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PORTUGAL E DO ATLÂNTICO
ALBERTO VIEIRA
Algumas das grandes questões, com grande actualidade, definem este novo e real rumo
que é a investigação insular. Em primeiro lugar podemos citar o enquadramento da
Madeira, no contexto dos descobrimentos europeus, donde ressalta, para além do
protagonismo sócio-económico, a posição charneira nos rumos da política expansionista.
As funções de escala e modelo projectam-na nessa realidade e conduzem a que seja parte
disso e não um mundo à parte. Por outro lado, a expansão europeia foi propícia à
definição das teias de subordinação e complementaridade que levaram à modelação de
um mercado insular aberto e vinculado, de acordo com uma lógica de
complementaridade. É isso, em certa medida, o que define o Mediterrâneo Atlântico nos
séculos XV a XVII.
A favor de tudo isto está a tese que vingou no seio da Historiografia americana, que
define o Atlântico como uma unidade de análise. Deste modo o período que decorre entre
os inícios de expansão europeia, a partir do século XV, e a plena abolição da escravatura,
em 1888, delimitam cronologicamente esta realidade1. A dimensão assumida pela
Madeira no contexto da expansão quatrocentista, quer como terra de navegadores, quer
como principal centro que modelou a realidade sócio-económico deste novo espaço
atlântico, é a evidência desta imprescindível dimensão atlântica da ilha.
A par disso torna-se necessário dize-lo que é chegado o momento de repensar a forma
como se faz História entre nós. É chegado o momento de rever os últimos vinte anos de
actividade para que seja possível a definição de novos rumos adequados ao protagonismo
1
. Cf. Alan L. Kanas e J. R. Manell, Atlantic american societies-from Columbus through abolition 1492-1886, London, 1992; Alfred
W. Crosby, the Columbian exchange, biological and cultural consequences of 1492, Westport, 1972; S. Mintz, Sweetness and power,
N. York, 1985. Michael Meyerr, "The price of the new transnational history", the American Historical Review, 96, nº 4, 1991, 1056-
1072; D.W. Meinig, Atlantic America 1492-1800, New Haven, 1980: Lan Stelle, The english atlantic, 1675-1740 - An exploration &
communication and community, N. Y. 1986.
e posicionamento que assumimos na História. É isso que propomos aqui e agora com
algumas incursões sobre a historiografia e História madeirense.
1.A SITUAÇÃO
Antes de tudo importa ver aquilo que se entende hoje pela História insular e madeirense,
quer através dos manuais escolares, quer da historiografia local e nacional.
2
. Foi esse o objectivo dos nossos estudos: Comércio inter-insular nos séculos XV e XVI. Madeira, Açores e Canárias, Funchal, 1987;
Portugal y las islas del Atlántico, Madrid, 1992.
literatura de viagens, onde esses ideais se espraiam. Os factos históricos e as impressões
das viagens atlânticas, perpetuados nas crónicas e relatos de diversa índole terão uma
utilização posterior de acordo com as exigências da época. A prosa histórica é
impregnada do ideal romântico servindo-se de perspectivas e formas positivistas de
justificação e fundamentação de certos meteoritos políticos que a sociedade insular
contemporânea é portadora3.
Para podermos situar melhor esta questão temos que partir da problematização das
seguintes situações.
1. OS FACTOS mais destacados dos anais da História da ilha fazem-na projectar
no conjunto mais vasto, primeiro pela razão de ter sido a primeira área de
reconhecimento e ocupação europeia no Atlântico, que por isso mesmo serviu de modelo
para aquilo que se sucedeu. Exemplo disso poderá encontrar-se nas chamadas capitanias,
forma institucional que regeu o governo inicial.
2..OS TEMAS que fazem o devir histórico através da dimensão económica local e
atlântica e também da história da navegação e da ciência.
3.OS HOMENS, que como quem diz, os madeirenses que deixaram o seu nome
lavrado em letras douradas nos anais da História de Portugal e do mundo, como
navegadores, descobridores e aventureiros, guerreiros da defesa dos nossos interesses no
Norte de África e Brasil.
3
Confronte-se Guia para a História das ilhas Atlânticas, Funchal, 1997
2.1. OS FACTOS
Os acontecimentos, a partir dos quais se recompõe o esqueleto da história merecem a
primeira referencia. É, na verdade, a partir deles que as evidencias clamam por um
desusado protagonismo que merece ser divulgado, referenciado e assumido.
“...porque a ilha da Madeira meu bisavô a povoou, e meu avô a de São Miguel, e
meu tio a de São Tomé, e com muito trabalho, e todas do feito que vê...”João de Melo
da Câmara, 1532.
O Funchal foi, por muito tempo, o principal ancoradouro do Atlântico que abriu as portas
do mar oceano e traçou caminho para as terras do Sul. Aí a abundância do cereal e vinho
propiciavam ao navegante o abastecimento seguro para a demorada viagem. Por isso o
madeirense não foi apenas o cabouqueiro que transformou o rochedo e fez dele uma
magnífica horta, também se afirmou como o marinheiro, descobridor e comerciante.
Deste modo algumas das principais famílias da Madeira, enriquecidas com a cultura do
açúcar, gastaram quase toda a sua fortuna na gesta descobridora, ao serviço do infante D.
Henrique, ao longo da costa africana ou, de iniciativa particular, na direcção do Ocidente,
correspondendo ao repto lançado pelos textos e lendas medievais.
A juntar a tudo isso temos que o rápido progresso social, resultado do porvir económico,
condicionou o aparecimento de uma aristocracia terratenente que, imbuída do ideal
cavalheiresco e do espírito de aventura, se embrenhou na defesa das praças marroquinas,
na disputa pela posse das Canárias e viagens de exploração e comércio ao longo da costa
africana e, até mesmo, para Ocidente.
