178). A entrada gratuita, ou
qualquer bem,

que não custou dinheiro, tem valor expresso ou pode ser avaliado. O gato ou cachorro, que ninguém compraria,
mas que o dono prefere aos de boa raça ou qualidade, é avaliável. O valor de uso entra em Consideração.
Segundo a teoria da diferença, verificam-se o valor do patrimônio e o do que se lhe retira, inclusive se cessam
lucros ou se aumentam as dívidas. Segundo a teoria da apreciação concreta, o que importa é a ofensa, em suas
conseqúências, no tocante ao lesado, mesmo porque há os danos morais (e. g., PAUL OERTMANN, fie
Vorteilsausgleichnng, 6 5.; H. WALSMANN, Coinpensatio lucri cum damno, 10 s.). A primeira teoria tem o
defeito de “economicizar” demasiado o conceito de interesse e desatende a regras jurídicas que estabeleceram a
indenização em dinheiro em casos em que o interesse econômico não é a base, como se dá com as ofensas à
honra.
O dano, para ser reparado, tem de ser calculado como “prejuízo menos benefício”, razão por que está intrinseca
mente feita a compensatio tucri cum damno, sem que se possa posteriorizar a operação: o que é devido é x y, e
não x compensado com o crédito y. Frisamos isso, porque desaparecem as discordâncias entre a teoria da
diferença e a da apreciação concreta, e entre os que, em princípio, admitiam a compensa-tio lucri cum damno
(e. .q., PAul. OERTMANN, fie Vorteilsausgleichung, 228; FJRN.ST EICHHoFF, tiber die Compensatio lucri
cum damno, 129) e os que a negavam (TI. WALSMANN, Comnensatio Zucri mim damno, 37).
O dano começa com o fato ilícito absoluto, ou depois, ou com êle e depois. Pode consistir em eliminação de
direito ou interesse, como pode consistir em frustração de lucro (lucros cessante), ou em eliminação de direito
ou interesse e em frustração. Se a máquina, cujo valor é x, foi quebrada e o dono, que com ela exercia profissão,
não podia comprar outra, nem o responsável lhe pagou a divida indenizatéria imediatamente. so dano cessante
tem-se de somar o dano emergente, que consistiu no que o lesado deixou de ganhar na semana, ou no mês, ou
no tempo que vai até o dia em não o devedor paga a dívida.

Não se tomam em consideração os lucros que resultariam de meras conjunturas, como o ter-se incendiado outra
fábrica, que era a única que competia com o lesado. Inclui-se o que êsse teria ganho, com a sua diligência, com
a aquisição do edifício, ou com o dinheiro, que o ofensor furtara, ou com o preço do bem que êsse quebrara (cf.
Ri. MOMMSEN, Zur Lekre vom Interesse, 147). Tem-se exigido a diligência comum, mas, com isso, se
desatenderia ao elemento subjetivo (a produção do lesado A pode ser menos valiosa do que a do lesado E). Se
não há alegação e prova da diligência excepcional, sim, tem de ser suposta a diligência comum, com o que, de
certo modo, se objetiva o critério.
Se a atividade do lesado dependeria da colaboração de terceiro, o dano pode consistir em lucro frustrado, que
resultou de fato ilícito que impossibilitou adimplemento de dever negocial por parte do terceiro. Por outro lado,
o dano ao edifício ou apartamento que impede ao locador a entrega do bem locado, com ressarcimento de dano
negocial ao locatário, compreende essa quantia.
As circunstâncias especiais concernentes à pessoa que sofreu o dano têm de ser examinadas, porque o critério
objetivo seria contraditório com a finalidade das regras jurídicas sôbre responsabilidade pelos danos.
2.ALIENAÇAO DE PROPRIEDADE E DE POSSE. A alienação pode ser de bem alheio (bem, em sentido
largo). É o que ocorre com o proprietário que aliena sem ter a posse, e diz que a tem, ou o possuidor, que aliena
a propriedade, que êle não tem. O terceiro não foi figura no negócio jurídico de alienação. Portanto, a infração,
por parte do alienante, não foi, de jeito nenhum, infração de dever negocial.
Quanto aos atos ilícitos absolutos contra a propriedade ou contra a posse, tem-se de distinguir o que é roubo ou
furto, inclusive furtum possessionis, perante o direito penal, e o nue se estabelece como direito e posse, no
direito privado. Daí a repercussão dêsse naquele (cf. Junus STEIN, fie EinwirIcunp des neuen bitrqerlichen
Rechts auf das Anwendun.qsgebiet des § 289 des Reichstrafçjesetzbuchs, 6 s., 67 s.).

O possuidor próprio, ainda que proprietário não seja, pode alienar o bem, e o que se há de entender é que
alienou os direitos que tinha, talvez sé o de posse. Alienando, explicitamente, só a posse própria, talvez aliene
mais do que disse, porque, se ignorava que era (ou já era) dono, transfere a posse própria, de que era titular, e a
propriedade. Surge a questão de se saber se, alienando o bem (expressão que vulgarmente se emprega no
sentido de alienando os direitos sobre o bem), tem de responder ao proprietário do bem pelo preço recebido. O
possuidor próprio pode não ser proprietário, como o proprietário pode não ser possuidor próprio, O possuidor
próprio pode estar de má fé como pode estar de boa fé. GUSTAV fluoo (Lehrbueh der Pandekten, § 194, nota 1,
148) e Cliii. Ri. VON GLtYCK (Ausfithrliche Erlãuterung der Pandecten, VIII, 245 s.) negavam a ação do
proprietário contra o possuidor de boa fé. A opinião de J. CTJjÁCI43 ia além dos intérpretes que só admitiam a
ação para ter o 4’pretium rei ex causa lucrativa”, pois dava a ação “etiamai causa non esset lucrativa” (Tractatus
ad Africanum, VIII ad legem ult. oh negot. gest,). HuGo D’ONELO insistia em haver pressuposto da
lucratividade para que coubesse a ação. Surgia o problema do possuidor com tUnlo putativo (ex titulo putativo),
de modo que se teria de indagar das conseqúências da sei entia. de não ser proprietário, se putativo o titulo.
Houve discussão em tôrno da L. 23, D., de rebus creditis si certum petetur et de condictione, 12, 1, da L. 30, pr.,
D., de actionibus empti vemdiU, 19, 1, e da L. 49, D., de negotiis gestis, 8, 5; e veio até os nossos dias
(RUDOLE VON JHERING, Abhandiungen aus dem rõmisehen Recht, 80 s.; LEoNALtD SACOU, Der Begriff

.~> a]
der Ber.eicherung mit dem Schaden eines Anderen und seiner Bedeutung auf den Gebieten des Eigenthums, der
Vertrãge und der einseitigen Rechtsgeschãfte, Jahrbúcher fúr die Dogmatile, IV, 159 s.; B. WIND.SCHEID,
Zwei Frageu aus der Lehre vou der Verpfiichtung wegen ungerechtfertigter Bereicherwng. 6, 9, 38; II. WITTE,
fie Bereicherungsklag’3fl des gemeinefl Rechts, 14 e 19; W. FRANOXE, Commentcir ilber den Pandect emtitel
de hereditatis petitione, 82; OTTO KTSsLER, Haftet naeh gemeinem Recht der ehemaiige Resitser ciner
fremden Sache, n’cicher sie geqeu Entgett veràussert hat, dem Eigenthihner
derselbeu auf Herausgabe des Kaufpreises?, 21 s., 35 s.; A. PERNICE, Labeo, 111,1, 202 s., 216; F.
PRINGSHELM, Eigentumsiibergang hei Kauf, Zeitsehrift der Savigny-Stiftung, 52, 142 s., 145 s.; CESARE
SANFILIPPO, Condictio indebiti, 1, 56 s.;
G.DONATUTI, Le “causae” delie “condictiones”, Stndi Parmenst, 1951, 131; J. P. DAWSON, Injust
Enrichment, 52 s.).
As soluções têm-se no Tomo XV, § 1.748.
Quem é possuidor e aliena o bem alheio, onerosamente, responde ao proprietário pela restituição do bem ou
pela prestação do preço da compra-e-venda; mas apenas até onde, no momento da exigência pelo proprietário,
se enriquecera o possuidor. Trata-se de enriquecimento injustificado (Tomo XV, § 1.755, 4; cf. KONRAn
HELLWIG, [Jber die Haftung des verdusserudeu gutgkiubigen Besitzers einer fremden Sache, 15 s.;
EBERHARD SCHWARTz, Haftet der ehemalige Besitzer einer fremden Sache, welcher sie gegen Entgeit
verãussert ha.t, dera Ei.qenthhimer derseiben auf Heraus.qabe des Kaufspreises?. 19). Se a alienação não foi
onerosa, o possuidor alienante não se enriquece, porque nenhum elemento se adicionou ao seu patrimônio, mas
responde pela indenização, se não há meio de se restituir o bem alienado. Aí se mostra que houve ilicitude de
ato, pôsto que sem ter havido aumento do valor do patrimônio do possuidor.
(A propósito de enriquecimento injustificado, § 5.502, 6; e Tomo XXVI, §§ 3.137-3.149. Lamentável foi, no
século passado, que o Código Civil argentino e outros não houvessem seguido o caminho de TEIxEIRA DE
FREITAS, esboço, artigo 8.400. Àquele houve crítica sensata, mesmo na República Argentina, ao art. 907 do
Código Civil argentino; e. g., MARIA LUISA STÂBILI DE-Nuca, R’nriquecimiento sim causa, 12 s., que aliás
nenhuma referência fêz ao Código Civil brasileiro, arts. 694-971.)
3.DANOS À POSSE. O possuidor de bem móvel, inclusive o possuidor do título ao portador, somente por ser
possuidor e não estar provado que furtou ou achou o bem, pode usar o bem, inclusive o titulo, ou, como
possuidor do título, apresentar-se para receber o que foi prometido no título, ou exercer direitos de acionista, em
se tratando de ações ao portador. A legitimação abrange mais casos que a titularidade do domínio e não se~
confunde, em sua extensão, com o encargo, que é outorga de poder, nem, em seu conteúdo, com a
representação, que supõe outorga de poder para se obrar em nome do titular do direito. Há encargo sempre que
se entrega o titulo ao portador a alguém, sem &ar preciso que se transfira, ainda fiduciariamente , a
propriedade.
O dano causado ao bem ou ao título ao portador ou ao titulo endossável, se o possuidor é possuidor próprio,
tanto pode ser dano ao patrimônio do titular do direito como ao do possuidor impróprio, se, quanto a êsse, há
diminuição dos seus direitos, ou causa de deveres de reparação, pelo dever de custódia que êle tinha.

4.DANOS A EDIFÍCIOS. Tratando-se de edifício, o dano pode ser ao dono do edifício, ou ao dono e ao
possuIdor, ou ao dono da pertença. Se o bem móvel se integrou na construção, mesmo sem unidade material,
há, necessariamente, dano ao dono e ao possuidor do edifício; mas isso não significa que o dano à pertença não
possa ser ao dono da pertença e ao do edifício.
O dono da boate, que é locatário, e não dono dos salões, recebeu-os com alguns quadros decorativos, que têm
lugar adequado nas paredes, e algumas de tais pertenças foram atingidas por pancadas que um dos fregueses
vibrou. Houve danos, como a inutilização de algum ou de alguns quadros e a quebra dos vidros. A~, o dano foi
ao dono dos salões e ao dono da boate. Se os quadros tinham sido vendidos a terceiro que se obrigou a só os
exigir no fim do contrato com a casa de diversões, três são as pessoas legitimadas à ação: o dono dos quadros,
os dono do edifício e o dono da boate.
Os edifícios têm partes integrantes imobiliárias e partes integrantes mobiliárias. Quem dá em locação o edifício
inclui o que, bem móvel, está integrado no edifício, por sua qualidade. Os próprios direitos que se ligam à
propriedade do prédio integram-se no edifício (e. g., aparelhos de ar condicionado, bombas de água, mesmo se
deslocadas, mas para colocação preparada, aparelhos contra incêndio; editer, peças de circo, toldos e barracas
para festas, cf. PAUL ALBRECHT, File rechtliohe. Rehandlung der Sachen des § 95 RGB., 11). Não há
princípio a priori: tem-se de examinar a espécie, atendendo-se à cultura da população, como ocorre com os
objetos pessoais ou comuns das cabinas de caça, ou dos barcos de pesca, ou de vestiários de clubes (cf. J. E.
KUNTZE, Die Kojengenossensehaft und das Gesohosseigenturn, 61). Pode bem ser que se haja apenas
integrado com a posse e advenha a usucapião (cf. MÂX SCHULTZ, fie Leltre vou den Bostandteilen, 24) até
isso ocorrer há as ações do dono e dos credores do dono.
Ocurso das águas pluviais não pode ser mudado, de modo que cause danos a algum vizinho, ou dono ou
possuidor do terreno próximo, ou mais no alto, ou mais embaixo. A adio aquae pluviae areendae não é limitada,
hoje, à proteção dos prédios rústicos, pôsto que seja o que mais acontece. Trata-se de agita pluvia, vei quae
ptuvía ereseit. O dano pode ser presente ou futuro (L. 1, § 1, D., de aqua et aquae phcviae aroendde, 39, 3; ci.
GÕTTLIEB RÀPPELI, Die aquae pluviae arcendae acUo, 11 s.).

5.ATO CULPOSO DE COMISTÀO, CONFIJSÂO OU ADJUNÇÃO.


O proprietário de materiais de construção, ou de peças de fábrica, de sementes irretiráveis e de árvores
plantadas, perde a propriedade, pois que a separação não é praticável sem deterioração. A lei trata do assunto a
propósito da confusão, da comistão e da adjunção, mas é inafastável, nas espécies em que há culpa (“má fé”,
diz-se, por se estar no campo do direito das coisas), a figura do ato ilícito, que dá causa à indenização, pois que
se pré-exclui a ação de propriedade e, nas espécies, a acão de separação (cf. R. v. JHERING, Das
Schutdmornent im rõmischen Frivatrechi, 12; e JOHANNES SCHU» MACKER, Ueber tignum und tignum
iunctum, 45 s.).

6.ALOJAMENTO E DANIFICAÇÃO. Já falamos da responsabilidade dos donos de hotéis, hospedarias, casas


ou estabelecimentos onde alguém se albergue por dinheiro, mesmo para fins de educação, pelos seus hóspedes,
moradores e educandos (Código Civil, art. 1.521, IV). a. Tornos, II, § 117, 3; XLII, § 4.667, 2; XLVI, § 5.033,
8, 4. Quanto às bagagens e a furtos e roubos sem serem de objetos inclusos na bagagem, a propósito do ad.
1.284 e parágrafo único e do arE 1.285, 1 e II, dissemos o suficiente (Tornos XXIII, § 2.794, 6, 13; XLII, §§
4.663, 5; 4.667, 2; e XLVI, §§ 5.029, 2;
5.033, 3, 4; 5.084, 1; 5.035, 1; 5.037, 8).
No direito brasileiro, a responsabilidade dos hospedeiros, pelos danos, a bem dos hóspedes, foi posta nos arts.
1.284 e 1.285 do Código Civil, por estar composta a figura do depósito necessário, sem se ter de discutir se a
responsabilidade resulta quasi ex contractu, ou quasi ex delicto, ou ex contractu ou ex delicto (cf. A. C.
WOLTERS, tiber die actio de recepto iii Rezug aul die Gastwirthe ais Recipienteu, 2). Tínhamos de cogitar do
assunto por ocasião da exposição sôbre o contrato de depósito, pOsto que à lei se deva a necessariedade da
vinculação. Tão-pouco se há de exigir que tenha havido anúncio, ou promessa oral de cuidado, tal como se
usava nos transportes do Nilo (L. MITTEIs u U. WnxKEN, Grundziige und Chresto’mathie der Papyrwskunde,
259 s.) e nos textos romanos (L. 5, § 1, O., nautae caupones stabularii ut recepta restituant, 4, 9: “. .. salvum fori
recipit. . .“; cf. MAx RORCK, Die Haftung des Gastwirte fiir eingebrackte Sacken, 21 5.; FRIEDRICH
MEYNS, Die rccktlichc Grundiage der gememrecktliche Haftung ex recepto, 17 s.: OTTo HOYER, Die
Ha.ftpflicht der Gastwirthe, 1 s.).
7.INTERESSE NEGATIVO. Quem manifestou vontade, crendo alguém que validamente o fazia, é
responsável pelo interesse negativo, tenha havido, ou não, a culpa in contrait tudo. Os danos ressarcíveis são os
danos que a pessoa sofreu por ter confiado, e não aquêles que correspondem ao interesse o~:e teria tido se o ato
fôsse válido. A indenização também cabe se o negócio jurídico ou o ato jurídico não se concluiu, ou se houve
falta de poder da representação. Em caso de validade por impossibilidade da prestação, é invocável o princípio.
Não se pode reduzir a uma sé figura a causa da reparação do dano, se o interesse, de que se trata, é negativo. Às
vêzes há o delito, muitas vezes não há. Não há arbítrio do juiz na apreciação do interesse negativo e da sua
correspondência indenizatéria (cf. W. MARCUSEN, fie negative Vertragsinteresse im schweizerischen
Obligationenrecht und im deutschen Entwurf. 35; CASPAR MELLIGER, Culpa in contrahendo oder
Sckadenserzatz bei nichtigen Verti-dge, 173). A responsabilidade também pode existir por ineficácia do contrato
(o?.
WEINBERG, Der Ersatz des negcitiven Interesses nach biirgerlicitem Recht, 88 s. e 52 s.; FItANZ BITTER,
Zur Leitre von Schadensersatz bei nich.tigen oder nicht vollendeten Vertrãgen, 2 sã. Há os que falam da
impraticabilidade da conceituação (cf. ANDREAS FRITSCH, Das negative Vertra.gsinteresse, 47) e temos de
repelir, por ser sôbre espécie e levar a confusão, a expressão “Vertragsinteresse” (e. g., LORENZ PETERSEN,
tiber deu Schadensersatz bel nichtigen Vertrtigen nach. dem gemeineu Recht and naeh dem DCII., 81). Quanto
à prescrição, se cm regra jurídica especial não se prevê o prazo de prescrição ou de preclusão, tem-se de atender

.~> a]
ao prazo que seria o do negócio jurídico se em questão estivesse o adimpiemento (cf. F. KLEINEmAM,
Unmogliúhkeit and Unvermôgen nach dem DOR., 42; CASPAR MELLIGER, Culpa in contrahendo oder
Schadensersatz bei nichitigen Vertrãge, 1’70; LORENZ PETERSEN, Tiber deu Schadensersatz bei nichtigen
Vertrãgen, 64).

§ 5.508. Dano e dever de indenizar

1. DEVER DE INDENIZAR. Já falamos no dever de indenizar (Tomo XXII, §§ 2.717-2.730) e aqui apenas
havemos de cogitar de especialidades.
A teoria da responsabilidade pela reparação dos danos não se há de basear no propósito de sancionar, de punir,
as culpas, a despeito de se não atribuir direito à indenização por parte da vítima culpada (argumento repelível de
L. 11w GUENEY, L’Idée de peine privée, 154). O fundamento no direito contemporâneo está no princípio de
que o dano sofrido tem de ser reparado, se possível, e a técnica legislativa, partindo da causalidade, há de dizer
qual o critério, na espécie, para se apontar o responsável. A restitubilidade é que se tem por fito, afastado
qualquer antigo elemento de vingança.
É escusado procurar-se basear toda a responsabilidade por fatos ilícitos absolutos em causalidade (teoria da
responsabilidade pela causalidade), ou em culpa (teoria da responsabilidade pela culpa), mesmo quando se
adiciona àquela a exigência do interesse (caias commodrí eis et incomnioda), ou a do perigo. A técnica
legislativa resolveu, com atitudes inspiradas em exames a posteriori, os problemas que foram
surgindo. Ora se atende ao elemento volitivo de quem há de ser responsável, ora à sua conduta, ora à atividade
perigosa ou à dos seus dependentes, ora à situação mesma da coisa (cf. EMIL STEINBACH, fie Grundsdtze des
heutigen Recittes jiber deu Ersatz und Verrnõgenssckàden, 92), ora se invoca a eqUidade, ou a diferença de
patrimônio (richesse obtige) e a necessidade de se reparar o dano, que é relativamente maior do que seria para o
lesante (FEJTE, Ilaftung ohne Verseituldeu im kommenden Recht, 40 s. e 50 s.).
Nem o proveito, nem o contrôle, ou cuidado basta, de per si, para se explicar a inversão do ônus da culpa, nem,
a fortiori, a responsabilidade objetiva (cf. REINH. GEIGEL, Der .blaftpftichprozess, 296; Faruz MULLER,
Strasseuverkehrsrecht, 2Q~a ed., 209 e 213).
Se em luta de dois ou mais, terceiro é ferido, com um dos lutadores, responde aquêle que feriu o terceiro,
mesmo que tenha sido vítima. Se o terceiro foi atingido sem que se saiba quem causou o dano, todos os
lutadores são responsáveis. Éo que às vêzes ocorre em caso de abordagem, mas temos hoje de entender que não
há solidariedade (HENLu RIPERT, Les Conventions de Bruxelies sur Vabordage, l’assistance et le sauvetage,
128 s.).
Sempre que, a respeito de certos efeitos, as regras jurídicas permitem que os atos humanos sejam, ou não,
segundo a vontade do autor dêles, produtivos dos efeitos, diz-se que se deixou campo reservado à vontade
individual (autonomia da vontade). Outras vêzes, os efeitos surgem sem que os quisesse o autor dos atos. Tais
atos, sem serem da classe daqueles, ainda são jurídicos, se os efeitos são efeitos ligados ao conceito de ilicitude.
Além dessas três classes, há, já fora do jurídico, o domínio indiferente, o campo dos atos humanos, voluntários
ou não, que são lícitos sem se fazerem atos jurídicos.
Além dêsses fatos, há espécie que merece atenção particular, que é a dos atos, que não são ilícitos, isto é, que o
sistema jurídico não tem como contrários a direitos, portanto coloridos de ilicitude, e no entanto dão ensejo a
direito à indenização, como ocorre com as reparações em caso de atos que foram praticados em estado de
necessidade, ou de defesa, própria ou de outrem.
Com a interpretação que demos ao art. 968 do Código Civil (Tomo XXVI, §§ 3.146, 4, e 3.148, 4), bá a ação de
enriquecimento injustificado contra o terceiro que adquiriu gratuitamente, ou de má fé; não a ação de ato ilícito
(cf. Tomo XXVI, § 3.145, 4; cp. RUDOLE VOLGER, ErWuteru’ng des § 822 BOR., 14 5.; A. STIEVE, Der
Gegenstaná des Bereicherungsanspruchs nach dent BOR., 8 e 14). O ônus da prova eabe ao autor (E. HAAS,
Pie condictio indebiti naeh gemeinem Recht und SOB., 48 s.). Se a aquisição pelo terceiro não foi por negócio
jurídico, como roubo ou furto, não há pensar-se em enriquecimento injustificado, mas em ato ilícito absoluto
(cf. FRITZ BoitÉ, fie Voraussetzungen der condictio causa data causa non secuta des Gemeineu Rechts and
diejenigeu der ihr entsp’rechenden I0age des Biirgerliehen Rechts, 50).
A ação de injúria, esthnatória, penetrou nos sistemas jurídicos, inclusive no alemão. A sua evolução, desde as
XII Tábuas, é uma das mais notáveis, a partir da lesão corporal (eS. RrcnÃim MASCIiXE, fie
Fer.sõnlichkeitsrecht des rórniecheu Injuriensystems, 4 s.), com a posterior injúria ideal (L. 15, § 1, O., de
iniurlis et famosis libeilis, 47, 10; K. TIIIEL, miaria and Beleidigvnq, 101 s.), os dados conceptuais germânicos
medievais (cf. ROEERT MAINZER, fie àstimatorische Injurienklagc in ihrer gesohichtliche Entwiclcbtng, 28
s.), a escola de Bolonha (cf. G. VON BELOW, fie Ursaehen der Rezeption des rõmischen. Rechts in
feutschland, 1-38; ERNST BELING, Retorsiou uni Kcnzpensation von Beleidigungeu and Ktirperver?etzungen,
1, 25; BoNwÂcIus DE VITALINIS, Tractatus de maleficlis, 538 s.; ANGELTJS ARETINUS, De Male ficiis,
273; PETRUS DE BELLA PERTICA, Quaestiones d Decisiones aureae, q. 214; HENRIQuE CARDEAL
HOSTIENSE, Sumnia aurea, 895 84 KARL BINDINO, fie Bitre and Verletzbarkeit, 5 s.).

2.DEVER DE EVITAR PERIGOS. Há dever de evitar perigos sempre que a falta de atividade para que a
danosidade se afaste seria transgressão de direito de outrem. O responsável deixa que o dano ocorra, pois, se
tivesse intervindo, o dano não existiria. A causa está naquilo que estabelece a periculosidade, mas não teria
havido o resultado maléfico se o que devia praticar o ato excludente do risco, ou omitir algum ato, para que o
dano não se desse, tivesse cumprido o seu dever. Não existe princípio geral sôbre dever de evitar perigos.
Cumpre mesmo frisar-se que o dever morai de evitar riscos é muito mais vasto do que o dever jurídico.
Quem cria ou mantém em tráfego, movimento, ou irradiação, ou escoamento, algo que seja fonte de perigos,
tem o dever de segurança do tráfego, ou o dever de evitar pancadas, golpes, contaminações, inundações. Quem
sai, com o carro, da garagem, ou quem entra com o carro, conta com a subida ou a descida normal, ou com a
estabilidade das vigas de ferro. Quem é vizinho do edifício, ou do apartamento, conta com o cuidado do outro,
no tocante à colocação de vidros, roupas, ou outros objetos, nas janelas, ou nas varandas, ou nos próprios
dependuradores de toalhas, ou ao que pode entupir calhas, ou provocar incêndios. O dono do armazém, ou do
bar, ou do restaurante, é responsável pelos danos a terceiros que resultem de tumultos, que êle e os seus
empregados não evitaram, ou provocaram. No que se refere aos que entram para serem servidos (= para serem
clientes), a responsabilidade é pela culpa in contratendo.
Entre a aspiração, de jure condendo, de atribuir-se dever de indenizar a quem quer que haja praticado o ato
danoso, ou o ato-fato juridico danoso, mesmo se não teve culpa, por ter havido previsão e prudência, e a
aspiração a que só se responda pelos danos oriundos de culpa, os sistemas jurídicos sustentaram o principio da
culpa, em vez do principio da causalidade, com exceções em espécies concretas.

3.RESPONSABILIDADE PELOS DANOS. O sistema jurídico traça as linhas de onde começa a


responsabilidade pelo dano. A imputabilidade, a atribuição do dever de prestar a indenização, nem sempre
coincide com a antijuridicidade, nem com algum “ato” que a lei repute ilícito. Às vêzes há regra jurídica que,
para proteger algum bem ou interesse de outrem, permite que se atinja a esfera jurídica de alguém, e estabelece,
para equilíbrio, que o favorecido pela lei excepcional indenize o dano causado. Trata-se, aí, de intromissão
permitida. Outras vêzes, há regra jurídica que não veda que se mantenha ou crie riscos para outrem, ou para
outros, mas
cogita da reparação dos danos que provêm dêsses riscos. E o caso das estradas de ferro, dos automóveis, das
fábricas e das aeronaves. Tem-se, então, a dita responsabilidade pelo risco. Assim, a responsabilidade pelo ato
ilícito, com o elemento do ato positivo ou negativo, voluntário, no suporte fáctico, é uma das espécies, pôsto
que as leis costumem falar, em geral, de responsabilidade por atos ilícitos. Nem sempre há o ato, nem sempre
há, sequer, a ilicitude.
A responsabilidade pelo ato ilícito tem fundamento moral, porque se supõe , para a imputação, que o homem
tenha de agir como ser que tem de adaptar-se à vida social e há de concorrer para crescente adaptação.
Quando se fala de ato ilícito, pensa-se no ato humano controlável pela vontade do agente, de jeito que se lhe
impute a atividade e, pois, eficacialmente, a responsabilidade. Não se cogita apenas do que se quer: o ato ilícito
nem sempre foi ato querido. Se A passa pelo corredor e, sem querer, volta para verificar o número da loja e,
com o movimento do braço, derruba o jarrão ou a estátua que está exposta, A é responsabilizado, pôsto que não
tivesse querido fazê-lo, nem, sequer, sido possível bater com o braço. Por aí se colhe a possível objetividade da
imputação em caso de ato ilícito.
Tem-se de procurar saber quais são os elementos fundamentais, do suporte fáctico.
A ofensa pode ser à pessoa, à saúde, no mais largo sentido, à liberdade (aliás, às liberdades), à propriedade, ou a
outro direito de que outrem seja titular. Só se afasta o direito oriundo de negócio jurídico ou de ato jurídico
stricto sensu, porque outras são as regras jurídicas sôbre responsabilidade.
A regra jurídica do art. 1.518 do Código Civil é assaz geral, de modo que não surge o problema de iure
condendo que resulta do § 823 do Código Civil alemão.
Um dos pontos mais dignos de atenção é o da pluralidade de causas, ou mesmo de causadores, coligados ou

.~> a]
separados, com a contemporaneidade ou a sucessão. Se A pôs o fósforo aceso no quintal do vizinho e E, ao
descobrir o começo do incêndio, lançou latas de querosene, para que os danos crescessem, ou mesmo, com
medo do incêndio, correu e deixou que as latas caíssem, há duas ilicitudes danosas, sem que se possa falar de
co-responsáveis• Se A e B cogitaram dos dois atos e os praticaram, os danos resultaram das concausas e há a
pluralidade com a solidariedade, porque o ato ilícito absoluto foi uno e a multiplicidade foi subjetiva. Não
importa quem atirou o fósforo ou quem jogou as latas.
O lesado pode exigir a indenização a qualquer dos responsáveis, pois que são solidários, no todo, ou em parte.
A prestação total por um libera a todos. A regra jurídica sôbre solidariedade apanha qualquer responsabilidade
pelos danos (e. g., por culpa ou pelo risco), bem como a responsabilidade do autor imediato e do que exerce
vigilância, a responsabilidade do possuidor próprio mediato, a do possuidor impróprio mediato e a do possuidor
imediato.
Se há dados precisos sôbre a discriminação dos danos e das suas causas, subjetivamente determinadas, cada
pessoa só é responsável pelo dano que causou, ou pelo qual é, por lei, responsável.
Se há pluralidade de responsáveis, porém com diferenças quantitativas quanto ao que deviam e alguém pagou
ou alguns pagaram, quem pagou ou os que pagaram mais do que deviam, têm pretensão a que sejam
reembolsados.

5. CONCORRÊNCIA DE PRETENSOES. Se a espécie do dano é por falta de diligência, mas entre o lesado e
o lesante havia relação jurídica que só o faria responsável por dolo ou culpa lata. (a chamada omissio
diligentiae in concreto”), discutiu-se se há a responsabilidade mesmo se por falta de diligência.
Afirmativamente, e. g., F. SaIÕMANN (Handbuch des Civilreehts, II, 208 s.), EGID VON LÓHR (Reitrdge zur
Theorie der Culpa, 219 a.), CER. FRIED. VON GLUCK (Ausfiihriiche Erídutenung der Pandecteu, X, 310) e
E. WINDSCEEID (Lelabueh des Pandelctenrechts, ~ 9Y ed., 976). Contra, K. .An. VON VANOEROV
(Lehrbuch. der Pand.ekten, III, § 681, nota 3, 590); R. VON HoLZSCHURER, Theorie und Casuistik des
gemeineu Civilrechts, III, § 326), A. PERNICE (Zur Lehre von deu Sachbeschãdigungen nach. rômisckem
Recht, 78 s.), Não se pode dizer que em todos os casos o lesante só responda pelo inadimplemento ou pelo
adimplemento ruim, ou outra causa de responsabilidade negocial, porque se pode compor o suporte fáctico do
delito; nem mesmo se há de dizer que a pretensão de origem negocial pré-elimina, de regra, a pretensão
extranegocial (cf. R. WRZESZINSKI, Die Koncurrenz der Anspriiche nach gemeinem Recht und BGB., 41,
que invoca a diferença de tratamento no direito penal e no direito privado, que não pré-exclui múltipla
infração). O que importa éque não haja os mesmos elementos no suporte táctico da regra jurídica negocial, ou
da cláusula, e da regra jurídica extranegocial. A ilicitude absoluta há de ser fora do campo em que se atende à
qualidade de devedor (cf. VALENTIN BECKER, Wird der Anspruch. aus unerlaubter Handlung dadurch
ausgeschlossen, dass zwischen dem Tãter und dent Verletzten em besonderes Rechtsverhdltflis, irtsbesondere
em Vertragsverhi~Lltnis, besteht?, 48 s.).
As medidas que se tomam dentro de colégios, conventos, internatos ou repartições públicas, que sejam
correspondentes ao nível social, tendentes à adequação social, não são atos ilícitos absolutos.
Se o aluno foi impedido de sair à hora marcada para todos os alunos, porque uma das sanções usuais, ditas
castigos escolares, consiste em redução da saida, por algum tempo, e com isso deixou êle de comparecer a
exibição de televisão, ou de outro trabalho, que lhe dá vantagens pecuniárias, o ato do professor ou do diretor
não foi ilícito. Isso não afasta que o aluno possa alegar e provar que o castigo não era usual, que professor ou
diretor sabia que a aplicação seja lesante e podia ser para o dia seguinte. Tem-se de verificar a legitimidade da
pena colegial, a oportunidade diante das circunstâncias que o professor ou diretor conhecia ou veio a conhecer.
Dá-se o mesmo com os conventos, internatos, emprêsas e repartições públicas. A exigência de plantão a quem
tem de ser operado, com dia certo, é ilícito. A ordem de viagem para quem tem de casar-se naquele dia, ou
naquela semana, e não consente em adiamento, é ilícita.
No que concerne ao conteúdo do art. 1.518, parágrafo único, do Código Civil, apresenta o direito brasileiro,
desde os primórdios, a mesma índole doutrinária.
Para determinada espécie proveu o Alvará de 22 de junho de 1668, § 6: “Havendo tido informação, de que a
Casa da Misericórdia tem perdido muitas, e importantes somas,pela dissimulação, ou conivência, com que
alguns Oficiais da Mesa permitiram tácita e expressamente, que os devedores consignantes percebessem os
rendimentos dos mesmos bens, que lhes tinham designado: Mando que os Oficiais da mesma Casa,. que não
fizerem cobrar as consignações acima ordenadas nos seus devidos tempos, depois que houverem sido metidos
na posse delas por efeito dos contratos de empréstimo na forma acima ordenada, fiquem responsáveis pelos
seus próprio bens, todos em geral, e cada um in sotidum, pelo que com negligência, ou conveniência deixarem
de cobrar; cuja pena aliás Mando que não tenha lugar, quando as faltas de cobrança procederem de outras
diversas causas, que sejam inculpáveis naqueles que administram bens alheios
No Alvará de 1668, claramente se trata de culpa extracontratual e se mostra o acatamento ao princípio da
solidariedade na reparação, quando existe duplicidade ou multiplicidade de autores do dano. A doutrina era a
romana, aplicável no direito português.
No Digesto, L. 11, § 2, ad legem Aquiliam, 9, 2, estatuía-se: “Sed si plures servum percusserint, utrum omnes
quasi occiderint teneantur, videamus. et si quidem apparet cuius ictu perierit, lhe quasi occiderint tenetur: quod
si non apparet, omnes quasi occiderit teneri Tulianus ait: et si cum uno agatur, ceteri non liberantur, nam ex lege
Aquilia quod alius praestitit, alium non relevat, cum sit poena”. Assim, se mais de uma pessoa feria o escravo,
devia inquirir-se: qual o golpe que causara a morte, e então seria responsável apenas a que o vibrou; e, no caso
de se não saber, ter-se-iam por autores a todas e não importaria exoneração das outras a condenação de qualquer
delas: aí o que se paga é pena, diz o texto, e a solução por um não libera aos outros.
Na mesma L. 11, § 4, mais peremptôriamente se diz: “Si plures trabem deiecerint et hominem oppresserint,
aeque veteribus placet omnes lege Aquila teneri”. Se muitos fizeram cair uma trave que esmagou um homem,
todos são igualmente sujeitos à lei Aquília.
No direito anterior, já TEIXEIRA DE PREITAS expusera como princípio: “Quando o crime fôr cometido por
mais de um delinquente, a satisfação será à custa de todos; ficando, porém,cada um dêles solidàriamente
obrigado”. E para esteio do que escrevera invocou o art. 27 do Código Criminal do Império. Explicitamente o
estatuíra o referido artigo de lei penal, incluindo, com outros de igual natureza, no Código Criminal do antigo
regime: “Quando o crime fôr cometido por mais de um delinquente, a satisfação será à custa de todos, ficando,
porém, cada um dêles solidàriamente obrigado, e para êsse fim se haverão por especialmente hipotecados os
bens dos delinqüentes desde o momento do crime
Na República, dizia o art. 69 do Código Penal: “A condenação do criminoso, logo que passe em julgado,
produzirá os seguintes efeitos: b) a obrigação de indenizar o dano; e) a obrigação de satisfazer as despesas
judiciais”. E o parágrafo único: “Está responsabilidade é solidária, havendo mais de um condenado pelo mesmo
crime”.
• No Código Penal da Armada, que o Decreto n. 613, de 29 de setembro de 1899, estendeu ao Exército,
assentou o artigo 61: “A obrigação de indenizar o dano é solidária, havendo mais de um condenado pelo mesmo
crime”.
Nenhuma novidade, pois, trouxe-nos o art. 1.518, parágrafo único, do Código Civil: é o principio tradicional e
reiteradamente inserto no texto das nossas leis, que mais uma vez se formula.
Depois, está no Código Penal (1941), art. 25: “Quem, de qualquer modo, concorre para o crime incide nas
penas a êste cominadas”. No art. 26: “Não se comunicam as circunstâncias de e~iráter pessoal, salvo quando
elementares do crime
No art. 27: “O ajuste, a determinação ou instigação e o auxílio, salvo disposição expressa em contrário, não são
puníveis se o crime não chega, pelo menos, a ser tentado (artigo 76, parágrafo único) “.
Nas espécies de procura, mandato, ou outra outorga de podêres, há responsabilidade negocial por despesas e
danos, mesmo se a atividade é só por amizade (cf. HEINRICR ORTRAL, fie Schadenersatzpízichl deg
Auhtraggebers nach, dem 8GB., 17). Os danos podem dar ensejo à responsabilidade delitual, conforme os
princípios invocáveis in casu, quer por culpa, quer por presunção ivris tontura (e. g., Código Civil, artigo
1.527), quer pelo risco (cp. Rnpp, Modernes Recht und Ver-

sckulden, 88; ~RUDoLF SCHMmT, Die Gesetzeskonkurrenz im búrgerlichen Recht, 180 5.; ADOLE LÚHL,
Griinde und Aden der Detiktshaftung nach. dem neuen BGB., 18 s.). Sôbre a concorrência das ações de
responsabilidade negocial e extranegocial, já a L. 34, §§ 1 e 2, D., de obligationibus et actioni,bus, 44, ‘7.
A responsabilidade extracontratual pode ser a respeito de correios e telégrafos, como se o empregado dos
correios põe explosivo na caixa de brinquedos que foi enviada como encomenda. De regra, a responsabilidade é
negocial, conforme os princípios, inclusive quanto à responsabilidade do Estado se o correio ou o telégrafo é
serviço estatal. (cf. CARL MELTZ, Die Beamtenhaftpflieht nach § 889 EGE., 14 s.; FELIx RríCHERT, Die
civilrechtliche Haftung der Post- und Tetegraphen-Beamt,en, 207 s.). As regras jurídicas do Código Civil
incidem, salvo lez specia lis (cf. M. ASCHENBORN, Das Gesetz liber Postwesen des Deutschen Reichs, 73).

.~> a]
Quem tinha de assinar a escritura no dia tal, e não foi assiná-la, ou quem fêz redigir-se o instrumento do
negócio jurídico em forma que é causa de nulidade, ou de ineficácia, para se furtar a adimplemento, comete ato
ilícito. Quem leva o outro figurante a não ir a cartório para a escritura, por afirmar, negligente ou dolosamente,
que não era preciso, é responsável (culpa in contrahendo). O responsável tem de indenizar pondo o outro
figurante na situação em que estaria se tal falta não tivesse acontecido.
No caso de pluralidade de obrigados solidários, o que pagou ou pagou mais do que o outro, ou do que os outros,
têm ação regressiva para haver o que prestou ou prestou mais do que teria de prestar, se todos houvessem
prestado.

~5.509. Dano não-patrimonial (dano moral)

1.DISTINÇÕES ESSENCIAIS. Os danos morais são inconfundíveis com os danos oriundos de atos imorais.
Aqui, há infração dos bons costumes, das regras de moral; ali, a esfera ética da pessoa é que é ofendida. Para
que a simples violação de princípios morais, que não são, também, princípios jurídicos, possa dar ensejo a
responsabilidade por ato ilícito
(positivo ou negativo), é preciso que haja culpa: supõe-se, portanto, que se quis o dano, mas basta o chamado
“dolus eventualis”, que é o saber-se que o ato, positivo ou negativo, pode ter como consequência o dano para
outrem. A relação causal não tem de ser entre o ato com a intenção do dano e o dano:
é elemento suficiente ter-se previsto, e nada se haver feito para se evitar o ato ou se evitarem as suas
consequências. O dano, êsse, pode ser patrimonial, ou não-patrimonial, inclusive moral.
O bem patrimonial é o bem que está inserto na riqueza patrimonial. A mão de A, como a de E, não está. Nem a
honra de C. As aflições e as dores físicas, também não. Nem a diminuição do prestígio ou da boa reputação.
O mesmo fato ilícito absoluto seja ato ilícito, seja ato-
-fato ilícito, seja fato ilícito stricto sensu pode determinar responsabilidade pelo dano não-patrimonial e pelo
dano patrimonial. Se E cobra letra de câmbio ou nota promissória, que teria sido assinada por A, e não o foi, a
ação de A contra E pode ser para lhe serem ressarcidos os danos patrimoniais e os não-patrimoniais.
À diferença do que se passa no direito brasileiro, o Código Civil italiano, art. 2.059, estatui que ‘11 danno non
patrimoniale deve essere risarcito solo nei casi determinati daíla legge” (cp. Código Penal italiano, art. 185).
Hemos de afirmar a ressarcibilidade do dano não-patrimonial, a despeito de haver opiniões que reputam
repugnantes à razão, ou ao sentimento, ressarcir-se em dinheiro o que consistiu em dano à honra, ou à
integridade física. Nada obsta a que se transfira ao lesado, com algum dano não-patrimonial, a propriedade de
bem patrimonial, para que se cubra com utilidade econômica o que se lesou na dimensão moral (= não-
-patrimonial). Se se nega a estimabilidade patrimonial do dano não-patrimonial cai-se no absurdo da não-
indenizabilidade do dano não-patrimonial; portanto, deixar-se-ia irressarcível o que precisaria ser indenizado.
Mais contra a razão ou o sentimento seria ter-se como irressarcível o que tão fundo feriu o ser humano, que há
de considerar o interesse moral e intelectual acima do interesse econômico, porque se trata de ser humano. A
reparação pecuniária é um dos caminhos; se não se tomou êsse caminho, pré-elimina-se a tutela dos interesses
mais relevantes. Não só no campo do direito penal se há de reagir contra a ofensa à honra, à integridade física e
moral, à reputação e à tranqüilidade psíquica.
Sobre dano não patrimonial e dano moral, Tomo XXVI,§ 3.108.
O dano moral pode ter tido corno causa ato positivo ou negativo que não foi ato imoral.
A expressão “dano imaterial”, corno a expressão “dano não-patrimonial”, substitui a outra, que tanto se
emprega, “dano moral”.
Sôbre o dano moral, nem a lei, nem a jurisprudência nos bastam: aquela, obscura; variável, essa. Há opiniões,
ligadas, todas, a antigas correntes: a) irreparabilidade absoluta dos danos morais (e. g., F. VON SAVIGNY,
FRANCISCO DE PAULA LACERDA DE ALMEmA); b) reparabilidade se o dano mor~ teve conseqUências
danosas para o patrimônio (assim, nada se resolve: o dano patrimonial é que está em causa; é como se
disséssemos: admitimos o dano moral, quando fôr patrimonial!) e explicava DAILoZ, no Répertoire (Suppl.
verbo responsabititá, § 28) : “... o juiz deve verificar se, atingindo o autor da ação em suas legítimas afeições,
perturbando-lhe a existência ou o seu futuro, a falta (do réu) lhe causou apreciável dano em dinheiro; o
dinheiro, que não pode ser o preço da dor nos processos de homicídio, nem da honra, nos de calúnia deve
corresponder a prejuízo suscetível de avaliação em dinheiro, isto é, pecuniário, pois que pode ser o contra-
choque da dor, como da desonra”; c) reparabilidade somente quando o delito civil provenha de delito penal (e.
g., AUBRY e RAU) ; d) reparabilidade quando se trate de ofensa à honra, à reputação e à consideração pública,
de diminuNção objetiva de prestígio público, de estima geral (e. g., E. TRÉBUTIEN) ; e) reparabilidade quanto
ao sofrimento, causado pelo ataque à honra, à reputação, à estima (diminuIção subjetiva do prestigio público, da
estima geral), diferente da anterior, porque, aqui, o que se repara é o sofrimento, a dor sofrida pelo lesado; 1)
reparabilidade plena do dano moral (e. .q., C. DEMOLOMBE, L. LAROMBIÉRE, VIRGILE ROSSEL, 1W. A.
COELHO DA ROCHA e 1W. 1. CARVALHO DE MENDONÇA). A sensibilidade humana, sociopsicológica,
não sofre somente o luorum cessans e o damnum emergens, em que prepondera o caráter material, mensurável e
suscetível de avaliação mais ou menos exata. No cômputo das suas substâncias positivas é dúplice a felicidade
humana: bens materiais e bens espirituais (tranqUilidade, honra, consideração social, renome). Daí o surgir do
princípio da ressarcibilidade do dano não patrimonial.
Não se pode dizer que o dano mural tenha existência meramente ilusória (e. g., ENRIco GIUSIANÁ, II
Conoetto di Dauno giuridico, 297). Assim, só se admitiria o dano patrimonial e o dano não-patrimonial, ainda
se inavaliável com exatidão, existe. A perturbação psíquica, sem repercussão no patrimônio (e. g., o lesado não
trabalhava e vivia das suas rendas, como continua a viver, sofreu dano moral) ; sem razão, ALPREIYO
MINOZZI (Studio sul Danno mm patrintoniale, 141 s.).
O dano patrimonial supõe, em primeira linha, a ofensa ao patrimônio, tal como era. A oportunidade para a
venda ou compra de uma casa, ou outro objeto, pode dar ensejo a dano patrimonial, porque a ocasião se inseriu
no valor (FR. LEONHARD, Aligemeines Schnidrecht, 200; ROBERT NEUNER, Interesse und
Vermõgenschaden, Archiv fiir die civilistisolte Praxis, 133, 277; contra, ASKENASY, tber den immateriellen
Schaden nach dem 13GB., Gruchotg Reitráge, 70, 373 s.). Não é reouisito conceptual qúe o bem já esteja com o
valor, nem que tenha valor para outrem (e. g., o bilhete nominativo de teatro, que furtam no momento de se ter
de entrar).

2.DIREITO ALEMÃO. Na Alemanha, mais do que nos outros povos, estêve em discussão a doutrina do dano
moral, do elemento não-patrimonial no direito. Para JosEF KOHLER (Z2uõtf Studien zum RGB., 1, 1-88) e
KONRAD HELLWIG (tiber die Grenzen der Vetragsmóglichkeit, Archiv fiJi- die civilisti~solte Prazis, 86, 223-
248), qualquer interesse, ainda não material, pode ser objeto de obrigação, quando os comícios e os costumes
do povo, de que se trata, permitam tais bens imateriais. O interesse econômico não é o único interesse; outros
há, e não são de somenos importância. O Código Civil alemão foi, para JosEr IÇOHLER, o caminho, o degrau,
para a futura evolução do ressarcimento do dano moral. As limitações de ordem subjetiva para RONRAD
HELLWIG (faculdade de brigar-se por danos morais) seriam objetivas para JOSEF RORLER: bens morais
ressarcíveis, ou não, segundo as idéia os hábitos de determinado povo. O § 241 do Código Civil alemão abstrai
do interesse patrimonial nas obrigações. RuDOLF VON JHERING, em 1878, a propósito de comitê
internacional alemão-suíço para questão relativa a estrada de ferro, coerente com as suas convicções
fundamentais, considerava os interesses como elementos da vida, variáveis no tempo e no espaço; todos êles
podem ser objeto de contrato e, com a. mesma razão, ainda que não apreciáveis em dinheiro, ressarciveis Na
condenação pecuniária não há somente a função de equivalência, mas, também, a de satisfazer. Pouco importa a
imperfeição dos meios para consegui-lo. B. WINDSCHEID (Lehrbuch. des Pandektenrech,ts, II, § 455, 980>
queria que, no direito atual, além do dano patrimonial, sejam ressarcidos os danos consistentes em dor sofrida.
Apesar de decisão de Wiesbaden contra a indenização da dor, por contravir a L. 7, D., de Fús, qui effuderint rei
deiecerint, 9, 3, a jurisprudência alemã assentou-o, com explicitude, antes e depois do Código Penal do Império.
Ao Schmerzen.sgeld, instituto de direito civil (ressarcimento do dano não patrimonial), corresponde, no direito
penal, a Busse. Já C. 5. SEITZ (Untersuchungen úber die h,eutige Schmerzensgeldklage, 45 s.) via no
Sckmerzensgeld a antiga pena privada e atribuiu a pecunia doloris, com o caráter de satisfactio devida ao dano,
ao desejo de se manter o velho instituto germânico. A ressarcibilidade resultaria da pena. C. O. VON
WÀCHTER (fie Russe bei Belei.digung und Kõrperverletzungen nach dem heutigen gemeinen Reckt, 17 e 71-
74), refutou a concepção de ser pena privada; considerou-o ressarcimento. Rebateu os argumentos dos que
atacam a equiparação de dor e dinheiro: não se lembram, diz êle, das indenizações no caso de rotura de
esponsais ou do pagamento da coroa de virgindade. Demais, o critério é a ofensa. e não a medida da culpa do
ofensor. Prova isso que não se trata de pena. Utilis acUo legis, a Sch,merzensgeidklage pertence ao direito
reparatório (atos ilicitos) não é, pois, utilis adio iniuriar’um.
No Código Civil alemão, quis-se enunciar, não só o priucípio geral de ressarcimento (§ 823), como também a
determinação dos conceitos de atos ilícitos e de dano, mercê de indicações: vida, corpo, liberdade, propriedade
e todos os outros direitos da pessoa. No § 826 foi adotada a reparação, contra quem, contrariamente aos bons
costumes, com intenção, causa dano a outrem. No § 253, limita-se a reparabilidade do dano moral; “Quanto ao

.~> a]
dano, que não é dano patrimonial, indenidade em dinheiro somente pode ser devida nos casos determinados
pela lei”. Quais são esses casos? São os dos §§847 e 1.300. No § 343, encontra-se a reparação com o caráter
específico de pena contratual. Tem-se decidido que simples interesse de afeição (Affektionsinteresse) ou mera
mania ou capricho de amador (Liebhaberei) não é ressarcível; mas deixa de ser assim, se a afeição, ou fantasia,
ou mania (e. g., coleção de selos, moedas antigas) é geral a certo círculo de pessoas ou a muitas pessoas. Mas
há opinião discordante: H. DERNBURG (Das biti-gerliche Redil, ~ l.~ parte, 4.~ ed., 98), queria que, além do
valor real, se repare o dano ao interesse de afeição. Deu exemplo: o retrato de família. Os casos de dano moral,
a que se refere o Código Civil alemão, são os seguintes: a) § 847: lesão corporal; atentado à saúde; privação de
liberdade, casos em que, diz a lei, a pessoa lesada tem direito a razoável ou eqilidosa indenização em dinheiro
pelos danos que não são do patrimônio (o direito não é transmissível; não passa aos herdeiros, salvo se tiver
sido reconhecido por contrato ou tiver havido litispendência) ; b) § 1.800: se a noiva de bom proceder concede
ao noivo a coabitação, pode. no caso de rompimento dos esponsais por parte do noivo (§§ 1.298 e 1.299), pedir
indenização, também para o dano que não é patrimonial. Fala-se, como antes, § 847, em “billige
Entschãdigung”, ressarcimento razoável, equitativo. Resta o § 343. Mas êsse concerne a pena contratual, pôsto
que se possa referir a qualquer interesse legítimo do credor.

3. DIREITO ANGLO-SAXÃO. Na Inglaterra e nos Estados Unidos da América, chama-se escemplary dama
ges aos danos morais. Também o dinheiro pago, à semelhança do Schmerzensgeld alemão, se denomina Smart-
money. Os exemplary damages, vindictive, punitory dama ges que, na Escócia, receberam o nome de solatium,
surgiram do empirismo jurídico dos anglo-saxões, de caso em caso, segundo fixações do júri. Primeiro
foi costume; mais tarde, surgiu em lei. O júri acabou por ter regular faculdade de fixar as indenizações quando
irressarciveis, pela não-patrimonialidade, os danos sofridos. A primeira questão que fêz sentir-se a necessidade
de prover a tais casos foi o que narramos noutro livro (História e Prática do Habeas-Corpus, 1~a ed., 56-58; 4?
ed., 65-67) : o caso do redator do NorLh Brit ou. A doutrina inglêsa exprobrou-se a si mesma ser produto
híbrido de desafôgo, de indignação ética e de imposição de multa criminal; ser lôgicamente falsa, disseram
alguns doutrinadores; entregar ao arbítrio do juiz a solução; confundir jurisdição civil e penal. SEDGWICK,
que lhe reconheceu os defeitos melhor, as anomalias nem por isso deixou de encarecer-lhe a utilidade. Assim,
o direito inglês também se funda na intencionalidade do agente, O que não podia querer não comete dano
exemplar. Basta que seja doloroso, ou simplesmente ultrajante. A sensibilidade anglo- saxõnica condenou, por
exemplo, companhia de estradas de ferro a 4500 dólares, porque o condutor, maliciosamente, transportou o
querelante a 400 jardas além da estação. Também se condenou o transeunte que, maliciosamente, fêz a alguém
perder o trem.
A grave negligência autoriza o pedido de ressarcimento por dares exemplares. Em caso de contrato quando se
trate de promessa de matrimônio: indenização chamada de brolceu hcart, de coração partido.

4.DIREITO AUSTRÍACO. Na Áustria, o Código Civil, §§1.293 e 1.341, admite que se calculem, nos danos, as
dores sofridas, e o Tribunal de Viena mandou que se contassem os danos físicos e morais de abôrto provocado
(17 de maio de 1888). Todo o dano à liberdade, à honra, ao crédito, ao corpo, é ressarcível: ofensa ao corpo (§
1.325) ; às marcas de indústria e comércio (Markenschutzgesetz, § 27), segundo arbítrio judicial em que se
atenda às circunstâncias, até 10.000 coroas; ao direito de autor e de patentes (Uhr-Gesetz, § 57; Patentgesetz, §
108) ; no caso de guerra, também segundo o arbítrio do juiz, atendendo-se às circunstâncias, dispunha a
jurisprudência, firmada no § 1 do Decreto imperial de 9 de junho ele 1915; se o autor do dano procedeu
criminosamente, ou por maldade, ou por prazer de prejudicar (Schadenfreude), ressarce,não só o dano material,
porém, igualmente, o valor estimativo (§§ 385 e 1.831). A Novela III, arts. 166 e 168, refusou a avaliação
pecuniária do dano moral puro e redigiu diferentemente os §§ 1.328 e 1.830.

a. DIREITO SUÍÇO. No direito suíço, tem-se o princípio de se deixar ao arbítrio do juiz a fixação e ultrapassa-
se o conceito alemão do Schmerzensgetd: não se satisfaz o dano resultante da dor física, repara-se o próprio
dano moral, com toda a sua extensão (Lei suíça de 1911, art. 47, lesões corporais ou morte; art. 49, ofensa a
“interesses pessoais”). Comparem-se as leis suíças de 1888 e de 1911: a) Bundesgesetz, 14 de junho de 1888,
art. 54: “Em caso de lesão pessoal, ou de morte, pode o juiz, tomando em conta as circunstâncias particulares,
principalmente se houver dolo ou culpa grave, atribuir reparação razoável à vítima ou aos membros da família,
independente do dano verificado”. E no art. 55: “Se alguém foi lesado por outros atos ilícitos, que causem grave
dano à sua situação pessoal, pode o juiz atribuir indenidade equitável, ainda mesmo que se não tivesse
estabelecido nenhum dano material”. b) Bundesgesetz, 30 de maio de 1911, art. 47:
“No caso de morte de homem ou ofensa corporal, pode o juiz apreciando as circunstâncias particulares deferir
ao lesado ou aos membros da família do morto uma quantia razoável (au gemessene) como reparação moral”.
No art. 49, dizia-se: “O que fôr lesado em seus interesses pessoais (in seinen persõnlichen Verhãltnissen) tem
ação, em caso de culpa, para a reparação do dano, e, onde se justificar pela particularidade do prejuízo e da
culpa, a ação para prestação de uma quantia como reparação moral. O juiz pode substituir ou juntar a essa outra
espécie de reparação”.
A vítima do ato ilícito pode pedir a cessação da ofensa aos seus interesses pessoais, desde que seja iminente, ou
ainda dure no momento da propositura da ação. Não se trata, no art. 49, de penalidade, mas de recuperação, que
se faz em dinheiro, por serem vãos os esforços para que se prestasse de outro modo. A ação pode ser intentada
por pessoa jurídica:
também ela pode ser lesada em seus interesses pessoais (consideração pública, confiança, e até honra). Do
mesmo modo, pode cometer o dano a que se refere o art. 49 e ser responsabilizada. Não se questiona sôbre o
caráter delituoso, ou não, do ato; e a jurisprudência suíça tem decidido que as calúnias ao morto autorizam os
herdeiros a reclamar a reparação do dano moral, e dá-se o mesmo, quanto a fatos verdadeiros, se propagados
para fins derivados de rancor ou de maldade (Tribunal Federal suíço, 11 de setembro de 1908; 30 de setembro
de 1910). Aprecia-se a ofensa, não in abstracto, mas em relação à pessoa lesada. Dá-se ao juiz grande liberdade.
Interesses pessoais, ou relações pessoais, são os direitos subjetivos sôbre a própria pessoa, referentes às
qualidades e situações (e. g., integridade física e psíquica, liberdade, honra, nome, figura social). Exige-se
gravidade da ofensa e da culpa. Da ofensa; quer dizer: do objeto, inclusive, como tal, a honra. Para o Código
Civil suíço, art. 28, só os objetos de valor são protegidos, KARL SPEORER (Die Persônlichkeitsrechte mit
besondei-e Beriicksichtigung das Rechts der Ehre, 155). A intensidade da ofensa pode ser encarada nos meios,
nos fins e nos resultados. No Código das Obrigações, o art. 49 enche a lacuna de 1881 e dá expressamente aos
tribunais a atribuição que êles, no silêncio da lei, já, em parte, haviam tomado. Podem os juizes, se acharem
conveniente, substituir por outra espécie de reparação a soma em dinheiro, ou juntar aquela a essa, e. g.,
retratação, retificação, publicação do julgamento. Pode ser entregue a soma a alguma fundação designada pelo
autor da ação. Chamam a satisfação Genugtuung, no ad. 49, ou Quasischmerzensgeld, em contraposição ao
Schnterzensgetd, no art. 47. Ainda lhe dá caráter penal, CHAUSSON (De l’Obligation de réparer te dommage
resultant des délita dano on eM l’auteur d’aprês te Droit romain et dans te Droil fédéral dos Obligations, 2); fala
de reparação de danos que não foram determinados VIROmE Rossa, Manuel de Droit fédéral das Obligationes,
2a ed., 15) frisa haver Schmerzensgeld no artigo 47, e Quasisohmerzensgeld, no art. 49, 117. OSER
(Kommentar zum Schweizerischen Ziviígesetzbuch, V, 201).

6. DIREITo BRASILEIRO. No Código Civil brasileiro, não se definiu o dano. O art. 159 diz “violar direito, ou
causar prejuízo a outrem”; lê-se no art. 1.518: “ofensa ou violação do direito de outrem”. Só no Título VIII,
Capitulo ii, é que trata da liquidação das obrigações resultantes de atos ilicitos, não apenas como liquidação: art.
1.537, sôbre homicídio art. 1.588, ferimento ou outra ofensa à saúde; art. 1.588, §§1.0 e 2.0, aleijamento ou
deformidade; art. 1.589, defeito com dano à profissão ou valor econômico do trabalho; art. 1.587, injúria ou
calúnia; art. 1.548, ofensa à honra da mulher; artigo 1.549, demais crimes de violência sexual ou ultraje ao
pudor (arbítrio do juiz); art. 1.550-1.552, ofensa à liberdade pessoal. “Nos casos não previstos neste capítulo”,
diz finalmente, o art. 1.558, “se fixará por arbitramento a indenização”.
No art. 76, estatui-se que o interesse moral autoriza a propor ou contestar ações. Trata-se de pretensão à tutela
jurídica.
Antes de apreciarmos a solução brasileira, vejamos quais as interpretações que lhe têm sido dadas. Primeiro, a
do autor do Projeto: “Se o interesse moral”, diz êle, sob o art. 76, “justifica a ação para defendê-lo, é claro que
tal interesse é indenizável, ainda que o bem moral se não exprima em dinheiro. É por uma necessidade dos
nossos meios humanos, sempre insuficientes, e, não raro, grosseiros, que o direito se vê forçado a aceitar que se
computem em dinheiro interesse de afeição e os outros interesses morais. Este artigo, portanto, solveu a
controvérsia existente na doutrina e que, mais de uma vez, repercutiu em nossos julgados”. Noutro lugar. “O
dano pode ser material ou moral. É material, quando causa diminuIção no patrimônio, ou ofende interêsse
econômico. É moral, quando se refere a bens de ordem puramente moral, como a honra, a liberdade, a
profissão, o respeito aos mortos. O Código Civil toma em consideração o dano moral, quando no art. 76
autoriza a ação fundada no interesse moral, e quando destaca alguns casos de satisfação do dano por ofensa à
honra (artigos 1.547 a 1.551), sem exclusão de outros análogos, e muito menos daqueles em que o interesse

.~> a]
econômico anda envolvido com o moral” (CLóvís BEVALQUÂ, Código Civil comentado, 1, 886, e V, 28).
Vejamos a jurisprudência. A corrente patrimonialista dominava os tribunais; mais do que timidez: resistência.
Por outro lado, quem consegue a condenação criminal se dá por satisfeito; não recorre à justiça civil. Falta, em
todos os ramos do direito das obrigações, talvez devido à morosidade de velho aparelho processual, que se
retoca, de quando em quando, mas que se mantém o mesmo nas suas antiqualhas a educação da luta pela
reparação dos direitos violados, pela cobertura pecuniária dos danos.
Quanto aos julgados do Supremo Tribunal Federal, diz-se no acórdão de 21 de maio de 1924, Apel. n. 4.048
(ementa)
“A União é obrigada a indenizar o dano que, por infração dos dispositivos regulamentares, é causado pela
Estrada de Ferro Central do Brasil. Essa indenização deve fazer-se de acôrdo com os arts. 1.537 e seguintes, do
Código Civil, excluído o dano moral, ao qual se não referem ditos artigos, que só tratam dos casos de morte e
ferimentos”.
Discordou o ministro HERMENEGILDO DE BARROS: “Condenada, pois, a ré, nos danos patrimoniais que
forem liquidados na execução, absolutamente da lei se não afastou a sentença apelada. Entretanto, o mesmo se
não poderá dizer quanto ao haver recusado indenizar os danos morais. A razão única para isso invocada foi não
serem suscetíveis de ressarcimento em dinheiro pelo nosso direito constituído e pela nossa jurisprudência,
anterior e posterior ao Código Civil. Ao invés, porém, do que atesta essa infundada afirmação, o direito, entre
nós. e no estrangeiro, se tem asseverado em sentido outro, inteiramente diverso. EDUARDO ESPÍNOLA, por
exemplo, não encontra razão moral. M. 1. CARVALHO DE MENDONÇA sempre estêve por êsse direito, bem
como por êle propugnou PEDRO LESSA, com a pertinácia e a veemência do seu temperamento combativo”.
Invocou MARCEL PLANIOL, F. LAURENT, A. SOURDAT, TH. Huc, VIRGILE ROSSEL e outros; e
concluiu: “. . . embora o dano moral seja um sentimento de pesar íntimo da pessoa ofendida, para o qual se não
encontra estimação perfeitamente adequada, não é isso razão para que se lhe recuse em absoluto uma
compensação qualquer. Essa será estabelecida, como e quando possível, por meio de uma soma, que não
importando uma exata reparação, todavia representará a única salvação cabível nos limites das fôrças humanas.
O dinheiro não os extinguirá de todo: não os atenuará mesmo por sua própria natureza; mas pelas vantagens que
o seu valor permutativo poderá proporcionar, compensando, indiretamente e parcialmente embora,
o suplício moral que os vitimados experimentam. O que não é possível é que o responsável por acidente
daninho aos direitos ou aos legítimos interesses de outrem possa subtrair-se às conseqüências do seu ato por
não serem direta e exatamente reparáveis. Seria recordar o devedor a que alude GIORGIO GEORaí, que por só
dispor de uma soma inferior ao seu débito, até dessa mesma se julgasse desobrigado por não poder com ela
extinguir integralmente a sua responsabilidade. Não, a recusa absoluta de qualquer ressarcimento seria, sem
dúvida, clamorosa injustiça, orçando não raro, no dizer de CONSOLO, pela desumanidade, se não pelos
domínios das coisas indecorosas. Mas, se no terreno puramente doutrinário, compreensível é ainda a
divergência a respeito, no legal já hoje ela entre nós é impossível. O Código Civil aí está, já a extinguiu, e de
modo positivo em mais de um trecho e justamente por haver assegurado a indenização. Basta ler-se o art. 76.
“Para propor ou contestar vina ação”, dispõe êle, “é necessário ter legítimo interesse econômico ou moral. O
interesse moral só autoriza a ação quando toque diretamente ao autor ou à sua família”. Nada mais claro. Aí
está o interesse moral, como o econômico, lado a lado um do outro, um tanto quanto o outro, com o mesmo
vigor e a mesma legitimidade, amplamente justificando um pleito judicial”. O art. 76 não é base da reparação.
Não compreendemos (escrevíamos nós, em 1927, no livro Das Obrigações por atos ilícitos, 1, 182 s.) como se
possa sustentar a absoluta irreparabilidade do dano moral. Nos próprios danos à propriedade, há elemento
imaterial, que se não confunde com o valor material do dano. ~Que mal-entendida justiça é essa que dá valor ao
dano imaterial ligado ao material e não dá ao dano imaterial sozinho ? Além disso, o mais vulgarizado
fundamento para se não conceder a reparação do dano imaterial é o de que não seria completo o ressarcimento.
Mas não é justo, como bem ponderava JOSFE RORLER, que nada se dê, somente por não se poder dar o exato.

7. INDENIZAÇÃO. Todas as pretensões por ilícito são pretensões a indenização. Ainda nos casos de direito à
retificação de notícia, ou de desmentido ao que se atribui ao agente, ou de publicação de resposta, ou de lesão
corporal, indeniza-se. Se o dano é patrimonial, fácil é estimar-se o quanto indenizatório. Se não é patrimonial,
há de haver a determinação do que se repute equivalente.
Os suportes fácticos dos delitos são conforme a figura de cada lesão (lesão de direitos e de pessoa, lesão ao
crédito, lesão à honra); e há a responsabilidade por algum risco, que a lei preveja, como é o caso dos dano8
causados por animais ou por edifício, do armador e do dono de navio, do automóvel ou do avião.
1
A distinção entre delito e quase-delito já está superada, porque, em princípio, a responsabilidade pelo ato de
outrem ou do animal se baseia na culpa, ou na presunção de culpa, e a fortiori se queremos admitir os conceitos
de CONTARDO FERRINI (Obbligazioni, Eneiclopedia Giuridica Italiana, 12, 767), que se cingem ao dolo e à
culpa (cp. GIUSEPFE MELONI, La Colpa pende e la Colpa civile, 81 s.).
Se houve dano, a pessoa que o sofreu tem direito a que o agente o indenize, sem que se possa pretender que a
indenização seja arbitrária. Todas as despesas e custas que foram necessárias à obtenção da sentença têm de ser
reembolsadas e a condenação há de incluir o que se há de pagar aos advogados, médicos e consertadores.
A respeito do dano moral é escusado estarem juizes e advogados a trazer à balha argumentos e decisões
anteriores ao Código Civil. Se houve dano moral, avalia-se (sem razão, a 3~a Câmara Civil do Tribunal de
Justiça de São Paulo, a 20 de maio de 1931, 1?. das T., 78, 544; cp. Código Civil, art. 1.547, parágrafo único;
certas, a 6.a Câmara Civil do Tribunal de Justiça de São Paulo, a 3 de setembro de 1948, 177, 263; e a lA
Câmara do Tribunal de Apelação da Bahia, a 24 de outubro de 1944, 167, 335).
Há três correntes quanto à reparação do dano moral:
a) a dos que a admitem; b) a dos que a negam; e) a dos que entendem que só a lex specialis a pode estabelecer
(e. g., arts. 666, X, 667, § 1.0, 671 e 1.350, parágrafo único, relativos a direitos autorais; art. 1.588, §§ 1.0 e 2.0,
quanto a ferimentos com deformidades; art. 1.548, sôbre valor de afeição; artigo 1.547, parágrafo único, sôbre
injúria e calúnia; art. 1.548, sôbre atentado à honra da mulher; art. 1.549, sôbre crimes de violência e ultraje ao
pudor).
O dano moral mais largamente, o dano não-patrimonial pode ser causativo ou acausativa. Se o dano foi so
moral, porque a pessoa que o sofreu com êle não deixou de ganhar ou a pessoa só vivia de rendas, e não houve
diminuição da saúde, o dano foi aeavsatívo. Tem de ser avaliado em si mesmo e aí está a espécie de mais difícil
reparação. Porém, no direito brasileiro, não se pode considerar, por isso, irressarcível. Se o dano moral, e. g., a
injúria ou calúnia, deu ensejo a que sofresse enfarte a pessoa ofendida em sua honra, ou apenas a que faltasse a
algum tempo de serviço, ou tivesse de chamar médicos, o dano moral foi causativo. Há o valor indenizatório
quanto às despesas e à suspensão de ganhos e do próprio choque.

§ 5.510. Direitos e ofensas com ilicitude absoluta

1.DIREITOS DE PERSONALIDADE, DIREITOS DE FAMÍLIA E DIREITOS PESSOAIS. Os direitos de


personalidade têm proteção erga omnes.
A ilicitude absoluta pode ser por ofensa ao direito à integridade física ou psíquica, Tomo VII, §§ 727-734) ; à
liberdade (Tomo VII, §§ 735 e 754) ; à verdade (‘Pomos VII, § 736 e XVI, § 1.880, 11) ; à honra (Tomo VII, §
‘737) ; à própria imagem <Tomo VII, § 788) ; à igualdade (Tomo VII, § 739) ; ao nome (Tomo VII, §§ 740-
754), inclusive quanto a pseudônimo (§§ 749 e 750) ; a velar a intimidade (Tomo VII, § 755), inclusive quanto
à correspondência fechada, ao segrêdo epistolar, memórias pessoais ou familiares; ao direito autoral de
personalidade (Tomo VII, § 756). Sôbre a diferença entre o direito autoral de personalidade e o direito
patrimonial do autor, Tomo VII, § 756, 11 e 12.
Os direitos que não são de senhorio, inclusive os de personalidade, precisam ser erga omnes, para que se possa
cogitar de ilicitude absoluta da ofensa. Fora dai, não se pode exigir de terceiro a prestação, nem se há de
considerar lesivo o ato de outrem. As intromissões danosas de terceiros no tocante ao objeto que o devedor tem
de prestar não ensejam responsabilidade pelo ilícito absoluto. Enquanto o dano é a bem que ainda é do devedor,
êsse é que tem pretensão à indenização, não o credor que está em relação jurídica negocial com o de-

vedor. Todavia, se o terceiro queima ou Por outro modo inutiliza o título ou documento do crédito, tem se de
distingue do titulo ele que se incorpora O crédito de modo Que a destrição do título extingue O crédito (ou
apenas permite que se exerça a pretensão a emissão de nova cúrtula) O título ou documento Pertença o terceiro
pode Por ato Positivo ou flegaíiv0 ou mesmo Por fato ilícito absoluto, lesar O credor, mas o dano é ã cártula ou à
Pertença, com atingimento da relação jurídica de crédito, como elemento patrimonial Os que trataram do
assunto fizeram110 insuficietemente (e. g., Oto VON OmaícE Deutsches Privatreche lUX, 893; PAUL OERy~.
MANN, Zur Struktu,. der subjektiven Privatrechte Archív fur die etViliStisck Praxú, 153, 145; J~sEr ESSER
LehrbuÚk des SchuzdreÚhts 9). Se C põe o documento de crédito de A contra E fora do lugar em que têm de
ser atendido8 no dia os créditos contra E, que vai Pedir concordata Preventiva ou a decretação da abertura de

.~> a]
falência ou outro concurso de credores o ato de C é lesivo ao Patrimônio de A, mas o ato não foi contra o.
crédito, e sim contra o direito do credor sôbre o documento salvo se não se trata de documento Por se haver
coisíficado crédito o A coisifícação desloca para o plano dos direitos dominiaís a relação jurídica de crédito
(Tornos XV, § 1.747, 1; ~ § 5.28s í~ Comentários ao Código de Processo Civil, XV, 2.a ed., 98, 112).
Quanto aos direitos formativos gerais modificativos ou extintivos de relações jurídicas de crédito, o que se
disse sôbre os direitos de crédito a êles se estende.
Quanto aos direitos que atribuem POsse, a Posse exerci da é direito real, mesmo se imprópria Os sistemas
jurídicos Protegem o fáctico que é a Posse, e Protegem os direitos ã Posse e de Posse o direito a haver a Posse,
em virtude de relaçã0 jurídica flegocj5y ainda não é erga omnes; o direito de Posse, mesmo se imprópria essa
Posse, ~ real.
Diz o Código Civil ad. 1.550: “A indenização Por ofensa à liberdade Pessoal consistirá no Pagamento das
perdas e danos que sobrevierem ao ofendid0 e no de Vina soma calculada nos termo5 do Parágrafo únic0 do ad.
1.547” E o art. 1.551: ‘Consideram ofensivos da liberdade pessoal (art. 1.5501.O cárcere Privado ii A prisão Por
queixa e denúncia falsa e de má fé. III. A prisão ilegal (art. 1.552)”. E ainda o artigo 1.552: “No caso do artigo
antecedente n. III, só a autoridade, que ordenou a prisão, é obrigada a ressarcir o dano”. O art. 1.547, parágrafo
único, a que se refere o art. 1.550, estatui que, se o ofendido não puder provar prejuízo material, pagar-lhe-á o
ofensor o dôbro da multa no grau máximo da pena criminal respectiva.
O art. 1.550 regula a indenização e compreende-se que se pudesse incluir no Título VIII, sôbre liquidação das
obrigações. Dá-se o mesmo com o ad. 1.547, parágrafo único. Não, porém, quanto aos arts. 1.551 e 1.552 que
mencionam casos de ofensa à liberdade pessoal, assunto, portanto, referente ao conceito de ilicitude no tocante
à liberdade pessoal.
O direito brasileiro não tem a promessa de casamento, o noivado negócio jurídico. É de discutir-se, porém, se,
tendo A marcado a data do casamento e tendo E, noivo ou noiva, feito despesas e tomado resoluções que lhe
alteraram o ritmo da vida, pode E exigir indenização ( e. g., gastos com enxoval, ou viagem, compra de
apartamento), se a culpa foi de A. A responsabilidade de modo nenhum é negocial. Quanto à responsabillidade
contratual, o Código de Direito Canônico, cânon 1.017, § 3, responde afirmativamente. Temos de admitir, no
direito brasileiro, a responsabilidade extranegocial, com o ônus de alegar e provar a culpa àquele que se diz
lesado. Os esponsais são ato na dimensão ética; não entram no mundo jurídico:
para o direito, permanecem no mundo fáctico. Mas podem dar ensejo a lesões, que se considerem atos ilícitos
absolutos, por serem provenientes de dolo, ou mesmo sé de culpa (fêz-se noivo para obter que a noiva lhe
vendesse a fazenda; fêz-se noiva para que o pai do noivo contratasse sociedade com o pai).
Desde que o noivado determinou despesas, ou mudança de profissão, ou suspensão de estudos, ou vendas para a
preparação de situações necessárias ou acordadas para o futuro, e o rompimento causa perdas ou danos, e há
culpa de um dos noivos, o direito à indenização exsurge. Dá-se o mesmo se o noivo ou a noiva omite
informação de fato que teria afastado o noivado, ou ao desfazimento, e há dano patrimonial ou moral.
Se há lei protectiva, estabelece-se a antijuridicidade de todos os atos que firam a proteção, ratio Te gis.
Entendem-se leis protectivas todas as regras jurídicas que proibam atos positivos ou negativos, dos quais podem
resultar danos a outrem. “Leis” está, aí, em sentido lato. Não só o interesse público justifica as regras jurídicas
de proteção. Pode estar em causa o interesse da administração, ou de alguma ou algumas emprêsas, se as
circunstâncias mostram que há de ser protegida contra atos ou omissões a atividade estatal, paraestatal ou
empresarial.
Às regras jurídicas penais sôbre injúria, calúnia, violação da correspondência, apropriação indébita, roubo e
furto, coação, chantagem, infração de sinais de viação urbana ou nas estradas, de transporte ou de horário,
corresponde conteúdo protectivo. Idem, quanto às regras jurídicas sôbre direitos de vizinhança, saúde pública
ou de tranqüilidade . Tem-
-se de determinar, pela finalidade da lei, quais as pessoas ou direitos protegidos, para se saber se o lesado está
incluído nas penas ou direitos protegidos; para que não se haja de exigir alegação ou prova da culpa.
Todavia, a lei protectiva nem sempre dispensa, explícita oa implicitamente, a existência de culpa. Pode ser que
ela se refira a dolo, ou culpa grave, casos em que se há de apresentar a relação entre a culpa e a infração, não
entre a culpa e o dano.
O interesse das gravações de sons, quaisquer que sejam as máquinas, excede o de simples fixação do que se
produziu em som. Todos os direitos de autor, inclusive o de personalidade, são relevantes (cf. OSEAR
WÀCHTER, Das Autorrecht naeh dem gerneinen. deutschen Recht, 6-19; Orro DAMBACR, Die Gesetzgebung
des Norddentschen Bundes betr. das Urheberrecht, 12; R. KLOSTERMANN, Das Urheberreckt, 18). A
exibição pública não torna direito do público nem a reprodução, nem a exploração (OSKAR WXCHTER, 831;
M. 1-1. SOHUSTER. Das Urkeberrech.t der Tonlcunst, 223 s.). A ação de indenizaçáo por ato ilícito absoluto é
proponível. Pode existir, porém, a ação derivada de negócio jurídico com o autor (cf. FRIEDRum DONLE, Der
Phanograph. und sem Stellung zum Rechte, 82 s.).
Oque se contém na exigência ou na faculdade de confessar, por parte das religiões, uma vez que não haja
violência, ou outros intuitos malévolos, não interessa ao Estado. O limite está na liberdade de pensamento e na
liberdade de ensino (cp. A. AGRíCOLA, Bekenntnisgebundenkeit und Lehrfreiheit unter dern Gesichtspunkt
des Rech,ts, 48 s.).
Pode haver outros danos, como o de violação do dever de segredo profissional, ou o de dever de segredo de
correspondência , ou dever perante o Estado, o público ou alguma pessoa.
As cláusulas exonerativas de modo nenhum se confundem com as cláusulas restritivas da extensão da
obrigação, (cf. E. BOUTAND, Les Clawses de non .responsabilité et de l’assurance de la responsabilité des
fautes, 208).
Pela validade, a prori, das cláusulas exonerativas, e. g., GEORGES RIPERT (La Rêgle morale dans les
obligations civiles, n. 182), que chegou ao extremo de dizer que a pessoa pode achar que há vantagem em que
alguém lhe dê golpe.
A propósito de danos à pessoa a cláusula exonerativa é nula. A mulher pode admitir o ato sexual, porém não
pode preeliminar a responsabilidade pela coação para o ato, como não vale a cláusula que permita ao jornal o
insulto ou a injúria.

