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Rev Bras Otorrinolaringol.

V.70, n.3, 331-9, mai./jun. 2004 ARTIGO ORIGINAL ««««


ORIGINAL ARTICLE

Estudo do comportamento vocal Vocal behavior during


no ciclo menstrual: avaliação menstrual cycle: perceptual-
perceptivo-auditiva, acústica e auditory, acoustic and self-
auto-perceptiva perception analysis

Luciane C. de Figueiredo1, Maria Inês R.


Palavras-chave: voz, distúrbio da voz,
Gonçalves2, Antonio Pontes3, Paulo Pontes4 qualidade vocal, ciclo menstrual.
Key words: voice, voice disorders,
vocal quality, menstrual cycle.

Resumo / Summary

D urante o período pré-menstrual é comum a ocorrência


de disfonia, e são poucas as mulheres que se dão conta dessa
D uring the premenstruation period dysphonia often can
be observed and only few women are aware of this voice
variação da voz dentro do ciclo menstrual (Quinteiro, 1989). variation (Quinteiro, 1989). Aim: To verify if there are vocal
Objetivo: Verificar se há diferença no padrão vocal de mulhe- quality variations between the ovulation period and the first
res no período de ovulação em relação ao primeiro dia do ciclo day of the menstrual cycle, by using perceptual-auditory
menstrual, utilizando-se da análise perceptivo-auditiva, da es- and acoustic analysis, including spectrography, and the self
pectrografia, dos parâmetros acústicos e quando esta diferença perception of the vocal changes when it occurs. Study
está presente, se é percebida pelas mulheres. Forma de es- design: Case-control. Material and Method: We studied
tudo: Caso-controle. Material e Método: A amostra coletada thirty speech and language pathology students with age
foi de 30 estudantes de Fonoaudiologia, na faixa etária de 18 a ranging from 18 to 25 years, non smokers, with a regular
25 anos, não-fumantes, com ciclo menstrual regular e sem o menstrual cycle and who did not take contraceptive. The
uso de contraceptivo oral. As vozes foram gravadas no primei- voices were recorded on the first day of menstruation and
ro dia de menstruação e no décimo-terceiro dia pós-menstrua- on the thirteenth day postmenstruation (ovulation period),
ção (ovulação), para posterior comparação. Resultados: Ob- for comparison. Results: In the first day of menstruation it
servou-se durante o período menstrual que as vozes estão was observed: hoarseness and breathiness from light to
rouco-soprosa de grau leve a moderado, instáveis, sem a pre- moderate, vocal instability, voicing interruption, normal pitch
sença de quebra de sonoridade, com pitch e loudness adequa- and loudness and adequate resonance; worse quality of the
dos e ressonância equilibrada. Há pior qualidade de definição harmonics definition, increased amount of noise between
dos harmônicos, maior quantidade de ruído entre eles e menor them and lower length of superior harmonics. A higher
extensão dos harmônicos superiores. Encontramos uma f0 mais fundamental frequency, higher values of Jitter and Shimmer
aguda, jitter e shimmer aumentados e PHR diminuída. Con- and a lower harmonic-to-noise ratio was also observed.
clusão: No período menstrual há mudanças na qualidade vo- Conclusion: During the menstrual cycle there are changes
cal, no comportamento dos harmônicos e nos parâmetros vo- in the vocal quality, in the harmonic behavior and in the
cais (f0,jitter, shimmer e PHR). Além disso, a maioria das estu- vocal parameters (f0, Jitter, Shimmer and harmonic-to-noise
dantes de Fonoaudiologia não percebeu a variação da voz ratio). However, the majority of the students were unaware
durante o ciclo menstrual. of the vocal variation during menstruation.

