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Jorge Barbosa

Cognição
Memória

26 Fev. 2009
PSICOLOGIA JB

A Natureza da Memória

À excepção dos momentos aborrecidos em que a nossa memória falha, ou das situações em que alguém que
conhecemos experiencia uma perda de memória, não pensamos o quanto tudo o que fazemos ou dizemos
depende de sofisticadas operações dos sistemas de memória.
Pensemos num empregado de restaurante. Ele tem de prestar atenção ao pedidos que recebe - quem está a
pedir o quê e como gostaria de ser servido. Para isso, ele tem de codificar a informação acerca de cada cliente
e de cada pedido. Tem de olhar para cada cliente e associar a sua face ao menu de itens requerido. Sem
apontar nada, tem de reter a informação, pelo menos até transmitir o pedido à cozinha ou a um computador.
Tem de repetir o pedido na sua mente, à medida que se vai aproximando do balcão. Quando chegar a altura
de entregar o que foi solicitado pelo cliente, tem de recuperar a informação acerca de quem pediu o quê.
Os sistemas de memória humana são verdadeiramente notáveis, se pensarmos em quanta informação
colocamos na memória e em quanta dela temos de recuperar para realizar simples actividades da vida
corrente.

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Codificação

Codificação é o processo através do qual a informação é recolhida no armazenamento da memória. Por


outras palavras, é o processo através do qual uma nova informação se transforma num novo dado da
memória. Quando estamos a ler um livro, a ver um filme, a apreciar uma música no MP3, ou a falar com um
amigo, estamos a codificar informação na memória. Na vida corrente, codificar tem muito em comum com
aprender, embora não seja rigorosamente a mesma coisa.
Algumas informações são codificadas quase automaticamente, enquanto outras exigem maior ou menor
esforço. Vejamos alguns processos de codificação que requerem esforço. As questões que habitualmente
interessam aos psicólogos incluem as de saber quão eficientemente prestamos atenção à informação, até que

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nível de profundidade a processamos, com que extensão e com que detalhes a elaboramos, e até que ponto
usamos a imagem mental para a codificar.

Atenção
Obviamente, não somos capazes de recordar conscientemente algo que nunca tenhamos visto, ou ouvido ou
sentido. Para iniciar o processo de codificação temos, então, de prestar atenção à informação. A atenção
desempenha um papel fundamental na percepção. Lembremos que a atenção selectiva envolve a focagem
num aspecto específico da experiência e a negligência relativamente a outros. A atenção tem de ser selectiva,
muito simplesmente porque os recursos do cérebro são limitados, sobretudo quando são condicionados por
limitações temporais: uma coisa são os recursos do cérebro ao longo da vida ou de um período longo de
tempo (parecem inesgotáveis), outra coisa são os mesmos recursos aplicados num período de um minuto ou
duas horas, por exemplo. Apesar de os nossos cérebros serem notavelmente eficientes, não conseguem prestar
atenção a tudo ao mesmo tempo.

A atenção partilhada (ou dividida entre várias informações) afecta portanto a codificação na memória. Há
sempre algum prejuízo no processo de codificação, quando temos de prestar atenção a várias coisas
simultaneamente, como demonstrou, entre outros, Savage em 2006.

Níveis de Processamento

A atenção, por si só, não explica completamente o processo de codificação. Por exemplo, tomemos a palavra
bandeira; esta palavra, tal como todas as outras, pode ser tratada a três níveis diferentes:

➡ Ao nível mais superficial, podemos prestar atenção à forma das letras;

➡ A um nível intermédio, podemos pensar em características da palavra; por exemplo, rima com madeira;

➡ A um nível mais profundo, podemos pensar nas diferenças entre bandeiras de diferentes países e no
que elas possam representar.

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Este modelo de processo de codificação foi proposto pela primeira vez por Fergus Craik e Robert Lochart em
1972. O conceito de níveis de processamento refere-se à ideia de que a codificação ocorre num contínuo
desde a mais superficial à mais profunda, sendo que o processamento mais profundo é responsável por uma
melhor memorização.