2.SAÚDE E INTEGRIDADE FÍSICA E PSÍQUICA. A saúde compreende a integridade corporal e a


integridade psíquica (equilíbrio psíquico). Um susto pode causar danos, com a responsabilidade de quem
praticou o ato, positivo ou negativo, ou tem dever de responder, pela posse ou tença de construção, ou do
animal.
Não se há de dizer, como faz, por exemplo, KÂRL LARENz {Lehrbuch rica Sckuídreehts, II, 835), que a
liberdade de decisão (Entschlussfreiheit) não possa ser ofendida. Quem informa erradamente ou quem ameaça
no tocante a algum ato, ou voto, pratica ato ilícito absoluto, que pode causar danos. As regras jurídicas especiais
(penais ou não), que protegem a liberdade de expressão ou de comércio, não afastam a responsabilidade
ordinária por ilícito absoluto.
Se algum ato é proibido por lei, há limitação ao exercício do direito de personalidade.
Qualquer ofensa à saúde, ou à personalidade, por parte do Estado é causa de responsabilidade.

Quem empurra a pessoa que está na fila para tomar o avião, ou o trem, ou o ônibus, e, com a queda, o ofendido
não pode chegar a tempo para o que lhe daria lucros, responde pelos danos (cf. KARL LARENZ, Lehrbuch des
Schuldrechts, II, 837).
Pôsto que os direitos de personalidade sejam, em princípio, intransmissíveis e indispensáveis (cf. HEINRICH
HUBMANN, Das persõnliehkeitsrecht, 110 s.), há a permissão a alguém de dar o nome à obra como autor
(Tomo XVI, § 1.851, 6).

3.DIREITo Á HONRA. O direito à honra existe, e tem-se de repelir a opinião que vê, na responsabilidade por
ofensas à honra, somente o elemento de suporte fáctico de regra jurídica. O homem, com os direitos de
personalidade, tem a honra como algo de essencial à vida, tal como êle a entende: a ofensa à honra pode ferir,
por exemplo, o direito de liberdade e o direito de velar a própria intimidade; mas a honra é o entendimento da
dignidade humana, conforme o grupo social em que se vive, o sentimento de altura, dentro de cada um dos
homens. Cf. R. SCHULZ-SÇHAEFFER (Das sub jektive Recht im Gebiet der unerlaubteu Hctndlung, 161); F.
ARTEUa MÚLLEREISERT (Die Ehre im deutschen Privatrecht, 333); HEINRICE HUBMANN (Das
Persõnlichkeitsrecht, 225).
As ofensas à honra são, principalmente, ofensas à honra de mulher, sem diferença de idade, mas quase sempre a
jovens. Quem, através de ameaças, ou abuso de relação de dependência, ou de mistificações ou mentiras,
consegue coabitação, sem que haja casamento, é responsável por indenização de quaisquer danos, morais ou
patrimoniais. Abstrai-se da idade. O que importa é que tenha havido deslealdade no meio ou nos meios
empregados para pesar na vontade da mulher. Não há o pressuposto da intenção de causar danos. O que a
mulher perde em reputação, em boa fama, é avaliável, como o é o sofrimento psíquico, por que passou ou
passa, ou qualquer distúrbio de nervos ou mental. É o dinheiro de dor, Schmerzensgeld, pecunia doloris.

.~> a]
Pode a simples mentira causar danos e por êles responder o culpado (e. g., SCHUIJTZENSTEIN, Die Liige im
Recht, .furistiehe Wochenschrif 1, 49, 871 e 874). Não só: em épocas de desassossêgo público, pode ser pedido
o ressarcimento dos danos sofridos, ainda que, para isso, não haja lei especial (HERMANN RICETER,
Reichstumultschadengesetz, 1 s.).
Diz o art. 1.538 do Código Civil: “No caso de ferimento ou outra ofensa à saúde, o ofensor indenizará o
ofendido das despesas do tratamento e dos lucros cessantes até o fim da convalescença, além de lhe pagar a
importância da multa no grau médio da pena criminal correspondente.” E o § 1.0: “Esta soma será duplicada, se
do ferimento resultar aleijão ou deformidade”. Ainda o § 2.~: “Se o ofendido, aleijado ou deformado, fôr
mulher solteira ou viúva, ainda capaz de casar, a indenização consistirá em dotá-la, segundo as posses do
ofensor, as circunstâncias do ofendido e a gravidade do defeito”. É elemento inicial da indenização o que se
gastou e se há de gastar com o tratamento do ofendido e no quanto se hão de indenizar todas as despesas de
transporte do demandante e de pessoas que hajam de fazer-lhe companhia, em caso de hospitalização. Médicos,
assistentes, remédios, enfermeiras, objetos indispensáveis ao confôrto do doente, seja no hospital, seja em casa,
têm de ser pagos, por conta do ofensor. Também se há de indenizar qualquer lucro cessante, perspectivas de
ganhos e aquisições, bem como de não exercer a profissão que exercia e a que ia exercer, e aumento de
despesas que resultasse da lesão (e. g., cuidados permanentes, ou de tratamento periódico). O pagamento há de
ser em dinheiro. Base para o cálculo é o que o lesado percebia e o que deixou de perceber (ou deixou e deixa), o
que teve de despender e o que tem de despender. Tudo que êle, se não tivesse havido a lesão, perceberia, tem de
ser computado. Qualquer enfermidade positiva, que não restitou, no todo ou em parte, do dano, é sem
relevância para a indenização. Cumpre, porém, advertir-se que a lesão pode ter concorrido para que outra,
posterior, fôsse mais grave, como se o que adveio não teria advindo se a lesão anterior não tivesse ocorrido.
Os assuntos referidos prendem-se à liquidação da obrigação de indenizar, mas tivemos de miudear alguns, para
que se veja a relevância da ofensa à saúde, ou ao corpo.
A referência às multas foi infeliz, porque tabelou o inatabelável e as inflações tornam obsoletas as quantias
constantes da lei penal. A solução há de ser a de se recorrer à avaliação.

Por outro lado, os “lucros cessantes até o fim da convalescença” só podem ser atinentes aos casos em que a
convalescença coincide com a completa recuperação da saúde e da aptidão para produzir.

4. LIBERDADE DE INDÚSTRIA E DE COMÉRCIO. Quanto ao problema da liberdade de instalação e


exercício de indústria ou de comércio, tem-se de atender, primeiramente, a que existem regras jurídicas
constitucionais limitativas, e podem ser a líbito das autoridades, ou não, as permissões. Na dúvida, não se têm
como a líbito das autoridades. Toda perturbação imediata é proibida, salvo se há justa causa, conforme texto
explícito sôbre a retirada da autorização ou concessão. Se há. infração do princípio de igualdade perante a lei
(princípio de isonomia), há ilicitude absoluta.
Nos dias de hoje, a intervenção na economia, sem observância da Constituição e da lei, que há de ser especial,
faz-se através de atos despóticos, quase sempre instruções e portarias, mas é difícil querer-se que haja ordem
jurídica, estabilidade e honestidade, nas ditaduras.

5.OFENSA AO CREDITO E OUTRAS OFENSAS. A ofensa ao crédito, como as expectativas de aquisição, ou


de ganho, ou a pressupostos para aumento de capital, ou de vencimentos, ou de aperfeiçoamento profissional, é
ato ilícito absoluto. Uma das causas mais freqúentes é a afirmação, ou a divulgação de fatos inverídicos, que
sejam causadores de danos. Basta que diminuam o nível de consideração pública, ou de aprêço em instituições,
ou em emprêsas, ou perante a clientela. Não é escusa a alegação de boa fé a respeito da verdade da afirmação,
ou da divulgação.
A ofensa ao crédito pode ser fora de qualquer referência à honra, ou à aptidão produtiva do ofendido. É o caso,
por exemplo, da notícia telegráfica, telefônica, ou pessoalmente transmitida, de que alguém vai pedir decretação
de abertura da falência, ou de outro concurso de credores, ou de concordata, ou que os produtos da fábrica estão
viciados por acidente de máquina. Não é preciso, no direito brasileiro, que o ofensor saiba que é falsa a
comunicação (isto é, que ela seja contra a sua convicção) : quem prevê ou tem de prever que o
aviso pode causar danos e o faz com culpa ou dolo eventual, é responsável, ainda que tenha a convicção de que
não é falsa a afirmação. Basta a negligência na admissão da verdade do que se divulga, pois devia conhecer a
falsidade, e calar-se, até que se conhecesse à risca o ocorrido. O ofensor tem o dever de conhecer a relação de
causalidade entre notícias e danos; não é obrigado a conhecer, em concreto, a provável causação.
A pessoa que afirma ou divulga a afirmação pode ter interesse justificado no afirmar ou no divulgar. Então,
sómente responde se conhecia a falsidade, ou tinha de conhecê-la. Aí, a afirmação ou a divulgação é meio
necessário para que a pessoa atinja finalidade juridicamente permitida (e. g., alegou a insolvibilidade da
emprêsa, porque o avisaram, na própria emprêsa, quanto à fuga do diretor).
Ao demandante de indenização incumbe o ônus de alegar e provar a inverdade da afirmação, feita ou divulgada,
e dos demais pressupostos para a responsabilidade.
Os atos de crítica social se não excedem às raias do razoável, quer dizer: se não importam negligência grave,
imprudência ou dolo escapam à categoria dos atos ilícitos. A crítica rigorosa de uma peça, sem a preocupação
direta de lesar, o conselho do sacerdote quanto à freqUência de determinada fita cinematográfica, ainda que
essa não constitua filtração dos regulamentos de cinematógrafo, a campanha de opinião contra certas obras,
tudo isso não poderia compor a figura jurídica do ato ilícito. Não caberia o pedido de reparação. Por exemplo:
os bispos, decidiu-se na França, podem aconselhar aos seus crentes que não leiam determinado jornal, revista
ou livro.
Tais atos alimentam a luta da vida, luta lícita das profissões, dos credos, das convicções, das morais, das
religiões, das opiniões econômicas. A tenacidade, com que se apresentem, a pujança, com que se terçarem as
armas, só perdem o caráter de atos lícitos, atos de batalha fecunda das idéias, quando falsearem, deslealmente,
os dados, ou quando injustamente firam a reputação. Pode-se negar a etiologia de determinada moléstia e
discordar do bacteriologista, do patólogo, que a sustenta; mas seria ato ilícito dizer-se que se trata de um
impostor: tudo que não seja a negativa de fato ou de interpretação, tudo que, em vez de afirmar ou negar,
injurie, deixa de ser dos domínios da luta licita para tisnar-se de ilicitude. Se o sindicato dos pedreiros põe no
index um dos empregados, ou alguns dêles, não se pode considerar isso ato ilícito; mas há a possibilidade da
ação de indenização, se o empregador ou algum dêles alega e prova que um ou x sindicados, por inimizade
pessoal, ou estelionato, ou qualquer outra causa, falsearam atos que se atribuem, ou prestaram informações
mentirosas e somente sôbre essas, ou principalmente sôbre essas, se fundou a represália do sindicato. O próprio
sindicato é o responsável se há difamações, ou se o único intento foi lesar, sem nenhum motivo de interesse
geral. Se o delegado de polícia que recusa atestado de moralidade, ou o médico que critica determinado produto
farmacêutico, ou o pai que consegue do filho não se casar com a amante, ainda que já existam filhos, ou o
empregador que dá informações de boa fé mas desfavoráveis a antigo empregado, não procedeu com o intuito
de lesar, sem os fundamentos precípuos da missão que lhe compete, como funcionário, ou como profissional,
ou como parente, ou como ex-empregador, não cometeu ato ilicito, que permita a reclamação de perdas e danos.
Se alguém intervém, por carta, ou oralmente, sem lhe serem solicitadas informações, junto do pai da noiva ou
do noivo, de modo que se rompa a promessa de casamento, e não tem com a noiva ou com o noivo ligações de
parentesco, que justifiquem a intervenção, fica responsável pelo dano.
Mas, aí, a gravidade do fato e o interesse de amizade aos pais, ou a um dêles, ou ao noivo, ou à noiva, ou a
algum parente de qualquer dêles, pode justificar a comunicação. Casos há em que o fato grave é conhecido e
apenas dêle não tinha conhecimento o informado (e. g., o noivo fôra processado e condenado, há anos, por
estupro, ou defloramento, ou roubo, ou assassínio, ou a noiva fôra presa por fazer comércio de entorpecentes,
ou dera queixa por ter sido deflorada).
A crítica temerária dá causa à ação de perdas e danos se, tendo consequências danosas, não se firma em dados
sólidos, nem suscetíveis de ser tidos como bastantes. Todas as pessoas devem evitar que atos seus causem danos
a outrem.

A responsabilidade das pessoas, que têm de decidir, ou de praticar atos conforme o interésse geral, depende da
existência de doto ou de outra cansa que não seja aquela função social. Por que decidiu assim? Essa é a
pergunta principal; e leva-nos ao problema da causalidade no direito, em tôrno do qual se assoberbaram teorias.
Abrir subscrição pública, a que o beneficiário se opõe, impedir alguém de testar, coabitar com abuso de
autoridade, ou com as circunstâncias dos arts. 1.548 e 1.549 do Código Civil, desviar a clientela de um
comerciante por meios desonestos, mentirosos, ou desleais (concorrência desleal), tudo isso é ato ilícito.
Do que temos dito se conclui que a causa do ato a determinação jurídico-psicológica é de importância capital.
A causa do dano pode ser duvidosa. Tal causa pode, sem ser duvidosa, levar, na prática, a indagações
doutrinárias. Qual é a causa do dano? E. BIRXMEYER respondeu: a mais eficaz. IKARL BINDING: a causa
decisiva, tricante, a que corta o fio dos fatos, a que bate; L. VON BAR: a causa anormal, a irregular; JOSEF

.~> a]
EOHLER: a causa dominante, a imperativa; A. voN KRIES: a causa adequada.
A questão de se saber se entre o ato ilícito e o dano existe relação de causalidade é questão de fato, sem que seja
preciso provar-se a necessariedade dos efeitos. Não se pode exigir do autor a prova do fato negativo de que o
dano não se produziria sem o ato ilícito, ou que não poderia ser conseqüência de outras circunstâncias. É ao réu
que incumbe alegar e provar que a relação de causalidade foi afastada, destruída, por fatos concomitantes, que
tiraram ao ato qualquer caráter de danosidade.
Diante de qualquer dano, a pergunta é sempre esta: quem tem de suportar os danos, a vítima ou o autor? A
responsabilidade causal pura de regra não se admite: é preciso, ainda a menos pesada, e imputável ao autor do
dano. Às vêzes, a causa estava mais no lesado do que no autor do ato, que não podia prever.
Na apreciação da ilicitude do ato, apresenta-se o caso de haver o lesado consentido no dano. Se o ato é delito
penal, toilitur quaestio: é ilícito; dá-se a cumplicidade penal. Assinna França, a júrisprudência assenta que os
herdeiros do que morreu em duelo podem reclamar perdas e danos. Desde que o consentimento da vítima
penalmente não a desculpa, tem-se de admitir, a despeito dêle, a responsabilidade.
Também se há de reparar o dano se por imprudência de um dos caçadores foi ferido o companheiro de caça.
Mas, quando não se trate de delito ou contravenção penal, o consentimento produz, de regra, o efeito de tornar
licito o que, sem êle, seria ilícito. Quanto à questão da capacidade de quem, em tais casos, consente, há de ser
apurada segundo o direito penal, nos delitos, e segundo o direito civil, nos demais atos ilícitos absolutos.
A regra volenti nou fit injuria não implica a notificação do consentimento do autor. Seria falsa a regra selenti
nou fit injuria; mas a própria regra volenti non fit injuria sofre exceções larguíssimas. Conhecer não é, só por si,
consentir; também para consentir não é de mister ser notificado, nem expressar ao autor o consentimento.
~ Quando, pelos danos causados por algum ou alguns conselhos, responde a pessoa que os dá? De regra, não
responde perante terceiros lesados pela decisão. Mas é inegável que pode haver a responsabilidade: a) se o fim
foi aproveitar-se da luta provocada, pelo conselho, entre duas pessoas, e a culpa foi sua, e não do informado, ou
não só do informado (exemplo: B aconselha a A que compre certo rebanho, que o aconselhante sabia doente,
com o fim de contagiar os carneiros de C, vizinho de A, pois há dois danos: um a A, morte dos carneiros
comprados ou de alguns dêles; outro, a C, contágio da moléstia aos carneiros de O) ; b) quando a decisão só
seria tomada se B aconselhasse; e B aconselha em virtude de profissão, mas incorre em culpa.
Poderíamos imaginar outras espécies.
O dano pode resultar de situações aparentes, criadas por outrem: dar a alguém crédito aparente; apresentar
concubina como mulher legítima; endossar ou aceitar letras de câmbio de favor. Para que qualquer dêsses atos
seja de ilicitude absoluta é preciso que dêle haja decorrido dano a terceiro, porque quem dá crédito aparente
assume dívida, quem apresenta corno mulher casada quem não o é, pode estar em vida matrimonial normal e
acolhida pelo meio social, quem endossa letra de câmbio de favor vincula-se cambiàriamente, bem assim quem
a aceita.
Semelhantemente, o que usa de direito, sustentado em sentença em grau de apelação ou recurso e o Tribunal
Superior reforma a decisão. O direito, que se cria tal, era apenas um fato. As nulidades dão causa a muitas
responsabilidades dessa espécie.
Pode haver responsabilidade pelo dano se não houve consentimento para a intervenção técnica ou profissional.
Exemplo: o médico operou a criança sem que os pais consentissem, e sem ser caso de necessidade e urgência.
Disse-se que tal médico não pode cobrar honorários, pois não houve contrato. Ora se a operação era
tecnicamente recomendável, e a pessoa se achava em hospital, ou em lugar a que, para vê-la, tivesse acudido o
médico, ou em situação semelhante somente provada imprudência, negligência ou dolo, pode haver
responsabilidade. Se dano não houve, os serviços prestados têm de ser pagos.
O processo temerário pode dar causa à ação de indenização. O Código Civil cogitou nos arts. 1.520-1.532 de
dois casos e outros há. A lide temerária é, em geral, aquela em que não havia nenhum fundamento para a ação,
de modo que se desenhe, no autor, inconfundível, a figura da culpa, ou se foi usada ação indevida, que constitua
abuso do direito, e. g., prisão . em vêz de arresto.
Temos de atender, agora, ao elemento subjetivo da culpa. O dano que o causador não podia prever não o torna
responsável. O carteiro entrega a alguém uma carta, que contém determinado gás mortífero. Aberta, morre o
recebedor. Não é responsável o carteiro: não podia avisar do perigo; não sabia. Decidiu-se na França que a
testemunha que designa à justiça uma pessoa, pela grande semelhança com o culpado, não fica, por isso,
responsável.
É preciso que o autor do ato ou da omissão tivesse previsto o resultado. Onde há força maior, não há
responsabilidade. Se alguém alega que não podia saber qual o ato ou omissão ore evitaria o dano, cabe-lhe
provar a impossibilidade em que se achava. Provar ou demonstrar. A doutrina quer que se presuma que a pessoa
podia prever as consequências de seu ato ou omissão. Dir-se-á que é presumir-se a culpa. Não é bem isso. Há
um ato ou omissão de que se conhecem efeitos lesivos: o que se presume é que como sói acontecer nos casos
ordinários tal pessoa estava a par, pelo médio conhecimento das coisas, das conseqUências do seu ato ou da
sua omissão. (Há decisão das Câmaras ReUnidas da Côrte de Apelação do Distrito Federal, a 18 de outubro de
1921, em que erradamente se traduziu o “faute” francês por fraude: “A indenização por prejuízos, perdas e
danos resulta sempre do ato ilícito, do dolo ou da fraude. . . “. Queria dizer culpa, “faute”. O mesmo está noutra
decisão do Supremo Tribunal Federal, 18 de janeiro de 1922, que o repete.) O que freqUentemente produz atos
ilícitos, há de reputar-se ato ilícito. O ônus da prova cria presunção de seguimento objetivo de fatos conhecidos.
Cresce de importância quando o ato é infração de leis ou de regulamentos (automóveis, ônibus, comboios).
Nesses casos, seria difícil a prova em contrário, e deve o juiz abster-se de indagações da previsão do agente: a
“contra-mão” proibe-se porque causa danos; a lei já o diz quando a proibe; portanto, seria absurdo que alguém
quisesse provar contra a presunção criada pela lei. A defesa teria de ser a de fórça ‘maior, a do estado de
necessidade, a de legítima defesa. Mas, então, estaríamos fora da questão.
As autorizações administrativas, as licenças, não obstam a que entre terceiros e os autorizados se criem
situações jurídicas. Assim, ainda que autorizada pela autoridade policial, a casa de tolerância pode ser
demandada, em ação de indenização, pelos vizinhos. Pode a companhia de estradas de ferro estar em rigorosa
observância dos regulamentos, mas isso n?~o impede que seja condenada por não oferecer a devida garantia aos
passageiros. Se isso vale para as autorizações, a fortiori quanto às concessões a título de experiência, ou de
ensaio, ou. por outro qualquer modo, provisórias.
Ofato de haver fiscalização, contrôle, ou aprovação do Estado não pode imunizar. O ato de direito
administrativo precata quanto às penas de direito administrativo; não, porém, quanto às penas e aç6es de direito
civil comum. O mais que se pode sustentar é que a autorização legislativa produz
presunção de não haver culpa; mas seria absurdo em todo o caso, no Brasil, como na França (onde há
jurisprudência>
espera-se que haja “presunção absoluta”. A administração verifica, com critério de direito administrativo, o que
se passa; o direito comum, que é o civil, não pode ser postergado: a aprovação administrativa pode não ser
adequada à realidade. Contra os que se apegam à opinião oposta bastaria advertir-
-se que, se o Estado, êle próprio, pode ser condenado pelo ato administrativo, através do Poder Judiciário, ou
pela própria aplicação de lei com que feriu direitos de outrem, ~ como havemos de sustentar que o direito
privado, em que se funda para pedir a decretação de invalidade de algum ato, ou, até, de uma lei, pudesse ter
poder absoluto para relações entre terceiros? Não queiramos estabelecer para a gestão dos negócios públicos
situações de fonte criadora de ordem presumida de perfeições.
Quanto às fábricas, a Alemanha, em 1871, adotou a responsabilidade dos empregadores, porém com a
alegabilidade da diligentia in eligendo et inspiciendo, se os danos relativos a tal serviço resultaram da culpa dos
prepostos. Em 1884, apareceu o seguro obrigatório e geral por acidentes, e protegeram-se os operários
vitimados, através das caixas públicas. É, positivamente, nos dias que correm, o melhor sistema de reparação;
porém não é, quanto aos sistemas possiveis, o meIhor. Uma das grandes vantagens é a de assegurar a
capacidade material do pagamento do prejuízo, o que se não daria no sistema atomístico-individualista, em que
a vítima não terá esperança de qualquer reparação, desde que não possua bens ou meios de solução o autor do
dano. A Áustria e a Suíça imitaram a Alemanha. Depois, a solução de técnica legislativa espalhou-se pelo
mundo.
Temos de considerar a indenização em caso de decreta ção de nulidade, ou de anulação, como extranegocial. O
negócio jurídico foi, não é mais. A culpa foi anterior ao negócio jurídico e anterior o ato lesivo. O fato de se
falar de culpa in contra flendo de modo nenhum há de ser entendido como alusão a culpa contratual. O ser extra
tanto pode ser ao lado como depois ou como antes. Nem seria admissível mie se assimilasse ou confundisse a
indenização em virtude do art. 158 do Código Civil com a indenização por inadimplemento de pré-contrato.
Se o caso era de nulidade, nenhum efeito se irradiou do negócio jurídico. Se de anulabilidade, com a anulação o
negócio jurídico é tido como se nunca tivesse existido (= nao foi). De jeito nenhum; a responsabilidade é
negocial.
A responsabilidade de quem deu causa à nulidade ou à anulação do contrato foi considerado por muitos juristas,
RUDOLF VON JHEItINO à frente, como respoitsabitidade negocial: a culpa seria in eontrahendo. Na França,
sustentou-o, largamente, RAYMOND SALEILLES (Êtude sur la Théorie Cénérale des l’Obligattons, 8~a ed.,
176 s.; cf. A. LEGROS, Essai d’une Théorie générale de la Responsabihté eu cas de nullité du contrai, 118 s.).

.~> a]
A doutrina anterior reputava extranegocial a responsabilidade (11. POTHIER, AITBRY e RAU, RENÉ
DEMOC-UE, COLMET DE SANTERRE). Cf. RENÉ DEMOGUE <TraiU des Obligations eu général, 1, 101
s.), M. MEIGNIÉ (Responsabilité et Contrat, 180) e J. AUBIN (Responsabilité delictzeelle e Responsabilité
contractuelle, 129).
Cumpre distinguir-se da reparação por ato ilícito absoluto (conhecia-se a causa da nulidade, ou da anulação) a
reparação por enriquecimento injustificado (desconhecia-se a causa da nulidade ou da anulação). Aquela
responsabilidade épelo damnum entergens e pelo lucrum cessans.
Se o contrato ou negócio jurídico unilateral, nulo ou anulável foi cumprido, no todo ou em parte, discute-se se a
responsabilidade é negocia] ou extranegocial. Uma vez que o sistema jurídico nega eficácia ao negócio jurídico
nulo, seria absurdo que se atribuísse negociabilidade à responsabilidade. Éo caso dos que assinaram contratos
ilegais, como, por exempIo, o de noivado. Se o contrato ou negócio jurídico foi anulado, tudo se desfez, e
havemos de considerar a reparação como assunto de responsabilidade extranegocial. Examinemos o exemplo
que deu RENÉ DEMOGUE: ao contrato de locação foi decretada a nulidade ou a anulação por ser menor o
locatário e houve, no intervalo, incêndios. Existe a responsabilidade pelos danos (uso indevido e perdas
oriundas do incêndio), mas com invocação das regras jurídicas sôbre responsabilidade extranegocial (M.
METCNIÉ, Responsabilité et Cou
trat, 174; sem razão, A. Lraiios, Essai d’une Théorie générale de la Responsabilité en cas de nullité du contrat,
163 e 166). Ao contrato foi decretada a nulidade ou a anulação, de modo que contrato não há, mas o ato ilícito
houve. O juiz tem de examinar a situação como se contrato nunca tivesse concluído e se há dever de reparação,
segundo os princípios.
Eis outro ponto digno de meditação: o contrato já está extinto (não houve invalidado e houve eficácia) ; um dos
contraentes, a despeito de ter entregue as chaves, penetra, com as chaves que tem, no edifício e causa danos; o
locatário da casa que tinha nome e o comércio, que explorava, usava-o para a clientela, muda-se para outra casa
e insere o nome. Todos êsses casos são da responsabilidade extranegocial.

6.DIREITo DE PROPRIEDADE E RESPONSABILIDADE ORIUNDA DE OFENSA COM ILICITUDE


ABSOLUTA. Quando se fala em violação da propriedade, há elipse, porque ofendido é o direito de
propriedade, a pretensão ou a ação, e não necessariamente ~ bem. A ofensa pode consistir em privação de
algum direito, pretensão ou ação que se prende ao direito de propriedade, como pode resultar de lesão à coisa,
ou ao seu uso, ou à sua fruição. A fumaça que invade o terreno ou o edifício, ou passa junto a êle, ao lado ou
por cima, ofende o direito de propriedade, porque atinge a usabilidade normal. Bem assim o ruído excessivo, ou
o mau cheiro. A entrada no terreno, ou no edifício, ou na piscina, ou no lago, que é parte integrante ou mesmo
pertença do prédio, é ato ilícito, que causa danos, ou os pode causar. A posse do que é de outrem, ou a tença,
fere o direito do proprietário, ou do possuidor próprio. Se foi outorgada a outrem a posse imediata, a posse
própria mediata pode ser ofendida por terceiro, como pode ser ofendida aquela. Se não há fundamento para
haver posse, a antijuridicidade pode causar danos.
O objeto do direito de propriedade pode ser corpóreo ou incorpóreo. Tanto há danos ao direito de propriedade
do edifício, ou de terreno, ou de caixas ou livros, como ao direito de propriedade intelectual ou industrial. Em
todos êsses direitos, quer se trate de domínio quer de direitos reais limitados, quer de direitos reais de garantia,
ou de posse, os terceiros estão pré-excluídos.

Cumpre observar-se que, a respeito da propriedade, quer de bem corpóreo, quer de bem incorpóreo, são
protegidos contra danos que terceiros causem, ou pelos quais possam ser responsabilizados, os direitos
formativos geradores, modificativos e extintivos.
Se o usufrutuário ou o usuário exerce de tal maneira o seu direito real limitado a ponto de causar dano ao
proprietário (e. g., L. 1, § 3, D., usufructuarius quemadmodum caveat, 7, 9), há a ação de indenização.
Conforme o art. 1.541 do Código Civil, “havendo usurpação ou esbulho do alheio, a indenização consistirá em
se restituir a coisa, mais o valor das suas deteriorações, ou, faltando ela, em se embolsar o seu equivalente ao
prejudicado (art. 1.543) “. Trata-se de ação pelo ato ilícito absoluto, ação de restituição, que não é ação
possessória. Não importa se o bem é fungível, ou infungível, consumível ou inconsumível, inclusive se é
suscetível de posse, ou se o não é. A indenização pode ser perdida, em vez da restituição, ainda que não se
prove ou simplesmente se alegue que não pode ser restituida: o pedido ou é de restituir como estava, ou com as
reparações, se houve deterioração, ou de indenização. Pode bem ser que o ofensor restitua e tenha de indenizar
o que importou diminuição do valor, ainda que resultante de baixa do preço. Se houve aumento do preço, não
há qualquer prestação ao ofensor. O aumento do preço só tem relevância se, em vez de restituir, o ofensor tem
de indenizar.
Conforme o art. 1.542, “se a coisa estiver em poder de terceiro, êste é obrigado a entregá-la, correndo a
indenização pelos bens do delinqUente”. Tal restituição só se opera mediante a indenização. Por outro lado,
pode o terceiro ter adquirido a posse e a propriedade, de jeito que não mais se possa exigir a restituição
conforme o art. 1.542.
Diz o Código Civil, art. 1.543: “Para se restituir o equivalente, quando não exista a própria coisa (art. 1.541),
estimar-se-á ela pelo seu preço ordinário e pelo de aferição, contanto que êste não se avantaje àquele”.
A reparação do velho pelo nôvo tem de ser para a substituicão
, mas, se a diferença de custo é desproporcional, a solução há de ser a da avaliação do dano, porque só interesse
especial encheria a grande diferença (cp. Farrz BAUR, Ruiwicklung und Reform des Schadensersatzrecht, 36
s.). O que primeiro importa é a restauração do estado anterior, se a lesão foi a coisa (HoasT NEUMANN, Der
Zivilrechtsschaden, Jkerings Jahrbiicher, 86, 291 s.).
As penas pecuniárias, no antigo direito alemão, eram tão grandes que os ricos se empobreciam e os pobres não
as podiam pagar, razão por que se abtinham de delinqUência.

7. ACIDENTES DO TRABALHO. Os acidentes do trabalho tiveram legislação especial, que, de muito, de jure
condendo, se reclamava. Seria insuficiente a técnica legislativa que se fundasse na culpa dos empregadores, ou
dos outros empregados. Percebeu-se que não se podia deixar ao exame judicial a larga margem que as ações de
indenização comportam (já assim, em 1876, cf. G. ECER, Das Reiehs-tlaftpfliehtgesetz, páginas XIX s., a
propósito das fábricas; CONRAD SCHENK, Die Haftpflicht aus Fabrik-Betrieb, 12 s).
É a seguinte a evolução da legislação alemã de seguros de acidentes: 1884, emprêsas industriais; 1885,
exploração de intercâmbio; 1886, explorações de terras e florestas; 1887, construções e acidentes da gente do
mar. Veio a Lei alemã de 5 de julho de 1900 e, depois, a Ordenança de 19 de julho de 1911
(Reichsversicherungsordnung).
A Lei austríaca foi de 28 de dezembro de 1887. Seguiu--se-lhe a Lei de 20 de julho de 1894 e, mais tarde,
quanto aos motoristas, o § 11 da Lei de 9 de agôsto de 1908.
Na Suíça, já em 1874 a Constituição Federal permitia regular-se o trabalho nas fábricas (art. 34). Mais tarde,
veio a Lei federal de 5 de outubro de 1899, rejeitada pelo referendo de 20 de maio de 1900, e o projeto de
Rundesrat de 10 de dezembro, que se transformou, após muitas alterações, na Lei federal de 18 de junho de
1911, ratificada pelo referendo de 4 de fevereiro de 1912.
Na França, houve a Lei de 9 de abril de 1898, sôbre a responsabilidade nos casos de acidentes de que são
vitimas os operários. Antes, prevalecia o princípio da culpa, com as modificações do Código Civil (PAUL
HIJBER, L’Automobile devant la loi, 185). Depois houve a Lei de 24 de maio de 1899, a Lei de 22 de março de
1902, a Lei de 31 de março de 1905, e a Lei de 15 de abril de 1906. Foi o seguro quase-obrigatório, diferente do
seguro obrigatório adotado pela Alemanha (Lei alemã de 6 de julho de 1884, emendada a 30 de junho de 1900),
pela Áustria (Lei de 28 de dezembro de 1887 e de 8 de fevereiro de 1909), pela Hungria (Lei de 6 de abril de
1887), pela Bélgica (Lei de 24 de dezembro de 1908), pela Dinamarca (Lei de 7 de julho de 1898 e 27 de março
de 1908), pela Holanda (Lei de 2 de janeiro de 1901 e Lei de 13 de janeiro de 1908), pela Itália (Lei de 17 de
março de 1898 e 29 de junho de 1903), pela Noruega (Lei de 23 de julho de 1894 e Lei de 30 de junho de
1909), pela Suécia (Lei de 24 de abril de 1901) e pela Suíça (Lei de 13 de junho de 1911).
A lei inglêsa de 6 de agôsto de 1897 e a Lei inglêsa de 21 de dezembro de 1906, a Lei espanhola de 80 de
janeiro de1900, e a antiga Lei russa de 2 de junho de 1903 ficaram no principio do risco profissional.
O regime do seguro obrigatório foi inaugurado pela Alemanha em 1888; o seguro contra a doença, pela Lei de
31 de maio do mesmo ano, modificada pelas Leis de 10 de abril de 1892, 30 de junho de 1900 e 25 de maio de
1903.
No Brasil, a legislação sôbre acidentes do trabalho provém de 1919. A Lei n. 8.724, de 15 de janeiro de 1919,
art. 1.0, considerou acidentes no trabalho, para os fins da lei:
a) o acidente que foi produzido por alguma causa súbita, violenta, externa e involuntária no exercício do
trabalho, determinando lesões corporais ou perturbações funcionais, que sejam a causa única da morte ou perda
total, ou parcial, permanente ou temporária, da capacidade para o trabalho; b) a moléstia contraída
exclusivamente pelo exercício do trabalho, quando êsse fôr de natureza a só por si causá-la, e desde que
determine a morte do operário, ou perda total, ou parcial, permanente ou temporária, da capacidade para o
trabalho, Uma vez que o acidente ocorreu “pelo fato do trabalho” ou “durante” o trabalho, vinculado fica o

.~> a]
patrão (art. 2.0) a pagar indenização ao operário ou à sua família, “excetuados apenas os casos de fôrça maior
ou dolo da própria vitima ou de estranhos”.
No art. 26 diz-se que “é nula de pleno direito qualquer convenção contrária à presente lei, tendente a evitar a
sua aplicação ou alterar o modo de sua execução”.

8. PRINCIPIO DA PRIMAZIA DA REPARAÇÃO EM NATURA. Surge a questão da reparabilidade em


dinheiro sem que seja impossível a reparação em natura. O princípio da primazia da reparação natural estava no
Preussisúhes Alígemeines Landredil 1, 6, §§ 79, 80 e 81, mas a interpretação admitiu que se tratasse como
impossibilidade e desproporcionalidade do sacrifício do lesante. No direito brasileiro, não se deu a
primariedade à reparação em dinheiro (principio da primazia da repara ção pecuniária). O que se há de entender
é que a regra jurídica do art. 1.534 do Código Civil é princípio geral, a despeito das críticas ao princípio da
primazia da reparação em natural que fêz H. DEGENKOLB (Die spezifische Inhalt des Schadensersatzes,
Arehiv fiir die civilistische Praxis, 76, 1-88). Quanto às ofensas ao direito de propriedade e à posse, tem-se de
atender a que há ação de reparação na rei vindicatio. na vindicação de posse, como nas outras ações
concernentes àposse, mas perdem o caráter de direito das obrigações (E.
P. F. Du CHESNE, Der Schadenersatz bei Verletzung absoluter Rechte, Sdchs. Archiv, 12, 22). O dever de
reparar não parte da entrega de quantidade de dinheiro, que cubra os prejuízos. Tem-se de recriar estado de
coisas que no momento (já) não existe, mas, primáriamente, pela restituição, ou pela prestação em natura, que
opere a substituição do inexistente pelo que existe. Se foi quebrada a estátua de A que B esculpira, a reparação
somente pode ser com outra estátua de A, se E fizera duas iguais.
O princípio apanha os danos emergentes e os lucros cessantes. A satisfação há de ser completa, integral, se
possível; não basta, em princípio, a reparação econômica. O remendo da roupa é insuficiente, bem assim a cura
do ferimento, que deixou cicatriz, ou impede o uso da mão ou do dedo. De qualquer modo, a ratio leqis consiste
em se assegurar ao lesado a situação econômica e social (principalmente moral) que teria o lesado se o fato
ilícito absoluto não tivesse acontecido. Se a reparação natural é praticável, a ela é que se há de condenar o
lesante.

Se, com a reparação em natura, não se obtém a volta a& estado econômico anterior, o legitimado ativo pode
escolher entre a reparação em natura mais o elemento pecuniário que complete a reparação, ou a reparação
somente pecuniária. Frise-se a combinação de pressupostos um, necessário, e outro, optativo para a reparação
em natura: possibilidade e suficiência. O segundo mostra que os dois critérios, o da reparação em natura e o da
reparação pecuniária, não são critérios incompatíveis.
Às vêzes o tempo exerce papel de relêvo. Se A encomenda a E a casaca para a festa do dia tal, dando x
cruzeiros adiantados, como pagamento parcial, e E não apronta a casaca, A pode cobrar a B o que lhe custou a
mais a casaca feita, que comprou na loja C, ou o que pagou por aluguer. Se quer ficar com a casaca, só tem de
completar o pagamento, diminuídas as despesas (isto é, o custo a mais da casaca feita, ou o aluguer).
O princípio da primazia da reparação em natura não protege apenas o lesado. Se o objeto quebrado é
perfeitamente fungível como é o caso do vaso de cristal da fábrica tal, número tal o autor do dano pode
entregar outro, nôvo, da mesma qualidade e tamanho. Se há diferença, como se o vaso quebrado tinha
assinatura, ou iniciais, que os outros não têm, como é o caso do livro que A perde mas tinha anotações , ou
dedicatória do pai de A, ou de alguém de projeção social ou intelectual, há valor a mais, que tem de ser pago.
Se A tem carro de cavalo e entrega a B, construtor de carruagens, mediante retriruição, e roubam o carro que
estava na oficina de E, pode A exigir de B que obtenha outro carro, igual ao seu, ou que construa outro igual, e
não se satisfazer com reparação em dinheiro. O próprio direito romano tinha a L. 9, pr., D., locati conducti, 19,
2. (ULr’IANo), em que se fala da opinião de POMPÔNIO a propósito do locatário que perde a posse da casa
alugada, por ter havido reivindicação, sem se caracterizar má fé do locador, e êsse se prontifica a entregar outra
casa não menos cômoda. Pareceu-lhe mui justo, para absolvição do locador (“locator paratus sit aliam
habitationem non minus commodam praestare, alquissimum esse ait absolvi locatorem”). O “paratus sit” mostra
que havia facultas alternativa para o locador (cf. THEODOR GIMMERTHAL, Die Lehre vom Interesse, 48 s.),
sem que então se pudesse constringir o devedor à reparação em natura (1-1. DEGENKOLB, Der specifische
Inhalt des Schadensersatz, Archiv filr die civilistisehe Praxis, 76, 11). Se o objeto era velho, ou já usado, não é
por outro velho, ou já usado, que se há de substituir, salvo se a velhice ou o uso lhe aumentou o valor, o que
raramente se dá. Discute-se se, com a grande diferença de valor entre o velho ou usado e o nôvo, tem o lesante
algum direito a diferença. A afirmativa só se pode basear na eqUidade e foi isso o que sustentou PAUL
OERTMANN (Die Vorteilsausgleichung beim Schadensersatzanspruch, 237). Porém temos de advertir que
somente a grande diferença de valor justificaria essa prestação compensatória e que nem sempre o ser nôvo
corresponde a mais valioso. O responsável tem de reparar, de jeito que pode comprar outro, de igual uso, se
mais lhe convém.
Se o que o responsável presta não atinge, em valor, o que teria de ser reparado, há a prestação em natura e o
plus pecuniário.
A reparação do dano ou é pela substituição do bem ou consêrto, ou pela indenização. Ali, repara-se em natura;
aqui, pela equivalência em dinheiro. Ali, refaz-se o estado antenor; aqui, ressarce-se. Ali, não há operação
aritmética; aqui, sim, porque falta à indenização a integridade reparativa. Se a reparação em natura é
impossível, ou difícil, só existe um caminho para se cobrir o que o fato ilícito absoluto descobriu: a reparação
equivalencial, ou por dinheiro. Algumas vêzes, as leis, diante da impossibilidade ou deficiência da reparação
em natura, ou da indenização pecuniária, dá soluções que lhes pareceram mais razoáveis e mais fáceis. São
exemplos a prestação de alimentos às pessoas a quem o falecido teria de dar, a “multa” ou “duplo da multa”, em
caso de ferimento ou outra ofensa ao corpo ou à psique, o “dote” à mulher agravada em sua honra.
No direito romano, o que vinha à frente era a reparação ~m dinheiro. Nos direitos germânicos, a reparação em
natura. Exemplo de cada momento era a fungibilidade dos animais mortos ou feridos. Dava-se o mesmo com os
frutos e as vinhas. Só se pensava em reparação em dinheiro se não era praticável a restituição em natura.
A reparação natural pode consistir em dinheiro. Pede A a E que leve a C, seu amigo ou seu filho, em Nova
Torque x dólares, pois E chegará no comêço do mês quando C precisa do dinheiro. E não procura C, nem lhe
telefona para que vá ao hotel, em que se acha, receber as cédulas. Com isso, fêz A, a quem C telegrafou, ter de
enviar outros z dólares, com perda de aplicação durante três meses, além de prejuízos para O. Há a ação de
indenização, diz-se; não, porque a ação, aí, é de reparação em natura. A reparação em natura também pode ser
em dinheiro. A prestação em cruzeiros é que, in casu, seria pecuniàriamente indenizatória.
A reparação em natura há de ser feita pelo lesado, ou por oferta dêle a algum técnico, ou profissional. Não pode
o lesante exigir que se lhe entregue o bem para que o consêrto se faça, ou mesmo para que se substitua o objeto
quebrado. O pagamento direto pelo demandado significa que a reparação foi em natura. Idem, se o lesado
apenas foi intermediário. O princípio apanha os danos patrimoniais e os não-patrimoniais.
Se o credor exige a quantia exata para a aquisição do objeto, que há de ser substituído, é quaestio facti a de se
saber se a reparação foi em natura, ou em pecúnia. Se A e E foram à loja e encontraram objeto igual ao objeto
de A, que E quebrara, e E deu a A o cheque da quantia exata, ou a quantia em cédulas, houve, a despeito da
passagem do cheque ou do dinheiro pela mão de A, reparação em natura. Quem comprou foi E, que, em caso de
vícios redibitórios, tem a ação de rescisão do contrato de compra-e-venda. Não importa se o recibo foi em nome
de A ou de E. Não se dá o mesmo se E entrega o dinheiro a A para que compre, porque, então, fica a líbito de A
comprar ou não comprar. Se compra e há vicios redibitórios, legitimado ativo 4’ A.
Com a faculade alternativa, o credor pode exigir a) a possível reparação em natura, ou b) o quanto de valor. Se
o credor escolhe a), ou se escolhe b), não mais pode revogar a sua manifestação de vontade. Nada obsta a que,
em vez de escolher, o credor deixe ao devedor, ou ao juiz, a determinação. A mora accipiendi do credor não tem
o efeito de fazer passar ao devedor a facultas alternativa, nem pode o devedor interpelar o credor para que faça
a escolha (TE. KIPP, em E. WINDSCI-IEID, Lehrbuck des Pandektenreckts, II, 31). Discute-se se o credor
pode fazer o pedido sem a eleição, para que> durante o processo, exerça a facultas alternativa, ou se tem de
escolher ao propor a ação. O que se há de entender é que somente tem de escolher se já se está na fase executiva
(O.G.VON WACHTER, Erôrterungen, III, 117), ou se manteve a. alternatividade, ou se o juiz tem de decidir
quanto à reparação em natura ou em dinheiro. Advirta-se que se está a supor a possibilidade da reparação em
natura. Onde a reparação é impossível, ou se tornou tal, a reparação há de ser pecuníária, e no que ela o é, se
cabe, na espécie, a reparação parcial em natura.
~ Quid inris se foi o próprio credor que tornou impossível a reparação em natura? Em verdade, escolheu.
Se o total dos benefícios, dos lucros, aritmeticamente supera o total dos danos, não houve dano que se haja de
reparar. Ou o valor do patrimônio permaneceu o mesmo, ou houve enriquecimento, sem que se possa pensar em
enriquecimento injustificado. O que o lesado ganhou é dêle; com êle fica. O que o sistema jurídico colima é que
não haja empobrecimento por ato, ato-fato ou fato de que outrem seja responsável, nem enriquecimento
injustificado. Há a compensatio lucri cum damrto, mas intrínseca; e não o instituto da compensação dos lucros
com os danos, a compensação do crédito com a divida. O que se passa é absolutamente estranho ao que se
disciplina no Código Civil, arts. 1.009-1.024. Os juristas não têm prestudo a devida atenção ao fato que é
crucial de não haver da parte do lesante, débito e crédito, isto é, não haver a e + b, e sim (ab). Êle deve a, ou

.~> a]
(ab), que pode ser quantia pequena, ou alta, ou mesmo zero. Há unidade, e não pluralidade, de modo que é
dentro do crédito pela reparabilidade que se dá a compensação, puramente matemática, e não jurídica,
institucional.
Surge o problema de tal compensação intrínseca, inclusa, em casos de reparação em natura. Por exemplo:
sofreu A a deterioração de parte da casa pelo fato da queda da pedra, que veio da construção de E, mas A
planejara abrir o fôsso para ter água, que lhe faltava e o custo seria x, muito maior que a reparação do dano à
casa, e a pedra, que tombou, provocou grande derrubada de terras, de que resultou achar-se o fio de água
suficiente (cp. ERNST EICHHOFF, Uber die Lehre von der compensatio lucri cum damno, 129). A questão,
levantou-a ERNsT EICHHOFF; o exemplo é nosso. A solução que damos é óbvia e clara: o demandado pode
alegar e provar que do fato considerado ilícito não adveio prejuízo, porque houve
z e + x, ou x e + x~, ou x’. Por isso mesmo se E quebra a escultura de que é dono A e há outra igual, pode A
entregar a B (ou B exigir de A) o que foi quebrado, para que lhe preste a outra em estado perfeito.
Nem sempre o dano materialmente parcial é econômica e juridicamente parcial. Há máquinas, por exemplo,
que, por ser quebrada uma peça, não valem mais nada, ao passo que o boi morto pelo golpe do brincalhão pode
ter o valor da carne e de outras partes do corpo. Se o dono vende os restos, tem-se de descontar o que êle
apurou (II. WALSMÂNN, Compensatio lucri cum damno, 80 s.). Se o credor resolve não vender e o comunica
ao lesante, para que lhe indenize o prejuízo total, ou lhe repare em natura o dano com a prestação de outro touro
da mesma qualidade, o animal morto ou ferido tem de ser entregue ao responsável que solve a dívida, ou
deposita para a solução da questão jurídica. De qualquer modo, se, ciente, não retira o animal morto ou ferido,
os riscos são do responsável pela reparação. Cf. PAUL OERTMANN (Pie Vorteils’ausgleichung beim
Schadensersatzanspruch, 15, 206 e 306 s.).
O’ que se “entrega” ao responsável pode ser direito, pretensão, ação, ou exceção (sem razão, PAUL
OERTMANN, Pie Vorteilsausgleichung, 240), porque há, aí, dever de cessão.
Para que se contem os benefícios e se subtraiam aos valôres dos danos, têm-se de avaliar uns e outros. Quando
havia o princípio da primazia da reparação em dinheiro, era fácil a computação dos benefícios. Sob o prindpio
da primazia da reparação em natura, a avaliação é indispensável, quer do que fica com o lesado, quer do que
sai, quer do que êle recebe. O que é de grande relevância é frisar-se que a dívida é uma só, de jeito que se não
compensa crédito com dívida:
a compensação intrínseca é matemática, interna e não externa (entre credores) ; não supõe exercício do direito
formativo extirttivo por parte de um. dos credores (cf. Tomo XXIV, §§ 2.969 e 2.976) portanto, a alegação (§
2.976, 5). Se o lesante não objeta contra o importe do que se lhe cobra, o que se há de entender é que achou
legítimo o que se lhe cobrou.
Para que se computem os benefícios, os lucros, há de haver causalidade entre o fato de que se originou o direito
à indenização e êles. Por que êles são elementos internos, positivos, dos danos. A causa há de ser a mesma
(quem primeiro o frisou foi Fiz. MOMMSEN, Zur Lehre vom Interesse, 193), sem que se haja de apurar a
imediatidade ou a mediatidade. Atos múltiplos podem apresentar unidade. Por exemplo: E pôs a máquina a
trabalhar e o braço da máquina quebrou as telhas do vizinho, onde se alojava a rapôsa que muitos danos
causava às criações, sem que o dono da fazenda soubesse de onde ela vinha; e o maquinista, em segundo
movimento, pegou a rapôsa, com os dentes de ferro.
A entrega do bem lesado ao responsável, seja da propriedade, seja da titularidade de direito pessoal, como a
cessão de direitos, de pretensões e de ações, para que a reparação em natura (objeto nôvo) ou em dinheiro seja
total, supõe que a reparação exceda o dano total. Não se pode dizer que aí não há a conexão causal, pois que há
a unidade do bem jurídico. Não há negócio jurídico entre o lesante e o lesado, salvo se as circunstâncias não
tornaram razoável a entrega, e houve acôrdo entre êles, sem o qual a prestação com excesso não se justificaria.
Se E perde a jóia de A, indeniza totalmente o prejuízo, e mais tarde é encontrada, o pagamento ou a coisa
julgada impede que A exija a jóia, salvo se foi prevista a restituição em caso de encontro do bem perdido.
Se há mais de um responsável, com solidariedade, e um dêles paga tudo, ficando com o bem danificado ou com
as prestacões e ações (cessão ao pagante), somente pode invocar o art. 1.518, parágrafo único, do Código Civil,
com a observância do art. 1.520, isto é, tem de só exigir a quota na indenização do prejuízo causado, e não no
total do que pagou. solve se o que recebeu divisiveis e se prontifica a prestar a quota no bem ou nas pretens6es
ou ações .

Se o animal pertence a A, que encarregou C de cuidar’ dêle, e o animal causa dano a B, com o pagamento da
indenização por B a A, tem B as ações que teria A contra O. Não as tem C se foi êle que indenizou.
Se A fêz contrato de depósito com C e, com negligência de C, B furta o bem depositado, sobrevindo a
indenização por C, tem êsse direito a exercer contra B as ações que caberiam a A. Aliter, se a indenização foi
paga pelo próprio ladrão’.
Transferem-se as ações reivindicatórias, a negatória, a de reivindicação da posse, as possessórias e as pessoais
(indenizatórias).
Uma das conseqúências da compensatio iueri mim damno, em se tratando de computação de benefícios se o
fato foi fato ilícito absoluto, é a de não ser exceptio (aliás, no direito brasileiro, a alegação da compensação
entre créditos não Tio
Tomo XXIV, § 2.969, 8, também sôbre o êrro do Código suíço das Obrigações, art. 571, alínea 3?), nem direito
formativo extintivo. A sentença tem de examinar as circunstâncias e decidir sôbre o quanto da indenização, ou
da reparação em natura, total ou parcial, atendendo-se a que o credor é que escolhe a solução com a entrega ou
sem a entrega.
A lesão à pessoa dá origem a dano não patrimonial, mas que pode ter conseqUências não patrimoniais. Por
outro lado, o dano a coisa pode não ser, propriamente , patrimonial e conter ofensa a interesse de afeição.
O lesado tem o direito a fixar prazo para que o lesante proceda à reparação em natura, se essa é possível. F’indo
o prazo, o lesado pode negar-se a receber o objeto que poderia substituir o objeto lesado, ou a permitir o
consêrto. Transcurso o prazo, a indenização é o único meio de solução. Com isso, retira-se ao demandado a
dilatabilidade do tempo para a reparação. Aliter, se o credor já escolheu a reparação em natura. Trata-se de
manifestação de vontade receptícia, feita a qual se há de entender que o demandado preferiu reparar em
dinheiro. A figura é a de ato jurídico stricto sensu, e não a de negocio jurídico unilateral, como pensavam
muitos juristas. <~Quid inris, se o prazo é demasiado curto? Ora, o credor porala escolher; e escolheu.
Escolheu, com margem para que, dentro de determinado tempo, o devedor prestasse em natura.
Quem pode o mais pode o menos. Expirado o prazo, nem o devedor se pode liberar com a reparação em natura,
nem o credor pode exigi-la.
A sentença pode condenar o devedor a indenizar, ou a reparar em natura, com a entrega pelo lesado do objeto
ofendido, ou os restos dêle. A citação, na ação executiva, há de conter a prestação (+ x li), a fim de que o
demandado receba o que há de receber, definitivamente, ou para reparação em natura. A entrega é pressuposto
para que se proceda à penhora. Se é preciso haver cessão de direitos, pretensão ou ação, dá-se o mesmo: o
negócio jurídico da cessão é pressuposto, como o seria a escritura pública de transferência, ou outro
instrumento necessário à transferência.
9. DANO, TEMPO E LUGAR. A causalidade, nos danos, supõe tempo e lugar. Tem-se de partir do lugar e do
tempo em que o fato ilícito absoluto, largo senso, ocorreu.
(a) Para a responsabilidade negocial, o que é de relêvo é o momento’ em que se presta, ou em que se deixa de
prestar, ou em que se presta insatisfatôriamente. Há o momento cm que se há de prestar. Para a responsabilidade
extranegocial, o momento em que o fato ilícito absoluto ocorre é o ponto de partida, sem que se possa negar
possibilidade de mudanças concernentes à extensão dos danos.
No momento em que se propõe a ação tem o autor de referir-se ao ato ilícito absoluto, ao ato-fato ilícito ou ao
fato ilícito absoluto stricto sensu, bem como ao que aponta como dano e ao que prevê ou espera como
conseqUência do fato ocorrido. Se, porêm , depois de iniciar a demanda, ou mesmo depois de ter sido proferida
a sentença, o dano cresce ou decresce, não se pode considerar o pedido como restrito ao que consta da inicial e
indilatável. Primeiro, porque os sistemas jurídicos de hoje não se podem ater ao princípio romano do momento
da Luis contestatio. Segundo, a sentença há de apreciar e considerar todas as circunstâncias anteriores, mas sem
se fecharem as portas, a priori, à pretensão à tutela jurídica. O próprio juiz, ao decidir, há de levar em conta as
possibilidades futuras.
Ao ter de apreciar os fatos futuros, o juiz decide sem margem para que, após a coisa julgada, se aleguem e
provem aumentos ou diminuições dos danos, a sentença trânsita em julgado fecha as portas ao demandante e ao
demandado. Nem há condictio sine causa (KoNRÃn HELLWIG, Anspruch und Xtag?echt, 107; sem razão, F.
JAGER, fie Umwandlungsk iage, 24). Aliter, se em processo anterior, ou se no pedido, se frisou que se pós de
lado a definitividade para se admitir que se a’ entendam danos positivos ou lucros frustrados. Aí, a res twdicata
não é óbice à nova demanda, para. que se condene em mais, ou para que se restitua. E a opinião afirmativa de
PAUL OERTMÀNN, que aplaudiu jurisprudência, não pode ser acolhida. O interessado também pode propor a
ação declaratória, referindo-se a danos presentes e futuros, deixando para depois a propositura da ação de
condenação, quando lhe pareçam que os danos estão fixados.
Se foi condenado o demandado a prestar renda, tem-se de examinar a sentença para se verificar se há, ou não, a

.~> a]
coisa julgada material, a fim de se responder se não se pode, ou se se pode intentar nova ação, por ter havido
agravamento ou diminuição dos danos futuros.
Se houve a sentença, porém ainda pende recurso ordinário, com a mudança das circunstâncias, mesmo se não
prevista na decisão, pode o interessado requerer a retificação, pois aí não há ofensa à coisa julgada.
(b) Quanto ao lugar, tem êle relevância para se saber onde se hão de fixar a existência e a extensão do dano e
onde se tem de prestar a indenização. Onde houve o dano, aí se tem de indenizar em natura, ou em pecúnia.
Pode ocorrer que o bem tenha sido transportado e no lugar em que se acha é que se deva consertar, ou substituir.
A avaliação dos danos nem sempre se pode ultimar no momento em que se propõe a ação, ou em medida
cautelar. Nem sempre a petição pode dizer o quanto que se pede, se a reparação não é em natura. Não há o
princípio de ter o autor de se referir ao importe dos danos sofridos, nem, sequer, a todas as suas conseqüências .
O que há de ser apontado é o ato ilícito absoluto, o ato-fato ilícito absoluto ou o fato ilícito stricto sensu
absoluto. Os danos, mesmo se explicitamente mencinados, podem ser somente os que se conheciam, ou que
temam ocorrido.
Quanto aos lucros frustrados, cumpre acentuar-se que não é preciso que ao lesado o fato ilícito absoluto impeça
a aquisição imediata do direito: basta que não seja contra direito o que o lesado poderia praticar, e o dano não
mais o permita (cf. R. COHNFELDT, Die Lehre vom Interesse nach schent Recht, 93-97; cp. L. 26, D., de
damn’o infecto et de suggrzcnd’is et proiectio’nibus, 39, 2). O lucro tem de ser alegado e provado; porém de
modo nenhum se exige que, no momento em que ocorreu o dano, a frustração já seja previsível. Mesmo depois
da propositura da ação pode manifestar-se a causalidade, que o autor ou todas as pessoas desconheciam.
Produzido o dano, inclusive frustrado o lucro, pode o demandado, ou o responsável contra o qual ainda não se
propôs ação, cuidar da reparação ou da atenuação das conseqüências . Se o fato ilícito absoluto atingiu a
máquina e a suspensão da atividade do lesado pode dar ensejo a futuros lucros frustrados, nada obsta a que a
pessoa, que o ofendido reputa responsável, peça ou requeira a entrega de outra máquina, sem que, com isso,
reconheça a dívida ou o valor da dívida. Também pode requerer o depósito para a aquisição imediata, sem que
confesse a dívida, ou anua na fixação do quanto devido.
Se a decisão é contrária à responsabilidade, o autor que aceitou a prestação cautelar, em natura ou em dinheiro,
tem de restituir o que recebeu, com a prova da conservação, ou com a correção monetária mais os juros ou
interesses, porque quem se dizia lesado não o fôra e teve os lucros com o capital alheio. Tudo se passa como a
respeito do enriquecimento injustificado.

10.INTERESSE PRÓPRIO E INTERESSE ALHEIO. Há, evidentemente, no direito contemporâneo, a ligação


da responsabilidade extranegocial às circunstâncias subjetivas do lesado. Se o legitimado ativo cede o crédito,
com isso não cessa a possibilidade de se agravarem os danos, ou de diminuir o valor dêles, inclusive pela
aparição de benefícios, ou o aumento deles . A pessoa do cedente continua a ser o ponto central. Por isso
mesmo não se pode dizer que o momento da cessão é que é decisivo <sem razão, ANmirãAs VON TUER,
Eigenes und fremdos Verschulden hei Schadensersatz aus Vertrãgen, Grúnh”ts Zeitschrift, 25, 558). A pessoa do
credor é que importa, mas o crédito, por sua origem, continua ligado às circunstâncias pessoais e variável como
se continuasse como surgira, apesar da cessão.
Se o bem foi vendido e transferidas a propriedade e a posse ao comprador, mas continuou no depósito do
armazém, para que o adquirente o apanhasse, e sobreveio incêndio procedente do edifício vizinho, o vendedor
tem a ação de indenização contra o responsável pelo incêndio, porque tinha de entregá-la. Tem a ação, também,
o comprador. O que é preciso é que o credor esteja em relação jurídica com o terceiro, que lhe permitia (ou que
lhe imponha) a defesa do interesse do terceiro. É sem relevância se o responsável conhecia ou não a relação
jurídica entre o credor e o terceiro (E. REGELSEERGER, Ersatzpflicht aus Vertràgen fflr den Schaden, den
durch den Vertragsbruch em Dritte erleidet, Jherings Ja.hrbitcher, 41, 275).

11.INTEI~És5E DE AFEIÇÃO. Interesse de afeição ou valor de afeição, distinto do interesse comum ou valor
comum, é interesse ou valor meramente subjetivo, embora possa ocorrer que o cão, que A tanto estima e que
não considera substituível por outro qualquer, seja de valor estimativo para A e B, seu vizinho ou amigo. Não
seria justo que alguém, que reputa sem valor o cão de A, o mate e somente tenha de indenizar pelo preço pelo
qual os interessados em cães o comprariam, ou não tenha de indenizar porque só A lhe dava valor.
A lesão pode ser a direito ainda não adquirido, porque a lesão a atividade da pessoa se projeta para o futuro e se
tem de pensar em lucros que se teriam se o dano não tivesse ocorrido (infeliz a referência de J. Eosc, Essai sur
Les élérnents constitutifa du délit civil, 7).
A colisão de interesses pode ser nômica ou antinómica, como se A podia exercer direito hoje e B amanhã, mas
A exerceu nos dois dias, ou se B exerce direito que de maneira nenhuma poderia exercer (cp. NICOL-SPEYEII,
Systematiscke Thcorie des heutigeu Rechis, 151 s.). Ali, o interesse nômico choca-se com o interesse
paranômico; aqui, com o antinomico.

§ 5.511. Momento em que se avalia o dano

1.PEDIDO DE INDENIZAÇÃO E PRESTAÇÃO DO QUANTO INDENIZATÓRIO. Quem sofre dano pode


pedir, imediatamente após o ato ilícito, ou o ato-fato ilícito, ou o fato atricto sensu ilícito a reparação, ou
aguardar outro momento para fazê-lo. Uma vez que a pretensão nasceu, há prescriptibilidade e praclusividade,
conforme a espécie. Mas, enquanto não se presta, a reparação é daquilo que sofreu e sofre o patrimônio, pelo
fato do dano. A peça de máquina, que foi roubada no fim do ano e subiu de preço no ano seguinte, ou em
qualquer ano em que se preste a indenização, não pode ser substituida pelo preço que era o do momento do
roubo, se tal preço já foi ultrapassado.
Quando se fala da esfera jurídica de outrem supõe -se que ela possa aumentar ou diminuir, inclusive com
ilicitude relativa ou absoluta, de modo que se alude à esfera jurídica de cada momento. O fato lesivo e não só o
ato Lesivo pode ser positivo ou negativo. As leis e os negócios jurídicos, eu os próprios atos jurídicos stricto
sensu traçam o limite. Se a policia proibiu que se jogue ou se deixe cair neve dos telhados em lugar perigoso,
ou papéis ou fósforos ou outros objetos nocivos, o perigo apenas foi pôsto em comunicação de conhecimento,
porque se lhe supõe a existência quanto aos danina futura. Pode tratar-se de comunicação de que se espera
dano proveniente de omissão, ou de omissão lesiva sem ter havido qualquer comunicação (cf. GEORG
BEERMANN, Findet die lex Aquilia hei Unterlassung Anzoendung?, 7-12; quanto à discussão, em direito
comum; cf., em sentido afirmativo radical, DE VRIES, De Delictis oonissionis, 46; contra, OERSTED, Úber
die Grundregem der S’traf.qesetzgebung ana dem Dtt’nischen, 24 s. e 510 e.; em sentido de tratamento igual,
quanto à causação pelo ato e pela omissão (HEINR. LTJDEN, Abhandlungen aus dem gemeinen teutschen
Strafrechte, IT, 221; HEINRTCH ERER. VON DER RETTENBURG, lhe Áquiliache Haft’ung wegen
Unteríassung nach gemeinem Recht, 17).
A culpa deve ser apreciada no momento em que se deu o ato lesivo; isto é, o ato de que provém o dano, e não o
dano mesmo. Podem ser, no tempo, assaz distantes. Assim, são responsáveis as companhias de navios ou de
aeroplanos que, na ocasião da saída, não os muniram dos aparelhos recentemente descobertos e já aCessíveis. A
jurisprudência francesa decidiu que tem de reparar o dano o proprietário do ascensor que não o dotou de
aparelhos de segurança recém-descobertos, salvo se para isso havia grandes dificuldades.
Se a culpa foi no momento a e o dano no momento e, a relação causal está estabelecida, pôsto que pudesse o
culpado tê-la afastado no momento b. Para isso teria de eliminar todos os elementos que poderiam levar ao
resultado danoso. Quem põe a bomba para que exploda no momento c e no momento imediatamente anterior se
arrepende e a retira a tempo de não ser lesiva a explosão, responsável não é porque não houve danos.
Responsável há de ser por danos que a explosão cause, a despeito do gesto da retirada, e até pelos danos que
sofram as pessoas que correram para se livrarem das chamas, ou mesmo da bomba que não explodiu. O ato
culposo persiste como causador, a despeito de mudanças de intenções e de atos eliminatórios insuficientes.

2. INTERÉSSES. Os juros são prêmio pelo perigo do capital e substitutivo do que se ganharia com o uso do
capital, como, por exemplo, em fabricar algum artigo de comércio. Mas a retirada do bem, pela deterioração, ou
pela destruição, não só se cobre com o que valia o bem mais os juros. Os juros-frutos não se contam para se
reajustar o valor das indenizações, nem para se corrigir o valor da moeda. São acessórios, como os juros
moratórios, mesmo quando a lei os fixa como prestação mínima de reparação de danos (cf. HAR1W
JACOBUS, Der Rechtsbegriff der Zinseu, 56 s.). À medida que a prestação indenizatória cresce, os juros têm
de crescer, por serem percentuais do quanto devido. Se o preço, com que se adquiriria o objeto a, no momento
do dano, aumentou, a indenização é pelo preço do momento em que se vai pagar, porque somente com essa
quantia se poderia adquirir o objeto danificado em parte ou destruido.
Se, em conseqüência de lesão do corpo ou da psique, há diminuição da saúde, ou da aptidão para o trabalho,
lucrativo ou não, ou aumento de necessidades, a indenização é do quanto que dê renda suficiente para cobrir os
efeitos do ilicito, ou de renda, que há de ser garantida. Pode haver razão para se exigir a prestação total, em vez
de renda.

.~> a]
A impossibilitação casual da prestação não libera o devedor da prestação total ou das rendas (cf. F.
REGELSBER-. GER, Alternativobligation und alternative Ermãchtigung des Glãubigers, Jherings Jahrbitcher,
16, 167; VICTOR CANETTA, Zur Lehre von deu. sog. alternativeu Obligationen, 29; divergências em ERWIN
ÇHAMIZEit, Natur, Gebiet and Grenzen der Wahlscludd, 79; GUSTAV DECHAMPS, lhe obligatorisehen
Wahlverlziiltnisse nach tiem Recht dles BGB., 70; cp. HEINRICH LIPPERT, Die alternative Erm.ãchtigung des
GWubigers im deutsch,en bUrgelichen Rechte, 46 s.).
A respeito da obrigação por ato ilícito, ou ato-fato ilícito ou fato stricto sensu ilícito, o crédito, a despeito da
escolhibilidade, é um só. A unicidade é para cada obrigação, se há duas ou mais (cf. HERMANN WEITz, Die
facultas alternativa, 48; GUSTAV DECHAMPS, Die obligatorischen WahlverMltni,sse nach dem Recht des
EGE., 94; F. W. PISTORY, Wahl und Unmôglichkeit ais Voraussetzungen der Resehrdnkung der Wahlschuld
nach dem Rechte deg BGR., 11).

ESPÉCIES DE DANOS TRATADAS COMO TEMAS EXEMPLIFICATIVOS

§ 5.512. Imputabilidade e não-imputabilidade

1.INCAPAZEs E PERTURBADOS MOMENTÂNEAMENTE DA PSIQUE. Se o dano foi causado por pessoa


que não se inclui entre as que têm capacidade, ou a que, no momento, não seria imputável o delito, como se
estava em estado patológico de perturbação da atividade mental, a técnica legislativa tem diante de si problema
delicado: j, Tem-se, por eqúidade , de retirar do patrimônio do agente o que indenize o dano, se não há terceiro
responsável por dever de vigilância ?
Afaste-se a extensão de tal responsabilidade àqueles casos em que não tenha havido dolo, nem culpa, e falte a
sanção. Temos de considerar apenas os casos de falta de capacidade do agente, ou de integridade mental no
momento, e de responsabilidade de outrem por dever de vigilância. O ato há de ser ineluível naqueles atos que,
se houvesse, ia casu, capacidade do agente, ou integridade mental no momento, se teria como ilícito e gerador
de dever de indenizar (cf. Lunwrn TEAGER, WiLle, Determinismus, Stra te, 190 s.). A ação é subsidiária,
porque se supõe que outrem não tenha de indenizar (e. g., o titular do pátrio poder, da tutela ou da curatela, ou
quem embriagou o agente ou lhe deu alguma substância que o perturbou).
Argumento a favor da prestação indenizatória pelo incapaz que tem fortuna é o de que também se indeniza em
caso de legítima defesa e de estado de necessidade, em que há o plus da licitude. Ora, o incapaz cometeu “ato
ilícito” e o artigo 156 do Código Civil não pode ter interpretação literal. ~Como se justificaria que o menor de
dezesseis anos de quinze anos, por exemplo pudesse incendiar uma casa sem ser responsável pelo ato ilícito?
Diga-se o mesmo diante do art. 1.310 do Código Civil francês, que está na lei como matéria de negócio jurídico
(cp. 1W. MEIGNIÉ, Responsabilité et contrat, 48; HENRI LALOU, La Responsaôilité civile, n. 256).

