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LAS ISLAS PORTUGUESAS

EN EL TIEMPO DE FILIPE II.1558-1598

ALBERTO VIEIRA
Centro de Estudos de História Atlântico - Funchal(Madeira)

AS ILHAS E FILIPE II: A POLÍTICA DO ATLÂNTICO IBÉRICO

O Atlântico transforma-se a partir do século XV num mar ibérico. Os actos formais desta
partilha pelas coroas peninsulares tem lugar em 1479 em Alcáçovas e 1494 em Tordesilhas. A
resposta dos restantes reinos europeus a este mar fechado foi o recurso ao corso como arma
chave para abrir o oceano a todas as potencias marítimas. Esta ultima situaçno apresenta
consequLncias nefastas B estabilidade e segurança das rotas comerciais, obrigando os reinos
peninsulares a definiram uma política consertada dos seus interesses no mar e em terra. Neste
contexto as ilhas assumem um papel fundamental.

AS ILHAS E FILIPE II: ESCALAS DO OCEANO

Na estratégia de domínio e controle do espaço atlântico as ilhas assumiram um papel


fundamental. Sno áreas destacadas de exploraçno económica, mas também portos
fundamentais para o apoio e defesa da navegaçno. Neste contexto temos antes de 1527 a
criaçno da Provedoria das Armadas na ilha Terceira. Este papel das ilhas será fundamental
para entender as disputas que se sucedem na década de oitenta do século XVI e que tem por
palco as ilhas açorianas.

AS ILHAS E FILIPE II: A ECONOMIA ATLÂNTICA

As ilhas foram também espaços criadores de riqueza, sendo a agricultura a sua principal
aposta. Esta exploraçno obedece Bs exigLncias da subsistLncia das populaçtes e Bs
solicitaçtes do mercado externo com os produtos de exportaçno. Os Açores assumem o papel
de celeiro do atlântico portuguLs, enquanto a Madeira se especializa nos produtos de
exportaçno com grande procura na Europa ou no mercado colonial. Estava assim dado o mote
para o binómio da economia madeirense: açúcar e vinho. Nas ilhas de Cabo Verde e S. Tomé
e Principe, a proximidade ao continente africano conduzirá a que assumem outro
protagonismo, sendo portos de ligaçno entre o mercado de escravos do continente africano e o
novo mundo. Foi esse o papel mais evidente, nno obstante a efémera experiLncia açucareira
de S. Tomé.

AS ILHAS DE FILIPE II: A UNImO IBÉRICA


A aclamaçno de Filipe II em 14 de Setembro de 1580 como rei de Portugal foi um marco
decisivo na mudança do equilíbrio precário que dominava as relaçtes das diversas potencias
europeias no palco atlântico. A partir daqui os confrontos transferem-se para as ilhas
atlânticas, e de modo especial os Açores, consideradas fundamentais para a manutençno da
hegemonia ibérica. Desta forma nno será ocasional a transferLncia dos conflitos europeus para
os mares açorianos, onde os ingleses e franceses se batem pelos interesses de D. António
contra o avanço da soberania de Filipe II.. O conflito só ficou resolvido em 26 de Julho de
1583 com a célebre batalha de Porto de Mós na ilha Terceira.

CONCLUSmO

A principal consequLncia desta adesno forçada ou pacífica das ilhas a nova monarquia ibérica
estava na vulnerabilidade face Bs investidas dos inimigos europeus. Os corsários sno os
principais protagonista. O corso a partir da década de oitenta tomou outro rumo, sendo as
diversas iniciativas uma forma de represália B unino das duas coroas peninsulares.

A crise dinástica portuguesa e a consequente unino das coroas peninsulares levaram a uma
abertura total da área ao comércio dos insulares, seus vizinhos e aos demais europeus,
nomeadamente, os holandeses. Perante isto Santiago deixou de ser o principal entreposto dos
Rios de Guiné, pelo que foram evidentes os reflexos na economia da ilha. Por outro lado a S.
Tomé torna-se mais evidente o seu papel de entreposto de escravos, nomeadamente de
Angola, uma vez destruída a sua economia açucareira.

Se é certo que num momento determinado as ilhas fecharam-se ao comércio com os inimigos
políticos e religiosos, também nno é menos verdade que a unino nno conseguiu garantir o
exclusivo dos mercados detidos pelas monarquias ibéricas, agora unidas. Isto foi um passo
para a partilha do oceano por todas as potLncias europeias, que nno prescindiram da posiçno
fundamental das ilhas.
LAS ISLAS PORTUGUESAS
EN EL TIEMPO DE FILIPE II.1558-1598

ALBERTO VIEIRA
Centro de Estudos de História Atlântico - Funchal(Madeira)

A segunda metade do século XVI é um momento importante de viragem política europeia


com reflexos evidentes na vida do espaço atlântico que configura uma nova era para a sua
economia e navegaçno. Filipe II ao pretender afirmar-se como o senhor deste Novo Mundo
ibérico vai ser o alvo dos europeus em confronto com o mundo ibérico. A política de Filipe II
para o espaço atlântico tem na década de oitenta a sua máxima concretizaçno. Como resultado
disto o oceano Atlântico e as suas ilhas, principais protagonistas da afirmaçno colonial,
acabam por ser o palco desses acontecimentos, que marcaram de forma evidente a História
das ilhas nos dois últimos decénios da centúria.

Para entender esta particular situaçno deverá ter-se em conta o processo evolutivo da
economia e protagonismo político do mundo insular desde o século XV. Daqui se extrairá a
ideia base de que as ilhas foram os pilares fundamentais da afirmaçno colonial. Deste modo
far-se-á o rastreio da situaçno das ilhas durante o período de Filipe II, dando particular
destaque ao período inicial da unino ibérica

AS ILHAS E FILIPE II: A POLÍTICA DO ATLÂNTICO IBÉRICO

O século quinze marca o início da afirmaçno do Atlântico, novo espaço oceânico revelado
pelas gentes peninsulares. O mar, que até meados do século quatorze se mantivera alheio B
vida do mundo europeu, atraiu as suas atençtes e em pouco tempo veio substituir o mercado e
via mediterrâneos. Os franceses, ingleses e holandeses que, num primeiro momento, foram
apenas espectadores atentos, entraram também na disputa a reivindicar um mare liberum e o
usufruto das novas rotas e mercados. Nestas circunstâncias o Atlântico nno foi apenas o
mercado e via comercial, por excelLncia, da Europa, mas também um dos principais palcos
em que se desenrolaram os conflitos que definiam as opçtes políticas das coroas europeias,
expressas muitas vezes na guerra de corso.

Em 1434, ultrapassado o Bojador, o principal problema nno estava no avanço das viagens,
mas sim na forma de assegurar a exclusividade a partir daí, já que na área aquém deste limite
isso nno fora conseguido. Primeiro foi a concessno em 1443 ao infante D. Henrique do
controlo exclusivo das navegaçtes e o direito de fazer guerra a sul do mesmo cabo. Depois a
procura do beneplácito papal, na qualidade de autoridade suprema estabelecida pela "res
publica christiana" para tais situaçtes1.

A presença de estrangeiros, a partir deste momento, foi considerada um serviço ao referido


infante, como sucedeu com Cadamosto, António da Noli, Usodimare, Valarte e Martim
Behaim, ou uma forma de usurpar o domínio e afronta ao papado. Na última situaçno surgem

1...As bulas de Eugénio IV (1445), Nicolau V (1450 e 1452) preludiaram o que veio a ser definido pela célebre bula "Romanus Pontifex" de
8 de Janeiro de 1454 e "inter coetera" de 13 de Março de 1456. Nela se legitimava a posse exclusiva aos portugueses dos mares além do
Bojador pelo que a sua ultrapassagem para nacionais e estrangeiros só seria possível com a anuLncia do infante D.Henrique.
os castelhanos a partir da década de setenta, procurando intervir nas costa da Guiné como
forma de represália Bs pretenstes portuguesas pela posse das Canárias. Nno obstante as
medidas repressivas definidas em 1474 contra os intrusos no comércio da Guiné a presença
castelhana continuará a ser um problema de difícil soluçno, apenas alcançada com cedLncias
mútuas através do tratado exarado em 1479 em Alcáçovas e depois confirmado a 6 de Março
do ano seguinte em Toledo. A esta partilha do oceano, de acordo com os paralelos, sucedeu
mais tarde outra no sentido dos meridianos, provocada pela viagem de Colombo. O encontro
do navegador em Lisboa com D. Jono II, no regresso da primeira viagem, despoletou, de
imediato, o litígio diplomático, uma vez que o monarca portuguLs entendia estarem as terras
descobertas na sua área de domínio. O conflito só encontrou soluçno com novo tratado,
assinado em 7 de Julho de 1494 em Tordesilhas e ratificado pelo papa Júlio II em 24 de
Janeiro de 1505. A partir de entno ficou estabelecida uma nova linha divisória do oceano, a
trezentos e setenta léguas de Cabo Verde. Estavam definidos os limites do mar ibérico.

Para os demais povos europeus, habituados desde muito cedo Bs lides do mar, só lhes restava
uma reduzida franja do Atlântico, a norte, e o Mediterrâneo. Mas tudo isto seria verdade se
fosse atribuída força de lei internacional Bs bulas papais, o que na realidade nno sucedia. O
cisma do Ocidente, por um lado, e a desvinculaçno de algumas comunidades da alçada papal,
por outro, retiraram aos actos jurídicos a medieval plenitude "potestatis". Deste modo em
oposiçno a tal doutrina definidora do mare clausum antepte-se a do mare liberum, que teve
em Grócio o principal teorizador. A última visno da realidade oceânica norteou a intervençno
de franceses, holandeses e ingleses neste espaço2.

A guerra de corso teve uma incidLncia preferencial nos mares circunvizinhos do Estreito de
Gibraltar e ilhas, e levou ao domínio de múltiplos espaços de ambas as margens do Atlântico.
Em especial, podemos definir dois espaços de permanente intervençno destes: os Açores e a
Costa da Guiné e da Malagueta. Os ingleses iniciaram em 1497 as sucessivas incurstes no
oceano, ficando célebres as viagens de W. Hawkins (1530), John Hawkins (1562-1568) e
Francis Drake (1578, 1581-1588). Entretanto os franceses fixaram-se na América, primeiro
no Brasil (1530, 1555-1558), depois em San Lorenzo (1541) e Florida (1562-1565). Os
huguenotes de La Rochelle afirmaram-se como o terror dos mares, tendo assaltado em 1566 a
cidade do Funchal.

A última forma de combate ao exclusivismo do atlântico peninsular foi a que ganhou maior
adesno dos estados europeus no século XVI. A partir de princípios da centúria o principal
perigo para as caravelas nno resultou das condiçtes geo-climáticas, mas sim da presença de
intrusos, sempre disponíveis para assalta-las. Deste modo a navegaçno foi dificultada e as
rotas comerciais tiveram de ser adequadas a uma nova realidade: surgiu a necessidade de
artilha-las e uma armada para as comboiar até porto seguro. As insistentes reclamaçtes,
nomeadamente dos vizinhos de Santiago, levaram a coroa a estabelecer um conjunto de
armadas para protecçno e defesa das áreas e rotas de comércio: costa ocidental do reino, li-
toral algarvio, dos Açores, da costa e golfo da Guiné, do Brasil3..

Cedo os franceses começaram a infestar os mares circunvizinhos da Madeira (1550, 1566),


Açores (1543, 1552-53, 1572) e Cabo Verde, e depois seguiram-lhe o encalço os ingleses e
holandeses. Os primeiros fizeram incidir preferencialmente a sua acçno nos arquipélagos da

2.. Confronte-se Frei Serafim de Freitas, Do Justo Império Asiático dos Portugueses, vol.I, Lisboa, 1960.
3... Confronte-se Vitorino Magalhnes Godinho, "As incidLncias da pirataria e da concorrLncia na economia marítima portuguesa no século
XVI", in Ensaios II, Lisboa, 1978, pp. 186-200.
Madeira e Açores, patente na primeira metade do século XVI, pois em Cabo Verde apenas se
conhecem alguns assaltos em 1537-1538 e 1542. Os navegantes do norte escolhiam os mares
ocidentais ou a área do Golfo e costa da Guiné, tendo os mares circunvizinhos das ilhas de
Santiago e S. Tomé como o principal centro de operaçtes.

Nos arquipélagos de Cabo Verde e S. Tomé, ao perigo inicial dos castelhanos e franceses,
vieram juntar-se os ingleses e, fundamentalmente, os holandeses. Na década de sessenta o
corso inglLs era aí exercido por John Hawkins e John Lovell. É de salientar que os ingleses
nno macularam a Madeira, pois aí tinham uma importante comunidade residente e empenhada
no seu comércio. a sua acçno incidiu, preferencialmente, nos Açores (1538, 1561, 1565,
1572) e Cabo Verde.

A presença de corsários nos mares insulares deve ser articulada, por um lado, de acordo com
a importância que estas ilhas assumiram na navegaçno atlântica e, por outro, pelas riquezas
que as mesmas geraram, despertadores da cobiça destes estranhos. Mas se estas condiçtes
definem a incidLncia dos assaltos, os conflitos políticos entre as coroas europeias justificam-
nos B luz do direito da época. Deste modo na segunda metade do século XVI o afrontamento
entre as coroas peninsulares definiu a presença dos castelhanos na Madeira ou em Cabo
Verde, enquanto os conflitos entre as famílias régias europeias atribuíam a legitimidade
necessária a estas iniciativas, fazendo-as passar de mero roubo a acçno de represália: primeiro
foi, desde 1517, o conflito entre Carlos V de Espanha e Francisco I de França, depois os
problemas decorrentes da unino ibérica a partir de 1580. Esta última situaçno é uma dado
mais no afrontamento entre as coroas castelhana e inglesa despoletado a partir de 1557.

O período que decorre nas duas décadas finais do século XVI é marcado por inúmeros
esforços da diplomacia europeia no sentido de conseguir a soluçno para as presas do corso.
Para isso Portugal e França haviam acordado em 1548 a criaçno de dois tribunais de arbi-
tragem, cuja funçno era anular as autorizaçtes de represália e cartas de corso. Mas a sua
existLncia nno teve reflexos evidentes na acçno dos corsários. Note-se que é precisamente em
1566 que temos notícia do mais importante assalto francLs a um espaço portuguLs. Em
Outubro de 1566 Bertrand de Montluc ao comando de uma armada composta de trLs
embarcaçtes perpetrava um dos mais terríveis assaltos B vila Baleira e B cidade do Funchal.
Acontecimento parecido só o dos argelinos em 1616 no Porto Santo e Santa Maria, ou dos
holandeses em S. Tomé.