Primeiro foi a Madeira, depois as ilhas próximas dos Açores e das Canárias e, finalmente,
os novos continentes ou ilhas. Desiludido com a ilha o madeirense procurou melhor
fortuna nos Açores ou nas Canárias, e depositou, depois, na costa africana as
prometedoras esperanças comerciais. Neste grupo incluem-se principalmente os filhos
segundos desapossados da terra pelo sistema sucessório. é disso exemplo Rui Gonçalves
da Câmara, filho do capitão do donatário no Funchal, que preferiu ser capitão da ilha
distante de S. Miguel a manter-se como mais um mero proprietário na Ponta do Sol. Com
ele surgiram outros que deram o arranque decisivo ao povoamento desta ilha. Deste modo
a Madeira evidencia-se também no século quinze como um centro de divergência de
gentes no novo mundo.
Os madeirenses aparecem nas Canárias, Açores, S. Tomé e Brasil a dar o seu contributo
para que no solo virgem brotem os canaviais, apareçam os canais de rega ou de serviço
aos engenhos, a que também foram seus obreiros nos avanços tecnológicos. A crise da
produção açucareira madeirense, gerada pela concorrência do açúcar das áreas que os
seus habitantes contribuíram para criar, empurrou-nos para destinos distantes.
A Madeira, mais uma vez, pela posição charneira entre os açores e as Canárias e da
anterioridade no povoamento, foi, desde meados do século XV, um importante viveiro
fornecedor de colonos para estes arquipélagos e elo de ligação entre eles. A ilha
funcionou mais como pólo de emigração para as ilhas do que como área receptora de imi-
grantes. Se exceptuarmos o caso dos escravos guanches e a inicial vinda de alguns dos
conquistadores de Lanzarote, podemos afirmar que o fenómeno é quase nulo, não
obstante no século dezasseis os açorianos surgirem com alguma evidência no Funchal.
Note-se, ainda, a presença de uma comunidade de açorianos nas ilhas Canárias,
principalmente nas ilhas de Gran Canária, Tenerife e Lanzarote, dedicados à cultura dos
cereais, vinha, cana sacarina e pastel. Mas açorianos e canarianos, bem posicionados no
traçado das rotas oceânicas, voltaram a sua atenção para o promissor novo mundo.
TERRA DE DESCOBRIDORES
O Funchal foi uma encruzilhada de opções e meios que iam ao encontro da Europa em
expansão. além disso ela é considerada a primeira pedra do projecto, que lançou Portugal
para os anais da História do oceano que abraça o seu litoral abrupto. A fundamentação de
tudo isto está patente no real protagonismo da ilha e das suas gentes.
Como corolário desta ambiência a Madeira firmou uma posição de relevo nas navegações
e descobrimentos no Atlântico. O rápido desenvolvimento da economia de mercado, em
uníssono com o empenhamento dos principais povoadores em dar continuidade à gesta de
reconhecimento do Atlântico, reforçaram a posição da Ilha e fizeram avolumar os
serviços prestados pelos madeirenses. Aqui surgiu uma nova aristocracia dos
descobrimentos, cumulada de títulos e benesses pelos serviços prestados no
reconhecimento da costa africana, defesa das praças marroquinas, ou nas campanhas
brasileiras e Indicas4.A proximidade da Madeira ao vizinho arquipélago das Canárias, em
conjugação com o rápido surto do povoamento e valorização sócio-económica do solo,
orientaram as atenções do madeirense para as ilhas. Assim, decorridos apenas vinte e seis
anos sob a ocupação, os moradores da Madeira empenharam-se na disputa pela posse das
Canárias, ao serviço do infante D. Henrique. Em 1446 João Gonçalves Zarco, foi enviado
a Lanzarote, como plenipotenciário para afirmar o contrato de compra da ilha.
Acompanham-no as caravelas de Tristão Vaz, capitão do donatário em Machico e de
Garcia Homem de Sousa, genro de Zarco5. Mais tarde em 1451, o infante enviou nova
armada, em que participaram gentes de Lagos, Lisboa e Madeira, sendo de salientar, no
último caso, Rui Gonçalves filho do capitão do donatário do Funchal.
4
Confronte-se João José Abreu de SOUSA, "Emigração madeirense nos séculos XV a XVII", in Atlântico, nª.1,
Funchal, 1985, pp. 46-52.
5
José PEREZ VIDAL, «Aportación portuguesa a la población de Canarias. Datos», in Anuario de Estudios Atlânticos, nº 14, 1968; A.
SARMENTO, «Madeira & Canárias», in Fasquias e Ripas da Madeira, Funchal, 1931, 13-14.
africanas do norte, nos séculos XV e XVI. Esta presença de gentes da Madeira continuará
por todo o século XV em três frentes: Marrocos, litoral africano além do Bojador e terras
ocidentais. Na primeira e última a presença dos madeirenses foi fundamental.
As ilhas açorianas, por serem as mais ocidental sob domínio europeu até à viagem de
Colombo, era o paradeiro ideal para os aventureiros interessados em embrenhar-se na
gesta descobridora dos mares ocidentais. Desde meados do século XV, madeirenses e
açorianos saem, com assídua frequência, à busca de novas terras assegurando,
antecipadamente, a posse do que descobrissem por carta régia6. É de notar que este
interesse dos insulares pela descoberta das terras ocidentais é muito anterior a Colombo e
persistiu após 1492. A primeira carta conhecida é de 19 de Fevereiro de 1462, sendo a
posse das novas ilhas Lovo e Capraria e outras que iria descobrir, dadas ao João Vogado.
Ainda antes de 1492 temos outras concessões a Rui Gonçalves da Camara(21 de Junho de
1473), Fernão Teles(28 de Janeiro de 1474), Fernão Dulmo e João Afonso do Estreito(24
de Julho de 1486). Após a primeira viagem de Colombo não esmoreceu o interesse dos
insulares por tais viagens. A atestá-lo estão as cartas concedidas a Gaspar Corte Real(12
de Maio de 1500), João Martins(27 de Janeiro de 1501) e Miguel Corte Real(15 de
Janeiro de 1502).
6.Manuel Monteiro Velho ARRUDA(Colecção de documentos relativos ao descobrimento e povoamento dos Açores, Ponta Delgada,
1977) refere as cartas atribuídas a João Vogado(19 de Fevereiro de 1462), Gonçalo Fernandes(29 de Outubro de 1462),Rui Gonçalves
da Camara(21 de Janeiro de 1473), Fernão Teles(28 de Junho de 1474 e 10 de Novembro de 1475), Fernão Dulmo e João Afonso do
Estreito(24 de Julho e 4 de Agosto de 1486).