2. DIFERENÇAS DE NÍVEIS PATRIMONIAIS. Sempre que não há diferença patrimonial entre o que compõe
a fortuna do responsável excepcionalmente e o que compõe a do lesado, a eqUidade não justificaria que se
tirasse de um para se dar ao outro. Nunca se há de invocar o principio se a indenização privaria de meios de
vida (casa, alimentos) o incapaz ou perturbado mental, ou de meios para os prestar a alguém, por alguma
obrigação.
O juiz tem de examinar, detidamente, o caso, para poder decidir (cf. Código de Processo Civil, art. 114). O
arbítrio é quanto à prestação indenizatória, pois que supomos inserta no sistema jurídico a regra jurídica não-
escrita. O momento em que se apreciam a indenizabilidade e o quanto é o da sentença definitiva (cf. J. CHR.
SCHWARTZ, Das Rilliglceitsnrteit des § 829 13GB., 20, 1.).
A origem do § 829 do Código Civil alemão está no direito germânico (Lex Salica, 24, § 5; Lex Frisionum, add.
3, 70; Sachsenspiegel, II, 65, § 1, e III, 3; O. HAMMER, fie Lehre ‘com Schadenersatz naek dem
Sachsenspiegel und verwandten Rechtsquellen, 2 e 40; sem razão os que pensavam em ter de responder o tutor
e só com a entrega pelo tutelado se liberava, e. g., RICH. En. JOHN, Das Strafrecht in Norddeutsehland zur
Zeit der Rechtsbilcher, 99; W. TH. KRAUT, fie Vormundschaft nach Grvndsãtzen deg Deutsehen Rechis, 1, 339
s. e 857 s.). TUOMASIUS fundou em direito natural o princípio (cf. F. C. TH. HEPP, fie Zurechnung auf dem
Gebiet des Civilrechts, 175 s. e 243 s.).
3.PROBLEMA DE TÉCNICA LEGISLATIVA. O que mais importa é que, se capacidade houvesse, ou
integridade mental, o agente seria responsável, sem ser em virtude da regra juridica subsidiária e não há quem
responda por êle (cf. II. DITTENBERGER, Der Schutz des Kindes gegen die Folgen eigener Handiungeu im
13GB., 48, 82 e 88; KARL HEINSFEIMER, Die Haftung Unzurechnungsfãhiger nach § 829 des BGB., Archiv
fúr die eivitistische Prawis, 95, 234 s.; LUDWIG TRÁGER, Der Kausaibegrift im Zivil- and Strafrecht, 215 5.;
E. HÓCHSTER, Grenze der Haftung Unzur’echnungsfãhiger [829 FOR], Archiv flir die civilistisehe Pracús,
104, 427 s.). O princípio não pode ser o princípio da. culpa, pois que em todos os casos se pressupõe
incapacidade ou falta de integridade mental. Há de ser o princípio da causalidade (CÂRL CROME, System <les
deutsehen Buirgerlichen Redita, II, 1013), embora seja pressuposto o ter sido responsável se incapaz não fôsse,
ou em cstat~c. de perturbação mental. Não há a incompatibilidade doutrinária que se tem apontado (cf. KARL
IÃNcKELMANN, Die Sckadenersatzpflicht aus unerlaubten Handiungeu, 110; J. CHR. SCHWARTZ, Das
Biligkeitsurteil des § 829 13GB., 13; confuso, O. R.OSANES, fie Voraussehbarkeit des Erfoiges bei der
Schadensersatzpflieht Unzureehnungsfâhiger, 1 s. e 51).
A eqUidade não é, aí, fonte da responsabilidade <sem razão : J. W. HEDEMANN, fie Portschrite des
Zivilrechís im.Jahrhundert, 115; EMIL STEINBACH, fie Grundsãtze des heutigen Reehts úber den Ersatz von
Vê rnuigensschtiden, 78), nem fundamento para atenuação da responsabilidade (OTTO VON GIERRE,
Deutsch.es Privatreeht, III, 911; cf. KARL BINDING, fie Normen wnd ihre t7bertretung, ~, 2.~ ed, 466 s.), mas
sim conforme seguimos o princípio desde as fontes de ajustamento dos patrimônios. Tão-pouco se pode pensar
em apreciação de interesses, porque não há interesse da pessoa incapaz ou de mentalidade perturbada (sem
razão, JOSEPH UNGER, Handeln auf eigene Gefahr, 140; e R. MERKEL, fie KoUisíon rechímâssiger
Interesseu, 1 s.) ; ou em segurança de risco (W. SJÓGREN, Zur Lehre von den Formen des Unrechts und den
Thatbestanden der Schadenstiftung, Jherings Jahrbúcher, 35, 419 s.). ~ de se considerar o que tem de
patrimônio o agente incapaz ou mentalmente perturbado e o que tem o lesado, no momento da sentença (J.
CER. SCHWARTz, lias Biligkeitsurteil des § 829 BGB., 20 s.; sem razão, J. W. HE DEMANN, Zivilistische
Rundschau, Archiv fui- Búrgerliches Recht, 25, 378).

4. SOLUÇÃO E ÔNUS DA PROVA. Práticamente, apontemos as espécies principais: d) o menor


absolutamente incapaz, ou o insano da mente, que não tem titular do pátrio poder, tutela ou curatela, ou que não
está, no caso, atingido pela responsabilidade o pai, mãe, tutor ou curador, é pessoa rica e feriu alguém que
precisa de indenização, ou arrebentou algum objeto de valor para essa pessoa; b) o homem ou a mulher de
haveres, após ter bebido demasiadamente, saiu do bar, ou do restaurante, ou da hoate, a dar bengaladas nos
transeuntes, e quebrou a cabeça de um dêles, que tem de ir para o hospital; e) o louco, de muito tempo, ou
pessoa que acaba de enlouquecer, entra num escritório ou numa fábrica e lança fôgo nos móveis ou nos artigos
de comércio.
A determinação eqúidosa do quanto pode ser inferior ao valer do dano.
O ônus da prova de todos os pressupostos para tal indenização incumbe ao demandante. Ao demandado cabe
alegar e provar, se é o caso, que a indenização atingiria o necessário para alimentação, casa e roupa, ou os seus
deveres de alimentar a alguém. Se o demandado, absolutamente incapaz, não tem pai, mãe, tutor ou curador,
deve o juiz nomear tutor ou curador, ou exigir que se providencie a respeito, se não lhe toca a função de
nomear.
Quem empresta a menor, sem consentimento do titular do pátio poder, ou de quem tenha a guarda, não tem ação
para reaver o que emprestou (Código Civil, arts. 1.259 e 1.502). Se o menor é relativamente incapaz, e ocultou,
dolosamente, a incapacidade relativa, há a ação para restituir (art. 155). Se para obtenção do mútuo houve ato
ilícito, há responsabilidade por culpa (art. 156). Não tem ação o emprestador. Melhor:
havia, no direito romano, a alegação, com oposição da exceção ; daí poder haver, após a maioridade, ou o
suplemento de idade, a renúncia (cf. Codex Maximilianeus Bavarius Civilis, Parte IV, Capítulo 2, § 4, 7; MAx
SEYDEL, fie gememreehtliche Lehre ‘com Macedonischen Senotusbeschltsse, 51 5.).
No estado atual da ciência jurídica temos de admitir que se reparem os danos causados pelos incapazes, se não
cabe, ou não basta a responsabilidade dos pais, tutôres ou curadores, ou hospitais, e as situações econômicas
cio ofendido e do defensor o impõem, equilitativamente. Não se pode atribuir culpa ao incapaz, de modo que
não se poderiam invocar os princípios da responsabilidade por culpa. O ato do incapaz não é ato ilícito, mas há
de haver excepcionalmente a responsabilidade, tal como se passa com o dano causado por ato em estado de
necessidade, ou de legítima defesa, que a lei reputa causa de dever de indenizar. Pretendeu-se que a
responsabilidade em caso de estado de necessidade não é ilícito, mas que o é o ato do incapaz. A distinção há de

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ser repelida, porque levaria a dificuldades tremendas: a lei não pode cogitar de incapacidade para o ato ilícito e
falar de ilicitude. Nas duas espécies, não há ato ilícito, mas há responsabilidade conforme os pressupostos
estranhos à culpa. A responsabilidade é objetiva, nas duas espécies. Apenas, a propósito dos incapazes, há o
elemento do subsidiariedade. O lesado somente pode exigir reparação pelo incapaz se o pai, tutor ou curador
não responde, ou não a presta suficientemente. Não há, de modo nenhum, co-responsabilidade, razão por que é
exigível a reparação pelo incapaz sa não há pai, tutor ou curador e não é caso de responsabilidade do juiz. A
comparação entre os haveres do. ofendido e os do ofensor incapaz tem por fito a determinação do quanto, que
pode ser zero. Daí certo arbítrio eqUitativo que fica ao juiz. Não se atende à comparação dos haveres nas outi-
as espécies de crédito de indenização.

§ 5.513. Procura e gestão de negócios alheios

1. PRocURA E INDENIzAÇÃO. A procuração não se confunde com o mandato, porque aquela é manifestação
unilateral de vontade, e êsse, não (Tomo XLIII, §§ 4.678, 2; 4.681, 1; 4.692-4.697). A revogabilidade é à
semelhança da revogabilidade de qualquer outorga unilateral de poder. A comunicação a terceiros de ter havido
outorga é ato jurídico stricto sensu, e não negócio jurídico, e declarativa, pôsto que possa ter efeitos
constitutivos (J. HUPKA, fie VoUmacht, 163 s.; KURT MAURER, Der Widerruf der Vollnw.cht, 24).
Se a procuração é irrevogável, o outorgante não prometeu não revogar, fêz irrevogável a procuração (Tomo
XLIII, § 4.694, 1), o que também se passa com a procuração em causa própria (Tomo XLIII, § 4.699, 8). Se o
outorgante diz revogar, não revoga o irrevogável: comete ato ilícito absoluto. Também é ato ilícito absoluto o
comunicar a terceiro ou a terceiros que outorgou podêres, sem os ter outorgado.
A objeção de quem afirma não ter sido o emissor do título contra o portador, por ser falsa a assinatura, é
afirmação de ter existido ato ilícito absoluto, de modo que o pretendido emissor não se vinculou. Nega, em
objeção, que tenha havido negócios jurídico (cf. MAX RAUCHENEERGER, Die Einwendung aus dem Rechie
Drilter und gegen Dritte, 61 s.).
O ato do falsificador da assinatura do emitente, ou do endossante, ou do avalista, é fonte de responsabilidade
extranegocial, com ação do terceiro contra o agente ou os agentes.
Quem pode exigir indenização pelos gastos que fêz com determinada finalidade, se, para isso, vinculou, pode
exigir de quem o encarregou que o libere da vinculação. Se ainda não se venceu a divida, pode exigir que lho
garanta. Cf. Código Civil alemão, § 257. Se já venceu, o ressarcimento tem de dar-se. Está-se no plano da actio
de in rem vergo (cf. ANDREAS vON TUHR, AcUo de in vem verso, 87; Eigenes und fremdes Verschulden bei
Schadensersatz aus Vertrãgen, Cri]nhuts Zeitschrift, 25, 541 s.), a despeito de opiniões divergentes (e. g. CARL
CROME, System, II, 83 s.).
A ação de in rem verso é ação adjecticia. A princípio ligada a acUo de peculio, que ia contra o pai que atribuía
peculium ao filho para negócios. ~ pós-clássica a extensão a espécies em que não eram encarregantes os pais
(dita actio de in renu verso utilis; L. 7, § 3, C., quod cum eo qui in aliena est potestate negotutm gestum esse
dicitur, rei de peculio seu auod iussu aut de 2)2 rem verso, 4, 26, onde está a interpolação).

2.GESTÃO DE NEGOCLOS ALHEIOS E DANOS. Se o gestor de negócios alheios sem outorga de podéres
iniciou a sua atividade gestória contra a vontade do interessado, manifestada ou presumível, a sua
responsabilidade é pelo ato-fato ilícito, (Tomo V, § 581, 2), que praticou, sem se basear em culpa:
pelos danos oriundos, quaisquer que sejam, inclusive de caso fortuito, há o dever de reparação. No a.rt. 1.882
do Código Civil, que corresponde ao § 678 do Código Civil alemão, só se exige que o gestor de negócios
alheios conheça ou deva conhecer a vontade contrária do dono do negócio. Os conceitos de vontade
manifestada e de vontade presumível bastam (Tomos 1, § 44, 2, 6; II, § 159, Tabela; 166, 3, 183, 7; 190, 1; 203,
4; 219,6; III, § 264,1; IV, § 888,3; IX, § 1.023,4; XV, §§ 1.730, 2; 1.807, 2; XXII, §§ 2.788, 11; 2.748, 3; XXIII,
§§ 2.790, 1; 2.792, 2; XXIV, §§ 2.907, 2; 2.909, 5; XXVI, § 8.148, 5; XLIII, §§ 4.682, 1; 4.685, 4; 4.696, 4;
4.704, 3, 9; 4.706, 3, 4, 9, 10; 4.707, 2, 8; 4.708, 5; 4.709, 2; 4.710, 2; XLVI, § 5.002, 2).
Se o gestor de negócios alheios sem outorga fôr incapaz para negócios jurídicos, os danos são regidos pelas
regras jurídicas sôbre atos ilícitos absolutos e a capacidade é conforme essas regras jurídicas.
Os atos do gestor de negócios sem outorga contra a vontade do dominus negotii ainda quando não causem
danos patrimoniais ofendem interesse de afeição, pois não é justo que alguém se intrometa na esfera jurídica de
outrem. Há a alternativa de se admitir a ação de restituição ao estado «rir tenor ou a indenização a que se
referem os arts. 1.332 e 1.383 do Código Civil, mesmo se o interesse é só de afeição.
Se o gestor de negócios alheios errou sôbre quem fôsse o dono do negócio, isso não altera os princípios
concernentes à gestão de negócios alheios, salvo se se tinha como dono dos negócios alheios, caso em que o
cuidado não há de ser conforme o que seria a vontade verdadeira ou presumida do dono.
Se o gestor de negócios alheios gestionou sem qualquer interesse de retribuIção ou indenização, não pode exigir
que seja remunerado, ou seja indenizado o que saiu do seu patrimônio. Mas, se houve êrro quanto à pessoa que
êle tinha como dono do negócio, as pretensões existem. O animus recipiendi não era pressuposto da acUo
negotiorunt gestorum contraria (a despeito das interpolações nas 1. 11, L. 18 e L. 15, C., de negotiis gestis, 2,
18; L. 14, § ‘7, D., de religiasis d sumptibus funerum et ut funus ducere liceat,, 11, ‘7; sem razão, B.
WINDScHEID, Lehrbuch des Pandektenrechts, fl, 9Y ed., 918; J. IRARON, Pandelcten, 558). Já F. O.
IK6LLNER (fie Crundziige der obligatio negotiorum gestorum, 69) o frisava. Depois, EI. DERN BURG
(Pandekten, ~J, 7Y cd., 338 s.), EI. DANKWARDT (Die negotiorum gestio, ao s.) e J. MAXEN (Ober
Beweislast, Rim. reden md Exceptionen, 124 s.). No direito comum, o animus recipiendi é pressuposto (cf.
PAUL RRUMM, 1. VerMltnis des § 685 Abs. .1 BGB. zu dem bisherigen gemeinreohtlichen. Rechtszustand, II.
Verhdltnis des § 687 BGB. zu dem bicherigen gemeinrechtliehen Rechtszustand, 22 s.).
Quanto ao ônus da prova do animus recipiendi, o que hoje se há de entender é que ao dono do negócio é que
cabe alegar e provar o animus donandi do gestor de negócios alheios (F.O.RÕLLNER, fie Grundzdge der
obligatio negotiorum gesto-rum, 69 s.).
Sôbre o direito brasileiro, em que a regra jurídica, não-escrita, é ins interpretativum, Tomo XLII, § 4.712, 4.
Quem se locupleta com lucros que advêm de exercício da outorga de podêres, seja titular do pátrio poder, seja
tutor ou curador, em vez de atribuir, como deveria, ao outorgante, ou representado por lei, o que adquiriu, tem
de responder ao outorgado pelo ato ilícito, que pode ser relativo, se à relação jurídica preexistente se prende a
atividade ilícita, ou ato ilícito absoluto, como se o titular do pátrio poder tem autorização judicial para alienar os
móveis da casa, que são do filho, e aliena por a,, fixando o preço, para o filho, em z-y. É sem interesse, hoje, a
discussão sôbre se ter a) de limitar ao conceito romano a actio de in rem verso (cf. ThEODOR LOWENFELD,
fie seibsttlridiqe Actio de in rem verso, 19 s.) ; ou b) de se estender a qualquer figurante do contrato, que o
enriquecido representou como tutor, ou curador, ou representante, ou o negotiorum gestor (dita acUo dc iri rem
verso utitis, cf. P. MÚLLER, em nota a G. A. STRTJVE, 5. STRYK, W. A. LAUTERBACH, C. C. 1-
IOFACRER e L. J. F. HôPENER, com a defesa de CHR. FR. VON GLÍICK (Ausfiirliche Rrlà5uterung der
Pandecten, 14, 418 s.), ou e) de se tratar de cessão fingida (E. voN SAvIGNY, Das Obligationenrecht, II, 82;
Lunwío ARNDT5, Lehrbuch der Pandekten, g•a ed., 419 s.; cf. UnE, Von den Voraussetzungen der actio de in
rem verso utilis, Archiv flir die c-ivilistiche Praxis, 50, 870 s.). Verdade é no plano do direito romano que
houve interpolações; mas assim se revelou a evolução do conceito (cf. THILO R6TGER,
Rechtwissenschartlicne Erõrterung iber versio in rem ais Kntstehungsgrund vou Forderungsrechten, 72 s.).
Quem exerce disposição, ou uso, ou fruição, sôbre bem alheio, contra a vontade, ou a presumível vontade do
titular, tem de indenizar pelo ato ilícito, ou pelo enriquecimento injustificado. Se o titular o permite, tem êle
direito e pretensão à restituição do que pelo ato dispositivo recebeu o gestor, ou o que corresponde ao uso ou à
fruição, ou ao uso e à fruição. No direito romano, as fontes principais são a L. 23, D., de rebus creditis si certum
petetur et de condietione, 12, 1, a L. 48 (49), D., de negotiis gestis, 3, 5, a L. 17, pr., D., de rei vindicatione, 6,
1, a L. 67, D., de jure dotium, 23, 3, e a L. 12, D., de distractione pignorum ei hypothecarum, 20, 5. Tem-
-se de distinguir da pretensão pelo enriquecimento injustificado a pretensão por indenização do dano, de que
aquela pode ser subsidiária (cf. RImOLE FREUND, Der Eíngriffe in fremde Rechte, 13 s.). Para a ação de
enriquecimento injustificado não se precisa indagar de boa fé, ou de má fé, do ofensor do direito. O fiduciário,
êsse, responde se se afasta dos termos do negócio jurídico fiduciário. Quem figura em registo como proprietário
ou titular do direito, sem no ser, não se trata como fiduciário. Se houve ato ofensivo, mas gratuito, não houve
enriquecimento do donatário, beneficiado por hipoteca ou outro direito (cf. R. G. FISCRER, fie Anwendbarkeit
der actio Pauliana auf Zahlung, Hingabe au Zahlungsstatt und Pfandbestellung, 63).

§ 5.514. Atos jurídicos constritivos

1. MEDIDAS CONSTRITIVAS CAUTELARES. Com as medidas constritivas cautelares, a pessoa, que se


disse titular da pretensão à constrição cautelar, fica protegida, mas há invasão da esfera jurídica daquele que foi
demandado, ou em cujo patrimônio ou em cuja pessoa se operou a constrição.
A constrição pode ser em patrimônio ou na pessoa de quem não estava sujeita à n3edida. Houve ineficácia; em
virtude da vulneração, danos podem ter ocorrido. Não cabe indagar-se sôbre ter havido, ou não, boa fé do que

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pediu a medida cautelar.

A medida cautelar pode ter atingido o patrimônio ou a pessoa de quem seria o figurante da relação jurídica
processual, mas ter sido ilegalmente deferido o pedido. Há ressarcicimento dos danos.
2. PENHORA LESIVA E INDENIZAÇÃO. Com a penhora, adquire o credor direito a que sôbre o bem se
execute a divida, de modo que tal direito é direito de garantia, direito real limitado. A técnica e a terminologia
ganham em não se aludir a direito de penhor, que resultaria da penhora, como está dito, por exemplo, no Código
de Processo Civil alemão, ~ 804, onde se fala do direito de penhor que adquiriu quem obtém a penhora. Direito
de penhor oriundo de penhora (Pfãndungspfandredil) é expressão um tanto pleonástica: o conceito de penhora
já contém o elemento de garantia real.
Pensou-se que a execução forçada em bem que não seja do devedor implica nulidade. Melhor seria, aliás, falar-
se, aí, de ineficácia.
Os embargos de terceiro é que se destinam à declaração de ineficácia, mas há prazo, preclusivo, para isso. A
penhora é medida limitativa por eficácia sentencia], ou em virtude da executividade do título extrajudicial,
porém o elemento vignus já está inserto no conceito de penhora, quer de bens móveis quer de bens imóveis,
cuja penhora só tem eficácia contra terceiros com a inscrição no Registo de Imóveis (Decreto número 4.857, de
9 de novembro de 1939, art. 178, a), VI), à semelhança do que se passa com os títulos e direito registados por
exigência legal. Não cabem, no direito brasileiro, discussões como há em tôrno do § 866 do Código de Processo
Civil alemão e no direito austríaco (cp. E. TIL5CH, Der Em1 luss der Civilprozessgesetze auf das materiello
Redil, 2•a ed., 118 s.; FRIEDEMANN, Zur Frage der Ersatzpflicht des gulgldubígen Vollstreekungssuchers boi
Pfãndung mml Versteiger-ung einer dom Schuldner nicht geluYrigen bezveglichen Sache, 22; EI.
REICHMAYR, fie Zwangszahlung aus fremden Mitteln, 18 s.). Tem-se de atender à diferença entre o sistema
jurídico brasileiro, que recebeu da tradição portuguêsa concepção adequada da penhora, medida preliminar de
execução, e os outros sistemas jurídicos (cp. 3. RIETIL, Úber die materiellrechtIiehcn Voraussetzungen dos
Pfdndungspfandreclzts, 4 5.; Código Civil francês, art. 2.093; WILHaM A. 1VIULLER, fie Wirksar,íkoit <les
Pfãndungspfandrechts, 2).
Se também há direito de penhora, na espécie, quanto a bem que é de terceiro, inclusive se foi exercido sem
desconstituição de acôrdo com os princípios, e. g., por embargos de terceiro, é evidente que nenhuma pretensão
há do terceiro contra o credor (WILHELM A. MÚLLER, fie Wirksamkoít dos Pftindungspfandreehts, 89 5.;
FRANCKE, Die Entstehung des Pfandrechts an gepfândeten Sachen, Zeitschrif 1 fUr deutschen Zivilprozess,
36, 308 5.; HUGO EMMERICH, Pfaudrechtskon~ kurrenzen, 447 s., 525 5.; M. SMOIRA, Die Haftung dos
redhichon Glttubigers nach beondigler Zwangsv.ollstreekung in beweglichen, dem Seflulduer nicht gehôrige
Saehen, 11, 40 e 110).

Se o devedor não tinha bens que bastassem para o pagamento e o credor, que obteve a penhora e a execução
forçada, só o conseguiu com a penhora de bem ou de bens de terceiro, não se pode afastar a pretensão pelo
enriquecimento injustificado, salvo se o terceiro anuira (cp. EMIL RAFFKA, Kann im Gebiete des
Preussischen Allgemeinen Landrechts der dritte Eigentúmer einer in Wege einer Zwangsvollstreckung
gepfãndeten und verkauften Sache vou dem Glãubiger die Herausgabe des Erijises beansprechen?, Magaziu fi&
das deutscho Recht der Gegenwart, VIII, 168; CARL WOLFF, Der Rereicherungsanspruch des
Widerspruchsberechúgen nach beendigler Zwangs»ollstreckung, 22; PRITZ GROSFELD, fie Anspriiche des
Drilteigontilmers volt unrechímássiger Mobiliarzwangsvo.llstreckung vor uná seU den inkraftreten dos RUA.,
49). Para a discussão no direito alemão, E. TILSCH (Der Einfluss der Civilprozessgesotzo auf das materielie
Recht, 2•a ed., 118 s.; PAUL OERTMANN, Die Erage der l3ereicherungshaftung der Volístreckungsglâubiger
bei Pfãndung fremder Sachen, Archiv filr die civilistisoflo Praxis, 96, 20 s.) ; MARTIN WOLFF (Die
Zwangsvoltstrockung in ejue dom Schuldnor nicht geflôrige bowe.qliche Sache, 4 s., 22 s.); E. FR6HLICH
(Haftung dos Gltiubigers boi Vollstreclrung in Sachen Drittor, 19 s., 24 s., 39 s.).
Não se tem de indagar da boa fé ou da má fé em que estava, por ocasião da penhora, o credor exeqtiente (cp. J.
BEIN, fio Stollung dos Pfãndungspfandgldubigers boi Vorvahme der Zwangsvotistreckung in oino dom
Schuldner nicht grhõrige bewegiiche Sacho, 30; MARTIN WTOLFF, Me Zwangsvollstreckung ia oino dom
Schuldner nicht gohàrigo bo’wegliche Sache, 5, nota 10, que divergem entre si).
Uma vez que o devedor ficou liberado do que devia, ou de parte do que devia, por ter sido penhorado e
adjudicado ou alienado em juízo bem de terceiro, é indiscutível que se enriqueceu e tem de responder ao
terceiro pelo que houve de enriquecimento injustificado.
As regras jurídicas sôbre a aquisição da propriedade mobiliária, a que pode bastar a boa fé (e. g., Código Civil,
artigo 521 e parágrafo único, e o direito cambiário e cambiariforme), não são invocáveis contra o credor, se
ultimada a execução forçada <para o direito alemão, cp. E’. HENDRICHS, Die Anspriicho dos
Dritteigentiimers nach. beendigleu ZwangsvoUstreekung in beweglichc Sacho, 9 s.).
Tem-se de repelir que haja sempre a condictio sine causa se houve, definitivamente, execução forçada de bem
alheio, pôsto que assim estivesse em doutrina do direito comum (e. g., LEONARD JACOBI, tiber die
Ersatzpflicht des Glãubigers aus unrechtmãssiger Mobiliar-Zwangsvollstreckung, Fostga& Ijir RUDOLPH
VON GNEIST, 137 s.; E. v. SCHRUTKA-RECIITENSTAMM, Zur Dogmengeschichte und Dogmatik der
Freigebung fremd.er Sachen im Zwangsvollstreckungsverfahren, Zoitschrif 1 fúr deutschen Zivilprozess, 18,
90; MARTIN LANDSBERGER, Die Saehen Drilter und ihr Schutz gegen unrochtmiissige
Zwangsvollstreckung, 1 s.; cp., contra, RunoLE FREUND, Der Eingriffe in frenuile Rechte, 31 s.).
Discute-se se quem penhora bens alheios adquire, com o prazo para usucapir, a propriedade. De uma parte,
alguns (e. g., ERNST DEMELIUS, Das Pfandrecht an beweglichen Sachen, 42) negam que possa alegar posse
e, pois, a fortiori, aquisição de propriedade, quem apenas obtém penhora sem ser penhorável o bem, ou mesmo
se o é, porque não há, aí, direito de penhor, nem posse própria; e outros afirmam o direito de penhor (e. g., G.
PETSCHEK, fie Zwangsvdllstrúckung in Forderung nach õstorreichischem. Rocht, 97-105). No tocante àposse
própria, essa somente advém com a tradição pelo juízo, ainda em caso de arrematação ou de adjudicação. Se
bem que as regras jurídicas sôbre usucapião só aludam a coisas, têm, aí, de ser analôgicamente invocadas. Se
houve nulidade processual da penhora, nenhum efeito se pode atribuir (WDÃIaM
A.MULLER, Die Wirksamk.oit dos Pfdndungspfandrechts, 3; cf. WALTER VoIGT, Hat der DriltoigontiUner
dos mit einem Grundstitcko zwangsweise vorsteigerten Zubohórs gogen deu VotlstreckungsgWubiger Anspruch
auf Herauszahlung <les Ehibsos?, 15; RAIAU VON Hopr, Anspriicho dos Drittoigentúmers nach boendigten
Zwangsvoilsireckung in bewegliohe Sacheu, 14 s.).
Tem-se de atender aos princípios de direito material concernentes às transferências de crédito ao arrematanbe
ou ao adjudicatário.
No direito brasileiro, pode haver nulidade que atinja a decisão da arrematação ou da adjudicação, e dê ensejo à
ação rescisória de sentença, e não cabe a discussão entre haver atribuição nula ou anulável (cp. WEIGELIN,
Pfãnctungspfandrecht an Forderungeu, 22 s.). Os pressupostos da ação rescisória são especiais.

§ 5.515. Indenização no caso de homicídio e de lesões corporais, físicas e psíquicas

1.PRINCÍPIO GERAL E EXCEÇÕES. Em princípio, só-mente aquêle contra o qual se cometeu o delito, ou
que sofreu, direta ou indiretamente, o dano, tem direito, pretensão e ação para que se lhe preste indenização;
não o terceiro que mediatamento teve dano a algum bem ou cuja pessoa foi ofendida. Mediatamente, entenda-
se, aí, quanto aos sujeitos. Há, porém, regras jurídicas especiais, que criam casos de indenização a terceiro.
A ofensa à honra de A só se compõe como ofensa à honra de A, de modo que E por exemplo, o cônjuge não
tem direito, pretensão ou ação. Mas, se há algum elemento que atinja o cônjuge, como se terceiro fala de
adultério da mulher casada, ou se diz que o marido (ou a mulher) conhece o crime de que se acusa o outro
cônjuge, há o direito à reparação dos danos, segundo os princípios de ressarcibilidade dos danos não
patrimoniais e dos danos patrimoniais.
Se alguém fere (ou mata) o ator de teatro ou de cinema, para que a emprêsa teatral ou cinematográfica seja
lesada,responde ao ator (ou a seus herdeiros ou outros legitimados> e à emprêsa teatral ou cinematográfica.
Com o homicídio ou outra ofensa à pessoa, ou a algum bem, à emprêsa de seguros, que paga, transfere-se a
ação de indenização.

2. REGRAS JURÍDICAS ESPECIAIS. Se houve homicídio rege o art. 1.537 do Código Civil: “A indenização,
no caso de homicídio, consiste: 1. No pagamento das despesas com o tratamento da vítima, seu funeral e o luto
da família. II. Na prestação de alimentos às pessoas a quem o defunto os devia”. Cf. Código Civil, arts. 396-
405.
As despesas de tratamento que teve a vítima correm por conta do autor do ato ilícito, ou ato-fato ilícito, ou do
fato ilícito de que resultou a morte, incluído o que se pagou de transporte ou qualquer outra providência para a
hospitalização, a medicação ou a cirurgia. Se o doente tinha direito a abatimento nos preços, por ter título de
sociedade, ou ser contribuinte, a reparação é do total, porque o doente retirou do seu ativo o que deu ensejo à
percentagem ou a algum serviço assistencial dito gratuito.

.~> a]
O titular do direito, da pretensão e da ação, depois da morte, é a pessoa que foi obrigada a fazer as despesas,
quer o seja por lei, quer não .
Quem pede reembôlso de despesas com o tratamento da vítima, ou mesmo o preço do tratamento, ou quem fêz
os gastos com o funeral, ou com o luto da família, ou quem teve de vestir-se de luto, ou os que tiveram de
vestir-se de luto, são titulares de direito, pretensão e ação, originariamente , contra o responsável pela morte.
O direito, a pretensão e a ação dos que teriam direito a alimentos, se viva fôsse a pessoa, são direito, pretensão e
ação contra o responsável pela morte, não porque houve sucessão passiva (o morto não mais é responsável,
nem devia os alimentos), mas sim porque a lei estabeleceu a irradiação originária do dever e da obrigação.
Há limitação da pretensão, objetiva e subjetivamente. Não se fala de herdeiros, nem de legatários. Pressupõe-se
a dívida de alimentação, não só ex lege, como em virtude de incidência de lei por aplicação ia casa (e. g., em
sentença de desquite ou de divórcio). Se não houve morte, mas simples lesão corporal, o que o lesado tem de
prestar aos filhos e outras pessoas é objeto de pretensão dêle, e não dos que têm direito a alimentos (E.
BUENONER, Zur 2’h,eorie uná Prazis der Álimentationspfticht, 16; cp. ERNsT SCI{MIDT, Dor Bogriff des
durch unerlaubte Handlung mittetbar GescMdigten and <lhe Voraussotzungen somes
Sohadonsorsatzan.spruches, 29). Nada justifica que se dê interpretação estensiva às regras jurídicas que dão a
terceiros direito, pretensão e ação contra os obrigados a indenizar (cf. PAUL HIESTAND, Dor Sofladeu
ersatzanspruch. dos Vorsichers gogen doa Urheber der Kõrperverletzung odor Tõtung des Vorsicherten, 4).
A ilicitude civilística, a contrariedade ao direito privado, pode existir sem que exista a penal, de modo que não
se pode dizer que a ilicitude, a contrariedade à lei, seja conceito único, e há contrariedades a direito que regras
jurídicas especiais podem não considerar causa de indenização.
O art. 1.537 do Código Civil não pré-exclui, em princípio, a reparação de outros danos, inclusive morais.
Há duas opiniões uma, a), a da indenizabilidade dos danos morais, outra, b), a da não-indenizabilidade. No
sentido de aj, as Câmaras Reúnidas da Côrte de Apelação do Distrito Federal, a 5 de dezembro de 1918, e a 5a
Câmara Cível do Tribunal de Apelação do Distrito Federal, a 28 de março de 1941 (Á. .1., 59, 290). No sentido
de b). farta jurisprudência, a que se acrescente: a Câmara Cível do Tribunal de Justiça de Santa Catarina, a 29
de outubro de 1951 (3., de 1952, 191).
Um pouco contraditório, o acórdão da 1•a Turma do Supremo Tribunal Federal, a 3 de dezembro de 1958 (Á.
.7., 111, 321), que, após recusar o dano moral causado por homicídio, porque, disse, o art. 1.587 excluiu os
danos puramente morais, acrescentou: “Duvida não há que as grandes dores podem atuar em quem as sofre, de
tal maneira que lhe reduzem a capacidade de trabalho, o espírito de energia, o Animo para a luta, e, em
consequência, ocasionar prejuízos materiais consideráveis. Até a saúde pode ser posta e perigo”.

3. PRESSUPOSTOS. O elemento da culpa não é essencial para que existam o dever e a obrigação de despesas
de tratamento, funerais e luto da família (sem razão, F. VON LISzT, Die Deliktsobligationen im System des
RGB., 29; contra, PAUL OERTMANN, Das Reeht der SekuldverhWtnisse, 2•a cd., 994; ICONRAD
COSACK, Lehrbuoh des deutsclwn Biirgerliohen Reehts, 1, 4? ed., 611; ~, 6? ed., 676 s.; LUDwIG TÉXCER,
Der Kausalbegriff int Straf- und Zivllrecht, 199 s.).
O homicídio, de que se cogita, não é o homicídio conforme o conceito do direito penal (homicídio culposo ou
doloso), mas sim qualquer homicídio, porque, aí, o homicídio não é considerado como fonte da relação jurídica
de indenização, e apenas se exige a causação (cf. EMIL WICHERT, Die Sekaclenersatzansprúche der mittelbar
Verletzten aus § 844 BGB., 32). Não pré-exclui a responsabilidade o ter o lesado consentido na lesão, de que
resultou a morte.
A ação para se haver o despendido ou a prestação alimentar nasce ao terceiro, sem ligação com a sucessão a
causa de morte. Trata-se de regra jurídica especial de indenização, não exceção, porque o lesado foi .- pela lei
imediatamente lesado, a despeito de ser terceiro, porque a morte, em si, foi que causou o dano (cp. ADOLE
BARGMANN, Steht der Lebensversickerungs-Gesellschaft em selbstàndiger Schadensersatz-Ansruch gegen
denjenigen zu, weleher der Tod ‘les Versieherten sehuldkaft verursaeh,t hat?, 29 s.; e ERNST SCHMmT, Der
Begriff ‘les durch unerkLubte Handlung mittelbar CeseMdigten und ‘lhe Voraussetzungen. seines
Sekadensersatzanspruúhes, lo 5.).

As regras jurídicas sobre despesas de entêrro , funerais, luto de família e alimentos incidem quando as relações
jurídicas de indenização são de direito público (1{EíNrndn LrnMANN, Lehrbueh ‘les Riirgerlichen JiZechts, fl,
11~a ed., 764, nota 3), ou de direito privado; não, quando as relações jurídicas são puramente negociais.
Seria injusto reduzir-se a “família”, expressão que está no art. 1.537, 1, à família legítima. A mulher que vive
maritalmente, a longo tempo, tem direito ao que se menciona no art. 1.537, 1 (sem razão, a 4? Câmara Civil do
Tribunal de Apelação de São Paulo, 9 de maio de 1945, 1? dos 7%, 159, 207). Tem ela, por igual, o direito a
alimentos, se êle os prestava, por exemplo, em conta corrente em nome da demandante.
Surge o problema da criança ou menor que a pessoa criava, dando-lhe alimentos, ou colégio, ou assistência
médica (e. g., era paralítico), ou a quem caritativamente prestava mensalidade para a subsistência ou estudos.
Tem-se de entender que o art. 1.537, II, do Código Civil não afasta a legitimação ativa de tais pessoas, a
despeito da expressão “devia” que lá aparece.
Se A tinha em sua casa a criança B, que não adotara mas tratava corno filha, ao homicídio de A corresponde a E
pretensão a que se lhe preste o que A prestava. Se A mantinha era colégio E, com pensão e despesas de
vestimenta, a 13 corresponde a pretensão.

4.LESÕES FÍSICAS E PSíQUICAS. Diz o Código Civil, art. 1.538: “No caso de ferimento ou outra ofensa à
saúde, o ofensor indenizará o ofendido das despesas do tratamento e dos lucros cessantes até o fim da
convalescença, além de lhe pagar a importância da multa no grau médio da pena criminal correspondente”. E o
§ 1.0: “Esta soma será duplicada, se do ferimento resultar aleijão ou deformidade”. Acentua-se no § 2.0: “Se o
ofendido, aleijado ou deformado, fôr mulher solteira ou viúva, ainda capaz de casar, a indenização consistirá em
dotá-la, segundo as posses do ofensor, as circunstâncias do ofendido e a gravidade do defeito”. Lêse no artigo
1.539: “Se da ofensa resultar defeito pelo qual o ofendido não possa exercer o seu ofício ou profissão, ou se lhe
diminua o valor do trabalho, a indenização, além das despesas do tratamento e lucros cessantes até o fim da
convalescença, incluirá uma pensão correspondente à importância do trabalho, para que se inabilitou, ou da
depreciação que êle sofreu”. A pretensão a que se preste a pensão de modo nenhum pré-exclui a pretensão
contra quem tem dever de alimentar se a indenização é por lesões corporais de grande gravidade,
compreendidos os tratamentos facultativos e os necessários, bem como os periódicos. Tem-se de repelir a
opinião que considera extinta a pretensão indenizatória se a pessoa obrigada a alimentos e cuidados já prestara
o necessário à recuperação. O obrigado a alimentos e cuidados pode demandar o lesante, por ter feito as
despesas, ou como gestor de negócios alheios sem outorga de podêres (KARL LARENZ, Lehrbuch ‘les
Sehuldrechts, II, 367).

Por outro lado, o lesado não está obrigado a entregar ao lesante o que recebeu de terceiros, a título de
liberalidade, por ter sofrido o dano; nem, tão-pouco, a devolvê-lo.
Se a lei penal n~o estabelece a mu]ta, que se prevê no art. 1.538, a indenização é conforme o art. 1.553
(indenização por arbitramento). Sem razão , a 2•a Câmara Cível do Tribunal de Apelação do Rio de Janeiro, a
27 de janeiro de 1939, e a Câmara Cível do Tribunal de Apelação de Santa Catarina, a 30 de agôsto de 1945
(3% de 1945, 294).
A duplicação, no art. 1.538, § 1.0, não é pena, como pareceu à 2•a Turma do Supremo Tribunal Federal, a 3 de
maio de 1946 (R. F., 107, 259), mas sim aproximada indenização ex tege, porque se há diminuição da aptidão
laborativa da vítima rege a espécie o art. 1.539 (33 Câmara Cível da Tribunal de Justiça do Distrito Federal, 17
de dezembro de 1952, A. /., 106, 214).
A deformidade é mais do que a simples cicatriz: aquela há de perturbar a regularidade da fisionomia, tornar
repugnante ou feia alguma parte do corpo, e até o corte de um dedo deformação é, cicatriz, que deformidade
não seja (cp. 5•a Câmara Cível do Tribunal de Apelação do Distrito Federal, 3 de fevereiro de 1942, A. J., 63,
125; 5a Câmara Cível, 14 de novembro de 1941, 1?. F., IX, 132). Por exemplo:
hemiplegia (2.~ Grupo das Câmaras Civis do Tribunal de Ape1ação de São Paulo, 5 de maio de 1943, R. dos T.,
146, 125; 4? Câmara Civil, E de outubro de 1942, 143, 605). A deformidade que não é permanente, ou que
desapareça por intervenção cirúrgica, deixa de ser suficiente para se invocar a regra jurídica do art. 1.588, § 1.~,
ou o art. 1.538, § 29.
No art. 1.588, § 1.0, fala-se de dup1icação da soma. Alguns intérpretes vêem na expressão referência à multa
criminal, tio-só (CÂMARAS Civis Conjuntas do Tribunal de Justiça de São Paulo, 26 de março de 1951, 1?.
dos T., 194, 911, 5•a Câmara Civil, a 29 de outubro de 1952, e, e. g., 39 Grupo das Câmaras Civis do Tribunal
de Justiça de São Paulo, 18 de dezembro de 1953, R. dos T., 206, 205, e 222, 187, e 8 de maio de 1958, contra,
com razão , o Desembargador H. flA SILVA LIMA: “Que diz o art. 1.588? Manda o ofensor pagar urna
indenização consistente em despesas de tratamento, lucros cessantes até o fim da convalescença e multa no grau

.~> a]
médio da pena criminal correspondente. O § 1.~, preso necessariamente ao artigo, regula a aprovação do
ressarcimento quando aumenta os danos indenizáveis, no caso de aleijão ou deformidade. Portanto, para mal
maior, indenização mais elevada, não podendo o intérprete escolher, dentre elas, apenas uma parcela”). Em
sentido oposto por entender que a soma, a que o art. 1.588, ~ 1?, alude, é total do que resulta da aplicação do
art. 1.538 a 6•a Câmara Civil, a 16 de junho de 1950, a 14 de setembro de 1951 e a 21 de novembro de 1952
(188, 252, 196, 136, 208 e 212), que assim reagiu contra .a opinão restringente que já vinha do 2.~ Grupo das
Câmaras Civis do Tribunal de Justiça de São Paulo, a 16 de setembro de 1948 (177, 161).
Se a vítima trabalhava e ficou privada de continuar, os lucros cessantes têm de ser elemento para a avaliação do
dano, porque se alude, no texto legal, a “circunstâncias do ofendido”, para a computação do dote.
De modo nenhum se pode interpretar o art. 1.588, § 22, como se fôsse pressuposto impedir matrimônio (sem
razão , a 5•~ Câmara Cível do Tribunal de Apelação do Distrito Federal, a 14 de novembro de 1941, E. F., IX,
132). A lei só se refere a a1eij~o ou deformidade e ser mulher, solteira ou viúva, a vítima. Se a mulher é casada,
rege o art. 1.538. Se desquitada, é de considerar-se como solteira, para se poder invocar o art. 1.588, § 2.0.
Se há privação do trabalho, mesmo temporária, há a indenização, conforme o ad. 1.539 do Código Civil. O art.
1.589 e o arE 1.588, § 2.0, incidem separadamente: a incidência daquele não exclui a dêsse. Os suportes
fácticos são diferentes: a mulher que tem direito ao que se prevê no art. 1.538, § 2.0, não perde o direito à
indenização por perda do trabalho. Ali só se cogita de aleijamento ou deformação, em suas conseqUências
estéticas (sem razão , a 2a Câmara Civil do Tribunal de Justiça de S~o Paulo, a 22 de abril de 1952, R. dos 2’.,
207, 186).
O ofendendo não tem de sofrer diminuição do quanto indenizatório se algo recebeu de seguro, nem de restituir
o que lhe foi prestado.
Se o lesado, para não adiar o tratamento, contrai dívidas, ou vende objetos, para pagar hospital, médico,
assistente, enfermeiro, ou dentista, ou drogaria ou farmácia, ou qualquer outro profissional, tem de incluir no
pedido de indenização tais despesas. Outrossim, as de transporte, de estação de águas, ou de lugares de estada
aconselhável.
A perda da virilidade e a esterilidade são lesões, bem como a perda permanente da saúde. As despesas que não
deram resultado ou que o deram são dívidas.

5. ALIMENTOS. O art. 1.537 fala de pessoa a quem o morto “devia” alimentos. Isso não afasta que se alegue e
prove que a pessoa prestava ajuda ao sobrevivente, espontáneamente, mesmo se menor, por serem parcos os
seus recursos <lA Turma do Supremo Tribunal Federal, 23 de julho de 1942, 1?. F., 93, 506, e 21 de outubro de
1946, E. dos T., 112, 122; g•a Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Distrito Federal, a 27 de janeiro de 1947,
R. F., 114, 407; g•a Câmara Civil do Tribunal de Justiça de São Paulo, 1.0 de abril de 1954, E. dos 2’., 226,
204; sem razão o Supremo Tribunal Federal, a 17 de novembro de 1941; a 2•a Turma, a 21 de julho de 1941, A.
L, 60, 280). Pode ocorrer que o menor precise de alimentos, ou não cesse a necessidade se advém a maioridade
(‘La Câmara Cível do Tribunal de Apelação do Distrito Federal, 20 de setembro de 1946, E. 9., 112, 151). Se há
outra pessoa que deveria prestar alimentos, suficientemente, antes do falecido, o art. 1.587, II, não é invocável
(3~~ Câmara Cível, 10 de julho de 1942, 94, 71) ; aliter, se a ajuda era sem dever jurídico ou assumido
tácitamente.
Alimentos, no art. 1.587, II, do Código Civil, não são apenas a pensão alimenticia, em virtude de lei
<acertadamente, com explicitude, a 5•a Câmara Civil do Tribunal de Justiça de São Paulo, a 22 de junho de
1951, 1?. dos 2’., 194, 743; a respeito de mãe que contribuía com o pai dos menores para alimentos e educação
dos filhos, a 6•a Câmara Civil, 13 de abril de 1951).
Lê-se no acórdão da g•a Câmara Cível do Tribunal de Apelação do Rio Grande do Sul, a 28 de junho de 1945
(J., 26-27, 547 s.). “Deve o réu depositar um capital representado
por títulos da dívida pública federal, que serão gravados de inalienabilidade e que produza, por ano, a
importância aludida, de dois mil e quatrocentos cruzeiros, renda que será repartida em partes iguais entre a
viúva, de um lado, e os cinco filhos, de outro. À proporção que forem falecendo os beneficiários, reverterá ao
patrimônio do apelado o capital dado em garantia dos alimentos respectivos e na proporção dos mesmos, O
mesmo sucederá quando se tornarem maiores os filhos varões, ou se casarem ou constituírem economia própria
as filhas mulheres”.
Lê-se no art. 1.540 do Código Civil: “As disposições precedentes aplicam-se ainda ao caso em que a morte, ou
lesão, resulte de ato considerado crime justificável, se não foi perpetrado pelo ofensor em repulsa à agressão do
ofendido”. “Disposições precedentes”, isto é, as regras jurídicas dos artigos 1.587-1.589. Só se afasta a
reparação em caso de legitima defesa. Se houve legítima defesa, mas ofendido foi terceiro, há o direito a
indenização (2.a Turma do Supremo Tribunal Federal, 3 de maio de 1946, E. 9., 107, 271) 6 a Câmara Civil do
Tribunal de Justiça de São Paulo, 10 de outubro de 1952, E. dos 2’., 206, 238).
No art. 160, 1, do Código Civil fala-se de “exercício regular de direito reconhecido”, e não só de “legitima
defesa”. A agressão do ofendido, tal como se exprime no art. 1.540. pode ser agressão contra a pessoa, ou
contra algum bem, ou mesmo direito não-patrimonial; por exemplo, B encontra sôbre a mesa carta de A a C, em
que há segredo ou frase que revelaria ligação sexual de A e C, e B vai tirar fotocópia, ou mostra a D, e A reage,
para tomar o documento, e faz cair E, que se fere.
Cumpre, ainda, observar-se que há de existir correspondência, aproximada adequação (não exige a exatidão)
entre os atos defensivos e os atos agressivos. Não se justificaria que, à ameaça de B de simples empurrão, ou de
insultos, A ferisse com a faca a E, ou o matasse; nem que A, ouvindo B dizer que o esbofetearia, o jogasse da
ponte e E morresse. A atividade de quem age em legitima defesa pode ser maior ou mais grave do que a do
ofensor, porém não há de ser excessiva. Daí no suporte fáctico para a incidência do art. 160,1 1, ser de grande
relevância a aproximação, para que o ato de legítima defesa não vá além do que se justificaria.
Diga-se o mesmo quanto ao estado de necessidade.

CAPÍTULO IV

DUELO, LUTAS A DOIS E DANOS

§ 5.516. Dueto e outras lutas a dois

1.DADOS HISTÓRICOS. O duelo foi tido como um dos meios para se revelar a justiça de Deus (cf. Lex
Burgundionum, c. XLV, no ano 502). Houve a reação contra o duelo judiciário, que foi tido como “grave et
impium”, “iniustum”. A defesa do duelo, por DANTE (Manarchia, II, 9, 6, e 10, 9) contra os “iuristi
presumptiosi”, e os textos legais permissivos foram postos de lado. Também o duelo cavalheiresco foi
condenado, inclusive pelo Concílio de Trento (1563).

2.CONCEITO DE LUTA A DOIS E DE DUELO. O duelo é luta a dois, porém nem todas as lutas a dois são
duelo. A defesa pelo que eventualmente pode ser ofendido é luta a dois, e não duelo. Se o duelo supõe o acordo
para a luta, ou a manifestação unilateral de vontade, é problema que merece toda a atenção e dêle cogitaremos.
O duelo tem especificidade que não pode ser diminuída com generalidades de linguagem atécnica. Se alguém,
caminhando pela rua, é atacado e se defende, em luta de pouco ou de muito tempo, não é lutador em duelo. As
próprias lutas a dois, que são proibidas (= não foram permitidas ou não podiam ser permitidas), não são duelo,
O chamado duelo americano não é luta a dois, porque os duelistas não lutam. Daí dizer HANS FREIESLEEEN
J’. von Olsltausen’s Ko’tnmentar zum Strafgesetzbueh, ~, 1l.~ ed., 926), que é um “jôgo de dados para a
morte”. No mesmo sentido, LEvI <Zur Lehre vom Zweikampfverbrechen, 96), EERCER (Das amerikanische
Dueil und die studentisohen Schuigermensuren, 14 s.); também, H. GWINNER (ttber die juristische Natur des
sog. amerikanisehen Duelis, 29).
Também não é duelo, nem luta a dois, aquela em que muitos lutam dois a dois, em continuidade; mas os
princípios sôbre indenização são os mesmos do duelo, ou da luta a dois, conforme as circunstâncias. Diferente é
a luta de muitos (Vie lerkampf), em que todos participam, e responsáveis são todos se não se pode averiguar
quem foi o culpado, ou quem causou o dano,
O ataque, a salteada, não é luta a dois, porque o atacado, mesmo se se defende, pode não estar em luta. Nem se
é a luta com objetos impróprios, com pinças, guarda-chuvas, ou bôlsas. ou em brincadeira, ou para ferir ou
matar.

3.CONSENTIMENTO E LUTA A DOIS. L Que natureza tem o consentimento para o duelo? .Qual o lugar do
duelo e da luta a dois voluntàriamente preestabelecida, na classificação dos fatos jurídicos?

.~> a]
A primeira pergunta é sôbre se êsse consentimento entra no mundo jurídico, ou se resta no mundo fáctico. 2
Trata-se de simples permissão a que os atos ilícitos advenham (e. g., I{ARL LINCKELMANN, Die 9
Sohadenersatzpflicht aus unerlaub teu Handlungen, 78; E. KESSLER, Die Einwilligung des Verletzten iv. ihrer 8
strafrechtlichen Bedeutung, 19 s.; E. vON LíszT, Die Grenzgebiete zwischen Privatrech,t und Strafrecht, 38).
No sentido de se tratar de negócio juridico unilateral, ERNsT ZI TELMANN (Ausschluss der
Widerrechtlichkeit, Archiv [[ir die cívilistisclie Praxis, 99, 48 sj. O consentimento da outra pessoa é unilateral e
revogável, como a de quem manifestou primeiro a vontade do duelo; e nasce direito subjetivo aos atos (cf. O.
HOLER, Dei Einwilligung des Verletzten, 82).
Há a opinião de não entrar no mundo jurídico a manifestação de vontade de duelo. Haveria apenas a eventual
entrada do ilícito penal, se lesão ou morte houve (CARL CROME, System. des deutschen birgerlicheu Rechts,
1, 474; F. VON LISZT, Die Deliktsobligationen, 96), de jeito que não se poderia falar de negócio jurídico nulo.
4. ATos LESIVOS E FATOS LESIVOS. Se há regras de luta, têm de ser obedecidas. No duelo, hoje, não há
mais as regras,. porque seriam regras para o ilícito; de modo que se não pode falar de legitima defesa, se houve
o consentimento ao duelo, mas há a invocabilidade das regras. Os duelos, pois que se supõem oriundos d’e
manifestações unilaterais de vontade, entendem-se duelos de vida e morte, uma vez que são duelos de armas,
sem que se possa presumir, em princípio, que os duelos sem armas se tenham como pré-excludentes da
eventualidade da morte.
Não há contradição em não admitirmos, no mundo jurídico, as regras, pois que o duelo é ilícito, e admitirmos
que a infração de regras tenha relevância: as regras, aí, dão ensejo à culpa; estão no mundo fáctico, mas pesam.
A luta a dois, que não é duelo, por ser esportiva, ou de competição diante do público, ou profissional, se não é
proibida, somente gera responsabilidade se há infração de regra de luta, portanto com a culpa do lutador, O fato
de a luta ser com arma não lhe retira, a priori, a permissibilidade (cf. E. LUCAS, Die Beschliisse der
Strafrechtskommission, Das Recht, 17, 1152 s.).
Os que falam de negócio jurídico nulo, tanto podem afirmar a indenizabilidade, como a não indenizabilidade.
Porém, só excepcionalmente o nulo tem efeito.
Em principio, há a indenização dos danos por lesão corporal ou por morte. O negócio jurídico nulo não tem
eficácia.
Se a luta é legalmente permitida, o consentimento é assaz relevante e válido (ERNST ZITELMANN,
Ausschluss der Widerrechtlichkeit, Arckiv [[ir die civilistisefle Praxis, 99, 79 s.). Cada lutador tem ideal de
vencer e colocar-se em posição saliente nos torneios, no que há elemento ético apreciável (GRAF zu DOHNA,
Die Rechtwidrigkeit, 152). Nessas lutas, não-duelísticas, a ofensa não é o fundamento da luta, mas simples
meio para um fim (M. GRôBER, Die sckadensersatzanspriiche bel Kõrperverletzung und Tõtung im
Zweikampf, 72>. O fim pode ser o de aprender a lutar, ou para esporte.
Se ambos os lutadores sofreram lesões, ou se ambos morreram, a responsabilidade rege-se pelos princípios que
exigem a observância das regras da luta, ou, se não as há, mesmo de costume, pelo princípio da
responsabilidade de quem provocou sem que o outro pudesse recusar-se.

Não há compensação das dividas por ato ilícito que seja esbulho, furto ou roubo (Código Civil, art. 1.015, 1).
Há nas outras espécies, porque não falta ao direito brasileiro o § 393 do Código Civil alemão (cf. FRANZ
HOENIGER, lhe Rechtsfolgen des Zweikampfs nach BGB., Das Recht, V, 224>.
(Cumpre que não se confunda a compensação do lucro com o dano, e a compensação de dívida, assuntos
alhures versado. Se o ato causou dano e aumentou o patrimônio ou a felicidade, há a compensatio lucni cum
damno. O exemplo mais notável é o do murro, que feriu, mas teve o efeito de fazer sair o pus que havia no
braço.)
Tão-pouco, se há danos de ambos os lutadores, com responsabilidade de um por ato seu, que se enquadra na
classe dos atos que dão ensejo a pretensão indenizatória, e de ato do outro, de que se irradia a pretensão, cada
um tem de prestar aquilo de que é devedor.

5. LEGITIMA DEFESA E ESTADO DE NECESSIDADE. Quanto aos atos praticados em estado de


necessidade ou em legitima defesa, há a opinião que a pré-exclui, de jeito que não se há de pensar em legítima
defesa se há duelo ou outra luta a dois. porque cada um dos lutadores não se manifestou somente pelos atos
com fim de defesa, mas sim também com fim de ataque (e. g., L. ENNECCERUS, Lehrbuck des Bhirgerliehen
Eeohts, ~, 13a44a eds., 619; também, Apelação de Bordéos, 5 de abril de 1852: ‘¾ . . car c’est par un acte de sa
volonté et en se sacrifiant à un fatal préjugé qu’il s’expose à donner la mort ou à la recevoir”; Casa de
Cassação, 20 de fevereiro de 1863, que nega qualquer legítima defesa pela ilicitude dos atos de um e do outro
lado).
Há, porém, ponto delicado: o lutador, que escolhera a arma a, durante a luta, emprega a arma b <por exemplo,
em vez da lança, o revólver, ou vice-versa). O ato ou os atos não entram no que se acordou. A luta deixou de ser
duelo. Dá-se o mesmo a respeito de qualquer luta a dois.
Se a luta a dois foi provocada, de modo que um dos lutadores só a admitiu em defesa própria, há legítima
defesa, a seu favor. Quem força combate desigual, por saber que o provocado não conhece o manejo da arma
que o provocante, ou desafiante, impõe, comete ato ilícito, que o fato da luta não afasta (Côrte de Cassação de
França, 20 de fevereiro de 1863).
Se há regras e houve infração, culpa houve. A indenizabilidade do dano é pelo ilícito que escapou ao
consentimento dos lutadores. Culpa contra si mesmo só houve no que resultou do que se entendeu que seria o
conteúdo da luta. Há opinião que o nega em todos os casos (e. g., M. GRÓBER, Die Schadensersatzansprúehe
bei Kõrperverletzung und Tõtung im Zweikantpf, 61 s.).

negócio jurídico relativo a duelo é nulo, por ser contrário a regra jurídica que o proibe. Surge o problema da
indenização, uma vez que há concorrência de culpa. No Tomo XXII, § 272, cogitamos da culpa e risco do
ofendido; e no Tomo XLVI, § 4.960, 9, dos seguros e do duelo. Aqui, o que nos interessa é a indenizabilidade
ou inindenizabilidade do dano, a reparação em caso de concorrência de culpa, por haver luta a dois. ERNST
ZITELMANN (Ausschluss der Widerr.echtlichkeit, Arehiv [[ir die civilistiscke Praxis, 99, 69 s.) pendeu para o
afastamento do direito à reparação. No direito brasileiro, a propósito dos seguros, há o art. 1.440, parágrafo
único, do Código Civil (cf. Tomo XLVII, § 4.960, 9).
No direito penal, teve-se o duelo: a) como delito de periculosidade (Gefãhrdungsdelikt), ou b) como &lictum
sui generis, ou o) como lesão privilegiada, ou d) como delito de polida. No sentido de a), KARL BINDINO
(Lehrbuch des gemeinen deutsch>en Strafrechts, ~, 23 ed., 70; F. vON LISzT, Lehrbuch des deutschen
Strafrechts, jq~a ed., 325) ; no sentido de e), LEVI (Zur Lehre vom Zweikampfverbrechen, 111 s.). E.
KOHLRAUSCH (Zweikampf in Vergleich, Vergíeichende Darstellung, II, 201) e 5. RÓDENBECTC (Der
Zweikampf im Verhàltniss zu Tàtung unci Kõrperverletzung, 14). No sentido de d), cf. 5. RÓDENBECTC, Der
Zweikampf im Verh,dltniss zu Tôtung und Kôrperverletzung, 51) e FERNAND SIMON (Die
Seitadensersatzanspriiche bei Kôrperverletzung vnd Tõtung im Zweilcampf, 10 sã.
A opinião que renuncia à indenização eventual quem admite a eventualidade de sofrer o dano encontra dois
argumentos contrários que são fundamentais: teria renúncia prévia e renúncia ao que derivasse de ato de
outrem, culposo ou doloso. Outra opinião sustenta que a reparação é devida com diminuição proporcional à
culpa do ofendido ou às suas conseqüências . Aí se insere o princípio da compensação dos danos.
Se se parte do princípio da contrariedade a direito que há no duelo, ou mesmo na luta a dois em geral, tem-se de
afirmar a pretensão indenizatória. Há os que afirmam ter havido consentimento (cf. 5. RÓDENBECK, Die
Zweikampf im Verhtiltniss zu Tõtung und Kàrperverletzung, 26; R. KESSLER, Die Einwilligung des Verletzten
in. ih’rer strafrecktlichen Redeutung, 90 5.; GERLAND, Selbstverletzung und Verletzung des Einwilligenden,
Vergíeichende Darstellung, TI, 498). Mas surge a redargúiçáo de que o estar em duelo não importa que se
consinta na lesão ou na morte, dada a eventualidade. Antes e com profundidade, M. GRÓBER (Die
Schadenersatzanspriiche bei Kàrperverletzung und Tõtung im Zweikampf, 1 s.); contra, O. 1-TOLER (Die
Einwilligung des Verletz teu, 140-151).
Se se admite que o duelo supõe consentimento a eventuais danos (quem consente na causa consente nos
efeitos>, nem por isso se pode estender tal manifestação de vontade a atos estranhos às regras do duelo.
Primeiro, tem-se de repelir que, ainda dentro das regras do duelo (que é proibido), quem o quis todas as
eventuais conseqUências (sem razão, E. ‘o. LISZT, fie Crenzgebiete zwischen Privatreeht und Strafrecht, 37 s.;
5. RÓDENBECK, Der Zweikampf im Verhiiltnis zur TÕÉung und Kõrperverletzung, 26).
Nos esportes, as infrações de regras assentes são atos ilícitos, porque êsses riscos o esportista não os assumiu
(cf. T. DELOGU, Teoria del Consenso dell’avente diritto, 252; MACCIONI, Principi di Dirilto penale, 304).
Todavia, nas competições difíceis, têm de ser admitidas exceções às regras prudenciais do jôgo. Quanto aos
espectadores, que são terceiros, as regras de trânsito e as outras regras esportivas são inflexíveis.
A respeito dos esportes, cumpre ter-se em consideração que há esportes de público espetáculo, que são
exploradas por emprêsas, outros, que são atividade de esportista em sociedade, outros, em que há autonomia,
com percentualidade nos lucros (cf. R. SAVATIER, Traité de la Responsabilité civile, J, 2A ed., 392; PIETRO

.~> a]
TRIMARCHI, Riscitio e Respon.sabilità oggettiva,132).

7. TITULAILIDADE DA PRETENSAO À INDENIZAÇÃO. Quanto à titularidade da pretensão à indenização,


no tocante a lesões corporais, o lesado é que tem a legitimação, quer se o dano é corporal, quer à honra, ou
patrimonial. Se a luta ilícita foi entre jovens, regem os princípios sôbre a capacidade delitual, excepcional, dos
relativamente incapazes, ou dos riscos, e sôbre a responsabilidade de quem dêles há de cuidar.
Lê-se no Código Penal, art. 129: “Ofender a integridade corporal ou a saúde de outrem: Pena detenção, de três
meses a um ano”. No § 1.0: “Se resulta: 1, incapacidade para as ocupações habituais por mais de 30 dias; II,
perigo de vida; III, debilidade permanente de membro, sentido ou função; IV, aceleração de parto: Pena
reclusão, de um a cinco anos No § 2.0: “Se resulta: 1, incapacidade permanente para o trabalho; II, enfermidade
incurável; III, perda ou inutilização de membro, sentido ou função; IV, deformidade permanente; V, abôrto:
Pena reclusão, de dois a oito anos”. No § 3.0: “Se resulta morte e as circunstâncias evidenciam que o agente
não quis o resultado, nem assumiu o risco de produzi-lo: Pena reclusão, de quatro a doze anos”. No § 49: “Se o
agente comete o crime impelido por motivo de relevante valor social ou moral ou sob o domínio de violenta
emoção, logo em seguida a injusta provocação da vitima, o juiz pode reduzir a pena de um sexto a um têrço”.
No § 5.0: “O juiz, não sendo graves as lesões, pode ainda substituir a pena de detenção pela de multa de
duzentos cruzeiros a dois mil cruzeiros: 1, se ocorre qualquer das hipóteses do parágrafo anterior; II, se as
lesões são recíprocas”. No § 6.0: “Se a lesão é culposa: Pena detenção, de dois meses a um ano”. No § 79: “No
caso de lesão culposa, aumenta-se a pena de um têrço, se ocorre qualquer das hipóteses do art. 121, § 49”.
A variação das penas é sem repercussão no direito à reparação civil por fatos ilícitos absolutos. O que pode
ocorrer 4 a compensação de lucros com danos.
Em caso de morte do lesado, a indenização consiste no pagamento das despesas com o tratamento da vítima,
seu funeral e o luto da família, e na prestação de alimentos às pessoas a quem o defunto os devia (Código Civil,
art. 1.537, 1 eH).
No Código Penal, art. 121, estatui-se: “Matar alguém:
Pena reclusão, de seis a 20 anos”. No § 1.0: “Se o agente comete o crime impelido por motivo de relevante
valor social ou moral, ou sob o domínio de violenta emoção, logo em seguida a injusta provocação da vítima, o
juiz pode reduzir a pena de um sexto a um têrço”. No § 2.0: “Se o homicídio é cometido: 1, mediante paga ou
promessa de recompensa, ou por motivo torpe; II, por motivo fútil; III, com emprêgo de veneno, fogo,
explosivo, asfixia, tortura ou outro meio insidioso ou cruel, ou de que possa resultar perigo comum; IV, à
traição, de emboscada, ou mediante dissimulação ou outro recurso que dificulte ou torne impossível a defesa do
ofendido; V, para assegurar a execução, a ocultação, a impunidade ou vantagem de outro crime: Pena reclusão,
de 12 a 80 anos”. No § 3.~:
“Se o homicídio é culposo: Pena detenção, de um a três anos”. No § 42: “No homicídio culposo, a pena é
aumentada de um têrço se o crime resulta de inobservância de regra técnica de profissão, arte ou ofício, ou se o
agente deixa de prestar imediato socorro à vítima, não procura diminuir as conseqUências de seu ato, ou foge
para evitar prisão em flagrante”.
Se a mulher culpada (ou, o que seria excepcional, o marido) deu causa ao duelo, ou à luta a dois, falta-lhe
pretensão para exigir alimentos, ou mesmo para as despesas de tratamento da vitima, funeral e luto da família
(os filhos têm). Cf. FERNAND SIMoN (fie Schadenctsatzanspriiche bei Kõrperverletzung und Tõtung im
Zweikampf, 59). Se não houve culpa da filha como sugestionadora, ou se o caso não era para o pai admitir o
duelo em que foi morto, a filha tem a pretensão originária. É difícil que se possa alegar e provar que o pai haja
provocado o duelo, por sugestão da filha, ou ato de que ela seja a causadora. Em tudo isso, está suposto que
haja responsabilidade do que matou (cf. Farrz ScrnrLz, Rúclcgriff und P/eitergrift, 48; ULPIANO, L. 1, § 14,
D., de tutelae et rationibus distraflendis et utili cura tionis causa actione, 27, 3: “qula propril delicti poenam
subit: quae res indignum eum fecit ut a ceteris quid consequatur deli participibus”).
Para a responsabilidade, nas espécies do art. 1.537, 1 e II, do Código Civil, têm<-se de exigir a causa ção e a
culpa.
Quem, terceiro, suscitou a luta a dois de que resultou a morte, não pode exercer a pretensão originária de que
aqui se trata, se houve a causação entre o seu ato de suscitamento e a morte (cf. L. COHN, Untersuchungen zu
§ 254 BGB., Gruchots Beitrãge, 43, 401).
Se os dois lutadores tiveram culpa, o fato de nenhum dê-les ser responsável pela morte do outro não pré-exclui
a responsabilidade do sobrevivente pelas indenizações do art. 1.537, 1 e II. O que importa é ter havido culpa do
lutador que matou ou lesou, de modo a sobrevir a morte. A objeção de ter havido também, culpa do outro, é
inoponível.
O morto não tem, obviamente , pretensão à indenização. Não há mais a pessoa. Continua a pretensão pelo que
foi, para êle, durante a vida, causado pelo fato ilícito ou pelo ilícito, como teria de ser atendida até o dia da
morte. No caso de luta a dois, regem os mesmos princípios: a morte pode ser imediata à causa, ou resultante,
tenha sido prevista, ou não. Há a hereditariedade quanto à indenização devida em vida. Quanto ao que se
estabelece no art. 1.527 do Código Civil, não: a responsabilidade é originária, e não derivativa.

§ 5.517. Testemunha, juiz e terceiros

1. TESTEMUNHAS E JUIZES DE LUTA. Há ainda o problema da responsabilidade das testemunhas e dos


médicos. É preciso que haja a causação. Quanto às testemunhas, é assaz importante o fato de, durante as
punctações, que precederam à luta ilegal, especialmente o duelo, terem colaborado para que ela se dess e ( Cour
d’Appel de Liêge, 5 de maio de 1938; 24 de outubro de 1881, Paricrisie belge, 1889, 2, 51). Mas a
responsabilidade pode ser por atitude posterior, solidária ou nau.

2.TERCEIRO E LUTA À DOIS. Pode dar-se que terceiro entre na luta, não para evitá-la, ou para afastar
maiores perigos; mas sim como instigador e cúmplice ou auxiliante. Êsses são co-autores dos danos. Se não se
conhece a medida das causas, há a solidariedade dos culpados. Não há solidariedade se não ocorre
cumplicidade, provocação, ou ajuda (F. VON LIszr,.fie Deliktsobli~ationen, 77), ou algo do terceiro sem o quê
o dano não seria o mesmo (LUDwIG TRÁGER, Der Kausalbegriff im Straf- und Zivilreeht, 277). Mas, por
exemplo, se a pistola de H, na luta contra C, não vai funcionar, e A entrega a sua ao irmão E, não está aí o que
se chama ajuda, e não há, conforme frisou LUDWIG TRAGER (45), responsabilidade de A. A não causou a
morte de C.
Tem de haver causalidade para que haja a indenização pela provocação.
O juiz de honra, êsse, se a luta a dois é ilícita, responde pelos danos se os causou, ou se concorreu para que êles
se dessem. Não, se apenas exerceu a sua função quase-judicial, por sua neutralidade e correção (M. GROBER,
fie Schadensersatzan.spriiche bei Kdrperverletzung uru! Tõtung im Zweikampf, 99). Pode dar-se pôsto que
raramente que a culpa seja só do juiz de honra, e então não há solidariedade. Se foi o juiz que deu ensejo ao ato
lesivo do lutador, há responsabilidade solidária.
Quanto aos atos praticados por terceiro, em ajuda necessária (a chamada Nothilf e), a questão é assaz delicada,
porque o auxilio é contra a vontade do lutador. Todavia, pode ser para afastar resultado não previsto, ou fora das
regras do combate (Beneficia non obtruduntur). Aliás, o terceiro pode ignorar que tenha havido consentimento,
o que não basta para que se lhe atribua poder intervir por proteção humana in abstracto (cf. II. A. FISCRER, fie
Rechtswidrigkeit mit besonderer Beriiclcsichtigung des Privatreehts, 247).

CAPÍTULO V

ANIMAIS E RESPONSABILIDADE PELOS DANOS CAUSADOS POR ÊLES

§ 5.518. Danos causados por animais

.~> a]
1. Solução LEGISLATIVA EM GERAL, REGRA JURÍDICA E SOLUÇÀO DIFERENCIANTE. Uma das
soluções mais simples é a da presunção juris tantum contra os donos, possuidores ou tenedores dos animais.
Mas simples seria a de se deixar ao princípio geral da culpa, com alegação e prova pelo demandante, porém
essa atitude abstrairia, desacertadamente, das espécies de responsabilidade. Uma das soluções discriminantes é
a do direito alemão.
As actiones noxales punham a alternativa perante o Pretor: ou o responsável prestava a indenização, ou prestava
a entrega, pela maneipatio. Mas existia também a ação penal se não prestava nem entregava.
Quanto aos animais, havia a acUo de pauperie (pauper dano). A princípio, somente pelos danos causados pelos
animais domésticos, e a lex Pesolo,nia (diz-se) estendeu a regra jurídica aos atos dos cães (PAULO, Sententiae,
1, 151), o que pomos em dúvida, porque a lei especial não deve ter estendido, mas explicitado. Aliás, em
ULPIANO (L. 1, § 2., D., si qvcidrupes pauperiem fecisge dicatur, 9, 1), fala-se, em geral, de quadrupedes, e
em PAULO (L. 4) a actio utilis apanha os danos dos animais não-quadrúpedes. Na L. 1, § 10, excluiram-se as
bestiae, mas ou houve alteração de texto, ou apenas se afastou a responsabilidade pelo animal estranho à culpa
de alguém, que nada tinha com êle. A periculosidade havia de influir, mas, também, a ligação com o que
prendia ou guardava o animal, ou dêle cuidava, ou dêle se apossou, ou foi tenedor. Não há culpabilidade da
bestia, para caber a acUo de pauperie, pôsto que tivesse havido processos contra animais. Na L. 14, § 3, D., de
jpraescriptis verbis et in factum actianibus, 19, 5, percebe-se que a culpa se põe em relêvo, a despeito de haver
relação de causa e efeito (cf., quanto à discussão, A. PERNICE, Zur Lehre von deu Saehbeschtidigungen nach
rámisoflem Recht, 222; HEINRICE ED. DIRKSEN, tbersicht der bish. Versuch.e zur Kritik u. Herstellung des
Textes der Zwôlf Ta fel Pra gmente, 536; cp. F. C. GESTERDINO, Rechtverhãltnisse in Beziehung auf fremde
Tiere, Zeitschrift flir Zivilrecht und Prozess, IV, 279, e W. RADLOFF, fie Ilaftung des Eigenthihners fiir den
durch Tiere angericht ei eu Súhaden nach Rõmischem Recht, 65 s.).
O cuidado pelos animais pode ser resultante de relação jurídica de propriedade, ou de posse, ou de relação
jurídica contratual (cf. JOSEPH HIERONIMI, fie Ilaftung des Ligeutiimers fiir seine Tiere nach rômiseflem
Recht, 89).
O art. 1.527, 1, não pode ser interpretado como se fôsse habitualmente guardado e vigiado o animal, O
momento do dano é que importa; e quem guardava e vigiava com todo o cuidado, e no momento não tomara a
medida necessária (e. g., deixou aberta a porta da rua, ou a janela, pela qual pulou o cão), responsável é. Daí a
pouca relevância do art. 1.527, 1, que merecia ser eliminado da regra jurídica.
Quanto à provocação do animal por outro, é preciso que o outro animal seja do ofendido, porque, se tal não
ocorre, há duas responsabilidades, a de quem é dono, possuidor ou tenedor do animal atacante, e a de quem é
dono, possuidor ou tenedor do animal provocador.
A elemento exigível é a falta de guarda suficiente e de suficiente vigilância. A regra jurídica, no fundo, só
admite a prova da provocação, pelo ofendido, ou a do caso fortuito.
A omissão danosa, por parte do dono, possuidor ou tenedor, e fato humano.