1
Fonoaudióloga, Especializanda do Curso de Especialização em Voz do Centro de Estudos da Voz, São Paulo.
2
Professora Adjunto Doutora do Programa de Mestrado em Distúrbios da Comunicação da Universidade Tuiuti do Paraná;
Professora Afiliada do Departamento de Fonoaudiologia da UNIFESP/EPM.
3
Médico do Instituto da Laringe – INLAR, São Paulo.
4
Professor Titular do Departamento de Otorrinolaringologia da UNIFESP/EPM; Diretor do Instituto da Laringe – INLAR, São Paulo.
Este foi um trabalho de Iniciação Científica (PIBIC – Programa Institucional de Bolsas de Iniciação Científica), vinculado à Universidade Federal de
São Paulo (UNIFESP/EPM), com financiamento do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq).
Endereço para Correspondência: Maria Inês Rebelo Gonçalves – Rua Rio Bonito, 1536 São Paulo SP 03023-000.
E-mail: lucianecarrillo@hotmail.com ou mariainesgon@ig.com.br
Artigo recebido em 01 de agosto de 2003. Artigo aceito em 04 de abril de 2004.

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INTRODUÇÃO Apesar dos autores concordarem que a variação
hormonal fisiológica causa disfonia por aumento da reten-
A voz se desenvolve sob a influência das variações ção de líquidos, não há concordância em relação à
de estrógeno, progesterona e testosterona. Os mais profun- etiopatogenia. As opiniões podem ser classificadas em qua-
dos efeitos hormonais são fisiológicos e ocorrem durante a tro grupos, segundo Perelló (1973):
puberdade, período no qual ocorrem alterações nas dimen-
sões laríngeas, que provocam o abaixamento da freqüência 1. Retenção do íon sódio: a enorme retenção de líquidos é
fundamental (f0) da voz masculina em aproximadamente produzida pela retenção do íon sódio. Este edema
uma oitava e da feminina em algumas notas, estas pela ação influencia o sistema nervoso, originando todos os sintomas.
do estrógeno associado à progesterona. 2. Transtorno hormonal: na maioria dos casos (61%) existe
O andrógeno, secretado pelo córtex adrenal e também uma fórmula hormonal normal, em 27% dos casos se
pela teca interna dos ovários, na mulher, quando em altas do- demonstra com hiperestrogenia, em 4% há um déficit
ses desenvolve características masculinas na voz feminina. global e em 8%, uma hiperandrogenia.
Certas inter-relações hormonais são a chave que au- 3. A retenção hidrosalina está associada a um aumento do
xilia a compreensão dos rudimentos do ciclo menstrual, sendo hormônio antidiurético por uma hiperfunção do lóbulo
o foco da natureza cíclica destes eventos o nível de estrógeno posterior da hipófise.
circulante (Ling, 1986). 4. Sensibilização da progesterona.
Durante o ciclo menstrual, em média de 28 dias, há
uma variação nos níveis de hormônios que resultam nas suas Além da retenção de líquidos, outras alterações po-
fases. Antes da ovulação existe um aumento pequeno, porém dem ser notadas. A citologia da mucosa laríngea sofre varia-
significativo, da produção basal de progesterona, o que facilita ções cíclicas. Assim, a porcentagem de células cornificadas
a função de retroalimentação positiva de estrógenos e aumen- eosinófilas e de células com núcleo cariopinótico sofrem
ta a amplitude do pico de hormônio luteinizante (LH) e um grande aumento nos momentos da ovulação e da mens-
hormônio folículo estimulante (FSH) induzidos pelo estrógeno truação. Desta forma, observa-se uma semelhança no com-