7.Cristóbal Colón y el descubrimiento de América, 2 vols, Barcelona, 1945.
último como o piloto anónimo que em 1484 veio a Lisboa pedir ao rei uma caravela para,
segundo Fernando Colombo, "ir a esta tierra que via."
A estas iniciativas isoladas acresce toda uma tradição literária e os dados materiais
visíveis nas plagas insulares. A literatura fantástica, a cartografia mítica o aparecimento
de destroços de madeira e troncos de árvores nas costas das ilhas açorianas acalentavam a
esperança da existência de terras a ocidente. Nas costas das ilhas açorianas do Faial e
Graciosa encalhavam alguns pinheiros, enquanto nas Flores davam à costa dois cadáveres
com feições diferentes das dos cristãos e dos negros. Tudo isto levantava o fervor dos
aventureiros que com assiduidade viam-se perante ilhas que nunca existiram. A "décima
ilha", por exemplo, nunca passou de uma miragem.
Aí, na Madeira e Porto Santo, ouviu histórias e relatos dos aventureiros do mar, teve
acesso a provas evidentes da existência de terras ocidentais legadas pelas correntes
marítimas nas praias. Um destes vestígios foi a castanha do mar, mais popularmente
conhecida como "fava de Colombo". Por tudo isto é legítimo de afirmar que o navegador
saiu do arquipélago, em data que desconhecemos, com a firme certeza de que algo de
novo poderia encontrar a Ocidente, capaz de justificar o seu empenho e da coroa.
A ilha ficou-lhe no coração e nunca mais a esqueceu no seu afã descobridor. Bastaram
alguns anos de convívio com os marinheiros madeirenses, esporádicas viagens ao golfo
da Guiné, para ganhar o alento, a sabedoria e os meios técnicos necessários para definir o
plano de traçar o caminho de encontro às terras índicas pelo Ocidente: Cipango (=Japão)
era o seu objectivo.
8.História de Las ïndias, vol.I, México, 1986; Vida Del Almirante Don Cristóbal Colón, escrita por su hijo, México, 1984
9.Esta situação foi já realçada por Henry HARRISSE, Cristophe Colomb devant l'histoire, Paris, 1892; Henry VIGNAUD,Histoire
critique de la grande entreprise de Cristophe Colomb, 2 vols, Paris, 1911; Gaetano FERRO, As navegações portuguesas no Atrlântico
e no Indico, Lisboa, pp.181-183.
acompanhou de perto as expedições portuguesas ao longo da costa africana. O fascínio do
navegador pelo mar, conquistado no Mediterrâneo como corsário ou comerciante,
despertou-lhe o apetite para as navegações atlânticas portuguesas. No momento em que
se fixou em Lisboa toda a atenção e azáfama estava orientada para o desbravamento da
extensa costa africana além do Bojador, conhecida como costa da Guiné. Nesta época era
já conhecida e navegável toda a área costeira até ao Cabo de Santa Catarina, alcançado
em 1474, no período do contrato de Fernão Gomes.
Não obstante este espaço ser vedado à navegação de embarcações que não fossem
portuguesas, os estrangeiros poderiam faze-lo a bordo e ao serviço de embarcações
nacionais. Assim havia sucedido na década de cinquenta com Cadamosto e Usodimare.
Tal como o fez o seu patrício Usodimare, Colombo embarcou em caravelas portuguesas
que demandavam as costas da Guiné. Facto normal para um experimentado marinheiro
genovês, que na praia do Porto Santo ou na Madeira, acompanhava o vai e vem das
nossas caravelas.
É de salientar que por muito tempo a Madeira foi escala obrigatória das embarcações
portuguesas que se dirigiam à costa africana. Tal facto derivou de o Funchal ser o único
porto seguro, avançado no Atlântico, dispondo de excedentes de cereais e vinho,
necessários à dieta de bordo dos marinheiros. A par disso os madeirenses acalentavam,
desde a década de quarenta, a aventura das navegações africanas, tendo-se empenhado
nisso as principais famílias da ilha.
Por tudo isto é inevitável associar a viagem de Colombo à sua curta estadia nas ilhas da
Madeira e Porto Santo, onde contactou com a realidade atlântica, adquiriu as necessárias
técnicas para se embrenhar na aventura de busca das terras ocidentais. O retorno do
navegador à ilha, em 1498, no decurso da terceira viagem, pode e deve ser entendido
como o seu reconhecimento aos madeirenses. Aqui teve oportunidade de relatar, aos que
com ele acalentaram a ideia da existência de terras a Ocidente, o que encontrara de novo.
O convívio com as gentes do Porto Santo havia sido prolongado e cordial pois em Junho
de 1498, aquando da terceira viagem, não resistiu à tentação de escalar a vila. A sua
aproximação foi considerada mau presságio pois os portossantenses pensavam estar
perante mais uma armada de corsários. Desfeito o equívoco foi recebido pelos naturais da
terra, seguindo depois para a Madeira.
O fascínio madeirense não se resumiu apenas ao Atlântico, pois que estes também
acompanharsm a gesta portuguesa até ao Índico. E desde o início é notório o seu
comprometimento. É o caso de Lopo Mendes de Vasconcelos, que capitaneou um dos
navios da segunda viagem de Vasco da Gama. O seu filho Manuel de Vasconcelos. Ficou
conhecido como o de Diu, pelos muitos serviços que aí fez, enqunto a sua mulher, Isabel
da Veiga, foi apelidada da "matrona de Diu", pelo empenho na defesa desta fortaleza ao
lado do seu marido. A estes associam-se algumas das mais nobres famílias madeirenses:
Freitas, Catanho, Moniz, Lomelino, Ornelas14. Gaspar Frutuoso faz eco de um outro herói
madeirenses das plagas índicas15. É ele Tristão Vaz da Veiga. Todavia este ficou mais
conhecido pela sua traição na entrega da fortaleza de S. Julião da Barra, aquando da
invasão castelhana, que lhe valeu a posse da capitania de Machico(1582) e o título de
Governador Geral(1585).