2. DAnos HISTÓRICOS. Tem-se de atender ao que se passou na história da responsabilidade por danos causas.
por animais.
O direito mais remoto era antropomórfico, quer se chegasse à personificação, quer não. Houve, depois, a
responsabilidade do guardador e do proprietário. No Código Civil, artigo 1.527, fala-se de “dono ou detentor”,
o que se há de entender, em boa terminologia, proprietário, possuidor ou tenedor. Com a liberdade, o problema
dos escravos e servos passou, como o dos defensores armados se transformou.
O homem tentou a adaptação das coisas, como a dos animais. No Sachsenspieget, II, 54, § 5, e 61, § 2, havia
regras jurídicas sôbre direitos e deveres dos animais, como nas tribos e outros povos. A touros de raça
atribuíam-se direitos de pasto (JÂKoB GRIMM, Weisthiimer, 308 s.). A Lex Burgundionum, Tít. 97, falou do
ressarcimento que devia ao animal o homem que o feriu.
No Tomo II do livro Das Obrigações por atos ilícitos (13 s.), escrevemos: “Na história da responsabilidade, a
cada momento encontramos sanções aplicadas a animais e, não raro, a vegetais e a corpos inorgânicos. Tais
casos não se confundem com aquêles em que o animal apenas suscita a responsabilidade de outrem. A vendelta
aplicava-se aos animais e às coisas (E. WESTERMARCK, The Origiu and Development of Moral Ideas, 1,
251-253). Nos Rukis, das cercanias de Chittagong, a família de alguém, que um tigre matou, mata o tigre ou
outro qualquer, e come-lhe a carne (MAGRAI, Account of the Kookies, Asiatic Researches, VII, 189). A
vingança, que se deve executar, é, pois, a mesma, como se a morte fôsse devida a homem, e não a fera. Em
muitos povos, os animais são considerados como obrigados por juramento a não comer os homens. No caso de
faltarem ao juramento, os Antimerinas do planalto central de Madagáscar punem, por exemplo, o perjúrio dos
caimões. Se um Kuki cai da árvore e morre, deve ser vingado na árvore: os parentes da vítima cortam-na e
despedaçam-na. Entre certos Australianos queimam-se as armas com que algum dôles foi morto. Xerxes fêz
flagelar o Helesponto e Cirus dispersou as águas do Gindes. São fatos da infância dos povos. No Zend-Avesta
alguns ter tos permitem crer-se na responsabilidade dos animais (3. DARMESTETER. Lo Zend-Avesta,
Anraíes dii Musée Guimet, XXII, 202 e 678). Na Lei das XII Tábuas só se cogita dos
quadrúpedes. De origem pretória é a utilis actio de vaupene. Nas XII Tábuas não se distinguiam animais
selvagens ou não selvagens; só se falou, indistintamente, de quadrúpeae. Bem. pobre indução, como se vê. Daí
ser falsa a distinção que ocorreu a alguns escritores.
Há noticia de processo instalado em 1587 contra inseto, Rynckites auratus, que destruiu as vinhas de Saint-
Julien (perto de Saint-Jean de Maurienne). As vinhas eram periõdicamente lesadas pelo Rynchites auratus. Nos
atos do processo de 1587 já se informa que, quarenta e dois anos antes, existira instância entre as mesmas partes
e, porque então desapareceram os adversários, não prosseguiram os autores (L. MÉNABREA, De l’Origine, de
la Forme et de l’Esprit des .hugements rendws au moyen áge contre les animaux, ‘7 s.). DoutOres em direito e
advogados tiveram parte naquela ridicularia! Sinais dos tempos. O processo de 1587 tem o seguinte titulo: “De
actis Scindicorum communitatis Sanctis Juíliani agentium contra Animalia bruta ad formam muscarum volantia
cobris vindes commune voce appellata Verpellions seu Amblevins”. Os autores querem acôrdo o de dar lugar
onde pudessem ficar os insetos mas o procurador dêles acha que o sítio é estéril, cum sil tocus sterilis et
nuhluus redditus. São, para nós, hoje em dia, ridículas tais atitudes. Mas, dentro de um ou dois séculos, não no
serão menos muitos fatos do govêrno, da legislação e dos costumes dos nos-. sos dias.
De 1598 a 1600, houve, em Jura, a condenação à morte de perto de seiscentos licantropos e durante o século
XVII jurisconsultos e médicos discutiram o problema da licantropia, doença mental em que o homem se crê
tornado lôbo.
Desde 1120 até 1741 houve em França muitos animais que foram julgados e condenados. Ao lado disso,
cavalheiro francês matou o seu companheiro, Aubry de Mondidier, enterrou na floresta o cadáver; mas o cão do
assassinado entrou na cOrte e levou os cortesãos ao lugar. O cão reconhecia o assassino, mas Osse desmentia,
até que o rei ordenou o duelo entre o assassino, com o bastão, e o cão, que só se escondia num tonel sem fundo.
O cão venceu, e o cavalheiro confessou (EDOUÂIm L. DE KERDANIEL, Les Animaux en Justice, 61 s.).

Quando os insetos invadiam os campos, a Idade Média julgava-os. O advogado GASPARD BALLY publicou,
em 1668, o seu livro Traité des Monitoires aveo un Plaidover contre les Insect es. Em 1470, o chanceler da
República de Berna propõe ação contra as lagartas e o advogado Jean Perrotet foi nomeado defensor de oficio
para os insetos. Em 1542, os sindicos e conselheiros da cidade de Grenoble pediram ao oficial que iniciasse
demanda contra lagartas e lêsmas. Em Valença, há duas demandas célebres, uma em 1547 e outra em 1585. Na
Suíça, conforme narra FOELIX MALLEOLUS, houve ação contra larvas, mas o juiz decidiu que elas tinham
direito de viver e apenas mandou que fOssem transportadas para outra região florestal. Mais ou menos o que
fêz depois o juiz de Anvergne, em 1690. Em 1710, perto de Montbard, houve demanda contra ratos. Ainda no
século XX têm-se, na França, exorcismos públicos contra insetos. Em principio, a competência era dos juizes
eclesiásticos. Houve instâncias especiais. Um dos processos, o de 1545, na Savoia, durou mais de dois séculos
(1787). Barthélemy Chassanée, que morreu quando’ presidente do parlamento provençal, começou a carreira
como advogado por ratos da diocese de Autun. Às vêzes levavam alguns animais para as sessões (e. g., no caso
do julgamento das sanguessugas, em Berna, 1481).
Encontramos penas contra animais no direito foraleiro de Portugal. ~ disso exemplo o que se lê nos Inéditos da
Academia (IV, 623), referentes aos foros de Torres Novas: “He costume, que se alguém achar porcos em suas
vinhas maduras, matalos-ha, se quiser, e cortarlhysha as cabeças quanto tanger o bico da orelha pelo pescoço e
havelas há; e seu dono dos porcos levará os toros...”.
No abandono noxal está implícita a responsabilidade dos animais. Ou, pelo menos, a reminiscência dela, pôsto
que outros fundamentos práticos possa ter tido posteriormente. As instituições raramente permanecem como
começaram. Às vêzes, passam a servir a fôrças opostas àquelas para que se criaram. No direito grego, no
romano e no germânico, é assaz interessante o estudo da noxalidade. Aliás, o nome é romano:
noxa, de neco, que é dano, prejuízo (velho índico, náçyati, naçati, naoáyati, com a noção de perder, fazer perder
ou desaparecer (z lat. noceo), nas háli, ido perder; avéstico, nasta (= lat. e-neotus, esgotado, donde e-nectare,

.~> a]
matar, atormentar; avéstico, nas yeiti, desaparecido, nasu-, cadáver, nasist a.-, o mais pernicioso) ; grego vcxuç,
VEXQÓÇ, cadáver, vExdq, restos mortais, VÚJXUQ, indolência, sono de morto; velho irlandês, ai,; bretão
cómico, ancou; címrico, angeu; velho islândico, Nagifar, navio dos mortos).
Noxa era o delito privado, quando praticado por pessoa em poder de outra, ou por animal: importava a
responsabilidade do pai de família, ou do proprietário, que podia liberar-se, ou pelo pagamento da multa,
noxiam sarcire, ou pela entrega (ou, melhor, abandono) do animal noxae dare, in noxam dedere. Assim era
noxal a ação quando se concebia com a alternativa: aut in noxam dedere. O ato pelo qual o réu passa o autor do
delito ao que propôs a ação, e êsse dêle se torna proprietário, é o abandono noxal. Duas eram as ações romanas:
a) a ação de pauperie, dada quando havia pouperies (dano) causado por quadrúpedes. b) a ação de pastu, no
caso especial do dano feito pelo animal ao pasto pertencente a outrem. Ambas vêm das XII Tábuas. Também a
lei Pesolania dava a ação noxal para casos de danos devidos a cães. Talvez nada mais que a lei de Sólon,
referida por PLUTARCO, que mandava abandonar o cão à vitima dos seus dentes: há certa correspondência
entre a ação de pauperie do direito romano e direito ateniense. Nas leis de Gortina também se encontram casos
de noxalidade, um dos quais digno de menção: o animal mata outro; o proprietário tem a alternativa: troca de
animais, ou recebimento da indenização. Nos sistemas jurídicos germânicos, pOsto que sem o nome romano e
ts vêzes sem que o abandono noxal seja suficiente para a liberação, muitos são os exemplos de noxalidade. A
interpretação dos fatos de noxa não tem sido sempre a mesma. Para uns, o abandono noxal tem por fito livrar da
responsabilidade coletiva a família do culpado: entregue o homem ou o animal, cessa o temor da iminente
represália. Mas é demasiado o finatismo de tal compreensão dos fatos, e nada mais perigoso que o emprêgo de
tais interpretações. Para outros, o abandono noxal é forma de pagamento da responsabilidade pecuniária do
proprietário PAUL FAUOONNET (Le Responsabihité, 54 s.) queria que ~e tratasse de responsabilidade do
animal: o nOvo proprietário podia matar o culpado, que noxalmente lhe veio. H. BRUNNER (Deutscke
flechtsgeschichte, II, 556 s.) considerava uma das origens das penalidades públicas as execuções privadas de
animais. Podia acontecer que ficasse com o animal abandonado. A responsabilidade das coisas, Sachhaftung,
não era muito diferente; talvez, a~ princípio, a culpa do proprietário, e, sOmente depois, da própria coisa. Em
todo caso, parece -nos pouco natural tal passagem e, talvez, simples suposição seja a da culpa, naquela fase
rudimentar da composição dos danos.
No Pentateuco em dois passos se nos deparam exemplos de vendetta contra animais. Citemo-los: A) Êxodo,
XXI: 28. Se um boi ferir com as suas pontas um homem ou mulher, e morrer, será apedrejado, e não se comerão
as suas carnes; o dono do boi contudo será inocente. 29. Se o boi é já de tempos avezado a marrar, e o dono,
tendo sido disso advertido, não o encurralou, e o boi mata um homem ou uma mulher, será apedrejado, e o seu
dono matá-lo-á. 80. Se se lhe permitir que rema a sua vida a preço de dinheiro, dará por ela tudo o que se pedir.
81. Se o boi ferir com as suas pontas um rapaz ou uma rapariga, o dono estará sujeito à mesma sentença. 82. Se
acometer a um escravo ou a uma escrava, pagará ao dono trinta siclos de prata, e o boi será apedrejado. R)
Levítico, XX: 15. Aquêle que tiver cópula com jumenta, ou outro animal, morra de morte; também matareis o
animal. 16. A mulher q,ue se ajustar com qualquer bruto será morta juntamente com êle: o seu sangue recaia
sObre êles.
O abandono do animal vem estabelecido na Lea Burgundionum, Título 18, 1: “Ita ut si de animalibus subito
cabaílus cabaílum occiderit, aut bos bovem percusserit, aut canis momorderit, ut debilitetur, ipsum animal aut
canis, per quem damnum videtur admissum, tradatur illi, qui damnum pertulit”.
Na vingança está o ponto inicial do direito relativo à indenização. Quando o primitivo é ofendido pelo animal, o
seu impulso é vingar-se. Dá-se a animais, a coisas, o mesmo tratamento que aos homens. Daí os processos
contra animais, de

que falamos. Depois, com a responsabilidade individual, criação relativamente recente, novos critérios se
adotam. “Ato do animal é ato do dono”, Tierestat ist Herrenstat, é princípio que está em quase todas as velhas
fontes jurídicas. À vingança sucede o Wergeld, o fredus, a noxa. No direito alemão, não se encontra o talião,
mas sim a composição pecuniária (JAKOB GLIIMM, De’utsehe Rechtsalterthuimer, 647).
A evolução que se operou foi múltipla; seria longo e escusado miudearem-se tOdas as alterações e
consignarem-se as causas e isenções. Entrega do animal, ou do preço, minora ou exime da responsabilidade.
SOmente ao contacto do direito francês é que se puseram de lado as regras minorativas. O Código Civil francês,
assente nos velhos costumes, deu a solução da incondicionada responsabilidade do proprietário do animal: “Le
propriétaire d’un animal ou celui que s’en sert, pendant qu’il est à son usage, est responsable du dommage que
l’animal a causé soit que l’animal fút sous sa garde soit qu’il fút é’garé ou échappé”. Com a recepção do direito
romano, entrou na Alemanha o principio da culpa. Perdem-se o pensamento alemão e o primitivo romano, e os
sistemas de pandectas arquitetam a culpa presumida ou fingida do dominus (8. ZIMMERN, Das System der
rómischen Noxalklagen, § 5). Mas a evolução não ficou a!.
No direito ateniense, era possível, em certos casos, o dano não provinha de ato do acusado, mas de pessoa ou
coisa pela qual respondia. Quando cúmplice do ato lesivo do escravo, não podia o dono eximir-se da
responsabilidade: tinha de reparar integralmente o dano causado. Mas, se não o era, podia abandonar à parte
lesada o escravo autor do ato danificante. Era o abandono noxal (PIATIO, Leges, IX, 879). Ao proprietário do
animal que causava dano havia a mesma responsabilidade pelo dano. Outra lei, de Drácon, consagrava a
vingança contra o animal em certos casos e condenava à morte o cavalo que matasse ou ferisse gravemente um
homem (PLUTARGO, De Animal.> II, 3; LuDovíc BEAUCHET, Histoire du Droit privé de la Republique
atkénicnne, IV, 392), bem assim os animais que tocassem nas oferendas sagradas. As próprias coisas
inanimadas, quando causavam a morte de alguém, eram quebradas e lançadas para além das fronteiras
(DEMÓSTENES, C. Aristoer., § 76). Tudo isso serve para se provar, na investigação histórica, o valor da lei
biológica da repetição da ontogênese pela filogênese: também as crianças punem aos objetos. que as maltratam
ou lhes produzem dor; o bater nas cadeiras, nos próprios brinquedos, é fenômeno comezinho da psicologia dos
primeiros anos da vida humana. Na lei de Gortina também se regraram as questões de danos causados por
animais a outros, pertencentes a diferente~ proprietários: em vez do abandono noxal prOpriamente dito, havia a
troca dos animais, ou, alternativamente, a reparação do dano com a quantia equivalente (RODOLPHE
DARESTE, B. HAUSSOUTJLIEU et T. REINACH, Recueil das inscriptions juridiques grecques, 393 e 484).
Na hisUria do conceito do dano produzido por animais e do respectivo ressarcimento, há duas fases
características:
a que não reconhece a ressarcibilidade e a que reconhece tal efeito jurídico. No direito romano, encontram-se,
ao se verificarem os argumentos provindos daquele primeiro período (não poderem cometer injuria animais,
que ratione carent, como se diz no § 1, 1., si quadrupes pauperiem fecisse dicitur, 4. 9, e não bastar a utilidade
que dêle tira o proprietário para justificar a responsabilização), o apêlo à ‘noxae datio, que serve ao
ressarcimento vindicativo e, depois, a figura da actio de pawpene contra o dono do animal, com a alternativa:
ressarcir ou abandonar o animal ao lesado. Não há dúvida que repugnava aos romanos qualquer
responsabilidade do homem pelo fato do irracional: era o fundo subjetivista, que tanto tempo dominou e ainda
domina (p6sto que menos despôticamente e combatido pelos cientistas) o espírito humano e as disciplinas
sociais. Se bem que atenuada pela possibilidade do ressarcimento, a consequência recaía no próprio animal: se
o dono do animal confessava o valor dêle, a utilidade, que pagasse o quanto e livrasse o animal> era espécie de
confissão, ato próprio, mais conciliável com o rígido subjetivismo do velho direito individualista. Se a causa do
dano estivesse na negligência ou imperícia de alguém, não era a ação de pauperie, mas a da lei Aquília, que
devia ser intentada. Ao conceito de culpa, que é o elemento diferencial entre as duas ações, sucedeu o de
presunção de culpa, firmado nos provimentos edilícios, que proibiam, nas vias públicas, certos animais:
ceterum aciendum est aedil,itio edicto prohiberi nos canem, verrem, aprum, ursum, leonem, ibi habere, qua
vulgo i*er fit. Com a intervenção da lei, agravou-se o efeito jurídico do dano, isto é, torliou-se menos atendível
a escusa individual, ou, melhor, ficou inescusável: desde que havia contravenção da lei, não podia mais ser
discutido o fato resultante, posterior, consequente, pois que já se crivara como ilegal o fato primitivo,
antecedente, de que adveio o outro e, sem êle, não adviria. Assim, era obrigado o dono a pagar a indenização,
sem que fOsse preciso haver qualquer indagação da existência da culpa. Na ação de pastu para os danos
causados por animal que se introduziu em terrenos alheios já se apuraram maiores progressos, acentuada
passagem do primitivo escrúpulo à sanção construtiva. Para os juristas, e tal fOra a primitiva idéia,
“responsável” era o autor da injúria, e os animais, que “ratione carent”, não podiam, segundo o critério, ser
responsabilizados. Daí, como vimos: a noza e a pauperies, que é iam-. num dize injuria facientis datum. Para tal
mentalidade, o ressarcimento, ainda que pudesse ser conseguido sem atuação no animal, não era senão segundo
grau do mesmo princípio que produziu a medida noxal. É assaz interessante como à sutil análise romana foi
dado chegar a fundar na excepcionalidade do ato contra a natureza do animal a aplicação da adio de pauperie.
Não se trata de uma injúria subjetiva e de outra objetiva, como talvez ocorresse a nossos jurisconsultos de hoje,
se houvessem de prover ao caso; mas de injúria animal, viva, instintiva, pOsto que “contra natura”. O pretor
diz: “pauperiem fecisse”. E ULPIANO explica: “paupenes est damnum sine iniuria facientis datum: neo enim
potest animal iniuria fecisse, quod sensu caret”. Em vulgar: pauperjes é o dano feito em má intenção por parte

.~> a]
de quem o causou; e não pode ter intuito de lesar o animal, que carece de razão. Por isso, continua ULPIANO,
como escreve SÉRVIO, “ut Servius scribit”, não cabe tal ação em relação ao quadrúpede que danifica por fOrça
da sua própria fereza, commota feritate; por exemplo: se um cavalo colceiro dá coice em alguém, si equus
caleitrosus calce ~percusseril, ou, ainda, se um boi bravo ou uma mula fere alguém, prop ter nimian feraciam.
Os cornos do boi têm função natural, a que êle dá o impulso, mas é animal sem razão, quod sensu caret, e para
tal provimento se deu a ação de pauperie. Se o cavalo, excitado por viva dor, deu coice, não cabe a ação de
pauperie, mas a in factum contra o que bateu no cavalo ou o feriu. Antes de dar tal exemplo, inseriu-se no
Digesto a regra que se segue: “Et generaliter haec actio locum habet, quotiens contra naturam fera mota
pauperiem dedit”. Em verdade não há nenhuma ligação no pensamento e os tradutores agravam o defeito
quando traduzem a palavra inicial da frase seguinte (“ideoque”) por assim , em vez de não atribuírem a
expressão grande função na frase: mais um e, que um assim”. Aliás, a tradução literal, que alguns tratadistas
entenderam fazer das Institutas, si quadrupes pau penem fecisse dicitur, 4. 9, é igualmente infeliz. No comêço
do título está animalium nomine, quae ratione carent, si quidem lascivia aut fervore aut feritate pauperiem
fecerint, noxalis actio prodita est isto é, se por efervescên cia, arroubo ou ferocidade, causam dano, cabe a ação
noxal; mas adiante se diz “haec autem actio in his quae contra naturam moventur locum habet: ceterum, si
qenitalis sil feritas, cessa 1”, de modo que a ação não cabe se nativa (genitalis) a ferocidade, a fereza.
Literalmente, seria contraditório o texto. Não no é: o cavalo, quando, por sua qualidade individual, é coiceiro, o
dono pode livrar-se da obrigação com a noxa; mas se se trata de urso, a ferocidade é nativa, da espécie
zoológica, e então não cabe a ação da lei das XII Tábuas. fl nesse sentido e não no do exemplo da L. 1, § 7, D.,
si quadru-. pes pauperiem fecisse dicatur, 9, 1, que se emprega a expressão “contra natura”. Aliás, como é
ridículo o individualismo, subjetivista e escolástico, principalmente quando desce às próprias conseqUências
antropomórficas! O direito de hoje é mais objetivo, cm se tratando de animais, corno o do futuro será ainda
mais objetivo, mesmo em se tratando de homens. Não bá dúvida que, no comêço, não se pretendia nenhuma
indagação da imputabilidade, sutileza de antropormorfismos jurídico, de que se podem acusar os jurisconsultos
do fim da República, como exigência do dano causado contra naturam pelo animal, ou o conceito de legítima
defesa na luta entre animais. Subjetivismo, antropomorfismo, individualismo, são velhns vícios do homem, que
só têm servido para lhe agravarem os erros, lhe aumentarem os sofrimentos e criarem óbices ao livre
desenvolvimento das ciências. O trecho em que QUINTUS MUCIUS distingula ut si quidem is perisset qui
adgressus erat, cessaret actio, si is, qui non provocaverat, competeret actio e tentou verificar qual dos dois
animais “provocou” o outro, é de ingenuidade psicológica, que produz ceticismo aos que hoje tratam,
sêriamente, do direito (pois ainda é grande o número dos que não avançam) ; mas não são menos ingênuas e
menos perniciosas as doutrinas vigentes, meros jogos de espírito, que indagam da imputabilidade criminal (e
até a graduam!) e outras minúcias metafísicas mais ou menos hipócritas, que nos distilou nos hábitos o mais
arraigado e daninho dos vícios: o individualismo, com o cortejo dos corolários subjetivistas.
No direito romano, a ação de pauperie quanto ao anima! que procedeu contra naturant sui generis, e a de pastu,
se passou ou foi pOsto em terreno de outrem, constituíam as ações noxais. O edicto dos Edis tornou os
proprietários de certos animais responsáveis pelos danos cometidos nas ruas e vias públicas.
Exceto o direito inglês e o Código Civil austríaco de 1811, as legislações européias admitem teoria geral da
responsabilidade especial pelos danos causados pelos animais. O que há de diferente é a solução adotada. Uns
recorrem ao risco: o Código Civil alemão, a doutrina italiana e a doutrina francesa em alguns escritores, fundam
a responsabilidade no risco, assunto que merece trato especial; outros, optam pela responsabilidade por culpa
presumida, e tal é o sistema suíço, bem assim o português e o brasileiro.
No direito inglês, aplicam-se algumas regras especiais e o direito comum. Se há algo de induzido, de geral, está
em simples tendência. Prepondera o caráter empírico, casuístico, do direito anglo-saxônico. O trespass do
animal domesticado obriga ao ressarcimento; mas o proprietário vizinho pode onerar-se se prova fOrça maior
(act of God), culpa de terceiro, ou do vizinho, como cêrca defeituosa ou insuficiente, ou, ainda, ter tido os
cuidados normais. Diz J. C. MILES (EDwALm ÃENKS, A Digest of Engiish Luzo, Iii, Parte III, 358) que só
obriga ao ressarcimento o dano causado de maneira usual pelo animal, salvo se a vitima conhecia a tendência
do animal para o ato extraordinário. Se entrou em terreno cercado quando era conduzido com o rebanho pela
estrada, é preciso haver prova de negligência (Dovastoil versus Payne, 1795, 2. II. Bi, 527; Goodwyn versus
Chevely, 1859, 28 L. J. Ex. 298; Tilled versus Ward, 1882, 10 Q. B. D. 17). SObre os animais perigoaos,
ferozes, ou nocivos, há regra que J. C. MILES resume: “a person who keeps an animal of a dangerous,
ferocious, or mischievous kind, does so at his own peril; and will be liable for any damage inflicted by such
animal, witho~~t proof of negligence or knowledge of ita vicious propensities”. Se o animal escapa, sem que se
tenha de provar a negligência, responde o tenedor. A ferocidade, o caráter de perigoso, não precisa ser sabido
nem reconhecido pelo tenedor; deriva da notoriedade, da opinião pública, dos fatos, que devem ser conhecidos
pelo tenedor. Assim, é o caso do elefante, do leão, ou do macaco. Mas, em se tratando de animal doméstico, é
preciso que se prove conhecer o dono os maus hábitos do animal, a sua periculosidade. Prova-se-lhe a ciência,
talvez só do preposto. Exemplo: o cão que costuma perseguir os carneiros e penetra no terreno de outrem.
Presume-se proprietário o dono de um lugar onde vive um cão. Fora dêsses casos, rege o direito comum. O
remédio próprio para os casos de trespass por animais domésticos não é a destruição dêles, e sim a ação ou
distrese. Mas justifica-se a morte do cão que penetra nas terras de outrem, ou no caso de se ter de prevenir dano
ou reiteração. J. C. MILES falou em prevenirem-se danos à vida ou à segurança dos outros animais. Salvo o
caso de negligência, não se responde pelos danos causados pelos animais domésticos durante o percurso do seu
caminho. Por isso, não se responde pelo dano causado pelo cão que mordeu o trespasser visto em fuga. Há,
porém, o Dogs Act de 1906, que veio estabelecer, para os danos causados pelos cães aos cavalos, às cabras, e
outros animais, a responsabilidade objetiva. Assim, não se discute o ser ou não perigoso o ofensor, o ter havido
ou não negligência.
Os textos só se referem aos donos. O ocupante da casa ou terras em que vive ou permanece o cão presume-se
dono; mas pode fazer prova de não no ser. No caso de animais doentes, aplica-se a Disea.ses ol Animals Ad, de
1894, que impõe aos proprietários ou tenedores o dever de separá-los dos outros. Cabe a ação por negligência
se o animal doente transmite o mal a animais de outrem. O transportador de animais, que usou de meios
convenientes de transporte, e que não cometeu negligência, não responde pelos danos causados pelos vícios ou
fuga do animal transportado. Sempre que o animal penetra em terreno alheio, o proprietário pode segurá-lo e
guardá-lo até que o indenizem dos prejuízos.
No direito anterior ao Código Civil, o dano causado por animais determinava a indenização, segundo as
posturas municipais, sem prejuízo da responsabilidade comum resultante do ato ilícito.
Na literatura, jurídica nacional, apenas se dizia que “a imputação na ausência de dolo”, isto é, nos chamados
quase-delitos, “podia provir de fato próprio ou alheio de pessoa ou coisa pela qual responde” alguém (F. DE P.
LÂCERDA DE ALMETDA, Obrigações, § 69, texto e nota 81). Citavam-se casos do curador do louco e do
dono de animais. Era a lição de M. A. COELHO DA ROCHA: “A indenização deve-se sempre que o dano
provém de fato ou omissão, em que interveio dolo, ou culpa do agente, algumas vêzes mesmo levíssima. Assim,
19) o dono de uma casa, ou edifício, é responsável pelo dano que ela causou arruinando-se, se houve descuido
em a reparar. 2.0) O dono de um animal feroz é responsável por todo o dano que ê~e causar. ,39) O dono do
animal doméstico somente o é, tendo havido negligência em vigiar. 4.0) Se o animal causou o dano, por ser
provocado, quem o provocou fica responsável pela indenização. 5.0) E por analogia, se o animal de um
provocou o animal de outro, a indenização é devida pelo dono do provocante; e não pode êste pedi-la, se o seu
animal foi o danificado”.
A causação há de vir do animal, como ocorre no direito penal (P. A. HELMER, Úber den Regriff der
fahrWssigen 7’hiitersckaft, 31), sem que se afaste poder estar no animal e no homem, ou o que muda a figura
só no homem, que fêz do animal mero instrumento.
A responsabilidade no direito romano e no direito germânico só se prendia ao fato de ser titular do direito de
propriedade o responsável. No Sachsen.spiegel já se aludia a quem guarda. Guardar, aí, estaria em sentido
largo.
“Ato do animal é ato do dono”, dizia-se em muitas fontes jurídicas (“Tierstat ist Herrenstat”, cf. ERNST
HAGELBERO, Der Regriff des Tierha.iters in den §§ 833, 834 BGB., ‘7).
No direito islandês, a responsabilidade era pelo animal selvagem (cf. KARL VON AMIBA, Nordgermanisches
Obligationenreckt, II, 422 e 866, nota 1).
Compreende-se que não se ligasse aos animais selvagens a relação jurídica de propriedade e assumisse risco,
perante o povo, quem guardasse ou andasse com seres bravios (cf. O.
HAMMER, Die Lehre vou Schadenersatz nach. dem Sachsenspiegel und deu verwandten Rechtsquellen, 95).
No Código Civil francês, art. 1.885, diz-se: “Le propriétaire d’un animal, ou celul qui s’en sert, pendant qu’il
est àson usage, est responsable du dommage que l’animal a causé, soit que l’animal fút sous sa garde, soit qu’il
fút égaré ou échappé”. A expressão “qui s’en sert” apanha os possuidores e os tenedores, que usam o animal,
em sentido largo de uso. Há a presunção de culpa, dispensada a prova (cf. VICTOR HoENIGER, Die Actio de
pauperie, 54). Nenhuma diferença se faz quanto à vítima do dano, de modo que se levantou a questão da
invocabilidade do art. 1.885 do Código Civil francês se há relação jurídica negocial entre o lesado e o
responsável. Afirmativamente, alguns, com a escolhibilidade da ação (dita teoria da escolhibilidade).

.~> a]
Negativamente, outros, como LCUIS JOSSERANT (Les Transports, 2•a ed., 901). O que importa é saber-se se
o caso é de responsabilidade contratual (xx se os pressupostos para ela foram preenchidos), ou se o dano está
fora da relação jurídica (assim, porém menos precisamente, ANDRÉ BLtUN (Rapports et Doma.ines des
Responsabilités contractueile eI délictuelie, 322).
BERTRAND DE GREUILLE entendia que a fonte do art. 1.385 do Código Civil francês foi decisão da Côrte
de 6 de fevereiro de 1803. Os velhos costumes eram assim, inclusive quanto àresponsabilidade do dono, em
qualquer espécie.
O Código Civil alemão, § 833, estatuiu que, se por animal alguma pessoa foi morta, ou lesada no corpo, na
saúde ou em alguma coisa, quem o guarda (“derjenige, welcher das Tier hãlt”) tem o dever de ressarcir os
danos. A Novela de 80 de março de 1908 disse que não cabe o dever de indenizar se o dano foi causado por
animal doméstico destinado a serviço da profissão, ao negócio ou à alimentação do seu tenedor, e êsse, na
vigilância do animal, observou a diligência exigível no tráfico, ou se os danos se teriam produzido mesmo se
tivesse havido a diligência. De jure condendo, a emenda ao § ~33, 2A parte, foi desacertada, pela
discriminação. Problemas espoutaram, como o de ser, ou não, a abelha animal doméstico (cf. WILHEIM
ROSCHER, Haftu’ng flir Tierschaden nach dem durch Reicksgesetz vom 30. Mui 1908 abgeãnderten § 833,
11GB., 20 s.). No fundo, estatuiu-se para as espécies a que se refere a Novela o que o direito brasileiro,
aproximadamente, determinara em geral.
No direito brasileiro, não se pôs a expressão guardar, nem outra que corresponda ao Tierhctlter do Código Civil
alemão, § 838, que dá ensejo a discussões (cf. OTTo VON KÕNIGSLÕW Nochmals zur Auslesung des § 838
BGB., Juristiscke Wochenseltrift, 31, 240; KELBLING, fie ffaftung flir Tierschàden. 25; SCHIMMLER, fie
Grenzeu der Haftung des Tiershalters aus § 833 11GB., 8; LEOPOLD vON REICHEL, Wie haftet man fflr
.Seine Tiere nach dem neneu Gesetz vom 80. Mui 1908, 8).
Não só responde o dono, nem só possuidor próprio (sem razão, HERMANN ISAY, Die Verantwortlichkeit des
Eigenthtimers fúr seine Tiere, .Jherings .Jahrbúeher, 89, 815 s.; WILHELM MÚLLER, Der Begriff der
unerlaubteu Handlung, 87, nota 1; HEINRICH DITTENBERGER, Der Sckutz des Mudes gegeu die Folgen
eigener Hundiungeu im 11GB., 62).
O art. 1.527 do Código Civil fala de dono e detentor. Entenda-se: dono, possuidor próprio mediato ou imediato,
possuidor impróprio mediato ou imediato, tenedor.

á. FUNDAMENTO DA RESPONSABILIDADE PELO FATO DO ANIMAL. i,Qual o fundamento da


responsabilidade? Ainda na Alemanha, houve quem a repousasse na culpa do detentor, conto CONRÃO
\VIESZNELt (Die Haftung des 2’terhalters au.s §833 NOR., 38 e RI. G. V. SCHERER, Das í~echt der
Schutdverhãttnisse, 1.316 s.). Seria uma presunção irretragâvel. Por quê? Respondiam: o titulo 25 do Código
Civil alemão trata dos “atos ilícitos” (unerlaubte Handiungen), firmado, fundamentalmente, no princípio da
culpa (Versehuldungsprinzíp), e não seria de crer-se que, adotado o sistema, não lhe ficassem sujeitos todos os
parágrafos. Mas a tais escritores opuseram que tanto a lei alemã conhecia excepções ao princípio da culpa que
lá estavam os §§ 829 e 835. Ainda mais: a sorte do 1 Projeto, as discussões do Reichtag, e a elaboração da Lei
de 1908 que prova ser a 2•a parte da regra jurídica (§ 883 do princípio da culpa) exceção ao princípio da 1•a
parte, que existe por si, e não como aplicação aliás, forçada seria do princípio da culpa (WILHELM
ROSCHER, Haftung fiir Tierhulters n.aeh dem durch Reichsgesetz vom 30. Mui 1908 abgeiinderten § 833
11GB., 23). HERMANN ISAY (Die Verantwortlichkeit des Eigentúmers fúr seine Tiere, Jherings Juh,rbiicher,
39, 341) e E. HAGELBERO (Der Begriff des Tierhalters in deu §§ 833, 834 11GB., 80), procuram na culpa do
animal o fundamento, e querem que o tenedor responda por isso como tenedor. Mas é de notar-se que, adiante,
E. HAGELBERO opta pelo princípio do interesse ativo (Prinzip des aletiveu Interesses).
A doutrina andou percorrendo todos os princípios que se invocavam para a responsabilidade; e. g.: a) o
principio da causalidade, mas êsse foi afastado durante a elaboração da lei (sôbre isso, MAx RÍIMELIN, Die
Grúnde der Schud≥enzureehnung, 24 5.; GUSTÂv RtYMELIN, Kulpahaftung und Hausalhaftung, Archiv fúr
die civilistische Praxis, 88, 289 s.; WILHELM ROSCUER, Haftung flir Tierschaden, 22) ; b) o principio do
interesse ou do cómodo, mas também êsse foi afastado noutras espécies (cf. G. STIERLE, Die Haftung flir
Tiere im 11GB., 28) e) o princípio do interesse ativo, criação

§ 5.518. DANOS CAUSADOS POR ANIMAIS de RunotE MERKEx. (cf. ADOLE MERKEL, Juristische
Enzykto ptldie, 2.~ ed., 286); d) o princípio do risco, que, a respeito do dano causado por animais, foi assente
por muitos (e. g., IVIAx. Rt}MELIN, fie Grúnde der Schadenzurechnung, 70; Farrz LII’TEN, fie Ersatzpflicht
des Tierhalters, 14 5.; PAUL OERTMANN, Das Recht der SchuidverhÉiltnisse, 3~ a4•a cd., nota 2, b; 1 LEI
•SCHAUER, Zur Auslegung des § 933 des 13GB., Juristische Wochenschrif 1, 30, 888, e Haftungsgrenze aus §
838 des BGB., Gruchots BeitrÉlge, 47, 305; WILHELM RCSCHER, Haftung fiir Tierschaden, 80) ; e) o
princípio da coli,sáo de interesses, a que JOSBE 1VIAUCzKA (fer Rechtsgrund des Schadenserrsatz, 268 e
378) atribuia a responsabilidade pelo dano causado por animal; f) o principio da. culpa presumida.
No livro Das Obrigações por atos ilícitos (II, 60), depois de frisarmos que a Suíça seguiu o princípio da culpa
presumida, e que na França uns escritores sustentavam o princípio do risco e outros o princípio do. presunção
de culpa, achamos que Brasil e Portugal estão na mesma esteira, porém logo advertimos: “ ... ~ podem ser
incluídos entre os sistemas da presunção de culpa, rigorosamente, aquelas leis, como a Novela austríaca de
1906, as leis suíças e o Código Civil brasileiro, que não permitem atacar a presunção e querem o que é
diferente a prova liberatória somente quando se demonstre ter havido o cuidado preciso? Diz o Código Civil
português, art. 2.394: “Aquêle, cujos animais, ou outras coisas suas, prejudicarem a outrem, será responsável
pela satisfação do prejuízo, exceto provando-se que não houve de sua parte culpa ou negligência”. E o Código
Civil brasileiro, art. 1.527: “O dono, ou detentor, do animal ressarcirá o dano por êste causado, se não provar: 1.
Que o guardava e vigiava com o cuidado preciso...” Não faz o réu umo contraprova, nem luta contra a
presunção; prova algo de positivo o cuidado preciso. Não prova não ter culpa; prova ter tido cuidado preciso.
Pode o juiz reconhecer que não houve culpa. Mas, fracassada a prova do cuidado preciso, pode êle condenar o
réu. i,Onde, pois, a presunção de culpa com fundamento? ~Dar-se-á o caso do art. 1.521, 1-1V? A situação é a
mesma? O art. 1,521 não constitui exceção ao principio da culpa, nem cria responsabilidade por culpa alheia;
regula apenas o ônus da prova, estabelecendo, para o lesado, a presunção de que foram culpadas as pessoas que
êle enumera nos incisos 1 a IV. Esta é a boa doutrina: dizem o mesmo os escritores alemães a propósito dos §§
831 e 882 (Entscheidungen des Reichsgerichts in Zivllsachcn, 50, 409; Motive zu dem E’ntwurfe eines
Bhirgerlichcn Gesetzbuches, II, 734 s.; K. JACUBEZKY: Remerkungen zu dem Entwurf eines 11GB. fiir das
Deutsche Reich, 167; Protokolle der I<ommissio-n flir die zweite Lesung des Entwurfes des 11011., li, 593 s.;
0. PLANCK, Biirgerliches Gesetzbuch, II, 628, 624 e 627; O. FISCUER e W. HENLE, Búrgerliches
Gesetzbuch, nota 1 ao § 831; KARL FISCEER, fie nicht auf deu, Parteiwillen gegrúndete Zurechnung frentden
Verschuldens, 72, 89). São as culpas in viqilando e in eligendo. Não se deve perder de vista o fundamento do
artigo: apenas se inverte o ônus da prova. MICHEL Jovy (Der Begriff der “Bestellung” im § 831 des
Búrgerlichen Gesetzbuches, Archiv flir biirgerliches Recht, 37, 124 e 127), após JOSEPH UNGER, viu no §
831 do Código Civil alemão o princípio da causa (Verursachungsprinzip), e não o da culpa
(Verschuldungsprinzip). Também WILHELM PFEIFEER (fie ausserkontraktliche Haftung [liv Handlung dritter
Personen, 55) considerou o § 88í do ponto de vista daquele princípio. gMas o art. 1.527 equivale ao art. 1.521?
O Código Civil brasileiro, dir-se-á, exclui a responsabilidade, além dos casos do sistema suíço quando tiver
havido caso fortuito ou fôrça. maior. ~ Não será isso a eliminação de todas as possíveis espécies em que,
fracassada a prova do art. 1.517, 1, haveria responsabilidade sem culpa? Não há dúvida que a lei não teve
somente por fito a presunção, como se daria nos casos do art. 1.521, 1-1V, nem minoração da responsabilidade,
mas agravação.
Para A. MERREL (Abhandlungen, 1, 54), a responsabilidade causal (Rausalhaftung) constitui a última
reminiscência de ponto de vista infantil, que ainda não distingúira a casualídade do acidente e a causação
voluntária ou do ato ou omissão humana. Outros viam nas exceç5es ao princípio da culpa principalmente ng §
883 retrocesso ou processo para graus inferiores. F. LAURENT (Príncipes de Droit civil Irançais, 590),
exprobrava a responsabilidade sem culpa como

infração moral. Asalm, F. CROISSANT ( Eigenes Verschulden und Handlungsunfãhigkeit, 25). Também contra,
por exempIo, KARL JACUBEZKY (Bernerkungen zu dem Entwurf e ‘ames BGR., 164), F. ENDEMANN
(Lehrbuch des biirgerlicheu Rechts, § 130 A, 18), HERMANN ISAY, PETEIISEN, no 189 Congresso dos
Juristas alemães, L. VON KIRCHSTETTER (Kmnnten-. tar vim õsterreichischen allg. biirgerlichen
Gesetzbuche, 5•a ed., nota ao § 1.298) e ALFREDO MINaZ! (Studio sul Danno non patrinvoniale, 47).
A experiência da vida mostra que a grande maioria dos danos causados por animais resulta de culpa efetiva dos
que dêles têm a “tença”, donos ou não. Assim, cumpria que o tenedor (cp. “mantença”, “mantenedor”) fôsse o
responsável, pois que, de regra, os danos foram, em parte, devidos à falta de guarda, ou de vigilância, ou a
medidas desarrazoadas ou inconvenientes. Além disso, certo é que se deixaria o lesado em dificuldade de

.~> a]
provar tal culpa (cp. G. RÍ5MELIN, Culpahaftung und Causalhaftung, Archiv fiir die civilistische Praxis, 88,
800; KARL GRoSS, Grundlagen der Haftung des Tierhalters de lege lata et de lege ferenda, 80). Daí a solução
do ônus da prova. Porém tal critério não bastou. Recorreu-se, então, à prova do “cuidado preciso” como
exculpação, coisa que difere um pouco da prova da “udo cvlpa”. As soluções firmadas, como o Código Civil
alemão, § 888, no Gefdhrdungsprinzip, coincidem com as presunções ditas irrefragáveis, com a chamada
praesumptio iurls et de inre absoluta. Coincidem, não são idênticas. Nem são idênticas à presunção atacável às
soluções da lei suíça e do Código Civil brasileiro, a despeito do final do artigo.
L.ENNECCEItUS (Dos Bitrgerliche Rock!. 1. 863) e CARL CROME (kÇqstem des de utschen Rechts, II,
1063) faziam questão do requisito do próprio interesse, no prover às condições de existência. PAUL
OERTMÁNN (Das Recht der Schuldverhdltnisse, 8.~ e 4~a ed., § 888, nota 4), L. KUT-ILENBECK (Das
Bilrgerlichc Gesetzbuch fiir das Deutsche Rcich, 1, 2Y ed., 689), E. GOLDMANN-L. LTLIENTHÂL (Das
Biirrzerliche Gesetzbuch systematisch dar qestel!, 2.~ ed., 216), FLEISCHÂUER (Weitere Bemerkung zur
Auslegung der § 833 flUE., .luristische Wochenschrift, 31, 115), F. LOHRMANN
(Die Ccl ahr des Haltens vim Tiereu, 84) e outros queriam que seja a posse, mediata ou imediata, com interésse.
E. DERNBURO (Das Búrgerliche Recht, II, 2Y parte, 4.~ ed., 814) e
E.MATTrnASS (Lehrbruch des Riirgerlicheu Rechts, 1, 722) acompanharam-no, queriam, porém, que haja
posse imediata, não exigiam a própria. Não pensava dêsse modo KONRAD COSACK (Lehrbuch des
d,eutschen b’iirgerlichen Rechts, 1, 6•a ed., 685) : basta, no conceito, a posse imediata, quer no próprio
interesse ou no alheio, quer por longo ou curto tempo, quer se trate de posse própria (Eigenbesitz>, quer de
alheia (Fremdbesitz). Para E. HAGELBERO (Das Begriff des Tierhalters, 87), há de existir situação econômica
e social de dono. Parte da jurisprudência coincide com isso (42 Senado do Tribunal imperial, RGE., 62, 79 s.).
Pensava FRANz BERNHÕFT que tenedor ou detentor do animal (Tierhalter) é aquêle a cuja vontade se deve
estar sob ação e o poder humano o animal, que, sem isso, não teria guarida nem alimento. Não podemos passar
desatentos por essa opinião, que se funda, realmente, em bom argumento; mas ~ onde começa e onde acaba o
domínio do homem sôbre o animal? ~ onde começamos a assegurar que o animal tem alguém por êle? Agora,
outra opinião: é Tizarhalter o tenedor ou detentor de cuja situação por lhe serem conhecidas, desde antes ou
não, as circunstâncias se pode tirar seja causa adequada do dano. Está aí muito simplificada a abstrusa
definição de FRITZ LITTEN (fie Ersatzpflicht des Tierhalters, 181). Dela resultam graus jurídicos e se há
multiplicidade de tenedores,de graus diferentes, só o mais próximo responde. Também W. GÕRSKI (Wer ist der
Halter des Tieres mm Faíle des § 833 11GB., 68) firmou a resposta: Tierhalter, no caso do § 833, éaquêle que,
pela relação efetiva em que se acha com o animal, suporta o perigo da acidental intervenção do animal.
WILHEIM ROSOTIER (Haftun.q flir Tierschdden, 45 s.) dizia que só à jurisprudência pode interessar o nome
global para todos aquêles que têm um animal: ter, aí, é no sentido de estrito de deter, halten. Reputou falso êsse
modo de ver E. HAGELBERO, que recorreu à noção econômico-social. Mas ~por que falso? Em assunto, se
não idêntico, semelhante, criou-se, fecunda-mente, a doutrina do “pôsto social”, de que o Código Civil
soviético, art. 405, veio dar-nos a melhor expressão até hoje conhecida.
As leis, quase sempre, falam em detentor. No Código Civil francês, ad. 1.385, diz-se: “Le propriétaire d’un
animal ou celui qui s’en sert, pendant qu’il est à son usage, est responsable du dommage que l’animal a causé,
soit que l’animal fút sous sa garde, soit qu’il fút égaré ou échappé”. Pala do proprietário e de “celul qul s’en
seri”. Mas também se refere àquele que tem o animal “à son usage”. Mais ainda: reporta-se ao tempo em que o
animal estava “sous sa garde”. Eram inevitáveis as obscuridades. Mas logo se assentou que era alternativa, e
não cumulativa, a responsabilidade. Em todo o caso, pode deixar de ser aplicável essa noção da unidade do
responsável: a) se, e. g., há mais de um usufrutuário, ou comodatário; 6) se, no comodato, há interesse idêntico
do comodante e do comodatário porquanto se ambos tiram proveito, ambos respondem. O proprietário deixa de
ser responsável desde o momento em que outro se serve do animal; mas, provado que também se serve,
responde com aquêle (G. P. CHIRONI, La Colpa nel diritto civile odierno, II, 259). O raciocínio vale, em parte,
para o direito brasileiro. Assim, é doutrina corrente na França que o proprietário se presume servir-se do animal
e dêle haver proveito, donde responder pelos danos, esteja êle, ou não, ao seu serviço. Por exceção, desaparece
a sua responsabilidade se outrem dêle se serve, e não o proprietário. Mas, então, a excepcionalidade só persiste
enquanto dura a utilização pelo não-proprietário. Das três expressões usadas serviço, uso e guarda as duas
primeiras exprimem o pensamento da lei. Se bem que no art. 1.384 o Código Civil francês também fale da
guarda, pensa-se que não se lhe deve dar grande importância, principalmente em sentido material e estreito. E a
razão é óbvia, em direito francês e nos códigos que o seguiram: referem-se os textos ao animal “égaré” ou
“échappé”, o que muitas vêzes acontece, sem que haja negligência (RENÉ DEMOGUE, Traité des Obligations
en général, V, 219). A opinião corrente apenas traduz o que assentou a jurisprudência (Tribunal Superior de
Colônia. 21 de março de 1899; Cassação belga, 18 de outubro de 1902) e a doutrina. Não tira proveito o
terceiro somente por freqúentar a sua casa o animal fugido e abandonado (Conselho de Estado de França, 19 de
janeiro de 1912). Em suma, na boa doutrina francesa, a solução é a do proveito: prefere-se êle à posse, direta ou
não, e ao critério da guarda exclusiva. Mas fala-se muito em proveito econômico (RENÉ DEMOGUE, Traité,
220). O adjetivo sacrifica a teoria. Por que econômico? ~É económico o proveito que se tira do uso das
cobaias? Se o adjetivo abrange tudo isso, pode ficar; se não abrange, deve riscar-se. Interesse diz melhor que
proveito; no Código Civil brasileiro, art. 76, declara-se que, “para propor, ou contestar uma ação, é necessário
ter legitimo interesse econômico, ou moral”. Pretendia F. LAURENT que responsável fôsse o que tinha o
animal sob a sua guarda; mas tal opinião não logrou acolhida.
Os próprios seguidores do “proveito econômico” reconhecem que nem sempre resolve. ~ um dêsses casos em
que é de mister a obra indutiva, o apanhar, nos fatos, nas ruiações sociais, o geral, que permita a fórmula. Ora, o
que se vê nas teorias propostas, nos diferentes princípios, é a ambição fácil do apriorismo, do racionalismo
intemperante. Raramente, o sincero ensaio de indução. Não vem fora de propósito repetir o que escrevemos na
Introdução à Política Cientifica, 217 s .:“Na evolução mental (psicológica e demopsicológica), o empirismo
corresponde ao pluralismo das sensações, ao discreto, ao fragmentário do conhecimento primitivo, de fato em
fato, sem perceber o geral; o racionalismo, ao monismo das generalizações, ao a priori, que a primeira fase náo
nos deu; a ciência, que vem depois, é a passagem inteligente, segura, resignada, dos fatos ao geral. Onde, no
conhecimento atual, há dedução, a priori, ainda existe caminho a percorrer, porque ficou terreno para evolução,
isto é, crescimento de positividade, substituIção da convicção dedutiva, racionalista, pela certeza indutiva,
puramente científica”. Adiante, insistimos: “Se são grandes as dificuldades de aplicação do método científico, é
porque não se têm dados para muitos problemas, isto é, ainda nos falta o material com que possamos trabalhar.
Êsse material é composto de fatos, de induções; e os juristas, os políticos, quase só se têm ocupado com
expender e discutir idéias. ~ Como legislar às carreiras sôbre pátrio poder, dizíamos nautros lugares, como
legislar às carreiras kPONTES DE MIRANDA, Rechtsgefúhi unil Begríff des Reekts, 186), se o legislador
prêviamente exigisse de si mesmo o conhecimento científico das relações de que poderiam ser extraidas as
regras? Tal método não somente previniria erros, como também modificaria os termos da critica ao excesso de
legislação: quando vigora a jurisprudência de sentimento ou de conceitos, a legislação romântica (sentimento,
razão), mais graves são os impetos de prover, porque, onde maiores são as probabilidades de êrro, crescem elas
com o aumento da atividade. Mas, se adotarmos critério científico, segundo o qual não devemos inovar sem que
sugiram o conhecimento dos fatos e a experimentação, o crescimento da legislação denunciaria o crescimento
de aquisições positivas. De certo, é mais fácil e mais ao alcance de qualquer indivíduo expender opiniões
pessoais, mais ou menos apoiadas em citações dos outros racionalistas do direito, e impô-las em pareceres,
projetos e leis, decretos e regulamentos. O problema, que aqui nos interessa, está, por exemplo, todo, em
induzir-se e formular-se a noção de Tierhalter.
~ Qual a fórmula a que, indutivamente, chegaríamos?
tSerá preciso o animus dominni Não. Seria trazer ao direita das reparações noção evidentemente estranha e
inadequada àfinalidade adaptativa do art. 1.527. .~, Ê preciso que sustente e acolha o animal? A fórmula não é
das piores, porém escapar-lhe-ia o caso, por exemplo, do que não sustenta nem acolhe o animal e, diàriamente,
ou em cedas ocasiões, o busca, para dêle se utilizar, com exclusão do dono, que o loca ou empresta. Seria
excluir-se o locatário ou o comodatário que não sustenta e, no caso, por exemplo, de levar o animal a outro
lugar, quiçá a outra cidade, teria de responder. Seria injusto aplicar
-se sempre ao dono a responsabilidade do art. 1.527. ?,Seria preciso que se utilize do animal, com posse, no
próprio interesse? Jor que não no interesse alheio, se aquiesceu nisto o Possuidor ? ~Será preciso que haja a
posse imediata? ~Será preciso que ao possuidor ou tenedor se deva o estar o animal sob a ação humana? tSerá
preciso que o responsável tenha conhecido as qualidades dos animais, qualidades anteriores e permanentes ou
só do momento? Compreende-se que desde aquela fase remotíssima, a que HERMANN ISAY chamou
“antropomorfismo do jovem”, até à Lei alemã de 1908, à Lei suíça de 1911 e o Código Civil soviético, tantas
soluções se tenham dado, e tentado, para o problema de técnica legislativa que o dano por animais levanta e
mantém. Destino mutável, o dêsse problema, destino singular, que continua a interessar a quem quer que
considere e a quem quer que medite sôbre os princípios do direito contemporâneo.
Nem só o proprietário pode ser responsabilizado de acôrdo com o art. 1.517, nem será êle, sempre, o
responsável. Assim, responde, por exemplo, o usufrutuário, o usuário, o locatário. Mas a doutrina teve
vacilações; e pouco adiantaria satisfazer-nos com o que ficou dito. A determinação do tenedor, do Tierhalter, é

.~> a]
vexata quaestio do direito das reparações do dano. Tierkalter, dizem as leis alemães e os projetos. Que se
entendesse aquêle que acolhe, sustenta e alimenta o animal, e tem o animus domini, queria um dos escritores
que mais profundamente trataram do principio da responsabilidade pelo fato dos animais, HERMANN ISAY
(Die Verantwortlichkeit des Eigenttimers fim seine Tiere, Jherings Jahrbúcher, 39, 315 s.). Pensavam do mesmo
modo, e. g., G. PLANCK (Rilrgerliches Gesetzbuch, II, 629), TH. ENGELMANN (1. v. Staudingers
Kommertta.r zum Biirgerliehen Gesetzbu.ch, 7•a e 8a ed., II, 1.784) e a maior parte da jurisprudência
(Reich,sger., 52, 118; 55, 166; 56, 3). Assim, seria tenedor, detentor, no sentido do § 833 do Código Civil
alemão, do art. 56 da Lei suíça, e do art. 1.527 do Código Civil brasileiro, o que provê, no próprio interesse, à
acolhida e alimento do animal, não passageiramente, porém por certo espaço de tempo. Trata-se de pura relação
fáctica (cp. Decisão do Superior Tribunal local de Cassel, a 1.0 de fevereiro de 1904). Semelhantemente, G.
STIERLE (Die Hctftung fúr Tiere im SUB., 73), para quer o tenedor é aquêle que, em interesse próprio,
duradouramente se utiliza do animal e, como tal, toma as medidas exigidas pelo fim; ou, talvez melhor, quem
pratica os atos precisos para o fim de utilizar-se, no próprio interesse, do animal, O “próprio interesse” pode
consistir em interesse de servir a outrem. Se o animal é objeto de usufruto ou de uso, responde o usufrutuário ou
o usuário. Ainda que se trate de animais que não se guardem. Pode haver vigilância , sem guarda. N o caso de
empréstimo de animais, responde aquêle que passa a ter o proveito. Também se doméstico se serve do animal
sem que LISSO consentisse o dono, responde aquéle , e não ésse. Mas pode ocorrer a responsabilidade do art.
1.521, 1H.
Se o animal foi alugado, ou emprestado, responsavel e o locatário ou o comodatário, desde a tradição. tias, se o
animal é, sempre, muito perigoso, há também a responsabilidade extranegocial do dono (J.
CHARLESWORTH, Liability for dangeroti0 thiugs, 100 s.; SALMOND, Lww of Torts, 11~a ed., 659;
PROsSER, Handbook of Law of Torts, 2Y ed., 325 s.).
Ponhamos o problema em termos de soluções parciais, em termos de análise das relações. Primeiro, havemos
de atender ao proprietário. Se êle tem a posse imediata, totlitin quaestio: é o responsável. Se não a tem? Se a
resposta tivesse de ser, sempre, positiva, não haveria nenhuma dificuldade; responder-se-ia sempre. A
responsabilidade do art. 1.527 coincidiria com a propriedade: responsável seria, em todos os casos, o
proprietário. Mas a questão surge, exatamente, do fato de não responder sempre o proprietário. Portanto, não
cogitemos da noção de propriedade para resolver o caso do art. 1.527. Nos nossos dias, com extrema interação
da vida, nem o critério objetivo puro, à antiga, antropomórfico, nem o de responsabilidade exclusiva e sempre
do proprietário, nos poderia bastar. Não nos serviria o casum sentit dominus. Tão-pouco nos serviria o princípio
vulgar da culpa. 1 E o caso do depositário? Aqui é que a lei brasileira denuncia o mau emprêgo das expressões
“detenção”, “guarda”. O depositário guarda e responde, se houve culpa, de acôrdo com os princípios gerais
(Código Civil, art. 159). Resta saber se pode ser invocado o art. 1.527. Em direito francês, seguindo o princípio
do proveito ou cômodo, e não se servindo o depositário do objeto depositado, decide-se que não responde.
Assim, também, o direito italiano. Mas, se o depositário, por consentimento expresso ou tácito, no momento do
depósito, ou posteriormente, teve a faculdade de se servir, será responsável durante o tempo em que dêle se
tiver servido. Assim RENÉ DEMOGUE e C~. P. CHIRONI. Sê-lo-á também se, sem autorização, se servir do
animal depositado. Decidiu o Tribunal de Sidi bel Abbês (7 de fevereiro de 1839) que, pôsto em casa de um
amigo o cão, deve responder o depositário, porque dêle se serve, ainda que frequentemente o visite o dono. No
direito alemão, raciocina-se diferentemente, porque prevalece o Gefllhrdungsprinzip (§ 833, 1.a parte). Quanto
à 2.~ parte, que é exceção ao princípio inicial, a exigência de ser animal empregado em indústria, ou
alimentação, ou outra finalidade, não altera o conceito. Mas, como vimos, não são acordes os autores. 1H.
ENGELMANN (J. v. Staudingers Kominent ar, V, 1785), por exemplo, incluía todos os que têm a posse
imediata, e excluia os que têm a mediata:
responderia, portanto, o depositário. Explicitamente VIRGILE ROSSEL o incluía (cf. II. OSER, Kommentar
zum. Schweizerischen Zivilgesetzbuch, V, 236).
No caso de empréstimo de cavalo a caçador ou corredor-cavalheiro, o proprietário não responde, pois que se
não trata de empregado ou preposto. Se ambos têm proveito, hão de responder ambos, se o dano foi causado a
terceiro. Há a possibilidade de dois ou mais terem proveito; há, pois, a de dois ou mais responderem. Na
ocasião de venda, enquanto o comprador não tem as rédeas do cavalo, ou não toma a gaiola do pássaro, ou não
recebe a chave da jaula, responsável é o vendedor. Mas, se o comprador experimenta o animal ou o tem em seu
poder para decidir, havemos de responder que, desde já, tem de reparar os danos. Se já se efetuou a venda,
porém o vendedor ficou de levar o animal, de que, aliás, já não é proprietário, responde o vendedor. Na
jurisprudência francesa (Liáo, 29 de outubro de 1908), há caso curioso: se o fato se dá na via pública, por haver
qualquer obstáculo, e o autor do obstáculo toma o animal ou os animais para que passem pelo lugar perigoso.
RENÉ DEMOCUE (Traité des Obligations en général, V, 233) opinou pela responsabilidade dos dois. Mas o
que nos parece é que há, para o autor do obstáculo, evipa, com a aplicação dos princípios gerais.
O pai, ou marido, usufrutuário dos bens do filho, ou da mulher, responde pelos danos causados pelo animal
incluído nesses bens. A mulher e o filho nenhuma responsabilidade têm, se bem que proprietários. Máxime
quando os animais se transferem ao domínio do pai ou do marido.
Só excepcionalmente é responsável, com invocação, do art. 1.527 do Código Civil, o Resitzdi,ener ou servidor
da posse (Código Civil, art. 487). Portanto, algumas vêzes, o conceito de “detentor do animal” (Tierhalter) pode
achar-se em relação de que seja sujeito o servidor da posse. Não é possível indução em que se atenda a todos os
casos, sem consideração das espécies de posse. Já vimos que as opiniões atendem a determinadas espécies, e a
outras, não; umas aqui incluem o que ali as outras excluem; aqui, prendem ao conceito de Tierhalter o que ali
estava incólume. Quem tem proveito, é que responde. Portanto, não é o criado, o pajem, o empregado, que
responde, mas o patrão; nem a mulher, que, momentaneamente , tem a guarda do animal sai com o cavalo do
marido, ou com o carro, ou com o cão - mas o próprio marido (VIRGILE losSEL, Manuel de Droit Fédéral des
ObUgations, 1, 110). O criado pode ter o proveito, e o dono, não. Exemplo, já referido:
quando se serve, sem consentimento, do cavalo do patrão. Vir-se-á que é passageira a utilização e vêm à
memória as considerações de G. STIERLE, de CARL CROME e de L. ENNECCERUS. E ocorreu perguntar-
se: Quem provê ao sustento? Durou assaz a utilização? Pode haver contrato especial para a guarda e cuidado. O
Código Civil alemão previu a espécie simétrica-mente ao caso dos patrões, em relação aos prepostos (§ 821, 2~a
alínea) e declarou: “O que, para aquêle, que tem um animal (welcher em Tier hãlt) se encarrega, por contrato,
de prover à vigilância do animal, responde pelos danos que êsse animal pode causar §1 terceiro, no sentido
indicado no § 883. Não cabe essa responsabilidade, quando êle, na vigilância, empregou os cuidados exigidos
pelo uso ou quando, com a aplicação de tais cuidados, também se teria produzido o dano Não é o caso do
Tierbalter (§ 838), mas o do Tierkilter, guardião, vigia, guardador do animal. Da sua situação, não resulta
exceção ao princípio da culpa (Verschuldungsprinzip), mas presunção de culpa (cf. Tu. ENCETJMANN, J. v.
Staudingers Kommentar, II, 1, 7Y e g•ft ed., 1798), que apenas recai no que está encarregado, por contrato,
para com o Tierhalter, da vigilância ou cuidado, e n’rio em virtude de contrato com outrem. As pessoas, que
guardam ou vigiam em virtude de lei, ou os membros da família, respondem segundo os princípios gerais.
4-
Ê preciso que no servidor da posse, no encarregado de vigiar, não se forme a figura do tenedor (Tierhalter) : se
se forma, a sua responsabilidade é a do § 883, ou, no Brasil, a do art. 1.527. No Brasil, a lei não possui o
correspondente ao § 834. Temos, pois, de subsumir na fórmula, que entalhamos, o caso do vigilante por
contrato, quando êsse deve responder de acôrdo com o art. 1.527, e deixar fora os casos em que pela lei
brasileira não deva ficar sujeito ao art. 1.527. Está claro que há, em caso de culpa, a responsabilidade dêle para
com o dono, possuidor ou tenedor do animal, que com êle contratou, ou para com terceiros (arts. 159 e 1.518).
Se o proprietário continua a tirar proveito e se confiou ao preposto, há a responsabilidade do art. 1.521, III. Se
não há invocabilidade do art. 1.521, II, decidiu-se na França, que, sendo gratuito o preposto, responde o
proprietário. Se é contratante a titulo oneroso, a jurisprudência mantém a responsabilidade do dono, e não
atende ao argumento de que o contratante tira proveito, não do animal, mas da guarda. O art. 1.385 do Código
Civil francês não distinguie. Mas observou--se que também o art. 1.385 não distingue a guarda com proveito
direto ou indireto. O dono só devia responder como comitente. Sem dúvida o argumento mata o outro, mas é
sem fôrça para manter-se a si. Tudo reclama o trato conjunto das questões: sai-se do apriorismo dos princípios e
volta-se ao empirismo das soluções para cada caso.
Em se tratando de depositário e se ambos, depositante e depositário, tiram proveito, na ocasião da ação o lesado
tem de provar a tença do animal, isto é. dizer quem é o tenedor. Ora, essa prova elimina um dêles. Nas corridas
de cavalos, nas exposições agrícolas, nos concursos hípicos ou de animais de raça em geral, a guarda e o uso
ficam aos patrões dos jóqueis, dos prepostos dos donos de animais expostos, e não às sociedades ou fundações
que promoveram a exposição, ou as corridas, ou os concursos. Certamente, provada a culpa das sociedades ou
fundações (arts. 159 e 1.521, III), serão responsáveis: mas tal responsabilidade nada tem com a do art. 1.527. O
professor de equitação, dono do cavalo, é responsável pelos danos que o animal causou ao aluno que o monta
ou a terceiro. . Dá-se o mesmo se o cavalo não é do professor,mas de outrem, que o alugou ao professor.
Precisa-se proceder à análise das relações, a fim de se conhecerem as realidades sociais, de se apreender o
mecanismo dos fatos e de se efetuar, depois, a indução científica.
Se um cavalo é conduzido ao veterinário pelo enfermeiro dêsse, que sofre o dano, quer a jurisprudência

.~> a]
francesa que seja o dono do cavalo, e não o veterinário (e. g., G. BAUDRYLACANTINERIE e L. BARDE,
Traité théorique et pratique de Droil civil, IV, g•a ed., 657-660; M. LUÇAs, De la Responsabilité civile des
do’mmages causés par les animauz, 150), o responsável (com a presença do preposto do proprietário, ou não).
Mas justo é distinguirem -se: a) O acidente do trabalho, de que é responsável o veterinário. b) A ação do art.
1.527. O enfermeiro tem ambas as ações. Seria injusto não dar-se ação ao veterinário contra o dono, se o
enfermeiro preferiu a ação de acidente no trabalho. A jurisprudência francesa não aplicou o raciocínio relativo
ao veterinário em se tratando de ferrador: devia Ale conhecer os meios técnicos de evitar coices e dentadas, pois
que é ferrador. Também se julgou na França (Cassação Civil, 8 de dezembro de 1872) que o dono não responde
pelo danos causados pelo animal ao transeunte, por ocasião de ser levado da ferraria para a casa, por empregado
do ferreiro. Estava confiado a profissional. A verdadeira solução seria negar-se a ação quando entregue ao
profissional, ou a quem êle confiou: o ad. 1.521, IIT, pode ser invocado. A análise das relações faz ressaltar qual
das regras jurídicas deve ser aplicada: a de acidentes, a do art. 1.521, III, ou a do art. 1.527. O condutor é que só
é responsável se lhe é provada a culpa, isto é, segundo o art. 159 (principio geral de responsabilidade por atos
ilícitos).
Se o cocheiro deixa em certo lugar o carro, ou, por analogia, o motorista deixa o automóvel, prevenindo o
guarda, não é a Fazenda Nacional, Estadual ou Municipal que responde. Igualmente, se, após acidente, o
policial guarda o animal, à espera de que o condutor traga auxilio. Nesses casos so o art. 159 pode ser invocado
e, em se juntando outros elementos, o art. 1.521, III. O art. 1.527, não. Mas, se há estabelecimento do Estado,
ou estabelecimento particular para estacionamento, com paga do serviço, responde como patrão do grial
da (art. 1.521, III), não como tenedor (art. 1.527). Finalmente: A) Pode ser responsabilizado não só o
proprietário como o possuIdor de boa ou de má fé. O ladrão de cavalos responde pelos danos causados pelos
cavalos de que está com. a posse, ou tença, de má fé. A pessoa que recolhe o cão de um co-locatário falecido,
ou o que chama à sua casa, com alimento, o cão de outrem, pode ser responsabilizado: O que pode tirar
proveito cede lugar ao que realmente tira por ocasião do dano. Mas a alternativa não é obrigatória; pode dar-se
que ambos. sejam responsáveis. A jurisprudência francesa parece interpretar à letra o art. 1.385 do Código Civil
francês e exigir a. alternativa. B) Áquêle que tem consigo ou com alguém o animal de que se serve, ou,
temporariamente , não se serve, sem haver transferido a outro a utilização do animal, ou sem essoutro déle ter-
se, por ato próprio, utilizado, responde pelos danos, de acOrdo com o art. 1.527. C) Serve-se, utiliza-se, tira
proveito do animal aquêle que, por si, ou por seu preposto, ou por intermédio de outrem, dêle tira vantagem
econômica, moral, estimativa, ou outra qualquer, exclusivamente ou cumulativamente com outrem, ou a pode
tirar, a cada momento, com o depositante. Também tira proveito aquêle que, na ocasião, exerce profissão sObre
o objeto, como o ferra.dor, o amansador, a comissão contra a danificação de animais, salvo se, por acôrdo
expresso ou tácito, o cuidado não foi transferido, como se o proprietário manda que o seu empregado técnico
acompanhe, inseparàvelmente, o cavalo. Interesse é qualquer um, segundo o critério geral a que já nos
referimos. O dono ou detentor pode ser pessoa jurídica. E as pessoas de direito público, ainda externo, e. g., no
caso de permissão de passagem de tropas.
Interesse do que tem o animal e interesse do lesado são, possivelmente, da mesma extensão. O art. 76 do
Código Civil fala em interesse econômico e moral. Moral, aí, é não econômico : político, religioso, moral,
estético, científico. Inclusive, de moda. A moda é um dos valôres sociais. O homem tira do ambiente, do mundo
exterior, aquilo de que precisa para a sua subsistência e para o seu bem-estar. Tudo de que necessita para
subsistir e para viver bem é interésse hunano no sentido do art. 76 do Código Civil (RUDOLE STAMMLER,
Wirt schaft und Recht; 141). Quem priva alguém de ir ao templo, fere-lhe interesse de ordem religiosa, sim
mas interesse , porque entra na classe dos atos ou fatos que lhe causam bem-estar. Interesse é o valor que possui
a coisa ou a relação (RUDoLF VON JHERING, Der Besitzwiile, 25; FRITZ BEROLZSHEIMER>
Rechtsphilosophische Studien 101). O intrigado, se prova a intriga e o dano que disso lhe adveio, tem direito,
pretensão e ação. JOSEP MAUCZKA (Der Rechtsgrund der Schadensersatzes, 80) censurou ao § 833 do
Código Civil alemão só se referir a danos ao corpo e às coisas. Há outros interesses que podem ser lesados pelo
ato do animal. E tinha razão. A lei alemã de 1908 manteve a restrição. A lei brasileira não a faz. Teria sido
melhor manter os princípios gerais. Nem o Código Civil brasileiro nem o Código Civil alemão identificam
direitos subjetivos e interesses juridicamente protegidos. O que exerce a ação, no caso do art. 76, pode não ter
direito subjetivo. Por isso mesmo, o art. 159 fala de “violar direito”, “ou causar prejuízo a outrem”. Pode não
haver, de frente, violação de direito; ferir-se interesse. Não se entra na indagação da existência de relação
jurídica independente. Basta o dano. Se houve culpa, êsse dano ainda que não resuíte de ferimento direto de
direito subjetivo há de ser ressarcido. A linguagem dos arts. 159 e 76 é coerente.
A questão de se saber, na Alemanha, se a inclusão do § 833 no título tJn-crlaubte Handlungeu (ações ou atos
ilícitos) tinha como consequência considerar-se como regra jurídica sôbre ato ilícito constituiria, em primeiro
lugar, questão de natureza terminológica (PAUL ELTZEACHER, Die Ilandlungsfãhigkeit, 274) e a
impropriedade do termo seria evidente: falar-se de ato a respeito de tenedor de animal (WILHELM MtYLLER,
Der Regriff der unerlaubten Handlung 86-44; FRTTZ LITTFN, Die E’rsatzpflicht des Tierhaiters, 183). Mas
logo veio à tona outra questão: se, a despeito da impropriedade, estava na lei o uso de tal termo, a propósito do
§ 838, podia estar incluído e podia achar-se lá por se não ter considerado premente mudar-se o título, somente
por terem de ser referidos os §§ 838 e 885. Foi dito haver imprudência em conservá-los entre os demais (WILT-
IELM MÚLIETI, Der Reg’síff der unerlaubteu Handlung. 26; WÃITER HOFFEUS,
Grund und Crenze der Haftung der Tierhalters, 23). Em todo o caso, ficou assente que se havia de entender ato
ilícito (unerlaubte Handlung), no sentido do Código Civil (cp., porém, a jurisprudência Entsck. in Zivilsacheu,
410), PAUL ELTZBACHER deu a seguinte explicação do que se passou: o direito de personalidade e os
direitos de propriedade dilatam-se em relação ao tenedor do animal (Tierhaiter), que é obrigado a que nenhuma
coisa ou nenhum homem seja lesado pelo seu animal. Pergunta-se: ~ de ser ato ilícito resulta que se aplicam,
sem exceção, no caso do § 833, todas as regras juridicas inclusive as processuais, referentes a atos ilícitos?
Seria desarrazoada a dedução. É preciso distinguir-se onde muda a natureza das relações, que, por exemplo,
autoriza a excluir as limitações da responsabilidade segundo idade e doença (opinião geral; contra, F. v. LISZT,
Lhe Deiiktsobiigationen im .System des BGR., 107). No Código Civil alemão, portanto, pois que não se leva
em conta a culpa, fácil foi incluirem-se todas as pessoas tidas como responsáveis. Ainda assim, pensamos que o
louco, após a loucura, não pode ter efetiva que dê a responsabilidade fundada no Cefãhrdun.gsprinzi~: pode,
bem, continuá-la.
Na lei brasileira, falta qualquer indicação de texto. A questão que se levantou na Alemanha sôbre a influência
que pode ter nas relações do § 833 a Geschdftsfdlzigkeit, de modo que só os capazes de exercer atos jurídicos
pudessem adquirir a tença do animal, assume, no Brasil, extraordinária importância. Mas, lá, logo se disse que a
tença não é negócio jurídico, e sim ação, a que se ligam conseqúências jurídicas. Assim, JOSEF KOHLER
(Lehrbuch des Biirgerlichen Recht, 496 s.) e Tu. ENGELMANN (J. v. Staudingers Komntentar zum
Búrgeriichen Recht, fl 2•~ parte, 1786), ao que respondem outros (e. g., WILHELM ItoscuEil, Haftu.ng flir
Tierschãden, 53) que pensam que a capacidade para os negócios jurídicos é de mister para que se adquira a
tença (7’ierhaltung), donde terem de ser representados os absolutamente incapazes e assistidos os de dezesseis
anos a vinte e um anos É o que ocorre com as pessoas jurídicas, no tocante à presentação.
Procuremos a solução brasileira: 1) Argumentos a f avor da irresponsabilidade: contra o louco, que tem curador,
a ação recairia, injustamente, em quem nem culpa nem tença tem da coisa, que permita o dever de evitar que o
animal lese a outrem. A ação havia de ser contra o curador, responsável pela tença, ou contra aquêle que a tem.
Contra o menor cujos bens são administrados pelo tutor, sendo êle de seis anos ou menos, também fôra injusto:
é a idade de cuidados muito diretos (Código Civil, art. 326, § 2?) e a responsabilidade deve estar, toda, no tutor
ou curador. Aqui, o fundamento não é o usufruto, como para o pai, que tem o pátrio poder e, pois, o direito de
usufruir os bens do filho, mas o cuidado preciso do tenedor. Há duas ações contra êle, a do art. 1.511, lI, e a do
art. 1.527. II) Argumentos a favor da responsabilidade das pessoas enumerados no art. 5; quem tem o proveito,
responde; a ação é do animal. Assim, se o menor, ainda de tenra idade, possui bem herdado, em que haja
animais, responde pelos danos, na forma do art. 1.527. Igual raciocínio far-se-á para o louco, ou para o surdo-
mudo que não puder exprimir a sua vontade. Tem ação contra os administradores. Se o menor de mais de
dezesseis anos adquiriu animal, dos que, conforme o uso, se vendem a menores, de modo que se possa julgar ter
havido assistência tácita do tutor, responde o menor. Porém, uma vez que se lhe reconhece a capacidade
delitua.l em geral, a questão sôbre a maneira de aquirir desaparece; o dano resultante de ato ilegal não deixa de
ser ato ilícito. Temos, pois, a questão restrita aos que a lei chama absolutamente incapazes (Código Civil, art.
5). A ação é deles e do animal. Portanto, se existe a tença, existe a obrigação de reparar. O menor, que é dono de
uma fazenda, tem o proveito; logo, deve responder segundo o art. 1.527. Enfrentamos, pois, duas soluções. ~A
responsabilidade do ad. 1.527 funda-se no dever de vigilância ou resulta do Gefàhidungsprinzip? Seja como fôr,
não nos parece que seja exigida a distinção para que cheguemos a compreender que, no sistema brasileiro, tudo
tem de se filiar ao art. 1.521, 1-1V. Presumem~-se culpados e respondem por atos de terceira pessoa: os pais,
pelos filhos menores, que estiverem sob seu poder e em sua companhia, o tutor e o curador, pelos pupilos e
curatelados, que se acharem nas mesmas condições; o patrão, ou comitente, Por seus empregados, serviçais e
prepostos, no exercício do trabalho que lhes competir, £11
por ocasião dêle (art. 1.511) ; os donos de hotéis, hospedarias, casas ou estabelecimentos, onde se albergue por

.~> a]
dinheiro, mesmo para fins de educação, pelos seus hóspedes, moradores e educandos. Pergunta-se: lAs pessoas
mencionadas respondem pelas presunções de culpa daqueles que têm de vigiar ou escolher? O empregador
responde pelas presunções iguais de culpa do preposto. Se o preposto, dono de um animal, responde pelos
danos causados por êsse, e, na espécie, o preponente tem de responder pelo preposto, não há negar que o patrão
responde pelos atos do preposto e pelas presunções de culpa. Mais ainda. Se o patrão admite que o preposto
tenha um ajudante seu, para o serviço do patrão, e no serviço ocorre acidente no trabalho, o patrão responde
pela indenização. Se, em vez de acidente no trabalho, sucede dano a terceiro, irrecusável é a responsabilidade.
Assim, respondem (art. 1.521, 1-1V) : o pai, pelo animal: a) que usufrui e pelos que mio usufrui, se estão sob a
guarda imediata e uso dos menores que não têm capacidade delitual, ou desde que se estabeleça entre o animal
e a criança e entre a criança e o pai certo seguimento de vigiláncia. Quem vigia o filho vigia o cão do filho.
Ao tutor, quanto ao menor sem capacidade delitual, ou ao curador de loucos ou surdos-mudos, cumpre vigiar os
animais do menor, quando se estabeleça certa relação entre o animal e a criança e entre a criança e o tutor, ou
quando, sendo louco ou surdo-mudo, saiba o curador que o louco ou surdo-mudo tem consigo animal, ou que o
tinha e passa, assim, à sua disposição, pela incapacidade do dono. Idem, se o preposto-menor tem animal a
serviço do patrão. Mas responde o menor ou louco ou surdo-mudo: a) Se o animal é parte de um bem, como
fazenda, fábrica, e o dano deve ser levado a quem tem o proveito. Salva a ação regressiva contra os
administradores ou responsáveis. b) Se o animal não está sob a vigilância do pai ou do tutor e o menor tem
discernimento. Essas questões sutis de capacidade delitual em sistema jurídico ao mesmo tempo omisso e
tumultuário, como o nosso, estão a reclamar a emenda do Código Civil, conforme dissemos em 1930, de modo
que tenhamos critério legal para resolver tais questões.
O Direito pode e chegará a elaborar-se livremente, mediante processo científico. Porém uma coisa é deixá-lo à
Ciência e outra é tomarem-se alguns pontos de referência legais, alterá-los, semear contradições, e deixar vagos
alguns lugares assaz relevantes. Tal o que se dá com o Código Civil.
Resta o caso dos contratos nulos. Nulo o contrato pelo qual alguém adquiriu animais, ,?,quem responde pelo
dano causado durante o tempo que medeia entre a posse e a reentrega? A questão foi e é controversa. Pela não-
responsabilidade do alienante, PAUL OERTMANN (Das flecht der Schuldverhiiltnisse, g•a~4•a ed., § 833, nota
3, d), E. GOLmMANN-L. LILLENTHAL (Das Biirgertiche Gesetzbuch systematisch dar gestelt, 913, nota 8).
Pela responsabilidade, JOSEF KOHLER (Lehrbuch des búrgerlichen Rechts, 1, 496) e TH. ENGELMANN (J.
v. Staudin gers Kommen lar, J~, 23’ parte, 1786), que estão evidentemente com a razão. No direito brasileiro,
porém, se não há o título, porque era incapaz de obtê-lo o contraente, por defeito de idade, loucura au sitrdo-
uudez (Código Civil, art. 5) temos de harmonizar a solução com a que se há de dar, diretamente, para o
problema de incapacidade.
A posse e a tença podem resultar de simples ato ajuridico; a posse, como a tença, é fáctica. O direito à posse é
direito. Ora, no caso que nos interessa, o que importa saber-se é quem foi que adquiriu ou manteve a posse ou a
tença. Se houve nulidade, ou anulação do negócio jurídico, o que importa averiguar-se é se o outorgado a que,
ex hypothesi, o outorgante do negócio jurídico fêz a tradição podia adquirir posse ou tença. Se houve compra-
e-venda ao menor, absolutamente incapaz, e houve a tradição para que se integrasse no elemento patrimonial,
como se o menor comprou o touro para que a posse lhe fôsse transferida através de atos com os empregadas da
fazenda, ou pelo simples ato de pôr o alienante dentro do portão do curral o animal vendido, a posse inseriu-se
no elemento patrimonial, fazenda ou sítio. A decretação de invalidade do negócio jurídico é sem conseqüências
, porque a responsabilidade do outorgado começou.
Se o comprador, a quem se entrega o cavalo, ou o cachorro, ou o boi, é de idade tal que de modo nenhum se
poderia admitir que o vendedor o julgasse capaz (e. g., a criança digamos, de oito anos foi à exposição de
cavalos e comprou um, que lhe foi entregue), assumiu a responsabilidade dos riscos de danos ao outorgante e a
terceiro. Não se poderia, aí, considerar com presunção de culpa (ou culpada) a criança, pôsto que possa ocorrer
a reparação segundo o princípio sôbre desigualdade de fortuna (criança rica, vendedor pobre, lesado pobre).
Surge também o problema de danos causados por animais serem acidentes do trabalho. A lei brasileira de
acidentes inspirou-se na hei francesa de 9 de abril de 1898, onde também há a ação pelo dano que o animal
causou. O preposto pode exercer a ação por acidente do trabalho, não outra, notada-mente a do art. 1.885 do
Código Civil francês, isto é, a que resulta de danos causados por animais (Código Civil brasileiro, art. 1.527).
Aliter, se o animal é de terceiro, porque, então, há a duplicidade de ação (contra o terceiro, pelo dano causado
pelo animal; contra o patrão, pelo acidente do trabalho).