(o pico máximo ocorre no meio do ciclo). Antes da ovulação, o portamento das mucosas laríngea e vaginal, em função da
LH inicia a secreção de progesterona, que se mantém durante variação de estrógeno.
a fase lútea. O corpo lúteo tem uma duração de 14 dias e se a Hemorragia laríngea e desordens traqueais são tam-
gravidez não ocorre, ele involui, diminuindo o nível de bém relatadas em associação com a disfonia. Durante o pe-
progesterona e iniciando a menstruação (Hung, 1993). O ríodo pré-menstrual ocorre “secura” das pregas vocais, au-
declínio dos níveis de estrógeno e progesterona pré-menstru- mento do nível de acidez (às vezes aumentado pela pre-
ação altera a estrutura das pregas vocais (Perelló, 1973). sença de refluxo esofágico), redução da tonicidade da mus-
Durante o período pré-menstrual é comum a ocorrên- culatura laríngea, edema nas pregas vocais e dilatação de
cia de alteração da voz e são poucas as mulheres que a per- microvarizes, fatores que compõem a síndrome vocal pré-
cebem. Essa alteração quando percebida geralmente apare- menstrual. Estrógeno e progesterona agem no complexo
ce quatro a cinco dias antes do fluxo menstrual e, sobrevindo músculo-mucosa sinergicamente (Abitbol, 1999). O mesmo
a menstruação, há um alívio dos sintomas, num período com- autor relatou que, em alguns pacientes, a influência de
preendido entre 24 a 48 horas após seu início, devolvendo à estroprogesterona modifica a estrutura da mucosa laríngea
mulher o domínio sobre sua voz (Quinteiro, 1989). antes da ovulação, e o tom da voz pode ser levemente
Segundo Perelló (1973), há relatos de casos de afonia alterado pela presença da mudança do muco nas pregas
recidivante em cada ciclo, de artistas que ficavam roucas vocais. Este aumento da produção de muco, embora bas-
durante o período menstrual e recuperavam a voz ao final tante substancial, geralmente não afeta a voz falada ou can-
da menstruação; o autor descreve o caso de uma cantora tada. A progesterona tem efeito antiproliferativo na mucosa
portadora de nódulos vocais, sendo que durante a menstru- e acelera a descamação. Esse hormônio diminui e até inibe
ação, os nódulos aumentavam de tamanho, impossibilitan- a permeabilidade capilar, causando congestão no tecido. Esta
do o canto, e relata que 36% de 1500 trabalhadoras de uma congestão é bastante aparente no tórax, abaixo do abdô-
indústria apresentavam afonia alguns dias antes da menstru- men e nos tecidos pélvicos, assim como nas pregas vocais,
ação. Os sintomas apresentavam-se com mais freqüência podendo causar disfonia no período pré-menstrual. A
entre 25 e 35 anos de idade e poucas vezes as mulheres progesterona aumenta a viscosidade e o nível de acidez das
procuravam ajuda, pois sabiam por experiência que se “cu- secreções das células granulares, mas diminui seu volume,
ravam” com a vinda da menstruação. Refere ainda que é causando uma relativa “secura”.
possível encontrar disfonia pré-menstrual em mulheres que Ainda de acordo com Abitbol (1999), a dinâmica vo-
procuram consulta por disfonia de outra origem, especial- cal vista por telelaringoscopia no período menstrual mostra:
mente por nódulos vocais. Elas relatam que alguns dias an- pregas vocais congestionadas, fenda posterior, geralmente
tes da menstruação estão mais disfônicas. microvarizes na superfície de ambas as pregas vocais, edema