Numerosos estudos mostraram que a memória humana melhora significativamente quando associamos
outros estímulos e realizamos um processamento profundo da informação, comparativamente às situações
em que só prestamos atenção aos aspectos físicos dos estímulos: a economia de esforço, limitando o número
de informações associadas a um estímulo, não tem efeitos positivos sobre a memória. Por exemplo, é-nos
mais fácil recordar um rosto de uma pessoa que acabamos de conhecer, se o associarmos a um outro que já
conhecemos (da televisão, por exemplo), do que se o mantivermos como único. Note-se que, para o caso,
interessa pouco que a associação seja verdadeira ou falsa (realista ou fantasiosa); com efeito, se for
verdadeira, lembrá-lo-emos porque a associação é realista, se for falsa, lembrá-lo-emos porque era fantasiosa.
(A nossa memória não faz juízos de valor..., nem juízos de facto... tanto uns como outros são outras tantas
informações da memória).

Elaboração
Os psicólogos cognitivistas chamaram, no entanto, a atenção para o facto de uma boa codificação em
memória depender de mais do que da profundidade do processamento ou tratamento da informação. Por
exemplo, Kellog, em 2007, mostrou que, ao nível do processamento profundo da informação, quanto mais
extenso for o tratamento melhor funciona a memória. Elaboração significa, então, a extensão do
processamento num determinado nível (superficial, intermédio ou profundo). Assim sendo, mais do que
memorizar a definição de memória, será preferível aprender o conceito de memória juntamente com exemplos
de como a informação é apreendida, armazenada e recuperada pela mente. Pensar em exemplos de um
conceito é uma boa forma de o compreendermos.

A auto-referência é outra modalidade eficaz de elaboração da informação. Por exemplo, se a palavra vitória
faz parte de uma lista de palavras a recordar, podemos pensar na última vez em que vencemos uma corrida
de bicicleta; ou se aparece a palavra cozinhar, podemos pensar na última vez em que confeccionamos uma
refeição. Regra geral, a elaboração profunda - processo de elaboração de informação com significado - é uma
forma excelente de aumentar as possibilidades de evocação.

Uma das razões que explica porque é que a elaboração produz uma memória de boa qualidade, relaciona-se
com o facto de adicionar distinção aos “códigos de memória”. Com efeito, ao elaborarmos uma experiência
pessoal, criamos uma representação dela muito única. Se pensarmos na recordação como um processo de
busca de um bit particular de informação, quanto mais distinta for a experiência, mais fácil será encontrá-la
no armazenamento mental da memória. Para recordar um pedaço de informação, como por exemplo um
nome, uma experiência, ou um facto político, temos de procurar o código que contém essa informação entre
a enorme quantidade de códigos contidos na memória de longo prazo.

O processo de busca é mais fácil se o código de memória for de alguma forma único. A situação não é muito
diferente da de procurarmos um amigo no meio de uma multidão. Se esse amigo tiver 2 metros de altura e
cabelo ruivo, será mais fácil encontrá-lo do que se tiver 1,70 metros e cabelo castanho. Do mesmo modo,
códigos de memória muito distintos podem ser mais facilmente diferenciados. O importante a reter é que,
embora a distinção seja sobretudo visível na altura da recuperação da informação, a criação de uma memória
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3,00

2,25

1,50

0,75

Média de nº de palavras recordadas

Nivel Fisico Nivel Auditivo


Nivel Semântico Nivel deAuto-referência
distinta ocorre durante o processo de codificação. Por outro lado, quanto mais elaborada for a codificação,
mais informação é armazenada. E, quanto maior for a quantidade de informação armazenada, mais provável
se torna que os códigos de memória sejam distintos - isto é, mais fácil se torna diferenciar diferentes códigos
de memória 1. Por exemplo, se encontra alguém de quem espera tornar-se o melhor amigo dentro de algum
tempo, o melhor que tem a fazer, se não quiser esquecer o seu nome, é codificar um conjunto de informações
adicionais, tais como a sua aparência, a ocupação ou passatempos preferidos, algo que essa pessoa tenha dito.
Deste modo, é muito mais provável que venha a lembrar-se dela do que se tivesse simplesmente codificado a
informação de que era “loura”.