A par disso a Madeira surge, nos alvores do século XV, como a primeira experiência de
ocupação em que se ensaiaram produtos, técnicas e estruturas institucionais. Tudo isto
foi, depois, utilizado, em larga escala, noutras ilhas e no litoral africano e americano. O
11
David Fereira GOUVEIA, "A manufactura açucareira madeirense(1420-1550", in Atlântico, nº.10, 1987, 115-131
12
José António Gonsalves de MELLO, João Fernandes Vieira- Mestre de Campo do Terço de infantaria de Pernambuco, 2 vols,
Recife, 1956.
13
Arquivo Histórico da Madeira, vol.V, 49-54, vol. VII, 237-239; Virgínia Rau, Dados sobre a imigração madeirense para o Brasil
no século XVIII, Coimbra, 1965; Maria de Lourdes F. FERRAZ, Dinamismo sócio-económico do funchal na segunda metade do
século XVIII, Lisboa, 1994, 85-116; Walter PIAZZA, "Madeirenses no povoamento de Santa Catarina(Brasil) século XVIII", in Actas
do I colóquio Internacional de História da Madeira, II,1990, 355-364.
14
. confronte-se Henrique Henriques de NORONHA, Memórias Seculares e Eclesiásticas para a Com,posição da História da Diocese
do Funchal na ilha da Madeira, Funchal, 1996, Tít. XII, cap.IX- X
15
Livro segundo das Saudades da Terra, Ponta Delgada, 1979, caps. XXI-XXIX.
arquipélago foi, assim, o centro de divergência dos sustentáculos da nova sociedade e
economia do mundo atlântico: primeiro os Açores, depois os demais arquipélagos e
regiões costeiras onde os portugueses aportaram.
Sem dúvida que o facto mais significativo desta estrutura institucional deriva de a
Madeira ter servido de modelo referencial para o seu delineamento no espaço atlântico. O
monarca insiste, nas cartas de doação de capitanias posteriores, na fidelidade ao sistema
traçado para a Madeira. Assim o comprovam idênticas cartas concedidas aos novos
capitães das ilhas dos Açores e Cabo Verde. O mesmo sucede com a demais estrutura
institucional que chegou também a S. Tomé e Brasil.
Também os castelhanos vieram á ilha receber alguns ensinamentos para a sua acção
institucional no Atlântico, como se depreende do desejo manifestado em 1518 pelas
autoridades antilhanas em resolver a difícil situação das ilhas de Curaçau, Aruba e La
Margarita com o recurso ao modelo madeirense de povoamento. Isto prova, mais uma
vez, a presença modelar da ilha no contexto da expansão europeia e demonstra o interesse
que ela assumiu para a Europa.
Outra componente importante de afirmação da ilha como modelo de referência tem a ver
com a organização da sociedade no espaço atlântico e da importância aí assumida pelo
escravo. Mais uma vez a Madeira é o ponto de partida para esta transformação social. De
acordo com S. Greenfield18 ela serviu de trampolim entre o “Mediterranean Sugar
Production” e a “Plantation Slavery” americana. O autor não faz mais do que retomar os
16
História da Colonização Portuguesa do Brasil, vol. III, p.90; cf Vera Jane GILBERT, "Os primeiros engenhos de açúcar"in
Sacharum, nº.3, São Paulo, 1978, pp. 5-12.
17 Aventura e Rotina, 2ªed., pp 440-446, 448-449
18
"Madeira and the beginings of New World sugar cane cultivation and plantation slavery: a study in constitution building", in Vera
RUBIN e Artur TUNDEN(eds.), Comparative perspectives on slavery in New World Plantation Societies, N. York, 1977.
argumentos aduzidos por Charles Verlinden19 desde a década de sessenta. Note-se que
esta argumentação mereceu alguns reparos na sua formulação, mercê de novos estudos20.
Na verdade tudo o concretizado em termos do mundo atlântico português teve por matriz
o sucedido na Madeira. A Madeira foi ao nível social, político e económico, o ponto de
partida para o “mundo que o português criou...” nos trópicos. Neste contexto é
sumamente importante o conhecimento do sucedido na Madeira quando pretendemos
estudar e compreender as outras situações.
A definição dos espaços económicos não resultou apenas dos interesses políticos e
económicos derivados da conjuntura expansionista europeia mas também das condições
internas, oferecidas pelo meio. Elas tornam-se por demais evidentes quando estamos
perante um conjunto de ilhas dispersas no oceano. No conjunto estávamos perante ilhas
com a mesma origem geológica, sem quaisquer vestígios de ocupação humana, mas com
diferenças marcantes ao nível climático. Os Açores apresentavam-se como uma zona
temperada, a Madeira como uma réplica mediterrânica, enquanto nos dois arquipélagos
meridionais eram manifestas as influências da posição geográfica, que estabelecia um
clima tropical seco ou equatorial. Daqui resultou a diversidade de formas de valorização
económica e social. As condições morfológicas estabelecem as especificidades de cada
ilha e tornam possível a delimitação do espaço e a sua forma de aproveitamento
económico. Aqui o recorte e relevo costeiro foram importantes. A possibilidade de acesso
ao exterior através de bons ancoradouros era um factor importante. É a partir daqui que se
torna compreensível a situação da Madeira definida pela excessiva importância da
vertente sul em detrimento da norte.
19
"Précédents et paralèlles europeéns de l'esclavage colonial", in Instituto, vol.113, Coimbra, 1949; "Les origines coloniales de la
civilization atlantique. antécédents et types de structure", in Journal of World History, 1953, pp. 378-398; Précédents médiévaux de la
colonie emn Amérique, México, 1954; Les origines de la civilization atlantique, Nêuchatel, 1966.
20
Confronte-se Alfonso FRANCO SILVA, "La eclavitud en Andalucia...", in Studia, nº.47, Lisboa, 1989, pp.165-166; Alberto
VIEIRA, Os escravos no arquipélago da Madeira. séculos XV a XVII, Funchal, 1991.
harmoniosa e não causou grandes dificuldades. Os Açores apresentam-se como a
expressão mais perfeita da realidade, enquanto a Madeira é o reverso da medalha.