4. Solução UNITÁRIA DO DIREITO BRASILEIRO. No direito brasileiro, a regra jurídica especial é


abrangente de qualquer animal, segundo o conceito que se fixou para a responsabilidade do guardador.
Lê-se no Código Civil, art. 1.527: “O dono, ou detentor do animal ressarcirá o dano por êste causado, se não
provar: 1.Que o guardava e vigiava com o cuidado preciso. II. Que o animal foi provocado por outro. III. Que
houve imprudência do ofendido. IV. Que o fato resultou de caso fortuito, ou fôrça maior
Se o animal servia ao dono, e. g., para caça, e foi dada toda a vigilância, ou diligência, que seria exigível no
lugar em que se achavam o ofendido e o animal, ao demandado incumbe a prova, porque se trata de
responsabilidade pelo perigo, aí, para o público.
Se o perigo já existia e o animal, com a sua intromissão, determinou o dano, como se o lugar em que estava a
pessoa era arriscado e o cão a fêz cair, não se pode, a priori, afastar a responsabilidade do dono do animal (cp.
IIERMANN ISAY, Die Verantwortlichkeit des Eigenthúmers flir seine Thiere, Jherings Jahrbucher, 89, 310; F.
LoHRMANN, Die Gefahr eles Haltens von Tiereu, 22; KARL NIEMEYER, Die Haftung fúr Tierschaden nach
dem SUS., 72).

Animal é coisa , de modo que se tem de considerar o dano à pessoa, ou a algum bem, dano causado por
determinada coisa. Se o animal ofende a outro, há dano de uma coisa a outra coisa com a responsabilidade
específica (cf. JOHN LEvY, Die Haftung des Tierhalters nach § 833 SOB., 19).
A responsabilidade pelos danos causados por animais tem pressupostos diferentes dos que se exigem para a
responsabilidade pelos danos oriundos de edifício ou outra construção. Não há o pressuposto da culpa da pessoa
que é dono ou possuidor do animal, nem o da falta de cuidado. O demandado é que pode alegar, contra o pedido
de indenização, que “guardava” e “vigiava” o animal “com o cuidado preciso” (isto é, com o cuidado
necessário). Cuidado preciso é aquêle exigido pelo meio social e pelo local (vigilância que o tráfico impõe).
Não só se presume a culpa como também a relação causal entre a infração do dever de vigilância e o dano
causado pelo animal.
O dano pode ser à vida, de modo que há a responsabilidade do dono ou possuidor ou tenedor do animal como
seria responsável o homicida (Código Civil, urt. 1.537, 1 e II) ; ou à integridade física ou psíquica (art. 1.538 e
§§ 1.~ e 2.0).
Quanto aos animais selvagens, que se exibem em parques zoológicos, circos ou filmagens, ou simplesmente
amestrados, o direito brasileiro não tem regra jurídica especial, como não a tem sôbre os animais domésticos
(diferente o Código Civil alemão, § 533, 23’ parte).
De jure condendo, as diferenças de cuidado têm de ser examinadas em casos concretos e há quaestiones Meti, e
não quaest’iones inris, razão por que se há de preferir a generalidade do art. 1.527 do Código Civil brasileiro à
discriminação do § 833 do Código Civil alemão. No direito brasileiro não surge a questão do regramento da
responsabilidade em se tratando de animais que pertencem ao Estado, ou a institutos, corno os cavalos de
militares e os cães policiais. Nem, tão-pouco, quanto aos cavalos, cães, gatos e pássaros que são objetos de
afeição.
O art. 1.527 do Código Civil fala dc “dono ou detentor”; entenda-se o dono, o usufrutuário, o usuário, o
possuidor, o tenedor, ou o próprio guarda, que é a pessoa com quem um daqueles contratou a vigilância do
animal.
~Responde o proprietário se o guardador é possuidor impróprio ou tenedor? Se outrem é responsável, o
proprietário não é responsável. Assim, além de PAUL OERTMANN, ao comentar o § 833 do Código Civil
alemão, FRITz LIrrEN (Die Ersatzpflicht des Tierhalters im Rechte des SOB., 120) ; contra, O’rTO GEORG
SCHWARZ (fie Haftung eles Tierhaiters nuúh § 833 DOR., 38 s.).

5.P~ImíssõEs , LICENÇAS E PROIBIÇÕES. As regras jurídicas, legais e regulamentares, como as posturas


municipais, são de duas ordens: a) as que licenciam ou permitem certos atos das emprêsas e dos particulares; b)
as que proíbem. Quanto às primeiras, autorizações administrativas ou licenças, não obstam a que entre terceiros
e os autorizados se criem situações jurídicas. Assim, ainda que autorizada pela autoridade policial, a casa de
tolerância pode ser atacada em ação de indenização pelos vizinhos. Pode a companhia de estradas de ferro estar
em rigorosa observância dos regulamentos, mas isso não impede que seja condenada por não oferecer a devida
garantia aos passageiros. Se isso vale para as autorizações, a fortiori quanto às concessões a título de
experiência ou de ensaio, ou permissões, por outro qualquer modo, provisórias. A permissão de cães especiais,
na via pública, ou em parque, ou em exposições, mas preestabelece a não-
-culpa do tenedor. O fato de haver fiscalização, contrôle, ou aprovação do Estado não pode isentar. O ato de
direito administrativo precata quanto às penas de direito administrativo; não, porém, quanto às penas e ações de

.~> a]
direito civil comum, O mais que se pode sustentar é que a autorização legislativa produz presunção de não
haver culpa; mas seria absurdo em todo o caso, ino Brasil, como na França, há jurisprudência que o queira! .
esperar dela a responsabilização. A administração verifica, com critério de direito administrativo, o que se
passa; mas o direito comum, que é o direito privado, não pode ser postergado: a aprovação administrativa pode
não ser adequada à realidade. Contra os que têm a opinião oposta bastaria um argumento: se o próprio Estado
pode ser condenado pelo ata administrativo, pelo ato judiciário, pela própria lei, com que feriu -direitos de
outrem, ~ como se poderia admitir que o mesmo direito civil ou comum, ou constitucional, em que se funda
para pedir a declaração de nulidade de um ato, ou, até, de uma lei, pudesse ser absoluto para relações entre ter
ceiros? Não queiramos estabelecer para a gestão dos negócios. públicos situação criadora de ordem presumida
de perfeições Quanto às regras insertas em lei, regulamentares e de emergência e. g., os avisos afixados ou
sinais proibitivos (e. g., “Não pode passar”, “Trânsito interrompido”, “Em obras”, “É vedado o trânsito”) ou
adversativos (e. g., “Devagar!’, “Suba à direita!”, “À esquerda!”) uma vez que advertem e o fazem no
interesse, não só do transeunte ou do veículo, mas do público, têm o efeito de criar a presunção de culpa. Dir-
se-áque isso tem pouca importância, porque já o art. 1.527 estabelecera a legal. Não pouca. A legal exerce o seu
papel; porém pode o lesado, ao promover a prova, por exemplo, do “cuidado preciso”, invocar a presunção facti
a que nos referimos. São duas provas diferentes: a da responsabilidade do tenedor, art. 1.527, pr., e a de
exculpação, inciso 1, por exemplo.
Para aquêles casos, que referimos, de coexistência da culpa de outrem com a do tenedor do animal , o que pode
ocorrer no caso de provocação por outrem, ou por outro animal, ou, ainda, de imprudência do ofendido é de
grande importância o dever decorrente das regras de interesse público (leis municipais, estaduais, federais).
Ainda nos sistemas que se fundam na presunção de culpa, com o caráter especial da Lei suíça e do Código Civil
brasileiro, que, por vêzes, leva a condenação, a culpa da vítima pode não excluir toda a culpa do legitimado
pelo art. 1.527. No direito francês, assim se tem decidido; e os que fundam a responsabilidade na culpa
presumida são acordes com os que fundam a indenizacão na responsabilidade objetiva.

6. CuLPA no CONDUTOR E DANOS ATRIBUIDOS A ANIMAIS.


A culpa do condutor ou guia enquadra-se nos casos de culpa do art. 1.527, III. Por vêzes trata-se de acidente no
trabalho e a solução é a da responsabilidade segundo a lei especial, se ocaso é realmente de acidente no trabalho
segundo a lei. A questão da culpa do condutor não é, na doutrina, pacífica; mas deve ser devolvida a problema
mais geral. A condução não exclui a responsabilidade do tenedor do animal, mas, se há culpa, o caso há de ser
tratado quando não se tenha de invocar a lei de acidentes pelo art. 1.527, III. Pode acontecer que o condutor ou
guia empregue o animal como projétil; então, será como uma coisa sem vida. Não é de invocar- -se o art. 1.527.
Ésse é um dos casos construídos por FLEISCHAUER (Zur Auslegung des BGB., Juristische Woehenschrift, 30,
881). A responsabilidade de outrem é nenhuma (FLEISCHAUER, Zur Auslegung des § 833 BGB., 30, 881; F.
LOHRMANN, me Gefah,r des Haltens von Tiereu, 25; WALTER HOPFERS, Grund und Grenze der Haftung
des Tierhalters, 53 e 64; HANS HATJSMANN, Das Tier unel die Tierestat ais Grenze der Haftung flir
Tierschaden, 43; e até GOSLICH (Wo liegt die Grenze der Haftung des Tierhalters?, Ommhats Seitrãge, 47, 10)
a reconhece, porém considerando o animal “instrumento”. Outro caso curioso conta HEINRICE SCHUMANN
(Haftzcng fúr Tiere SOB. §§ 833, 834, 34). A Criança brinca com o cão, a correr, e, empurrada, cai, ferindo-se.
Não houve dano causado por animal. Numa construção, utiliza-se um cavalo para puxar um cato e
suspenderem-se pedras, madeiras e outras coisas; uma pedra cai. Outro caso:
alguém se fere na máquina movida a animal (FLEISCHAUER, Zur Auslegung des § 833 EGE., 881;
GOSLICH, Wo li’agt die Grenze der Haftung des Tierhalters, Gruehots Beitrd.qc, 47, 10, 11). Não houve,
dizem os escritores, adequada, mas acidental determinação. Temos, pois, a ordem para exame das questões
relativas a danos causados ao condutor e, em geral, sempre que se invoquem danos causados por animais: a) Se,
de fato, é “dano causado por animal” o de que se trata. b) Se, no fato lesivo, houve ou não culpa do ofendido,
ou de outrem (por si ou por animal seu, art. 1.527, II). Como quer que seja, a questão passa aos princípios
gerais. Mas insistamos nos casos de culpa do condutor em relação a danos a terceiros, matéria que se divide
entre o art. 1.521, III, e o art. 1.527, III), rigorosamente, de dano causado por animal. O cocheiro enxota,
açodadamente, os animais da carroça, e, na curva, apanha uma mulher. Não é de dano causado por animal que
se há de cogitar. Dirige E, pela vereda, o carro, e, na passagem, o cavalo, ao ser chicoteado, dá coice num
transeunte. Responde
§ 5.518. DANOS CAUSADOS POR ANIMAIS
pelos danos, de acôrdo com o art. 1.527; porque, então, o ato animal dêle deriva, se bem que remotamente
decorresse de ato seu. Não se dá o mesmo se o dano não proveio do cofre, mas do choque recebido à passagem
do animal em disparada. Aqui, o animal é instrumento nas mãos de E. Uma coisa é o uso da atividade mecânica
de um animal tratado, então, como objeto que produz energia e outro o ato do animal. Assim, é fácil
caracterizarem-se as fronteiras do art. 1.527. No primeiro caso, o movens é o cocheiro; no segundo, o animal
(HANS 1{AU5MANN, Das Tier und die Ticrestat ais Orenze der Haftung flir Tiersehaden, 45). Se há culpa do
condutor im vigilando mas o ato é do animal, prevalece o art. 1.527. Se o ato é do animal, então o caminho é o
da invocação do art. 1.521, III, no qual se dá aos patrões a responsabilidade pelo ato dos prepostos. Na
literatura, F. ENDEMANN (Lehrbuch des Búrgerlichen Oesetzbuches, 1, 202) e II. NEUMANN (Handazisgabe
des BOR., sob o § 833) confirmavam que o animal não foi autônomo; no caso, portanto, não responde o
Tierhalter. WALTER HOFEERS (Grunel und Grenze der Haftung eles Tierhalters, 53) advertia que nenhuma é
a responsabilidade porque no ato do animal não houve perigo de indústria.
L. RUHLENBECK (Vom juristischen Kausalzusammenhang mit hesonderer Eezugnahme auf § 833 BGH.,
.Juristische Wochenschrift, 238), partindo do Gefiihrdungsprinzip, assegurou que o ato não foi do animal, e sim
do homem, que se serviu do animal como instrumento. HEINLuOR SCHUMANN (Haftung flir Tier, BGB. §§
833, 83k, 31) diz que o animal não praticou o ato com a natureza de animal, por si, ou de si. Seria preciso,
redargiliu WILHELM ALTSCIIUL (Weiteres zur Auslegung von § 833 BGB., .Juristische Wochenschrift, 31,
204), que tivesse havido determinação volitiva do animal, para que resultasse a aplicabilidade do § 833 (Código
Civil brasileiro, art. 1.527). HERMANN ISAY (Die Grenzen der Verantwortlich keit f [ir Tierschaden, Deutsehe
.Turisten-Zeitung, 399 s.), coerente, excluia a responsabilidade do art. 1.527 (Código Civil alemão, § 833),
porque não houve culpa do animal, mas do homem. Certamente, pode haver “dano causado por animal”, sem
que se exclua toda a culpa do condutor ou de outrem. O que não é possível é aceitar-se como tal o dano causado
pelo animal durante o tempo em que, mecanicamente , obedece a outrem (G. RÚMELIN, Kulpahaftung und
Kausalhaftung, Archiv 11k die zivilistísefle Praxis, 88, 305 sj. A despeito da clareza da distinção e dos
fundamentos da doutrina, há vozes discordantes; e veremos o que há, nêles, de razão.
Queria ISRAEL (Schâdigung durch Tiere, Ju.rishschc ciienschrif 1, 31, 240) que responda, em primeiro lugar, o
tenedor do animal. Isto é; precipuamente, há-se de atender ao art. 1.527, quer tenha havido ato do animal e do
homem, quer somente do homem. Mas, evidentemente, não devemos segui-lo. A maior extensão que se há de
traçar é a de se admitir a ação quando tenha havido ato animal (coice, dentada) e culpa do homem. <condutor,
terceiro), porque até aí pode e deve ir a aplicabilidade ao art. 1.527. Porém, levá-la aos atos de que acima
falamos e escapam aos conceitos de animal, ato animal, natureza animal, animalidade, instinto, ação própria de
ser vivo, seria apagarem-se todas as fronteiras e esquecermo-nos de que o art. 1.527 só se refere a dano causado
por animal. Causar, em direito, não pode deixar de ser o reconhecimento de dependência. Assim, se o dono do
animal responde pelo fato que resulta de outro fato do animal (determinação remota a que alude Ii.
DERNEURO), ou se o cavalo persegue o touro e o touro derruba a E, responsável é o dono do cavalo, e não o
do touro. Seria absurdo parar-se no animal e não se ir buscar no homem a causa do dano, se o animal está no
lugar do touro e o terceiro no lugar do cavalo. Também GosLICH (Wo liegt die Grenze der Haftung des
Tierhalters?, Gruchois Beitrdge, 87, 20) entendia que há de responder a tenedor do animal, com fundamento no
caráter de periculosidade, que se reconhece ao animal: o fato de ser alguém que o toque e espicace, ou que o
faça, com o chicote, correr às disparadas, não exclui aquêle caráter, aquela periculosidade latente. Para êle, o
animal não pode ser transformado em simples instrumento. Nunca êle se torna “instrumento sem vontade” (em
willenloses Werlrzeug). Os próprios animais domesticados, ensinados, é à intima determinação animal que
obedecem, e não ao ensinador. Inegável a profundeza com que GOSLICH se aproximou da questão e tem-se de
reconhecer que embora haja de ser mantido o que no começo expusemos algo se lhe deve para um dos mais
árduos problemas da psicologia e, aplicadamente, do direito: o da “dressage” dos animais e do hipnotismo.
Pode haver simples negligência do condutor. ARTHUR BRÚCKMANN (Weiteres zur Auslegung des § 833
BGB., .Juristische Wochenschrift, 204) pensava que a responsabilidade vai até onde a ação do homem já é
condição sine guri nou e prejudicial para o ato do ainmal. WALTER HOFFERS (Orund und Orenze der Haftung
des Tierhalters, 53 s.), firmado nas considerações de perigo para o público e perigo industrial (Betriebsgefahr),
também levava a responsabilidade do tenedor até onde o ato animal se liga a culpa do condutor. O exemplo
clássico é o do cocheiro bêbedo, cujo cavalo dispara (Cf. GOSLICH, Wo liegt die Grenze der Haftung des
Tierhalters?, Oruchots Beitrdge, 47, 19). Mais analítico e indutivo, sugeria HANs HAUsMANN (Das Ji’ier uni
die Tierestat als Orenze der Haftung flir Tiersckaden, 51) que se procurasse saber se há intervenção de ação

.~> a]
autônoma e voluntária do animal. No caso de a embriaguez tê-lo levado a espancar os anlmais do carro, de
modo a espicaçá-los e fazê-los frenéticos, não há a responsabilidade pelo ato do aninud, mas a que derivaria do
art. 1.521, III. Ora, GoSLICH, cujas idéias já conhecemos e constituem real subsidio para a discussão,
reconhecia haver sempre duas responsabilidades: uma, pela negligência do cocheiro, pois, sem ela, não haveria
o dano; e outra, pelo ato do animal, porque a negligência do cocheiro apenas deixou livre a periculosidade do
animal, e essa, como tal, se manifestou. Sem essa qualidade de ser animal perigoso, também o dano não
ocorreria. As linhas lindeiras da responsabilidade do tenedor (art. 1.527) e da responsabilidade do patrão (art.
1.521, III) dificilmente caberiam em enunciados lógicos gerais, em proposições de distinção absoluta, porque as
duas responsabilidades podem coexistir. Nesse sentido f oram úteis as considerações de GoSLIÇH, recusando a
posição de exclusivismo e de alternativa violenta (ou a responsabilidade como patrão do condutor, ou a
responsabilidade como tenedor do animal), e de HANS HAUSMANN, quando levou a Questão para o campo
de maior prudência no exame dos fatos, inclusive no exemplo clássico do cocheiro bêbedo. Na jurisprudência,
decisão do Superior Tribunal Regional de Naumburgo, a 7 de julho de 1901, afastou qualquer distinção
dano causado pelo animal, com culpa, ou sem culpa do condutor e acentuou a responsabilidade do tenedor. A
literatura combateu-a; e o Tribunal Federal (Reichsgericht) reformou-a, a 2 de fevereiro de 1902. Mas o
Tribunal Local de Hamburgo, a 22 de janeiro de 1901, como o Superior Tribunal de Stuttgart, a 27 de janeiro de
1902, declarou que não se pressupõe, no § 833, nenhuma “querida” atividade do animal {“gewollte” Tãtigkeit) ;
sendo que o segundo apenas af lorou a questão do animal-instrumento (Werkzeug). Em geral, porém, a justiça
penetra na apreciação da autonomia da atividade animal (cf. Superior Tribunal de Hamburgo, a 19 de setembro
de 1901, o de Oldenburgo, a 26 de fevereiro de 1902, o de lena, a 8 e 15 de janeiro de 1902, e os tribunais de
Darmstadt, a 24 de março de 1902, e Magdeburgo, a 27 de março de 1902). A 6 de fevereiro dc 1902, o
Ttibunal Imperial decidiu que, se o animal atrelado ao carro ou tílburi, só àvontade do cocheiro obedeceu, tem
de ser considerado simples instrumento. Conferem os julgados de 26 de fevereiro e de 27 de novembro de 1902.
Em caso de hipnotizar ou magnetizar, êle é que é responsável.
O que mais importa é que se verifique se o animal foi reduzido a instrumento, de modo que, perigoso, ou muito
perigoso, ou não perigoso, o dano seria produzido pelo ato do homem, ou o que dificilmente ocorre pelo fato
ilícito (o vaso caiu da janela do vizinho na anca do cavalo e êsse disparou, ferindo ou mesmo matando pessoas).

§ 5.519. Danos e causadores de danos

1.BEM OU PESSOA LESADA. Há limitações no Código Civil alemão, §§ 833 e 834. No direito do Brasil e
no direito suíço, não se restringe o dano àquele que atinge à saúde e às coisas. Dano à coisa, diz-se. j,E o caso
da perda, sem dano? O.CH. BURCKI-IARDT reportou-se à espécie do fato do vizinho que derruba a gaiola do
pássaro e êsse foge: não houve perda da substância, nem dano à gaiola ou ao pássaro. Mas, além dêsse, que
fàcilmente se inclui no dano à coisa, há outros exemplos, que escapam à má limitação do § 883. Posso ter
interesse em observar, em meu quintal, certos fenômenos, para estudos experimentais, e a perturbação, que
fazem néles os pombos do vizinho, não me ofende a propriedade, nem a minha saúde; ofende, porém, o meu
interesse científico.
O dano mesmo causado pelo animal pode ser patrimonial (a coisa, senso estrito, ou direito, ou interesse
protegido pelo direito), ou não patrimonial, como é o caso do cofre do cavalo que tem como conseqUência a
ofensa à mulher, ou que leva a ter-se de operar a mulher virgem.
Em primeira plana, o art. 1.527 do Código Civil protege o público: todas as pessoas, nacionais, ou não,
residentes ou não residentes, passageiros que descem no pôrto, passantes, gentes de bordo de navios, a que se
encostam botes, ou que atracam aos cais, ou daquelas mesmas naves que estão nos portos e onde pode chegar a
ação danificadora dos pássaros. Pouco importa que exista relação jurídica entre o lesado e o dono do animal,
salvo exoneração expressa, se possível, ou se a natureza do contrato exclui a responsabilidade extranegocial. A
regra jurídica do art. 1.527 constitui regra sobre responsabilidade extranegocial; mas pode ter de ser aplicada a
despeito do contrato existente entre o que é dono ou tenedor do’ animal e o lesado. Assim, a jurisprudência
alemã (Ileiehsger., 26 de fevereiro de 1908) e, com eia, PAUL OERTMANN (Zur Frage der Haftung fúr
Tíerschãden, Deutsolte Juristen-Zeitung, IX, 141 s.), H. SIBER (Zur Haftpfiicht fúr Tiere und Automobile,
Deutsche J’u.risten-Zeitung, 10, 138) e vON LIPPMANN (Zur Ãnderung des § 833 des PJGB., Ehtilter fúr
Rechtsanwendung, 72, 1.020 s.). Contra, FLEISCHAUER (Zu § 833 BGB., Juristische Woehenschrift, 47,
267), FRITz LITTEN (Zur Abãnderung des § 833 BGB., Deutsche Jv.ris te’n-Zeitung, 10, 341), E. DANZ
(Zum vertragsmiissigen Ausschluss der Haftung, Deutache Juristen-Zcitung, 10, 383 s.), W. voN ELUME
(Vertragshaftung und Delíktshaftung, Tiergefahr und Vetragsgefahr, Das Recht, IX, 481 s.), e LLTDWIG
TRAGER (Der Kausalbegriff im Straf- und Zivilrecht, 319, nota 1). Para W. voN ELUME, quem está em
relação efetiva com um animal, em virtude de rel<ttao jvridica,9e ocorre dano que derive do perigo mesmo d’e
ter o animal, pode reclamar ao tenedor do animal indenização do prejuízo, não com fundamento no
GefÉthrdungsprinztp contido no § 833, porém na ação derivada da relação jurídica. Não podemos negar que tal
seja a regra. Certo, é a principal, mas excetuável; tão duvidosamente principal, que podemos formulá-la
inversamente, como fizemos: Se existe relação jurídica entre o lesado e o dono do animal (e, pois, entre o
lesado e o animal relação fáctica, que o expõe a perigos derivados do animal), a relação negocial não exclui a
responsabilidade extranegocial; exceto: a) Se a natureza do contrato a pré-exclui, como, por exemplo, em se
tratando de domador de leões ou de onças (e não cabe por acidentes de trabalho, por se tratar de serviços
contratados sem caráter de locação, o que lhe tira a feição jurídica de operário, e a natureza do contrato
profissional pré-exclui a responsabilidade extracontratual). Idem, quanto ao ferrador, que não seja empregado.
b) Se houve exoneração expressa, nos casos em que se admite.

2.ESPÉCIES DE DANO. O art. 1.527 do Código Civil não limitou o que pode ser objeto do dano. O dano pode
ser àpessoa ou ao corpo humano, como a algum bem. Se o cão impediu que A pudesse sair a tempo de ir ao
emprêgo ou tomar o trem, discute-se se cabe a) a incidência do art. 1.527 do Código Civil ou b) a do art. 1.518.
No sentido de LO, L. ENNECCERUS-H. LEHMANN (Lehrbueh des Rúrgerliclwn Rechts, II, 777). A solução
a) é a que mais corresponde às circunstáncias. O dano pode ser moral.
No caso de morte, rege o art. 1.537 do Código Civil. Se houve apenas ferimento ou outra ofensa à saúde, o art.
1.538 e os §§ 1.0 e 2.0 são invocáveis. Mais ainda: o art. 1.539 e o art. 1.540.
O dano pode ser só ao uso do bem, restrito ao patrimônio do possuidor ou do tenedor; ou ao uso e à
propriedade, dando ensejo à legitimação do proprietário e à do possuidor eu tenedor. Os possuidores podem ser
impróprios, mediatos ou imediatos. No caso, por exemplo, da derrubada de plantas, o dano ao proprietário pode
ser diferente do dano ao locatário, que só tinha direito aos frutos (HEINRICII KRUSsE, fie Haftung des
Tierhalters fiir den durch seine Tiere angerichteten Soltaden, 60), ou só ao uso.

Conforme antes já dissemos, o dano pode ser moral. Um dos casos mais escobrosos se passou em país de que
omitimos o nome, em que alguém, mulher viciada, acostumara animal a atos que, no passado, eram são
encontráveis, que as leis em diferentes países cogitaram de penas. O animal entrou no quarto em que estava
só, dormindo, menina de família pura; com ameaças de morder, depois de subir na cama, resultou estupro. ~
Como se haveria de resolver o problema da responsabilidade peli dano moral e Cisco causado pelo animal? Não
seria possível afastar-se a re~ponsabíiiclade da tenedora (ou a dela e a dono do animal, que na.) cuidava dêle
como devia, Código Civil, at. 1.527, 1). Por outro lado, a indenização seria pelo dote, conforme o art. 1.588,
§2?, ou conforme o art. 1.549.

3.CAUSADOR DO DANO. Causador do dano tem de ser o animal. Mas ~que é, aí, animal? Quanta. às
abelhas e aos vermes, tem-se de admitir que são suscetíveis de propriedade, posse e tença, sem que, no direito
brasileiro, se haja de discutir se são animais domésticos ou selvagens. Os cachorros do mato podem ser
apropriados, possuidos ou guardados, de jeito que podem ser causadores do dano específico. Dá-se o mesmo
com as abelhas, os vermes e outros animais.
Animal, diz a lei. ~ Que se entende, no texto legal, por animal? Todos os animais suscetíveis de direito de
propriedade <G. BAUDRY-LACANTINERIE e L. BARDE, TraiU théorique ei pratique de Droil Civil, 15, ga
ed., 664; ERITZ LITTEN, Der Ersatzpflicht der Tierhalters, 16). Isto é: os animais domésticos, os semi-
selvagens, os ferozes capturados para domesticação, ou luxo, ou curiosidade, ou outro motive. Incluem-se: os
touros e outros animais criados em liberdade, para serem aproveitados nos grandes latifúndios brasileiros; os
cavalos soltos, nas granjas sem divisão por meio de cêrcas, ou quaisquer outros tapumes; as abelhas, nos sítios
em que se cultivem, pois, para os proprietários que não lhes colhem o mel, as abelhas não são úteis, e falta o
proveito que justifique a responsabilidade e o ato de ocupação de que surgisse a. propriedade (art. 592), e o art.
593, III, não permití dúvida; as abelhas apropriadas, se colocado o cortiço em lugar assaz próximo dos vizinhos;
as cobras recolhidas e fugidas, porque a prisão delas importa ocupação (arL. 592), e a ocupação lhes cá lugar
certo, o que aumenta, para a vizinhança, os perigos, ou em transportá-las do mato para as aldeias, vilas ou

.~> a]
cidades, o que constitui criação da probabilidade de danos.
O proprietário da fazenda que tem por superstição não matar as cobras, e isso concorre para maior aparecimento
delas, pode ser responsabilizado pelo dano. A perseguição dos animais perigosos é dever social: a obrigação,
que disso nasce, gera, para os que forem omissos, a de responder pelos danos causados. Mas, então, não é o art.
1.527, que se deve invocar, e sim os arts. 159 e 1.518. Trata-se de culpa. Se A foi mordido pela cobra que
pertencia a E e fugira, a regra jurídica que há de ser aplicada é a do art. 1.527. Mas, se a cobra não lhe pertencia
isto é, estava em seu terreno, porém não houve ocupação a regra geral, o principio da culpa, é que pode ser
invocado, e dêle é que depende a vitória do autor da ação. Tem de provar a culpa do dono, possuidor ou tenedor,
do terreno, conforme se vê no exemplo referido (superstição da morte das cobras).
No direito francês, pensa-se que o homem responde pelos animais, na forma do art. 1.385 do Código Civil
francês; porém não quanto ao risco derivado do seu próprio corpo, como se transmite doença, se a sua presença
faz diminuir a freguesia de um hotel. Mas a questão não deve ser resolvida de maneira tão simples, como
querem. A riqueza dos primitivos povos arianos consistia no gado; porém a mais remota, nos animais
domésticos. A responsabilidade do proprietário depende da evolução que se opera nessa riqueza. Cumpre ainda
observar-se que os animais domésticos não são os mesmos para todos os povos (L. 2, § 2, D., ad legem
Aquiliam 9, 2; PAULO, 1, 15, § 1). Quanto aos animais bravios, os fundamentos são outros. Não há dúvida que
o animal, de que se trata, pode ser bravio, doméstico, perigoso ou doméstico não perigoso. No direito islândico,
o cão era tido como animal bravio (KARL VON AMmÀ, Nordgermctnisches Obligationenrecht, TI, 427 e 866:
cp. M. VoIOT, Rômisolte Rechtsgeschichte, 1, 726).
Resta saber-se se a palavra animal deve corresponder ao que pensa a ciência, ou se o seu conteúdo é o da
linguagem vulgar. Ambas as soluções possui a doutrina (e. g. GAnI Cão ME e L. ENNECCERUS). Há quem
sustente, com FRITZ LITTEN~ que o Código Civil alemão e o Código Civil brasileiro nem por uma nem outra
optou. Falamos dos bacilos. A questão não começou no Direito, mas na Biologia. Afirmativamente, no Direito,
PAUL OERTMANN (Das Recht der Scltuldveihditni.ssc, 628) e L. KUHLENBECK (Das Biirgeriiche
Gesetzhach, 1 ,6iO); duvidosamente, F. ANDRÉ (G. PLANCK, Ruirgerlich.cs Gesetzbuch, II, 629) ;
negativamente, Ii. DERNBURO (Das flhirqerliche Recht, II, 883) e TH. ENGELMANN (J. v. Staudingers
Kommentar, II, ‘7.~ e ga ed., 1779). Mas, se há a lição da Biologia, a solução tem de obedecer à ciência,
recorrendo-se à analogia. Dentre os que excluem os bacilos, há os que o fazem somente por se tratar de ação
não volitiva, como E. ENDEMANN (Lehrbuch des biirgerlichen Rcchts, 1, § 202), HANS HAUSMANN
(Findet § 883 BGB. auf Bazillen Anwendung?, Grueltots~ Beitrãge, 49, 286 s.) e EUGEN JOSEF (Die
praktische Anwendung der Tierhalter-Novelle, Gruchots Reitrâge, 53, 30) ; outros, por se tratar de vegetal e não
de animal, como FRITZ LITTEN, II. DERNEURO, W. CHR. FRANCKE (Tierhalterhaftung, 21), WALTHER
HOLFELD (Die Haftung des Tierhalters, 83, nota 1), e G. STIERLE (Die Haftung fúr Ticre, 290) ; outros,
como FRITZ ANDRÉ, que deixam para cada caso concreto a solução. No Código Civil alemão, § 833, estatui-
se que, se um animal causa a morte de um homem, ou lhe lesa o corpo ou a saúde, ou ofende alguma coisa, o
que tem o animal deve reparar o dano. Levantou-se a questão de se saber se na expressão “animal” (Tier)
estavam incluídos os bacilos. Houve quem respondesse negativamente, sendo assaz diferentes os fundamentos.
Também afirmativamente, PAUL OERTMANN. Cumpre que se distingam as espécies: a) Há a infecção pela
transmissão, hereditária ou adquirida, da moléstia, casos que não podem ser incluídos no § 833 do Código Civil
alemão, nem no art. 1.527 do Código Civil brasileiro. Trata-se de parasito, de micróbios, que vivem no homem
e independentemente do seu querer. Mas, seguindo-se critério objetivo, mais consentâneo com a consciência
moderna, deve ser obrigatório o tratamento, e não haveria, então, motivo algum para a distinção, que ora se faz.
Infelizmente, porém, ainda não se proveu, com todo o rigor cientifico, a tais necessidades c 1a cultura
comtemporanea. e deixam-se aos impulsos individuais o julgamento da oportunidade e da urgência dos
tratamentos. É a obra do individualismo estreito, inconsequente e produtora de males sem conta. Mas, ainda
assim, sempre é possível a ação fundada nos arts. 159 e 1.518. b) Há a infecção por animálculos ou bactérias
em cultura. Então, o indivíduo “guarda” bacilos e deve responder pelo dano que causarem, e são êles animais,
no sentido do art. 1.527 do Código Civil brasileiro e do § 833 do Código Civil alemão (EItICR JUNO, Fositives
Rech,t, 48). c) Há o individuo que causa, voluntáriamente, com micróbios, a infecção. É o crime, e não sômante
o delito civil. Não é no art. 1.527 que se há de fundar a ação, mas no art. 159, ou no art. 1.537, ou no art. 1.538,
ou, pôsto que menos fàcilmente aconteça, nos arts. 1.539 e 1.540. Micróbios são os sêres vivos que só se vêem
ao microscópio. Uns pertencem ao reino animal; outros, ao vegetal, como o bacilo da tuberculose, o do tifo.
Quase todos unicelulares. A célula vegetal é envolvida por uma membrana. Animais ou vegetais, a questão
jurídica é a mesma, tanto mais quanto certas bactérias vegetais inferiores movem-se. Vulgarmente, quando se
fala de micróbios, é a bactérias que se alude. Vegetais inferiores, unicelulares, desprovidos de clorofila, que
vivem de matéria orgânica e incapazes de tomar ao ácido carbônico do ar o carbono de que necessitam. Donde
a vida saprofítica, ou parasitária. Encontram-se em toda a natureza. São os maiores fatôres das decomposições e
recomposições da matéria. Classificam-se, provisôriamente, pela forma: micrococos ou coccidas; estreptococos,
estafilococos meristas ou sarcina; bacilos; e as bactérias curvas. Ora, se algumas bacqueterias se movem
piruetando, e do vibrião colérico se diz que percorre dezoito centímetros por hora, ~ por que discutir-se. para
aplicação do art. 1.527, se os micróbios., de que se trata, são animais ou vegetais inferiores? Se há caso em que
a analogia presta serviços, é êsse. Há a mesma razão ouanto às plantas carnívoras. Quem tem cultura de
micróbios deve ter o cuidado preciso que teria com qualquer animal que coubesse. expressamente, no art.
1.527. Na Suíça, diz-se que o art. 56 do Código suíço das Obrigações abrange todos os animais que sejam
objeto de propriedade, até os bacilos; não, porém, frisa-se, os animais evadidos, que voltaram ao estado de
selvagens (H. OSER, Kommentar zum Schweizerisúhen Gesetzbuch, V, 235 e 237). E as plantas carnívoras?
Não são animais; apodem ser subsumidas no art. 1.527? Tratou do assunto FRITZ LITTEN (fie E’rsatzpflicht
des Tierhalters, 1 s.), obscuramente. Mas, evidentemente, a solução há de ser a do art. 1.527, e não a do art.
1.529, pois que não se trata de coisa lançada, ou jogada, ou caída.
. Quem cultiva bacilos está ou não está incluído na regra jurídica do art. 1.527 do Código Civil? As opiniões
dividiam-se; e CONRAD WIESSNER (Die Haftung des Tierhalters azia § 833 RGR., 54) excluia do mundo
animal os vermes e os insetos. Ou se entende que animal, para a incidência da regra jurídica, é apenas o que se
guarda como animal, razão por que se afirma que os bacilos não se têm como animais (e. g., H. DERNBURG,
Das Riirgerliche Recht, II, § 396, II; FRITZ LITTEN, Die Ersatzpflicht das Tierh.alters iqn Rech,te des RGR.,
17 s.; OTTO voN GIERKE, Deutsches Privatrecht, III, 944, à nota 42;
L.ENNECOERUS-H. LEHMANN, Lekrbuch des Biirgerlichen Rechts, II, 778, nota 73) ; ou só se exige que
seja animal, e não vegetal, nem homem (e. g., LUDWIG KUI-ILENBECK, Das Búrgerliche Gesetzbuch, ~, 2Y
ed., 690; PAUL OERTMANN, Das Recht der SchuldverluYltnisse, § 833, 3, a; antes da 4,a ed.,
G.PLANCK, lihirgerliche Gesetzbuch, II, 628 s.). Tudo se simplifica se se acolhe a opinião que expusemos em
1930, que é a de se aplicar o art. 1.527 assim aos animais como aos vegetais carnívoros, ou quaisquer vegetais
inferiores que possam causar dano e seja de exigir-se o cuidado preciso do dono, possuidor ou tenedor.
Temos de repelir a afirmação de que a responsabilidade pelos danos causados por animal se baseie em culpa do
animal, pela qual tem dever de ressarcir danos o dono, o possuidor ou tenedor (e. g., HERMANN TSAY, Die
Verantwortlichkeit des Eigenthiãmers ftir seine Tiere, Jherings Jahrbiicher, 39, 314), mesmo se se alude a
princípio do interesse ativo (Prinzip des aktiven Interesses), como faz ERNST HACELEERC (Der Begriff des
Tierhalters in den § 833, 834 73GB., 80). Tão-pouco se pode entender que se supóe o inte-. rêsse em ter o
animal, pois o dono pode não ter mais qualquer interesse, e não ter doado ou não poder, sequer, derrelinquir, por
ser perigoso para os outros jogar na rua, ou mesmo fora da povoação ou cidade, o animal.
Quanto ao principio da responsabilidade pelo risco, apenas se tem de atender a que há objeções oponíveis pelo
demandado, o que afasta a absolutidade.
A propósito dos danos causados por animais, tem-se de refusar falar-se de culpa do animal. Porém não se há de
ir ao extremo de se dizer que a regra jurídica sôbre responsabilidade do dono, possuIdor ou tenedor do animal
está em lugar impróprio, porque a pessoa não comete ato ilícito e tal colocação apenas provém de linha
histórica (e. g., RUDOLF TiSC}IENDORF, Die Haftung fiir Tierschiiden nach dem neuen Búrgerlicheu Recht,
12). O cuidar é dever do dono, do possuidor e do tenedor, conforme a posição assumida, pois há afastabilidade
prévia, negocial, da responsabilidade. A causação somente concerne ao animal, pôsto que o dever de evitar
danos a outrem como que se insira na linha causal. Donde a chamada teoria da “condicio sine qua non.” (cf. E.
voN LISZT, fie Deliktsobligationen, 68 5.; MAX RÚMELIN, Die Verwendung der Causalbegrilfe, 19 s., 90 e
96 s.), mesmo sob o nome de teoria das circunstâncias geralmente favoráveis (LunwIo TRÁGER, Der
Kausalbegriff im Straf- und Zivilrecht, 154 s.). Mas a causalidade tem de ser adequada, porque se, por exemplo,
há tremor de terra, ou incêndio, que abre as portas do estábulo, não há a responsabilidade do guardador (cf.
Código Civil, artigo 1.527, IV; FRinrz LITTEN. fie Ersatzpflicht des Tierhalters, 83). Atiter, se o próprio dono,
possuidor, ou tenedor, pôs o fôgo na cêrca ou na casa ou perto da cêrca ou da casa.
Se o cocheiro deixa que o cavalo se livre da brida, ou se, esporeando-o de mais, o faz saltar, e com isso dá
ensejo ao dano a outrem, a responsabilidade não é por ato do animal_ porque aí êsse foi instrumento. Discutiu-
se isso no comêço do século e venceu a opinião de ARTHUR BRÚCKMANN, que deu o exemplo, e de WILI-
TELM ALTSCHUL (Weiteres zur Auslegung von § 833 EGE., Juristische Wochenschrif 1, 32, 202), GosLIcl
(Wo liegt die Grenze der Haftung des Tierhalters?, Gruchota Beitráge, 47, 10) e outros, contra a de KONRAD

.~> a]
COSAÇE.
Se alguma avalanche, ou descarrilhamento, ou derrapagem foi o que pôs em atividade nociva o animal, de
modo que ele pisou, mordeu ou derrubou alguém, ou matou, a responsabilidade do proprietário, do possuIdor
ou tenedor não existe (cf. CARL HAsS, Uber die Verwerthbarkeit des Gegensatzes von ndãquaten und
inadãquaten Kausalzusammenhang in der Lehre
Interesse, Jherings Jahrbiicher, 37, 403 s.; A. KÓSTLIN, Die Haftung fúr Tierschaden. nach dom BGB., 26 s.).
Mas tem êle de fazer a objeção, conforme o art. 1.527 do Código Civil.
Cumpre, ainda, advertir-se que nem todos os possuidores são responsáveis, pois a guarda pode estar com
outrem, sem culpa ou contrôle do possuidor. O locatário da casa, em que se aloja o animal, é que responde pelos
danos, nw.s pode ser responsável o dono ou o possuidor próprio se o locatário não assumiu a guarda, ou se o
próprio empregado do dono não a quis.
A responsabilidade do dono, possuidor ou tenedor não pré- exclui a do empregado, como a do cocheiro.
Quem entrega em comodato, ou em locação, o animal, sem que oculte o perigo, não responde pelo dano.
Responde o comodatário, ou o locatário. Idem, quanto quem o empenha (Jo~EF ZECH, Der Tierschaden, 83;
cf. KURT VoIGT, fie Fdlle der Causalhaftung des BGB., 3 s.). Em caso de não se livrar da ação de indenização,
com fundamento no art. 1.527 do Código Civil, toca-lhe a ação regressiva. Quase sempre, é difícil a defesa do
proprietário, ou possuidor, que entregou a outrem o animal, salvo se o próprio locatário, ou comodatário, não
revelou a procedencia.
Quem está lavando o cavalo de outrem, ou lhe vai dar comida, ou água, ou quem corta o pêlo do cachorro, não
guarda o animal: não é proprietário, nem possuidor, nem, sequer, tenedor. O art. 1.527 do Código Civil não é
invocável. Se a culpa, no ato do animal, lhe toca, o que se pode alegar e provar é a ilicitude conforme o art.
1.518 (cf. Orro EBLE, Die §§ 883 & 884 des 73073. uná ihr gegenseitiges VerItdltnis, 25 s.).
Discute-se se quem aluga o animal por hora, ou por algumas horas, ou por dia, se faz possuidor, para o efeito de
ser responsável pelos danos. Alguns afirmam que aí não há poder duradouro sôbre o animal, de jeito que o
locatário não assume a posição do dono, ou possuidor, ou tenedor do animal (e. g., L. ENNECCERUS-H. LEI-
IMANN, Lehrbuch des Búrgerli .chen Reehts, II, 779, nota 15; KARL LARENZ, Lehrbuch des Schuktrechts,
II, 386; divergindo, EmNII. GEICEL, Der Haftpflichtprozess mit Einschluss des materiellen Haftplichtrechts,
q•a cd., 173). O assunto merece atento exame, porém êsse exame não pode afastar a responsabilidade do
locatário, ou do próprio comodatário, que tem a posse imediata do animal, porque, por mais breve que seja o
tempo do uso, posse há. A tese de IHERMANN ISAY (Die Verantwortlichkeit des Eigenthúmers fúr seine
Thiere, Jheríngs Jahrbúcher, 39, 316), de que só responde o possuidor próprio, é para se repelir, quer no direito
alemão, quer no direito brasileiro, que tem a melhor teoria da posse. Quem aluga um cavalo sem que continue
sob a guarda do locador assume a posição que se figura na regra jurídica de responsabilidade com a presunção
iuris tantum (no direito brasileiro). Se a locação foi pelo pai, mãe ou outra pessoa que vigia a criança, mas o
locador acompanha o cavalo montado pelo menor, de modo que não transferiu toda a guarda, a responsabilidade
especial continua com o locador (dono, possuidor, ou tenedor), e contra o locatário só se pode invocar o
princípio geral da responsabilidade por culpa. Dá-se o mesmo se o locatário é maior, e não sabe montar, ou não
assumiu a guarda do animal. Mais ainda: o raciocínio estende-se aos casos de comodato, porque, se A
emprestou a B o cavalo sem transferir o cuidado durante o uso por E, continua com posse imediata. Se
emprestou e deixou a E a posse como se E dono fôsse, ou locatário, há a responabilidade de E.
Quem, mediante contrato com o possuIdor, assume a vigilância do animal, sem que se faça possuidor, é
responsável, por presumir-se zuris tantum a sua culpa, uma vez que haja a relação causal entre a infração do
dever de vigilância e o dano produzido.
A despeito da colocação do art. 1.524 do Código Civil, não só se refere êle às espécies dos arts. 1.521, 1.522 e
1.523: o dono do animal, ou o possuidor mediato próprio ou impróprio tem a ação de regresso contra o tenedor
ou guarda-dor (cf. BEENHARD RAHN, fie Schadenzufitgungen dw”ch ‘fiere nach dom 73GB., 52 s.).
A imprudência do ofendido é culpa. O Código Civil, artigo 1.527, III, claramente torna afastável, em objeção
do demandado, a responsabilidade. Não há reparação; nem, em princípio, compensação de danos, pois só
excepcionalmente pode ocorrer que haja duas linhas de causalidade. O caso referido por KONR.AD
SCHNEIDER (Zu ~ 833 BGB., Das Recht, VII, 203> é expressivo: A tem uma cachorrinha e B, vizinho, tem
um cachorro, que vai por vêzes à casa de A e causa danos. Pode A pedir indenização? Há compensabilidade de
danos? Afirmativamente, além de KONRAD SCHNEIDER, e. g., WALTER I-IOFFERS (Grund und Grenze
der Haftung des Tierhatt era, 68 s.), e HEINRICH SCHUMANN (Haftung fiir Tiere, 73GB., *§ 833, 38-4, 54
s.).
Se o ladrão leva o cão, ou outro animal, e, fora da posse pelo proprietário, há o dano, respondem pela reparação
o ladrão, que se fêz tenedor, e o proprietário, que só tem quanto a animais a defesa do art. 1.527, 1, II, III, ou
IV.
Para se livrar da presunção de culpa, o dono, ou possuidor, ou tenedor, teria de tornar notórios o roubo e a
periculosidade do animal. Se a culpa do ladrão o faz responsável conforme os princípios gerais, o dono,
possuidor ou tenedor pode fazer a objeção, que a lei lhe permite, que é a de ter tido, sempre, antes do roubo, ou
furto, o cuidado preciso.
A respeito das coisas que caírem, ou forem lançadas em lugar indevido, não há responsabilidade do
proprietário, porque responsável é quem habita a casa, ou parte dela, conforme o art. 1.529. De modo que, se a
coisa caiu, ou foi lançada, devido ao animal (e. g., ao pular para a janela fêz cair a garrafa), não há
responsabilidade por ato do animal, mas pelo dano causado pela coisa inanimada.

4.PLURALIDADE DE ANIMAIS. Os danos podem ser por animais, em grupo permanente, ou social, ou entre
êles. Os problemas, que surgem, são diferentes.
No caso de luta de cães, ou de galos, ou de outros animais, há: a) a opinião que faz responsável o atacante, e
nunca o atacado, mesmo se mata aquêle; b) a que entende que houve luta a dois (mas luta a dois supõe
manifestação de vontade dos dois lados, e não ataque e defesa) ; e) a que atende a que há de haver compensação
de danos. Tudo isso depende das circunstâncias. Pode haver culpa mais grave.
No caso de pluralidade de responsáveis, salvo discriminação causal, há solidariedade (Código Civil, art. 1.518,
parágrafo único)
Se o cão está furioso, não se pode dizer que tenha ofendido por vontade. O dono, possuIdor ou tenedor é
responsável, mas pode objetar que o guardou com todo o cuidado e com toda vigilância que era necessária.
Prova, essa, assaz difícil, pela circunstância de ser revelável a doença.
O dano pode ter sido imediata ou mediatamente causado pelo animal, como se A caiu no fôsso e se feriu,
porque o cão o perseguia, ou se B, ao desfrear-se o cavalo, pulou do carro e quebrou a perna (cf. WILI-IELM
ALTSCHUL, Weiteres zur Auslegung von § 833, Juristiscke Wochenschrift, 31, 202 s.).
As boas qualidades do animal não pré-excluem a responsabilidade do dono, possuidor ou tenedor.
No direito brasileiro não se distingue da responsabilidade em caso de animal selvagem, a responsabilidade em
caso de animal doméstico, ou do animal para exercicio de profissão, o que o direito alemão veio a estabelecer,
em 1908 (antes, de iure condito, PAUL OERTMANN, Zur Frage der Haftung fúr Tierschaden, Deutsche
Juristen-Zeitung, IX, 137; GOSLICH, Wo liegt die Grenze der Haftung des Tierhalters?, Gruchots Beitrâge, 47,
6). Estabeleceu-se o princípio geral em que o elemento do risco muito perde, para se assentar a presunção juris
tantum. Aqui, em verdade, se busca a ratio legis (sôbre isso, WALTER HOFFERS, Grund uni Grenze der lia
ftung des Tierh,alters, 20; HEINRICH SCHUMANN, lia ftung 11h Tiere, 8 5.; FERDINAND LorniMANN,
Die Gefahr des HaUens von Tieren, 12). A causalidade é elemento essencial, parta do ato do animal, ou parta de
outro ato (humano ou de animal), ou mesmo de fato stricto sensu, uma vez que sem o ato do animal não
ocorreria o dano, esteja sôlto, ou prêso, ou em trabalho; salvo, portanto, se a linha causal foi quebrada.
Na espécie de cães das fôrças armadas, há a responsabilidade do soldado e a do Estado, ou só a do soldado, ou
só a do Estado. Tem-se de examinar cada caso (1-TANS HAUSMANN, Das Tier und die Tierstat ais Grenze der
Haftung Tier schaen, 86). Se estava em serviço o soldado, como qualquer outro funcionário público, a
responsabilidade é do Estado, que tem a ação regressiva contra o soldado, ou funcionário público civil.
Se terceiro foi que lançou o animal contra a pessoa lesada, seja essa, ou não, dono, possuidor ou tenedor,
responde pula culpa, e não há, ai, pensar-se em risco. O animal tem vontade, porém a interposição do homem
pode reduzi-lo a instrumento. O dono, possuidor ou tenedor do cão não está na linha causal, salvo se a sua culpa
permaneceu, como se queixou sôlto o cão que não poderia ficar à mercê de estranhos (cf. 41oHN LEvY, Die
Haftung des Tierhalters nach * 833 73GB., 22), ou em hora imprópria.
Se alguém passa perto de um cão e, ao bater-lhe na cabeça, o animal o morde, não há a responsabilidade pelo
ato do animal (cf. HEINRICE SCHUMANN, Haftung 114 Tiere, BGB. §§ 883, 834, 84).
No direito brasileiro, não há a distinção entre o ato do animal doméstico, ou de luxo, de jeito que a
responsabilidade e a mesma. Todavia, se a pessoa lesada foi empregada da emprêsa onde se utiliza como
instrumento o animal, pode tratar-se de acidente no trabalho.
Se estão em caça duas ou mais pessoas, e um cão morde um dos caçadores, ou lesa algum objeto ou o outro
cão, há quem pense que a regra jurídica especial é invocável, e quem o negue. A solução há de ser após exame
da culpa; portanto, segundo os princípios gerais. Se um dos amigos é que usa o cão, podem ser responsáveis o

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possuidor e o terceiro, que e o amigo (F. LESKE, Vergíeichende Darstellnng des BGB., TI, .343).
Se o dono, possuidor ou tenedor, ou mesmo terceiro, lançou o animal contra alguém, ou algum bem, a
responsabilidade não é pelo dano causado pelo animal, que foi apenas instrumento; mas a responsabilidade pelo
dano que a pessoa causou. Pode ocorrer que haja duas responsabilidades, se discrimináveis as causações, ou
dois ou mais responsáveis (e. •q., a do terceiro excitador e a do possuidor do cão pôsto em lugar impróprio). Cf.
KARL Gaoss (Grundlagen der Haftung des Tiershalters de lege lata et de lege ferenda, 68 s.).

Se um animal dá ensejo a que o proprietário, ou possuidor ou mesmo tenedor de outro animal o perca, ou a que
se lhe exijam despesas para a recuperação, há dano, no sentido de dano causado por animal. E. g.: o gato tenta
apanhar o pássaro, ou outro animal, que está na gaiola, a porta abre-se, e o animal que estava engaiolado foge.
Não houve ofensa ao pássaro ou outro animal, mas dano houve a quem tinha o pássaro ou outro animal
(HERMANN ISAY, Die Verantwortlichkeit des Eigentúmers fiAr seine Thiere, Jherings Jahrbiicher, 39, 807;
WÂLTHER HoLFr.u, Die Haftung des Tierkalters nach biirgerlichen-t Recht, 49; HEINRICLI KRUSSE, Die
Haflung des Tierhalters flir durch seine Tiere angerichteten Schaden, 86).

5. ANIMAIS DOENTES. Desde o momento em que adoece um animal, criam-se, para o dono, vários deveres,
que, de regra, constam das leis de saúde pública e das posturas municipais. Cria-se, portanto, contra êle, forte
presunção de culpa, que se não representa muito, pelo fato de haver a presunção legal do art. 1.527 ainda
assim, sendo, como é, facti, dificulta extraordinàriamente a prova das exculpação Da exculpação do Código
Civil, art. 1.527, inciso 1, porque, se presunção existe, não houve o cuidado preciso; da exculpação que se
insere no inciso II, porque podem coexistir a culpa do tenedor (firmada na presunção, a que aludimos) e a do
dono do outro cão, ainda que êsse seja do próprio lesado (culpas concorrentes) ; da exculpação do inciso III,
porque se dá a concorrência de culpas, se, na espécie, a do tenedor não fôr praticamente a maior, a
determinante, e tenha de ser excluída a mais leve do lesado; da causa exculpatória no inciso IV, porque, ex
hypothesi, há culpa: o caso fortuito e a fôrça maior, que se invocarem, perdem o caráter, que, de si sós, têm,
pela prevalência de culpa anterior, sem a qual o dano não se daria. Exemplo: E deixou sôlto o cão, no jardim,
sem o açaimo, e o vento derrubou a cêrca; fugiu o cão e mordeu a A: deve E indenizar, porque, se não tivesse
havido a sua culpa de soltar o cão, que devera achar-se com a focirheira ou açaimo, ou prêso na casinha de
madeira, nenhuma consequência teria tido a acidental derrubada do tapume, que. aliás, deveria ser melhor.

Pensava HANS HAUSMANN (IDas Tier und die Tierestat ais Grenze der Uaftung fúr Tierschaden, 75) que,
como vimos, distinguia o ato autônomo do animal, que o tenedor dos animais loucos (e. g., hidrófobos) não
responde com fundamento no § 833 (art. 1.527 do Código Civil). Porque o animal o cão, digamos não morde,
não ofende, em tais casos, por si, porque o queira, e sim devido à doença, à loucura.
Contrariamente pensaram FLEISCHAUER (Die Haftungsgrenze aus § 838 3GB., Gruchots Beítràge, 47, 803
s.), L. KUHLENBECK (Vom juristischen Causalzusammenhang mit besonderer Bezugnahme auf § 883 flOR.,
.Turistische Wochenschrift, 31, V8) e HEINRICLI SCHUMANN (Haftung fúr Tiere, BGB. §§ 833, 834, 48),
que se firmavam na periculosidade do animal, doente ou não. A questão torna-se delicada se trazemos à balha o
exemplo. O morador A possui um cão, animal manso, afetuoso, que nunca mordeu ninguém, nem danos causou
de nenhuma espécie. Cão hidrófobo mordeu-o; mas disso nenhum conhecimento teve o dono. Enlouquece, e
causa danos. Responde o dono dêle? Com seguro raciocínio em caso, aliás, próprio às suas idéias argumentou
HANS HAIJSMANN (Das Tier und die Tierestat ais Grenze der Haftung flir Tierschaden. [§ 833 BGB.J, in der
modernen Theorie vnd Praxis, 75) certo, no § 833 do Código Civil alemão, não se cogita de culpa, mas seria
injusto que se baseasse nêle a ação para se responsabilizar, no caso de exemplo, o dono do animal. Ora, no
Brasil, se bem que com feição especial (Lei suíça de 1881, art. 65, e de 1911, art. 56), pode haver
responsabilidade sem culpa como resultado da aplicação do art. 1.527; mas a argumentação de HANS
HAUSMANN ainda mais poderosa seria no direito brasileiro do que no alemão, só fundado no
Geftthrdnngsprinzip. Se o dono conhecia a doença, argumenta-se, então há responsabilidade, porém firmada
nos princípios gerais, e com presunção facti de culpa, e não só no § 833 (art. 1.527). Assim queria HANS
HAUSMANN. Mas o que vemos é que os mesmos argumentos serviriam ao cavalo com cólicas, ao touro ferido
em luta e exasperado. Como decidir? ~Se o animal cavalo, por exemplo apenas tropeça? Também o tropêço
não é ato do animal; é acidental, derivado, talvez, de situações imperceptíveis do caminho. GoSLIÇH (Wo liegt
die Grenze der
Ilaftung des Tierhalters, Gruchots Beitráge, 47, 15, nota 41) e HÀNS HAUSMANN (Das Tier und die Tierestat,
75) trouxeram à discussão o caso. Aquêle afirmou a responsabilidade do tenedor; êsse, negou-a. Como aquêle, o
Tribunal Regional de Hamburgo, a 22 de janeiro de 1901, que fundou a responsabilidade na consideração de
que o ttiarhalter é obrigado a indenizar quaisquer atos do animal, ainda os acidentais.
HEINRICII SCHUMANN (Haftung fúr Tiere, BGB., §§ 833, 834, 33) interveio com um exemplo. O gato
escorregou do alto e caiu num teto de vidro. Nem por isso, diz êle, deixa de haver responsabilidade do dono
dêle, porque não houve coação extenor que obrigasse o gato a cair: não estava em situação de instrumento, nem
houve fôrça maior. Opõe-se a tal solução ITANS HAUSMANN (Das Tier uM Tierestat, 76) : não houve, ai,
vontade do animal, de modo que se não poderia falar de ato volitivo do animal. Foi quase o raciocínio geral de
HER.-. MANN 15AY, que, em tal caso, não veria culpa do animal (por igual, se louco o cão) e, portanto, não
aceitaria a ação fundada no § 833 (art. 1.527 do Código Civil). As diferentes opiniões, es argumentos, que,
todos, se chocam, se bem que ligadas, rigorosamente, aos postulados iniciais ato voluntário do animal, segundo
1-TANS HAUSMANN, sucedâneo do ato culposo do animal, segundo HERMANN ISAY, e simples ato do
animal sugerem-nos algumas considerações preliminares.
Por vêzes empregamos a expressão ato autônomo do animal. Distingue-se êle, evidentemente, do ato obrigado,
forçado, resultante de pressão exterior. Mas seria engano crer-se que identificamos o ato autônomo do animal e
o ato autônomo do homem. Por outro lado, se achamos que pode haver responsabilidade sem culpa no caso do
art. 1.527, quando, por exemplo, não haja culpa, porém faleçam elementos para as provas exculpatórias do
mesmo artigo, não se há de tirar que se possa invocar o art. 1.527 nos casos de evidente indeterminação
voluntária. Mas: a) No caso do cão louco, a questão não se resolve na preliminar: há, ou não , ato da animal.
Resolveu-se depois, na prova de exculpação. Os cães são assaz atacados pelo mal; e cumpre aos donos ter, a
respeito, prévio cuidada preciso. Quem adquire um cão assume, de certo modo, tal risco, quer para os seus,
consideração que entra logo em exame e sói convencer certas pessoas de que não devem ter cães, quer, em
conseqUência, para. os outros, risco que deve importar a admissibilidade da invocação do art. 1.527. A
diferença entre ato do animal louco e ato do animal não-louco teria como conseqUência termos de indagar, em
todos os casos, se houve, ou não, ordinoriedade do ato animal.
Dois exemplos: B tem prêso o seu cão. São grades de ferro que o separam das pessoas. Um visitante, A, leva o
seu, e êsse é portador do mal. Se o cão de fi aparece doente e causa danos ao criado de E, ~ deve E responder?
Pode E, com a prova da exculpação (cf. art. 1.527, 1, II, III, ou IV), afastar a sua responsabilidade. Sobretudo,
pode invocar o inciso II e responsável será o visitante, que trouxe o seu cão à casa de E, e não E. A ação é
contra A, que causou o dano a E (ação contra êle, em que E é autor) e ao empregado de B (ação contra êle, em
que autor é o empregado), porque o dano do criado foi produzido pelo cão de E, devido, não a E, nem ao cão de
E, mas ao cão do visitante, portador da doença. E assaz razoável que se dê tal conteúdo ao “provocado” do
artigo 1.527, II. Tudo isso muda se E veio a saber que o seu cão foi mordido e não tomou providência. b) No
caso do escorregar do gato, exemplo, já citado, de HEINRICE SCHTJMANN, e dos danos ao telhado de vidro
ou vitral de janela, bem justo é que caiba a ação: a nervosidade, a afoiteza dos gatos, a sua ousadia nas
escaladas, o seu afã irrequieto dos saltos, as suas turbulentas aventuras amorosas, tudo isso, e mais do que isso,
constituem defeitos, riscos, que, associados ás qualidades de afeição, de meiguice, de elegante tranqUilidade
repousada, de agradável maciez, constituem o conjunto animal, a sua psicologia rudimentar, o seu todo. Dêle
resultam a periculosidade e a confiança, que não devemos cindir para levar o bizantinismo dos exames
particulares a indagar se houve, ou não, culpa ou vontade do gato no escorregar de um parapeito ou de um
telhado ou de um ramo de árvore.
6.ANIMAL, O LESANTE; ANIMAL, O LESADO. Quando a vítima do animal foi outro animal, há
responsabilidade. Mas isso não venceu sem algumas objeções. Se os dois animais fortuitamente se encontravam
e estavam, soltos, sujeitos a dano mútuo, apode ser desprezado o argumento de haver convenção
tácita de derrogação ao art. 1.527? aSe só a vítima estava sôlta e fortuitamente passou perto do lesante? A
jurisprudência francesa só abriu exceção para os cavalos, durante as corridas, o que é bem justo (Rouen, 8 de
agôsto de 1903; contra:
Louviers, 20 de março de 1903). Nos pastos comuns, se idênticos os riscos, isto é, se não há animais viciosos
ou bravios, também é justo negar-se o dever de ressarcimento (C. DE MOLOMBE, Cours de Code Napoléon,
81, n. 653; L. LÂROMBIÊRE, Thé.orie et pratique des Obligations, V, 789; Gioitoío GIORCI, Teoria delie
Obligazioni, V, 618; A. SOURDAT, TraiU générail de la Responsabilité, II, 1448; RENÉ DEMOGIJE, Traité
des Obligations en général, V, 245). Há opiniões discordantes, como a de AUBRY e RAU (Cours de Droit Civil
frances, vr, 5A’ ed., 422). Melhor é, porém, em cada caso, raciocinar-se com as regras, como se se não tratasse
de dois animais, lesante e lesado, mas de um só, o lesante: a culpa prevista nos casos II e III do art. 1.527 é que

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importa.

7.DANOS A AMBOS OU TODOS OS ANIMAIS. No caso típico de danos em ambos ou todos os animais, que
brigaram, sem se saber qual o que provocou, há três atitudes possíveis:
a) cada parte propõe a sua ação; b) dividem-se os danos; o) não se cogita de ação. A primeira solução tem por si
O. PLANCK (Biirgerliches Gesetzbueh, II, 629), K&RL LINCKELMANN (Die Schadenersatzpflicht aus
unerlaubten Handlungen nach dem BGB., 86), F. LESKE (Vergíeichende Darstellung des Búrgerlichen
Gesetzbuches, 343), 1W. G. V. SCHERER (Recht der Schuldverhdltnisse, II, 1.817), E. GOLDMANN’-L.
LILTENTRAL (Das liuirgerliche Gesetzbuch systematisch dargestelit, J, 1•a parte, 217), HANS HAUSMANN
(Das Tier und die Tierestat ais Grenze der Haftung fiir Tierschaden, 74). A segunda,. com alusão ao direito
germânico, é amparada por HERMANN ISAY. A terceira falsa, porque supõe compensação entre danos que
não são necessariamente equivalentes é a de alguns tribunais (e. g., Chemnitz, 21 de novembro de 1902). A
verdadeira opinião é a primeira. A noção de compensação não pode vir antes; só durante a ação, sabidos os
danos, pode intervir:
antes, como eliminatória da ação, igualizaria, abstrata e arbitráriamente , os danos que podem ser desiguais e
não concernirem apenas ao animal: podem ir, por exemplo, até outros animais, ou até a pessoas.
A questão de causalidade, em assunto de danos devidos a animais, intervém, forçosamente, na discussão. Mais
se pensa em que os conceitos e os raciocínios legais bastam, mais nos surpreende o ressurgimento dela. Porque
é preciso que o dano tenha sido causado pelo animal. Certo é que os dois conceitos, o filósofico (lógico) e o da
chamada causação adequada, mais uma vez se chocam, e disputam o fastígio. De um lado, a atitude de A. voN
ERIES (Uber die Begriffe der Wahrscheinlichkeit und Mõglichlçeit und ihr’e Bedeutung im Strafrecht,
Zeitsehrift fúr die gesamte Strafrechtsu’issenschaft, IX, 528 s.; tiber den Eegriff der objektiven Móglichkeit,
VierteLjah,rsschrift fiir wissenschaftliche Phiiosophle, 12, 201 s.)
O ato é causa, quando, sem êle, o efeito não se produziria; para sabê-lo, tem-se, por vêzes, de recorrer à
probabilidade. Introduz-se, por êsse modo, a regra da vida, como queria L. VON BAR, Regel des Lebens. Do
outro, a concepção puramente lógica: causa é, se, sem ela, o efeito não seria. O cocheiro dorme; o cavalo toma
o caminho que entende. Cai de um despenhadeiro, e morre o viajante. Sem o sono do cocheiro não se daria a
morte da pessoa.
Ora, ordinariamente , isto é, segundo a regra da vida, o sono dos cocheiros não produz a morte: entre a morte e
o sono (negligência do cocheiro) existe apenas causalidade acidental. Na literatura, têm-se as duas opiniões.
ISRAEL (Schãdigung durch Tiere, .Juristiscke Wochenschrift, 31, 238 s.), por exemplo, sustentou a concepção
lógico-filosófica. Foi o influxo tantiano (1. KANT, Kritik der reinen Vernunft, 185). É de crer-se que tal seja o
critério verdadeiro, em se tratando do § 888 do Código Civil alemão (cf. HANS HAUSMÂNN, Das Tier und
die Tierestat ais Grenze der Haftung flir Tierschaden E§ 883 EGB.] in der moderneu Tizeorie und Praxis, 29) e
do art. 1.527 do Código Civil, se cogitamos da ratio legis. Mas casos há que só a análise das relações algo nos
pode dizer de definitivo. Certo, não se há de querer falar de uma culpa do animal (aliás, o direito romano, com a
adia de pauperie, aludia a vitium, a quase-culpa), como HERMANN TSAY (Die Vernntwortlichkeit des
Eigentdmers ftir seine Thiere, Jherin.gs Jahrbitcher, 39, 209 s.) e FRANZ EERNHÓFT (Das EGE. als
Grundíage des kúnftigen Rechts, Beitráge zu,r Auslegung des BGB., 8 s.) ; porém seria demasiada a solução
com o critério lógico-filosófico em absoluto, se o tivéssemos, a priori e sem qualquer consideração de
probabilismo. Também aqui há de atuar o determinismo estatístico. E costuma briiicar com os cães de A, que os
tem em grande quantidade. Certo dia, o criado de A solta quatro e A, que só os soltava de quando em quando,
soltou, de uma vez, mais quatro além dos que o criado soltara. E, sem o saber, começara a brincar com quatro,
inofensivos em tal conjunto. Surgem os demais, e trava-se briga entre êles, de que sai ferido E. Aí,
evidentemente, sem o ato de A, não haveria o dano. Outro exemplo: E costuma nadar até uma das grandes bicas
de um açude: E, C, D e E abrem mals de três bicas, que aumentam a água além das fôrças de E. Resistiria a três;
não resistiu a quatro. Quem é o responsável? Se se diz que, sem o ato de E, não se daria o dano, igual raciocínio
se haveria de fazer para os atos de E, de C ou de D. Falha, aqui, o critério filosófico, que se há de atenuar para
se atender à realidade. À doutrina dá apoio HERMANN ISAX (Die Verantwortlichkeit des Eigentúmers,
Jhering Jahrbiicher, 39, 808), L. KUHLENBECK (Von den Pan dekten zum BGR., II, 121 s.), CARL CROME
(System des deutschen Biirgerlichen Reehts, II, 162 s.) ; H. DERNmJRG (Das Elirgerliche Recht, ~ 4A ed., 815
s.), WALTER HOPPERS (Grund und Grenze der Haftung des Tierh,alters, 46), GOSLIOH (Wo liegt die Grenze
der Haftung des Tierhalters?, Gruchots BeitrÉlge, 47, 312) e outros. O segundo não falou da causação
adequada, mas sim de ligação jurídica. (L. KUHLENnECK, Vom juristischen Causalzusammenhang mit
besonderer Bezugziahme auf § 833 EGB., ,furistisclte Wachensckrift, 31, 237 s.) censurou que se queira, no
domínio jurídico, a concepção filosófica de causalidade; apontou os dois conceitos de causa e condição, pois
que êsse é importante para os juristas; a causalidade “jurídica” é a que tem conseqUências jurídicas, de modo
que o critério do processo social adaptativo Direito daria à causalidade a sua natureza específica. Na
jurisprudência alemã, o Tribunal Regional de Naumburger. a 7 de junho de 1901, aplicou o critério filosófico,
que o Tribunal Federal afastou, a 6 de fevereiro de1902, e falou, já então, de adtiquate Verar sachung, em vez de
juristische Kausalzusammenhang. Achava HERMANN ISAY que o Tribunal Federal empregou conceito seu,
nôvo, com o que não concordou HANS HAtJSMANN (Das Tier und die Tierestal ais Grenze der Haftung flir
Tierschaden, 83). O que é certo é que as opiniões, por vêzes, ficam no melo-termo; surge, aqui e ali, a questão
da quebra ou rompimento da causalidade. Há os que a definem e os que a têm por impossível: quebrada, rôta,
não é causalidade (A. VON KRIES, tiber den Begriff der objektiven Mõglichkeit, Vierteljahrs’. schrift flir
wissenschaftliche Pkitos.ophie, 12, 211; também HANS HAUSMANN, Das Tier und die Tierestat ais Grenze
de<r Haftung fiir Tierschaden, 34).
Animal de outrem, ou outro animal, pode ser o que alguém tenha emprestado, dado a guardar, sem prevenir dos
vícios ou da ferocidade ou dos defeitos (VifiCILE ROSSEL, Ma nuel de Droit Fédéral des Obligations, 4•a ed.,
110).