O processo de elaboração também é evidente na actividade física do cérebro. Investigações muito recentes
(2005 e 2006) no domínio das neurociências mostraram uma ligação entre a elaboração na fase de
codificação e a actividade cerebral. Os sujeitos foram colocados numa câmara de ressonância magnética; a
cada 2 segundos era projectada num écran uma palavra. Inicialmente, pediu-se aos sujeitos que indicassem se
as palavras surgiam na parte de cima ou na parte de baixo do écran. À medida que a experiência avançava,
era-lhes pedido que determinassem se a palavra era concreta, como cadeira ou livro, ou abstracta, como amor
ou democracia. Neste estudo, os sujeitos evidenciaram mais actividade neuronal no lobo frontal esquerdo do
cérebro durante a tarefa abstracto/concreto do que quando tinham de situar as palavras no espaço.
Evidenciaram também uma melhor memória, uma mais eficaz recuperação da informação, para as palavras
que faziam parte da tarefa abstracto/concreto.

1 Não convém confundir “códigos de memória” com “índices de recuperação”. Se compararmos a situação com a
de uma biblioteca, os códigos correspondem às características dos livros (cor da capa, dimensão, tema, etc.) e os
índices a informações separadas dos livros que nos permitem encontrá-los mais facilmente. Se os “códigos” forem
muito distintos (uma cor única da capa, ou uma dimensão particular) basta-nos saber em que prateleira está o livro
para o encontrar rapidamente; se os códigos forem pouco distintos, mais nos vale primeiro pesquisar nos “índices”
da biblioteca, antes de nos dirigirmos à prateleira, o que nos obriga a algumas tarefas adicionais.
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Imagem Mental

A utilização da imagem mental é uma das formas mais poderosas de tornar os códigos de memória mais
distintos. Luria, um psicólogo soviético de grande relevo, relatou em 1968 a história de um sujeito que tinha
uma imaginação visual de tal modo poderosa que era capaz de recordar uma quantidade enorme de detalhes.
A pesquisa de Luria sobre este sujeito foi iniciada em 1920; os resultados foram publicados em 1968. Luria
começou por pedir ao sujeito que realizasse testes simples de memória. Por exemplo, pediu-lhe que
recordasse uma série de palavras ou números, um método convencional de testar a capacidade de memória
de curto prazo. Aquilo que Luria detectou foi que este sujeito praticamente não tinha limites na capacidade
de recuperação de informação num registo de curto prazo. Em testes desta natureza, sabe-se que as pessoas
recordam 5 a 9 palavras ou números de uma sequência. No entanto, o sujeito de Luria não só recordou nem
mais nem menos do que 70 números, como ainda foi capaz de os recordar, na ordem inversa à apresentada,
sem qualquer erro. Mais surpreendente ainda: num teste de memória de longo prazo (15 anos depois), o
mesmo sujeito foi capaz de evocar de novo todos os números testados na memória de curto prazo. Para além
disso, foi ainda capaz de descrever a forma como Luria estava vestido na altura do primeiro teste e onde
estava sentado. Luria fez ainda outros testes com operações matemáticas, por exemplo, e em todos eles o
sujeito demonstrava uma capacidade de imaginação visual surpreendente que facilitava todas as tarefas de
evocação de informação.

Claro que este sujeito representa um caso extremo de uma espectacular capacidade mnemónica. Em todo o
caso, a imagem mental é um poderoso instrumento de codificação. Estudos, já clássicos, de Paivio (1971,
1986, 2007) documentam como a imaginação2 pode melhorar a memória. Paivio defende que a memória
armazena informação em uma de duas formas: como código verbal (uma palavra ou índice) ou como um
código de imagem. Defende também que o código de imagem, sendo muito detalhado e distinto, é
responsável por uma memória mais eficiente. Por outro lado, a sua hipótese de código-duplo sugere a ideia de
que a memória de imagens é melhor do que a memória de palavras, porque as imagens - pelo menos aquelas
que podem ser designadas por palavras - são armazenadas com códigos verbais e de imagens. Esta dupla
codificação seria responsável pela criação de duas potenciais vias de acesso à informação.

(Continua: Como se organiza a memória?)

2 “Imaginação” aqui não significa fantasia, mas capacidade para organizar imagens mentais
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