You are on page 1of 4

Pacheco, da Ponte, educador

A improvável figura de um homem franzino, com o característico


sotaque lusitano que prazerosamente soa aos nossos ouvidos
brasileiros com um misto de alegre sonoridade e picardia,
esconde o responsável por uma experiência pedagógica inédita,
objeto de estudos acadêmicos e de aplausos provenientes dos
mais respeitados estudiosos do assunto.

Este lépido portuguesinho, com seus olhos que, de tão


irrequietos, chegam ao estrabismo assumido, aparenta bem
menos anos dos que os já vividos intensamente.

Não se peja em falar de seu


passado de menino pobre numa
pequena aldeia portuguesa, da
infância sofrida em meio a um
ambiente de favela com a violência
sempre presente.
Adolescente, se viu convocado pela
ditadura salazarista para lutar em terras africanas, de lá voltando
como um conscrito que se viu obrigado a viver na
clandestinidade, com a vida em risco a cada minuto, até que
desabrochassem as flores da revolução.
Emociona saber que aquele homem culto e letrado, que está à
sua frente, formou-se à custa da leitura de livros proibidos pela
ditadura, que lhe chegavam às mãos, trazidos por companheiros
refugiados ou exilados (à socapa, como ele diria com a
naturalidade que só os lusitanos emprestam a estes termos até
meio estranhos para nós outros, cá da província).
Depois de tudo, a aventura maior, a de ensinar.
Ele não gosta quando relacionam com o seu passado o resultado
de sua vivência educacional.
Mas é inevitável pensar em tudo isso quando se trava contato
com aquele português, o José Pacheco, o idealizador maior da
Escola da Ponte.
Se você por acaso não ouviu falar deste lugar, a Ponte, como é
conhecido, imagine uma escola com uma só e enorme sala de
aula, sem divisões, sem carteiras escolares, reunindo crianças e
adolescentes que cursam da 1ª à 8ª séries, todos juntos,
trabalhando em grupo, cada um passando para o outro os seus
conhecimentos e habilidades. E os professores? Ah, os
professores se limitam a estimular a pesquisa, o aprendizado
individual e em equipe, de maneira que todos adquiram
conhecimentos segundo sua faixa de desenvolvimento intelectual.
Isto mesmo, sem aulas com tempo marcado, sem intervalos pré-
definidos, sem provas de avaliação.
Esta Escola (é o caso de usar, mesmo, a inicial maiúscula) não é
apenas uma experiência. É uma realidade. E, o que é de pasmar:
trata-se de uma escola pública, que funciona sob os auspícios do
governo português e dentro das regras estabelecidas na
legislação oficial para todo o sistema de ensino público, com o
jeitinho quase “brasileiro” que o Pacheco sempre encontra para
acomodar os seus métodos.
Por falar em métodos, perguntado a respeito da sua inclinação
quanto às diferentes propostas pedagógicas, com sua maneira
característica, diz ele: “o melhor método é o que funciona”.
Admite que as idéias anarquistas não lhe sejam totalmente
indiferentes.
Fala com convicção e com autoridade a respeito de todos eles –
Koszac, Wigotsky, Steiner, Piaget, Montessori, Pestallozzi e por aí
vai.
Lembra que de todos os grandes vultos da Pedagogia, apenas
Freinet era, propriamente, um educador.
Faz questão de ressaltar que recomenda aos seus colegas
professores que estudem, sim, os grandes mestres da pedagogia,
mas que o façam lendo também sua biografia, porque a
compreensão do contexto social em que se desenvolvem as idéias
é muito importante. E que, por conseqüência, para ensinar, não
se pode desvincular a atividade pedagógica do meio social em
que se inserem os educandos.
Não esconde um carinho todo especial para com o nosso Paulo
Freire, que admira muito, o que se percebe em muitos dos pontos
de sua fala e no apreço que demonstra para com as coisas do
Brasil.
Depois de algum tempo ouvindo Pacheco, não surpreende que,
com seu método (ou sua falta de) e sua dinâmica de educar para
a vida, depois de passar pela Ponte as crianças saídas de estratos
sociais menos favorecidos acabam por lograr acesso aos bancos
universitários mais disputados em terras
lusitanas.

Segundo Rubem Alves, a Escola


da Ponte nos dá uma lição social: “todos
partilhamos de um mesmo mundo.
Pequenos e grandes são companheiros
numa mesma aventura. Todos se ajudam.
Não há competição. Há cooperação. Ao
ritmo da vida: os saberes da vida não
seguem programas” (crônica publicada no
jornal Correio Popular, de Campinas, em
18/6/2000).
A história de José Pacheco é uma história de resistência, de
resiliência, como ele mesmo diz, a demonstrar que na vida é
preciso insistir com nossas idéias e nossos princípios.

Em março de 2006, José Pacheco esteve em Santos,


falando para os alunos do primeiro curso de Pedagogia Espírita,
criado e coordenado por Dora Incontri, na Unisanta.
Este perfil do educador português - publicado na revista
UNIVERSO ESPÍRITA,
foi redigido a partir daquele encontro e da
participação do educador português no
II Congresso Nacional de Pedagogia Espírita, realizado em
setembro daquele ano.

You might also like