A Madeira, que se encontrava a pouco mais de meio século de existência como sociedade
insular, estava em condições de oferecer os contingentes de colonos habilitados para a
abertura de novas arroteias e ao lançamento de novas culturas nas ilhas e terras vizinhas.
Assim terá sucedido com o transplante da cana- de- açúcar para Santa Maria, S. Miguel,
Terceira, Gran Canária, Tenerife, Santiago, S. Tomé e Brasil.
O cereal foi o produto que conduziu a uma ligação harmoniosa dos espaços insulares, o
mesmo não sucedendo com o açúcar, o pastel e o vinho, que foram responsáveis pelo
afrontamento e uma crítica desarticulação dos mecanismos económicos. A par disso
todos os produtos foram o suporte, mais que evidente, do poderoso domínio europeu na
economia insular. Primeiro o açúcar, depois o pastel e o vinho exerceram uma acção
devastadora no equilíbrio latente na economia das ilhas.
A estrutura do sector produtivo de cada ilha moldou-se de acordo com isto, podendo
definir-se em componentes da dieta alimentar (cereais, vinha, hortas, fruteiras, gado) e de
troca comercial (pastel, açúcar). Em consonância com a actividade agrícola verificou-se a
valorização dos recursos disponibilizados por cada ilha, que integravam a dieta alimentar
(pesca e silvicultura) ou as trocas comerciais (urzela, sumagre, madeiras).
Ligado à conjura política nos reinos peninsulares está a questão da sucessão dinástica,
que tem reflexos evidentes na Madeira. No Arco da Calheta teve assentamento D.
Gonçalo Fernandes que casou com D. Isabel Fernandes de Andrade, tendo falecido em
1539. Este é identificado como D. Gonçalo Afonso de Avis Trastâmara Fernandez com o
epíteto de "o Máscara de Ferro português", filho de D. Afonso V e D. Joana de Castela,
mais conhecida como a Beltraneja21.
Em 1529 com o Tratado de saragoça foi encontrada uma solução provisória e que a curto
prazo parece agradar a ambas as partes24. D. João III viu-se forçado a pagar 350.000
ducados para assegurar a posse das Molucas que afinal se encontravam dentro da área de
influência de Portugal.
Mais uma vez é possível assinalar uma ligação à Madeira, pois terá sido, segundo alguns,
o madeirense António de Abreu25 o seu primeiro explorador. A dúvida todavia subiste em
face de vários homónimos contemporâneos. E deste modo a opinião mais abalizada anota
que esse António de Abreu que abordou as Molucas e terá estado na Austrália não é o
madeirense, filho de João Fernandes do Arco, mas sim o do fidalgo Garcia de Abreu, de
Avis.
Por outro lado os madeirenses contribuíram com avultada quantia de empréstimo para o
pagamento do referido contrato. Manuel de Noronha ficou com o encargo de arrecadar a
contribuição madeirense. João Rodrigues Castelhano é referenciado também como
recebedor do referido empréstimo, tendo desembolsado da sua fazenda 300.000 réis26. A
este juntam-se Fernão Teixeira27 com 150.000 réis e Gonçalo Fernandez28 com 200.000
21
.Paulo Drumond BRAGA, "A "Excelente Senhora", D. Joana, em Portugal(1479-1530). Dados para um estudo", in Revista de
Ciências Históricas. vol. IV, Porto, 1989, pp.247-254.
22
. Luiz Peter CLODE, Descendência de D. Gonçalo Afonso Avis Tristão Câmara Fernandes o Máscara de Ferro português, Funchal,
1983.
23
. Confronte-se Monumenta Henricina, vol. III, 1961, pp.14-17, 49-56
24
. Diferente foi a atitude de alguns portugueses que foram contrários a esta decisão da coroa. Veja-se, de novo, o testemunho de
Gaspar FRUTUOSO, ob.cit., pp.215-216.
25
.Não existe consenso sobre a verdadeira origem e identidade deste António Abreu, uma vez que na época são referenciados alguns
homónimos, mesmo no Funchal. Confronte-se: Cabral do NASCIMENTO, "António de Abreu, descobridor das ilhas de Maluco, não
é António Abreu, natural da Madeira e capitão duma nau das Índias em 1523", in AHM, I, 1931, 21-28(reeditado no vol. IV, 117-121);
26
. Veja-se José Pereira da COSTA, "A família Mondragão na Sociedade Madeirense do Século XVI", in Actas do I Colóquio
Internacional de História da Madeira(1986), vol. II, Funchal, 1990, 1143-1149.
27
.ANTT, CC, II, 158, nº.102 e 106, mandado de 22 de Setembro de 1529 para o pagamento do referido valor.
28
. J. Pereira da COSTA, ibidem, pp.1148-1149.
réis. O seu pagamento fez-se nos anos de 1530-31 à custa dos dinheiros resultantes dos
direitos da coroa sobre o açúcar
A solução para o traçado da linha de fronteira não é definida pelas negociações dos
emissários régios, mas sim pelas condições orográficas e a ocupação efectiva. Foi, aliás,
de acordo com esta condição que os portugueses viram-se na necessidade de penetrar no
sertão e de criar assentamentos. É de acordo com isto que se deverá entender o grande
movimento imigratório para o Brasil, a partir de meados do século XVIII. Neste caso é de
destacar a presença de madeirenses e açoreanos, desde 1745 em Santa Catarina e Rio
Grande do Sul32. A coroa promoveu a ida de casais insulares para estas terras do sul afim
de conseguir-se uma ocupação de facto desta região, o que depois seria um factor de
ponderação nas negociações das fronteiras que levaram à assinatura dos tratados de 1750
e 1777.
29
. Sobre estas questões veja-se: Estudios (nuevos y viejos) sobre la frontera, Madrid, 1991; Max Justo GUEDES, "Os limites
territoriais do Brasil a noroeste e a norte" in Portugal no Mundo, V, 1989, 202-228. A. Pinheiro MARQUES "O papel dos
bandeirantes na consolidação da área de Ocupação portuguesa do Brasil" in Ibidem, 158-170; IDEM, "O papel dos cartógrafos e dos
engenheiros militares na fixação dos limites do Brasil" Ibidem, 180-190.