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no terço posterior das pregas vocais e na área do músculo 20 anos, com ciclos menstruais regulares, não-fumantes e
cricoaritenóideo, epitélio menos flexível, com vibração de sem uso de contraceptivo oral. O trabalho teve aprovação
amplitude aumentada e vibração assimétrica visível na luz da Comissão de Ética em Pesquisa da Universidade Federal
estroboscópica. Os sinais clínicos da síndrome pré-menstru- de São Paulo – EPM (nº505/01).
al vocal são: fadiga vocal, dificuldade na emissão de notas As estudantes foram submetidas a uma gravação da
agudas e às vezes de todo o registro – as freqüências graves voz no primeiro ou segundo dia de menstruação. Os equi-
raramente são afetadas, perda do poder vocal, perda de pamentos utilizados foram: gravador Marantz – modelo PMD
certos harmônicos altos e voz mais rouca. Além desses si- 221, microfone Audio-Technica – modelo MB 4000C e fita
nais estão associados outros sintomas, como aumento do cassete Sony. A gravação foi realizada em ambiente silenci-
nervosismo, da irritabilidade, dor pélvica, sensação de inchaço oso com um distanciamento boca-microfone de 15 cm, du-
e astenia. rante a emissão da vogal /µ/ sustentada em condição habi-
Um estudo feito por Jean Brux (1986) demonstrou a tual, contagem de números (de 1 a 20) e o canto da música
relação entre manchas no cérvix uterino e nas pregas vo- “parabéns a você”. Após 13 dias do início da menstruação
cais. (aproximadamente na ovulação) foi realizada uma nova gra-
Davis (1992) verificou que as mudanças vocais no vação, que serviu para posterior comparação.
período pré-menstrual têm tido como causas relatadas pro- Após as gravações, as vozes foram transferidas para
blemas relacionados com pitch, volume, qualidade e flexibi- um computador Macintosh, com sistema 7.5, utilizando o
lidade vocal. programa SoundScope desenvolvido pela GW Instruments
Silverman e Zimmer (1978) estudaram a presença sendo realizados espectrogramas. Para realização desta ava-
de rouquidão no período pré-menstrual e na ovulação. Eles liação foi utilizado tempo de emissão da voz sustentada de
acreditavam que a rouquidão poderia estar associada ao abai- um segundo, faixa de freqüência de 0,0 kHz a 5,4 kHz no
xamento da f0 e não observaram diferença significativa en- espectrograma e amplitude de 2,0 V no osciloscópio, com
tre a f0 na ovulação (em média 217 Hz) e no período pré- filtro passa-faixa de 59Hz – banda estreita.
menstrual (216 Hz). Para algumas vozes foi necessário modificar o ganho
Biase e Silva (2000) realizaram um estudo da f0 da no próprio programa para que as intensidades ficassem sem-
voz em mulheres jovens com síndrome pré-menstrual. Fo- pre dentro do limite pré-estabelecido de 2,0V. Esta modifi-
ram realizadas as medidas de f0 dois a três dias antes da mens- cação teve por finalidade padronizar a intensidade nos
truação, no segundo ou terceiro dia de menstruação e por espectrogramas, permitindo a análise comparativa entre
volta do décimo quarto dia do ciclo. Para isso analisaram acus- harmônicos e ruídos.
ticamente a emissão sustentada de três vogais (/a/, /i/, /u/) Foram analisados neste estudo:
quanto à presença de rouquidão e aos valores de f0, já que a
primeira pode estar associada ao abaixamento da f0. Nesse • Parâmetros relativos à onda sonora:
estudo os valores obtidos de f0 variaram muito pouco, não - Análise computadorizada da f0: correspondente ao
indicando assim diferença estatisticamente significante nos número de ciclos vibratórios nas pregas vocais a cada
parâmetros determinantes da f0 nos três períodos estudados. segundo.
Profissionais da voz podem ser particularmente afe- - Extensão dos harmônicos: freqüência cujo harmônico
tados pela síndrome pré-menstrual vocal. Para as mais alto se apresenta de forma definida e sem
fonoaudiólogas, que têm como principal instrumento de tra- interrupções.
balho a voz, é necessário que tenham pleno conhecimento - Definição dos harmônicos: análise da qualidade de
do funcionamento de seu aparelho vocal e que percebam definição dos harmônicos.
quando ocorrem variações na sua voz, para que possam - Jitter (J): indica a variabilidade da freqüência
também orientar profissionais da voz. fundamental a curto prazo.
O objetivo desta pesquisa é verificar a existência de - Shimmer (S): indica a variabilidade da amplitude da
diferença no padrão vocal de mulheres no período de ovu- onda sonora a curto prazo, é uma medida de
lação em relação ao primeiro dia do ciclo menstrual, utili- estabilidade fonatória.
zando-se da análise acústica perceptivo-auditiva, da espec- - Proporção harmônico/ruído (PHR): relaciona o
trografia, dos parâmetros acústicos e, quando esta diferença componente harmônico com o componente ruído da
está presente, se é percebida pelas mulheres. onda sonora.