Uma das principais consequLncias do assalto francLs ao Funchal em 1566 foi o maior
empenho da coroa e autoridades locais nos problemas da defesa da ilha e, principalmente, da
sua cidade, que por estar cada vez mais rica e engalanada despertava a cobiça dos corsários.
O desleixo na arte de fortificar e organizar as hostes custou caro aos madeirenses e, por isso,
foi geral o desejo de defender a ilha. Reactivaram-se os planos e recomendaçtes anteriores no
sentido de definir uma eficaz defesa da cidade a qualquer ameaça. O regimento das
ordenanças do reino (1549) teve aplicaçno na ilha a partir de 1559, enquanto a fortificaçno
teve regimentos(1567 e 1572) e um novo mestre de obras, Mateus Fernandes.

Perante a incessante investida de corsários no mar e em terra firme houve necessidade de


definir uma estratégia de defesa adequada. No mar optou-se pelo necessário artilhamento das
embarcaçtes comerciais e pela criaçno de uma armada de defesa das naus em trânsito. Esta
ficou conhecida como a armada das ilhas, fixa nos Açores e que daí procedia ao
comboiamento das naus até porto seguro. Em terra foi o delinear de um incipiente linha de
defesa dos principais portos, ancoradouros e baías, capaz de travar o possível desembarque
destes intrusos.

O sistema de defesa costeiro surge neste contexto com a dupla finalidade: desmobilizar ou
barrar o caminho ao invasor e de refúgio para populaçtes e haveres. Por isso a norma foi a
construçno de fortalezas após uma ameaça e nunca de uma acçno preventiva, pelo que após
qualquer assalto de grandes proporçtes sucedia, quase sempre, uma campanha para fortificar
os portos e localidades e organizar as milícias e ordenanças.

É disso exemplo o assalto dos huguenotes B cidade do Funchal em 1566, que provocou de
imediato uma reacçno em cadeia das autoridades locais e da coroa na defesa do burgo. Na
verdade foi só a partir deste assalto que se pensou em organizar de forma adequada o sistema
defensivo da ilha. Primeiro foi a reorganizaçno das milícias (1549), vigias (1567) e
ordenanças(1570), depois o plano para fortificar da cidade do Funchal (1572) a cargo de
Mateus Fernandes. Isto repetiu-se nas demais ilhas, sem nunca se ter conseguido definir uma
estrutura defensiva eficaz. As ilhas tiveram sempre as portas abertas ao exterior, sujeitando-
se, por isso mesmo, B presença destes intrusos.

A instabilidade provocada pela permanente ameaça dos corsários, a partir do último quartel
do século XV, condicionou o delineamento de um plano de defesa do arquipélago, assente
numa linha de fortificaçno costeira e de um serviço de vigias e ordenanças. Até ao assalto de
1566 pouca ou nenhuma atençno foi dada a esta questno ficando a ilha a as suas gentes
entregues B sua sorte. Em termos de defesa este assalto teve o mérito de empenhar a coroa e
os locais na definiçno de um adequado plano de defesa. O assalto francLs de 1566 veio a
confirmar a ineficácia das fortificaçtes existentes e a reivindicar uma maior atençno por parte
das autoridades. Assim realmente aconteceu, pois pelo regimento de 15721 foi estabelecido
um plano de defesa a ser executado por Mateus Fernandes, fortificador e mestre de obras.
Daqui resultou o reforço do recinto abaluartado da fortaleza velha, a construçno de outra junto
ao pelourinho, um lanço de muralha entre as duas2 e do Castelo de S. Filipe do Pico (1582-
1637).

O espaço insular nno poderá considerar-se uma fortaleza inexpugnável, pois a disseminaçno
por ilhas, servidas de uma extensa orla costeira impossibilitou uma iniciativa concertada de
defesa. Qualquer das soluçtes que fosse encarada, para além de ser muito onerosa, nno
satisfazia uma necessária política de defesa. Perante isto ela era sempre protelada até que
surgissem ameaças capazes de impelir B sua concretizaçno. Na Madeira foi o assalto de 1566,
e nos Açores temor idLntico de assalto levou B sua definiçno nas ilhas Terceira e Faial.

O plano de defesa das ilhas açorianas começou a ser esboçado em meados do século dezasseis
por Bartolomeu Ferraz, como forma de resposta ao recrudescimento do corso, mas só teve
plena concretizaçno no último quartel da centúria. Bartolomeu Ferraz apresentou B coroa o
seu rastreio: as ilhas de S. Miguel, Terceira, S. Jorge, Faial e Pico estavam expostas a
qualquer eventualidade de corsários ou hereges; os portos e vilas clamavam por mais
adequadas condiçtes de segurança. Segundo ele os açorianos precisavam de estar preparados
para isso, pois "ome percebido meo combatido"3. Daí terá resultado a reorganizaçno do
sistema de defesa levado a cabo por D. Joäo III e D. Sebastiäo. Foram eles que reformularam

1.. Rui Carita, O regimento de fortificaçno de D. Sebastino(1572)..., Funchal, 1984.


2... Saudades da Terra, livro segundo, 109-110.
3. Arquivo dos Açores, Vol. V, 364-367 (1543); confronte-se Ibidem, vol. IV, 121-124 (sem data).
o sistema de vigilância e defesa através de novos regimentos. A construçno do castelo de S.
Brás em Ponta Delgada e, passados vinte anos, do castelo de S. Sebastino no Porto de Pipas
(em Angra) e de um baluarte na Horta, eis os resultados mais evidentes desta política.

Pior foi o estado em que permaneceram as ilhas da costa e golfo da Guiné pois as insistentes
acçtes de piratas e corsários nno foram suficientes para demover os insulares e autoridades a
avançar com um adequado sistema defensivo. Sno poucas as referLncias B defesa destas ilhas
mas o suficiente para atestar a sua precariedade. Ele resumia-se a pequenos baluartes, muitas
vezes sem qualquer utilidade.

Em S. Tomé começou a erguer-se a primeira fortaleza na Povoaçno com o capitno Álvaro


Caminha, que lhe chamava apenas torre, concluída com o seu sucessor Fernno de Melo. No
tempo de D. Sebastino, as constantes investidas de corsários franceses -ficou célebre o de
1567- levaram B construçno da fortaleza de Sno Sebastino, concluída em 1576 e reformulada
em 1596. Todavia tornou-se ineficaz no assalto holandLs de 1599 pelo que se ergueu outra de
apoio em Nossa Senhora da Graça.

Em Cabo Verde o empenho na defesa das povoaçtes e portos costeiros tardou uma vez que o
principal alvo dos corsários, nomeadamente franceses, estava no mar. Mais do que construir
fortalezas havia necessidade de limpar os mares e as rotas da presença destes intrusos. Para
isso, e correspondendo aos pedidos incessantes dos moradores, a coroa criou uma armada
para guarda e defesa do mar e costa. Além disso a petiçno dos moradores da Ribeira Grande
em 1542 apontava a necessidade de apetrechar o porto da cidade com um sistema de defesa
adequado. Os assaltos de Francis Drake a Santiago(1578 e 1585) levaram B construçno de
uma fortaleza na Ribeira Grande apoiada por um lanço de muralha, no período filipino.

AS ILHAS E FILIPE II: ESCALAS DO OCEANO

O Atlântico surge, a partir do século XV, como o principal espaço de circulaçno dos veleiros,
pelo que se definiu um intrincado liame de rotas de navegaçno e comércio que ligavam o
velho continente Bs costas africana e americana e as ilhas. Esta multiplicidade de rotas
resultou da complementaridade económica das áreas insulares e continentais e surge como
consequLncia das formas de aproveitamento económico aí adoptadas. Mas a isso deverno
juntar-se as condiçtes geofísicas do oceano, derivadas das correntes e ventos que delinearam
o traçado das rotas e os rumos das viagens.

Neste contexto a mais importante e duradoura de todas as rotas foi sem dúvida aquela que
ligava as Índias (ocidentais e orientais) ao velho continente. Ela galvanizou o empenho dos
monarcas, populaçtes ribeirinhas e acima de tudo os piratas e corsários, sendo expressa por
múltiplas escalas apoiadas nas ilhas que polvilhavam as costas ocidentais e orientais do mar:
primeiro as Canárias e a Madeira, depois Cabo Verde, Santa Helena e os Açores.

Nos trLs arquipélagos, definidos como Mediterrâneo Atlântico, a intervençno nas grandes
rotas faz-se a partir de algumas ilhas, sendo de referir a Madeira, Gran Canária, La Palma, La
Gomera, Tenerife, Lanzarote e Hierro, Santiago, Flores e Corvo, Terceira e S. Miguel. Para
cada arquipélago firmou-se uma ilha, servida por um bom porto de mar como o principal eixo
de actividade. No mundo insular portuguLs, por exemplo, evidenciaram-se, de forma diversa,
as ilhas da Madeira, Santiago e Terceira como os principais eixos.
As rotas portuguesas e castelhanas apresentavam um traçado diferente. Enquanto as primeiras
divergiam de Lisboa, as castelhanas partiam de Sevilha com destino Bs Antilhas, tendo como
pontos importantes do seu raio de acçno os arquipélagos das Canárias e Açores. Ambos os
centros de apoio apresentavam-se sob soberania distinta: o primeiro era castelhano desde o
século XV, enquanto o segundo portuguLs, o que nno facilitou muito o imprescindível apoio.
Mas por um lapso tempo (1585-1642) o território entrou na esfera de domínio castelhano,
sem que isso tivesse significado maior segurança para as armadas. Mas neste período
intensificaram-se as operaçtes de represália de franceses, ingleses e holandeses. As
expediçtes (tivemos em 1581 as de D. Pedro Valdés e D. Lope de Figueroa e depois as do
MarquLs de Santa Cruz, em 1582 e 1583) organizadas pela coroa espanhola na década de
oitenta com destino B Terceira tinham uma dupla missno: defender e comboiar as armadas das
Índias até porto seguro, em Lisboa ou Sevilha, e ocupar a ilha afim de aí instalar uma base de
apoio e defesa das rotas oceânicas.

A escala açoriana justificava-se mais por necessidade de protecçno das armadas do que por
necessidade de reabastecimento ou reparo das embarcaçtes. Era B entrada dos mares açoria-
nos, junto da ilha das Flores, que se reuniam os navios das armadas e se procedia ao comboia-
mento até porto seguro na península, furtando-os B cobiça dos corsários, que infestavam os
mares. A necessidade de garantir com eficácia tal apoio e defesa das armadas levou a coroa
portuguesa a criar, em data anterior a 1527, a Provedoria das Armadas, com sede na cidade de
Angra4.

Desde o início que a segurança das frotas foi uma das mais evidentes preocupaçtes para a
navegaçno atlântica, pelo que ambas as coroas peninsulares delinearam, em separado, o seu
plano de defesa e apoio aos navios. Em Portugal tivemos, primeiro, o regimento para as naus
da Índia nos Açores, promulgado em 1520, em que foram estabelecidas normas para impedir
que as mercadorias caíssem nas mnos da cobiça do contrabando e corso.

Cedo foi reconhecida a insuficiLncia destas iniciativas, optando-se por uma estrutura
institucional, com sede em Angra, capaz de coordenar todas as tarefas. A nomeaçno em 1527
de Pero Anes do Canto para provedor das armadas da Índia, Brasil e Guiné, marca o início da
viragem. Ao provedor competia a superintendLncia de toda a defesa, abastecimento e apoio Bs
embarcaçtes em escala ou de passagem pelos mares açorianos. Além disso estava sob as suas
ordens a armada das ilhas, criada expressamente para comboiar, desde as Flores até Lisboa,
todas aquelas provenientes do Brasil, Índia e Mina. No período de 1536 a 1556 há notícia do
envio de pelo menos doze armadas com esta missno.

Depois procurou-se garantir nos portos costeiros do arquipélago um ancoradouro seguro,


construindo-se as fortificaçtes necessários. Em 1543 Bartolomeu Ferraz traçou um plano de
defesa alargado a todo o arquipélago com tal objectivo. Os motivos disso sno claros: "porque
as ilhas Terceiras importarno muito assy pelo que per sy valem como por serem o valhacouto
e socorro muy principal das naos da Índia e os franceses serem tno desarrozoados que justo
vel injusto tomäo tudo que podem "5.

4. Confronte-se o nosso estudo sobre O Comércio inter-insular nos séculos XV e XVI, Funchal, 1987, 17-24.

5. Arquivo dos Açores, vol. V, 364-367.


Era esta estrutura de apoio que faltava aos castelhanos nesta área considerada crucial para a
navegaçno atlântica que os levou, muitas vezes, a solicitarem o apoio das autoridades
açorianas. Mas a ineficácia ou a necessidade de uma guarda e defesa mais actuante obrigou-
os a reorganizar a carreira, criando o sistema de frotas. Desde 1521 as frotas passaram a
usufruir de uma nova estrutura organizativa e defensiva. No começo foi o sistema de frotas
anuais artilhadas ou escoltadas por uma armada. Depois a partir de 1555 o estabelecimento de
duas frotas para o tráfico americano: Nueva Espana e Tierra Firme.

O activo protagonismo do arquipélago açoriano e, em especial, da ilha Terceira é referenciado


com certa frequLncia por roteiristas e marinheiros que nos deram conta das viagens ou os
literatos açorianos que presenciaram a realidade. Todos falam da importância do porto de
Angra que, no dizer de Gaspar Frutuoso, era "a escala do mar poente". Entretanto Pompeo
Arditi havia já reafirmado em 1567 a importância da terra terceirense para a navegaçno pare-
cendo-lhe "que Deus pte milagrosamente a ilha no meio de tno grande oceano para salvaçno
dos míseros navegantes, que muitas vezes lá chegam sem mastros nem velas, ou sem manti-
mentos e aí se fornecem de tudo"6. O P.e Luís Maldonado valoriza a importância desta funçno
do porto de Angra na vida da populaçno terceirense: "Estava a ilha Terceira the este tempo a
terra mais prospera em riquezas, e abundancias que encarecer se pode; porque como todos os
annos fosse demandada de flotas das Indias de Castella, e naos do Oriente, e outrosi de todos
os navios que vinhno das conquistas do Brazil, e Guiné, na qual se vinhno todos reforcejar, e
nella achavno abundancias de que dentro em vinte, e coatro horas tomavno tudo o de que
necessitavno, nadava verdadeiramente a ilha em rios de prata e ouro. Apenas que chegava
qualquer destas frotas, ou armadas quando imidiatamente concorrino á Ribeira do porto
d'Angra as gentes de toda a ilha, hums com as casas, outros com as aves, outros com as frutas,
outros com os gados, outros com panos de linho..."7.