8.LEGITIMA DEFESA CONTRA ANIMAIS? O assunto só no terreno do direito penal tem sido tratado. Fora
dêle, constituiu, aqui e ali, matéria versada de passagem nos trabalhos sôbre legítima defesa e estado de
necessidade em geral. A legislação concernente ao perigo dos danos causados pelos animais bravios começou
pelo Preussisches Aligemeines Landrecht, 1, 1, § 155. Também apareceu no Sãchsisches Gesetzbueh, §§ 182 e
188. Assaz expl’icitamente nos Motive do Código Civil alemão. A doutrina, ora se punha do lado da legítima
delesa, ora do estado de necessidade. Mas parece que os Motive criavam um direito autônomo de defesa contra
animais, um terceiro direito de defesa, não sendo importantes, mesmo nêles, a distinção.
No direito romano, dizia a L. 1, § 11, si quadrupes pauperiem fecisse dicatur, 9, 1 (ULPIANO) : “Cum aríetes
vel boves, comisissent et alterum occidit, Quintus Mucius distinxit, ut si quidem is perisset qui adgressus erat
cessaret actio, si is, qui non provocaverat, competeret actio”. LEra a legítima defesa que se reconhecia? Na L.
49, pr., D., ad legem Aquiliam, 9, 2, lê-se: “Si quis fumo facto apes alienas fugaverit vel etiam necaverít, magis
causam mortis praestitisse vide tur quam occidisse, et ideo in factum actione tenebitur”. E no § 1: “Quod dicitur
damnum iniuria datum Aquilia persequi, sic erit accipiendum, ut videatur damnum iniuria datum, quod cum
damno iniuriam attulerit”. Na L. 39: “Quintus Mucius scribit: equa cum in alieno pasceretur, in cogendo quod
praegnas era eiecit: quaerebatur, dominus eius possetne cum eo qui coegisset lege Aquilia agere, quia equam in
iciendo ruperat. si percussisset aut consulto vehementius egisset, visum est agere posse”. Além dêsse passo de
QuINTuS Mudos SCEvOLA, há o de POMPÓNIO (L. 89, 2,a parte) : “Quamvis alienum pecus in agro suo quis
deprehendit, sic illud expeliere debet, quomodo si suum deprehendisset, quoniam si quid ex ea re damííum
cepit, habet proprias actiones. itaque qui pecus alie-num in agro suo deprehenderit, non iure id includit, nec
agere illud aliter debet quam ut supra diximus quasi suum: sed vel abigere debet sine damno vel admonere
dominum ut suum recipiat”.
Quando carneiros ou bois causem danos e um mata o outro, distinguiu QUINTOS MucTus: se pereceu o que
agrediu, não há a ação (lá se diz “cessaret”) ; se o que não havia provocado, há a ação. Quem, com fumaça,
afugenta abelhas alheias, ou as mata, há a ação in factum. Escreve QUINTIJS Mudos que, no caso da égua, que
pastava em campo alheio
fustigada, pariu, há ação se houve golpe ou veemência no trato. Para POMPÓNIO, quem encontra em seu
terreno animal alheio, tem de tratá-lo como trataria o seu. A tudo isso temos de acrescentar que o enxotar o
alheio é para que saia do terreno, e não é o que acontece com o que pertence ao dono do terreno, de modo que
se têm de levar em consideração a periculosidade do animal e as diferenças entre o que é de outrem e o que é
seu.
Voltemos aos conceitos de legítima defesa e estado de necessidade, de que já tratamos, porém que merecem
nôvo exame. Notwehr é a defesa necessária ou legítima, sem que, com esse adjetivo “legítima”, se circunscreva
o conteúdo da palavra à defesa própria ou defesa de si mesmo. Assim, Notw.ehr compreende a defesa de si
mesmo e a defesa de outrem. Pode o ato ser mesmo contra aquêle a quem se dirigia a agressão, e. q., se,
empurrado violentamente por A, C fere E, que ia ser lançado fora do comboio em disparada. No caso de defesa
necessária putativa (Putativnotwehr), isto é, interpretação errônea da existência do dano iminente, tem-se de
apurar se o êrro provém’ de negligência, ou de imprudência, ou se, na espécie, tudo corrobora a seriedade da

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ofensa iminente, ou do. risco em mira. Rege tais casos o Código Civil, art. 159. Se não houve, sequer,
negligência, nem imprudência (precipitação), falta a culpa, e, pois, o elemento para a incidência do art. 159.
Estado de necessidade (Notstand) é a situação de necessidade, em que alguém causa danos em alguma coisa ou
mesmo a outrem. Segundo algumas concepções, legítima defesa (Notwehr) e estado de necessidade (Notstand)
abrangem-se um ao outro. Não seria desacertado considerar-se a legítima defesa espécie de estado de
necessidade senso lato (II. TITzE, Die Notstand-. reclite, 16). A defesa contra os animais é caso de necessidade
(art. 160, II), e não, rigorosamente, de legítima defesa. Mas trata-se de legítima defesa quando o animal é mero
instrumento da agressão (II. OSER, Das Obligationenrecht, Komrnentar zum Sch,weizerisch,en
Zivilgesetzbuch, V, 219). A legítima defesa não serve de escusa, de elemento dirimente, de excludente, da
reparação, não impede a ação de dano, senão quando seja razoável, isto é, não haja excesso. Se houve excesso,
há sempre reparação (FRIEDRICH OETKEIi, Úber Notwehr und Notstan,d nach. deu §§ 227, 228, 904 des
Rúrgerlicheu Gesetzbuches, 7). Dá-se o mesmo a respeito do estado de necessidate. Assim, quem, somente por
lhe ladrar, de longe, um cão, o mata, ou lhe quebra uma perna, ou lhe quebra os dentes, responde pelo dano.
9.ESTADO DE NECESSIDADE. A defesa contra os animais é caso de necessidade (art. 160, II), e não de
legítima defesa. Notstand, e não Notwehr. Mas tratar-se-á de legítima defesa quando o animal fôr mero
instrumento de agressão (H. OSER, Kommentar zuni scliweízerisehen Zivitgesetzbuch, 186). A questão já se
punha antes das codificações do século XX (cf. K. JANKA, Der strafrechtliehe Not stand, 33 5.; C. LEVITA,
Das flecht der Notwehr, 186; H. TITZE, Die Notstandrecht 17 s., 82 5.; CARL VIGELIUS, Uber Notwehr
gegen. Tiere, 186).
Quando se fala de defesa necessária do animal, o que em verdade se põe em exame é a causalidade do dano. Se
o atacante foi outro animal, ainda que não seja da mesma espécie, há luta a dois, ou mais de dois. O conceito de
legítima defesa não pode ser invocado, O atacado por alguém, que usa o cão para defender-se, sim: defende-se
legitimamente. Com razão, contra falar-se de legítima defesa contra animal, ou entre animais, H. SEEGER
(Abhandlungen aus dem Strafreehte, 247) ; sem razão, além dos autores que citamos, CARL VIGELIUS (tiber
Notwehr gegeu Tiere, 4 s.).
No direito romano, a L. 1, § 11, D., si quadrupes pauperiem fecisse dicatur, 9, 1, apenas se refere a luta em que
pereceu o que atacou (qui adgressus erat), ou em que pereceu o atacado (qui non provocaverat). Nada tem isso
com legítima defesa. Tão-pouco há legítima defesa no caso da égua prenhe, que, entrando em terreno alheio ~
sendo fustigada, pariu, caso em que se há de apreciar, segundo QUINTUS Mocius, o golpe ou a veemência com
que se tratou a égua (L. 39, D., ad legem Aqui liam, 9, 2). Nas Institutas (§ 2,1., de legem Aquiliam, 4, 8), ocaso
nada tem com os animais: na 2a parte, cogita-se de quem mata o ladrão.
Nem se há de pensar em legitima defesa nos textos da Lex Burgundionum, XX, 1 e 2, e XXIII, 2, da Lex
Alamanorum, LXXXIV, 5, da Lex Baiuvariorum, XIX, 10, e da Lex Visigothorum, VIII, 8, 13. Nem no
Sachsenspiegel, II, 62, §
2.Tudo se opera “contra a sua vontade”.
Quem pratica atos em legítima defesa pode ir contra o ofensor em pessoa, ou contra o animal, que o ofensor
lançou em ataque (cp. C. MATETEU, In welchen Fdllen und in wetcher Weise ist die Not civilrechtlich vou
Bedeutung?, 27).
O ataque, para que dê ensejo a legitima defesa, tem de ser de quem há de ser lesado pelo contra-ataque, e não
por seu instrumento, que não é pessoa. Isso não significa que não possa ser contra o instrumento, isto é, com
pancada que quebra a faca ou a lança, ou mata o cão.
Na doutrina do direito comum, frisou-se que o dono que não teve culpa não responde (e. g., HUGO GRÓCIO,
De lure beili et pacis, Liber II, Cap. 17, § 21; 5. PUDENDORE, -De lure naturae ei gentiunv, Liber III, Cap. 1,
§ 6); mas faltou precisão quanto ao ônus da prova.
A noxue datio foi apenas alternativa para se prestar a indenização ou perder-se o animal (J. A. IIELLFELD,
Iurisprudentia forensis, 233), ou, melhor, meio para se obter a indenização (e. g., J. H. BÓRMER, Do e trina de
Actionibus, Sect. II, Cap. XI, § 27). A influência do direito romano veio às legislações de hoje (WLADIMIR
RADIJOFF, Die Haftung des Eigenthúmers fíir den durch Thiere angerichteten Schaden, 92).

10.FÚRÇA MAIOR E CASO FORTUITO. O Código Civil, art. 1.527, IV, é explícito quanto a se pré-excluir a
responsabilidade se houve caso fortuito ou fôrça maior. Com tal explicitude afastou-se a discussão (e. g., pela
solução negativa:
JoHN LEvY, fie Haftung des Tierhalters nach § 833 ECE., 25; FERDINAND LOI-ILtMANN, Die Gefahr des
Halters von ‘fieren, 26; WLADYSLAUS GÓRSKI, Wer isi der Halter des Tieres im Faíle des § 833 BGR.?, 42;
pela responsabilidade por presunção íuris tantum, tendo o demandado o ônus de alegar e provar a fôrça maior,
HERMANN IsAY, Die Verantwortlichkeit des Eigenthíimers flir seine Thiere, Jherings .fahrbúcher, 39, 314;
MARTIN GEoRG VICTOR SORERER, Redil der SchuldverJdiltnisse, II, 1.319).
Se bem que o art. 1.385 do Código Civil francês seja amplo, rigoroso, tem-se entendido que há os limites. A
responsabilidade desaparece além dos casos de culpa exclusiva da vítima quando há fôrça maior ou caso
fortuito. Temos, pois, na doutrina francesa, o que estatui a lei escrita do Brasil (art. 1.527, IV). A Côrte de
Cassação da França considera caso fortuito e fôrça maior como sinônimos (16 de novembro de 1914, 25 de
junho de 1914 e 7 de julho de 1914, etc.) A questão merece exame.
Que é caso fortuito? Que se entende, no art. 1.527, por fôrça maior? No Código Civil há. definição global de
caso fortuito e fôrça maior, “fato necessário, cujos efeitos não era possível prever, nem impedir”. Deve-se à
Câmara dos Deputados, por indicação de AMARO CAvALCANTI (Trabalhos, VI, 347). Nos tratadistas
brasileiros, encontramos: “A influência do cargo faz-se notar na ordem jurídica como em outras ordens de
relações”. “Em direito, o acaso manifesta-se sob a forma de fôrça maior ou caso fortuito: compreende a ação de
causas que estão fora do alcance da vontade humana, isto é, tudo que se não pode prever, ou que, previsto, não
se pode evitar’. “Fôrça maior diz-se mais propriamente de acontecimento insólito, de impossível ou dificílima
previsão, tal uma extraordinária sêca, uma inundação, um incêndio, um tufão, etc.”. Caso fortuito é um sucesso
previsto, mas fatal, como a morte, a doença, etc. “Nesse sentido pode considerar-se caso fortuito gênero, de que
a fôrça maior é a espécie (FRANCISCO DE PAULA LACRaDA DE ALMEIDA, Obrigações, § 36, texto e nota
3)”. CLÓVIS BEvILÂQUA (Código. Civil comentado, IV, 216) seguiu a TH. HUC: caso fortuito é o “acidente
produzido por fôrça física inteligente, em condições que não podiam ser previstas pelas partes”; fôrça maior, “o
fato de terceiro, que criou para a execução da obrigação obstáculo, que a boa vontade do devedor não pode
vencer”. Fundava na inevitabilidade o critério parcial de ambos. Cria sem interesse, para o Código Civil, a
distinção. Era a confusão, cada um tinha o seu conceIto. No Código Civil alemão, também aparece a noção de
fôrca maior. Porém sem se definir. A melhor atitude é a de vê-los globalmente, como está no Código Civil, pois
que a distinção, nos casos do art. 1.527, não interessa, e convém falar-se da fôrça maior como falaríamos dela e
do caso fortuito. Sôbre fôrça maior e caso fortuito, Tomos II, § 178; XXIII, §§ 2.784, 1; 2.786; 2.792-2.794;
XXII, §§ 2.690, 4 e 2.717, 4, 5; XXVI, §§ 8.102 e 3.103.
No direito alemão, pensava JOI{N LEvY (Pie Haftwng <les Tierhalters, 25) que a fôrça maior não exclui a
responsabilidade, porque, no Código Civil alemão, § 883, não se cogita de culpa. Mas verdade é que, se o § 833
não alude a fôrça maior, é porque a determinação de tal conceito foi deixada à ciência (cf. HANS
HAUSMÂNN, Das Tier und die Tierestal ais G’renze der Haftung fiir Tierschaden, 60). Discordavam de JOI-
IN LEVY. além de HANS HAUSMANN, que o combateu, muitos autores. Concordaram com êle outros, como,
sem fundamentação,
II.NEUMANN (Handausqabe <les Rúrgerlichen Gesetzbuchs, 492). Pensa W. GÓRSKI que o tenedor também
responde, nos casos de fôrça maior, pelos danos provindos do animal, se os danos foram causados pelo animal,
o que, por vêzes, é assaz difícil saber-se.~ Para caracterizar o seu pensamento, aproximou-o de expressões
parecidas com as de HANS HAUSMANN> Bem diferentes, HELtMANN I5AY (fie Verantwortlichkeít des
Eigentúmers fúr seine Tiere, Jherings Jahrbiicher, 39, 314) ~
M.G. V. SCHERER (Recht der Schuldverhàltnisse, II, 1319), que afirmavam estar excluída a responsabilidade
desde qua se faça a prova de fôrça maior. HERMANN ISAY, porque se fundava na culpa do animal; elidida
essa, não poderia ser responsável o tenedor. M. G. V. SCHELIER, porque a prova da fôrça maior exclui,
contradiz o laço causal entre o cão e os efeitos do ato. De ambos separaram-se TIANS HAUSMANN (Das Tier
und <lhe Tierestat ais Grenze der Haftung 114 Tierschaden, 62) e WALTER HOFFERS (Grund and Grense der
Haftung des Tiershalters, 46). GOSLICH (Wo liegt die Grenzen der Haftung des Tierhalters?, Grachots
Reitrãgc, 15) foi casuístico. Um cavalo espanta-se com o trovão; devido a isso, arremessa-se com a carroça,
causando danos. Outro cavalo desembesta devido ao latir de um cão e derruba o transeunte. Nada mais
desacertado do que, só por isso, excluir-se a responsabilidade do art. 1.527: a fortiori, no direito alemão, que
não alude, sequer, a fôrça maior e caso fortuito. Principalmente, se o fazem escritores, que fundam a reparação
do § 883 no Gefàhrdungsprinzip.
Na jurisprudência, o Tribunal Regional de Hamburgo (12 de março de 1901) decidiu que, na responsabilidade
do § 883, não cabia cogitar-se de culpa; portanto, não poderia ser afastada pela prova da fôrça maior. Também o
Superior Tribunal de Stuttgart (17 de janeiro de 1902) resolveu que, se um cavalo se espanta com a
aproximação (ou apito) de uma locomotiva e causa danos, é responsável o dono ou tenedor do animal. Assim,
também, I-IEINRICH S.CHUMANN. O Reichsgericht teve oportunidade de decidir-se, mas, se lhe não escapou

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o lado mais importante da questão, certo é que aceitou critério exato sem caracterizar, devidamente, a aplicação.
Passemos a alguns autores. WALTER HOFFERS (Crund nnd Grenze der Haftung <les Tierhalters, 62 e 66), que
fundava o § 833 no principio do perigo para o publico, assentava a responsabilidade pela f6rça maior. Se
alguém assume os riscos de possuir um animal, assume-os todos, desde que haja ato do animal, ainda quando
intervenha fôrça maior. Mas negava a responsabilidade se terremoto destrói a casa de um cão, o êsse, sôlto,
ofende a alguém. Porque, então, êsse perigo é de ordem geral, e não daqueles, relativos a determinados animais
(e. g., espantos, apitos, aparições de outros animais), que tenham de ser compreendidos nos riscos de ter o
animal. Dêle discordou HANS HAUSMANN, Das Vier und <lhe Tierestat als Grenze der Haftung f-iir
Tiersehaden, 37, 58, 62 e 67), para quem os limites da responsabilidade do Tierhalter não se acham no princípio
de risco, Gefãhrdungsprinzip (como quase todos queriam), porém na capacidade do animal para, por sua
vontade, executar atos, e na atuação daquela capacidade. Desde que o ato, de que se trata, não foi praticado
como ato autônomo, voluntário, do animal, cessa a aplicabilidade do § 83.3 (artigo 1.527 do Código Civil).
Atos há, portanto, que, pelas idéias de WALTER HOFPERS, são geradores de ação contra o dono do animal, e,
para HANS HAUSMANN, não no são. Os dois critérios não têm o mesmo campo de extensão. No próprio caso
do terremoto temos exemplo.
A respeito da fôrça maior, dizia PACIFICI MAZZONI, que, havendo-a, o animal não é causa. Respondia RENÉ
DEMOGUE (TraiU <les obligations en général, V, 248) : “C’est inexact. II peut être cause seconde. Par
exemple, il a été effrayé par uu tiers et s’est emporté. En réalité, nous touchons à la limite des risques que le
maitre peut raisonnablement suppoder”.
Só há fOrça maior onde, pela natureza da fôrça, que intervém, e gera o prejuízo, não pode ser prevista, nem,
tão-pouco, afastada. Já o animal não é causa principal do prejuízo, mas secundária, complementar,
intermediária. No fato imprevisível e irresistível é que está a verdadeira causa. Assim, não seria exculpação, no
caso do art. 1.527: a) não ser habitual aos animais daquela qualidade, ou, na espécie, àquele animal, causar tais
danos; b) ter o animal adquirido o hábito, sem que o dono o soubesse; c) ser excepcional o ato do animal
causador do prejuízo.
Mas é exculpação: (a) ter automóvel apanhado o animal, e êsse, ao livrar-se, ter derrubado alguém: não poderia
ser invocado o art. 1.527. Nesse caso, não foi o animal que causou o dano: a noção de causalidade jurídica não ,
certamente, até às causas remotas, porém, nesse exemplo, está bem perto a causa, e o animal apenas foi a causa
intermediária. Não se daria o mesmo se o dano tivesse sido obra do susto, ou do mêdo, ou do espanto, que sói
acometer os animais desabituados à vida da cidade, ou dos centros muito movimentados, O sertanejo ou o
fazendeiro matuto que~ com o seu atropêlo diante do intenso afã e da intensa mobilidade das capitais, causa
dano a outrem, responde por êle: devia sentir-se anormal, naqueles sítios, e tomar maiores precauções. Aqui,
intervém a noção de culpa. Mas em se tratando do animal certo não procuraremos buscar-lhe a culpa (e já
houve, como vimos, quem o quisesse), mas havemos de assentar que, sendo anormal que os animais
desacostumados passeiem ou vagueiem pela cidade, devia o dono ter o eiadado preciso para compensar tal
agravação do risco público. Se o cavalo de corrida, picando-se no arame farpado, derruba o jóquei e fere
espectador, não há fôrça maior. São os atos a que RENÉ DEMOCUE chamou objetivamente anormais, para
evitar a noção de culpa, dificilmente esvaziável do conteúdo subjetivo. Ignorância não cria fôrça maior: não é
invocável como exculpação a raiva do cão, mesmo se o dono não teve conhecimento. (6) Se o cavalo encontra,
inopinadamente, um urso, o que dificilmente acontece, pois que se tem o acidente por derivado de fórça ‘maior
(Jurisprudência francesa, Marselha, 8 de novembro de 1907). Mas deixa de ser exculpação, se o cavaio pertence
a circos, onde vê ursos. (e) Ter-se assustado o animal devido a cataclisma. Em todo o caso, desde que intervém
elemento de previsibilidade, perde o acidente o caráter de fOrca maior: devia ser melhor o cuidado do dono do
animal. Não é devido a fOrca maior o espanto após os de vista, bombas, tiros, e qualquer fato humano
previsível, O que pode dar-se é a pesquisa da culpa de outrem, isto é, do jogador de bombas, do lançador de
fogos, do atirador; mas é outro assunto.
Se um animal espantadico, com ruído de um automóvel. que massa, ou com os tiros de uma fortaleza, se
espanta, a responsabilidade subsiste. É preciso que se trate de acontecimento fortuito, natural, extraordinário (e.
ii., incêndio, 373 raio) ; dai achamos que o art. 1.527, IV, nk, admite interpretar-se corno regra jurídica simples
inversão do ônus da prova, como simples solução de culpa presumida. As palavras “Que o fato resultou de caso
fortuito, ou fôrça maL”
equivalem às do Código Civil alemão, § 834, 2Y parte: “ou que, também com a aplicação dêste cuidado,
aconteceria o dano” (oder der Schaden aueh bel Anwendung dieser Sorg/aU entstanden sourde), ou às da Lei
suíça de 1911, que o imitou: “odor dass der Schaden auch bei Anwendung dieser Sorgfait eingetreten wàre”.
Oque importa saber-se é que o fato exterior, que atua no animal de modo decisivo e violento, pré-exclui a
responsabilidade do tenedor, porque, então, o fato lesivo não proveio de animal, e sim de fato que obrigou o
animal a tal proceder (Reichsgericht, 26 de fevereiro de 1903). Contra: E. GoLDMANN-L. LILIENTRÂL (Das
11GB. systematisch, dargerstellt, 2Y ed., 914) e G. PLANCK (Bilrgerliehes Gesetzbuek, II, 629). Mas pode ter
havido o fato exterior e o ato animal revestiu--se do perigo específico do ato animal (spezifische Tiergefahr).
Assim, é responsável o cavaleiro cujo animal se espanta com o fonfonar dos automóveis, mesmo se, no lugar,
não costumam passar automóveis: fato imprevisível; mas evitavel se o perigo animal do ecranto estivesse
compensado pela mansidão e cobertura do animal. A fortiori, se um cavalo, na cidade, desembesta ou escoiclia,
devido ao ruído das ruas, ao vôo de pássares (Reichsaericht, 11 de janeiro de 1906), ao apitar de uma
locomotiva (6 de julho de 1905), ao tinir subitâneo de um telefone (Cassel, 22 de novembro de 1906). ao ver
roupas ao coradouro, balouçadas pelo vento (Reichgericht, 30 de janeiro de 1905), ao ladrar de um cão prêso
(cp. Hamburgo, 26 de outubro de 1903), às picadas de insetos (Reiehsgericht, 8 de maio de 1905). Desde que
intervém os chamados caso fortuito fOrça maior, o ato não é causado pelo animal; portanto, deve haver o
máximo rigor na apreciação da prova exculratória. Se o cão foi apanhado pelo ônibus e, com a perna amputada,
está a espernear, a morder-se, dominado, pois, pela dor, cr≥m os movimentos reflexos, e morde a alguém que
passa, o dono pode invocar o inciso 1 (se, com efeito, empregou o cuidado preciso) mais isso não impedirá cue
se invoque o inciso IV(TH. ENGELMANN, J. v. Staudingers Konrnnentar, 7•a e ga cd., II, 1788), salvo: a) se o
cão se achava em lugar impróprio, pois o dono assumiu os riscos; b) se, presente o dono, o deixou no meio da
rua onde o perigo dos atos animais com tinuou, agravado pela dor.
Convém advertir-se que, nos danos causados por animais, não é necessário o contacto direto e imediato entre o
animal e o objeto lesado: a) A aparição de uma onça, que o fazendeiro vizinho possuía prêsa em curral, pode
determinar o “estouro” de uma boiada, e conseguintemente a série de danos que tal fato da vida pastoril por
vêzes acarreta. b) O uivar e os latidos de um cão podem ser causa de coice de uma vaca (Saint Ló, 17 de maio
de 1900). e) O repentino aparecimento de um animal touro, por exemplo, ou porco pode ser causa de infeliz
volta do automóvel (jurisprudência francesa). d> Se um veado, perseguido por um cão ou cães, salta e cai no
quarto, onde a senhorinha, diante do horrível quadro da luta, adoece gravemente (Cassação, 26 de maio de
1852; cf. MAX VIna, La Déterrnination da fait de t’homme, Je l’animal, de la chose, 71>, a responsabilidade
dos caçadores é a do ad. 1.527 (art.
1385 do Código Civil francês). Nesse ponto, devemos censurar a decisão de Bordéus (21 de maio de 1906),
que, no case de pessoa que fugira de cães e foi apanhada por um bonde, decidiu, sem negar que os latidos
tivessem sido a causa possível, que as impressões recebidas, “échappant à toute rreuve testimoniale, sont
insusceptibles d’étre déterminees avec certitude”. Ora, se havia os latidos e se a prova tei feita de que o homem
vitimado fugira aos cães, ~para que a prova das impressões? e) Entre o animal e o objeto lesado pode existir
alguma coisa: o cavalo atrelado dispara, e a ponta do carro fere alguém (Cêrte de Apelação de Paris, 20 de
fevereiro de 1896), porque o carro está submetido ao cavalo. Não há fôrça maior, nem caso fortuito, a ser
invocação : “1’objet n’est rendu dangereux”, disse, muito bem, MAX VITRY, “que par 1’action de Ia bête sans
le concours d’une influence étrangêre, d’une force supérieure à elle. Le dommage demeure le “fait de
1’animal”. O dano foi causado pelo objeto inerte; mas o animal o moveu: o objeto inerte foi, apenas,
intermediário da ação lesiva.
1~
11.IMPRUDÊNCIA DO OFENDIDO. Se a pessoa é lesada pelo cão de B, após ter esbofeteado a B, não há
responsabilidade de B. Se o cavalo de A escoiceja a 8, mas B cometera a imprudência de penetrar, sem conhecer
o animal, ~a estrebaria, não pode ser responsabilizado A pelo ato do animal. Note-se bem que a questão se
circunscreve a imprudência do lesado. Certamente, em muitos casos, morre de inicio a questão, pela preliminar,
que sempre se há de levantar, qualquer que seja a espécie examinada: j,Houve, verdadeiramente, ato do animal?
Se não houve, toilitur quaestio. Se houve, ao demandado ainda acode a possibilidade de uma das provas
exculpatérias do ad. 1.527, das quais a mais vulgar é a da culpa do lesado. Em verdade, não se trata de prova
exculpatéria restrita ao art. 1.527: o inciso III constitui simples aplicação do princípio geral de exculpação pela
culpa da vitima.
Segundo o Código Civil alemão, § 254, 1•a alinea, havendo cooperado na realizacão do dano falta do lesado,
dependem das círcunstâncias particularmente da medida em que o dano foi, decisivamente, causado por urna
ou outra parte o dever de reparar, bem como a extensão da indenização a ser prestada. Não se trata de
proporcionalidade da culpa, mas da causa. Critério subjetivo aquêle; ésse. critério objetivo com
o conceito de necessidade na determinação. Mas ~ como se há de apreciar a causa? Atendem à última

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exigência, e. g., KÂRL TRINDING e PAUL OERTMANN; à causa que teve maior papel na produção da
conseqUência, E. BIRKMEYER; à causa adequada, L. VON BAR, A. VON KRIES, A. THUN, 3.
LIEBMANN, MAX RÚMELIN e LuDwrn TRÁGER. Nã~o se cogita de culpa, mas de cansa. A questão náo se
confunde com a de responsabilidade pela culpa. Refere-se à causalidade preponderante, vorwie pende
Verursachun.q. Quanto à vítima, pode haver culpa cooperante (mitwirkendes Versckulden) e pode dar-se que se
não possam imputar à mesma pessoa a causa preponderante e a culpa preponderante. Exemplo: é ferido no
combate o duelista que provocou. PAUL OERTMANN (Recht der Schuldverhttltnisse, nota n. 2, 8, ao § 254)
entendia que se deve atender à culpa, e não à simples causa preponderante. Se a vítima foi uma sé e muitos os
autores, concluia que se deve opor a culpa da vitima à dos vários indivíduos, em proporção segundo a gravidade
das culpas respectivas. Mas, com isso, confessou êle a insuficência da teoria da causa. Se as duas causas
produziram efeitos independentes A feriu, B tratou mal a ferida a teoria é satisfatória a respeito do dano
causado por animais. Também se a culpa de um é de fazer e a do outro de não ter feito. O direito suíço, coerente
com pontos do seu sistema, deixa ao juiz a faculdade de diminuir ou excluir a indenização, nos casos de
consentimento da vítima ou de haver contribuído para a realização ou agravamento do dano (art. 44, alínea lA).
Em conseqúência disso, o réu pode opor: a) a exceção de consentimento da vítima; b) a de culpa concorrente.
Na Lei suíça de 1881 sómente se dizia (art. 51, alínea 2), que, se igualmente havia culpa do lesado, podia o juiz
reduzir proporcionalmente os danos ou excluir a indenização.
No direito brasileiro, temos de separar as questões: a) culpa da vítima do lesado, diz o art. 1.527, III; b) culpa
concorrente assunto de que não tratou o Código Civil, nem relativamente aos danos em geral, nem aos que são
causados por animais.
Se houve culpa do lesado, enche ela toda a causa. Nada fica ao tenedor do animal; ou, melhor porque as causas
exclusivas são raríssimas pràticamente se tem por só, ou decisiva de si e por si, a culpa da vitima. Não há, ex
hypothesi, cooperação das culpas; há, apenas, culpa do próprio lesado. Tais casos, a que o raciocínio empresta
simplicidade extrema, pouco vulgar nos fatos, excluem, certamente, a responsabilidade pelo ato do animal. Não
foi o animal que causou o dano, foi o próprio lesado.
Exemplo:há um cão hidrófobo, em casa de B, que B vai matar; mas A, no intervalo da notícia e do ato
sacrificador de B, resolve suicidar-se e deixa-se morder (HEINRIOR ScIfli MANN, Haftung flir Tiere, EGE. §§
833, 834, 43; idem HANS HAUSMANN, Das Tier und die Tierestat ais Grenze der HafIung fiir Tierschaden,
17). Nos Motive (E. MUCDAN, fie gesamten Ax’aterialien zuni RUR., II, 454) e na literatura alemã (Tu.
ENCELMANN, Das alte und das neue Búrgerliche Recht Deutschíands, 437; JOHN LEVY, Die Haftung des
Tierhalters, 27; WALTER HOFFERS, Grund und Grenze der Haftung des Tierhalters, 67; FLEISCI-IAUER, Zu
§ 888 EGE., Jurislicite WochenschrifL, 32, 115; í-JEINRIGH SCHLMANN, flaftung flir i’iere, BGB .§§
883,834, 42;W. CÓRSKI, VVer ist der Halter des Tieres im Faile des § 838 11GB.?, 42, nota 2; E.
LOHRMANN, fie Gela/ir des Haltens vou Tieren, 57), já se reconhecia a aplicabilidade do princípio da
particação na culpa. A jurisprudência confirmou-o (li eichsgerioht, 20 de janeiro, 5 de maio, 10 de abril de 1902
e 12 de março de 1903).
A discussão, vencida, em tôrno do texto alemão, não nos interessa. O Código Civil, art. 1.527, III, fala em
imprudência do lesado em culpa, portanto. A primeira dificuldade éa do exemplo de KONRAD SCHNEIDER
(Zu § 888, Das Rechi, VII, 203) : o fazendeiro, o chacareiro, ou o morador possui urna cadela, no cio, e o cão
do vizinho procura-a, praticando vários danos no sítio ou chácara ou jardim. Pergunta-se: /,tem o dono da
cadela ação de indenização contra o outro dono, ou tem êsse, a seu favor, a exculpação de culpa da vítima?
KoNRAD SCHNEIDER ‘3 ITANS J-IAUSMANN afirmam a invocabilidade do princípio da participação na
culpa; mas KONRAD SCHNEmER pensava que não há o dever de chamar a atenção para o perigo, porque o
dono da cadela não era obrigado a ter tapume de tal altura que os vizinhos, exasperados, não pudessem
transpor; nem tinha êle o dever de prever os danos extraordinários.
Cumpre analisar-se a espécie. Se o chacareiro, dono da cadela, a teve guardada, e a sua cêrca excede ou basta a
que se assegure a normal guarda do~ cães, certo só se lhe há de atribuir culpa, se, vendo a aproximação do cão
vizinho, ou havendo razão para temê-lo, não evitou o dano e foi imprudente. Mas, se não houve imprudência,
seria injusto privá-lo da ação contra o dono do cão. A questão perde o interesse teórico para se tornar questão de
fato. Cumpre analisar o caso concreto, as circunstâncias, que podem ter grande relevância ou mesmo definitiva.
No direito brasileiro, tem-se de partir da premissa de haver a presunção inris tantum de culpa. A ação pode ser
proposta contra o dono do animal, possuidor, ou tenedor, segundo os princípios assentes no Código Civil. Ao
demandado fica o ônus da prova de que teve todo o cuidado preciso: se o juiz acolhe a alegação e a prova, há a
decisão exculpatéria.
A culpa do lesado somente exclui a responsabilidade quando pede ser tida como causa exclusiva do acidente.
Tal o que está assente em Ono WARNEYER (Kommentar, 1, 1.339). Achando-se sôlto, em lugar indevido, o
animal, e tendo o transeunte de afastá-lo, claro está que se não pode falar de culpa da vitima ou de culpa
concorrente. No caso de a culpa concorrente não ser do lesado, mas de terceiro, respondem o tenedor do animal
e o terceiro. São duas culpas. Mas, se o lesado é o próprio tenedor, responde o culpado, segundo os artigos 159
e 1.518 do Código Civil. Se ambos o forem, o da culpa decisiva.
Não se pode invocar imprudência do lesado quando êsse é incapaz de ato ilícito, sustentam muitos. Assim, H.
DERNBURO (Das Riirgerliche Recht, 4•a ed., II, 2Y- parte, 816, nota 28), com a jurisprudência. Mas, se a
questão acaba aí, no direito alemão, no direito brasileiro ressurge a da incapacidade delitual. O absolutamente
incapaz de delito não pode motivar a alegação do art. 1.527, 1H, e o tenedor responde. Assim, se a criança, de
poucos anos, enxota o cão e êsse, com as pancadas, reage e ofende a criança, não pode o tenedor invocar o
inciso III do art. 1.527. Mas HANS HAUSMANN (Das Tier und die Tierestat ais Grenze der Haftung flir
Tierschaden, 82) frisou não ser possível averiguar-se se foi autônomo ou não o ato do animal. Aqui, temos de
evitar confusão entre a imprudência exculpatória da responsabilidade, que serve ao dono, possuidor ou tenedor
do animal, e a imprudência que gera o ato ilícito, o ato-fato ilícito ou o fato ilícito. Aqui, verifica-se culpa,
afirma-se responsabilidade, e do dever de reparação liga-se à capacidade delitual. Ali, não. A criança que quebra
o copo de outrem, ou açula o cão contra alguém, não é responsável; responsável é o pai, o tutor, ou curador, ou
que dela cuida. Mas isso não significa que o dono do cão que a criança provocou e a mordeu não possa alegar a
provocação pela criança, como exculpação, pois a imprudência do ofendido absolutamente incapaz é objetável
pelo dono, possuidor ou tenedor do cão.
No direito brasileiro, desde que se trate de ato ilicito prôpriamente dito (arts. 159 e 1.518), há solidariedade: os
co--autores, cúmplices, ou pessoas enumeradas no art. 1.521, respondem solidariamente . É a lei quem no-lo
diz. Depois, a sociedade de seguros, e o obrigado à vigilância por contrato. Finalmente, &tem de responder
aquéle que é obrigado ex lege, isto é, o responsável conforme o art. 1.527, se insolvente o responsável com
culpa (e. g., art. 1.527, II), a que caberia precipuamente a reparação? Falta ao direito brasileiro o art. 51 da Lei
suíça de 1911, correspondente ao § 840 do Código Civil alemão. Mas também na Suíça ficou ao juiz verificar
se a ordem legal não coincide com a eqúidade. Dá-se-lhe certa liberdade de apreciação. É o que havemos de
entender no direito brasileiro.
12.PROVAS A FAVOR DO DEMANDADO. O ad. 1.527 do Código Civil enumera os fatos que o acusado tem
de provar para não ser condenado à indenização.
A prova é liberatória; tem de fazê-la o tenedor, isto é, o dono ou possuidor ou tenedor do animal. Melhor, o que
está com o dever de guarda e vigilância. Mas ~por que se falou em dono? Não se lia isso na Lei suíça de 1881,
ad. 56, em que se inspirou o Código Civil brasileiro. Lá se falava em wer dasselbe hãlt, e, na edição francesa, la
personue qui le detient. Foi a comissão revisora, que entendeu distinguir. Por quê? Por preocupação da
propriedade, o que se revela, aqui e ali, no Código Civil, ainda quando se trata de posse ou tença: o legislador,
ai, não tinha idéias firmes sôbre as relações possessórias e de tença. O que, ai, levou a falar-se de “dono” (art.
1.527), no capítulo sôbre efeitos da posse, leva à excepção do art. 505, tu flue. As demais leis e projetos
Código Civil austríaco, § 1.820, Projetos de Héssia, art. 670. da Baviera, art. 948, e de Dresda, art. 1.025, a Lei
suíça de 1881, art. 65, e o Código Civil alemão, § 888, bem como os projetos falam de quem detém, ou tem.
No Esbóco de TEIxEmÁ DE FREITAS, art. 2.686, explicava-se: “Incumbe esta indenização a quem quer que
tenha em seu poder o animal causador do dano, ou seja o dono dêle, ou a pessoa encarregada de guardá-lo, ou a
pessoa a quem o dono dêle o entregara”. A quem tenha em seu poder, disse-o bem; ou seja o dono, ou não. Essa
é a regra jurídica que se há de assentar, e devemos interpretar o art. 1.527 como se dissesse: O tenedor, dono au
não, do animal ressarce o dano por êsse causado. Não se começa a ação contra o dono; porque êsse pode não
ser o responsável: começa-se contra o tenedor, dono ou não. Se quiséssemos dar à lei interpretação literal,
confirmaríamos o atraso do legislador, que, com a tal expressão, ficou ao tempo do Preussisches AUgemeines
Landrecht, 1, 6, § 72, onde, por isso mesmo, se teve de prever o caso da duplicidade de proprietário, § 78.
(a) O primeiro conceito que aparece na enumeração da regra jurídica é o do cuidado preciso. Corresponde a
erforderliche Sorgfalt, “som voulii”, da Lei suíça de 1831, inferior, pois, aos cuidados exigidos pelos usos, die
mm Verkehr erforderliche Sorgfalt do Código Civil alemão, § 838, e da Lei de 1908. Mais ainda, inferior à Lei
suíça de 1911, que fala de alie nach deu Umstiinden gebotene Sorgfalt, traduzido em francês por “toute
l’attention commandée par les circonstances”.
Se o teiiedor emprega o animal em exercício de profissão, como transporte, e teve todo o cuidado com êle, tal

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como a espécie de serviço exigia, não é responsável, porque lhe dá ensejo de prova o art. 1.527, 1 (cf.
SCRMOLLER, tber den Kausalzusammenhang beim Tierschaden, Archiv flir die czvilistiche Praxis, 98, 65).
(b)Uma das provas liberatórias, a segunda para “o dono, ou detentor”, é a de ter havido provoca ção flor outro
animal, a de que o animal foi provocado por outro caminho. O Projeto primitivo dizia bem, fiel à fonte: “foi
excitado por terceiro, ou por animal pertencente a outrem”. Correspondia à regra jurídica suíça de 1881: “sauf
son recours si l’animal a été excité, soit par un tiers, soit par un animal appartenant à autrui”. Dois casos, O
Projeto revisto, art. 1.821, alterou o primitivo, como se não visse um dos casos o de animal excitado por outra
pessoa. A interpretação deve atender a ambas as espécies. No Código Civil alemão, §§ 838 e 884, não se cogita
de nenhum dos casos, atitude compreensível; tão-pouco, na Lei de 1908. Mas na Lei suíça de 1911, a que os
legIsladores do Código Civil brasileiro não prestaram atenção, o art. 5~, 8Y alínea, mantém a referência. Não se
pode sustentar que a omissão voluntária do Código Civil tenha por efeito não poder o responsabilizado liberar-
se com a prova da provocação por outrem. Se alguma pessoa provocou o animal,de modo que o animal atacou o
lesado, responsavel é , tal tomo se entenderia a respeito de quem usa armas ou objetos contundentes. Aí, regem
os princípios gerais sôbre a culpa. Se foi o próprio lesado que provocou, houve imprudência do ofendido.

18.CULPA DO LESADO. No art. 1.527, III, do Código ‘Civil pré-exclui-se a responsabilidade se houve
“imprudência do ofendido”. Culpado foi; portanto, ao proprietário, possuIdor ou tenedor, não nasce a dívida de
indenização. Não é ato de imprudência o que se pratica por se crer que o animal é normal, ou está em estado de
normalidade. Se o dono, possuidor ou tenedor põe o animal em lugar que não é adequado à espécie, ou ao
animal singularmente considerado, só se há de ter por imprudente o ato que fôsse de quem conhecia as
circunstâncias. A causalidade pode ser suficiente para a responsabilidade (e. g., o cavalo daria o coice, mesmo
se não se passasse tão perto, ou o cão morderia, mesmo se não tivesse tentado acariciá-lo o ofendido, mas a
imprudência agravou o dano; cp. v. LEYDEN, Die sogenn~ínte Culpa-Compensatiou im 11GB., 41; O.
STIERLE, Die Haftung flir Tiere im 11GB., 85 s.).
O demandado só tem em sua defesa o que o ad. 1.527, 1-1V, enumera ( 8.~ Câmara Civil do Tribunal de Justiça
de São Paulo, 21 de junho de 1947, R. dos 2’., 169, 168: “Assim sendo, fica inoperante a defesa do réu quando
afirma que não agiu com culpa, ou com má fé, porque, como adverte PONTES DE MIRANDA, o réu não se
exime com a prova de não ter cometido negligência, nem de não ter tido culpa”.
Por ocasião de passeata de elefantes, os animais assustaram.~-se e, subindo as calçadas, arrebentaram a montra
de uma loja. O demandado alegou que terceiros foram os culpados por terem provocado os animais, inclusive
com o lançamento de pequenas bombas. O juiz julgou improcedente a ação, mas a 1a Câmara Civil do Tribunal
de Justiça de São Paulo, a 9 de junho de 1958, reformou a sentença, porque teria sido “imperdoável
imprevidência não contar com as brincadeiras dos gaiatos, ou com a imprudência alheia”: “Note-se ainda que
os animais não se encontravam jungidos com as necessárias correntes, fias circulavam livremente pelas vias
públicas. Demais, o risco da circulação de objetos perigosos para a incolumidade pública, menos tolerável se
apresenta. quanto menos se descobre necessidade no ato de afrontar a-segurança coletiva. Compreende-se que o
automóvel, veículo perigoso, seja de uso indispensável no momento econômico atual da civilização, mas o
mesmo não se pode dizer no tocante à utilização, a título de reclame, de animais rústicos, quase-selvagens, em
passeio pelos congestionado8 centros urbanos. O risco foi criado exclusivamente para fins de lucro pessoal”.
Solução certa.
Quanto aos danos causados Por animais, cumpre advertir..
-se que não têm os vizinhos direito de matar os animais que entrem no seu terreno, ou casa (Câmara Cível do
Tribunal de Justiça de Santa Catarina, 2 de agôsto de 1951, .7. de 1952, 185; 2•a Câmara Civil do Tribunal de
Alçada de São Paulo, 16 de dezembro de 1953, R. dos T., 222, 485). O que se lhe permite e a defesa da pessoa
atingível, ou o exercício da pretensão para que se deposite o animal nas terras rurais, perante a policia, ou o da
ação de indenização. Se as circunstâncias põem o vizinho na situação de, em estado de necessidade, matar o
animal, ou mesmo os animais, como se não podia entrar na casa Por estar cercada e o animal avançava, ou os
animais avançavam, a solução é a mesma que se tomaria para o caso de ataque Por algum homem, ou alguns
homens.
Se o proprietário de terras as arrendou e os animais do arrendatário causaram danos aos vizinhos, não lhe cabe
responsabilidade ~i.a Câmara Civil do Tribunal de Alçada de São Paulo, 25 de agôsto de 1953, R. dos 2’., 217,
459).
Discutiu-se se o ofendido e. g., a pessoa que sofreu danos causados por animal pode retê-lo até que se lhe
preste a indenização ~2.a Câmara Civil do Tribunal de Alçada, 24 de outubro de 1951: “O autor demonstrou ter
providenciado os meios necessários para que o réu mandasse retirar o animal apreendido, mediante o
pagamento dos prejuízos. Portanto, o réu, não mandando buscar o suíno, sabendo-o em poder do autor, que
insistira pela entrega, não pode fugir à responsabilidade decorrente da obrigação de indenizar o apelante pelas
despesas com o sustento e engorda do animal. Defensável é assim o direito de retenção do autor, não só com res
peito ao ressarcimento de prejuízos como também pela paga de sustentação do animal”).
t
14.ELEMENTO DA PÁRTE DO LESADO. Se o cão , ao brincar com a criança, a derrubou, e a queda foi de
conseqüências graves, sem a intervenção de fato exterior, que compusesse a figura da fórça maior ou do caso
fortuito, ou da culpa de outro, mas as consequências só foram graves por se tratar de criança anormal, e de
anormalidade não aparente e não sabida pelo dono do animal, não se há de pensar em irresponsabilidade por
fato que somente foi danoso devido à receptividade do lesado. Note-se bem: só foi danoso devido à
receptividade do lesado. Se essa apenas agravou o estado que o ato do animal de ordinário criaria, cabe outro
raciocínio. o cão perseguiu alguém, que, devido à carreira, piorou de luxação, que o privou de comparecer ao
serviço mais de vinte dias do que fôra de esperar, a responsabilidade é somente por êsses danos. Se o animal
derrubou a B, que sofria de algum incômodo grave, e a queda não causaria a morte de outrem, porém B não
brincava com animais e só a êsse avanço inesperado se deveu o padecimento, nem seria justa a solução do caso
anteriormente citado (criança que brincava com o cão), nem a da responsabilidade absoluta. Prevalecem os
mesmos princípios relativos à culpa da vitima, quando concorra com a responsabilidade do dono do animal.
§ 5.520. Demandas de indenização
r
1.LECITIMAÇÃO ATIVA. A ação do art. 1.527 cabe ao lesado, ou, no caso de morte, aos herdeiros, ou
alimentados (art. 1.527, II). Ao segurador, até a concorrência da indenidade paga, no caso de seguros contra
danos. Se dois ou mais foram os lesados, atende-se à figura jurídica. Se herdeiros são proprietário5 da coisa,
qualquer dêles (arg. ao artigo 1.580). Se condôminos, dá-se o mesmo <arg. aos artigos 623, II, e 684), podendo,
a fortiori, ser proposta pelo condômino, que administre sem oposição dos outros, porque êsse se presume
mandatário comum (art. 640). Se os lesados forem o proprietário, o usufrutuário ‘e o locatário, cumpre
distinguir-se. A ação deve ser exercida pelo proprietário, a quem incumbe. O usufrutuário, como o credor
hipotecário, exerce os seus direitos sôbre a importância do seguro ou da indenização (HERMANN BECKER,
Obligationenrecht, Rominentar zum Schw eizerisehen Zivilgesetzbueh, nota ‘79 ao artigo 41).

2.PRESSUPOSTO DA CAUSALIDADE. Basta simples laço causal mediato entre o fato do animal e o dano
(li. OSER, Konvrnentar ztun Schwetzerischen Zivilgesetzbucji, V, 236). Assim, se o cão &e A apavora a E e
esse cai, ferindo-se, responde A petos danos causados pela queda. É preciso que o animal tenha obrado por
movimento próprio, O ônus da pi’ova de ter sido causado o dano pelo animal cabe ao autor, como também o de
que estava à disposição ou sob o poder do réu (dono ou tenedor). Mas, se o animal estava no carro e o cocheiro
o dirigia, cumpre atender às duas situações possíveis: A) Se há ato ou omissão do cocheiro, responde o dono,
conforme o Código Civil, art. 1.521, III. Dizemos o mesmo quanto aos incisos 1 e II do art. 1.521. A lei diz:
“Os pais, pelos filhos menores, que estiverem sob seu poder e em sua companhia”. E no inciso II: “O autor e o
curador, pelos pupilos e curatelados, que se acharem nas mesmas condições”. Se não se achavam em
companhia dêles, sem justificação devida, pouco importa: a responsabilidade persiste, como se presentes
estivessem. Também o patrão, o amo, ou o comitente, responde por seus empregados, serviçais e prepostos, no
ezercicio do trabalho, que lhes competir, ou na ocasião dêle (arfigo 1.521, III). Há, pois, dois casos: a) no
exercício do trabalho, que lhes competir; b) na ocasião do trabalho, ainda que não seja no exercício dêle. Os
dois casos reduzem-se a um só: o do tempo em que o autor do dano está ou devia estar sob a vigilância do
responsável, É menos larga que a vigilância do art. 1.521, 1, pois o dever dos pais é de vigiar os filhos sempre
que não tenha passado a outrem êsse cuidado. B) Se não é o caso de se invocar ato ou omissão de alguma das
pessoas do art. 1.521, isto é, quando o dano resulte de determinação interna do animal (instinto, vícios, fereza,
indomesticidade), aplica-se o art. 1.527. A invocação do ato humano inibe a aplicação do art. 1.527 (Tu.
ENGELMANN, .7. v. Staudingers Kommentar, fl, 7a e 8•a ed., 794). Resta o caso do art. 1.521, IV. Na regra
jurídica fala-se de hotéis, hospedarias, casas ou estabelecimentos, onde se albergue por dinheiro. Pergunta-se: ~
não há culpa quando gratuito? ,~ Não haverá , então, responsabilidade civil? A letra da lei brasileira é,
evidentemente, defeituosa. Os estabelecimentos públicos são responsáveis (ad. 15) ; os que chefiam
estabelecimentos gratuitos de vigilância também o são. O único efeito que poderia ter o art. 1.521, IV, seria o de

.~> a]
restringir àqueles casos, a que o texto se refere, a presunção de culpa. Ainda assim, já se falsela o principio: o
dever de vigilância concerne a todos os que guardam, por obrigação legal ou por contrato (Código Civil
alemão, § 832), ou por uso (Código Civil suíço, artigo 883), ou por outro qualquer fundamento (Código Civil
soviético, art. 405). A jurisprudência tem dois caminhos a seguir: considerar limitada à guarda paga a presunção
de culpa; ou extrair do art. 1.521 todo o seu conteúdo e reputar o inciso IV como exemplificativo, por serem
cabíveis nos incisos 1, II e III, os casos de guarda gratuita. Realmente, quem guarda sem ser mediante dinheiro,
se não faz as vêzes de pai, de tutor, de curador, é tenedor e tem interesse de amizade, ou outro em ter, guardar,
vigiar.
Na Alemanha, onde o § 888, 1.a parte, do Código Civil alemão não se funda na culpa, a ação é a ação de atos
ilícitos, e isso porque resulta: a) da posição sistemática do § 833; b) do § 840, alínea 3, que alude a “aquêle que
é obrigado a reparação do dano, segundo os §§ 888 e 888”. Assim pensam FRITZ LITTEN (Die Ersatzpflioht
des Tierhalters, 133) e Tu. ENCELMANN (J. v. Staudingers Kommentar, II, 1795). Donde serem aplicáveis no
caso do § 888 todas as regras relativas a atos ilícitos, exceto, no § g33, 1•a parte, o que concerne à exigência da
culpa. Exemplo: os §§ 827 e 828, relativos à capacidade delitual, só se aplicam no caso do § 838, 2~a parte, se
houve o cuidado exigido pelo uso; no mais, não se aplicam (Tu. ENGELMANN, .7. v. Staudingers Kommentar,
II, 1795). O § 829 não tem incidência. Porque resulta das palavras do próprio § 829 (Tu. ENCELMÂNN, .7. v.
Staudingers Kommentar, II, 1795; contra, F. VON LISZT, fie Delilctsobligationen im System des EGE., 107; e
CARL CROME, Sjstem des deutsefleu Biirgerlichen Rechts, II, § 886, nota 4). Aos casos do § 883, 1•a parte, a
despeito do que pensavam E. VON LISZT (Di.i DeliktsabUgatio’nen im System des 8GB., 107). E.
ENDEMANN (Lehrbuch des Búrgerlichen Rechts, 1, § 202, nota 9) e CABia CROME (System des deutsehen
Riirgerlichen Rechts, II, ~ 336, nota 4), não se aplicam os §§ 827 e 828. ~ aplicável o § 852 (prescrição) e são
atendidas as regras jurídicas processuais .
Igualmente os §§ 830, 840 e 842-851.
Na Suíça, se há culpa de alguém, e. g., filho, ou empregado, responde o pai ou patrão, detentor do animal não
segundo o art. 56 do Código suíço das Obrigações, mas segundo o Código Civil suíço, art. 883, ou a Lei de
1911, artigo 55. No caso de muitos animais, aplica-se o Código suíço das Obrigações, art. 50, se provada a
culpa. Se o não fôr, e vencido fôr o réu na prova da objeção, não se dá a solidariedade (cf. H. OSER, Das
Obligationenrecht, Kommentar zum Scltweizerischen Zivilgesetzbuch, V, 288; cp. C. CHR. BURCKHARDT,
Die Revision des Schweizerischen Obligationenrechts, 92). No Código Civil suíço, os arts. 16 e 19, 3•8 alínea,
não estabelecem idade fixa: fala-se, indistintamente, em incapazes de discernimento. É ao juiz que cabe decidir
se a pessoa ainda está ou não na infância. Falta o degrau quantitativo. Muitos comentadores se conformam com
isso. Outros, não:
procuram aqui e ali (na idade, por exemplo, em que a criança deve entrar na escola, seis anos). Mas há o art. 54
da Lei suíça de 1911. Restam três questões importantíssimas: legitima defesa contra animais e dano do animal
em legitima defesa do tenedor, estado. de necessidade.
3.OBJEÇÕES POR PARTE DE ACUSADO COMO RESPONSÁVEL.
A lei e a doutrina alemães não temeram as conseqüências da fundamentação no risco (Código Civil alemão, §
838, 1~a parte), ao passo que a indulgência dos legisladores suíços, imitados pela lei brasileira, persistiram na
concepção de responsabilidade mais subjetiva. Tal responsabilidade desaparece diante da prova da vigilância
atenta, do cuidado preciso:
“que o guardou e vigiava com o preciso cuidado”, diz o Código Civil, art. 1.527. ~Quando é que falta essa
vigilância, êsse cuidado. ou. melhor, quando é nue se prova ter havido tal cuidado preciso e em que consiste
Me? Trata-se, evidentemente, de questão de fato, e devemos dar às expressões o conteúdo que a técnica
legislativa e exegética evuluída sem conseguido. Cuidado preciso, diz a lei brasileira. Examinemos a evolução
do conteúdo da expressão e da própria c;v pressão. Na Lei suíça de 1911, fala-se de “gebotene Sor4alt”,
cuidado requerido, pedido pelas circunstâncias, ou segundo as circunstâncias, o que melhor o traduz. Já não é
mais a “erforderliche Sorgfalt” da Lei de 1881 (art. 65). Tornou-se ainda mais relativo o conceito. As
circunstâncias é que decidem do cuidado preciso. No direito alemão (além do requisito de se tratar de animal
doméstico, Hawstier, a que se refere a ~ parte do § 333, e Haustier que serve à profissão, à indústria e
àalimentação do tenedor), a defesa do réu consiste: a) Em provar que observou, na vigilância do animal, o
cuidado exigido pelos usos, die im Verkehr erforderliche Sorgf au. Também no § 276 o Código Civil alemão se
reporta a tal conceno. Há, nêle, relatividade quanto a terem de ser atendidas as circunstâncias do dever (usos) e,
de modo geral, as circunstâncias do caso material. Trata-se de vigilância do animal, e não de outros animais ou
de pessoas que pudessem açular o cão. Não é a culpa que se vai destruir, o que se tem por fito é provar o fato
positivo da vigilância com o cuidado exigido na ordinariedade dos casos, respeitadas as circunstâncias. Se
houve tal cuidado, pode ainda o juiz, atendidas as circunstâncias, decidir nach frelem Ermessen, de arbítrio ou
de plano. O cuidado, de que se trata, não é o permanente, mas o modificado pelas circunstâncias do caso
concreto (Decisão do Superior Tribunal Regional de Colmar, a 21 de janeiro de 1910). Pode-se provar que, se
se não observou a vigilância exigida no trato ordinário, também aconteceria o dano a despeito do cuidado
devido, que tivesse observado. A im Verkehr erforderliche Sorgfaít não impediria o dano. Vê-se igual conceito
nos §§ 881 e 882; e copiou-o a Lei suiça de 1911. Como a fonte do Código Civil foi a Lei de 1881, e não a de
1911, não vemos no art. 1.527 a alusão. Diz o Código Civil alemão, § 831: “O que prepõe outro para a
execução de um trabalho <VI einer Verrichtung), é obrigado a ressarcir o dano que outro cause ilegalmente
(widerreehtlich) no desempenho do serviço (in AusfUhrun•q der Verrichtunq). A obrigacão de indenizar não
cabe se o amo (Geschttftsherr), no escolher a pessoa preposta, e no caso em que forneça aparelhos ou
instrumentos ou dirija a execução do trabalho no fornecer, ou no dirigir, pôs o cuidado exigido pelo uso (die im
Verkehr erforderliche Sorgf ali), ou, também, “se o dano ocorreria, havendo observância dêsse cuidado”. “A
mesma responsabilidade atinge o que, para o patrão, se encarrega, por contrato, da vigilância de um dos
negócios mencionados na alínea 1•a, 1~a proposição”. Diz o § 832 quase o mesmo sôbre os que guardam
menores ou doentes. Trata-se de simples inversão do ônus da prova. Não se dá o mesmo com o § 838, lA parte.
Cumpre advertir-se que o réu não se exime com a prova de não ter cometido negligência, nem de não ter tido
culpa. A prova liberatória, que se lhe concede (art. 1.527, 1), concerne a atenção requerida pelas circunstâncias,
ao cuidado preciso, no guardar e no vigiar, e não à ausência de culpa positiva. Na Suíça, decidiu o Tribunal
Federal, a 12 de julho de 1913:
“A experiência de todos os dias permite verificar que a maior parte dos homens se abstém, em geral, das
medidas de vigilância suficientes para evitar acidentes, supondo que outros fatôres necessários para a
consecução de danos não intervirão : a pouca probabilidade de uma circunstância leva, assim, uma ressoa a
correr o risco de ver produzir-se essa circunstância, mais do que a se adstringir, cada vez, à tomada de
precauções necessárias e a impor-se a si mesmo os incômodos que elas exigem. Tal maneira de proceder,
tornando-se hábito. pode, sem dúvida, ser considerada como, em si, não reprovável, nem culposa, mas não
autoriza os que a tem a fugirem às conseqUências, pela alegação de ter procedido conforme os hábitos;
porquanto tal maneira de ser repousa, precisamente, na aceitação dos riscos eventuais que decorrem de
semelhantes atos”. A confiança que o cão merece ao dono não o exime ria responsabilidade se êsse cão não
estava prêso. A entrega de um cavalo à criança que o vai levar ao rio ou ao bebedouro põe o dono ou tenedor
naquela situação de risco a que se refere o Tribunal Federal suíço.
Não é isso o que se estatui no artigo> 1.527: o dono do animal que confiou a 13, pessoa prudente, o pôr no cão
açaimo ou focinheira, responde civilmente (artigo 1.527), se o encarregado se esqueceu de fazê-lo. Cabe ao
juiz, examinando o caso concreto, verificar se houve o cuidado preciso. Atenderá às possibilidades de dano que
a qualidade ou raça do animal possa criar e às do próprio individuo zoológico (Tu. ENGELMANN, J. v.
Staudinqers Kcntmentar, II, 1793). Se o animal estava entregue a guarda, ou vigilante, então se há de procurar
saber qual o caráter de tal incumbência, pois, se há. situações, como vimos, que transferem a tença (e. g.,
comodato, locação), outras há que não na transferem.
No direito suíço (Lei de 1881, art. 65), em que se inspirou o brasileiro, respondia o que tem o animal, salvo se
justificasse tê-lo guardado e vigiado com o cuidado’ exigido; se houvesse razão para se alegar excitação ou
provocação por outra pessoa, ou por animal pertencente a outrem, ficaria ressalvado ao réu o regresso contra
aquela ou contra o tenedor do animal provocante. A ação podia mover-se: a) contra o tenedor, tão-só; b) contra
o tenedor e o terceiro, conjuntamente; ou e) contra o tenedor e o terceiro proprietário mi tenedor do animal que
provocou. No Brasil, não há o regresso, mas a exculpação como matéria de defesa. Porém, se a ação foi
proposta contra o dono do animal lesante e êsse foi condenado, fica, em todos os casos, ressalvada a ação contra
o dono do animal provocador ou contra o provocador, oriunda quer do contrato que acaso exista entre êle e o
vencido na ação do lesado, quer do próprio art. 1.527, II (combinado com o art. 75). Segundo o Código Civil
alemão, § 840, 3•a alínea, se, além daquele, que, segundo os §§ 888 a 888, é obrigado à reparacão dos danos,
terceiro fôr pelos danos responsável, só o terceiro, nas relações de um com outro, é obrigado. A Lei suíça de
1911, art. 51, introduziu no sistema jurídico da Suíça, outras regras jurídicas: se muitas pessoas, em virtude, de
causas diferentes, respondem pelo ato ilícito, por contrato, ou por lei, ao lesado, pelos danos, aplicam-se-lhes,
por analogia, o que é concernente ao regresso entre pessoas que em comum foram culpadas do dano. Suporta,
de regra, em primeiro lugar, o dano aquela dentre elas que, por ato ilícito, o causou, e, em último, aquêle que

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sem culpa, ou sem obrigação contratual, é pela lei obrigado. Se o Tierhalter é responsável não só pelo § 888
(art. 1.527>, mas também por outro fundamento, e. g., § 828 (arts. 159 e 1.518), isto é, dolo, negligência
provada, ação que o lesado pode preferir, não pode invocar o principio de precedência que se consagra no § 840
do Código Civil alemão, ou, também, hoje, no ad. 51 da Lei suíça de 1911 (T. ENGELMANN, J. v. Staudingera
Kommentar, ~ 7Y e 8•a cd., 1829; Decisão do Tribunal Regional de Stuttgart, 17 de dezembro de 1909).
A ação contra o tenedor é a do art. 1.527. Contra o terceiro, provocador ou dono do animal provocador, a do
artigo 1.518 do Código Civil (cp. 1-1. OsELt, Kommentar zum Schw eizerisch,en Zivilgesetzbuch,, V, 288). O
regresso é especialização do art. 51 da Lei suíça de 1911, nôvo na Lei suíça e inspirado no Código Civil
alemão, §§ 840 e 841.
No direito brasileiro, pergunta-se: Há solidariedade entre o tenedor do art. 1.527 e o do animal provocador (art.
1.527, II) ou o próprio provocador? A resposta há de ser afirmativa.
4.DEFESA DO DEMANDADO. Quando o réu tem de responder à ação, preliminarmente alega que não se
trata de responsabilidade do art. 1.527. Se êsse argumento não prevalece, tem, então, o ônus de alguma das
provas previstas na regra jurídica. Mas a situação jurídica do lesado depende de circunstâncias da prova: a) O
preposto é obrigado a maior cuidado que o público; mais do que os simples prepostos, os técnicos, como o
ferrador, o amansador, ou os “apontadores” das criações do sul do Brasil. b) Aquêle cuidado deve ser maior se o
patrão conhece os vícios do animal. O saber dêles, ou não, nada importa: não se trata de responsabilidade
contratual. Mas tem valor para se apreciar o que ficou dito acima. O agente de polícia, o soldado ou qualquer
outro funcionário público em serviço pode invocar as objeções da lei, porque os textos não o excetuam e são de
natureza tal, que a favor do todos hão de incidir.
Certamente, se o preposto se serve do animal sem que o saiba o patrão ou contra a vontade dêsse, não pode
invocar o art. 1.527. Em geral, qualquer contratante, se se serve do animal que está a guardar, não pode propor
ação contra o responsável a que se refere o art. 1.527. Dá-se a mudança de sujeitos da relação efetiva para com
o animal: na maioria dos casos, passa o preposto ou contraente à situação de r.asponsável. Daí serem
verdadeiras as opiniões aparentemente opostas, uma que afirma poder o Besitzdiener ser considerado Tierkatter,
e outra que fala de casos em que é possível. Ésses casos não são exceção; porque o Besitzdiener deixa de o Ser
quando se põe em situação de ser responsável. Mas o dono do animal fica responsável, às vêzes, e não raro, em
virtude do aft. 1.521, III.
Se o terceiro se expôs ao dano por gentileza ou visita em relações mundanas, a jurisprudência francesa procura
não ser rigorosa (RENÉ DEMOGUE, TraiU des Obligations en général, V, 242 s.), isto é, quanto possível,
indulgente.
Falamos da presunção facti, em se tratando de prova de culpa do preposto ou contratante, quando tenha sido
repelida a preliminar de não se enquadrar o caso no art. 1.527. O ônus da prova, em virtude do afastamento da
preliminar, passa ao dono do animal. Cumpre-lhe provar a culpa do ofendido nara se escusar. Pode fazê-lo, por
simples presunção facti, porque a presunção é um dos meios de prova. Com isso não se ilude a regra legal que
dá o ônus ao dono do animal. Não é de vontade própria lei o faz o demandado: foram circunstancias pessoais
do autor da ação que a fizeram. O ônus continua ao réu, dono do animal, como em todos os demais casos;
apenas, nesse, devido a circunstâncias pessoais do ofendido, se cria a presunção Meti. Na jurisprudência
francesa, direito escrito é bem rigoroso <Código Civil francos, art 1.585’~, permite-se tal prova (Seine, 14 de
janeiro de 1891
Pode o criado que está encarregado de guardar o cão ou outro animal invocar o art. 1.527? Não, dizem, na

poucos. Sim, A. SOUNEIDER e H. FícE. Sim, porém atendendo-se a que o doméstico deve ter maior precaução
que o público (H. Osn, Kommentar zum Schweizerischen Gesetzbuch, V, 236). A solução francesa é favorável,
porque, não se havendo transferido o uso gerador da responsabilidade, é legitima a pretensão do lesado
guardador contra o que deu a guardar. £o caso do condutor de animais, ferido por um dêles, sôbre o qual há
farta jurisprudência. A solução francesa procede do desejo de proteger os salariados (RENÉ DEMOGUE,
‘aitédes Obligation. en général, V, 240). Estendem-na ao dano do albergue ou hospedaria, a que o animal fêz
mal. Aí, ajiás, não seria de mister nenhuma extensão, pois que é o caso para diretamente se subsumir na regra
do art. 1.527. E ao ferra-dor, também, se há aplicado (Paris, 23 de março de 1912), o que nos parece um tanto
simplista: só excepcionalmente o ferrador não assume os riscos. Demais, no direito brasileiro, havendo, como
há, a objeção do art. 1.527, III (verbis “se não provar: III. Que houve imprudência do ofendido”) e a profissão
do ferrador criaria contra êle, pelo menos, presunção facti. Ainda quando possa o ferrador invocar o art. 1.527,
tem o tenedor do animal as objeções dos incisos III e IV; quer dizer: de ter havido imprudência do ofendido; de
ter havido caso fortuito ou fôrça maior. Porém não é admissível (diz -se que pelo preço estipulado o preposto ou
o contratante tenha tomado a si os riscos. Tal a jurisprudência francesa (Corbeil, 14 de janeiro de 1892). Essas
considerações não confirmam o principio de proteção do público: em todos os casos, é preciso que seja cabível
exoneração.
Uma das exceções ou defesas, na ação do art. 1.527, é a de “que o animal foi provocado por outro” tart. 1.527,
II). Faltou dizer-se a de “que o animal foi provocado por outra pessoa ou pelo animal de outrem”. Do caso da
provocação por outra pessoa (L. 11, § 5, D., ad legem Aquiliom, 9, 2), é que se tirou por analogia (M. A.
COELHO flA ROCHA, Instituições de Direito Civil, 8.~ ed., § 138, 90) o da irresponsabilidade no caso do
animal provocado por outro animal de outrem (L. 1, § 11, D., si quadrupes pauperiem fecisse dicatur, 9, 1).
Dizem os textos: L. 11, § 5, D., ad legem Aqui-liam, 9, 2: “Item cum eo, qui canem irritaverat et effecerat,
ut aliquem morderet, quamvis eum non tenuit, Proculus re spondit Aquiliae actionem esse: sede lulianus eum
demum Aquilia teneri ait, qui tenuit et effecit ut aliquem morderet:
ceterum si non tenuit, in factum agendum”. L. 1, § 11, D., si quadrupes pauperiem fecisse dicatur, 9, 1: “Cum
arietes vel boves commisissent et alter alterum occidit, Quintus Mucius distinxit, ut si quidem is perisset qui
adgressus erat, cc-ssaret actio, si is, qui non provocaverat, competeret actio”.
Desde que se caracterize a culpa de terceiro culpa que não envolva a do dono do animal (art. 1.521, III>, nem
resuíte de ter o terceiro usurpado a teu ga, ou de a ter recebido do dono exclui-se a responsabilidade do art.
1.527, para somente haver a derivada do art. 159. Exemplos: alguém abriu a porta da jaula, alguém, com dolo,
ou sem dolo (pois o artigo 159 não valoriza a distinção), açula, atemoriza, ou simplesmente provoca o animal,
de modo a criar estado dc coisas imprevisível para o dono; alguém, com a luz de um espelho, irrita o touro ou a
fera. Podem, porém, ocorrer uma e outra responsabilidade. Pode a culpa do art. 1.527 coexistir com a do art.
1.520, e seriam responsáveis o terceiro e o dono do animal. Não é raro isso; pelo contrário: é o que mais
acontece. Raramente as provocações deixam sem responsabilidade o dono do animal. Na apreciação do caso,
devemos deixar que se caracterize a exclusão da responsabilidade do art. 1.527, pois que a outra precisa de
prova, e essa, não. Na prática, é ponto de grande importância. A responsabilidade do artigo 1.527 resulta do fato
lesivo: o Ônus da prova exculpatória cabe ao tenedor do animal. Para a outra, é de mister provar-se a culpa. Se
coexistirem, ambos serão responsáveis, e solidàriamente. Seria engano crer-se na uniformidade da literatura.
WALTER Hornas <Grund und Grenze der Haftung des Tierhalters, 54> queria a responsabilidade do tenedor
ainda nesse caso, por se tratar de risco do animal, de perigo do objeto explorado, de uma Betriebsgefahr. Está
na natureza do animal o ser perigoso, pela só intervenção de alguém que o açule ou provoque (L.
RUHLENBECK, Vom juristischen Kausalzusammenhang mit besonderer Bezugnahme auf § 833 flOR,
.Turistische Wochenschritt, 31, 288; FLEISCHÂUER, Die Haftungsgrenze aus § 883 flOR., Gruchota Beitrãge,
72, 8035.; GÚSLICH, W~ liegt die Grenz,e der llaftung des Gruckots Reitrâge, 47, 17; IIEINRICH
SCHIJMANN, haftung 1 Ur Tiere, 32). Ainda no caso, que se tem figurado, de a culpa de terceiro ter sido a de
soltar o animal. Contra, inteiramente, HANS HAUSMANN (Das Tier und die Tierestat aIs Grenze der Haftung
f’iir Tiersckaden [§ 833 RGB.] in &r moderneu Theorie und Praxis, 56) e grande parte da doutrina. JOHN
LEVY (Die Haftung des Tierhalters, 22) excluia a responsabilidade do tenedor porque não foi o cão a causa do
dano, mas sim, talvez, mero instrumento (Werkzeug) nas mãos de outra pessoa. Com êle, WILHELM
ALTSCHUL (Haftung túr Eeschãdigung durch Tiere, .Juristisehe Wochenschrift, 81, 204), PAUL OERTMANN
(Das Biirgerliclze Gesetzbuch, Komrv3nt ar, nota ao § 338), F. LOHRMANN (fie Gefahr des Haltens von
Tieren, 24). HERMANN ISAY, que aludia, nos casos ordinários, a uma culpa do animal, tinha como
irresponsável o tenedor dêsse, porque, ex hypotkesi, se dá a culpa a terceira pessoa. Não é bem isso o que se dá.
Há causas associadas:
pessoa que provoca e animal provocado. Uma, de certo, maior do que a outra. Se se admite que o animal não é
o único causador, daí por diante existe toda escala ascendente de parte do atiçador, escala que chega,
certamente, ao ponto de só ser a pessoa, prAticamente, a causa de o animal ficar reduzido a instrumento. Porém
não é só então que começa a excubação do tenedor do animal: não se exige tão característica “culpa de
terceiro”, tão completa causação. Basta que tenha havido o ato de alguém, sem o qual o animal não causaria o
dano. Por isso, é defeituosa a doutrina d’e JOHN Lrvy. Mas pode dar-se a ocorrência de ato de alguém sem que
se tenha apagado a situação de responder, em que se achava o tenedor. Se o cão de E, perigosíssimo, está na rua,
a ladrar aos transeuntes, e alguém passa, atira-lhe uma pedra, e o cão avança com maior fereza, causando danos
a outrem, nerfez-se a situação a que nos referimos a imediata causação do ato provocante, porém sem que
deixasse de existir a causação permanente: estar sôlto o cão tão perigoso. O ato de açulamento agravou a causa,
não a criou, nem se associou a ela como elemento maior. É justificável a objeção de HANS I-IAUSMANN aos