MATERIAL E MÉTODO • Presença de ruído na região dos harmônicos e acima deles:


quantidade de ruído entre os harmônicos.
A pesquisa focalizou a ocorrência e o grau de altera-
ção da qualidade vocal de 30 estudantes de Fonoaudiologia, Foi realizada também a avaliação perceptivo-auditi-
na faixa etária de 18 a 25 anos, sendo a média de idade de va por três fonoaudiólogas especialistas em voz há pelo

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menos cinco anos. Sabe-se que essa avaliação da qualidade estudo foi analisado: tipo de voz, ressonância, loudness (ade-
vocal tradicional na rotina clínica e, embora muita crítica seja quado, diminuído ou aumentado), pitch (adequado, grave
feita a sua subjetividade e à imprecisa terminologia envolvi- ou agudo), estabilidade vocal (estável ou instável) e quebra
da neste procedimento, nem mesmo a análise acústica ame- de sonoridade (presente ou ausente).
aça sua soberania. Pode ser de caráter impressionístico (voz Além disso, foi aplicado um questionário no qual as
rouca, soprosa, comprimida, etc.), o que tem sido uma pre- estudantes responderam a perguntas objetivas que avalia-
ferência clínica internacional, ou envolver diversas escalas e ram o seu grau de conscientização sobre a ocorrência de
índices para uma determinação menos subjetiva e mais alteração vocal no período pré-menstrual até dois dias de-
confiável do desvio encontrado (Behlau et al., 2001). Neste pois do início da menstruação (Anexo 1).

Anexo 1. Questionário

1) Identificação:
Nome:
Idade: Data de nascimento:
Endereço:
Telefone:

2) Você tem TPM (Tensão pré-menstrual)?


( ) Sim ( ) Não

3) O que você sente antes da menstruação?


( ) dores musculares
( ) fica sensível
( ) fica irritada
( ) fica nervosa
( ) todas as anteriores
( ) não sente nada

4) Ciclo menstrual:
( ) 28 dias
( ) menos de 28 dias
( ) mais de 28 dias
Quantos dias? ______

5) Já observou mudanças na voz durante o período pré-menstrual?


( ) Sim ( ) Não

6) No período pré-menstrual ou nos primeiros dias de menstruação, você:


( ) se cansa ao falar
( ) a voz falha
( ) fica rouca
( ) não percebe alterações na voz
( ) outros ____________________

7) Quantos dias estes sintomas permanecem?


( ) 1 dia
( ) 2 dias
( ) 3 dias
( ) mais de 4 dias

8) Você faz uso profissional da voz?


( ) Sim ( ) Não

9) Se a resposta anterior foi afirmativa, onde utiliza a voz profissionalmente?


( ) coral
( ) teatro
( ) sala de aula
( ) outros _______________________

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Foi adotado o nível de significância de 5% para a É importante salientar que 23,3% das vozes analisa-
aplicação dos testes estatísticos. O Teste t de Student para das apresentaram uma piora na qualidade vocal no período
Dados Pareados foi utilizado para a avaliação das diferenças pós-menstruação, sendo que houve o aparecimento de
entre os momentos de menstruação e ovulação. soprosidade e/ou rouquidão na ovulação. No entanto, no
O programa utilizado para a realização das análises geral houve uma melhora da qualidade vocal no período de
estatísticas foi o SPSS (Statistical Package for Social Sciences), ovulação (Gráfico 1).
em sua versão 10.0. No que diz respeito à quebra de sonoridade, pude-
mos observar que durante a menstruação há pouca quebra
RESULTADOS de sonoridade, representando apenas 3,3% da amostra, não
tendo sido observada na ovulação. A diferença entre os dois
Os resultados estão dispostos nas Tabelas de 1 a 3 e períodos não foi estatisticamente significante (p=0,317)
nos Gráficos de 1 a 7. (Gráfico 2).
A partir da avaliação perceptivo-auditiva, observamos Em relação à estabilidade da emissão, observamos
que as vozes no período menstrual mostraram-se com qua- que durante a menstruação as vozes se mostraram em sua
lidade vocal rouca, soprosa ou rouco-soprosa de grau leve a maioria instáveis (70%); já na ovulação há uma maior estabi-
moderado em sua maioria. Já no período de ovulação hou- lidade das vozes (63,3%), sendo que a diferença entre os
ve uma tendência à diminuição de rouquidão e/ou dois períodos mostrou-se significante (p=0,021) (Gráfico 3).
soprosidade, ou seja, entre as vozes que foram classificadas Na avaliação do pitch, pudemos observar que não
como rouco-soprosas, algumas perderam apenas a houve diferença estatisticamente significante entre os dois
soprosidade e diminuíram a rouquidão ou vice-versa, o que períodos estudados (p=0,801), sendo 80% das vozes anali-
justifica o aumento percentual de vozes roucas e soprosas sadas classificadas com pitch adequado em ambos os perío-
no período de ovulação. dos (Gráfico 4).