A participaçno do arquipélago madeirense nas grandes rotas oceânicas foi esporádica, justifi-
cando-se a ausLncia pelo seu posicionamento marginal no seu traçado ideal. Mas a ilha nno
ficou alheia ao roteiro atlântico, evidenciando-se em alguns momentos como uma escala
importante para as viagens portuguesas com destino ao Brasil, Golfo da Guiné e Índia.
Inúmeras vezes a escala madeirense foi justificada mais pela necessidade de abastecer as
embarcaçtes de vinho para consumo a bordo do que pela falta de água ou víveres frescos.
Nno se esqueça que o vinho era um elemento fundamental da dieta de bordo, sendo
referenciado pelas suas qualidades na luta contra o escorbuto. Acresce ainda que este vinho
tinha a garantia de nno se deteriorar com o calor dos trópicos, antes pelo contrário ganhava
propriedades gustativas. Motivo idLntico conduziu B assídua presença dos ingleses, a partir de
finais do século dezasseis.

A proximidade da Madeira em relaçno aos portos do litoral peninsular associada Bs condiçtes


dos ventos e correntes marítimas foram os principais obstáculos B valorizaçno da ilha no
contexto das navegaçtes atlânticas. As Canárias, porque melhor posicionadas e distribuídas
por sete ilhas em latitudes diferentes, estavam em condiçtes de oferecer o adequado serviço
de apoio. Todavia a situaçno conturbada que aí se viveu, resultado da disputa pela sua posse
pelas duas coroas peninsulares e a demorada pacificaçno da populaçno indígena, fizeram com
que a Madeira surgisse no século XV como um dos principais eixos do domínio e navegaçno
portuguesa no Atlântico.

6 . "Viagem...", in Boletim do Instituto Histórico da Ilha Terceira, VI, Angra do Heroísmo, 1968, 179.

7.. Fénix Angrense, vol. I, Angra, 1989, 267.


Tal como nos refere Zurara a ilha foi desde 1445 o principal porto de escala para as
navegaçtes ao longo da costa africana. Mas o maior conhecimento dos mares, os avanços
tecnológicos e náuticos retiraram ao Funchal esta posiçno charneira nas navegaçtes atlân-
ticas, sendo substituído pelos portos das Canárias ou Cabo Verde. Assim, a partir de
princípios do século XVI, a Madeira surgirá apenas como um ponto de referLncia para a
navegaçno atlântica, uma escala ocasional para reparo e aprovisionamento de vinho. Apenas o
surto económico da ilha conseguirá atrair as atençtes das armadas, navegantes e aventureiros.
Deste modo poder-se-á concluir que as ilhas sno as portas de entrada e saída e por isso mesmo
protaganizaram um papel importante nas rotas atlânticas. Mas para sulcar longas distância
rumo ao Brasil, B costa africana ou ao Indico, era necessário dispor de mais portos de escala,
pois a viagem era longa e difícil.

As áreas comerciais da costa da Guiné e, depois, com a ultrapassagem do cabo da Boa


Esperança, as indicas tornaram indispensável a existLncia de escalas intermédias. Primeiro
Arguim, que serviu de feitoria e escala para a zona da Costa da Guiné, depois, com a
revelaçno de Cabo Verde, foi a ilha de Santiago que se afirmou como a principal escala da
rota de ida para os portugueses e podia muito bem substituir as Canárias ou a Madeira, o que
realmente aconteceu.

Outras mais ilhas foram reveladas e tiveram uma lugar proeminente no traçado das rotas. É o
caso de S. Tomé para a área de navegaçno do golfo da Guiné e de Santa Helena para as
caravelas da rota do Cabo. Também a forte projecçno dos arquipélagos de S. Tomé e Cabo
Verde sobre os espaços vizinhas da costa africana levou a coroa a criar duas feitorias
(Santiago e S. Tomé) como objectivo de controlar, a partir daí, todas as transacçtes comer-
ciais da costa africana. Desta forma no Atlântico sul as principais escalas das rotas do Índico
assentavam nos portos das ilhas de Santiago, Santa Helena e Ascensno. Aí as armadas
reabasteciam-se de água, lenha, mantimentos ou procediam a ligeiras reparaçtes. A par disso
releva-se, ainda, a de Santa Helena como escala de reagrupamento das frotas vindas da Índia
depois de ultrapassado o cabo: missno idLntica B dos Açores no final da travessia oceânica.

Para Santiago sno referenciados alguns testemunhos sobre a importância do porto da Ribeira
Grande como escala do oceano, sendo disso testemunho uma carta dos oficiais da câmara em
15128: "É grande escala para as naus e navios de Sua Alteza e assi para os navios de Sno
Tomé e ilha de Príncipe e para os navios que vno do Brasil e da Mina e todas partes de
Guiné, que quando aqui chegam perdidos e sem mantimento e gente aqui sno remediados de
todo o que lhe faz mester". Entretanto Gaspar Frutuoso havia referido isso, dizendo que por aí
"vno as naus de Espanha para as Indias de Castela e as de Portugal pera Angola, pera Guiné e
pera o Congo, como também B tornada, vLm deferir B ilha Terceira"9. Tenha-se em conta que
a rota das Indias de Castela havia sido traçada em 1498 por Cristóvno Colombo, que fez
escala em Santiago e Boavista com a finalidade de tomar gado vacuum para a colónia de
Hispaniola. Esta funçno da ilha de Santiago com escala do mar oceano foi efémera. A partir
da década de trinta do século XVI sno menos assíduas as escalas. O mar era já conhecido e as
embarcaçtes de maior calado permitiam viagens mais prolongadas. Apenas os náufragos dos
temporais aí aparecem B procura de refugio.

8 ..ANTT, Corpo Cronológico, I/12/23, 25 de Outubro, in História Geral de Cabo Verde. corpo documental, I, Lisboa, 1988, n? 71, 213-
214.

9... Ob. cit., livro primeiro, 183.


O posicionamento das ilhas no traçado das rotas de comércio e navegaçno atlântica fez com
que as coroas peninsulares dirigissem para aí todo o empenho nas iniciativas de apoio, defesa
e controlo do trato comercial. As ilhas foram assim os bastites avançados, suportes e
símbolos da hegemonia peninsular no Atlântico. A disputa pelas riquezas em circulaçno tinha
lugar em terra ou no mar circunvizinho, pois para aí incidiam os piratas e corsários, ávidos de
conseguir ainda que uma magra fatia do tesouro. Deste modo uma das maiores preocupaçtes
das autoridades terá sido a defesa dos navios. Mas no caso das ilhas da Guiné isso nunca foi
conseguido, tardando, ao contrário do que sucedeu na Madeira, Açores e Canárias, o
delineamento de um sistema defensivo em terra e no mar. Isto explica a extrema
vulnerabilidade destes portos, evidente nas inúmeras investidas inglesas e holandesas na
primeira metade do século XVII.

AS ILHAS E FILIPE II: A ECONOMIA ATLÂNTICA

Santa Maria foi a primeira ilha a ser lavrada, mas o espaço de cultura reduzido conduziu-a
para uma posiçno secundária, dando lugar B de S. Miguel, com uma área plana apropriada
para o incentivo das arroteias, nno obstante as dificuldades derivadas das erupçtes vulcânicas
e da sismicidade. Deste modo a ilha verde afirmou-se, ao longo dos século XVI e XVII, como
a principal área produtora de trigo do arquipélago.

A partir de finais do século XVI foi evidente a afirmaçno do arquipélago açoriano como
principal produtor de trigo no Atlântico. A economia cerealífera açoriana estava organizada
em torno de dois portos importantes (Angra e Ponta Delgada) que tinham B sua volta um
vasto hinterland, abrangendo as áreas agrícolas da ilha e das vizinhas. Assim a ilha de Santa
Maria estava colocada sob a alçada de S. Miguel e as restantes adjacentes ou dominadas pelo
porto de Angra. Note-se que até mesmo o comércio de cereal das Flores e Corvo se fazia a
partir de Angra, como sucedeu em 1602.

A ilha de S. Miguel, sendo a de maior extensno do arquipélago e a que oferecia melhores


condiçtes Bs arroteias, afirma-se, desde o início, como a principal produtora de cereal. Ele
crescia, lado a lado, com o pastel. Todo o espaço em torno da cidade, a área agrícola mais
importante da ilha, estava ocupado com as duas culturas. Frutuoso, em finais do século XVI,
confirma isso.

A cultura do cereal, nestas paragens, fazia-se no solo apropriado e numa faixa reduzida de
terreno, ficando as restantes cobertas de arvoredo a aguardar um melhor dimensionamento da
política das arroteias. Cedo o solo se esgotava, como resultado de um aproveitamento
intensivo, sem a necessária fertilizaçno do solo por meio dos estrume, tremoço ou pousio.
Assim sucedeu em S. Miguel a partir de princípios do século XVI, agravando-se em meados
do mesmo século. O nível de produtividade baixou para 6 ou 7:1, tornando-se necessário o
recurso ao tremoço e B fava como fertilizantes. Gaspar Frutuoso, escrevendo na década de
oitenta, salienta que o solo micaelense "agora nno responde com tanta abundância como
dantes", enquanto as Flores que "foram terras muito fertiles e grossas, mas já agora sno mui
fracas e lavadas dos ventos, e nno lhe aparece mais que a pedra"10. Em documento de 1557 a
Câmara de Angra referia "que as terras estavam fracas e produziam pouco"11.

A partir de meados do século XVI a cultura cerealífera sofreu uma forte quebra, motivada
pelo esgotamento do solo a que se associou depois a alforra. Esta conjuntura conduziu a
profundas mudanças na economia agrária açoriana de que se realça o alargamento da área
arroteada e as mudanças na estrutura agrícola. Assim tivemos o recurso ao sistema de
afolhamento bienal, o uso de fertilizantes do solo com o tremoço e fava e, ainda, o sistema de
rotaçno de culturas, primeiro com a batata e, depois, com o milho e inhames, no século XVII.

Em meados do século XVI o aparecimento da alforra veio agravar a situaçno. Assim no


inverno de 1552 todo o arquipélago padeceu de fome. As populaçtes de S. Miguel, Faial, S.
Jorge amotinou-se, manifestando-se contra a saída ilimitada de cereal do comércio e das
rendas régias e particulares para o reino. Em princípios do 1552 os vereadores contrariam os
planos de Afonso Capiquo, que vinha buscar o dinheiro das rendas, pois como referem
"nestas ilhas este anno aja muita necessidade de triguo e seja mais caro do que muitos
annos..."12.

Entretanto os moradores de S. Miguel queixavam-se ao monarca da actividade especulativa


dos senhorios que, procurando tirar maior lucro, o exportavam, ficando a ilha "em muita
necessidade e no inverno vem a valer muito e por lhe nno ir de fora falta Bs vezes". Deste
modo propuseram a Sua Majestade a obrigatoriedade de cada proprietário deixar na ilha 1/3
da colheita. Mas o alvará régio apenas determinou que fosse apenas 1/4.

Caso semelhante se passava na Praia (Terceira), onde a vereaçno dominada pelos grandes
produtores de trigo permitia a saída de 4000 moios e aumentava o seu preço, colocando os
moradores na miséria. Perante isto o corregedor ordenara o encerramento do porto e proibira
a saída de qualquer trigo, mas o município actuou junto do monarca tendo conseguido
legitimidade para a sua posiçno.

A conjuntura que se esboçou no período de 1570 a 1670 foi pautada por 25 anos de penúria e
teve reflexos mais evidentes na Terceira e S. Jorge. Na primeira o agravamento teve lugar a
partir da década de oitenta, mercL do assalto filipino. Deste modo até 1600 nunca foi atingida
a necessária estabilidade, pois que as épocas de penúria, sendo demoradas, sucediam-se com
um intervalo de 2 a 3 anos. Em S. Miguel apenas se registaram duas crises espaçadas de 11
anos (1562, 1573).

A divergLncia surge-nos como resultado de uma política de desenvolvimento, diversificada e


orientada por rumos, igualmente diversos, embora, complementares. A Terceira passou, a
partir da primeira metade do século XVI, a apresentar-se como o principal entreposto do
Atlântico. A cidade e porto de Angra atraíram todo o esforço terceirense. A populaçno
abandonou a dura labuta da terra para se dedicar ao comércio retalhista. Aliás poucas
soluçtes se deparavam a uma ilha como a Terceira, onde as arroteias nno eram abundantes

10. Saudades da Terra, livro quarto, vol. II, 17.


11. F.F.DRUMOND, Anais da ilha Terceira, vol I, 122.
12 . Maria Olímpia da Rocha GIL, O Arquipélago dos Açores no século XVII. Aspectos sócio-económicos (1575-1675), Castelo Branco,
1979, 284.
(Angra, S. Sebastino, Praia). Sno Miguel, ao contrário, oferecia uma vasta área de terreno
fértil e por desbravar.

É comum definir-se esta viragem na cultura cerealífera açoriana como resultado de uma
actuaçno do movimento demográfico insular. No entanto, se tivermos em conta os dados
demográficos para os anos de 1567 e 1578, podemos concluir que nno houve mudança
significativa no natural movimento ascendente. Apenas há a salientar um reajustamento da
geografia populacional quinhentista, com a dominância das áreas em franco desenvolvimento.
Assim sucedeu em S. Miguel com o espaço agrícola em torno do eixo de Ponta Delga-
da/Ribeira Grande e na Terceira com a cidade de Angra.

A deficiLncia cerealífera de algumas áreas do arquipélago açoriano devem-se


fundamentalmente a uma mudança na estrutura económica, a que nno foi alheio o seu
posicionamento na dinâmica económica do mundo colonial atlântico. As aliteraçtes mais
significativas ocorreram na Terceira com o sector de actividade dominante: o primário deu
lugar ao terciário. Em S. Miguel ele manteve a supremacia, relegando para segundo plano os
demais.
A partir de meados do século XVI, de acordo com o rumo definido por estas áreas, a
conjuntura cerealífera será assimétrica, demonstrativa desta viragem. Desde entno a Terceira
manter-se-á como uma ilha carente, que busca o provimento na Graciosa, em S. Jorge e,
mesmo, em S. Miguel, enquanto o solo micaelense se afirmará como área agrícola, por
excelLncia, onde se cultivava o pastel e o cereal. A última estava preparada para ser o
potencial celeiro do Atlântico europeu, tendo apenas a impedi-lo a cultura rendosa do pastel.
Deste modo a conjuntura cerealífera definida por Frédéric Mauro, entre 1570 e 1669 nno pte
em causa a teoria divulgada, de que os Açores foram o celeiro de Portugal e das praças de
África, antes confirma e reforça a nossa ideia de que ele se situava em S. Miguel.