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que falam, em todos os casos, de instrumento:

Na própria jurisprudência alemã refletiu-se a discordância. Enquanto o Tribunal Imperial (ICeichsgericht)


propendia para a culpa do tenedor, bem como o Landgericht de Darmstadt (24 de março de 1902), tinham outra
opinião o Amtsgericht e o Landgericht, de Francofurte. O primeiro inquiriu da determinação do ato animal,
como, por exemplo, se houve dor causada. Efetivamente, pode haver no caso de provocação ato autônomo do
animal, tanto quanto se pode cogitar, em tal assunto, de autonomia. Se por modo tal se provocou o animal, que
êsse causou o mal, toilitur quaestio. Se não , cumpre levar-se a verificação ao limite, ao ponto em que deve
nascer a culpa de outrem (digamos melhor: em que deve começar), pois, se o cão ou outro animal foi
provocado, porém de tal natureza foi a provocação que o ato do cão cu do outro animal não se justificaria,
nenhuma alteração se há de fazer na invocação do art. 1.527. Assim: a) Se a criança passa, olha o cão, e diz-lhe
“malvado !“ ou apenas lhe sorri, ou lhe faz, de leve, uma careta, bastando isso para que avance e cause dano a
terceiro, quem responde é o tenedor, de acôrdo com o art. 1.527. Não se justifica ter exposto ao público, ou em
lugar onde possa causar danos, animal de tal ferocidade e de tal arrogância. b) Se A afugenta o cavalo de E, e
êsse, só pelo ser afugentado, sai aos coices, pela rua fora, e ofende a alguém O, digamos a ação dêsse será
contra E. e não contra A.
Temos resolvida a questão se assentamos que ocorrendo provocação determinante haverá: a) responsabilidade
do provocador e do tenedor, pois, que há duas causas associadas, e a primeira sozinha não determinaria ou era
de supor-se que não determinasse, porém sem aquela essa não teria determinado; b) responsabilidade do
provocador se só a provocação determinou, ou se foi o que mais concorreu para a determinação do dano.
O caso de que trata o art. 1.527, TI, não seria o de provocação Por outrem, e sim no outro animal. Escapa-lhe,
pois, tudo de que até pouco tratamos. Antes, porém, de versarmos a questão do provocador dos outros animais,
firmemos as dos danos mutuamente : feitos. Os animais ofendem-se um ao outro. Há duas opiniões diferentes.
Uns PAUL OERTMA~N, HERMANN 15KV, E. DERNBURO, WILHELM ALTSCRUL e F. LOHRMANN
distinguiram: um animal foi atacado e, dendo ao ataque, lesou a um outro, ou não. Respolitávei é o atacante.
Outros querem que o tenenor do animal lesante responda. Assim, GOSLICI4 e JOIIN LEVY.
Vejamos como conseguem exprimir-Se. PAUL OERTMANN (Das Búrgerliche Gesetzbuch, Komrncntar, 571),
invocou o §254, porquanto, se bem que, a propósito de animais, não se deva falar de culpa, é possível, no
entanto, aplicar-se o § 254, pois, nêle, a lei fala de causa preponderante, e não de culpa. Diz o § 254 que,
havendo cooperado na realização do dano falta do lesado, dependem das circunstâncias particularmente da
medida em que o dano foi, decisivamente, causado por uma ou outra parte a obrigação de reparar, bem como a
extensão da indenização a ser prestada. E na 2•a alínea, diz que se dá o mesmo quando a falta do lesado se
restrinja ao não ter advertido o devedor quanto a perigo de dano extraordinariamente elevado, que êsse não
conhecia, nem devia conhecer, ou não ter afastado ou diminuído o perigo. Está na Lei suiça de 1911, art. 44,
alínea l.~, que, havendo o lesado consentido na ação lesiva, ou havendo circunstâncias, das quais deve ser
responsável, contribuindo para o dano ou aumento do dano, ou para agravar a situação do autor do dano (die
Steilung des ~rsatzpflichtigen), pode o juiz diminuir a indenização, ou inteiramente exclui-la. Mas no texto há a
palavra Verschulden, a que se apega HÂNS HAUSMÃNN (Das 7’ier und die Tierestat ais Grenze der
HaftV~flt~ flir TierscluLden j§ 838 RGB.1 in der modernen Theoríe und Praxis, 70 e 80). Semelhanteme~ a
HANS HAUSMANN, GOSLICE (Wo liegt die Grenze der Haftung des Tierhalters?, Gruchots Beitrdge zur
Erliiuteruflg des deutschen Rechts, 47, 24, nota 57) e JOHN LEvY (Pie Haftufl4J des Tierhalters, 20).
HEINMCII SCHUMANN (Haftung flir Tiere, EGE., §§ 883, 88k, 36 s.) viu em “dano” do § 254 algo diferente
de “danificação” do § 888 (§ 254: Schaden; § 888: ~eschtidigt). HELtMANN ISAY (Die yerantwortlichkeit des
EigentiifflCTS fúr seine Tiere, Jherings .fahrbiicher, 89, 814; Die Grenzen der Verantviodlich
keit «ir Tierschaden, Deutsche juristen-Z.eititng, VIII, 400), recorre aos §§ 227 e 22S do Código Civil alemão
que tratam de legitima defesa e de estado de necessidade: pelo mesmo fundamento com que se exclui ao ato do
homem a fôrça geradora de respon5abilidade~ havia de excluir-se ao ato do animal. Também II. DERNEURO
(Das Búrgerliche Recht, ~ 2.~ parte, 817, texto e nota 24), que falou da possibilidade de serem invocados os §§
227, 228 e 254. Atacou tal aplicação GOSLICH (Wo liegt die Grenze der flaftung des Tierhalters?, Cru chots
Beitrtigú, 89, 24, notas 57 e 58), porque a atividade do animal não pode ser contra direito (widerrechtlith).
HEINRIOU SCHUMANN notou que o estado de necessidade analogicamentee se invoca a propósito de loucos,
e distinguiu: o cão de A ataca o de E, e é por êie ferido; o cão de A foi a causa do dano que sofreu: em verdade,
éle se feriu a si mesmo. Se o dano é de terceiro animal, o responsável é o dono do cão que provocou, porque foi
êsse que causou. GosLICH (Wo liegt die Grenze der Haftung des TierbalL~2, Gruchots Beitrdge, 89, 24, notas
57 e 58) sustentou que, segundo a lei, há responsabilidade do tenedor do animal lesante ainda quando o lesado
seja o próprio animal atacante e recusou aplicação, quer ao § 25 quer aos §§ 227 e 228. Assim, também SOIIN
LEVY (Pie Haftwflg des Tierhalters, 20). Invocou a 1. 1, § 11, D., si quadrupes pauperiem fecisse dicatur, 9, 1,
e disse que no Código Civil alemão não se pode cogitar de culpa de vitima animal, pois que, em se tratando de
animal, não há culpa, e o § 254 somente concerne à culpa.
Há outras opiniões . IL&NS HAUSMANN (Das Tzer und dte Tierestat ais Grenze der Hoftung jiir Tierscliaden
[§ 838 POR.] iii der moderneu Theorie und Praxis, 74) separou-Se de JOHN LEvY e de GOSLIGE como de
IIEINRICII SCIIUMANN. Para êle, o ato de um animal provocado não é autônomo (seU’sedudiges Handelfl) :
o animal provocado defende-Se opera por si, arbitrúriamente (willdirlich). O cão que ofendeu e foi morto deu
causa à própria morte. Aproximou-se de de WILHELM ALTSCIIUL (Weiteres zur Ausleguflg von § 833 BGB.,
JuQtSJiSthe Wo.chensúhhift, SI, 204>, para quem o animal provocada praticou o ato sob a influência de
vontade estranha, e por isso mesmo se há de afastar a responsabilidade do seu tenedor.
No caso típico de danos em ambos os animais que brigaram, sem se saber qual o que provocou, há três soluções
possíveis: a) cada parte propõe a sua ação; b) dividem-se os danos; e) não se há de cogitar de ação. A primeira
solução teve por si G. PLANCK (BurgerUches Gesetzbuch, II, 629), KARL LINKELMANN (Pie
Sehadensersatzpflicht aus unerlaubten Handlungen nach dem SOB., 86), E. LESKE (Vergíeichende Darstellung
des Biirgerlichen Ceseizbuehes fiir das Deutsche Reich und Preussischen Allgemeinen Landreehts, 348>, E.
GOLDMANN-L LILIENTHAL (Das Riirgerliche Cesetzbuch systema tisch dargesteil nach der Legalordnung
des Allgemeít.. nen Landreehts, ~, 23 ed., 217) e HANS IIAUSMANN (Das Tier und die Tierestat ats Grenze
der Haftung flir Tiersehaden [§ 888 SOB.] in der moderneu Theorie und Praxis, 74). A segunda, com alusão ao
direito germânico, é amparada por HERMANN ISAY. A terceira falsa, porque supõe compensação entre danos
que não são necessariamente equivalentes é a de alguns tribunais (e. g., Chemnitz, 21 de novembro de 1902>.
A verdadeira opinião é a primeira. A idéia de compensação não pode vir antes; só durante a ação, sabidos os
danos, intervém; antes, como eliminatória da ação, igualizaria, abstrata e arbitrariamente , os danos que podem
ser desiguais e não concernirem apenas ao ao animal ir, por exemplo, até outros animais, ou até a pessoas.
A questão da causalidade, em assunto de danos devido a animais, aparece, forçosamente, na discussão. Mais se
pensa que os conceitos e os raciocínios legais bastam, mais nos surpreende o ressurgimento dela. Porque é
preciso que o dano tenha sido causado pelo animal. Mas o certo é que os dois conceitos. o filosófico (lógico) e
o da chamada causação adequada <adriquatq Verursachuna) mais uma vez se chocam, e disputam o fastígio. De
um lado, há as idéias de A. vow KRIES (tTber di e Begriffe der Wahrscheinlichkeit und ibre Bedeutiin~en im
Strafrecht. Zeitschrift flir qesamte Strafreeht~sivissenschaft, IX, 528 s.) : a ação é causa, quando, sem ela, o
efeito não se produziria: para sabê-lo, é inevitável recorrer-se à probabilidade. Introduz-se, por êsse modo, a
regra da vida, Regel des Lebens (L. VON BAR, L. KUHLENBECK). Do outro, há a concepção puramente
lógica: causa é, se, sem ela, o efeito não seria. O cocheiro dorme; o cavalo toma o caminho que entende. Cai de
um despenhadeiro, e morre o viajante. Sem o sono do cocheiro não se daria a morte da pessoa.
o.CLÁUSULAS ExONERATIvAS DA RESPONSABILIDADE. Em se tratando de danos causados por
animais, em certos casos, as leis, de interesse público, interdizem tais exonerações. Sirvam de exemplo as leis
sôbre acidentes de trabalho, e sôbre pensões de empregados de estradas de ferro, que devem ser interpretadas
como impLicitamente vedativas de cláusulas e acOrdos exonerativos; a fortiori, de exonerações por declaração
unilateral de vontade. No direito inglês, o transportador ordinário, não submetido ao Railway and Canal Trafie
Ad, pode limitar a própria responsabilidade, uma vez que não imponha limitações excessivas e desarrazoadas,
inclusive quanto à culpa do pessoal. Interpreta-se contra o transportador tal restrição e somente vincula se
expressa e clara. No Código de Comércio francês, art. 108, última alínea, redigida em 17 de março de 1905,
estatui-se (responsabilidade do “voiturier”) : “Toute clause contraire inserée dans toute lettre de voiture, tarif ou
plêce quelconque, est nuíle”. Quanto aos transportes, a Lei belga de 25 de agôsto de 1891, art. 17, proibe à
administração inserir nas tarifas e regulamentos “des stipulations qui modifient eu ce qui concerne les accidents
survenus aux voyageurs la responsabílité qui lui incombe d’aprês le droit commun”. Referindo-se as
mercadorias (ad. 86) : “Les tarifs ou rêglements ne peuvent, hors les cas prévus ci-aprês, modifier au profit de
l’administration l’étendue de la responsabilité qui lui incombe”. Os arts. 37-89 prevêem as referidas reservas;
mas o art. 40 diz que revive a ação se o destinatário estabelece que as avarias e as perdas não resultam das
circunstâncias especiais que permitiram declinar-se de responsabilidade. As cláusulas que só têm por mira a
duração das ações de indenização, com o intuito de agravá -las, não ferem os princípios e as regras jurídicas as
verdadeiras cláusulas exonerativas. Salvo o caso de dolo. Trata-se de restrição no tempo, e não de eliminação da
responsabilidade. Mas, também aí, é preciso que não seis excessivo o encurtamento.

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O sistema francês é assaz simpático às cláusulas exonerativas quando se trata de dano causado por animais. A
questão, porém, toma, para o direito brasileiro, dois aspectos:
a)exoneração perante o público; b) exoneração contratual. Perante o público, não pode o eventual responsável
eximir-se previamente pelo fato de se declarar irresponsável pelos danos. Ninguém acitou a sua declaração.
Salvo se há fato que o indique; e. g. “não me responsabilizo pelos danos que os meus cães causarem aos
visitantes que penetrarem no jardim sem se acharem acompanhados de algum dos meus empregados”. Ou “não
me responsabilizo pelos danos que resultarem às pessoas que se aproximarem da jaula”. Está claro que os
animais e a jaula se acham em terreno particular. Pode ocorrer que tenha havido permissão para estada em
terreno público ou alheio, por algum tempo. Há, da parte de quem penetra, ou de quem se aproxima, a despeito
da declaração unilateral afixada, algo como se fôsse aceitação dos riscos. Estabelece-se aquela relação juridica,
que definimos, ao tratarmos dos títulos ao portador, quando se dá a apresentação, e da promessa de recompensa,
quando surge o unus ex publico.
Tem-se de exigir que o aviso seja visível por todos os transeuntes ou visitantes e que a periculosidade só exista
se houve o desrespeito do que se afixou, ou do sinal suficiente. Qualquer dano que não resultou da falta de
observância determina a responsabilidade do dono ou possuidor ou do tenedor, e não é de afastar-se a
possibilidade de ser responsável a entidade estatal, cujo funcionário ou servidor permitiu se o fêz ilegalmente,
ou se não tomou ou não fêz o dono, possuidor ou tenedor do animal tomar as necessárias providências. A
designação dessas não fica à mercê da entidade pública, porque se têm de examinar o animal de que se trata e as
circunstâncias.
Mais:pode ser ilícita a cláusula exonerativa, não só nos casos de acidentes de trabalho, que a lei prevê. E não
pode declarar-se irresponsável pelo dano que possam causar as cobras que andam no seu jardim, em plena
cidade, e alguém, vendo-as, desprevenidamente, se assustou, caiu, e feriu-se, ou foi mordido. Não posso elidir
com as declarações ao público a minha responsabilidade quando constitua ato administrativamente ilícito a
permanência de animais. Nem Mil xar nas ancas de animal sôlto o aviso de não responder pelos danos que
possa causar. ~ justo que não responda pelos danos que ao gentleman rider possa causar o cavalo emprestado ou
alugado, se o conhecia. A jurisprudência francesa quer que haja cláusula tácita de irresponsabilidade pelo
acidente de que alguém fôr vítima (Seine, 14 de novembro de 1912). Em todo caso, pode ter havido
desarrazoada ocultação de defeitos; e cabe a ação. No mais, rege-se o assunto pelos princípios gerais, porém a
distinção entre danos às coisas e às pessoas não cabe fazer-se, porque, aqui, não há nenhuma ação do homem
que pudesse justificar o tratamento especial para os danos às pessoas.
Mais uma vez frisemos que houve omissão no art. 1.527, II, do Código Civil, pois só se referiu a animal
provocado por outro animal e há provocação por outra pessoa, e tal provocação pode ser tal que nenhuma
responsabilidade tenha o dono, possuidor ou tenedor do animal provocado. Não é difícil ocorrer isso. Cumpre?
porém, advertir-se que persiste a responsabilidade do tenedor se o lugar ou a hora em que se deu o ato do
animal era impróprio para a estada. Então, há dois responsáveis: o dono, possuidor ou tenedor; e o provocador.

6. PROVAS QUE TÊM DE SER FEITAS. A prova do artigo 1.527 consiste: 1) Para o autor, era demonstrar: a)
que o dano foi devido ao animal; b) que o réu é dono’ ou detentor do animal (digamos tenedor, numa só
palavra) ; e) que o animal é “suscetível” de apropriação ou proveito (não se precisa provar a propriedade). II)
Para o réu, na prova da objeção, ordinariamente incluída na “contestação” da ação: em demonstrar: a) que o
guardava e vigiava com o cuidado preciso; ou b) que o animal foi provocado por outro animal, ou por outrem (o
Código Civil só se referiu a “outro”) ; ou e) que houve culpa da vítima (e não só imprudência , como diz o
Código Civil) ; ou d) que o fato resultou de caso fortuito ou fôrca maior.
Se a ação de indenização já havia sido proposta contra alguém, pelo ato do animal, e outra se propõe, pelo
mesmo ato, contra outrem, tem-se d’e examinar a espécie para se saber quais as exceções oponíveis.
A provocação por pessoa, ou por ato de outro animal, tem de ser alegada e provada pelo dono, ou possuIdor, ou
tenedor do animal provocado, a fim de que se atenui ou se negue a responsabilidade que se lhe imputa.

CAPÍTULO VI
COISAS INANIMADAS E RESPONSABILIDADE PELOS DANOS CAUSADOS

§ 5.521. Danos causados pelo lançamento ou queda de coisas

1.DIREITO ANTERIOR. Se corpos duros ou matérias liquidas caíram de alguma construção e causaram
danos, cabia a ação legis Aquitiae. Mas, por ser difícil, por vêzes, a prova de quem foi o autor, criou o Pretor
uma acuo de efiusis ei deiectis contra os que habitam o lugar de onde caiu. Se dois ou mais, respondem in
solidum, com regresso do inocente contra o culpado. A indenização era do dôbro dos danos. Se causou a morte
de homem livre, qualquer cidadão podia intentá-la e levava ao pagamento de cinqúenta escudos de ouro. Cf. L.
5, §§ 5 e 6, L. 1, §§ 4, 9 e 10, L. 2 e L. 8, D., de obligationibus ei actionibus, 44, 7. No direito romano, se coisas
duras ou matérias líquidas fôssem lançadas de edifício e causassem danos a alguém, cabia intentar-se a adio
legis Aqui liae. Porém, como podia ser difícil identificar-se o autor do fato, criou o Pretor a adio de effusis ei
dejectis contra o que habitasse a construção de onde se jogou. A ação era in solidum. Ao inocente ficava o
regresso contra os culpados. Os dois casos estavam previstos: queda e lançamento.
No direito alemão anterior ao Código Civil alemão (direito comum>, somente havia a adio legis Aquiliae para
a reparação dos danos causados por culpa. Claro que, nos danos causados pelas construções ou outras coisas
inanimadas, lia-vendo culpa, havia de dar-se a indenização. Houve regras jurídicas, novas, como as do
Preussisches AITqemeines Landrechi, Parte 1, Título 8, §§ 37 s. O Código Civil alemão pôs de lado a acUo de
dejectis ei effusis e a adio de positis veZ suspensis. Atitude bem diferente da que assumiu o legislador
brasileiro. Continha tais ações o 1 Projeto alemão (§§ 729-783), porém excluiu-as a II Comissão (Motive, II,
808 s.).
Lê-se no Código Civil espanhol, art. 1.910: “El cabeza de familia que habita una casa ó parte de ela, es
responsable de los dalios causados por las cosas que se arrojaren é cayeren de la misma”. Está no Código Civil
chileno, art. 2.828: “El da-iio causado por una cosa que cae o se arroja de la parte superior de un edificio, es
imputable a todas las personas que habitan la misma parte del edificio, i la indemnizacion se dividirá entre
todas elías; a ménos que se pruebe que cl hecho se deve a la culpa o mala intencion de alguna persona
esclusivamente, en cuyo caso será responsable esta sola. Si hubiere alguna cosa que, de la parte superior de un
edifício o de otro paraje elevado, amenace caida i dafio, podrá ser obligado a removerla ei duefio deI edifício o
del sitio, o su inquilino, o la persona a quien perteneciere la cosa o que se sirviere de elIa; i cualquiera dei
pueblo tendrá derecho para pedir la remocion”.
Dizia CARLOS DE CARVALHO (Nova Consolida ç’ão, artigo 1.020) : “No dano causado por coisas
inanimadas presume-se culpa sempre que ocorrer infração de postura municipal ou regulamento de higiene
pública”. O critério do Código Civil é diferente: a) nada importa haver, ou não, postura municipal proibitiva; b)
os pressupostos são a queda ou lançamento da coisa de casa ou parte de casa habitada e o dano a pessoa ou a
coisa; e) não se trata de lugar destinado a essa queda ou lançamento. Por outro lado, “casa” está em sentido
amplíssimo.
A responsabilidade do Código Civil, ad. 1.529; é objetiva. Por isso mesmo, o responsabilizado não se exibe
com a prova de que foi outrem, e não êle, que de sua casa lançou.
O habitante da casa. ou parte dela, responde objetivamente, mas tem ação regressiva contra o verdadeiro
causador.
No direito romano, a ação regressiva ou seguia a natureza real das noções de indenizacão, acuo in factum, ou
se responsável o locatário, constituía adio locati. Se eram muitos os habitantes, claro que se havia de atender à
natureza da relação entre êles. Se um pagava in solidum, os outros haviam de concorrer, depois, com a sua
parte. Quanto aos herdeiros, ressaltava o caráter delitual (L. 5, D., de his, qui ef fuderini veZ deiecerint, 9, 3).
2. TExto no CÓDIGO CIVIL, ART. 1.529. Estatui o artigo 1.529 do Código Civil: “Aquêle que habitar uma
casa, ou parte dela, responde pelo dano proveniente das coisas, que dela caírem ou forem lançadas em lugar
indevido”. Note-se, de início, que não se protege só o transeunte. Protege-se quem esteja ao alcance da coisa
lançada ou caída. Por outro lado, o dano pode ser à pessoa, ou a bens.
Os danos são liquidados conforme o que se retirou à esfera jurídica do ofendido ao tempo do fato ilícito (5.~
Câmara Cível do Tribunal de Apelação do Distrito Federal, 6 de janeiro de 1942, R. F., 91, 437), mas, para o
valor da indenização, se há desvalorização monetária, ou aumento de preço do que foi danificado, há a correção
monetária, ou o reajustamento ao preço do mercado na data do pagamento.
O dano pode ser a pessoa, ou qualquer outro dano, que o fato cause.

.~> a]
O fato ilícito absoluto sensu siricto, como, por exemplo, a queda da coisa, que causa dano, não se pode
considerar fato do homem, mas é ligado ao homem, porque o responsável está em situação de titularidade de
direito, ou de posse, ou de tença, que justificou a edicção da regra jurídica. O interesse juridicamente tutelado
foi atingido porque outrem causou o dano, ou algo seu o causou. O neminem laedere tanto protege quem é
ferido, ou quem teve algum bem atingido pelo objeto que caiu da casa vizinha, como o dono ou possuidor ou
tenedor de algum objeto, que está na casa vizinha, e foi quebrado pela bola ou a pedra que o vizinho ou o
transeunte jogou.
Todos os direitos absolutos são ofensíveis e todas as ofensas a êles determinam responsabilidade, se se compõe
o suporte fáctico de qualquer das regras jurídicas sobre fatos ilícitos.
A despeito de os arts. 1.528 e 1.529 só se referirem a edifício ou construção, bem como a casa ou parte dela, e a
ruína, queda e lançamento, temos de entender que existe regra jurídica geral, porque a interpretação analógica
se impõe. O locador, o comodante e outros contraentes podem vir a ser legitimados ativos (cf. Louis
Jo5SELIAND, Les Transports, en service intérjeur et en service intornational, 2a ed., 899).
O fato ilícito absoluto, proveniente da construção, senso lato, distingue-se de fato da coisa. Diz-se mesmo fato
da tonstruçêto (cf. MAx VITRY, La Détermination da fait de l’homme, de l’animal et de la chose, 28 a.). Os
arts. 1.528 e 1.529 tratam, separadamente, das duas espécies.
Se a coisa foi alugada ou emprestada a alguém e lhe causou dano (e. g., a telha caiu da cobertura e quebrou
pratos e xícaras), pensa-se que a responsabilidade é contratual (e. g., RENÉ MICHEL, De la Responsabilité des
dommages causés par les choses inanimijes, 1 a.), o que mostra ter-se exagerado o elemento objetivo, porque o
possuidor recebeu o que quis e tinha de ficar atento ao que se passava. Outros sustentam que se há de atender ao
elemento subjetivo, porque se tinha de prever o fato ofensivo para que existisse responsabilidade. (E. BONNET,
De la Responsabilité des faits des choses théorie pénérale, 223 e 247). Ora, o lesão só é contratual se se há de
entender que o contraente explícita ou impilcitamente prometeu não haver o ato lesivo, positivo ou negativo.
Fora daí, o dano é ocasional, estranho ao contrato (cf. ANDRÉ BRUN, Rapports et Domaines des
Responsabilités contractuelie et délictueile, 304 a.).
Se alguma coisa caiu de edifício ou outra construção, a responsabilidade é pelo fato ilícito. Se foi lançada,
alguém a lançou, mas há abstração da culpa de alguém: o ato entra no mundo jurídico como ato-fato ilícito.
Nos casos de danos resultantes de ruína de edifício ou outra construção, há mais do que presunção de culpa do
dono:
se os reparos ou outras medidas eram indispensáveis manifestamente (“cuja necessidade fôsse manifesta”, diz o
art. 1.528 do Código Civil), há a responsabilidade do dono pelo fato ilícito absoluto “stricto sensu”.
A precariedade da segurança, nas estradas e nas ruas, e, com as aeronaves, em qualquer lugar sobrevoado, pôs
os problemas da responsabilidade pelos fatos ilícitos absolutos, em situarão de premência. A muitos pareceu
que não bastava pensar-s~ em culpa: lançaram-se a temia da responsabilidade objetiva, a teoria do risco e a
teoria do fato da coisa. No fundo, o que se queria era não se dar margem de defesa a quem teria a culpa. O
próprio conceito de responsabilidade veio à tona, de nôvo, para discussões: a responsabilidade proveria da lei e
seria baseada em dever de garantia (cf. Lonís JOSSERAND, Les Transporte, 2Y ed., n. 558; BiENal et LOuís
MAZEAUD, Traité théorique et pratique de la Responsabilité civile, ~, 43 ed., 3; RENaL LALOU, La
Responsabilité civile, 43 ed., 1 s.) ou simplesmente infração de dever. Viu-se a diferença entre o dano causável
pelo animal, que milênios levaram em consideração para soluções específicas, o dano causável pela coisa que
alguém guarda, ou de que se serve, e o dano causável pelo que independe da vontade do homem (pelo que êle
ignora ou ainda ignora que danifique). A 23 parte do art. 1.384, alínea 13, do Código Civil francês que aludiu ao
dano causado pelo fato das pessoas, “ou des choses que l’on a sous sa garde”. Só em 1878 lançou-se a
interpretação que viu em “choses” a máquina (F. LAURENT, Príncipes de Droit civil, 20, n. 639, os imóveis
(na Bélgica, Côrte de Apelação de Liêge, 2 de julho de 1912; Côrte de Cassação da Bélgica, 24 de maio de
1945), ou qualquer coisa perigosa (cf. HUsSoN, Les Transformationes de la Respo-nsabilité, 138).

8.EDICTO DO PRETOR E “ACTI7O DE DELECTIS VII EFEUSIS”.


As obligationes quasi ex delicto vêm da sistemática romana pós-clássica. Compõem a classe as actiones in
factum pretorianas. Uma delas é a actio de deiectis veZ effusis, que competia contra o habitante da casa da qual
se lançou ou se verteu algo sôbre a via usável, ainda que privado o lugar. Respondia o habitante da casa, ainda
que não houvesse sido o causador do dano. Os textos principais são os da L. 1, §§ 1 e 2, e da L. 6, pr., ~ §§ 1 e
2, D., de his, qui effuderint veZ deiecerint, 9, 8.
ULPIANO (L. 1, pr.) dá-nos o que dissera o Pretor: “Se se houver arrojado ou derramado alguma coisa em
lugar por onde vulgarmente se transita, ou onde se demora, darei, contra o que ali habitar, ação no duplo por
quanto dano com isso se houver causado ou feito” (Unde in eum locum, quo vulgo iter fiet vel in quo
consistetur, deiectum vel effusum quid erit, quantum ex ea re damnum datum factumve erit, in eum, qui ibi
habitaverit, in duplum iudicium dabo”).

408TRATADO DE DIREITO PRIVADO

Na L. 1, § 1, está a ratio legis: “Ninguém há que negue que, com suma utilidade, edictou isso o Pretor: porque é
útil para o público: que sem mêdo e sem perigo se ande pelos caminhos”. O perigo de todos está à mostra.
A L. 1, § 8, explicitou que não importava fôsse público ou privado o lugar, desde que por êle vulgarmente se
transitasse. Porque, com o edicto, o que se tem em mira é a proteção dos transeuntes, e não se cogita de ser
pública a via. Hão de ter segurança os lugares por onde se anda. Se antes pela xia não se passava e alguém
transitou por ela, e outrem arrojou ou derramou alguma coisa, não há obrigação pelo edicto.
(No direito hodierno, a solução não pode ser tão radical. Pode B ter de passar pelo lugar por onde ninguém
transitava por exemplo, se B quer medir o terreno, seja seu ou seja de outrem. A, dono da casa limítrofe, de
modo nenhum tem direito de jogar objetos no terreno que, esteja ou não fechado, há meses ou anos e sem que
por êle alguém passe.)
Não se distinguiram cidades e outros lugares (PAuLo, L.6, pr.). Nem o ato à noite, ou durante o dia (LABEÀO,
segundo PAULO, L. 6, § 1). A responsabilidade era pela culpa própria e pela dos seus (PAULO, L, 6, § 2).
A L. 6, § 2, é da máxima importância, em direito romano pós-clássico, pois que se aludiu à culpa (Habitator
suam suorumque culpam praestare debet) e por aí se vê a defeituosa sistemática do Digesto na L. 1, § 4, está
escrito que não se acrescenta menção de culpa (culpae mentio), ou de negativa (vel infitiationis), ainda que o
dano por injúria o suponha. Donde se ter de tirar que a responsabilidade não era pela culpa.
Quem foi acolhido de passagem na casa não respondia pelo dano (L. 1, § 9), salvo regressivamente. Os que
habitavam em comum respondiam solidàriamente (L. 1, § 10, e L. 2, L. 8 e L. 4).
No direito comum, a ação passou a ser de dano simples, em vez de dano duplo.
4.LEGITIMAÇão PASSIvA. Nos textos romanos e no Código Civil, art. 1.529, fala-se de habitar. Na L. 6, § 8,
é de nave, e não de casa que se cogita (Si de nave deicctum sit, dabitur actio utilis in eum qui navi praepositus
sit) ; e a L. 5, §8, foi mais explícita: se o armazenista ou o locatário de apoteca, ou quem alugou lugar sómente
para isso (guardar provisões), ou para nêle trabalhar, ou para ensinar, lançou ou derramou alguma coisa, cabe a
ação in factum, ainda que tenha sido lançada ou derramada por operários ou alunos. Habitar não está, portanto,
em sentido estrito. Mas sim no de ter posse ou tença.
A responsabilidade solidária dos que habitam em comum, ou em comunhão pro diviso, essa é inegável. A L. 1,
§ 10, (PAULO), a L. 2 (GAIO), a L. 8 (IJLPIANO) e a L. 4 (PAULO)
dão as soluções romanas em toda a inteireza. Habitando muitos no mesmo aposento (hoje, diríamos também
apartamento) de onde algo se lançou, a ação era contra qualquer dêles (in quemvis haec actio dabitur) porque
de regra é impossível saber-se quem arrojou ou derramou. A solidariedade era inegável (et quidem in
solidum). Podia-se ir contra um ou contra todos. Contra um, os outros se liberavam, mas entendamos se houve
satisfação.
No direito brasileiro, a solidariedade é por parte de todos os que poderiam ser os responsáveis. Assim, se o
edifício tem duas alas de apartamentos, só uma das quais está em posição de ter coisas que caiam ou sejam
lançadas, os habitantes dos apartamentos aí situados é que são legitimados passivos. Dá-se o mesmo a respeito
dos andares.
Resta saber-se se o locador é responsável, se há comunhão pro diviso entre os locatários (e. g., o edifício é de
apartamentos, e não se pode saber de onde provelo a coisa caída ou lançada). Já no direito romano se previa a
ação contra o locador, ainda que não se tratasse de comunhão pra diviso; pois na L. 5, § 4, ULPIANO supôs a
ação regressiva do locador contra o locatário (cf. A. PERNICE, Zur Lehre vou deu Saehbeschiidigungen nach
ràmischem Rech,t, 227 s.). Em todo caso, o dono, como proprietário, e não como locador, ai, não era legitimado
passivo (L. 1, § 4).
O art. 1.529 só diz respeito à responsabilidade pelos danos causados por objetos caídos ou arremessados fora da
casa, ou parte dela (6.~ Câmara Civil do Tribunal de Justiça de São Paulo, 9 de março de 1950, R. dos T., 186,
746). Assim, é preciso que atinja outro edifício, ou outro apartamento, ou outro salão, ou loja, ou escritório ou
quarto, ou cozinha, ou banheiro, que no plano da propriedade, do uso, ou do usufruto, ou da anticrese, ou da
locação seja de outrem. A responsabilidade do síndico do edifício de apartamentos, se o dano provém de obras

.~> a]
que êle empreendeu, com a sua vigilância, é regida pelo art. 1.521, III, ou pelo art. 159.
Também a pessoas podem ser os danos, inclusive morais.
A queda ou lançamento pode ser ofensivo ao edifício, ou outra construção, como a piscina, ou a plantação,
criação ou vasos de flôres. O dano pode ser moral, pôsto que não seja fácil ocorrer.

5. CASO FORTUITO E FÔRÇA MAIOR. O art. 1.529 do Código Civil de modo nenhum é regra jurídica de
presunção de culpa.li. DERNEURG (Pandekten, ii, 7.~ ed., § 184, 367) escreveu que, sem dúvida, a fôrça
maior libera, e cita os casos de danos em virtude de revolução ou de inimigos. O próprio H. DERNarnto, à nota
5, adverte que as fontes não mencionam a exceção e remeteu a JOSEPH UNGER (flandeln auf eigene Gefahr,
Jahrbúcher flir die Dogmatik, 30, 416, nota 147), que dêle discordou e combateu a contradição. A doutrina certa
é a de A. ExNER (Der Begriff der hàheren Gcwalt, 28 s.> e outros. No Brasil, por citação geral do § 184 das
Pandekten de II. DERNBURG, foi responsável CLóvís BEVILÂQUA de haver alguns juristas, sem meditação
do assunto, reproduzido a proposição que H. DERNEURG ousou formular, no meio da exposição (e. g., J. M.
CARVALHO SANTOS, Código Civil brasileiro interpretado, 20, 839; ARNOLIYO MEDEIROS DA
FONSECA, Caso Fortuito e Teoria da Imprevisão, 175).
Se houve fôrça maior ou caso fortuito, como terremoto, ou abalo produzido por bombardeio aéreo, a coisa não
caiu da casa, nem dela foi lançada. A figura é outra (Tomo 1, § 82, 2, cf. § 168, 1).

6. AçÃo REGRESSIVA. A ação regressiva contra o autor do dano tem apoio no ad. 1.524 do Código Civil (cf.
L. 5, § 4, de bis, qui effuderint et deiecerint, 9, 3: “Cum autem legis Aquiliae actione propter hoc quis
condemnatus est, merito ei, qui ob hoc, quod hospes vel quis alius de cenaculo deiecit, ir factum dandam esse
Labeo dicit adversus deiectorem, quod verum est. plane si locaverat deiectori, etiam ex locato habetit
actionem”).

7. PLURALIDADE DE CAUSAS PARA RESPONSABILIDADE EXTRACONTRATUAL. Se a pessoa que


seria responsável pelo ato, positivo ou negativo, de outrem, por ter dever de vigilância ou de guarda, também o
é como empregado (e. g., o tutelado trabalha na oficina do tutor), discute-se se há a responsabilidade por um
dos deveres ou também pelo outro. F. ENDEMANN (Einfiihrung iv, das Studium des BGB., 915) entendia que
o dever de vigilância ou o de guarda persiste. Contra, ALFRED vON WEINRICII (fie Haftpflicht wegen
Kôrperverletzung und Tàtung ejues Men.schen, 46). Temos de tomar atitude mais atenta aos fatos: a despeito de
haver duplicidade, ou mesmo multiplicidade de causas para o dever de reparação do dano, ~aquela em que se
dispensa a prova da culpa passa à frente, salvo se o ato de modo nenhum caberia em tal suporte fáctico. Por
outro lado, há separação, às vêzes, entre atos que ficam a exame do titular do pátrio poder, da tutela ou da
curatela, e atos que se prendem a atividade empresarial (e. g., o titular do pátrio poder não pode vigiar, sem
infração de lei ou regulamento, o que o filho faz na fábrica em que trabalha).
Se a pluralidade de causas concerne a lançamento ou queda, ou se resultam de falta de reparos em construção, o
assunto perde muito da sua importância, porque há a responsabilidade pelo dano, prevista no art. 1.529 e no art.
1.528 do Código Civil, mesmo se a pessoa responsável alega e prova que foi outrem que atirou a coisa, ou que
deixou de reparar, a despeito de estar vinculado a isso.

8.COISAS INANIMADAS NAO REFERIDAS ESPECIALMENTE NA LEI. Nos danos causados por alguma
coisa inanimada, se há de cogitar de guarda, no sentido estrito. Mas a terça existe. No caso de veículos, ou bens
movidos por fôrça elétrica, ou a vapor, ou simples acionamento pelo braço ou pelos pés, há plus, que é o ato
humano que se insere, antes ou concomitantemente. Daí o elemento de culpa, que se prove ou que se presuma.
Mas tal pressuposto pode faltar, como ocorre com as coisas que caem de edifício, sem ter havido qualquer
lançamento. No ad. 1.529 do Código Civil focalizam-se as duas espécies: “caírem”, ou “forem lançadas em
lugar indevido”.
O problema torna-se mais delicado quanto às coisas a que os aris. 1.528 e 1.529 do Código Civil não se
referem. ~Tem-se de invocar a regra jurídica geral do art. 159, ou de interpretar, analogicamente , o art. 1.528,
ou o art. 1.529?
Quanto aos acidentes de trabalho, surgiu a legislação especial, e convém frisar-se que antes dela se recorria a
regra jurídica equivalente à do art. 1.527 (danos causados por animais), o que de certo modo assimilava a
animais as máquinas (também na França, cf. ANDRÉ BESSON, La Notiou de Garde dans la respon.sabilité des
faits des choses, 49). Fora dos acidentes do trabalho, há ruínas que não são de edifícios, ou de de construções,
como acontece com a barreira, ou a pedra que tem fraturas, ou a árvore que tomba, ou de que tombam 4
galhos. 4 Aí, seria forçado citar-se o art. 1.527. Quanto às coisas que caem sem ser da casa e sem o fato 1
compor 1 situação semelhante às das partes de barreiras ou morros de pedra, e sem serem lançadas de casas, 5
como as 4 que foram postas na rua, ou na entrada, não se poderia invocar o art. 1.529, por mais largo que fôsse
o sentido de “casa” ou “parte de casa” que se desse. Porém o mesmo não acontece se a coisa cai, ou é lançada,
de cêrca ocasional, ou para trabalho ou para esporte, em terreno baldio, ou rua, ou estrada, ou floresta, como se
dá com as armadilhas ou cercames para caçadas ou pescarias. O art. 1.529 é invocável, por analogia.

9.REQUIsíTOs PARA A AÇÃO DE INDENIZAÇÃO PELO DANO CAUSADO. No Código Civil são
requisitos da ação do artigo 1.529: a) que a casa seja habitada, toda ou em parte; b) que alguma coisa caia ou
seja lançada; e) que se produza dano; d) que o lugar em que caia seja indevido. Quanto ao primeiro pressuposto,
é de notar-se o sentido largo da palavra habitar de: o locatário, ou o proprio dono, responsável pelo vigia do
prédio. Quanto ao segundo, o fato principal é a queda: não importa se intencional ou não, ou que por si tivesse
caído, ou fôsse lançada a coisa. A responsabilidade é objetiva. Quanto ao terceiro, também não se indaga da
natureza do dano. Se o houve, há de ser reparado. Quanto ao quarto, a lei cria o critério do lugar indevido, que
corresponde ao ubi vulgo iterJit do direito romano: isto é, lugar em que o público passa, ou pode entrar, ou não
é de crer-se que alguma coisa se lance ou caia. Aliás, não é preciso que se trate de lugar público:
basta que exista, de fato, passagem, acesso. fl exigência geral de segurança. No direito romano, ULPIANO
excelentemellte disse (L. 1, § 2, D., de lás, qui elfuderini vel deiecerint, 9, 3): “Parvi autem interesse debet,
utrum publicus locus sit an vero privatus, dummodo per eum vulgo iter fiat, quia iter facientibus prospicitur,
non publicis viis studetur: semper enim ea loca, per quae vulgo iter solet fieri, candem securitatem debent
habere”.
Nem o direito romano nem o direito brasileiro distinguem o tempo em que se opera o dano ou em que se lança a
coisa. Diz PAULO (L. 6, § 1): “Labeo ait locum habere hoc edictum, se interdiu deiectum sit, non nocte: sed
quibusdam locis et nocte iter fit”. LABEÁO não tinha razão; PAULO cortou-lhe, pela raiz, o argumento:
porque, por alguns lugares, também de noite se passa.
O réu pode defender-se, alegando: a) que nenhum dano sofreu o autor da ação; b) que não habitava a casa, outro
era o habitante (ai, o hóspede não responde ao danificado; contra êle o habitante do prédio, ou de parte, pode
exercer, se o hóspede foi o culpado, a ação regressiva) ; e) que o lugar em que caíra a coisa era destinado a
queda ou lançamento de objetos. Exemplo: tanque de lixo, em quintal fechado, proximo à janela da cozinha.
Não seria indevido o lugar.
É preciso que o dano se tenha operado. Não se pode, com a ação do art. 1.529, evitar dano possível, ou
provável, de coisa prestes a cair, ou habitualmente lançada em lugar indevido. Já G. L. BÕEMER advertia que
em tal situação haveria o vulgo de recorrer à polícia. Mas há a medida cautelar, bem como a ação cominatória.
com a invocabilidade do art. 302, VII ou VIII ou IX, do Código de Processo Civil. A medida cautelar mais
aconselhável é a de caução (art. 676, IV). Tratando-se de defeitos de construção ou perigos oriundos de
muralhas. pedreiras ou montes, a vistoria (art. 676, VI).
Se o autor do dano por exemplo, o louco entrou na casa. para lançar a coisa, 011 provocar-lhe a queda, ias
circunstâncias podem, pela acidentalidade do lugar escolhido, afastar

a ação do art. 1.529? ~O habitante não seria o responsável Responsável seria o indivíduo que procurou o lugar
para causar o dano. M. G. WERNHER diria que as duas ações caberiam. (Commentatioues lectissimae ad Dzg
esta, ao Til, de 1145, qu2. effuderint, vel deiecerint, § 8). Mas, em verdade, podem caber as duas, ou só uma. As
circunstâncias é que decidirão . Exemplo: após uma rixa, um dos contendores entra na residência de alguém e
lança sôbre o outro algum objeto. Não cabe a adio de deiectis. Seria o caso da actio legis Aquitiae. Se o louco
entrou na casa, acolhido pelo habitante, e de lá. lançou a coisa, há a responsabilidade do habitante. Se o ladrão
penetrou e lançou pela janela algum objeto, dificilmente sa pode provar que foi êle, mas, ainda que se prove que
, não se há de retirar a responsabilidade do habitante, porque não tomou as providências necessárias para a casa
não ser invadida. No caso do louco, dá-se o mesmo: o habitante tinha de defender-se e não poderia forrar-se à
responsabilidade porque o louco entrou na casa contra a sua vontade. Complica-se a questão se o louco matou
ou o ladrão matou o habitante, que reagira, ou antes que êle reagisse. A solução éa de só em circunstâncias tais
se admitir que o residente não seja o responsável.
O Código Civil somente fala de casa. Mas do próprio art. 1.529 há de tirar-se o bastante para interpretação. Não

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é de aplicação analógica que cogitamos, e sim de interpretação da lei, fixação do seu conteúdo, verificação do
significado extensivo da palavra casa. No art. 1.529, casa significa: a) o edifício destinado a habitação
doméstica) ; 6) o edifício, destinado ao exercício de alguma profissão, como os que alugam os advogados,
médicos, costureiros, ferreiros e demais profissionais; e) as barracas, carros aproveitados como habitação de
família ou destinados ao trabalho; d) as partes separadas, como as garages, os galinheiros, os banheiros, os
pombais; e) os navios e as aeronaves; 1) os troles, os carros para acampar, ou para estadas rápidas.
O art. 1.529 traz à tona a ação aplicável em casos de danos oriundos de navios e aeronaves. A questão
preliminar é a de se saber atual o direito que deva reger a espécie: se o civil, se o comercial. É civil o direito. Os
navios não trazem questões novas. Nos portos são como barracas. Não se passa o mesmo com as aeronaves,
cujo direito civil é mais internacional do que nacional.
Temos de separar, por conveniência de método, os assuntos: a) indenizabilidade dos danos (direito civil aéreo)
no sistema do Código Civil; b) o direito civil internacional, já elaborado ou em elaboração; o) a regulamentação
nacional das aeronaves, no que pode interessar ao direito civil.

10.DANOS CAUSADOS POR AERONAVES. Escrevemos em.1930 (Das Obrigações por atos ilícitos, II, 377-
401) : “Em nenhum artigo do Código Civil se falou de aeronave. Como o cinematógrafo e o rádio, o avião não
interessou o legislador brasileiro de 1916, mesmo nos capítulos em que era de prever
-se a alusão. A aeronave vai alterar enormemente os próprios dados de geografia humana: distâncias vão
encurtar-se, paises, que antas não podiam ser atacados por outros, ou que só dificilmente o seriam, por não
serem limítrofes, passarão a ser prêsas fáceis. No direito comercial, pela crescente importância econômica e
mercantil do avião, capítulos novos surgem. e por todo o corpo do direito comercial aplicações extensivas e
aplicações analógicas, que atendam a êsse nôvo conj unto de relações que a navegação aérea suscitou. No
direito civil, igualmente. Mas, aqui, cresce de ponto o assunto da responsabilidade pelos danos. À conquista do
espaço, por mais seguro que seja, corresponde possibilidade mais extensa de danos. Os que se conheciam eram
dependentes da continuidade horizontal: os que derivam da aeronave podem recair em quaisquer casas, homens,
animais, porque são de cima, de veículo que se desloca por sôbre as cidades e os campos, os mares e os rios.
Por outro lado, trata-se de danos que se produzem a. grande distância, danos cujos causadores imediatos nem
sempre se podem apontar. Um trem, vê-se passar, e sabe-se qual foi: vê-se-lhe o número, a forma, sabe-se onde
pára. persegue-se. A aeronave, não. Causa o dano e já está. longe. Ao surgir a navegação aérea, aplicada,
tendente àutilizacão, sedenta de eficiência prática, os juristas como <me se debrucaram sôbre as suas
concepções do direito. Era fato nôvo, e êles queriam soluções já feitas (3. BATICTUE. Dc la Responso biTité
des Comnagnies de ‘navigation acrienfle dans les aecidents, 15). Não admira que um déles dissesse: “Si le droit
cst vraiment la résultante des expériences accumulées par les générations précédentes, nous nous trouvons dans
une situation particuliêrement délicate pour bâtir une l’egislation aérienne, en l’ahsence des directives que
l’inexistence de ce moyen de transport à leur époque ne permet pas a nos prédécesseurs de nous léguer”. Ora, o
escritor francês partia de premissa falsa. Experiências, sim; porém não experiências que necessAriamente
tenham de ser longevas. Se procuramos a formação de algumas regras jurídicas, o que lhes encontramos
contradiz, várias vêzes, a afirmativa em que se apoiou. Na primeira fase do direito, que é de formação
evidentemente pluralística, de fato em fato, patenteia-se a revelação imediata, contemporânea ao próprio caso
submetido ao julgamento. Bastaria isso para se tirar qualquer valor à advertência do jurista francês. Aqui, ainda
admitido que a navegação aérea não nos tivesse mostrado, pelos fatos, a natureza dos seus danos, seria o caso
para aquela forma superior de experimentação, a que, noutro lugar (Sistema de Ciência Positiva, do Direito, II,
413 sj, nos referimos: “Além do valor como dado de método, tem a experiência o valor de dado fisiológico e
físico. Quando a criança toca no ferro de engomar, retira de pronto o dedo; depois, quando encontra o ferro,
procede com mais prudência: a lembrança, a imagem mneumônica, é aquisição. Sem contar com a experiência
científica, apresentam as sociedades grande cabedal de experiências próprias, como o das plantas e animais
(movimentos das plantas insetívoras, contrações, peristálticas dos intestinos, inervacão de músculo conseguida
por acaso, e reprodução dela a fazer no homem habilidade que outros não têm, e outras aquisicões mais úteis).
Na possibilidade de repetir o ato que foi útil ou agradável, está o fio do mistério da opulência espiritual, porque,
com tal faculdade, se abre ao ser toda a infinita estrada da sua evolução quantitativa, pois as assimilações,
instintiva e intelectual, são conversões dinâmicas de materiais caracteristicamente extensivos . Tais conversões
é que dão a ilusão da diferença radical entre o homem e os outros animais: o qualificativo é apenas a quantidade
convertida. 1-lá forma de experimentação, que não pode ser renegada: a que se faz mental-
mente, por abstração, e pela qual, representados os fenômenos em condições simples hipotéticas, procedemos
ao exame do que nos interessa. O valor de tal processo é apenas mais relativo do que os outros, pôsto que possa
servir com igual fecundidade, em colaboração com a experimentação material, ao desenvolvimento das
ciências.
Dois caminhos principais podiam ser seguidos: a) buscar-se ao direito vigente, ou por interpretação extensiva,
que, já se vê, seria norteada pelo lamentável subjetivismo voluntarista que tanto temos exprobrado aos velhos
juristas (Subjektivismus und voluntarismus im Recht, 5.22) e emprestaria ao legislador previsão que em
verdade lhe não cabia, ou, abertamente, pela analogia; b) conhecermos as novas relações criadas pela
navegação aérea e, pelo método experimental indutivo, elaborar-se, em revelação científica, a regra jurídica. Tal
solução supõe e é compatível com a consulta a certos elementos técnicos tidos por principais no direito similar
vigente.
(a)Tivemos de enfrentar o assunto em 1930, e dissemos:
“Já não é sem princípios gerais de direito a matéria de danos causados pelas aeronaves. No próprio direito
brasileiro, aplicam-se nos casos omissos as regras jurídicas concernentes aos casos análogos, e se não as há, os
princípios gerais de direito. A analogia com os danos causados pelos automóveis é irrecusável se o Estado tem
legislação especial a respeito, facilita-se o tema da ressarcibilidade dos danos causados pela navegação aérea.
Nos Estados em que não há tal legislação, nem outra que regule a responsabilidade extracontratual dos veículos
ou máquinas de locomoção, só em parte caberia pensar-se nos arts. 1.528 e 1.529, pois somente tratam dos
danos resultantes da ruína de edifícios ou construções, e das coisas caídas ou lançadas em lugar indevido. A
questão, ex hypothesi, não nos interessa: a pesquisa não pode chegar ao critério de interpretação extensiva ou
de analogia. Restam-lhe ditames gerais de direito. Quais são êles? ,‘,Já existem, em navegação aérea, tais
princípios? Antes de ferirmos a segunda pergunta, devemos fixar o que se entende por aquêles princípios e
percorrer o direito que possa conter, se não a forma concreta dêles, pelo menos os seus germes ou elementos
criadores. Direito êsse que pode ser nacional dos diferentes Estados ou o interestatal em formação. Quanto aos
princípios gerais de direito, expressão vinda do Código Albertino, artigo 15, diferentemente do Código Civil
austríaco, § 7, que fala em princípios do direito natural, teríamos de ater-nos à responsabilidade por culpa e
pelos atos dos empregados.
Noutros sistemas jurídicos encontramos divergências assaz acentuadas:
(a)Principio da responsabilidade objetiva. Assim lê
-se na Lei francesa de 31 de maio de 1924, art. 6:3: “Uexploitant d’un aéronef est responsable de plein droit des
dommages causés par les évolutions de l’aéronef ou les objets qui s’en détacheraient aux personnes et aux biens
situés à la surface. Cette responsabilité peut être atténuée ou écartée par la faute de la victime”. Na Suiça,
adotou-se (anos antes) o critério de responsabilidade fundada no risco, e o Conseil Fédéral Suisse, a 27 de
janeiro de 1920, duramente estatuiu: “Sont iresponsables, solidairement et indéfiniment avec le coupable, de
toutes obligations de droit public naissant de la circulation aérienne et de tout dommage causé à des biens par
un aéronef ou la manoeuvre de celui-ci, ainsi que du dommage causé au bien d’atterrissage: 19) le titulaire du
permis de navigation établi pour l’aéronef; 2.0) celui qui a la maitrise de l’appareil”. Não se pode invocar a
fOrça maior. Por isso, EDMONTY PITTART (La Législation aérienne en Suisse, Ii Diritto acronautico, 1, 4)
considerou a solução “lógica” e “draconiana”; mas (o próprio crítico advertiu) isso corresponde às exigências
atuais, e já os meios aeronáuticos compreenderam e admitiram a necessidade. Na Inglaterra, o Air Navigation
Ad, de 23 de dezembro de 1920, art. 9, estabeleceu que os danos ou perdas causados por aeronave durante o
vôo, seja ao partir, seja ao chegar, ou por pessoa que se ache nela, ou por objeto que caia, quer a pessoa, quer a
propriedade situadas no território, ou sôbre água, são ressarcidos pelo proprietário da aeronave, sem ser preciso
que se prove negligência ou intenção de lesar, ou qualquer outro motivo legal de ação, como se o dano fOsse
causado por ato voluntário, negligência ou êrro: salvo se o dano ou a perda derivou da pessoa que o sofreu, ou
se essa para isso contribuiu. Note-se a diferença em
relação à lei francesa: a inglêsa, no caso de contribuIção da vítima, só admite um critério, que é a exclusão da
responsabilidade; a francesa adota critério de graduação: ou a atenuação, ou a escusa completa. A
responsabilidade objetiva prevaleceu na Rússia soviética, em virtude do Decreto do Conselho dos Comissários
do Povo, de 17 de janeiro de 1921, artigo 22; na Lei alemã sôbre Navegação Aérea, de 19 de agôsto de 1922, §
19; na Lei aeronáutica norueguesa, de 7 de dezembro de 1923, art. 37; na Lei dinamarquesa de aeronáutica, de
19 de maio de 1923, art. 36; e na hei búlgara, de 23 de julho de 1925, art. 22.
(b)Principio da inversdo do ánus da prova. Solução italiana, se se adotasse a interpretação mais aceita, que era a
de GIUSEPPE CORTESANI (La Responsabilitâ nel diritto aereo, 30), e outros, à Lei de 28 de agôsto de 1923,
ad. 38. Causado o dano pela queda de coisas, quer ao sair, quer ao chegar o aeromóvel, o ônus da prova cabe ao

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demandado, e êsse só se escusa provando fôrça maior. Pela natureza da inversão, pode provar que não foi o
autor, nem derivou do aeromóvel (a despeito dos argumentos e da opinião mais corrente, parece que a
interpretação de MUSTO (L’Aeromobile, 55 s.) responsabilidade objetiva parcial, melhor diremos excetuável
traduziria melhor a solução italiana. Quanto ao concurso de culpas, o art. 40 da Lei italiana estatuiu: “Nel caso
di concorso di colpa da parte del danneggiato si applicano le regole di diritto comune”. Dificuldade grave, por
que a doutrina italiana, na falta de regra jurídica de direito comum, era divergente. Cumpre notar outras
particularidades da lei italiana: a fôrça maior excusatória, que a legislação dos outros povos não acolheu; a
desigual tratação do jato e da queda das coisas estantes no aeromóvel.
(c)Principio do direito comum puro. Por bem dizer-se, e a negação de qualquer pesquisa das relações. Diante
dos f atos novos da vida, o intérprete nada procura, nada ousa, nada quer. O que êle pretende é que o texto legal,
o princínpio comum, de generalidade fria, cubra também, com a indiferença típica, todos os danos não
previstos por Me, e assaz diferentes daqueles de que o próprio princípio comum nasceu. Apriorismo, fôrça que
se subsuma no artigo legal da responsabilidade fundada na culpa e dano, causado pela aeronave, dano em que a
situação do responsável e a do lesado são evidentemente desiguais. Pesquisa, que concluísse por êsse princípio,
seria a negação de si mesma. Tem-se de afirmar a existência de relações novas, porque, na espécie, existem e
são causa das controvérsias. Grosso modo, o pesquisador só tem dois caminhos:
o de afirmar a responsabilidade objetiva; o de inverter o ônus da prova. Antes de qualquer outra legislação, por
iniciativa do jurista americano S.IMEON E. BALDWIN, legislou sôbre danos causados por aeronaves o Estado
de Connecticut (Lei de 8 de junho de 1911, sec. 11: “Every aeronaut shall be responsible for ali damages
suffered in this state by any person from injuries caused by any voyage in an airship directed by such voyage,
his principal or employer shall be responsible for such damage”. Era o principio da responsabilidade pela culpa,
porém sem as exonerações.
As considerações acima feitas constam do livro Das Obrigações por atos ilícitos, Tomo II (1930), e no mesmo
ano lançamos, no plano do direito internacional público e privado (e do direito das gentes), o principio da
necessidade da permissão de cada Estado para sobrevôo do seu território (Conferência Internacional de
Navegação Aérea, na Haia, em 1930).
Quanto ao direito privado internacional, o art. 19 do Código Internacional do Ar (inserto, sem razão, na parte de
direito público aéreo) diz: “En tout cas, le préjudice causé donne lieu à réparation”. No livro II, relativo ao
direito privado aéreo, há duas regras jurídicas concebidas como prin.cípios: “La responsabilité est basée sur le
risque” (art. 48). “La responsabilité p~se également et solidairement sur celul qui a la propriété de l’aéronef et
celui qui en a la maitrise juridique” (art. 49). Nas relações jurídicas internacionais, que são o principal em
matéria de navegação aérea, porquanto, pela grande velocidade, as aeronaves dificilmente restringem o vôo aos
territórios nacionais, dois caminhos que nos outros ramos do direito se divisam tarde logo tomaram o aspecto
de problema inicial, optando-se pelo segundo, mais próprio: as regras de direito internacional privado, com o
pressunosto de legislações do ar diferentes nos Estados ou discordantes aplicações de direito comum; b)
legislação internacional do direito aéreo privado. É digna de menção essa preferência pela formação de direito
geral, o que se explica com. o fato de ter sido o direito civil fruto de círculos nacionais e surgir o direito aéreo,
como o cinematográfico, o radiotelegráfico e radiotelefônico, em momento de formação já acentuada de
círculos maiores. Alhures já o haviamos apontado. No Systema de Ciência Positiva do Direito (1, 238 s. e 230
s.), escrevemos: “A sociedade é a grande realidade econômica, moral, jurídica, etc.: entidade real e concreta, de
que o indivíduo é produto. A cada círculo, que se forma, correspondem variações íntimas da mentalidade
individual, variações imperceptíveis, mas profundas, e, se é certo que são linhas centrifugas transcendentes que
servem à formação dos novos círculos, é a êsses, depois de fechados, que cabe a influência, agora centrípeta,
sôbre todos os elementos interiores. Idéias que seriam inaceitáveis e impossíveis ao homem da tribo, teve-as o
cidadão romano, e o que por êsse não poderia ser pensado e impôsto constitui evidência para o indivíduo das
sociedades civilizadas do século XX. Há ainda muitos círculos que podem ser traçados, além do Estado, e
dentro de todos êles terá de aperfeiçoar-se o organismo social, de modo que o homem poderá adaptar-se
indefinidamente a quadro social, econômica, moral, jurídica, política, religiosa e estêticamente ‘mais largo e
melhor. Os grandes pensadores modernos não se acham mais dentro do círculo dos Estados, mas da
humanidade. Há direito absoluto, escreveu um dêles; é o que assenta no conceito de humanidade, provado pela
ciência natural, e é absoluto, como o é a própria humanidade. A humanidade veio a integrar-se e prossegue na
obscura faina de se integrar. Em algumas gerações, em quinhentos anos por exemplo, a posteridade de um
homem compreende número aproximado ao da humanidade.. De modo que há em cada homem a substância de
grande parte dos homens que viveram há cinco séculos e grande parte da humanidade que viverá daqui a outro
tanto tempo”.
O assunto será tratado no capitulo em que a exposição se refere aos danos causados por transportes, onde
acentuaremos o que seja concernente aos danos aos passageiros e às cargas.

§ 5.522. Danos causados por edifícios e outras construções

1. edifícios E OUTRAS CONSTRUÇÕES. A responsabilidade pelos danos causados por edifícios, ou


construções, está explícita em regra jurídica do sistema jurídico brasileiro. Porém alcança mais do que os danos
que provêm de construção (ponte, muro, muralha, postes, trilhos) ou de edifício. Os desmoronamentos de
morros, ou quedas de pedras, ou correntes de água, podem dar ensejo à invocação da lei. Apenas há diferença
quanto ao ônus da prova.
Lê-se no Código Civil, art. 1.528: “O dono do edifício ou construção responde pelos danos que resultarem de
sua ruína, se esta provier de falta de reparos, cuja necessidade fôsse manifesta”. A responsabilidade que aí se
estatui não é responsabilidade pelo risco, mas sim responsabilidade por fato positivo ou negativo que deveria
ter sido eliminado, e não foi. Há infração da lei. Há dever de conservar os edifícios e as construções em
situação tal que não causem danos. O possuidor de ruínas responde como o possuidor de nôvo edifício. Nada se
disse sôbre o ônus da prova da “falta de reparos, cuja necessidade fôsse manifesta”; mas a alegação pelo
demandante basta, pois que a regra jurídica teve por fito estabelecer presupostos para a incidência da regra
jurídica.
Temos de interpretar o art. 1.528 sem o reduzir a regra jurídica sôbre responsabilidade pela culpa.
O demandante alega que havia necessidade manifesta de reparos. O dano tem de ter sido causado pela
instalação defeituosa, ou pela conservação defeituosa. Ser manifesta a necessidade resulta do exame das
circunstâncias. Isso não significa que se trate de responsabilidade pelo risco: o demandado pode provar que a
ruína não era manifesta, que a necessidade de reparos não existia, como, por exemplo, se o muro ou o poste de
sinais, ou telégrafo, ou telefone, tombou, porque houve tremor de terra, ou a explosão de alguma mina ou
demolição próxima foi a causa. Cumpre, porém, advertir-se que a tormenta, a chuva, o fato de haver perto a
explosão não pré-exclui o dever de indenizar, se, tendo havido os reparos, o dano não ocorreria. Aliás, a lesão
pode ser com nexo causal imediato ou mediato; e. g., pode ter caído a janela, ou o gradil, como pode o poço ter
enchido durante as chuvas torrenciais e a filtração ter atingido a casa vizinha. O dano pode ~er causado abaixo
ou acima do elemento causal (e. g., o desabamento tanto pode atingir a parede ou o telhado do vizinho como
podem as fagulhas provenientes do curto-circuito ter causado o incêndio no edifício vizinho, mesmo em andar
superior). Basta que o nexo causal seja com pequena parte da construção, como é o caso da cortina de plástico
que fôra mal pregada, ou da porta de cristal que se despregou.
Se a casa estava cercada e alguém nela penetrou, sem chamada ou permissão, e sofre o dano, não se perfaz a
figura do fato ilícito. Se o ofendido veio por motivos plausíveis ao lugar do dano, sem ter aviso do perigo, e. g.,
se é empregado da Saúde Pública, ou se o proprietário o encarregou de uma planta de nova construção, cabe a
ação de ressarcimento dos danos. Uns sintetizam: se há motivo plausível, cabe a ação; se não há, não cabe.
Outros: a regra é a da responsabilidade do proprietário; mas desaparece em caso de culpa da vítima.
O art. 1.528 é invocável quando o dano é causado pela queda de um pombal, ou de um galho de árvore (cf.
REINE .SPILLMAN, Sens ei Portée de l’Évolution de la Res-ponsabilité civile depuis 1804, 23 s.).
O arE 1.528 do Código Civil, como o art. 1.386 do Código Civil francês, não estabelece regra jurídica explícita
sôbre ônus da prova de ter bem construído, ou não haver falta de reparos, por parte do dono do prédio (cf.
ALFRED VON WEINRICH, Die Ilaftnflicht wegen Kõperverletzung und Tddtung ejues Men.sefleu nach deu
im Deutschen Reich geltendeu Rechten systematisch dargestellt, 106; CARL MITTWEG, Die unerlaubten
Handlungen nach BUR., 57). Mas tem-se de admitir que, provada a ligação causal, por ter havido
desmoronamento, ou outro acidente do edifício, e o dano, tem o dono do prédio o ônus da prova de que está
incólume à alegação de culpa (daí não se tire, portanto, que a responsabilidade seja pelo risco, como sustentava
OTrIrO VON GTERKE, Deutsches Privatrecht, III, 957).
A lei exige ser manifesta a necessidade do reparo, inclusive, entenda-se, da demolição, para se evitar a ruína. O
vicio pode estar na construção, e só ser manifesta a quem conhece o plano e o emprêgo de materiais. O que é
preciso éque o vicio ou êrro seja manifesto para o técnico, ou para o dono do edifício. Por isso mesmo, se o
subsolo exigia alicerces mais sólidos, por ser grande, por exemplo, a infiltração de água, há responsabilidade,
porque aos técnicos cabe verificar os terrenos antes de planejarem as bases e a manifestação há de ser a quem
esteja habilitado a construir. Seria absurdo que o ignorante, ou o cego, ou o menor, ou o louco, dono do edifício,

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não tivesse de reparar o dano que resultou ou vício ou êrro manifesto no sentido técnico da construção. O êrro
do construtor ou de técnico, e. g., eletricista, gera responsabilidade do proprietário.
Também determina a responsabilidade do proprietário a falta de medidas para que o edifício ou outra
construção mio se arruine, não desmorone, no todo ou em parte, ou não faça, por exemplo, correr água sôbre o
teto do vizinho.
Se há os pressupostos do art. 1.528 do Código Civil, não é preciso provar-se-lhe culpa (sem razão, MÁRIO
Cozzi, La Responsabilitâ, civile per dauni de cose, 159).
A atitude que sempre tivemos diante do art. 1.523 do Código Civil é a que o salva, sem o dizer inútil, diante da
técnica legislativa, que não admitiria repetir-se no art. 1.528 o que já se compreenderia nos arts. 159 e 1.518. Se
fôssemos exigir ao demandante a alegação o a prova de haver ruína (senso lato, aliás) e de ter sido manifesta a
falta de reparos, quase se impossibilitaria, ou se impossibilitaria, em muitos casos, o exercício da ação de
indenização. ~ Como poderia o vizinho provar que tinha de ser reparada a parede do edifício se o êrro foi do
engenheiro? &Como, tendo caído o edifício, se provaria a falta necessária de reparo se o desabamento ou
incêndio da construção resultou de defeito da instalação elétrica?
O Que o demandante tem de provar é a causação (ruína, dano), e não o que só o demandado há de alegar e
provar.

2.DIREITO BRASILEIRO E DIREITO COMPARADO. Lia-se no art. 1.650 do Projeto primitivo: “O dono de
um edifício ou de urna construção responde pelos danos resultantes de sua ruína, se esta resultou da falta de
reparação oportuna e cuja necessidade era manifesta”. Emendou-o a Comissão no Projeto revisto, art. 1.822: “O
dono de um edifício ou de uma construção responde pelos danos resultantes de sua ruína, se esta provier de
falta de reparação, cuja necessidade era manifesta”. No Senado (Projeto de Código Civil brasileiro: Parecer do
senador RuI BARBOSA, 485), foi dito: “O dono do edifício ou construção responde ...., se esta provier da falta
de reparos, cuja necessidade fôsse manifesta”.
Mais se preocuparam ou só se preocuparam com a redação, e não com o conteúdo. Tinham de examinar a
evolução da técnica legislativa, a respeito do assunto.
No Código Civil francês, é assaz individualista a organização da propriedade imobiliária: regras e silêncio da lei
denunciam tal espírito. Mas, na prática, procurou-se obviar a isso pela extração de regra geral sôbre os limites
ordinários do direito de usar da propriedade, em função dos direitos dos vizinhos. Era mais um dos casos de
ilicitude do abuso do direito. Perguntou-se, na França: ~ ao lado de tal dever de não usar, de maneira danosa, da
propriedade, existe o de bem construir e de conservar? Erga amues, não, respondeu-se. Mas, em relação ao
lesado, sim. Em todo o caso, pareceu larga indução, pois o art. 1.886 do Código Civil francês somente cogitou
da ruína: “Le propriétaire d’un bàtiment est responsable du dommage causé par sa rume, lorsqu’elle est arrivé
par une suite du défaut d’entretien ou par le vice de sa construction”. Trata-se de culpa, mas de culpa objetiva.
Culpa que (melhor, aqui, falta) é de mister provar-se; não se presume. Não quer sso dizer que o art. 1.886 seja
sem alcance, pois, provada a culpa objetiva, será responsável o proprietário sem qualquer meio de exculpação.
Têcnicamente, a regra jurídica tem valor prático e teórico, que se deve examinar, tal como foi interpretada.
No direito inglês, não há regras jurídicas especiais, mas o largo dever de segurança serve aos fins do art. 1.386
do Código Civil francês. No caso Rylandes versus Fletcher, decidiu-se: “Se alguém acumula em seu terreno
coisas que, escapando-se, podem causar danos aos vizinhos, assume os riscos. Se êsses objetos se escapam, e
causam danos, será essa pessoa responsável, não obstante ter tido cuidados e precaw. ções para evitar os danos”.
A responsabilidade deixa de existir no caso de act of God (fôrça maior), ou fato de terceiro, ou autorização
legislativa, como se foi autorizado um canal
(A. GÉRAItD, Les “Torts” ou déiits civiLs eu droit anglais, 280). A jurisprudência sempre vai até lá. Por vêzes
tem sido mais indulgente. Exclui-se a responsabilidade: se o lesado veio ao imóvel em virtude de permissão
(expôs-se ao perigo, sofra-o) ; se o defeito não era suscetível de ver-se, ou, melhor, de ser visto por pessoa
razoàvelmente cuidadosa. Firma-se a responsabilidade, por exemplo, em casos de cair um vaso de flôres sôbre
os que passam, de se quebrar a ponte ao passar o comboio, ou de se desmoronar a casa em construção. Se há
posse imprópria, a responsabilidade é do possuidor, e não do proprietário, salvo se êsse faltou aos seus deveres.
Diz J. C. MILES (EDwA1tD JENES, A Digesi of Engiish Civil Law, li, parte III, 405 s.) : “A person who, for
bis own purposes, brings on land in his occupation, and collects and keeps there, anything likely to do mischief
if it escapes, is prima fade answerable for all damage to the land of another which is the consequence of its
escape. But he can excuse himself by showing that the escape was due to the plaintiff’s default, or to the “act of
God” (vis major)”.
No direito austríaco, o Código Civil de 1811 não cogitava, em particular, dos casos de responsabilidade pela
ruína das construções; e só no § 387 se referia a isso como causa da perda da propriedade. Por outro lado, em
matéria mobiliar, refusava a actio damni infeeti (§ 1.319). Em 1916, substitui-se o texto: “Se, pela queda ou
separação de parte de um edifício ou de obra construída em terreno, alguém é lesado ou sofre prejuízo, o
possuidor do edifício ou obra é obrigado à reparação, se o acontecimento resulta do estado defeituoso da obra e
se não prova ter empregado todos os cuidados exigidos para afastar o perigo”. Trata-se de construção arruinada
ou ainda não acabada, pois a razão é a mesma (ARMIN EIIRENZWEIO, System des &sterreiehischen
allgemeinen Privatrechts, II, § 402, 616).
Quanto aos imóveis, o Código Civil austríaco, § 343, estatui: “Se o possuidor de um direito real pode provar
que edifício já existente ou qualquer outra coisa dependente de outrem ameaça ruir, e lhe faz temer manifesto
dano, pode prece-
der judicialmente para obter caução se não houve suficiente diligência, quanto à segurança pública, pela
autoridade publica”. O proprietário, obrigado a prestar caução, disso pode exonerar-se pela derelictio do
imóvel. A regra jurídica serve ao proprietário, ao titular da servidão; não, porém, ao locatário.