30
. Luís F. de ALMEIDA, "O Problema de fronteiras no Sul do Brasil: o caso de Colónia do Sacramento", Portugal no Mundo, 5, 191-
201.
31
. Demetrio RAMOS PEREZ, Los criterios contrarios al Tratado de Tordesilhas en el siglo XVIII, determinante de le necessidad de
su anulacion, Coimbra, 1974.
32
. V. RAU e outros, "Dados sobre a emigração madeirense para o Brasil no séc. XVIII", in Colóquio Internacional de Estudos Luso
Brasileiros, Vol. V, Coimbra, 1965, 495-505; Maria Lourdes de F. FERRAZ, "Emigração madeirense para o Brasil no séc. XVIII",
Islenha, nº 2, 1986, 88-101; W. PIAZZA, "Madeirenses no povoamento de Santa Catarina (Brasil) Século XVIII", in Actas do I
C.I.H.M., 1990, Vol. II, 1268-1286.
Acresce, ainda, o facto de este afrontamento ter de novo repercussões com o corso na
Madeira. Esta segunda metade do século dezoito é um momento importante dessa
actividade, com particular incidência na Madeira e açores33.
De uma vez por todas encerrava-se o ciclo de conflitos gerados pela partilha do Mundo
entre Portugal e Castela. Uma divisão a dois que nunca foi conseguida e que acabou por
ser partilhada por outros interessados. E, deste modo, dava-se juz ao rei de França quando
pediu que lhe fosse dado conhecimento da parte do testamento de Adão onde se teria o
fundamento para esta partilha a dois.
2.. OS TEMAS
O enquadramento do devir histórico de acordo com determinados domínios temáticos
evidencia de novo essa omnipresença da Madeira em situações que marcaram de forma
evidente o panorama económico e social do espaço atlântico. A ilha assume de novo a
posição dianteira e projecta-se nas demais iniciativas, para além de se afirmar, por si só,
pela riqueza que propiciou aos colonos europeus. Aqui o esforço e investimento saíram
compensados.
33
. Tenha-se em conta o que já dissemos em "Funchal no contexto das mudanças político-ideológicas do Século XVIII. O corso e a
guerra de represália como arma", in As Sociedades Insulares no contexto das interinfluências culturais do Século XVIII, Funchal,
1994, pp.93-113.
Diferente foi o que sucedeu em S. Tomé onde a abundância de águas e lenhas associada
às condições do solo foram de molde a propiciar os meios indispensáveis ao cultivo da
cana. O açúcar aí produzido, tornou-se, por isso mesmo, concorrencial do madeirense,
embora sem nunca atingir a sua qualidade. Um dos factos que contribuiu para que ele se
tornasse concorrencial do madeirense foi a elevada produtividade. Segundo Jerónimo
Munzer34 ela seria três vezes superior à madeirense. No começo só se produzia melaço,
que depois era levado a Lisboa para ser refinado, mas a partir de 1506 a ilha passou
também a fazer açúcar branco, tendo-se para o efeito construído o primeiro engenho35.
35
. O Manuscrito de Valentim Fernandes, Lisboa, 1940, 128.
Insiste-se no facto de que as Canárias e os Açores foram os principais protagonistas do
comércio com o Novo Mundo, deslocando-se a Madeira para uma posição excêntrica.
Todavia o confronto dos dados disponíveis na documentação revelam o contrario,
contribuindo para isso o facto de a Madeira ter servido de modelo para todas as tentativas
de valorização económica do Novo Mundo. Esta última situação favoreceu uma pronta
emigração de madeirenses, especializados nas diversas tarefas, e propiciou a manutenção
do relacionamento, ainda que por vezes sentimentais. Além disso esta situação saiu
reforçada com a oferta madeirense de produtos demandados por estes novos mercados. E,
finalmente, deverá juntar-se a activa participação dos mercadores da ilha nesses circuitos
comerciais, então traçados para o fornecimento de mão-de-obra escrava ou escoamento
do açúcar.
O mercado negreiro da costa ocidental africana foi alvo da atenção dos madeirenses, que
cedo se intrometeram neste trafico com destino à ilha, ao velho continente e, mais tarde,
ao novo mundo americano. Os madeirenses participaram activamente no processo de
reconhecimento das terras do Sul. Aliás, desde 1470 o Funchal funcionou como um
importante entreposto para o comércio africano.
Este relacionamento progrediu mercê de uma conjuntura favorável aos contactos com
estas paragens: em 1483 D. Manuel recomendou as maiores facilidades no porto do
Funchal para os navios de Cabo Verde, depois, a partir de 1507, foi a isenção do
pagamento de direitos nos produtos exportados de Cabo Verde para as ilhas e reino. Tudo
isto facilitou o acesso do madeirense ao mercado de escravos. Deste modo a ilha foi um
dos primeiros destino dos escravos resultantes das primevas razias na costa ocidental
africana.
Muitos, fascinados pela aventura destas paragens, decidiram-se por uma intervenção
directa, fixando-se em Santiago ou na Costa da Guiné. Note-se que a situação de vizinho
era condição obrigatória para participar neste trafico negreiro36. Eles privavam-se da
família e da vida amena da Madeira e sujeitam-se a uma aventura de solidão e de
dificuldades, motivadas pelas condições climáticas da zona.
A CONTEXTUALIDADE ATLÂNTICA.
“A ilha da Madeira... que Deus pôs no mar ocidental para escala, refúgio, colheita e
remédio dos navegantes, que de Portugal e de outros regnos vão, e de outros portos
e navegações vêm para diversas partes, além dos que para ela somente navegam,
levando-lhe mercadorias estrangeiras e muito dinheiro para se aproveitar do
retorno que dela levam para suas terras...”.(Gaspar Frutuoso, Livro segundo das
Saudades da Terra, P.Delgada, 1979, pp.99-100)
Segundo Pierre Chaunu a rota das Índias de Castela assentou em quatro vértices
fundamentais: Sevilha, Canárias, Antilhas, Açores37. Neste traçado, portanto, a Madeira
mantinha-se numa posição excêntrica, pois apenas servia as rotas portuguesas do Brasil e
da costa africana.