Esta ilha era a principal produtora de cereal do arquipélago e, igualmente, a que oferecia
melhores condiçtes em termos de expansno e solo. A análise da conjuntura cerealífera, pelo
menos, o especifica. Na verdade, em S. Miguel as crises cerealíferas sno raras e espaçadas,
sendo na maioria curtas e resultantes de factores ocasionais, como as tempestades. Assim
sucedeu em 1573, em que um forte temporal destruiu todas as sementeiras. Ainda no século
XVI tivemos outra conjuntura de crise em 1591-1592 que obrigou B importaçno de cereais.
Ela foi descrita como resultado da concorrLncia do pastel, que tendia a substituir o trigo. O
que foi resolvido em favor do cereal uma vez que ele, embora considerado uma cultura de
inferior rentabilidade, era necessário, sendo um dos imperativos da coroa a sua persistLncia.
Em 1590 os pobres de S. Miguel, oriundos das áreas rurais revoltam-se contra a aristocracia e
burguesia de Ponta Delgada, Ribeira Grande, Vila Franca do Campo, forçando-as a pôr cobro
ao comércio e preço especulativo do pno.

Diferente foi o que sucedeu aos colonos portugueses quando chegaram a Santiago e S. Tomé
o P.e. Baltazar Barreira em 160613 tem opinino contrária. Deste modo houve necessidade de
estruturar de forma diversa o povoamento das ilhas e as culturas a implantar. O recurso aos
africanos, como escravos ou nno, foi a soluçno mais acertada para transpor o primeiro
obstáculo. Eles tinham uma alimentaçno diferente dos europeus, baseada no milho zaburro,
no arroz e inhame, culturas que aí, nas ilhas ou vizinha costa africana, medravam com fa-
cilidade. Perante isto os poucos europeus que aí se fixaram estiveram sempre dependentes do

13 . Monumenta Missionária Africana, IV, 45.


trigo, biscoito ou farinha, enviados das ilhas ou do reino, ou tiveram que se adaptar B dieta
africana.

A alimentaçno dos insulares nno se resumia apenas a estes dois produtos basilares da
economia, pois que a eles se poderiam juntar as leguminosas e as frutas, que participaram na
luta a favor da subsistLncia. A fruticultura e horticultura definem-se como componentes
importantes na economia de subsistLncia, sendo referenciadas com grande insistLncia por
Gaspar Frutuoso em finais do século XVI. As leguminosas e frutas, para além do uso no
consumo diário, eram também valorizados pelo provimento das naus que aportavam com as-
siduidade aos portos insulares. Esta última situaçno surge na Madeira e Açores mas também
em Cabo Verde (Santo Antäo e Santiago) e S. Tomé. Alguns viajantes testemunham-no,
podendo-se citar para Santiago o caso de André Álvares de Ornelas que em 1583 ficou
admirado com a presença de fruteiras e de a terra ser abastada14. A mesma ideia é expressa
pelo piloto anónimo (1607) para S. Tomé, que refere a existLncia de "muitas quintas e jardins
com diversidade de fructas"15.

Em S. Tomé os canaviais estendiam-se pelo norte e nordeste da ilha, fazendo lembrar,


segundo um testemunho de 1580, os campos alentejanos16. Um dos factos que contribuiu para
que ele se tornasse concorrencial do madeirense foi a elevada produtividade. Segundo
Jerónimo Munzer17 ela seria trLs vezes superior B madeirense. No começo só se produzia
melaço, que depois era levado a Lisboa para ser refinado, mas a partir de 1506 a ilha passou
também a fazer açúcar branco, tendo-se para o efeito construído o primeiro engenho18. O
Piloto Anónimo dá-nos conta também do modo como se processava a cultura na ilha de S.
Tomé. Aqui as canas levavam apenas cinco meses para amadurecerem, pelo que, sendo
"plantadas no mLs de Janeiro, cortam-nas em princípios de Junho".19.

A partir da década de sessenta começaram a surgir as primeiras dificuldades na safra


açucareira de S. Tomé. Primeiro o assalto dos corsários franceses em 1567 e depois a revolta
dos angolares em 1574 atingiram particularmente os engenhos. Passados alguns anos
redobraram as dificuldades com os assaltos dos holandeses (1595-1596 e 1641) e a revolta
dos Mocambos (1595-1596). A isto se poderá juntar a presença do bicho da cana (1621) e, a
partir de 1635, a falta de escravos para a safra devido B presença dos corsários holandeses nos
principais mercados negreiros. Note-se que só em 1641, quando da ocupaçno holandesa,
foram abandonados mais de sessenta engenhos, sendo os restantes queimados por estes ou
pelos angolares. Desta forma os invasores impediam a sua concorrLncia com o
pernambucano, que pretendiam controlar. A conjuntura teve reflexos evidentes na safra da
segunda metade do século, conduzindo a cultura para um estado de crise de que nunca se re-
abilitou.

A partir do último quartel do século dezasseis foi a concorrLncia desenfreada do açúcar brasi-
leiro que definiu uma acentuada quebra no período de 1595 a 1600. A esta conjuntura deverá
juntar-se a revolta dos escravos (1595), agravada pela destruiçno dos engenhos provocada

14 . A.T.MOTA, Dois Escritores Quinhentistas de Cabo Verde, Lisboa, 1971, 27.

15.. Estabelecimentos e Resgates Portugueses (...), Lisboa, 1881, 16.


16 . Isabel Castro HENRIQUES, "O ciclo do açúcar em S. Tomé nos séculos XV e XVI", in Portugal no Mundo, I, Lisboa, 1989, 271.
17...Monumenta Missionária Africana, IV, 1954, n? 6, 16-20.
18...O Manuscrito de Valentim Fernandes, Lisboa, 1940, 128.
19... Navegaçno de Lisboa B ilha de Sno Tomé escrita por um piloto anónimo, Lisboa, 1989, 25-29.
pelo saque holandLs. Na verdade este momento coincide com a plena afirmaçno do açúcar
brasileiro, cuja colheita continuava a subir em flecha, nas décadas posteriores.

A partir daí o arquipélago de Sno Tomé ficou a depender apenas do comércio de escravos e
da pouca colheita de mandioca e milho. Mas a crise do comércio de escravos a partir de
princípios do século dezanove fez com que se operasse uma mudança radical na economia.
Surgiram, entno, novas culturas (cacau, café, gengibre e azeite de palma) que proporcionaram
uma nova aposta agrícola.

Até ao século XVII com a introduçno do anil na Europa ele foi a principal planta da tinturaria
europeia, donde se extraia as cores preta e azul. A par disso a disponibilidade de outras
plantas tintureiras, como a urzela (donde se tirava um tom castanho-avermelhado) e o sangue
de drago, levaram ao aparecimento de italianos e flamengos, interessados no comércio, que
por sua vez nos legaram a nova planta tintureira: o pastel.

A exemplo do sucedido com o açúcar na Madeira, a coroa concedeu vários incentivos para a
promoçno da cultura, que com a incessante procura por parte dos mercados nórdicos, fizeram
avançar rapidamente o seu cultivo. Em 1589 Linschoten referia que "o negócio mais frequen-
te destas ilhas é o pastel" de que os camponeses faziam o " principal mister", sendo o
comércio "o principal proveito dos insulares20", enquanto em 1592 o governador de S. Miguel
atribuía a falta de pno B domínio quase exclusivo do solo pelo cultivo do pastel21.

Nos arquipélagos além do Bojador ignora-se a presença do pastel, nno obstante a importância
que aí assumiu a cultura do algodno e o consequente fabrico de panos. O clima, o desco-
nhecimento das técnicas de tinturaria, demonstrada na entrega da exploraçno da urzela aos
castelhanos Jono e PLro de Lugo, favoreceram esta conjuntura. Mas aqui a cultura do algodno
foi imposta pelos mercados costeiros africanos, carentes de fio para a industria tLxtil. No
decurso dos séculos XVI e XVII o algodno apresentou-se como primordial para a economia
caboverdeana, sendo o principal incentivo, ao lado do sal, para as trocas comerciais com a
costa africana, nomeadamente Casamansa e o rio de S. Domingos.

No sentido de defender este rico património estabeleceram-se regimentos em que se


regulamentava o corte de madeiras e lenhas, sendo os mais importantes de 151 e 1562. A ilha
que no início da ocupaçno havia atemorizado os povoadores pelo denso arvoredo era agora na
vertente sul uma escarpa em vias de desertificaçäo. Nno foi o inicial incLndio, que a tradiçno
diz ter durado quinze anos, o motivo desta situaçno, mas sim a incessante procura de lenhas
para o fabrico de açúcar.

A partir daqui estabeleceu-se uma especializaçno nos serviços prestados por cada área ou
porto. Angra foi a cidade do apoio B navegaçno intercontinental, Horta o centro de comércio
de vinho e Ponta Delgada o porto de comércio do cereal e pastel. O facto de na primeira ter
existido porto importante nos contactos intercontinentais levou ao estabelecimento de
serviços consulares para apoio das actividades legais e ilegais. Primeiro foram os franceses
(1609) depois os holandeses (1655) e, finalmente, os alemnes, suecos, dinamarqueses,
noruegueses, castelhanos, todos na década de oitenta do século dezassete.

20 . Ob. cit., 152-154.


21. Arquivo dos Açores, II, 130.
Pelos mesmos motivos os castelhanos, quando da unino dinástica, preocuparam-se com a
ocupaçno do arquipélago. Para eles isso seria a principal garantia para a segurança das suas
frotas que por aí passavam. Mas só o conseguiram, a muito custo depois de terem enfrentado
a resistLncia terceirense apoiada pelos ingleses e franceses, ambos interessados em manter um
porto de apoio para as incurstes no Atlântico. Mais a sul as feitorias de Santiago, Príncipe e
S. Tomé, para além de centralizarem o tráfico comercial em cada arquipélago, firmaram-se,
por algum tempo, como os principais entrepostos de comércio com o litoral africano.
Santiago manteve, até meados do século dezasseis, o controlo sobre o trato da costa da Guiné
e das ilhas do arquipélago com o exterior. E foi também o centro de redistribuirno dos
artefactos e mantimentos europeus e de escoamento do sal, chacinas, courama, panos e
algodno. Enquanto a primeira situaçno, com o evoluir da conjuntura económica, foi perdendo
importância, a segunda manteve-se por muito tempo, definindo uma trama complicada de
rotas entre as ilhas do arquipélago.

O comércio entre as ilhas dos trLs arquipélagos atlânticos resultava nno só da


complementaridade económica, definida pelas assimetrias propiciadas pela orografia e clima,
mas também da proximidade e assiduidade dos contactos. O intercâmbio de homens, produto
e técnicas, dominou o sistema de contactos entre os arquipélagos.

A Madeira, mercL da posiçno privilegiada entre os Açores e as Canárias e do parcial


alheamento das rotas indica e americana, apresentava melhores possibilidades para o
estabelecimento e manutençno deste tipo de intercâmbio. Os contactos com os Açores re-
sultaram da forte presença madeirense na ocupaçno e da necessidade de abastecimento em
cereais, que o arquipélago dos Açores era um dos principais produtores. Com as Canária as
imediatas ligaçtes foram resultado da presença de madeirenses, ao serviço do infante D.
Henrique, na disputa pela posse do arquipélago e da atracçno que elas exerceram sobre os
madeirenses. Tudo isto contrastava com as hostilidades açorianas B rota de abastecimento de
cereais B Madeira. Acresce, ainda, que o Funchal foi por muito tempo um porto de apoio aos
contactos entre as Canárias e o velho continente.

Os contactos assíduos entre os arquipélagos, evidenciados pela permanente corrente


emigratória, definem-se como uma constante do processo histórico dos arquipélagos, até ao
momento que o afrontamento político ou económico os veio separar. A última situaçno
emerge na segunda metade do século dezassete como resultado da concorrLncia do vinho
produzido, em simultâneo, nos trLs arquipélagos.

O trigo foi, sem dúvida, o principal móbil das conextes inter-insulares. Segundo os
testemunhos de Giulio Landi (1530) e Pompeo Arditi (1567) os cereais foram os principais
activadores e suportes do sistema de trocas entre a Madeira e os arquipélagos vizinhos, que,
por isso mesmo, foram considerados o celeiro madeirense. A rota de abastecimento de cereais
teve a sua máxima expressno em princípios do século dezasseis. A referLncia mais antiga ao
envio de trigo de Canárias para a Madeira data de 1504 para La Palma e 1506 para Tenerife,
enquanto a presença do açoriano só está documentada a partir de 1508, ano em que a coroa
definiu a obrigatoriedade do fornecimento B Madeira.

O comércio do cereal a partir das Canárias firmou-se através da regularidade dos contactos
com a Madeira, sendo apenas prejudicado pelos embargos temporários, enquanto dos Açores
foi imposto pela coroa, uma vez que a burguesia e aristocracia açorianas, nomeadamente de
S. Miguel, nno se mostravam interessadas em manter esta via. Todo o empenho dos açorianos
estava canalizado para o comércio especulativo com o reino ou dos contratos de fornecimento
das praças africanas. Desde 1521 o preço e a forma de transporte do cereal açoriano na
Madeira estavam sob o controlo do município. Deste modo era difícil a especulaçno por parte
dos rendeiros e mercadores micaelenses.

A garantia do abastecimento interno de cereais, que havia sido uma palavra de ordem no
início do povoamento da Madeira, nno resistiu ao assalto das culturas europeias para
exportaçno, que em pouco tempo invadiram quase todo o território arável. O arquipélago
composto apenas por duas ilhas, sendo uma delas de fracos recursos, tinha que assegurar,
necessariamente, o abastecimento fora, socorrendo-se para isso das ilhas vizinhas. Em 1546
dos doze mil moios consumidos apenas 1/3 foi produzido localmente, sendo o restante
importado das ilhas próximas ou da Europa.

Nos séculos XVI e XVII a oferta de cereal insular, das Canárias e dos Açores, representou
cerca de metade das entradas. Para o caso açoriano ele era quase todo proveniente de S.
Miguel e do Faial, enquanto nas Canárias se evidenciaram as ilhas de Lanzarote, Fuerte-
ventura e Tenerife.

A permanLncia desta rota de abastecimento de cereais implicou o alargamento das trocas


comerciais entre os trLs arquipélagos, uma vez que ao comércio do cereal se associaram
outros produtos, como contrapartida favorável Bs trocas. Aos Açores os madeirenses tinham
para oferecer o vinho, o açúcar, conservas, madeiras, eixos e aduelas de pipa, reexportaçno de
artefactos e outros produtos de menor importância. Para as Canárias a oferta alargava-se B
fruta verde, liaças de vime, sumagre e panos de estopa, burel ou liteiro.