Gráfico 1. Distribuição percentual das estudantes em relação à qua- Gráfico 2. Distribuição percentual das estudantes em relação à que-
lidade vocal durante o período menstrual e de ovulação. bra de sonoridade durante o período menstrual e de ovulação.

Gráfico 3. Distribuição percentual das estudantes em relação à esta- Gráfico 4. Classificação do pitch durante o período menstrual e de
bilidade da emissão durante o período menstrual e de ovulação. ovulação.

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A loudness mostrou-se adequada na maioria das vo- baixas de alcance quando comparadas com as vozes no
zes em ambos os períodos, embora tenha sido observada período de ovulação, sendo essa diferença estatisticamente
loudness reduzida na ovulação numa porcentagem maior significante.
que na menstruação. No entanto, não houve diferença esta- Na análise da definição dos traçados dos harmônicos,
tisticamente significante entre os dois períodos (Gráfico 5). 73% das vozes gravadas apresentaram pior qualidade de
Em relação à ressonância observamos que, em ambos definição no período menstrual (Espectrogramas 1 e 2).
os períodos, a maioria das vozes foram classificadas com res- Em relação à intensidade do ruído entre os harmônicos,
sonância laringo-faríngea, não havendo diferença significante 73% das vozes durante o período menstrual apresentaram maior
entre o período menstrual e de ovulação (Gráfico 6). quantidade de ruído. Finalmente, a quantidade de ruído na re-
Na análise do comportamento dos harmônicos, obti- gião acima da faixa dos harmônicos foi observada em maior
vemos os seguintes resultados: quanto aos valores das fre- intensidade em 73% das vozes no período menstrual.
qüências dos harmônicos superiores, dispostos na Tabela 1, Na Tabela 2 estão os resultados da análise computa-
as vozes no período menstrual apresentaram médias mais dorizada da f0. Nela pode-se observar que 53,3% das vozes

Gráfico 5. Classificação do loudness durante o período menstrual e


de ovulação.
Espectrograma 1. Espectrograma da voz no período menstrual

Gráfico 6. Classificação da ressonância durante o período menstru-


al e de ovulação.
Espectrograma 2. Espectrograma da voz no período de ovulação

Tabela 1. Valores dos harmônicos superiores na espectro-


grafia, em Hertz, em cada estudante nos períodos menstrual Tabela 2. Valores da f0 média, em Hertz para cada estudante
e de ovulação nos períodos menstrual e de ovulação

Estudantes Período Estudantes Período


  Menstruação Ovulação   Menstruação Ovulação
Média 2969,29 3862,30 Média 207,06 204,04
DP 705,90 739,35 DP 16,51 15,22

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Tabela 3. Valores das medidas relativas de jitter, shimmer e Proporção harmônico-ruído (PHR)

Estudantes JITTER SHIMMER * PHR *


  Menstruação Ovulação Menstruação Ovulação Menstruação Ovulação
Média 0,922 0,333 3,216 2,011 16,826 17,953
DP 1,134 1,081 2,468 0,957 4,789 2,629