A Madeira, como as Canárias muito raramente foi escolhida como escala de retorno -
uma vez que essa missão estava, por condicionalismos geográficos, reservada aos Açores.
Todavia verificou-se ocasionalmente a escala das embarcações vindas da Mina Índias e
Índias na Madeira.
37
. Sevilla y América. Siglos XVI y XVII, 43-48.
A posição demarcada do Mediterrâneo Atlântico no comercio e na navegação atlântica
fez com que as coroas peninsulares investissem aí todas as tarefas de apoio, defesa e
controle do trato comercial. As ilhas eram os bastiões avançados, suportes e símbolos da
hegemonia peninsular no Atlântico. A disputa pela riqueza em movimento neste oceano
será feita na área definida por elas, pois para aí incidiam piratas e corsários ingleses,
franceses e holandeses, ávidos das riquezas em circulação nas rotas americanas e índicas.
Uma das maiores preocupações das coroas peninsulares terá sido a defesa das
embarcações que sulcavam o Atlântico em relação às investidas dos corsários europeus.
A área definida pela Península Ibérica, Canárias e Açores era o principal foco de
intervenção do corso europeu sobre os navios que transportavam açúcar ou pastel ao
velho continente.
Para além deste privilegiado relacionamento com o mundo insular, a praça comercial
madeirense foi protagonista de outros destinos no litoral africano ou americano e rosário
de ilhas da América Central. No primeiro rumo ressalta a costa marroquina, onde os
portugueses assentaram algumas praças, defendidas, a ferro e fogo, pelas gentes da ilha40.
38
. "O comércio de cereais dos Açores para a Madeira no século XVII", in Os Açores e o Atlântico(séculos XIV-XVII), A. Heroismo,
1984; "O comércio de cereais das Canárias para a Madeira nos séculos XVI e XVII", in VI Colóquio de História Canario Americana,
Las Palmas, 1984; "Madeira e Lanzarote. comércio de escravos e cereais no século XVII", in IV Jornadas de História de Lanzarote e
Fuerteventura, Arrecife de Lanzarote, 1989.
39
.O comércio inter-insular(Madeira, Açores e Canárias) nos séculos XV e XVI, Funchal, 1987.
40
.A.A.SARMENTO, A Madeira e as praças de África. dum caderno de apontamentos, Funchal, 1932: Robert RICARD, "Les places
luso-marocaines et les Iles portugaises de l'Atlantique", in Anais da Academia Portuguesa de História, II série, vol.II, 1949; António
No século XVI, com a paulatina afirmação do novo mundo americano costeiro e insular,
depara-se à ilha um novo destino e mercado, que pautará o seu relacionamento externo
nas centúrias posteriores. Este novo mundo e mercado foi para muitos uma esperança de
enriquecimento ou a forma de assegurar a posse de bens fundiários.
O homem do século dezoito perdeu o medo ao mundo circundante e passou a olhá-lo com
maior curiosidade, deste modo como dono da criação estava-lhe atribuída a missão de
perscrutar os seus segredos. É esse impulso que justifica todo o afã cientifico que explode
nesta centúria. A insaciável procura e descoberta da natureza circundante cativou toda a
Europa, mas foram os ingleses aqueles que entre nós marcaram um forte presença, sendo
menor a de franceses e alemãs.
Aqui são protagonistas as Canárias e a Madeira. Este protagonismo resulta da função das
mesmas como escala à navegação e comércio no Atlântico e para fora deste. Foi também
aqui que a Inglaterra estabeleceu a sua base para a guerra de corso no Atlântico. Se as
embarcações de comércio, as expedições militares cá tinham escala obrigatória, mais
razões assistem às científicas para essa paragem obrigatória. As ilhas pelo seu
endemismo, própria história geo-botânica, levavam obrigatoriamente a esse primeiro
Dias FARINHA, "A Madeira e o Norte de África nos séculos XV e XVI", in Actas do I Colóquio Internacional de História da
Madeira.1986, vol.I, Funchal, 1989, pp.360-375.
ensaio das técnicas de pesquisa a seguir noutras longínquas paragens. Também as ilhas
foram um meio revelador dessa incessante busca do conhecimento da geologia e
botânica. Instituições seculares, como o British Museum, Linean Society, e Kew Gardens,
chegam a enviar especialistas a proceder à recolha das espécies. Importantes estudos no
domínio da geologia, botânica e flora são resultado deste presença fortuita ou intencional
dos cientistas europeus.
Esta foi uma moda, no decurso do século XVIII, que levou a que algumas instituições
científicas europeias ficassem depositários de algumas dessas Colecções: o Museu
Britânico, a Universidade de Kiel, Universidade de Cambridge, Museu de História
Natural de Paris. E, por cá, passaram destacados especialistas da época, sendo de
destacar John Byron, James Cook, Humbolt, John Forster. A lista é infindável, contando-
se, entre 1751 e 1900, quase uma centena de cientista. Está aqui uma riqueza historial que
ainda não foi devidamente explorada.
James Cook escalou a Madeira por duas vezes(1768 e 2772), numa réplica da viagem de
circum-navegação, mas desta feita apenas com interesse científico. Os cientistas que o
acompanharam intrometeram-se no interior da ilha à busca das raridades botânicas para a
sua classificação e depois revelação à comunidade científica.
É esta quase esquecida dimensão da ilha como motivo despertador da ciência e cultura
europeia desde o século XVIII que importa realçar. Ela partiu de campo experimental dos
descobrimentos a sua afirmação, com a filosofia das luzes, como novo campo
experimental de nova ciência que desabrocha, mercê da sua nova função de escala das
expedições científicas. Mais uma vez fica demonstrado o activo protagonismo da
Madeira no devir histórico ocidental. A sua acção não se resume apenas aos planos
político-económico e social, pois alarga-se ao científico, como acabamos de constatar.