As ilhas açorianas foram no começo um consumidor preferencial do vinho madeirense e


canário. Tudo isto pela necessidade de encontrar uma contrapartida rentável ao comércio de
cereais e pelo facto de o vinho que produziam ser de fraca qualidade. Pois o afamado vinho
do Pico afirmou-se apenas a partir da segunda metade do século dezassete. Para o ano de
1574 o vinho da Madeira desembarcado no porto de Ponta Delgada representava 42% das
importaçtes vinícolas, sendo o mais cotado no mercado micaelense. O mesmo sucedia em
Angra na segunda metade do século. No século dezassete o maior incremento da viticultura
das ilhas do grupo central e a crescente melhoria de qualidade contribuíram para a subalterni-
zaçäo do produto no sistema de trocas com a Madeira e as Canárias. Em finais da centúria o
produto continuava ainda a ser referenciado nas entradas da alfândega de Ponta Delgada.

O comércio entre a Madeira e as Canárias era muito anterior ao estabelecimento dos


primeiros contactos com os Açores. O relacionamento iniciara-se em meados do século
quinze, activado pela disponibilidade no arquipélago de escravos, carne, queijo e sebo. Mas a
insistLncia dos madeirenses nos contactos com as Canárias nno terá sido do agrado ao infante
D. Fernando, senhor da ilha, interessado em promover os contactos com os Açores. Apesar
disso eles continuaram e a rota adquiriu um lugar relevante nas relaçtes externas da ilha,
valendo-lhe para isso a disponibilidade de cereal e carne, que eram trocados por artefactos,
sumagre e escravos negros. Esta última e peculiar situaçno surge na primeira metade do
século dezassete, com certa evidLncia nos contactos entre a Madeira, Lanzarote e Fuerteve-
ntura.

Algo diferente sucedeu nos contactos comerciais entre os Açores e as Canárias, que nunca
assumiram a mesma importância das madeirenses. A pouca facilidade nas comunicaçtes, a
distância entre os dois arquipélagos e a dificuldade em encontrar os produtos justificativos de
intercâmbio fizeram com que estas trocas fossem sazonais. Só as crises cerealíferas do
arquipélago de Canárias fizeram com que o trigo açoriano aí chegasse em 1563 e 1582. Por
vezes a permuta fazia-se a partir da Madeira, como sucedeu em 1521 e 1573. A contrapartida
de Canárias para este comércio baseava-se no vinho, tecidos europeus e o breu. Para o século
dezassete, os registos da alfândega de Ponta Delgada, entre 1620 e 1694, atestam um
incentivo dos contactos comerciais com este destino, pois o número de entradas e saídas
encontrava-se em segundo lugar, seguido pela Madeira.

A outro nível estavam as relaçtes inter-insulares com os arquipélagos além do Bojador.


Primeiro as dificuldades na ocupaçno só conduziram ao imediato e pleno povoamento de uma
ilha em cada área -- Santiago e S. Tomé --, que passou a actuar como principal eixo do trato
interno e externo. Depois o aproveitamento económico nno foi uniforme e de acordo com as
solicitaçtes do mercado insular aquém do Bojador, assumindo, por vezes, como sucede com
S. Tomé uma posiçno concorrencial. Por fim registe-se que estes espaços existiam mais para
satisfazer as necessidades do vizinho litoral africano do que pela sua importância económica
interna.

Do relacionamento dos dois arquipélagos com os do Mediterrâneo Atlântico é evidente o


empenho dos últimos no tráfico negreiro, com maior evidLncia para os madeirenses e
canarios. Os madeirenses que aí aparecem foram favorecidos pelo comprometimento com as
viagens de exploraçno e comércio ao longo da costa africana e da presença, ainda que
temporária, do porto do Funchal no traçado das rotas. Ao invés, os Açores mantiveram-se
por muito tempo como portos receptores das caravelas que faziam a rota de retorno ao velho
continente.

A posiçno privilegiada da Madeira e Canárias, a insistente procura de mno-de-obra para o


arroteamento das diversas clareiras entretanto abertas, geraram um desvio da rota do
comércio dos escravos, surgindo o Funchal e Las Palmas como dois importantes eixos do
tráfico E assim se mantiveram até B plena afirmaçno das rotas americanas. Por outro lado o
relacionamento das ilhas africanas com o Mediterrâneo Atlântico foi facilitado pelos benefí-
cios fiscais atribuídos pela coroa em 1507. E sabemos, por pedido dos moradores de Santiago,
que a contrapartida comercial se baseava no fornecimento de cereal: primeiro da Madeira,
depois dos Açores. Entretanto no que se refere B Madeira a coroa concedeu em 1562 e 1567
facilidades aos madeirenses para o comércio de escravos de Cabo Verde e Rios de Guiné,
como forma de suprir a crise açucareira, o que deverá ter contribuído para um aumento dos
contactos.

A comunidade madeirense residente em Santiago deveria ser numerosa a atestar pelos


testamentos que chegaram B nossa mno. Destes merece referLncia especial Francisco Dias,
morador na Ribeira Grande que, pelo testamento de 159922, é apresentando como um dos
mais importante mercadores de escravos, empenhados no tráfico com a Madeira e Antilhas. O
mesmo se poderá dizer quanto aos açorianos, embora referenciados em menor escala. A
permuta baseava-se pelo lado africano em escravos, a que se vieram juntar os produtos da
terra, como o algodno, milho, cuscuz, chacinas, courama e sal, recebidos a troco de vinho,
cereais e artefactos.

As Canárias mantiveram, também, um relacionamento preferencial com Cabo Verde.


Primeiro foi o comércio da urzela, depois os contactos assíduos para trocar o vinho por

22 . Arquivo Regional da Madeira, Misericórdia do Funchal, n1 684, fólios 785-790v?.


escravos, que conduziam Bs Antilhas ou de regresso Bs ilhas. Esta situaçno perdurou nos sécu-
los XVI e XVII, tendo-se iniciado, segundo M. Lobo Cabrera a partir de 152423

Os contactos com as ilhas do golfo da Guiné eram exíguos, uma vez que elas estiveram por
muito tempo aquém dos interesses das gentes do Mediterrâneo Atlântico. Na verdade se
retiramos a eventual presença de madeirenses para transmitir os segredos da cultura
açucareira, este aparecimento é tardio e rege-se pela necessidade de capturar escravos nas
costas vizinhas, situaçno comum também com as Canárias. A malagueta, pimenta e marfim
nno eram produtos capazes de despertarem o interesse das gentes insulares e, além disso,
tinha como destino obrigatório a Casa da Mina em Lisboa. Deste modo a referLncia ao
carregamento de um navio com algodno e açúcar em 1542 com destino aos Açores é esporá-
dica24.

Tal como o referimos, mas nunca é demais repeti-lo, o posicionamento periférico do mundo
insular condicionou a subjugaçno do seu comércio aos interesses hegemónicos do velho
continente. Os europeus foram os cabouqueiros, responsáveis pela transmigraçno agrícola,
mas também os primeiros a usufruir da qualidade dos produtos lançados B terra e a desfrutar
dos elevados réditos que o comércio propiciou. Daí resultou a total dependLncia dos espaços
insulares ao velho continente, sendo a vivLncia económica moldada de acordo com as
necessidades, que, por vezes, se apresentavam estranhas. Por isso é evidente a preferencia do
velho continente nos contactos com o exterior dos arquipélagos. Só depois surgiram as ilhas
vizinhas e os continentes africano e americano.

Do velho rincno de origem vieram os produtos e instrumentos necessários para a abertura das
arroteias, mas também as directrizes institucionais e comerciais que os materializaram. O
usufruto das possibilidades de um relacionamento com outras áreas continentais, no caso do
Mediterrâneo Atlântico, foi consequLncia de um aproveitamento vantajoso da posiçno
geográfica e em alguns casos uma tentativa de fuga B omnipresente rota europeia. Neste
contexto tornou-se mais evidente a presença dos arquipélagos das Canárias, Açores, Cabo
Verde e S. Tomé, ainda que por motivos diferentes, da Madeira.

O arquipélago canário, mercL da posiçno e condiçtes específicas criadas após a conquista, foi
dos trLs o que tirou maior partido do comércio com o Novo Mundo. A proximidade ao
continente africano, bem como o posicionamento correcto nas rotas atlânticas, permitiram-lhe
a intervir no trafico intercontinental.

Para os Açores, o facto de as ilhas estarem situados na recta final das grandes rotas oceânicas
possibilitou-lhes algum proveito com a prestaçno de inúmeros serviços de apoio e do eventual
contrabando. Fora disso encontrava-se a Madeira, a partir de finais do século XV. Por muito
tempo este comércio foi apenas uma miragem. E só se tornou uma realidade quando o vinho
começou a ser o preferido das gentes que embarcaram na aventura indica ou americana.
Perante isto o vinho madeirense afirmar-se-á em pleno a partir da segunda metade do século
dezassete.

23.Manuel Lobo Cabrera," Relaciones entre Gran Canaria Africa y América a través de la trata de negros", in II Colóquio de Historia
Canario Americana, Las Palmas, 1977, 77-91; idem, La esclavitud en las Canarias orientales en el siglo XVI. negros, moros y moriscos, Las
Palmas, 1979, 104-110; Elisa TORRES SANTANA, "El comércio de Gran Canaria con Cabo Verde a principios del siglo XVII", in II
Coloquio Internacional de História da Madeira, Funchal, 1990, 761-778.
24 . V. RAU, Estudos sobre História do Sal PortuguLs, Lisboa, 1989, 217.
Rumos diferentes tiveram os arquipélagos de S. Tomé e Príncipe e Cabo Verde: a
proximidade da costa africana e a permanente actividade comercial definiram a inegável
vinculaçäo ao continente africano. Por muito tempo os dois arquipélagos pouco mais foram
do que portos de ligaçno entre a América ou a Europa e as feitorias da costa africana. Num e
noutro caso o avanço do povoamento ficou dependente das facilidades concedidas ao
comércio: em 1466 para Cabo Verde se dizia que estes só iam viver "com mui grandes liber-
dades e franquezas e despesa sua"25; no foral dado em 1485 a S. Tomé o privilégio do
comércio com a área costeira surgia como recompensa "do trabalho a que se despoem, em
haverem de hyr viver em a dita ylha"26; em 1500 na doaçno da alcaidaria da ilha de Príncipe a
António Carneiro é referido o resgate na Guiné a sul do rio Real. Note-se que noutra carta de
privilégios do mesmo ano o mesmo António Carneiro, secretário do rei, recebe a mercL do
resgate da malagueta, pimenta e outras especiarias "dos nossos rios e tratos de Guiné" por dez
anos27.

As facilidades concedidas ao comércio com a costa africana degeneraram em problemas para


a Fazenda Real, pelo que a coroa se viu forçada a tomar medidas restritivas ao comércio dos
naturais, com reflexos evidentes na evoluçno económica das ilhas que dele dependiam. As
primeiras dificuldades começaram com o contrato de Fernäo Gomes de 1469, que retirava aos
cabo-verdianos o usufruto de uma importante fatia da costa. TrLs anos depois surgiram as pri-
meiras dificuldades a esta actividade comercial, que tiveram continuidade no século seguinte.
A resposta nno se fez esperar. Os cabo-verdianos primeiro questionaram as limitaçtes
impostas, referindo que era a partir do comércio de escravos que se abasteciam de bens
alimentares e artefactos de outras ilhas ou da Europa. Depois acusaram os rendeiros da coroa
de serem os principais responsáveis da situaçno a que se havia chegado28 (50). A coroa, no
entanto, insistiu com as mesmas ordens e só em 1521 acedeu, consignando no regimento do
feitor do trato de Santiago os privilégios de 147229.

O comércio insular com a Europa definia-se por uma multiplicidade de produtos, agentes,
rotas e mercados. Neste aspecto a península ibérica apresentar-se-á como o principal mercado
consumidor ou redistribuidor para as principais praças europeias. Nno obstante persistir uma
tendLncia centralizadora nos portos de Lisboa e Sevilha, o certo é que a sua expressno real,
nomeadamente, no caso portuguLs foi muito mais ampla, abrangendo os principais portos de
comércio a sul (Lagos e Silves) e a norte do país (Caminha, Viana, Porto e Vila do Conde).

Nos primeiros decénios a presença de mercadores estrangeiros, empenhados no comércio dos


produtos insulares portugueses, estava limitada B cidade de Lisboa, mercL das dificuldades
impostas no início do século XV B intervençno directa nos mercados produtores. Mas isto nno
poderia manter-se por muito mais tempo e cedo apareceram os primeiros estrangeiros
avizinhados ou com licença para fazer comércio e fixar residLncia. Depois abriram-se-lhes as
portas, como forma de promover o comercio excedentário do açúcar. Mesmo assim a troca
esteve, por muito tempo, sujeita a inúmeros impedimentos que impediam a livre circulaçno
dos agentes e da mercadoria.

25 História Geral de Cabo Verde - Corpo Documental, n1 4, 19/22, 12 de Junho de 1466.

26. Monumenta Missionaria Africana, XIV, 3/7.


27.ANTT, Chancelaria de D. Manuel I, l1.21, fl.18v?, 22 de Março.
28 . Ibidem, n1 76, 209-211, 24 de Outubro de 1512; n1 77, 213-214, 25 de Outubro de 1522.
29 Ibidem, n1 6, 25/28, 8 de Fevereiro de 1472.
No início do povoamento dos Açores a colheita de cereais dava para satisfazer as
necessidades do arquipélago e sobravam alguns excedentes que eram conduzidos a Lisboa. A
saída de cereal para este destino foi reivindicada em 1473 e 1490 pelos moradores da cidade.
Tal reclamaçno evidencia a competitividade que assumia o cereal açoriano nas últimas
décadas do século XV, mercL do aparecimento de novos destinos como a Madeira e praças do
norte de África. Estava, deste modo, encontrado o celeiro substitutivo da Madeira, capaz de a
abastecer a Madeira e de substitui-la nesta funçno com Lisboa e praças africanas. Os
excedentes assim o permitiam, pelo que o cereal se afirmou como o primeiro e mais impor-
tante produto deste relacionamento comercial.

O comércio do cereal açoriano alicerçou-se, primeiro no provimento do reino , depois no


obrigatório abastecimento da Madeira e praças africanas. A rota para o reino foi estabelecida
como uma necessidade decorrente da promoçno da cultura em solo insular, enquanto o
segundo rumo foi traçado pela política económica traçada para o espaço insular. O último
destino foi imposto pela coroa.