O Código Civil brasileiro só se reporta às ruínas; porém a ruína desligamento, escapar de traves, desmoronar
de paredes pode ser posterior ou anterior a se acabar a casa ou outra construção. A razão de uma prevalece para
a outra; sendo, como são, idênticas as relações, a regra induzível é a mesma. SÉ-lo-ia, ainda se não constituísse
critério legal explícito a interpretação por analogia.
No Código Civil português, segue-se o pensamento francês (art. 2.395) : “Se algum edifício, que ameace ruína,
cair e prejudicar alguém, responderá pelo dano o dono do dito edifício, provando-se que houve negligência da
sua parte em separá-lo, ou em tomar as precauções necessárias contra o desabamento dêle”. Não se cogita do
meio de prevenir a ruína. Há, porém, o art. 2.828: “No seu próprio prédio ninguém poderá abrir poços, fossos,
valas, ou canos de despejo junto do muro, quer comum, quer alheio, sem guardar a distância, ou fazer as obras
necessárias para que dêsse fato não resulte prejuízo ao dito muro”. No § 1.0. “Observar-se-ão, nesta parte, os
regulamentos municipais, ou administrativos”. E no § 2.0:
“Logo, porém, que o vizinho venha a padecer danos com as obras mencionadas, será indenizado pelo autor
delas, salvo se tiver havido acôrdo expresso em contrário”. Ainda o artigo 2.355: “Se a violação provier de
qualquer obra nova, a que alguém dê comêço, poderá o ofendido prevenir-se e assegurar o seu direito
embargando a obra”. Trata-se de violação da propriedade.
No Código Civil espanhol, diz o art. 1.907: “El propietario de un edificio es responsable de los dafios que
resulten de la ruma de todo ó parte de él, si ésta sobreveniere por falta de las reparaciones necesarias”. Não se
fala em vício de construção, nem a sanção corresponde à plena responsabilidade do sistema francês. Restam,
porém, outras regras jurídicas. Diz o art. 1.908: “Igualmente responderán los de los dalios causados: 12. Por la
explosión de máquinas que no hubieseu sido cuidadas con la debida diligencia, y la inflamación de sustancias
explosivas que no estuviesen colocadas en lugar seguro e adecuado. 22. Por los humos excessivos, que sean
nocivos á las personas ó á las propiedades. 32. Por ia caída de árboles colocados eu sitios de tránsito, cuando no
sea ocasionada por fuerza mayor. 42. Por las emanaciones de cloacas ó depósitos de materias infectantes,
construídos siu las precauciones adecuadas ai lugar en que estuvieseu”. E o artigo 1.909: “Si el dailo de que
tratan los dos artículos anteriores resultar por defecto de construción, el tercero que lo sufra sólo podrá repetir
contra el architecto, ó, en su caso, contra ei constructor, dentro del tiempo legal”. A regra jurídica do art. 1.908
é enunciativa, e não limitativa.
No Código Civil francês, art. 1.386, e na Lei suíça de 1911, art. 58 (bem assim no projeto húngaro, § 1.487), e
no Código Civil brasileiro, art. 1.528, não se fala da queda acidental: o que os preocupa é a ruína. Mas,
naquelas leis, a exculpação não pode ser oposta. Há quem o afirme, devido ao texto do § 343, no direito
austríaco (A. MACES, Ober Nachbarrecht, 38; L. PFAFF, Gutachten, 47) mas, diz ARMIN EHRENZWEIO
(System des àsterreichischcn allgemeinen Privatrechts, II, 617), que não tem razão. No direito alemão e no
austríaco permite-se a prova liberatória. Tal prova consiste em deixar-se assente, que, para se afastar o perigo,
foram observados todos os cuidados exigidos. Quer dizer: aquêles que, razoavelmente , nas relações com as
outras propriedades ou pessoas, deviam ser tomados. Mas contra tal exegese há interpretações judiciárias: as
circunstâncias devem entrar em conta na aplicação do conceito. ,Precisa-se ter conhecido o perigo? Sim, dizem
outros. Na Áustria, respectivamente, ARMIN EHRENzwEIG (S’ystem des dst errei chischen allgemeinen
Privatrechts, II, 617) e a decisão de 16 de fevereiro de 1918. Ora, tal solução se choca com a afirmativa de que
não é possível a prova liberatória da não-culpa (Schuldlosiqlceit). Também se responde, no direito austríaco: a)

.~> a]
se não houve culpa no obstáculo (e. g., doença, ausência) a que se tomassem as devidas medidas: b) se o
proprietário ou nossuTdor é incapaz de atos ilícitos (handlungsunfàhig), uma vez que o representante não
tenha observado os exigidos cuidados (OTTO VON GIERKE, Deutsches Privatrecht, III, 957, nota 101). Mas,
em regra, não responde (II. DERNBURG, Das BuirgerUche Recht, ~ 2.~ parte, § 398). Queria H.
DITTENBERGER (Schutz des Kindes, 64) que o representante legal responda de acôrdo com a regra jurídica
sôbre danos causados por edifícios ou outra construção. Contra isso se manifestou OTTO VON GIERRE.
No Código Civil alemão, o § 836 contém presunção de culpa do possuidor, solução essa (advirta-se), diferente
da que está no Código Civil francês, art. 1.386, na Lei suíça, artigo 58, e no Código Civil brasileiro, art. 1.528.
A presunção de culpa digamos o T/erschuldungsprinzip atuou no direito alemão pelo influxo romano (OTTO
VON GIERKE, Deutsches Privatrecht, III, 954), e, quanto ao próprio Código Civil francês, ZAcHARIAE-
CItOME e outros o vêem no art. 1.384. Mas, em verdade, no próprio direito alemão, o que se permite é apenas
a exculpação.
É de grande importância afastar-se qualquer idéia de proximar-se a culpa. No direito brasileiro, o ad. 1.528 não
se funda nisso: provém de outro sistema (francês e suíço), e não do austro-alemão. Daí não se poder, sequer,
fazer a prova exculpatória positiva dos “cuidados precisos”. Tem-se, pois, de provar: a) Que a ruína não provém
da falta de reparos.
b)Que z~ necessidade dos reparos não era nuinif esta. Exclui-se, assim, a exigência de não ser conhecida: basta
que não fôsse manifesta.
Tanto no Código Civil brasileiro quanto no austríaco, cabe ao lesado o ônus da prova da causação o que se não
confunde com a culpa imediata no dano. Prova-se que houve a falta objetiva, não é preciso provar-se que, no
deixar sem reparos, ou mal reparada, a obra, houve culpa do proprietário ou possuidor (ARMIN
EHRENZWEIF, .Shjstem des õsterreichischen allgemeinen Privatrechts, TI, 616). Pode haver falta objetiva
ainda que tenham sido observadas todas as leis e regulamentos administrativos.
8.DANOS E REPÂRÂÇÃO DOS DANOS. A responsabilidade dos proprietários e possuidores de edifícios
abrange quaisquer casos de danos a quem passa pela rua, ou pelo terreno vizinho, ou a quem está noutro
edifício, ou navega, ou nada perto. Quem tem a posse imediata, ou quem no edifício apenas faz obras, assume
responsabilidade. Outrossim, quem, em virtude de contrato, ou de cumpra-se de testamento, ou despacho
judicial, ou medida policial, tem de cuidar do edifício. Não se afasta, com isso, a responsabilidade do possuidor
próprio, nem a do possuIdor de que provém a incumbência.
Há parecença entre a responsabilidade por danos causados pelos riscos e a responsabilidade pelos danos
provindos de edifícios e outras construções, pois que, nessa, o responsável deu origem aos perigos. Porém não
se estende a todos os riscos que derivem do edifício ou de outra construção. É preciso que se tenham omitido as
medidas necessárias, para se evitarem os perigos. Não há responsável pelos riscoS, e sim pela falta de os haver
afastado. Presume-se a culpa, porque há o dever de bem construir e de conservar os edifícios ou outras
construções, com o cuidado necessário à defesa contra os riscos e à eliminação dos riscos. A extensão dêsse
dever resulta das exigências sociais e locais.
Se o edifício ou outra construção está em ruínas, o dever persiste, porque aos vizinhos e transeuntes não
importa qual a idade ou qual a ocorrência que determina a ruína. Salvo se a causa é comum e inafastável em si
mesma, ou em seus efeitos, como se dá em caso de bombardeio, ou em tempo de guerra, ou de terremoto.
Os interessados podem impetrar medidas cautelares e propor ação de preceito cominatório.
O dano é a quem quer que seja, inclusive a lesão a bem ou a pessoa a quem a pessoa que se diz lesada tenha de
indenizar (e. g., a parede vizinha destruiu o mobiliário do vizinho e peça que era de outrem). Portanto, qualquer
interesse é ofensivel (EMIL STEINBACH, fie Grundsdtze des heutigeu RecUes jiber den Ersatz von
Vermôgensschddert, 56).

O fato de o dono do edifício ou construção ter entregue a outrem, pessoa física ou jurídica idônea, a construção,
ou os reparos, de modo nenhum afasta a responsabilidade do proprietário. Desde que se tornou manifesto o
defeito, ou a reparação, começa a responsabilidade do proprietário. Se o dano a terceiro ocorre, não deixa de ser
responsável porque encarregara da construção pessoa idônea (sem razão, o Supremo Tribunal Federal, a 23 de
janeiro de 1947,
R. E., 115, 106; com razão o voto vencido do Ministro RiBEIRO DA COSTA).
O proprietário, que adquiriu o edifício ou a construção já em ruínas, ou com defeito que cause perigo manifesto,
é responsável pelos danos. É ao tempo do dano que se apura a responsabilidade. Daí dizer a 1a Turma do
Supremo Tribunal Federal, a 9 de janeiro de 1947 (R. E., 112, 86), que não tem “influência a alegação de que o
estado de coisas já existia ao tempo em que foi adquirido”.
O estado de ruína, ou de falta de reparo, ou êrro de construção, tem de ser manifesto, isto é, como disse a 8•a
Câmara Civil do Tribunal de Apelação de São Paulo, a 29 de dezembro de 1942 (A. J., 64, 460), “perceptível a
simples observação”. A respeito de edifício ou outra construção iniciada, ou em andamento, basta a
previsibilidade do dano (4.5 Câmara Civil, 16 de janeiro de 1941, 1?. dos T., 182, 203). A expressão “manifesta
necessidade” de modo nenhum exige que o responsável conhecesse. O dono pode ser cego, o dono pode ser
menor, até mesmo nascituro; portanto, a necessidade há de ser objetivamente manifesta, o que supõe a
manifestabilidade ao técnico, ou a quem tenha os conhecimentos de técnico.

4.PESSOA RESPONSAVEL. Quem causa, com culpa, desabamento, total ou parcial, ou deterioração de
edifício ou outra obra (outra construção), e daí resulta algum dano, quer a pessoa quer a bens, tem de indenizar,
porque a espécie se enquadra em principio geral. À técnica legislativa cabia dar regra jurídica explícita sôbre a
responsabilidade na falta que pode ocorrer na construção ou na omissão de reparos ou medidas protectivas se
revelada a necessidade dessas. Não se trata de responsabilidade pelo risco, pôsto que dela se aproxime. No art.
555 do Código Civil diz-se, em regra jurídica sôbre medida cautelar: “O proprietário tem direito a exigir do
dono do prédio vizinho a demolição, ou reparação necessária, quando êste ameace ruína, bem como que preste
caução pelo dano iminente”. No Código de Processo Civil, arts. 302, VII, e 334, cogitou-se da ação
cominatória, que é uma das ações irradiáveis do art. 555, 1.~ parte, do Código Civil, e nos arts. 675, II, e 690-
692 do Código de Processo Civil se pode basear o pedido de caução.
O ato lesivo pode ser positivo ou negativo (omissivo). O responsável é o dono do prédio, ou quem tenha o
dever de conservação, como o usufrutuário, ou o usuário, ou o credor anticrético. O locatário que tem dever de
conservação é responsável. Também o é se foi omisso ao comunicar ao possuidor mediato o que ocorria, ou se o
fêz tardiamente. A expressão “proprietário”, no art. 555 do Código Civil, como a expressão “dono do edifício”,
no art. 1.528, não pode afastar a responsabilidade do possuidor próprio, ou impróprio, ou do tenedor, que esteja
na situação de qualquer responsável segundo o princípio geral. Cf. Tomos, 1, § 32, 2; II, §§ 163, 1; 186, 2; 206,
2;X, §§ 1.066, 3; 1.132, 1; XI, § 1.204, 2; XXII, § 2.721, 6; XXIV, § 2.888, 13.
São responsáveis pelo dano: a) o proprietário que tem posse, ou que aliena a posse própria, sem se liberar do
dever de segurança do tráfico; b) o possuidor que tem posse propria sem ser proprietário, ou quem se atribui
posse própria; c) o possuidor que apenas tem a posse de titular de direito real limitado (enfiteuse, uso, usufruto),
ou em virtude de contrato (e. g., locatário, comodatário, depositário) ; d) quem assumiu, por fôrça de negócio
jurídico, o dever de conservação do edifício, ou da construção, ou da obra; e) o tenedor, que exerce a tença
como se possuidor fôra.
O possuidor próprio, em tempo anterior ao dano, pode ser responsável se a relação causal existiu e é de
presumir-se que não evitou o perigo, que manifestamente tinha de ser afastado. Se, durante a sua posse, fêz o
que tinha de fazer e não se lhe revelou, nem a ninguém se revelaria, a agravação da ameaça, não é responsável.
Tem de alegá-lo e prová-lo, para que se exíma.
Se a causa do dano foi por terceiro (e. g., do consertador do telhado, ou do eletricista), mas ficou “manifesta”,
responsável é o dono, ou possuidor próprio, ou titular de direito a quem cumpra cuidar da reparação. Se
sobrevém desmoronamento, não se há de apurar se o êrro ou falta do terceiro foi
1
apenas alguma causa remota (cf. HEINRICE DELIUS, tiber die Haftung flir deu Ein.sturz vou Gebdudeu und
anderen. Werlcen, 15; LUDWIG GROOS, Die Sehadensersatzpflicht bei Beschddi-. gung durch Ei’nsturz eines
Gebdudes oder vou Teileu ejues soicheu, 59).
Quando se trata de posse em virtude de contrato, o possuídor, além de ser responsável perante terceiro, o é
perante o outro figurante do negócio jurídico, se tem de conservar o edifício ou a obra. O possuidor com posse
imprópria pode liberar-se, sempre, se alega e prova que fêz tudo o que era ou se teria de considerar diligência
exigível.
O representante sem posse ou guarda êsse, por ter apenas podêres negociais, somente responde pelos danos
que causa ou lhe são imputáveis conforme os princípios gerais.
Se há pluralidade de responsáveis, há solidariedade, com a ação regressiva, para os que se vincularam, na
medida em que cada um foi causador.
Se foi terceiro que culposamente causou o dano, e possuidor com posse própria, ou imprópria, ou o possuIdor
anterior, ou o encarregado da conservação teve de ressarcir os danos, cabe-lhe a ação regressiva.

.~> a]
5. LECITIMAÇÀO ATIVA. Legitimado ativo é, de regra, a pessoa que sofreu o dano, ou cujo patrimônio foi
atingido.
O segurador tem ação direta contra o responsável pelo da-110 (cf. a respeito, P. HIESTAND, Der
Schadenersatzanspruch des Versickercrs gegen deu Urheber der Kõrperveletzung oder Tôtung des Versicherten,
29 5.; PAUL OERTMANN, Der Schansúrsatzanspruch des obligatorisch Berechtigtefl, 28).
No caso de morte, há o pagamento das despesas com o tratamento da vítima, seu funeral e o luto da família,
bem como a prestação de alimentos às pessoas a quem o defunto devia, conforme o art. 1.537, 1 e II, do Código
Civil.
Se houve ferimento ou outra ofensa à saúde, há a indenização das despesas de tratamento e a dos lucros
cessantes até que o lesado convalesça, mais a multa a que se refere o artigo 1.538, in fine, e § 12, do Código
Civil. Pode ter de ser preslado o dote (aNã. 1.538, § 2.0). O art. 1539 é invocável.

Se há decisão criminal, trânsita em julgada, com invocação do art. 256 do Código Penal, ou outro semelhante, o
condenado não mais pede afastar a incidência e a aplicação da art. 1.528 do Código Civil (cf. LEOFRID
REUSS, Die Haftun~# L}ritter, 217 s.).

CAPÍTULO VII

RESPONSABILIDADE EXTRANEGOCIAL. DANOS CAUSADOS POR PROFISSIONAIS

§ 5.523. Medicina e ilicitude absoluta

1.PRECISOES . Tem-se de distinguir da responsabilidade contratual a responsabilidade extranegocial. Se o


serviço médico provém de direito público, ou de prestação caridosa ou beneficente ao público, sem qualquer
remuneração pela pessoa que recebe o serviço ou a obra, ou qualquer contribuição à entidade, tem-se de afastar
a contratualidade da responsabilidade. Todavia, pode ocorrer gestão de negócios alheios sem outorga, se o
profissional, in easu, não tinha dever. O dever do médico pode ser ex lege, ou de contrato com a entidade, seja
essa de direito público, ou não no seja. Com isso, não se negocializa a relação jurídica entre o médico e a
pessoa que recebeu os serviços ou obra.
O médico, o cirurgião, o dentista, ou outro profissional que sirva a tratamento do corpo ou da psique, ou é
figurante de contrato de locação de serviços, ou de obra, ou, menos frequentemente, de empreitada, ou se fêz
gestor de negócio sem outorga de podêres, ou pratica ato ou atos de caridade, direta-mente, no que se há de
ressaltar o elemento de gratuidade intencional, ou não se vinculou, nem se quis vincular. Na última espécie, o
médico, o cirurgião, o dentista ou outro profissional emprega a sua atividade fora da sua função social, como
faria o chaveiro que vai a alguma casa para abrir a porta, ou o cofre, e roubar, ou como o soldado, que está
fardado e armado,.e usa a arma pata atingir alguma pessoa que está na janela do prédio que êle vê de longe, ou
do qual passa perto.
Lê-se no acórdão da 5•a Câmara Civil do Tribunal de Justiça de São Paulo, a 12 de outubro de 1954: “Em se
tratando de médico, age êle com culpa e está obrigado a ressarcir dano se, sem o consentimento espontâneo do
cliente, o submete a tratamento do qual lhe advêm seqüelas danosas. Se o doente é menor ou insano, êsse
consentimento há de provir de seus pais ou responsáveis. E age, ainda, com culpa grave quando sujeita-o a
tratamento perigoso, sem antes certificar-se da imperiosidade do seu uso”.
Em princípio, e no caso em exame, estava certo o acordão . Mas o médico que passa de automóvel, ou a pé, e
vê caído na estrada, ou no mato, alguma pessoa maior, ou menor, homem ou mulher e verifica que somente
com a prática de atos seus, profisionais, o pode salvar, tem o dever de assistência. Se êle não pode esperar que o
pai, o tutor ou o curador do menor dê a permissão, ou se o doente não fala> ou não está em estado de
discernimento, não precisa êle do “consentimento espontâneo”, de que falou a 5A Câmara Civil. Se o médico
comete êrro, ou é culpado do agravamento da moléstia, ou ferimento, ou envenenamento, a sua
responsabilidade pode resultar segundo os princípios gerais ou segundo o art. 1.545 do Código Civil.
Observe-se ainda que o consentimento não afasta a responsabilidade do médico por seus erros, ou descuidos,
inclusive quanto ao diagnóstico, tanto mais quanto o cliente ou pessoa atendida em caso de acidente pode
somente ter consentido porque o médico lhe expôs erradamente, ou de má fé (e. g., para ganhar o dinheiro da
operação), o que seria a sua doença.
O tratamento contra as indicações da ciência é ato ilícito (l.~ Câmara Civil do Tribunal de Justiça de São Paulo,
15 de fevereiro de 1949, 1?. dos T., 180, 178). Também o é o tratamento que causa deformidade fisiológica, por
imprudência, imperícia ou negligência (1? Câmara Civil, 15 de fevereiro de 1949, 180, 180 s.), ou por pessoa
não habilitada legalmente (cf. 4~a Câmara Civil do Tribunal de Apelação de São Paulo, 21 de agôsto de 1940,
132, 155).
A exigência de haver direito ofendido foi posta de lado, no século XX. Há interesses que, lesados, dão ensejo à
responsabilidade extranegocial. Por outro lado, frisou-se que o ato pode ser ilícito por ofensa a direito ou
interesse, qualquer íue seja êle (cf. STARCK, Essai d’un Théorie générale sur te F’o’ndement de la
Responsabitité, 19).

2.VONTADE PRESUMIDA DO LESADO. A questão da responsabilidade do médico se o enfêrmo não estava


em situação de conhecer o que se passava, nem de poder escolher, por exemplo, entre o risco maior e a
operação extrativa, foi longa e profundamente discutida. Deve-se a ERNST ZITELMANN (Ausschluss der
Widerrechtlichkeit, Archlv fiir die civitistiche Praxis, 99, 104 s.) ter apontado a espécie como de intromissão no
interesse do lesado, pela utilidade, que faz supor-se a vontade presumida. Há gestão útil de negócio alheio. Há
mais:
o médico tem dever de executar a gestão, o que somente poderia ser afastado se fôra de presumir-se a vontade
contrária da pessoa que precisava do tratamento.
O suicida tem dever de indenizar os gastos e danos da salvação (Tomo II, § 186, 9).
Sôbre locação de serviços e locação de obra, Tomo XLVII, § 5.038, 5.
No mesmo sentido da opinião de ERNST ZITELMANN, além de PAUL OERTMANN (Das Rechi der
Schuldverhíiltnisse, § 823, ‘7), E. ELAD, no komntentar de G. PLANCK (§ 823, B, II, 8, d e e), contra F.
ANDRÉ, nas primeiras edições, e A. LOBE, na 4•a ed., e HANS ALBRECHT FISCHER (Die Rechtswidrigkeit
mit besonderer Reriicksichtigung des Privatrechts, 281 s..).
O médico tem dever de discrição, que é mais extenso do que o seu dever profissional, porque apanha a parte de
conhecimentos de fatos que lhe chegaram sem ser restrita ao campo da profissão, e. g., a cliente contou-lhe o
que se passara antes da doença, ou com quem se achava no carro que derrapou, ou quem a salvou (cf. J.
LIEBMANN, Die Pflicht des Arztes zur Be’wahrung anvcrtrauter Gefleimnisse, 1 s., 4. s. e 19-28). As
confidências têm de ficar em segrêdo, desde que a função do médico levou o cliente a fazê-las, mesmo como
testemunha em juízo (cf. FRANZ GÚNTI-IER, Die Verschwiegenheitsnfticht des Arztes’, 20 s.).

O dever de indenização pelo médico só se pré-exclui se o lesado omitiu, dolosa ou negligentemente, o


evitamento do dano, que êle poderia evitar, e a causa não era do conhecimento, ou não tinha de ser do
conhecimento do médico.
Há dever extranegocial do médico e do veterinário, mesmo se o tratamento se faz gratuitamente, em hospital,
ou na rua, ou em transporte, em cumprimento de dever publicístico. Trata-se de princípio geral a todos aquêles
que têm de prestar serviços, em virtude de direito público, ou de emprêsa de beneficência ou de caridade, se
houve omissão, ou falta de suficiente perícia ou de conhecimento.
Todas as operações ou quaisquer intervenções médicas são ataques à integridade física ou psíquica. Precisam de
causa que as justifique (e há a presunção de que a têm, se o operador ou medicante está habilitado). O
consentimento do paciente pode ser presumido, mesmo se foi infeliz o resultado, e se foram observadas as
regras da medicina, que são exemplos de adequação social. Se houve observância fiel, essa impede que se pense
em antijuridicidade.
O consentimento, em tais espécies, é manifestação de vontade, porém não negocial, pôsto que se possa inserir
em manifestação de vontade para negócio jurídico. Tem limites, que são os que derivam da indisponibilidade do
direito ofendendo, ou da sua intransferibilidade, ou de proibição legal ou ética.
O consentimento só se presume se urgente a intervenção e se não pode o enfêrmo manifestar-se, ou não está em
estado de poder apreciar os fatos e as circunstâncias.
Se o cliente consente e o tratamento, mesmo cirúrgico, e aconselhável, ou preferível pelo cliente, conforme a
opinião corrente, não há responsabilidade do médico. Já o dizia decisão do Parlamento de Paris, em 1696,

.~> a]
porém de modo demasiado geral, sem a condicionalidade que explicitamos.
O médico tem de advertir quanto aos riscos (MARGUERITE HALLER, Essai sur Vínfluence da Fait et la Faute
de lu victime sur san droit à la réparatio’n, 48 s.). A máxima volenti nou fit inigria tem de ser apreciada
conforme as circunstâncias, e não aplicada ao pé da letra (J. F. CLERK and W. H. LINrSELL, Thc Lue’ of
Thrts, 513).
3. RESPONSABILIDADE DOS MEDICOS E CIRUGIÕES. A responsabilidade dos médicos e cirurgiões é
contratual. Há a causa, que dá os limites da atividade; mas o ato ilícito ou mesmo o fato ilícito também pode ser
irradiante de responsabilidade extranegocial (cf. Orro MURIIAY, Die Operationspflicht, 30 s.). Tanto aquela
como essa podem resultar de dever de medicação ou de operação. O cirurgião que sabe que tem de operar
imediatamente não pode retardar, a seu líbito, a atividade cirúrgica.
A indenização por ato ilícito dos médicos, inclusive cirurgiões, independe de haver contrato entre o doente e o
profissional. Quem trabalha gratuitamente, ou presta serviços a quem os recebe de alguma instituição de
caridade, sem pagamento, responde pelos danos. O conteúdo do conceito de dano evolui com a ciência, porque
a lei não poderia precisar o Que seria a culpa (cf. F. vON LISZT, Die Verantwortlichkeit bei ãrtztlichen
Handlungen, Zeitschrift /14 ãrztliche Fortbildung. 1, 34 s.), em decênios seguintes, ou em século seguinte, ou
mesmo no ano próximo, ou no mês próximo (e. g., foi assente o perigo do remédio, que ontem se desconhecia).
Diz o Código Civil, art. 1.5-45: “Os médicos, cirurgiões, farmacêuticos, parteiras e dentistas são obrigados a
satisfazer o dano, sempre que da imprudência, negligência ou imperícia, em atos profissionais, resultar morte,
inabilitação de servir, ou ferimento”.
O art. 1.545 também se refere às parteiras e dentistas. Tem-se de considerar a regra jurídica como
exemplificativa. Assim, também os que exercem profissões similares estão incluídos, como os técnicos de
óculos e os psicologistas.
Fala-se de “morte, inabilitação de servir, ou ferimento”. Também aqui apenas se exemplifica, porque a
imprudência pode, como a negligência, ou a imperícia, causar danos que não levem à morte, nem importem
inabilitação profissional. ou ferimento.
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4.PREPOSTOS DOS FARMACÊUTICOS E DROGTJISTAS. Lê-se no Código Civil, art. 1.546: “O
farmacêutico responde solidariamente pelos erros e enganos de seu preposto”. O art. 1.546 afasta qualquer
interpretação que permita ligar-se a responsabilidade do dono da farmácia ou da drogaria a presunção ehdível
de culpa, mesmo à necessidade de se provar a culpa in eligendo, ou a possível prova em contrário de ter havido
culpa. Se houve culpa do preposto, por êrro ou engano, a responsabilidade está assente. O droguista ou o
farmacêutico tem apenas a ação regressiva contra o preposto. O ato, positivo ou negativo, do preposto pode ser
de preparação, ou de entrega de elementos para a preparação, ou de simples êrro ou engano no que presta ao
cliente, ou ao médico, ou a outra pessoa, a quem se teria de fazer a tradição.
O farmacêutico, que causa dano por entregar ao cliente o remédio a em vez do remêdio b, ou o remédio a de
tantos miligramas em vez do remédio a’ de menor número, responde pela prestação aliud pra alio, como
infração contratual. Dá-se o mesmo com o cirurgião ou o médico.

§ 3524. Responsabilidade dos advogados

1.DANOS CAUSADOS POR ADVOGADOS. O advogado responde pelo dano que às partes cause por ação
ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, ou ignorância, que negligência é, pois o profissional deve
cuidar dos seus estudos, a fim de não lesar o constituinte por saber mal, ou não saber o que se supõe incluso no
seu ofício. Exemplo de dolo (omissão) : perder o prazo, para que aproveite à parte contrária, com que se
conluiou ou de quem deseja ganho de causa. Exemplo de dolo (ato positivo) : requerer contra. o interesse da
parte. De negligência: perder, sem dolo, o tempo de contestar, de arrazoar ou de fazer prova. De imprudência:
contestar e viajar, certo de que tão cedo não será intimado para a dilação probatória, e chegar depois, ou nos
últimos dias, quando feita a intimação ao próprio réu ou autor, ou se poucos momentos lhe restam para a prova.
Exemplo de ignorância: deixar de agravar, porque não sabe que do despacho pode agravar. O advogado não
pode reter, sob qualquer pretexto, os autos, depois de findo o termo assinado ou legal, pelo qual lhe tenham sido
entregues com vista ou em confiança, perdendo o constituinte a faculdade de usar dos atos ou recursos ou se
antes dêles não usou no prazo. Assim, à parte responde o advogado pelo prejuízo que da sua falta resulte, além
de pagar as despesas que se fizerem para a cobrança dos autos. Se o advogado deixa o patrocínio da causa,
depois da aceitação, salvo se houve motivo justo, caso em que fará intimar a parte ou o seu procurador judicial
ou extrajudicial, à sua custa, para nomear outro advogado, antes da primeira audiência, sob pena de responder
pelos prejuízos resultantes da sua atitude. Além de muitíssimos outros casos, pode a parte pedir ressarcimento
dos danos quando resultarem de ter a outra parte sabido de qualquer ponto do processo, ou do fato que o
advogado somente conhecia como profissional, quer se tenha conservado no contrato, quer o tenha deixado,
mesmo sem ser convidado, ou sem ter concluído contrato com a outra pessoa. O advogado que erradamente
considerou prazo prescripcional o prazo preclusivo, ou preclusivo o prazo prescripcional, e por isso deu ensejo
a que o seu cliente perdesse a causa, responde por ato ilícito, mas ato ilícito relativo.
Se o advogado, que só tem podêres para a ação a e para a ação b, usa a procuração para a ação e responde por
ato ilícito absoluto.

2. DEVERES Dos ADVOGADOS. Um dos deveres, dos advogados é o de informar sôbre qualquer
impedimento para o exercicio da profissão, ou de alguns atos profissionais. Se, com infringir tal dever, causa
dano ao cliente, responde pela reparação. Idem, quanto ao sigilo profissional. Se reputa imoral ou ilícita a causa
de que se lhe incumbe e a aceita, causando, com isso, danos, responsável é. Também o é se, perdidos os autos,
deixa de requerer a restauração, e com isso causa danos ao cliente ou outros interessados.
Tem o advogado o dever de restituir ao cliente, finda a sua função, os papéis e quaisquer outros meios de prova
ou outros objetos que recebeu do cliente, salvo os que são de interesse comum ao advogado e ao cliente e
aquêles de que precise para prestar contas, caso em que a restituição é posterior (Lei n. 4.215, de 27 de abril de
1968, art. 87, XIX). Se da falta ou retardamento proveio dano, há o dever de reparação. No art. 87, XVIII, da
Lei n. 4.215 diz-se que é dever do advogado “indenizar, prontamente, o prejuízo que causar por negligência,
êrro, inescusável ou dolo”. Dever está ai, mais em sentido moral do que jurídico, porém, proposta a ação de
indenização, a procedência, conforme sentença trânsita em julgado, de certo modo acentua a reparabilidade
desde a prática do ato ilícito, positivo ou negativo.

8. EMPREGADOS, INCLUSIVE ADVOGADOS-AJUDANTES. A responsabilidade dos empregados,


inclusive advogados-ajudantes, é regida pelos arts. 1.521, III, 1.522 e 1.528 do Código Civil.É invocável o art.
1.524.

§ 5.525. Profissionais de esportes

1. ESPORTES E PROFISSIONALIDADE. A atividade desportiva pode ser profissional. A profissionalidade


levou à criação de Justiça Desportiva, e não só de juizes, para que se chegasse à instituição de Conselho
Nacional de Despertos, criado pelo Decreto-lei n. 3.199, de 14 de abril de 1941, e do Superior Tribunal de
Justiça Desportiva. A indenização não é pena. Com a condenação, o ressarcimento tem de ser dentro de prazo,
sob pena de suspensão até o cumprimento, salvo dispensa da parte beneficiada.

2.LEGISLAÇÃO. Com o Decreto-lei n. 526, de 1.0 de julho de 1988, instituiu-se o Conselho Nacional de
Cultura. No art. 2.0, parágrafo único, h) e i), cogita-se da “educação física (ginástica e esportes)” e da
“recreação individual e coletiva”, como atividades para o desenvolvimento cultural.
O Decreto-lei n. 1.212, de ‘7 de abril de 1939, criou na Universidade do Brasil, a Escola Nacional de Educação
Física e de Desportos, e os arts. 2.o~9.o foram minuciosos sôbre os cursos. No Estatuto dos Funcionários
Públicos (Decrete-lei n. 1.713, de 28 de outubro de 1939), art. 219, aludiu-se ao dever do Govêrno Federal de
promover o bem estar e o aperfeiçoamento físico, intelectual e moral dos funcionários e de suas famílias e a um
dos meios para se atingir tal propósito (art. 219, parágrafo único, V) “centros de educação física e cultural para
recreio e aperfeiçoamento moral e intelectual dos funcionários e de suas famílias, fora das horas de trabalho”. O
Decreto-lei n. 8.199, a que acima nos referimos, foi o passo mais decisivo, com a criação do Conselho Nacional
d’e Desportos e dos Conselhos Regionais de Desportos. No artigo 11 disse-se que teriam organização à parte,
mas em relação com o Conselho Nacional de Desportos e as confederações e entidades especiais, os desportos
universitários e os da Juventude Brasileira, bem como os da Marinha, os do Exército e os das fôrças policiais.
No art. 84 estabelece-se que a praça de desportos há de ter lugar próprio para alojamento das autoridades
policiais incumbidas de manter a ordem durante as competições. No art. 85, frisa-se que nenhuma pessoa
estranha à competição desportiva, enquanto dure, pode entrar ou ficar no local. Ao juiz ou outro dirigente da
competição cabe solicitar a intervenção da policia (art. 85, parágrafo único).
Não podem promover exibições públicas, de qualquer modo remuneradas, as atividades desportivas que não

.~> a]
sejam direta ou indiretamente vinculadas ao Conselho Nacional de Desportos (art. 86).
Essas regras jurídicas são de relevância para o trato dos atos ilícitos absolutos, ato-fatos ilícitos absoluto e fatos
ilícitos absolutos, no tocante à responsabilidade dos que exercem a atividade desportiva, dos que julgam e dos
que assistem, ou qualquer terceiro. No art. 81, parágrafo único, previram-se as “necessárias instruções técnicas
para organização de projetos d’e praças de desportos”. No art. 48 exigiu-se que cada confederação adote o
“Código de regras desportivas da entidade internacional a que estiver filiada”, que têm de ser observadas,
“rigorosamente, pelas entidades nacionais que lhe estejam dirta ou indiretamente vinculadas”.
No art. 46 está escrito: “Toda a matéria relativa a organização desportiva do país deverá ser regulada por lei
federal”. Entenda-se: salvo se a matéria,, pelos princípios constitucionais, compete a Estado-membro ou a
Município.
No art. 54 acentua-se: “Às mulheres não se permitirá a prática de desportos incompativeis com as condições de
sua natureza, devendo, para êste efeito, o Conselho de Desportos baixar as necessárias instruções às entidades
desportivas do país”. A permissão ilegal ou contrária aos bons costumes implica eventual responsabilidade dos
que lhes causem danos e da entidade que permitiu, solidariamente .
O Decreto-lei n. 8.617, de 15 de setembro de 1941, estabeleceu as bases de organização dos desportos
universitários. No ad. 2.0, XI, diz-se que não pode o aluno de estabelecimento de ensino superior participar de
competição desportiva não universitária, sem licença especial da federação atlética acadêmica, que esteja
filiado, ou da diretoria da própria associação, se é a única no Estado-membro ou no Território. Os regulamentos
dos desportos universitários dependem de aprovação do Presidente da República, em decreto.
É de relevância o art. 52 do Decreto-lei n. 5.842, de 25 de março de 1943, onde se explícita que as relações
entre atletas profissionais ou auxiliares se regulam pelos contratos que celebrarem, observado o que a lei exige
e o que constar da recomendação do Conselho Nacional de Desportos e das normas desportivas internacionais.
O Decreto n. 19.425, de 14 de agôsto de 1945, aprovou o Regimento do Conselho Nacional de Desportos. No
art. 6.0, XX, atribui-se ao Conselho Nacional de Desportos proIbir a realização de qualquer exibição pública,
sem caráter rigorosa mente gratuito, promovida por entidade desportiva que não lhe seja direta ou indiretamente
vinculada. No inciso XXI:
“vedar a realização de competições desportivas incompatíveis com o interesse público e orientar a organização
dos calendários desportivos”. No inciso XXIII: “julgar, em grau de recurso, as decisões que qualquer
confederação submeta ao seu pronunciamento e deferir-lhe competência para funcionar, em última instância,
nos processos referentes a assunto das atividades desportivas que lhe sejam próprias, sem prejuízo do direito de
revisão, quando estiver em causa a falta de cumprimento de qualquer disposição legal ou de recomendação que
houver expedido”. No inciso XXV: “promover a instauração de inquéritos e constituir as respectivas juntas”.
No inciso XXVII: “atribuir aos conselhos regionais de desportos, quando julgar conveniente, a verificação e
correção de atos praticados por entidade desportiva, com a colaboração das confederações”. No inciso XXVIII:
“expedir às confederações recomendações referentes à prática da medicina desportiva, ouvidos os órgâos
técnicos do Ministério da Educação e Saúde”. Os Princípios sôbre a responsabilidade dos médicos, cirurgiões e
farmacêuticos, bem como dos auxiliares, são os mesmos do direito comum. Se o dano resultou, no todo ou em
parte, de recomendações erradas, a responsabilidade é de nuem as deu.
Há as penalidades previstas no Decreto-lei n. 5.842, de 25 de março de 1943, arts. 12 e 18, e no Decreto n.
19.425, de 14 de agôsto de 1945, art. 62, XXXII, e os atos de disciplina (Decreto-lei n. 5.842, art. 13, parágrafo
único; Decreto n. 19.425, art. 6.0, XXXIII). Se ilegalmente aplicadas as penas ou praticados os atos, cabe a
apreciação judicial, inclusive quanto à responsabilidade pelos danos.
A propósito dos danos tem de haver a ação do, que é iniciada pelo inquérito, suscitado pela denúncia ou pela
queixa (Deliberação n. 3/56, que contém o Código Brasileiro de Justiça e Disciplina Desportivas, arts. 28-32).
Quando a infração deixar vestígio, há o exame, a requerimento ou de ofício (artigo 67).

3.INDENIZAÇÕES. O art. 87 do Decreto-lei n. 526 trata das indenizações: “Quando impossível fixar, desde
logo, a indenização devida em quantia certa, após a decisão condenatória, o processo será remetido ao
presidente da Confederação, Federação ou Liga, conforme o caso, para apurar o quantum”. No § 2.0,
acrescenta-se :“Concluida a apuração, o processo voltará ao julgador para decidir”.
A infração disciplinar supõe regra jurídica anterior, que a defina, ou norma desportiva. Essa não é lei, em senso
estrito, e pode ser regra juridica, se decorre de texto estatal.
Quanto à indenização pelo acusado, pode decorrer de ofensa ao corpo, ou à psique, ou à honra, inclusive quanto
à injúria e à calúnia. As penas disciplinares de modo nenhum podem afastar a ação para a reparação do dano,
inclusive morai. Tais infrações também podem provir de árbitros, ou dos seus auxiliares, ou autoridades
correspondentes.
No Código Brasileiro de Futebol (Deliberação n. 7/56), há os arts. 86-118, sôbre o processo; os arts. 117-167,
sôbre os recursos. No Código Brasileiro Disciplinar de Futebol (Deliberação n. 12/62), art. 16, aponta-se a
indenização como hína das penalidades.
D’e modo nenhum os efeitos da coisa julgada que se atribuam às decisões da Justiça Desportiva afastam a
proponibilidade das ações que tenha o ofendido, contra o ofensor, na Justiça comum. O que foi decidido apenas
é base para exame pelo juiz, salva, se houve renúncia ou prescrição, ou preclusão. A regulamentação e até
mesmo a legislação desportiva precisa de retificações e de precisões, de melhor entrosamento no direito
constitucional e na legislação comum.

CAPITULO VIII

RESPONSABILIDADE DO ESTADO E DOS FUNCIONÁRIOS PÚBLICOS

§ 5.526. Estado e responsabilidade pela ilicitude absoluta

1.PRINcÍPIo DE ISONOMIA. O Estado portanto, qualquer entidade estatal é responsável pelos fatos ilícitos
absolutos, como o são as pessoas físicas e jurídicas. O principio de igualdade perante a lei há de ser respeitado
pelos legisladores, porque, para se abrir exceção à incidência de alguma regra jurídica sôbre responsabilidade
extranegocial, é preciso que, diante da diversidade dos elementos lácticos e das circunstâncias, haja razão para
o desigual tratamento.
Na Alemanha, a Constituição da Baviera (1818) dizia responsável o Estado pelos atos ilícitos dos empregados
se havia culpa ia eligendo (empregara pessoa notoriamente inabilitada ou desonesta). Quanto aos depósitos, a
Lei do Ducado da Saxônia-Meiningen de 29 de março de 1888, a Constituição de Hamburgo de 28 de setembro
de 1860, a Lei da Baviera de 8 de agôsto de 1857, a Lei do Ducado de Oldemburgo, de 26 de fevereiro de 1740,
a Lei do Ducado da Saxônia-Weimar de 12 de fevereiro de 1840. A Constituição de Hamburgo, artigo
89, também considerava responsável o Estado pelos atos das autoridades colegiais, exceto os tribunais. A Lei do
Ducado da SaxôniaAltemburgo de 18 de maio de 1851 estabelecia a responsabilidade subsidiária do Estado
pelos atos ilícitos dos empregados. A Lei do Ducado da Saxônia-Coburgo-Gota de 13 de maio de 1852 era no
mesmo sentido, frisando que o ato havia de ser no exercício da função. Depois teve a Alemanha a Lei de 18 de
fevereiro de 1875 quanto à responsabilidade do Estado pelos danos causados por soldados, fora das suas
atribuições.
Na Áustria, a Lei de 13 de outubro de 1868 estatuiu ser responsável o Estado pelo sequestro ilegal, mesmo se
havia interesse público. A Lei de 12 de julho de 1872 foi mais larga, porque se refiriu a qualquer ato se não há
remédio jurídico que afaste o dano.
Na Suíça, há as regras jurídicas gerais do Código suíço das Obrigações (1881), art. 64, influe, e 2~a alínea, que
permitia ao direito cantonal a derrogação das regras jurídicas, e do Código Civil suíço, arts. 52-55.
A entidade de direito público, principalmente a estatal, tem responsabilidade pela integridade patrimonial e não-
patrimonial das pessoas físicas e jurídicas. Compreende-se, portanto, que fôsse absurda a irresponsabilidade
pelo fato ilícito absoluto. No entanto, o reconhecimento das dívidas indenizatórias do Estado foi recente.
Lembremos que J. C. BLUNTSCHii, no VI Congresso Alemão de Juristas sustentava que, em princípio, não se
poderia admitir o dever de indenizar, por parte do Estado, e só excepcionalmente caberiam regras jurídicas a
respeito. Foi II. A. ZACIIARIAE, aliás desde 1863, que defendeu o princípio da responsabilidade do Estado,
seguido por II. GNEIST. Os congressos alemães de juristas exerceram grande papel.
Na Itália, em 1885, CARLO FRANCESCO GABBA (Questioni di Diritto civile, 2Y ed., 109 s. e 155 s.) era
pela irresponsabilidade do Estado e abria exceções no tocante às emprêsas privadas ligadas ao Estado ou se o
dano resultava de missão acessória do Estado. Muitos juristas o acompanharam.
Na França, as argumentações contra a responsabilidade extranegocial do Estadç prosseguiam no século XX,
mas havia os juristas que fundamentavam o princípio da responsabilidade do Estado (e. g., V. MARCADÉ,

.~> a]
Explication théorique et pratique da Code Napoleón, V, 5a ed., 270; A. BATBIE, Précis du Cours de Droit
publie a administratif, 823; HENRI BAJLBY, De la Resp.onsabilité de l/Êtat envers les particuliers, 205).
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Quando se fala de responsabilidade do Estado entende-se responsabilidade de qualquer entidade estatal.
Surgiria o problema no tocante à regra jurídica do art. 194 da Constituição de 1946, mas êsse problema não
existe, propriamente , porque o art. 194 não se referiu a pessoas jurídicas estatais, ou a Estado, de modo que se
tivesse de perguntar se as entidades autárquicas, as entidades paraestatais e as entidades de direito público não
paraestatais estão compreendidas. Lá se cogita, explicitamente, de “pessoas jurídicas de direito público
interno”. Quaisquer pessoas jurídicas de direito público interno respondem pelos atos dos seus funcionários ou
empregados, mesmo se não houve culpa.
O Estado responde nas espécies dos arts. 1.528 e 1.529 do Código Civil.
O art. 1.529 abstrai da culpa. Somente não há responsabilidade se a queda resultou de fôrça maior, que foi a
causa única, como terremoto ou o bombardeiro aéreo. A primeira sentença que aplicou o art. 1.529 ( 2•~ Vara
Cível do Distrito Federal, 12 de agôsto de 1909, R. de D., 29, 534) aludiu à pré-exclusão pela fôrça maior ou
caso fortuito <cp. MÁRIO MOAClii PÔRTO, Responsabilidade pela guarda de coisa inanimadas, 23), mas o
que se passa, dentro da casa ou local, de que cai ou de que se lança a coisa, é sem relevância para a
irresponsabilização do dono ou possuidor.
O Brasil nunca pré-excluiu a responsabilidade do Estado pelos atos ilícitos absolutos, pelos atos-fatos ilícitos
absolutos e pelos fatos ilícitos sirieto sensa absolutos. Textos constitucionais frisaram a responsabilidade dos
funcionários públicos, inclusive dos Juizes (Constituição do Império, artigos 156 e 179, § 29; Constituição de
1891, afta. 82 e 83; Constituição de 1984, art. 171 e §§ 1.0 e 29; Constituição de 1987, art. 158; Constituição de
1946, art. 194, em que se pôs à frente a responsabilidade das “pessoas jurídicas de direito público”). No caso de
nulidade de lei, ou de outra regra juridica, a sentença que a decreta há de condenar a entidade estatal a indenizar
“os prejuízos provadamente sofridos com a execução da lei suposta” (ti Supremo Tribunal Federal, 80 de
janeiro, 13 e 23 de fevereiro, 2 de março, 4, 9 e 25 de setembro de 1895, 28 de maio, 9 de dezembro de 1896,
13 de fevereiro de 1897, 80 de novembro de 1898, 29 de julho e 16 de dezembro de 1899, 18 de janeiro de
1900, 9 de janeiro e 10 de agôsto de 1901, 4 de janeiro de 1902, 18 de junho e 31 de outubro de 1903).
Desde cedo formou-se a jurisprudência sôbre a indenizabilidade por demissão, aposentadoria, ou reforma, pela
arrecadação ilegal de impostos, por medidas policiais ilegais, inclusive por culpa in omiltendo, mesmo se houve
culpa de terceiro e havia dever de evitar (com razão, AMARO CAVALCANTI, Responsabilidade dvii do
Estado, 515 s.), por medidas de polícia sanitária, ou de utilização de águas ou terras de propriedade particular,
ou de outra entidade estatal. Pelos próprios atos dos juizes responde o Estado. E pelos atos em tempo de guerra
(cf. VISCONDE DO URUGUAI, Ensaio sôbre Direito administrativo, 148 s.) e por incursões de um dos
podêres públicos na esfera do outro (ANTÔNIO JOAQUIM RIBAS, Direito Administrativo Brasileiro, 78 s.).
No direito brasileiro, o ônus da prova de não ser responsável a entidade estatal incumbe a essa, O que o
demandante tem de alegar e provar é que houve o fato ilícito absoluto do funcionário civil ou do militar, ou de
pessoa que faz parte de órgão estatal. Não se presumir a culpa revela o elemento inquisitorial de alguns sistemas
jurídicos (sôbre o assunto na França, PAUL DUEZ, La Res’ponsabilité de la Puissance publique, 198 s.; sôbre a
fixação do quanto da indenização, GEORGES TEIssíni, La Responsabilité de la Puissance publique, 287 s.).
O Estado está sujeito às regras jurídicas sôbre indenização por fatos ilícitos absolutos. Quanto à
responsabilidade pelos atos ilícitos absolutos dos seus funcionários, rege o princípio constitucional. A doutrina e
a jurisprudência que, durante algum tempo, pretendeu afastar ~i responsabilidade das entidades estatais pelos
atos ilícitos absolutos que os funcionários públicos e outros servidores cometiam (e. g., Supremo Tribunal
Federal, 27 de julho de 1898, O D., 77, 497, e, quanto ao abuso do poder, 28 de abril de 1897), foram repelidas.
Depois, assentou-se que só se exige o terem os funcionários públicos ou servidores praticado o ato na qualidade
de funcionários públicos ou de servidores, contrariamente a direito (isto é,
Contrariamente à lei válida). Cf. LUIS M. CORREIA (O Estado e a Obrigação de indenizar, 26 s.).
A responsabilidade do Estado é pelos atos dos seus órgãos, que o presentam, e dos seus empregados
(funcionários públicos e servidores). Se a presentação foi legal, ou se a preposição era permitida, ou se quem
tratou com Estado tinha de supor a legalidade ou a permissão, há a responsabilidade da entidade estatal. A
distinção entre órgão e representante é de grande relevância (cf. JOSE? KOHLER, Lehrbueh, 1, 334;
EDMUND RHoMBERG, Kdrpersehwftliehes Versckulden, 19 s.).
Nos séculos XVII e XVIII, para se fundar a responsabilidade do Estado pelos atos ilegais dos funcionários
buscava-se, analogicamente , a solução da L. 2, C., de conditis in mcbijais horreis, 10, 26: “Cum ad quamlibet
urbem mansionemve accesseris, protinus horrea inspicere te volumus, ut devotissimis militibus effloratae et
incorruptae species praebeantur. Nam si per incuriam officii gravitatis tuae sartorum tectorum neglecta
procuratione aliqua pluviis infecta penenint, iam ad damnum tuum referewtur” (cf. MYLER AB
EHRENBACH, Hyparcholo.qia, c. 10, § 17, n. 28). No fim do século XVIII acentuou-se (e. g., SAMUEL
STRYK e J. PAUL KRESS) a invocação da culpa in eligendo, ou a remissão às regras jurídicas sôbre o
mandato. Disso se abstraiu depois (HEINRICH ZÓPFL,, Grundsãtze des gemeinen deutschen Staatsrechts, 2•a
ed., § 217), NICOL. THAIrn. VON GONNER (Der Staatsdienst aus dem Gesiehtspunlcte des Rechts und der
National-õkono’mie, 1 s.) repeliu, definitivamente, a alusão ao mandato. Também se afastou a teoria da ação
subsidiária contra o Estado, que era sustentada em KARL SCHMITTHENNER (GrundUnien des alígerneineu
oder idealen Staatsreehts, 513).
Quanto à relação jurídica entre a pessoa de direito público interno e o empregado, servidor ou funcionário, não
importa se se trata de órgão (de presentante), ou de representante, ou apenas de praticante de atos para que teve
incumbência. O que importa é, de regra, a dependénda; mas o arbítrio atribuído pela entidade de direito público
interno não retira a ligação jurídica. O ato do Presidente da República, ou do Governador, ou do Prefeito (cf. A.
GILIBERTI-MESSINA, responsabilidade civile deito Siato e de atIre persone giuridiche, 201 s.).

2. ATOS DOS FUNCIONÁRIOS PÚBLICOS E OUTROS SERVIDORES. No direito brasileiro, além da


responsabilidade pelos atos positivos ou negativos dos órgãos, as entidades estatais são responsáveis pelos atos
positivos ou negativos dos funcionários públicos, sem distinção (ConstituIção de 1946, art. 194 e parágrafo
único), com a ação regressiva. Cf. Código Civil, art. 15).
O órgão pode exercer atividade que, para a entidade estatal, é de direito privado, como pode ser de direito
público. O funcionário público, que não é órgão , exerce atividade de direito público, salvo se lhe foram
outorgados podêres de direito privado. A distinção só teria relevância se pudesse manter a qualidade sem se
afastar a função de direito público, o que não pode ocorrer com o órgão (quem opera, sem ser como órgão,
órgão não é), nem com o funcionário público (quem não funciona como funcionário público, funcionário
público não é, salvo se ler specialis previu organicidade acidental). Para discussão em outros sistemas jurídicos,
cf. CAUa MELTZ (Die Beamtenhaftpflicht naeh § 889 BGB., 5 e 15) contra, com razão, KONRAD RÓRRICE
(fie Haftung des Staates anis § 89 BGB., 35 si.
O órgão pode ser para presentlar, ou para atividade interna, ou mesmo para simples punctaçóes .
Os soldados são funcionários públicos.
A relação jurídica entre o Estado e o funcionário público ou outro servidor, de direito público, como é, não
publiciza em todos os casos as relações jurídicas entre o Estado ou os funcionários ou servidores e as outras
pessoas. O ato ilícito da prisão ilegal é de direito privado, porque invadiu a esfera estranha ao direito público. A
própria prisão ilegal do funcionário público civil ou do militar é regida pelo Código Civil, no oue concerne à
responsabilidade pelos danos (cf. FRIEDRICH KAYSER, Staatsamt und Staatsdienst naeh dom BGR, 48 s.).
O simples trabalhador não é funcionário público. O contrato é de direito privado.
O jurado não é funcionário público. Nem o é o eleitor (cf. EUGEN ROTHSCHIID, fie flaftung dos
Justizbeamttfl und dos Staates aus uneriaubten Anctshandmungen mil besonderer Beriicksichtiguflg dos
baaischen Rechts, 52). Ato unilateral do Estado nao retira, por si só, o carater de ato oficial. A. função pode ser
de cargo criado pela lei (e. g., testamenteiro nomeado), sem que isso o faça cargo de oficio. Aliás, poda alguém
ser funcionário público, ou oficial, sem ter a função, o ofício (cf. ADoLF KLEWITZ, fie
Entschddigungsanspritche anis rochtswidr~qen Ámtshandiungen, untei’ Beriicksichtiyung dos L”ntwurfs eines
BGB., 58, nota 3).
O elemento da com peténcia do funcionário público ou do servidor é considerável como limite da
responsabilidade do Estado perante terceiro, porque se hão de levar em conta o dever perante a entidade estatai
e o dever perante terceiro.
No direito brasileiro, a responsabilidade perante o terceiro rege-se pelos princípios comuns (no direito alemão,
há duas regras jurídicas, a geral e a especial, Código Civil alemão, §§ 828 e 889; cf. Li» ENGEL, Die
Beamtonhaftpflicht nach §839 BGB., 40 s.) ; a do Estado, sim, funda-se na regra jurídica constitucional.
Se o ato ilícito do funcionário público, por negligência, dá ensejo a ação do lesado contra terceiro (e. g., o
funcionário público, em vez de entregar o cheque ou dinheiro a A, que estava no guichê, o entregou a E, que
também aí estava), não há, na ação do lesado contra o funcionário público, a exceptia dilataria do funcionário
público (sem razão, ARTEUR HtTsSENER, fie civilrechtliche Verantwortliehlceit der Beamten wegen
Vertetznng der Amtspflicht, 27; E. HÂFENER, tber die civilrechtliche Verantworttichkeit der Richter, 74), de

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modo que tem êle de defender-se e suscitar o litísconsórcio. Contra a exceptio dilataria, quase todos os
comentadores e, mais, CARL MITTWEG, fie unerlaubteu Handmungen nach SUB., 87 e MOLE ELEWITZ,
fie Entsehâdigungsansflrúúhe aus rechtswidrigon Amtshandlungefl, 110 e 124 s.).
A pedra de toque para a culpa do funcionário público não está na diligência que há de ter o perfeito funcionário
público, mas a que deve ter o funcionário público comum: não só a de qualquer ser humano em geral, mas a
que se há de exigir, na ordinariedade dos casos, aos que se enquadram no serviço público. Para os juizes,
funcionários judiciais e funcionários publicos que aplicam leis e outras regras jurídicas, em decisões, o
conhecimento das leis ou de outras regras jurídicas e a unicidade de interpretação (cf. E. HÀFFNER, Ober die
civilrechtlicite VerantwortlichkCl’t der Richter, 61 s. e 74 s.; JOI{ANNES DELIUS, fie Haftung der Beamten,
31). Não se pode abstrair da especificidade do cargo, nem da distinção entre culpa em caso de ilicitude
contratual e de ilicitude extracontratual, pois, perante a entidade estatal, pode a infração ser de dever perante ela
(ilícito relativo) como pode ser perante todos (ilícito absoluto). Sôbre isso, ARNOL» KARL HEINRICE
NÕLDEKE, Die civilrechtliche Haftung des Richters nach dem EGE., Gruchots Beitráge, 42, 813; ARTIfUR
HÚSSENER, Die civilreehtliche Verantwartiichkett der Beamten wegen Verletzung der Amíspflicht, 23).
A propósito da ação regressiva, quer do Estado contra os funcionários públicos, quer das entidades paraestatais
ou não-estatais, a doutrina partia da afirmação de haver cessão ex tope, mas isso foi repelido porque a
regressividade não supõe cessão (já PAUL OERTMANN, Bayerisches Landesprivatrecht, 265; cf. HANS
REINER, fie Schaden,seVSatZPfliCht dos Beamton nnd Staats, 48). A ação de regresso, que tem o Estado ou a
entidade paraestatal, é publicística, e não de direito privado.
O tabelião é responsável ao donatário, ou ao comprador, pela nulidade ou anulabilidade da escritura pública, se
o dano resultou de ato seu. A responsabilidade é negocial, mas, se o ato foi posterior à assinatura do instrumento
e consistiu, por exemplo, em queima do livro antes de se extrair a certidão ou traslado, a responsabilidade é
extracontratual, o que escapou a ADRIANO DE CUPIS (Teoria e Pratica dei Diritt.o ezvile, 250-266; Fatti
ilticiti, 805).
É assaz relevante o que se contém na Lei n. 3.502.
Lê-se na Lei n. 8.502, de 21 de dezembro de 1958, ad. 1.~:
“O servidor público, ou o dirigente, ou o empregado de autarquia que, por influência ou abuso de cargo ou
função, se beneficiar de enriquecimento ilícito, ficará sujeito ao sequestro e perda dos respectivos bens ou
valôres”. No § 19: “A expressão “servidor público” compreende todas as pessoas que exercem na União, nos
Estados, nos Territórios, no Distrito Federal e nos Municípios, quaisquer cargos, funções ou empregos, civis ou
militares, quer sejam eletivos quer de nomeação ou contrato, nos órgãos dos Podêres Executivo, Legislativo ou
Judiciário”. O § 2? acrescenta: “Equipara-se ao dirigente ou empregado de autarquia, para os fins da presente
lei, o dirigente ou empregado de sociedade de economia mista, de funda-cão instituida pelo Poder Público, de
emprêsa incorporada ao patrimônio público, ou de entidade que receba e aplique contribuições parafiscais”.
Cumpre que se não confunda com o ilicito o enriquecimento injustificado, que pode não ter sido ilícito.
Estatui a Lei n. 3.502, no art. 2.0: “Constituem casos de enriquecimento ilícito, para os fins desta lei: a) a
incorporação ao patrimônio privado, sem as formalidades previstas em leis, regulamentos, estatutos ou em
normas gerais e sem a indenização correspondente, de bens ou valôres do patrimônio de qualquer das entidades
mencionadas no art. 1.~ e seus parágrafos; 14 a doação de valôres ou bens do patrimônio das entidades
mencionadas no art. 1.0 e seus parágrafos a indivíduos ou instituições privadas, ainda que de fins assistenciais
ou educativos, desde que feita sem publicidade e sem autorização prévia do órgão que tenha competência
expressa para deliberar a êsse respeito; e) o recebimento de dinheiro, de bem móvel ou imóvel, ou de qualquer
outra vantagem econômica, a título de comissão, percentagem gratificação ou presente; d) a percepção de
vantagem econômica por meio de alienação de bem móvel ou imóvel, por valor sensivelmente superior ao
corrente no mercado ou ao seu valor real; e) a. obtenção de imóvel por prêço sensivelmente inferior ao corrente
vantagem econômica por meio de aquisição de bem móvel ou ou ao seu valor real; f) a utilização em obras ou
serviços de natureza privada de veículos, máquinas e materiais de qualquer natureza de propriedade da União,
Estado, Município, entidade autárquica, sociedade de economia mista, fundação de direito público, emprêsa
incorporada ao patrimônio da União ou entidade que receba e aplique contribuições parafiscais e, bem assim, a
dos serviços de servidores públicos ou de empregados e operários de qualquer dessas entidades”.

Se a infração de dever é regulada pelo negócio jurídico entre a entidade e o servidor, ou pelos princípios
concernentes à responsabilidade por atos ilícitos absolutos, dependa, sempre, da respostas à quaestio facti.
Quase sempre não sempre a responsabilidade é negocial.
Acrescenta o art. 29, parágrafo único: “Para a caracterização do enriquecimento ilícito, previsto nas letras a, b,
e, d, e e f dêste artigo, deverá ser feita a prova de que o responsável pela doação (letra 14 ou o beneficiário
(letras a, e, d, e e /) era incluido entre as pessoas indicadas no art. 1.0 e seus parágrafos e ainda: 1) no caso da
letra b, a de que o doador tem interesse político ou de outra natureza que, direta ou indiretamente, possa ser ou
haja sido beneficiado pelo seu ato; 2) nos casos das letras e, d e e, a de que o doador (letra e), o adquirente (letra
d) ou o alienante (letra e) tem interesse que possa ser atingido ou que tenha sido amparado por despacho,
decisão, voto, sentença, deliberação, nomeação, contrato, informação, laudo pericial, medição, declaração,
parecer, licença, concessão, tolerância, autorização ou ordem de qualquer natureza verbal, escrita ou tácita, do
beneficiário”.
Diz-se no art. 8.0: “Constitui também enriquecimento ilícito, qualquer dos fatos mencionados nas letras e e e do
artigo 2.0, quando praticado por quem, em razão de influência política funcional ou pessoal, intervenha junto às
pessoas indicadas no art. 1.0 e seus parágrafos , para delas obter a prática de algum dos atos funcionais citados
em favor de terceiro”. Aí, o que mais acontece é a responsabilidade extranegocial. porque a pessoa influente
pode não ser funcionário público ou servidor.
E no art. 49: “O enriquecimento ilícito definido nos termos desta lei, equipara-se aos crimes contra a
administração e o patrimônio público, sujeitando os responsáveis ao processo criminal e à imposição de penas,
na forma das leis peDais em vigor”. O parágrafo único acrescenta: “É igualmente enriquecimento ilícito o que
resultar de: a) tolerância ou autorização ou ordem verbal, escrita ou tácita, para a exploração de jôgo de azar ou
de lenocínio; b) declaração falsa em medição de serviços de construção de estradas ou de obras públicas,
executados pelo Poder Público ou por tarefeiros, empreiteiros,.subempreiteiros ou concessionários; e)
declaração falsa sôbre quantidade, pêso, qualidade ou características de mercadorias ou bens entregues a
serviço público, autarquia, sociedade de economia mista, fundação instituida pelo Poder Público, emprêsa
incorporada ao patrimônio público ou entidade que receba e aplique contribuições parafiscais ou de qualquer
dêles recebidas”.
Lê-se no art. 59: “A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, bem como as entidades que recebem
e aplicam contribuIções parafiscais, as emprêsas incorporadas ao patrimônio da União, as sociedades de
economia mista, as fundações e autarquias, autorizadas, instituidas ou criadas por qualquer daqueles governos,
poderão ingressar em Juízo para pleitear o sequestro e a perda, em seu favor, dos bens ou valôres
correspondentes ao enriquecimento ilícito dos seus servidores, dirigentes ou empregados, e dos que exercem
junto a elas, advocacia administrativa”. No § 19: “Apurado o enriquecimento ilícito, mediante denúncia
documentada, investigação policial ou administrativa, inquérito, confissão ou por qualquer outro modo, a
pessoa de direito público ou privado interessada terá, privativamente, pelo prazo de noventa dias, o direito de
ingressar em Juízo”. No § 39: “O pedido de seqUestro será processado de acôrdo com o rito disposto no art.
685 do Código de Processo Civil”. O’ § 49 acrescenta: “Dentro de trinta dias da efetivação do seqUestro e sob
pena de perder êste a eficácia, deverá ser proposta a ação principal, que seguirá o rito ordinário disposto nos
arts. 291 a 297 do Código de Processo Civil, e terá por objetivo a decretação de perda dos bens seqUestrados
em favor da pessoa jurídica autora”. E o § 5.0: “Na ação principal poderá ser pedido cumulatívamente, o
ressarcimento integral de perdas e danos sofridos pela pessoa jurídica autora ou litisconsorte”.
Explicita o art. 79: “A forma “vantagem econômica”, empregada no art. 29, letra e, abrange genêricamente
todas as modalidades de prestações positivas ou negativas, de que se beneficie quem aufira enriquecimento
ilícito”. Acrescenta o parágrafo único: “A vantagm econômica, sob forma de prestação negativa, compreende a
utilização de serviços, a locação de imóveis ou móveis, o transporte ou a hospedagem gratuitos cu pagos por
terceiros”.

3. DEPÓSITOS JUDICIAIS E RESPONSABILIDADE DO ESTADO.


Hoje, para se saber se o Estado responde pelos atos ilícitos das entidades de direito público, ou de direito
privado, que, segundo regras de lei, têm de receber depósitos judiciais, não se há de procurar fonte de direito no
passado, porque, em todos os países, as leis eram omissas (cf., e. g., EDUARD BERENDES, Deliet und
Haftung der juristisefleu Person naeh. gemeinem Recht, ‘78 s.).
Se o depósito é para efeito administrativo e foi o depositante forçado a fazê-lo por designação da lei ou da
autoridade pública, o Estado responde.

4.REGISTO E DENEGAÇÃO. Responde o Estado se se opõe a algum registo e fica assente, em decisão
judicial, trânsita em julgado, que não tinha razão e houve danos causados pelo óbice ilegal, pois que não tem o

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Estado, através do Ministério Público, ou outro órgão , livre arbítrio. Só é admissível a oposição se não é
permitido no caso, ou na espécie, ou se depende de autorização a líbito do Estado (cf. FRIEDR. KIND, Das
Einspruchsreeht der Verwaltungsbehórde im § 61 8GB., 44 s. e 49 s.).
No tocante a concessões, autorizações, permissões, licenças e demais atos do Estado de que dependa o
exercício de alguma atividade, tem-se de indagar se a lei estabeleceu o puro arbítrio da autoridade pública, ou
se enumerou os pressupostos cuja satisfação dê direito ao ato estatal. Não há resposta a priori, nem se pode
negar a apreciabilidade pelo Poder Judiciário se há infração da ConstituIção ou de alguma lei. Também as
cassações ou retiradas não se entendem a líbito da autoridade pública.

§ 5.527. Responsabilidade dos juizes

1. PRELIMINARES. Lê-se no Código de Processo Civil, art. 121: “O juiz será civilmente responsável quando:
1. No exercício das suas funções, incorrer em dolo ou fraude. II. Sem justo motivo, recusar, omitir ou retardar
providências que
deva ordenar ex officio ou a requerimento da parte. As hipóteses do n. II somente se considerarão verificadas
decorridos dez dias da notificação ao juiz, feita pela parte por intermédio do escrivão da causa”.
Sempre que o juiz pratique atos lesivos com dolosidade, responde pelos danos causados, seja êle de primeira ou
de qualquer instância. Não importa se, em tribunal, outros acompanharam o seu voto, ou se a decisão foi
confirmada, pôsto que, em tais circunstâncias, seja mais difícil alegar-se e provar-se o dolo, ou a lesão. Por
exemplo: o juiz fundou o julgamento na afirmação de que uma das escrituras públicas continha a cláusula de
retrovenda, mas êle sabia que a escritura pública era falsa; a deliberação, em recurso, mesmo unânime, pode ter
sido por juizes que ignoravam a falsidade. Aí, caberia a ação rescisória, e a ação de indenização somente seria
proponível contra os juizes que tivessem votado dolesamente.
Alude-se também à fraude. A expressão não é feliz. O que se teve por fito foi mencionar-se qualquer ato ilícito
que possa ser estelionato, defraudação de texto ou de objeto (e. g., o juiz substitui o objeto que foi apreendido
como roubado ou furtado), destruição de documento ou prova, ou receptação prevista em lei penal como crime.

2. RESPONSABILIDADE ExTRANECOCIAL. Assunto extremamente delicado, como é o da


responsabilidade civil dos juizes, dêle evitou tratar o Código Civil, sem que tal omissão de princípio geral
(regras jurídicas especiais, o Código Civil as tem) importasse a irresponsabilidade civil dos juizes.
Naturalmente, havendo a condenação criminal do juiz, seria decorrente dela o serem responsáveis no plano
civil. De lege ferenda, tratando-se de funcionário que tem o dever formal de obrar, sem possibilidade de
conciliação dos interesses, portanto tendo de dizer sim a um e não a outro, miudear os casos em que há de
responder pelo dano civil sempre constituiu problema árduo. De um lado, está a necessidade da independência,
da liberdade e da livre convicção do juiz; do outro lado, o ter-se de responder até onde e desde onde tem o juiz
de ressarcir o dano causado. Se atendemos a que não existe, em nenhum pais, jurisprudência fixa, intangível,
intransformável, que pudesse

servir de estalão para se verificarem os erros e os acertos dos juizes quanto ao direito, fácil é compreendermos
que tal ponto esteja excluído, para, de si só, determinar o delito civil. Menos ainda seria critério adotável o do
êrro judiciário em matéria de fato, ou a reforma das decisões, pois nem sempre. quando a época se distancia, as
que foram reformadas se nos apresentam isentas dêsses erros; menos ainda, erradas, as que foram reformadas.
Basta ler-se a crítica sobposta aos acórdãos e às sentenças nas revistas e comentários, para se ter o panorama da
relatividade dos julgamentos humanos, ainda quando se trate de pequenos interesses levados a juízo. Volve-se,
assim, ao ponto de partida: à velha noção do dolo e da fraude. No fundo, o direito processual, sem o confessar,
fracassa nos seus intuitos de resolver o problema, fora do direito civil. Se alguns legisladores se conformam
com êsse fracasso, com êsse tton possumws, alguns tentaram solvê-lo. Os processualistas italianos do Projeto
definitivo (art. 43) redigiram texto para ser transformado em princípio de responsabilidade civil do juiz. O
Código de Processo Civil brasileiro aí bebeu quase toda a sua inspiração.
No exercício das suas funções, se o juiz incorre em dolo ou fraude, noções de direito comum, principalmente
civil, responde civilmente pelo dano, sendo em tudo mais aplicável o Código Civil. Nenhuma inovação foi
feita. Outra não era a doutrina anterior.
No recurso extraordinário n. 15.755, de 27 de junho de 1950 (D. da .1. de 2 de abril de 1952), disse o Ministro
OwoZIMBO NONATO, relator, em voto adotado pelo Supremo Tribunal Federal: “Observa PÚNns DE
MIRANDA que o Código Civil não versou o assunto, que é “extremamente delicado”, sem que essa omissão de
principio geral importasse irresponsabilidade dos magistrados. Não sendo possível assentar a responsabilidade
dos juizes na incidência de êrro de fato, ou de direito, ninguém, de resto, detém a pedra lígia da verdade e
possui o dom divino de inerrância, não há, no assunto. como observa PONTES DE MIRANDA, senão volver à
dolo e de fraude (Comentários ao Código de Processo Civil, 1, 448) “.
No sentido do que escrevemos, a 2~a Turma do SupremoTribunal Federal, a 27 de junho de 1950 (D. da J. de 2
de abril de 1952).
Novidade é que o juiz seja condenado a civilmente responder pelos danos quando, “sem justo motivo”, recusar,
omitir ou retardar providências que deva ordenar de ofício, ou a requerimento da parte. Já vimos que o Código
de Processo Civil ‘estendeu, como nenhum outro, o poder dispensatório ou produtivo de provas atribuído ao
juiz. Outrossim, é patente como levou o mesmo critério a outras providências, que nada têm com os meios
probatórios. Algumas vêzes, assim acontece no ad. 117, que excetua para isso todo o direito do mundo
civilizado. No entanto, êsse juiz, a que tanta atuação se reconheceu, a que se concedeu tanta fôrça e a que se
confiou tanta iniciativa, está exposto às mesmas inquirições que lhe foram confiadas. Na própria Itália, onde o
artigo ficou no Projeto definitivo, os juristas reconhecem que ficaria letra moda. Não é essa, porém, a grande
desvantagem do ad. 121, II. Pelo simples fato de recusar, de omitir, ou de retardar uma providência expõe-se o
juiz a ser chamado a juízo para se verificar, diante do público com tOdas as paixões que cercam os juizes
concentrando-se sôbre êles, desgraçadamente com especialidade sObre os juizes inacessíveis aos poderosos e às
amizades se houve “justo motivo”. Não se indaga da sua culpa grave, ou do seu dolo, ou da sua fraude. Toma-
se o juiz, como a qualquer um, para constituir advogado, e ir defender-se de uma providência que o Código de
Processo Civil mesmo deixou à sua livre apreciação, tanto que lho permitiu ordenar de oficio.
O Código de Processo Civil adotou a segunda alínea do art. 43 do Projeto definitivo- italiano. De certo tempo a
esta parte, operou-se em alguns países a transformação econômica dos escrivães e tabeliães em pessoas de
classe econOmicamente superior ao juiz. O fato, em suas raízes sociológicas, é um dos mais interessantes desde
que se iniciou a dispersão e consenquente enfraquecimento das famílias da nobreza ou das classes dirigentes.
Não podendo acompanhar a eficiência das vocações industriais, que desde o fim do século XVIII, mas
principalmente desde o começo do século XIX, passaram à primeira plana, através de esforços, de riscos e de
aplicações da ciência, nem sempre toleradas pela mentalidade retrógrada dos governantes, os elementos
dispersos e enfraquecidos procuraram invadir os cargos do Estado, que pudessem ser transformados em
sustentáculos do seu anterior prestígio. Em alguns países, foi a Justiça. Onde êsses detritos de classe não tinham
cultura suficiente, ou lhes faltava a honesta dignidade para aspirar à vida trabalhosa, e sem grandes meios
pecuniários, do juiz, dependuraram-se nos cargos de serventuários da justiça e de tabeliães. A França foi o
exemplo daquela tendência; a Itália, Portugal e o Brasil, da outra. Como sempre, êsse açambarcamento de
postos rendosos, econOmicamente criticável, não foi sem conseqúências morais e políticas. Assistiu-se ao
intercâmbio entre cargos de serventuários de justiça e cargos políticos, reciprocamente.

3.RESPONSABILIDADE DO ESTADO. A responsabilidade do Estado pode existir ainda que não exista a
responsabilidade do juiz. O Estado responde pelo fato da lesão ao direito, por parte dos funcionários públicos,
ainda que não tenha havido culpa dêsses; a ação regressiva do Estado é que depende da culpa do funcionário
público. O assunto é estranho ao direito processual. Veja Comentários à Constituição de 1946, V, notas 2) a 6)
ao art. 194 e nêste Tratado, 1, §§ 71, 5; 78, 1; 82, 9; 86, 8; 96, 1; 96, 2 e 99; V, ~ 619, ‘7; VI, §§ 711, 1 e 716, 2;
VII, § 805, 5, e XI, §§ 1.225, 8 e 1.263.

4. SUSCITAMENTO. - A segundo alínea do art. 43 do. Projeto definitivo italiano refletiu, conturbando os
princípios de organização judiciária e disciplinar, aquela hipertrofia do cargo de auxiliar da justiça. O Projeto
permitiu nada menos que, ao recusar, omitir ou retardar alguma providência, sem justo motivo, seja o juiz
condenado a responder civilmente, e acrescentou que o juiz haveria de ser notificado “a mezzo di ufficiale
giudiziario presso la cancelieria dell’ufficio a cui ii giudice é addetto”. Quer isso dizer: notificado pela parte,
por intermédio do escrivão. E o Projeto vinha de comissões embe.bidas dos ideais de hierarquia. Hierarquia
entenda-se para o grupo dominante.
Judez iudiea. secundum iu.s. A sua função precípua, hoje em dia, é realizar o direito objetivo. Por isso mesmo,
pode a regra jurídica escrita, mas deve o juiz revelá-la e realizá-la onde os textos, sós, não bastem para se

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colherem tOdas as regras, isto é, tOdas as regras que entram no sistema jurídico, que é sistema lógico com a sua
finalidade específica.
Responsabilidade só se faz efetiva se há remédios jurídicos prontos e se a aplicação da lei não fica à mercê de
interpretações tendenciosas. A impunidade, havendo leis, é mais grave do que a impunidade por se não terem
leis. O valor dos povos mede-se pelo valor intrínseco das suas leis e pela segurança de serem aplicadas em toda
a sua extensão.

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