Nos últimos anos a História tem sido enriquecida de novos conteúdos. A Historiografia
americana tem permitido esse arejamento temático e metodológico. A história oral, que já
aqui referimos, é exemplo disso. A par disso temos ainda outra recente aportação que
tanto tem entusiasmado a Historiografia inglesa e norte-americana. Isto é, a História do
Meio-ambiente. A partir daqui o meio natural deixa de ser o palco para se assumir
também actor da História
O primeiro estudo que apela ao tema surge em 1847. Com o livro "Man and Nature" de
George Perkins Marsh, que é considerado um dos percursores da defesa do meio-
ambiente. O tema começou a ganhar interesse nos anos cinquenta, mas a actual
premência actual dos problemas do meio ambiente cativou a historiografia que fez deste
um dos novos domínios de ponta do conhecimento e investigação histórica. A publicação
do livro "The historical roots of our ecologic crises "(1960) de Lynn White Jr., um dos
clássicos estudos sobre a História do meio ambiente ou ecológica, marca o início de uma
nova era para a atenção da historiografia norte-americana, que nos últimos anos entrou
definitivamente nos curriculos académicos e planos editoriais. Acrescem também as
revistas especializadas. Destas salienta-se Forest & Conservation History(1957), hoje
Environmental History Review , que se firmou como porta-voz dos historiadores em
defesa do meio natural.
A par disso a ilha assume nos últimos tempos um lugar de relevo nos novos domínios da
História, que ganharam expressão nos meios universitários americanos a partir de 1960.
A História do Meio Ambiente e Ecológica veio a fazer apelo de novo ao pioneirismo da
Madeira, naquilo que o devir mostra a gesta europeia destruidora do meio envolvente. O
processo de expansão europeia não se afirma apenas pela novidade de descoberta de
novos mundos, mas também pelos efeitos destrutivos da presença do europeu sobre a
fauna e flora dos novos espaços. Tudo isto foi conseguido por exigências das leis do
mercado de então que definiu uma estrutura de monoculturas e exploração intensiva do
solo, através de culturas com elevado rendimento económico, como foi o caso da cana de
açúcar.
Da leitura dos clássicos e da produção recente releva-se uma situação particular que toca
de novo o arquipélago da Madeira. A Madeira não se posiciona apenas nos anais da
História universal como a primeira área de ocupação atlântica, pioneira na cultura e
divulgação do açúcar ao Novo Mundo, mas também como o primeiro exemplo dos
efeitos nefastos de uma exploração intensiva41.
41
, Madeira. Pearl of Atlantic, London, 1959 Veja-se Richard GROVE, Green Imperialism, N York, 1995, pp. 5-29; idem, Ecology,
climate and empire, Cambridge, 1997, p. 45; John PERLIN, A forest journey, N. York, 1989.
plantas do Novo Mundo que tiveram de novo passagem obrigatória pela ilha. A riqueza
botânica do Funchal resulta disso.
Estas situações são assiduamente referenciadas pela actual historiografia norte americana
que se dedica ao estudo da História do meio ambiente, sendo o seu ponto de partida e
alento para esta incursão temática inovadora.
Outro facto também insistentemente referido é o da própria ilha da Madeira. O nome foi
o atributo para referenciar a abundância e aspecto luxuriante do seu bosque. Mas em
pouco tempo, as queimadas para abrir clareiras de cultura e habitação, o debaste para
fruição das lenhas e madeiras, fizeram-na desmerecer tal epíteto. Da Madeira quase só
ficou o nome…!
Esta situação expressa uma realidade que pautará a expansão europeia e que só nos
últimos anos tem cativado a atenção do historiador. Tudo isto tem origem num produto
devorador que conquista a economia de mercado e que pautou a evolução da economia
atlântica a partir do século XV. O carrasco é o açúcar. A sua disponibilidade só é possível
com esse processo de degradação do meio que viu nascer os canaviais.
A cana de açúcar poderá ser considerada como a cultura agrícola mais importante da
História da Humanidade, pois provocou o maior fenómeno em termos de mobilidade
42
humana, económica, comercial e ecológica. A sua afirmação como cultura agrícola é
milenar e abrange vários quadrantes do planeta. É de todas as plantas domesticadas pelo
Homem aquela que acarreta maiores exigências. Ela quase que escraviza o homem,
esgota o solo, devora a floresta e dessedenta os cursos de água.
Foi o Oriente descobriu a doçura, tendo a Papua Nova Guiné como Berço. Os árabes
fizeram-no chegar ao ocidente e foram os principais arautos da sua expansão. Genoveses
e venezianos encarregaram-se do seu comércio e Europa. Mas é nas ilhas que ela
encontrou um dos principais viveiros da sua afirmação e divulgação no Ocidente: Creta e
Sicília no Mediterrâneo, Madeira, Açores, Canárias, Cabo Verde e S. Tomé no Atlântico
Oriental Puerto Rico, Cuba, Jamaica, Demerara(…) nas Antilhas.
CONCLUSÃO
Por tudo isto é forçoso afirmar que a ilha não se reduz apenas à sua dimensão geográfica.
À sua volta palpita um mundo que gera múltiplas conexões e que não pode ser descurado
sob pena de estarmos a atraiçoar o próprio devir histórico. Há que rasgar o casulo da ilha
e postar-se nas torres avista-navios donde se vislumbra o imenso firmamento que nos
conduz a outras ilhas e novos continentes. Todavia, isto só será possível quando
ultrapassarmos a fase do egocentrismo que nos amarra e mergulharmos na profundeza do
Atlântico à busca da atlanticidade.
Por outro lado a História Insular e, acima de tudo, madeirense por tudo aquilo que deu ao
devir histórico europeu e português precisa de ser reconhecida e figurar com o destaque
que merece. As ausências das histórias gerais e dos manuais não podem hoje ser
justificadas por falta de matéria. As ilhas fizeram nos últimos anos um desusado esforço
BIBLIOGRAFIA FUNDAMENTAL
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History, Cambridge, 1990.
GLACKEN, C. J., Traces on the Rhodian Shore: Nature and culture in Western thought,
from ancient times to the end of eighteenth century, Berkeley, 1967
PONTING, Clive, A green History of the World - the environmental and the collapse of
great civilizations, London, 1993
PREST, J., The garden of Eden, the botanic garden and the re-creation of Paradise, New
Haven, 1981
WORSTER, Donald, (ed.) The ends of the Earth. Perspectives on Modern Environmental
History, Cambridge, 1988