O mercado do reino foi o primeiro consumidor de trigo açoriano mas nno o único nem o
principal destino do trigo ilhéu, pois que em lugar cimeiro e reservado estavam as praças
portuguesas do Norte de África. O movimento de trigo açoriano para elas fazia-se sob o
controlo régio por meio de assentistas que em Lisboa recebiam o contrato de fornecimento e
daí enviavam os respectivos navios a carregar o trigo arrecadado.

Este comércio beneficiava de privilégios estabelecidos por ordens régias, sendo considerado
como prioritário nas transacçtes cerealíferas açorianas: todo o trato de trigo no arquipélago,
nomeadamente, em S. Miguel e Terceira, deveria fazer-se "sem prejuízo dos lugares de
África". Deste modo no início da colheita procedia-se B arrecadaçno do referido trigo,
avaliado entre 2.000 e 3.000 moios. Além disso o contratador ou o procurador tinha a priori-
dade na compra do cereal, pelo que a livre saída de trigo só teria lugar após o acautelamento
do "saco para África". Mas esta ordem causava prejuízo aos agricultores, caso tardasse o
envio da remessa. A câmara de Ponta Delgada recomendava em 1644 aos contratadores do
dito trigo que fizessem a compra até Agosto, caso contrário ela nno se responsabilizava por
quaisquer dificuldades no cumprimento do contrato. Estas medidas eram o corolário de um
sucedâneo de situaçtes que impossibilitavam o arquipélago de atender aos seus
compromissos e de assegurar o abastecimento interno.

A violLncia com que a coroa impunha a rota, coibindo o mercador de executar as trocas
comerciais correntes ou retardando-as; o tom discricionário dos regimentos e
recomendaçtes, tendo a desfaçatez de afrontar a requisiçno dos navios e carros necessários ao
transporte e carregamento do referido trigo. E, por fim, a constante presença do administrador
para o provimento das praças, criaram dificuldades nas relaçtes de troca no mercado
cerealífero açoriano.

O arquipélago estava condenado a manter o cereal sob rigoroso controlo, que abrangia a
produçno e comércio. O senhorio (rei, capitno, donatário, terratenente), o contratador desde
Lisboa controlava todos os circuitos do mercado insular, ditando as normas que regiam as
trocas. Se tivermos em conta as necessidades do consumo local, o "saco de trigo" para as
praças de África e a Madeira, pouco trigo sobejava para o comércio.

O grande mercador de cereal criou fortuna no provimento das praças norte-africanas, como
contratador, intermediário dos senhorios (como sucede com o Conde de Vila Franca) ou o
recurso ao contrabando e especulaçno possíveis. Os mais importantes mercadores locais
surgem como representantes dos assentistas. tenha-se em conta o caso de Manuel Alvares
Senra, que foi procurador de Álvaro Fernandes de Elvas, contratador do fornecimento de
Tânger (1636), enquanto Guilherme Chamberlin representou Pedro Alves Cabral e Manuel da
Costa Braga.

De um modo geral os assentistas eram originários do reino e aí recebiam o regimento régio


para concretizar o referido contrato, fretando as caravelas necessárias ao carregamento do
cereal em Ponta Delgada ou em Angra. No século XVI nno há qualquer referLncia a
procuradores ou administradores do dito provimento. Eles só aparecem a partir de meados do
século XVII. Em alguns momentos o abastecimento fez-se de modo diverso, quer sob a
responsabilidade do feitor régio nos Açores, o provedor e contador da fazenda, quer por
iniciativa de particulares, fora deste sistema.

Os contactos entre a Madeira e o reino eram constantes e faziam-se com maior frequLncia a
partir dos portos de Lisboa, Viana e Caminha. Os portos do norte mantiveram uma acçno
muito importante no período de apogeu da safra açucareira, uma vez que os marinheiros e
mercadores daí oriundos controlavam uma parte importante do tráfico comercial, sendo eles
que abasteciam a ilha de carne e panos, levando em troca o açúcar para os mercados nórdicos.

A Madeira tinha para oferecer ao mercador do reino um grupo restrito de produtos, mas capaz
de cativar o seu interesse. No começo foram as madeiras, o sangue de drago e os excedentes
da produçno cerealífera, depois o açúcar que fez redobrar a oferta e, finalmente, o vinho,
exportado para Lisboa, muitas vezes, com a finalidade de abastecer as naus das rotas do
Brasil ou outros destinos.

A ilha recebia em troca da limitada mas rica oferta um conjunto variado de produtos, de que
se destacam as manufacturas imprescindíveis ao uso e consumo quotidianos: louça, telha de
Setúbal, Lisboa e Porto, panos, azeite e carne do norte. Além disso o porto do Funchal
actuava, muitas vezes, como intermediário entre os portos do reino e as feitorias africanas,
sendo de referir o comércio de peles, escravos e algodno de Cabo Verde.

No início do povoamento da Madeira o produto que de imediato cativou a atençno dos


portugueses foi aquele que deu nome B ilha, isto é as madeiras. Estas eram de alta qualidade
tendo usos múltiplos na ilha e fora dela. Muitas foram exportadas para o reino e também para
as praças africanas (Mogador e Safim) e portos europeus (Runo). Tal como nos elucidam os
cronistas estas madeiras revolucionaram o sistema de construçno civil e naval no reino .

O comércio açoriano com os portos do reino regia-se pelos mesmos princípios e solicitaçtes
do madeirense, apenas se alteravam os produtos oferecidos como contrapartida. Enquanto a
Madeira tinha para oferecer um produto por época, sendo a partir de determinado momento, o
açúcar, os Açores apresentavam uma oferta variada e mais vantajosa: cereais, pastel e gado.
Também aqui os portos do norte do país, nomeadamente, da regino de Entre-Douro-e-Minho,
estavam em primeiro lugar. Eram eles que abasteciam os Açores de azeite, sal, louças, panos
e mais artefactos, recebendo em troca trigo, carne, couros e pastel.

A trama de relaçtes com o velho continente nno se resumia apenas aos portos reinóis, uma
vez que as culturas locais cativaram o interesse dos mercados mediterrâneos e nórdicos:
primeiro a urzela e outras plantas tintureiras como o sangue de drago e o pastel, depois o
açúcar e o vinho, foram produtos que estiveram na mira dos mercadores estrangeiros. A par
disso o reino nno dispunha de todos os artefactos solicitados pelas gentes insulares, cada vez
mais exigentes na sua qualidade. As riquezas acumuladas com este comércio apelavam para
um luxo ostensivo no ornamento da casa, que só poderia ser conseguido nas praças de Ypres,
Runo e Londres.

A opulLncia da aristocracia madeirense e açoriana estava bem patente no recurso


desnecessário a artefactos de luxo, testemunhado por Gaspar Frutuoso em finais do século
dezasseis. A origem disso era clara: no Funchal os proventos do açúcar, em Ponta Delgada do
pastel. Esta circunstância condicionou inevitavelmente a presença de mercadores oriundos
das praças europeias. Oferecia-se o açúcar, o pastel e urzela, o algodno e escravos, recebendo-
se em troca panos, por vezes, cereais, peixe seco e salgado.

O comércio açoriano estava orientado quase que exclusivamente para os centros tLxteis do
norte, destacando-se aí as ilhas britânicas e os agentes comerciais, que no século dezassete
assumem uma posiçno hegemónica no porto de Ponta Delgada. Nos registos avulsos de saída
e entrada do porto, para o período de 1620 a 1694, mais de metade das embarcaçtes eram
inglesas, sendo na maioria de e para Inglaterra. Note-se que o inglLs ignorou as proibiçtes
impostas B sua presença pela coroa em finais do século XVI. A sua forte presença na ilha e o
recurso ao pavilhno de nacionalidades autorizadas possibilitaram que esta via comercial se
mantivesse aberta.

O madeirense, ao inverso do açoriano, nestes séculos XV e XVI estava orientado para o


tradicional mercado Mediterrâneo, tendo como principal aposta o açúcar. Neste caso surgem
trLs áreas: as praças espanholas de Sevilha, ValLncia e Barcelona, as cidades italianas
(Génova, Veneza e Livorno) e os portos do Mediterrâneo Oriental (Chios e Constantinopla).
As primeiras foram imprescindíveis para este comércio, funcionando como praças de
redistribuiçäo para o mercado levantino.
O comércio do açúcar surge no mercado madeirense como o principal animador das trocas,
no decurso dos séculos XV e XVI, com o mercado europeu. Durante mais de um século a
riqueza das gentes e a contrapartida para o suprimento de bens alimentares e artefactos. O
seu regime de comércio é definido por Vitorino Magalhnes Godinho30 "entre a liberdade
fortemente restringida pela intervençno quer da coroa quer dos poderosos capitalistas, de um lado, e o
monopólio". Deste modo o comércio do açúcar só se manteve em regime livre até 1469, altura em que a quebra
do preço condicionou a acçno do senhorio, que estipula o exclusivo aos mercadores de Lisboa. Esta política de
controle e monopólio do comercio nno contou com o apoio dos madeirenses que sempre manifestaram a sua opi-
nino contraria. Todavia ela havia de persistir até 1508, altura em que foi revogada toda a legislaçno comercial,
restritiva da livre intervençno de madeirenses e estrangeiros. Em 1498 no sentido de controlar esse comércio
estabeleceu-se como limite de exportaçno 120.000 arrobas, divididas pelas principais mercados do Mediterrâneo
e norte da Europa. Pensámos que este estabelecimento das escápulas em 1498 deveria definir com precisno o
mercado consumidor do açúcar madeirense, que se circunscrevia a trLs áreas distintas: o reino, a Europa nórdica
e mediterrânea. As praças do norte dominavam esse movimento, recebendo mais de metade do açúcar. Aí
evidenciam-se as praças circunscritas B Flandres, enquanto no Mediterrâneo a posiçno cimeira P atribuída a
Veneza conjuntamente com as praças levantinas de Chios e Constantinopla.

Se compararmos os valores desta escápula com os dados referentes ao açúcar saído da ilha entre 1490 e 1550
nota-se uma similitude nos mercados. A diferença mais significativa surge com as cidades italianas, que surge
com uma posiçno dominante neste comércio. Todavia ela poderá resultar de os italianos dominaram mais de 2/3
do comércio de todo esse açúcar, actuando os portos e cidades italianos como centros de redistribuiçno. A parte
isso é bastante evidente a posiçno hegemónica dos mercadores oriundos das diferentes cidades italianas, neste
comércio com 78% do açúcar movimentado. A partir dos dados compilados na documentaçno podemos concluir

30 .Ob.cit., vol.IV, 87
pela constância dos mercados italiano e flamengo. A isto acresce os portos do reino, nomeadamente de Lisboa e
Viana do Castelo,, que surge em terceiro lugar, com 10%.

A partir da segunda metade do século a concorrLncia do açúcar americano retirou B Madeira esta situaçno
preferencial no mercado europeu. Todavia o açúcar, ou seus derivados, como as conservas e casca, continuaram
a activar um activo movimento com estes mercados. Para isso usava-se o pouco açúcar produzido na ilha ou
entno o importado do Brasil. Neste momento é pouco o açúcar exportado, mas abundante os produtos dele
derivados. Estamos na época do comércio de casca e de conservas.

Ao açúcar juntaram-se depois as madeiras (nomeadamente de vinhático e cedro), a urzela, o pastel, o couro e os
escravos, que se trocavam por panos, trigo e objectos de luxo.

O comércio das ilhas com o litoral africano, exceptuando o caso de Cabo Verde e S. Tomé, fazia-se com maior
assiduidade a partir das Canárias do que da Madeira ou dos Açores. Mesmo assim a Madeira, mercL da posiçno
charneira no traçado das rotas quatrocentistas, teve aí um papel relevante. Os madeirenses participaram
activamente nas viagens de exploraçno geográfica e comércio no litoral africano, surgindo o Funchal, nas
últimas décadas do século XV, como um importante entreposto para o comércio de dentes de elefante. Além
disso a iniciativa madeirense bifurcou-se. Dum lado as praças marroquinas a quem a ilha passará a fornecer os
homens para a defesa, os materiais para o construçno das fortalezas e os cereais para sustento dos homens aí
aquartelados. Do outro a área dos Rios e Golfo da Guiné, onde se abastecia de escravos, tno necessários que
eram para assegurar a força de trabalho na safra do açúcar.

O açoriano ficou afastado destas áreas pelas dificuldades de acesso e também forma de exploraçno económica a
que foram sujeitas, que o faziam prescindir dos produtos oferecidos pelo trato da zona. A maior assiduidade dos
contacto com o continente africano fez-se por necessidade de abastecer as praças do Norte de África e mesmo a
área da costa da Guiné de cereal, substituindo a Madeira a partir de finais do século XV. Mesmo aqui o abasteci-
mento fazia-se, muitas vezes, a partir da Madeira.

Os contactos de Cabo Verde ou S. Tomé com o reino e portos europeus eram também assíduos nas primeiras
centúrias da ocupaçno, dependendo a frequLncia do traçado das rotas oceânicas e da disponibilidade de produtos.
Assim, no caso de S. Tomé a presença da cultura açucareira no século dezasseis activou as relaçtes com o reino
e os principais mercados do norte da Europa. Mas a oferta nno se resumia apenas a este produto, pois que os
navios transportavam também algodno (de Ano Bom), especiarias (gengibre, malagueta, pimenta e canela),
31
marfim, pau da Guiné e Brasil . Em Cabo Verde o mesmo conjunto de produtos, a que se poderá juntar o ouro,
âmbar e urzela, activou, no início, os contactos com o reino. Todavia, o aparecimento de um novo e promissor
mercado para o comércio de escravos a Ocidente veio mais tarde a monopolizar todos os interesses.

Os contactos das ilhas de Cabo Verde e S. Tomé com a Europa nno foram tno evidentes como os que
mantiveram com a costa africana ou americana. Todavia, a disponibilidade de alguns produtos (açúcar, escravos,
algodno, carne, couros, urzela), solicitados pelo mercado europeu, levou B existLncia de rotas permanentes com
as principais praças europeias. Para a Flandres, directamente ou por via dos portos do reino, exportava-se o
açúcar de S. Tomé, as madeiras, marfim e especiarias africanas(pimenta e malagueta), o algodno de Santiago.
Nos contactos com os portos reinóis fazia-se chegar estes e outros produtos, como sal, chacina, couros, gado e
escravos. Este relacionamento privilegiado com os portos do reino sucedeu no princípio, fazendo-se por meio de
licenças e sob o controlo da Casa da Guiné e da Mina. As ilhas de Santiago, S. Tomé e Príncipe serviam de
intermediárias entre os portos europeus de destino e o litoral da costa africana. No caso de S. Tomé e Príncipe
32
foi um privilégio perdulário dos seus moradores, o que nno sucedeu em Cabo Verde . Note-se ainda que a partir
da segunda metade do século XVI com o aparecimento de um novo mercado de destino para os escravos -o
continente americano- estas ilhas serno um ponto de escala no circuito de triangulaçno que liga a Europa ao
Novo Mundo. Aqui o circuito de ligaçno é feito pelas ilhas de Santiago e S. Tomé, receptoras de produtos
alimentares e manufacturas europeias.