analisadas mostraram-se mais graves no período menstrual; DISCUSSÃO


no entanto, essa diferença não foi estatisticamente
significante (p=0,778). Ao revisar a literatura, pudemos observar que são escas-
Foram observadas mudanças na magnitude da fre- sos os estudos sobre a voz durante o ciclo menstrual, sendo
qüência de perturbação (jitter), embora a diferença não te- que os estudos realizados analisaram o comportamento das
nha sido estatisticamente significante (p=0,441). Houve tam- pregas vocais por meio de telelaringoscopia durante a mens-
bém variações das medidas relativas de shimmer e dos va- truação e ovulação, não se atendo à qualidade vocal, compor-
lores da proporção harmônico-ruído (PHR) sendo a diferen- tamento dos harmônicos e parâmetros vocais (Abitbol, 1999).
ça estatisticamente significante em ambos (shimmer e PHR) Em nosso estudo realizamos avaliação perceptivo-
(shimmer – p=0,020 e PHR – p=0,045) (Tabela 3). auditiva e pudemos observar que a voz no período mens-
No que diz respeito às respostas do questionário, trual apresenta qualidade vocal rouco-soprosa, o que Abitbol
pudemos observar que apenas 27% das estudantes ob- (1999) explica pelo edema presente no terço posterior das
servam mudanças na voz no período pré-menstrual até pregas vocais e na área do músculo cricoaritenóideo e pela
dois dias do início da menstruação (Gráfico 7). Podemos presença de fenda posterior presentes neste período. No
afirmar que essa porcentagem é representativa, mas não que diz respeito à qualidade vocal, os autores são unânimes
significante. As estudantes referiram as seguintes quei- em afirmar que a voz fica rouca alguns dias antes da mens-
xas: cansaço ao falar, a voz falha, fica rouca, a voz fica truação, tendo um alívio do sintoma quando se inicia o fluxo
trêmula, com sensação de garganta seca e dificuldade menstrual (Davis, 1989; Abitbol, 1999).
de atingir notas agudas no canto. Em média foi referido Analisamos o comportamento dos harmônicos nos
que esses sintomas permanecem por três dias, envol- períodos menstrual e de ovulação e pudemos observar har-
vendo a pré-menstruação e a menstruação propriamen- mônicos em todos os espectrogramas, sendo que no perío-
te dita. do menstrual eles apresentaram-se menos definidos, devi-
É interessante salientar que das 27% das estudantes do à presença de ruído e talvez pela variação da f0, com
que referiram queixas vocais durante a menstruação, ape- instabilidade e baixo alcance na espectrografia, em média
nas 13% realmente apresentaram alteração da voz nesse 2969,291 Hz. Durante o período menstrual, os harmônicos
período. mostraram-se menos definidos, os harmônicos superiores
alcançaram médias mais baixas, houve muito ruído entre os
harmônicos e acima deles, o que faz com que no
espectrograma a região entre os harmônicos e acima deles
fique mais acinzentada. Abitbol (1999) relata que no perío-
do menstrual há perda do poder vocal e perda de certos
harmônicos altos. Não podemos afirmar necessariamente que
ocorreu perda dos harmônicos, mas sim que não foi possí-
vel visibilizá-los devido à presença de ruído. Já na ovulação
os harmônicos preencheram todo ou quase todo o intervalo
do espectrograma, com uma média de alcance das vozes
de 3862,30 Hz. Pudemos observar que a diferença entre as
médias da extensão dos harmônicos nos períodos menstrual
e de ovulação foi estatisticamente significante (p=0,010).
É sabido que alterações na massa ou no comprimen-
to das pregas vocais refletem-se nos valores da f0. É o que
ocorre, por exemplo, na muda vocal, quando sob a ação dos
hormônios sexuais, há aumento desigual do comprimento e
da massa das pregas vocais das crianças, que culmina na
Gráfico 7. Grau de conscientização das estudantes sobre a variação diferença dos valores de f0 conforme o sexo, nos homens
da voz no período menstrual. ao redor de 130 Hz e nas mulheres de 230 Hz.