31 . V. RAU, ob.cit., 210-221; Fernando Castelo BRANCO, "O comércio externo de Sno Tomé no século XVII", in Studia, n1 24, Lisboa,
1960, 83-98.

32 .Confronte-se Fernando CASTELO BRANCO, Fontes para a história do antigo ultramar portuguLs-II: Sno Tomé e Príncipe, Lisboa,
1982;Isabel Bettencourt de SÁ-NOGUEIRA e Bernardo de SÁ-NOGUEIRA, " ilha do Príncipe no 1º quartel do século XVI: administraçno
e comércio", in Congresso Internacional Bartolomeu Dias e sua Época. actas, vol.III, Porto, 1989,81-115.
33
De acordo com o livro de registo de avarias de navios portugueses na Feitoria de Antuérpia entre 1535 e 1551
é possível estabelecer a posiçno das ilhas de Cabo Verde, Madeira e S. Tomé no comércio internacional. A S.
Tomé surge com maior número de navios, isto é 126(88 de açúcar e 38 de carga mista), seguindo-se a Madeira
com 56 embarcaçtes(28 de açúcar e 28 de carga mista) e Cabo Verde(1 de açúcar e 7 de carga mista). O facto
mais saliente é a posiçno assumida pela ilha de S. Tomé com o comércio de açúcar, distanciando-se da Madeira,
que neste momento se encontra numa fase de decadLncia. No conjunto da mercadoria mista saída de Cabo Verde
destaque para o algodno e marfim, enquanto em S. Tomé surge o marfim, o algodno, as madeiras e as
especiarias. Note-se ainda que era comum as embarcaçtes conduziram em simultâneo açúcar ou outras
mercadorias dos trLs arquipélagos, o que demonstra existir uma rota de ligaçno entre eles, na ida e no regresso.
Por outro lado assinala-se que muita da mercadoria dos arquipélagos de Cabo Verde e S. Tomé chegava ao porto
de Antuérpia a partir de Lisboa, o que demonstra a tendLncia para este porto centralizar os negócios com as
possesstes atlânticas. No caso do açúcar de S. Tomé temos 21 navios com partida de Lisboa.

Ao invés do que sucedia com as Canárias, Cabo Verde e S. Tomé, as ilhas dos arquipélagos da Madeira e Açores
estiveram até ao século dezassete afastadas do comércio com o continente americano. Restava-lhes aguardar
pela chegada das embarcaçtes daí oriundas e aspirar pelo contrabando ou trocas ocasionais. Note-se que ao por-
to do Funchal chegaram também algumas destas. O desvio era considerado pela coroa como intencional, para aí
se fazer o contrabando, pelo que foram determinadas medidas proibitivas, de pouca aplicaçno prática.

Os contactos entre a Madeira e o litoral americano desenvolveram-se, após a quebra da cultura da cana de
açúcar, com o incremento do comércio do vinho madeirense. Ambos os produtos estavam, de facto, ligados. A
pouca oferta de açúcar na Madeira e a incessante procura levaram os madeirenses a especular com o açúcar bra-
sileiro, fazendo-o passar como da Madeira. Conhecida a fraude o monarca exarou a sua proibiçno em 1591,
alheando-se das reclamaçtes dos munícipes. Mais tarde, com o abandono definitivo da cultura da cana de açú-
car, nno havia motivo para impedir este comércio. Somente o sistema de comboios marítimos condicionou, por
algum tempo, a presença madeirense.

As ilhas de Santiago e S. Tomé, mercL da proximidade da costa africana, afirmaram-se como importantes
entrepostos do trato negreiro africano nos séculos XV a XVII, tendo como principal destino, a partir do século
dezasseis, o novo continente americano. A primeira feitoria dominava a vasta área, conhecida como os Rios de
Guiné, enquanto a segunda estendia-se desde S. Jorge da Mina até Angola, passando por Axem e Benim. Tal
como o referimos o povoamento só foi possível B custa de facilidades concedidas aos moradores para o comércio
nesta costa.

A evoluçno do trato nno foi linear e esteve por muito tempo sujeita Bs mudanças conjuntura atlântica. Assim S.
Tomé assumiu um lugar relevante no comércio do Golfo da Guiné até o último quartel do século dezasseis,
sendo a crise, a partir de 1578, resultado do desvio das rotas para o litoral africano. Entretanto na época da
unino das duas coroas peninsulares o número de escravos conduzidos a partir de S. Tomé para as Indias de
Castela (Cartagena, Vera Cruz e Margarita) atingiu os 4.828, isto é 20% do total. Os problemas com a economia
açucareira haviam colocado a ilha na dependLncia do comércio deste produto, referenciando o escrivno da
34
feitoria em 1551 que ele era o principal rendimento da coroa, pelo que o desvio das rotas contrariava a política
de fixaçno de colonos.

Em Santiago, principal ilha do arquipélago de Cabo Verde e feitoria do comércio dos escravos dos Rios de
Guiné, o comércio foi definido por outro rumo. No começo ele resultou da oferta das produçtes locais mas
depois, com a abertura de novos mercados os escravos, foram solicitaçtes externas que o motivaram. Eles passa-
35
ram a ser conduzidos, primeiro B Europa e ilhas atlânticas e depois ao Brasil e Antilhas . Para este último
destino o comércio fazia-se sob a forma de contratos entre a coroa e os mercadores.

Durante muito tempo o trato, entregue a arrendatários, foi o principal motivo das trocas comerciais na ilha. Era
com ele, trocado por algodno e panos, que se adquiriam as manufacturas europeias. Todavia os inúmeros

33 Virgínia Rau, Estudos sobre a História do Sal PortuguLs, Lisboa,1984,210-221.

34 . Monumenta Missionaria Africana, II, 269.


35 . E. VILA VILAR, Hispano-America y el Comercio de Esclavos. Los Asientos Portugueses, Sevilha, 1977; T. B. DUNCAN, Ob.cit.,
198/238.
entraves postos B circulaçno dos produtos deste tráfico, os desvios de mercadores estrangeiros, nacionais e, em
36
especial dos lançados, vieram a prejudicá-lo em Santiago .

A importância destes mercados no comércio de escravos para o continente americano ficou demonstrada em
finais do século dezasseis, altura em que os povos estrangeiros se lançaram ao ataque dos principais entrepostos
do tráfico negreiro, com particular relevo para os castelhanos.

AS ILHAS DE FILIPE II: A UNImO IBÉRICA

A14 de Setembro de 1580 Filipe II é aclamado rei em Lisboa, sendo comfirmado nas cortes realizadas no ano
seguinte em Tomar. O processo de pacificaçno das regites do império portuguLs que no mLs de Junho haviam
aclamado D. António, Prior do Crato, é lenta e só nos Açores, por ser um dos pilares dos interesses em jogo,
será demorada. Na verdade a conjuntura política definida pela unino das duas coroas apresentava-se favorável
para os ilhéus, ao sedimentar o intercâmbio entre os arquipélagos. Os contactos e a familiaridade entre estes
eram tno evidentes, que o processo de passagem dos poderes para a nova coroa filipina deveria ser
obrigatoriamente pacífica para os insulares.

Nos Açores a importância geo-estratégica do arquipélago fez com que os açoreanos fossem vitimas dos
interesses dos franceses, ingleses e castelhanos. Por isso D. António Prior do Crato, com o apoio da França e
Inglaterra, teve aí o seu último reduto. Mesmo aqui os interesses externos sobrepuseram-se muitas vezes ao
patriotismo dos açorianos. A aclamaçno do novo monarca solicitado em Agosto de 1580 por Diogo Dias só veio
a acontecer em Janeiro do ano seguinte em Ponta Delgada. Neste intervalo de tempo o corregedor Ciprino de
Figueiredo e o bispo D. Pedro de Castilho acabam por assumir partidos distintos. O primeiro desde a Terceira
chefia a resistLncia ao invasor, enquanto o segundo se assume como fervoroso adepto de Filipe II, sendo forçado
a refugiar-se em S. Miguel.

No arquipélago açoriano as hostilidades aos novos soberanos foram sangrentas e demorou trLs anos o processo
1
de pacificaçno

36 . António CARREIRA, Cabo Verde, Lisboa, 1983, 148-149.


1 .Avelino de Freitas MENEZES, Os Açores e o Domínio Filipino.I- A ResistLncia Terceirense e as Implicaçtes na Conquista Espanhola,
Angra do Heroismo, 1987.
. Este processo só foi possível mediante q uatro expediçtes: em 1581 de D. Pedro de Valdés e D. Lope de
Figuero, em 1582 o marquLs de Santa Cruz que acompanhou em 1583 D. Álvaro de Baçan. A primeira em 1581
saldou-se numa rotunda derrota castelhana na célebre batalha da Salga. Deste modo houve necessidade de outra
expediçno chefiada pelo MarquLs de Santa Cruz que saiu vencedora na batalha naval de Vila Franca do Campo e
só em 1583 na conquista da Terceira com o desembarque em Porto de Mós em 26 de Julho.
2
Já na Madeira o processo foi distinto. D. António fora apenas aclamado no Porto Santo e na Ponta de Sol, pois
a ideia dominante na aristocracia local estava no novo monarca. Note-se que António Carvalhal mobilizou
homens para defender o Funchal de qualquer assalto da esquadra francesa. Aqui os representantes da coroa
filipina só se tiveram que haver com um grupo restrito de personalidades afectas a D. António, uma vez que
3
alguns destes haviam-se juntado Bs suas hostes na ilha Terceira . Foi a ameaça de ocupaçno da ilha por parte de
4
uma armada franco-inglesa, surgida a 24 de Julho de 1582 , que levou Filipe II a ordenar em 19 de março de
1582 a D. Agustin de Herrera que fosse defender a ilha com uma armada de 300 homens. O desembarque no
Funchal teve lugar a 29 de Maio, com a maior quietaçno para evitar qualquer alvoroço. No dia imediato, na
presença de todas as autoridades e povo, fez-se juramento de fidelidade ao novo rei.

O Conde permaneceu na ilha com as suas tropas enquanto duraram as hostilidades na ilha Terceira. Com a
batalha decisiva de conquista da ilha a 26 de Julho de 1582, por D. Álvaro Bazan, festejada no Funchal a 1 de
Setembro, ele recebeu a 2 de Setembro autorizaçno para abandonar a ilha, ficando em seu lugar, como chefe do
presídio, D. Juan de Aranda, com uma guarniçno de 500 Homens, incluídos os 200 soldados andaluzes que
haviam chegado em Junho. As grandes dificuldades porque passaram as forças ocupantes da ilha, mais
conhecida por tropa do presídio, nno derivaram tanto do possível afrontamento da populaçno local, mas sim dos
5
problemas surgidos com o seu abastecimento . A cidade debatia-se já com esta situaçno vendo-a agora agravada
6
com a presença de mais 500 homens. A conjuntura foi deveras difícil no período que decorre desde1589 .
7
Note-se que D. Agustin de Herrera, conde de Lanzarote , ao assumir em 1582 a posse, ainda que
temporariamente, do governo da ilha, veio a permitir mais assíduos contactos entre a Madeira e Lanzarote. Ali s
o próprio conde proporcionou esta situaçno através de vínculos familiares com o casamento da sua filha
bastarda, dona Juana de Herrera, filha de Dona Bernaldina, com Francisco Acciauoli, filho de Zenóbio Acciouli,
8
um dos mais destacados mercadores e terratenentes italianos, estabelecidos na ilha desde 1515 . O exemplo foi
9
seguido por muitos dos militares que o acompanharam . Por isso no período de 1580 a 1600 os castelhanos
adquiriram uma posiçno maioritária na imigraçno madeirense, como se poderá verificar pelos registos de
10
casamento da Sé do Funchal1

2. A atitude deste município foi imputada ao capitno Diogo Perestrelo, que foi em 1586 alvo de múltiplas acusaçtes do município, sendo
devassado em 1606, com a perda da capitania; veja-se Anais do Município do Porto Santo, P.Santo, 1989, p. 16, nota 10; Alberto Artur
SARMENTO, Ensaios Históricos da Minha Terra. ilha da Madeira, vol.I, Funchal, 1946, p.173
3.Confronte-se A.RUMEU DE ARMAS, "El Conde de Lanzarote, capitán general de la isla de la Madera(1582-1583)", in Anuario de
Estudios Atlânticos, n1.30, 1984, pp.404-406
4. I.deia defendida já por L. SIMENS HERNANDEZ, "La expedición a la Madera del Conde de Lanzarote desde la perspectiva de las
fuentes madeirenses", in Anuario de Estudios Atlânticos, n1.25, 1979, pp.289-305. O texto de Gaspar Frutuoso(Livro Segundo das Saudades
da Terra, Ponta Delgada, 1979, p. 406-407) é muito sugestivo sobre isso: "...depois quer foi julgado Portugal ser do católico rei Filipe,
senhor nosso, e teve posse Bele, mandou a ilha da Madeira por capitno-mor e governador dela o desembargador Jono Leitno, depois que
chegou B ilha, de mandado do mesmo rei Filipe, por capitno-mor dela e da do Porto Santo, dom Augustinho Herrera, Conde de Lançarote e
Senhor de Forteventura; no qual tempo, na era de mil e quinhentos e oitenta e dois anos, foi, da banda do Norte, António do Carvalhal B
cidade do Funchal, com trezentos homens, que manteve B sua custa cinco meses, do de Maio até Setembro, em serviço do Católico rei Filipe,
para ajudar a defender a desembarcaçno dos franceses da armada de Dom António, que em aquele tempo na ilha se esperava". A. RUMEU
DE ARMAS, ibidem, pp.436, 455-459
5. Nno obstante assinala-se nos primeiros anos da presença desta força alguma animosidade com a populaçno, que deu lugar a algumas
alteraçtes, como sucedeu a 6 de março de 1583; veja-se A.RUMEU DE ARMAS,art.cit., pp.468-473.
6.A.A.SARMENTO, ob.cit., vol.I, p. 188 e segs.
7.S. BONNET,"La expedición del marquLs de Lanzarote a la isla de la Madera", in El Museo Canario, X, 1949, pp.59-68; IDEM, "Sobre la
expedición del Conde-MarquLs de Lanzarote a la isla de la Madera", in Revista de História de la Universidad de La Laguna, n1.115-116
(1956), pp.33-44; L. SIEMENS HERNANDEZ, Ibidem; A.RUMEU DE ARMAS, "El conde de Lanzarote, capitán general de la isla de la
Madera (1582-1583)", in Anuario de Estudios Atlanticos, n1.30, 1984, pp.393-492; Jono de SOUSA, "Os espanhóis na Madeira 1582-
1583", in Diário de Notícias, 1 de Dezembro de 1984.

8.A.A.SARMENTO, Ensaios históricos da Minha Terra, vol. I, Funchal, 1946, p.27; Nobiliario de Canarias, tomo I, pp.50-63.
9..Arquivo Regional da Madeira, Misericórdia do Funchal, n1.684, fls.710-711;Luís de Sousa e MELO, " A imigraçno na Madeira.paróquia
da Sé.1571-1600", in História e Sociedade, n1. 3, 1979(republicado em Islenha, n1.3, 1988, pp.20-34), pp.52-53.
10 Luís de Sousa e MELO, art.cit.
A noticia e adesno de Cabo Verde B nova monarquia aconteceu em finais de 1581 com o desvio da armada do
Capitno Diego Flores de Valdez que se dirigia ao Brasil. Filipe II determinara que o mesmo procedesse ao
juramento das autoridades da ilha e da Costa da Guiné B sua soberania. Do relatório enviado em 24 de Janeiro de
11
1582 é referida a existLncia de muitos adeptos de D. António e dá-se conta da necessidade de protecçno das
rotas e comércio da área, com o consequente assegurar da segurança do arquipélago, adesno B causa de D.
12
António foi imediata, mas Filipe II soube perdoar a populaçno por carta de 15 de Novembro de 1583 , sendo
apenas executados os cabecilhas.

Consumada a legitimaçno e a soberania de Filipe II o arquipélago entrou no imediato no centro das atençtes das
potLncias europeias beligerantes e em expansno. O papel fundamental do arquipélago na ligaçno das plantaçtes
açucareiras americanas com os centros africanos fornecedores de escravos motivou o interesse dos outros
europeus. Primeiro foram os ingleses a marcar presença através de Francis Drake, que em 1585 pôs a saque a
cidade de Santiago. Em 1598 foi a vez dos holandeses que tomaram posse da vila da Praia. Tenha-se em
13
consideraçno que os Países Baixos ao verem-se privados do fornecimento do sal de Setúbal , procura suprir a
sua falta com o das ilhas de Boavista, Maio e Sal. Sabe-se que em 1597 juntam-se na ilha de Maio trLs navios
ingleses, quatro navios franceses a outros seis flamengos, todos em busca de sal.
14
Filipe II face Bs incessantes investidas B Costa da Guiné e Cabo verde viu-se forçada a apresentar em 1591 um
"Regulamentaçno de Navegaçno Ultramarina", onde a crença religiosa se tornava impeditivo do comércio
colonial. Certamente que esta medida em vez de favorecer a regino reverteu em prejuízo, tendo em conta que
ficou sujeita B presença incómoda de corsários.

Mais a sul, nas ilhas de S. Tomé e Príncipe o juramento de fidelidade ao novo monarca foi imediato por parte do
Capitno António Monteiro Maciel, tal como o testemunha o acto de 10 de Junho de 1581. Aqui as maiores
dificuldades estno nas sublevaçtes dos negros(1590 e 1595), sendo a mais célebre a dos angolares em 1595,
chefiados por Amador.

A presença dos holandeses nesta disputa rege-se por condiçtes específicas. Eles porque detinham importantes
interesses na cultura açucareira americana, procuravam assegurar o domínio de S. Tomé, Santiago e demais
feitorias do comércio de escravos. A isso juntava-se o empenho na manutençno das rotas do tráfico e o objectivo
de destruir os interesses açucareiros da área. Em 1598 foi o ataque a Santiago e no ano imediato a S. Tomé. Na
última destruíram todos os engenhos em actividade.

CONCLUSmO

A unino das coroas peninsulares nno implicou a incorporaçno do estado portuguLs, que a vários níveis manteve a
sua identidade e soberania. Estamos na verdade perante a unino de duas coroas e nno de estados. Daqui resultará
que algumas divergLncias bem patentes na política institucional e comercial continuarno a subsistir. Esta
situaçno veio a provocar mais mudanças em termos da geografia política do espaço atlântico fazendo dele o
palco principal dos conflitos entre as potencias europeias. Esta situaçno conduziu inevitavelmente a perda da
posiçno peninsular no domínio das rotas deste espaço e para os portugueses o princípio do fim da supremacia do
império oriental. Os Holandeses sno os que mais investem em todas as frentes, acabando por assumir uma
15
posiçno relevante para a sua afirmaçno colonial .

A principal consequLncia desta adesno forçada ou pacífica das ilhas a nova monarquia ibérica estava na
vulnerabilidade face Bs investidas dos inimigos europeus. Os corsários sno os principais protagonista. O corso a
partir da década de oitenta tomou outro rumo, sendo as diversas iniciativas uma forma de represália B unino das
duas coroas peninsulares. Ele ficou expresso na intervençno de diversas armadas: Francis Drake (1581-85),
Conde de Cumberland (1589), John Hawkins, Martin Forbisher, Thomas Howard, Richard Greenville e o Conde

11 Monumenta Missionária Africana, 2º série, vol. III, pp.92-96.


12 . Ibidem, 119-122.
13 . Cf. V. Rau, Estudos sobre a História do Sal PortuguLs, Lisboa, 1984, pp.161-165
14 . Monumenta Missionária Africana, vol. III, doc.77.

15. Ernst Van den Boogaart, La Expansión Holandesa en el Atlantico 1580-1800, Madrid, 1982.
Essex (1597). Elas nno se limitavam apenas ao assalto Bs embarcaçtes peninsulares que regressavam B Europa
carregadas de ouro, prata, açúcar e especiarias, pois a sua acçno foi também extensiva B terra firme onde
intervinham B procura de um abastecimento de víveres e água ou do volumoso saque, como sucedeu em 1585 em
Santiago e em 1587 na ilha das Flores.

A partir da unino peninsular mudou o equilíbrio de forças no Atlântico e mais uma vez as ilhas assumem um
papel de relevo na disputa entre as coroas europeias. Na Madeira sucederam-se inúmeros assaltos franceses que
tiveram a pronta resposta de Trintno Vaz da Veiga. O mesmo sucedendo nas demais ilhas, com especial destaque
para a de S. Tomé, que acabará por ser um dos alvos permanentes da cobiça holandesa durante este período da
unino peninsular.

Mais tarde, com a ocupaçno castelhana do arquipélago açoriano, foi muito sentida a necessidade de uma
imponente fortaleza em Angra, capaz de guardar as riquezas em circulaçno e pô-las fora do alcance da cobiça de
qualquer corsário e de suster os ânimos exaltados dos angrenses. O início da construçno do mais imponente
reduto do espaço atlântico teve lugar em 1592, a partir de um plano traçado por Jono de Vilhena, e só ficou
16
concluído em 1643.Neste campo foi incansável a iniciativa de Trintno Vaz da Veiga , provido em 1585 no
cargo de "geral e superintendente das coisas da guerra", lugar idLntico ao assumido na Terceira por Juan Urbina,
17
nomeado em 1583 governador das ilhas e mestre de campo do terço castelhano .

A conturbada conjuntura política, que se seguiu nos finais da centúria quinhentista e princípios da seguinte, teve
o condno de conduzir a uma mudança do cenário. A crise dinástica e a consequente unino das coroas
peninsulares levaram ao seu desagravamento da permitindo uma abertura total da área ao comércio dos insulares,
seus vizinhos e aos demais europeus, nomeadamente, os holandeses. Perante isto Santiago deixou de ser o
principal entreposto dos Rios de Guiné, pelo que foram evidentes os reflexos na economia da ilha.

Se é certo que num momento determinado as ilhas fecharam-se ao comércio com os inimigos políticos e
religiosos, também nno é menos verdade que a unino nno conseguiu garantir o exclusivo dos mercados detidos
pelas monarquias ibéricas, agora unidas. Isto foi um passo para a partilha do oceano por todas as potLncias
europeias, que nno prescindiram da posiçno fundamental das ilhas.

Tenha-se em consideraçno que no caso dos arquipélagos da Madeira e Açores nno foi fácil ao novo monarca
impor limitaçtes B presença dos inimigos estrangeiros. Nno obstante a ordem de expulsno dos ingleses em 1589
e das posteriores medidas limitativas do trafico comercial com a Europa do Norte nno se poderá dizer que a ilha
18
viveu um período de total rotura das suas tradicionais relaçtes com esta regino . Situaçno idLntica se passa com
os franceses onde podemos assinalar o facto de Jono de Caus, francLs, residente no Funchal há 19 anos ter sido
19
naturalizado portuguLs em 1590 . Na verdade La Rochelle continuará a ser um porto de permanente contacto
20
com os portos de Angra, Faial e Funchal . Perante isto poderá concluir-se que o mercado das ilhas nno sofreu
qualquer mudança com estas alteraçtes políticas e consequentes represálias.

Na Madeira continuará a afirmar-se a cada vez mais forte presença britânica que terá a sua consumaçno plena na
segunda metade do século XVII. Deste modo o mundo das ilhas continuará alheio ao jogo de interesses
europeus. E apenas nos espaços continentais atlântico (Africa e Brasil) e no Oriente se torna evidente o assalto
dos beligerantes Bs possesstes portuguesas, acabando por fragilizar a hegemonia e império que os portugueses
havia conseguido em princípios do século XVI. Neste contexto as alteraçtes mais significativas ocorrerno nas
ilhas de Cabo Verde e S. Tomé e Príncipe pelo simples facto de ambos os arquipélagos funcionaram como
antecâmara dos centros abastecedores de escravos do litoral africano da Costa e Golfo da Guiné.

Uma das formas para os mercadores nórdicos que frequentavam as ilhas se furtaram B prisno, apenas pelas
autoridades das Canárias estava no recurso ao pavilhno de um país amigo e ao disfarce do nome,

16 Saudades da Terra, livro segundo, 199-211.

17 Avelino de Freitas Menezes, Os Açores e o Domínio Filipino (1580-1590), Angra do Heroísmo, 1987, 171, 210.
18. Esta ideia foi já defendida por Joel Serrno, O «contrabando» Atlântico(1580-1590), in Estudos Históricos Madeirenses, Funchal, 1982,
pp. 129-140.
19. ARM. CMF, registo geral, t. III, fl. 48.
20
. Julino Soares de Azevedo, “sobre o Comércio de La Rochelle com os Açores no século XVII”, in Revista Portuguesa de História, t. III;
“Nota e Documentos sobre o Cimércio de La Rochelle com a ilha Terceira no século XVII, in Boletim Inst. Hist. I. Terceira, vol. VI, 1948.
21
aportuguesando-o. Esta forma de actividade ficou conhecida como comércio disfarçado . AliBs estes eram e
22
continuam a ser os campetes do contrabando que tinha por palco algumas ilhas como era o caso da Madeira .
Um dos casos paradigmáticos desta situaçno, que revela a desigual situaçno dos mercadores estrangeiros entre as
ilhas dos Açores e Madeira e as Canárias, sucede com Bartolome Cuello, um mercador inglLs preso em Tenerife
23
a 17 de Janeiro de 1592 e julgado em 1597 . Note-se que este mesmo assim nno conseguiu iludir a perseguiçno
das autoridades inquisitoriais de Canárias.

Se dermos atençno B volumosa confissno deste mercador perante o tribunal de Las Palmas teremos facilmente
um retrato da actividade comercial dos nórdicos no período de 1586 a 1591. Aí temos a definiçno do que se
entendia como comércio disfarçado: “...y demais de los navios que... tiene declarado que an venido la dicha isla
de San Miguel con nombre de escoceses con el mesmo engaZo..los dichos escoceses traen pasaportes delRey
d’Escosia.... los mercaderes que por las dichas vias tratan en EspaZa tienen dellos de Francia y d’Escocia y de
Flandres para las mercadorias y las sellan con ellos....y en quanto a los flamencos de Olanda y Gelanda.... los
susodichos tratan ordinariament en Ynglaterra como vassallos de la Reyna y que traen gran cantidad de ropa y de
mercadorias lo quel todo llevan a EspaZa y a estas yslas y a las de San Miguel fingiendo ser alemanes de
Amburch y de Dunquerque en Flandres...”. Seguiram esta prática, para alé de Bartolome Cuello, Thomas Alder,
Ht Web, Tomas Simon, Juan Jurdan e Paulo Bux.

A unino das coroas peninsulares é o princípio do fim da hegemonia ibérica no espaço Atlântico mas nno do
protagonismo das suas ilhas que continuarno a ser espaços intervenientes nas novas realidades políticas e
económicas que este final de século propiciou. Fazendo jus B sua sempre presente evidLncia e afirmaçno as ilhas
reforçam o seu papel e transforma-se momentâneamente no principal palco dos conflitos que optem as
principais potencias europeias.

BIBLIOGRAFIA FUNDAMENTAL24

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21
. Alberto Vieira, “O Comércio Disfarçadp mas ilhas do Atlântico Oriental.O Processo de Bartolome Cuello na Inquisiçno de Las
Palmas(1591-98)”, in Anita Novinski(ed.), Inquisiçno Ensaios sobre Mentalidade, Bruxarias e Arte, S. Paulo, 1992, pp.161-169.
22. Cf. Joel Serrno, Temas Históricos Madeirenses, Funchal, 1992, pp129-140.
23
. Cf.W. de Gray Birch, Catalogue of the Collection of Originl Manuscripts formerly belonging to the Holy Office of the Inquisition in the
Canary Islands, vol. III, Londres, 1903, pp. 1026-1054; L. Alberti e A. B. Wallis Chapman, English Merchants and the Spanishg Inquisition
in the Canaries, Londres, 1912, pp. 127-152.
24
. . Siglas: AHM: Arquivo Histórico da Madeira; DAHM: Das Artes e da História da Madeira; CIHM: Colóquio Internacional de História da
Madeira; BIHIT: Boletim do Instituto Histórico da Ilha Terceira; AEA: Anuario de Estudios Atlanticos; CHCA: Coloquio Historia Canario
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