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Sabendo-se que no período menstrual há edema nas O shimmer nos oferece uma percepção indireta do
pregas vocais, com aumento da sua massa, era esperado ruído na produção vocal e seus valores aumentam quanto
que houvesse mudança na freqüência fundamental nesse maior a quantidade de ruído numa emissão, como ocorre na
período; no entanto, a média de f0 foi maior durante a mens- soprosidade. Também se altera com a presença de lesões
truação, porém a diferença não foi estatisticamente de massa nas pregas vocais, ou mesmo apenas de um edema
significante. Embora não haja significância entre as médias difuso como na síndrome de tensão pré-menstrual (Behlau,
da f0 nos dois períodos (menstruação e ovulação) pudemos 2001). Todavia, sabemos que na menstruação a quantidade
perceber que, auditivamente, há um agravamento da voz de ruído está aumentada entre os harmônicos, o que faz
durante a menstruação, o que justifica também o pitch clas- elevar os valores de shimmer (aumento caracterizado pela
sificado como grave neste período em 16,6% das vozes lentificação da vibração das pregas vocais e do ruído do
analisadas. espectro). Em nosso estudo observamos diferença estatisti-
Dentre os estudos em relação à f0 no período mens- camente significante nas medidas de shimmer no período
trual, citamos Silverman e Zimmer (1978), que estudaram a menstrual e de ovulação.
presença de rouquidão no período pré-menstrual e na ovu- Quanto à proporção harmônico- ruído (PHR), que
lação e acreditavam que a rouquidão poderia estar associa- relaciona o componente harmônico versus o componente
da ao abaixamento da f0. Seus resultados com relação à f0 de ruído da onda acústica, pudemos observar em nossa pes-
indicaram não haver essencial diferença entre a f0 na ovula- quisa que na menstruação esta relação mostrou-se diminuí-
ção (em média 217 Hz) e no período pré-menstrual (216 da, pois há um maior nível de ruído e os harmônicos apre-
Hz), ou seja a diferença entre elas não foi estatisticamente sentam-se menos definidos; já na ovulação, temos um nível
significativa. de ruído diminuído e os harmônicos mais definidos, o que
Biase e Silva (2000) realizaram um estudo da f0 da implica em uma proporção harmônico-ruído maior. Foi en-
voz em mulheres jovens com síndrome pré-menstrual. Nes- contrada uma diferença estatisticamente significante entre
se estudo os valores obtidos de f0 variaram muito pouco, as médias da proporção harmônico-ruído entre os dois perí-
não indicando assim diferença estatisticamente significante odos.
nos parâmetros determinantes da f0 nos três períodos estu- As estudantes que participaram do nosso estudo rela-
dados. taram sintomas característicos da tensão pré-menstrual, como:
Observamos que durante a menstruação houve que- fortes cólicas, dores musculares, inchaço nas mamas, mu-
bra de sonoridade em apenas 3,3% das vozes e não houve dança de humor, nervosismo ou depressão. As queixas vo-
quebra de sonoridade no período de ovulação. A presença cais referidas pelas estudantes foram praticamente as mes-
de edema nas pregas vocais no período menstrual caracte- mas citadas por Abitbol (1999), incluindo apenas sensação
riza-se por uma aumento da massa das pregas vocais, per- de garganta seca.
mitindo maior amplitude de vibração e reduzindo a possibi- Em relação ao grau de conscientização das estudan-
lidade de quebra de sonoridade. tes de Fonoaudiologia sobre a variação da voz durante o
No período menstrual observamos maior instabilida- ciclo menstrual, pudemos constatar que apenas 27% das
de da emissão (70% das vozes) com pitch e loudness ade- estudantes apresentam queixa vocal durante o período
quados e ressonância equilibrada. Podemos inferir que em- menstrual, sendo que duas delas cantam em coral. Essa por-
bora o pitch e o loudness estejam adequados, a instabilida- centagem pode ser classificada como representativa, em-
de da emissão percebida auditivamente durante o período bora não significante. Sendo assim, podemos observar que
menstrual deva-se às mudanças no jitter e no shimmer. embora algumas estudantes tenham observado mudanças
Em relação aos parâmetros vocais, Higgins e Saxman na voz no período menstrual, poucas delas percebiam este
(1989) pesquisaram as variações na freqüência de perturba- fenômeno.
ção vocal (jitter) durante o ciclo menstrual e relataram que
nos primeiros dias de menstruação os valores do jitter são CONCLUSÕES
praticamente zero. Entretanto, na ovulação, ocorrem mu-
danças na magnitude do jitter. Da avaliação perceptivo-auditiva nos períodos mens-
Ao contrário, em nosso estudo, eram esperados mai- trual e de ovulação, podemos concluir que a maioria dos
ores índices de perturbação a curto prazo (jitter e shimmer) parâmetros utilizada para detectar modificação na voz mos-
no período de menstruação. O jitter variou em maior mag- trou alterações significantes, contudo as mulheres não apre-
nitude durante o período menstrual, o que era esperado, sentaram conscientização da modificação de suas vozes.
visto que esses valores de jitter em indivíduos normais po-
dem representar uma pequena variação na massa ou na REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
tensão das pregas vocais, na distribuição de muco sobre as
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