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O cinema, caçula das artes e filho da revolução industrial, se apoia num aparato técnico que
pode e está sendo minimizado, mas que de forma alguma é descartável. Para produzir imagens
em movimento são necessários equipamentos que empregam mecânica, óptica e eletricidade.
Não há como fugir disso.
Participei de alguns dos filmes selecionados para esta mostra, e quando fui convidado a refletir
sobre a cinematografia de então, algumas lembranças marcantes acabaram por delinear um
roteiro de idéias e impressões, que na falta de uma metodologia mais rigorosa, passo a seguir.
Somos a pátria do improviso. E o que na musica é uma benção, no cinema nem sempre resulta
em mais do que confusão. Filmar com “jeitinho” era nada mais do que tentar superar as
deficiências de equipamento, material sensível, pessoal e infra-estrutura que enfrentávamos.
Vivíamos então o auge da contracultura. Um dos meus gurus prediletos era Buckminster Fuller.
Pensador multidisciplinar, duble de arquiteto e filósofo, pregava o princípio do Dymaxion: fazer
mais com menos. Se a natureza agia assim, quem éramos nós para fazer diferente? Na
cinematografia local sua inspiração calou e colou fundo. Tudo o que refletisse luz era bem-vindo
ao set. Até com os lençóis de casal da mãe de uma namorada construi rebatedores. As
lâmpadas fotoflood, relativamente baratas e que dispensavam refletores, eram as nossas
favoritas nos interiores. A sucata da Vera Cruz, os frankensteins do Honório Marim e os
gentilmente cedidos pelo Jaques Dehenzelein completavam o parque de luz.
Pelos Cahiers du Cinema, acompanhávamos atentos as experiências do Raoul Coutard com os
filmes para fotografia mais sensíveis (800ASA!!!), que ele tinha a manha de emendar na camera
escura para usar na sua Cameflex. Genial! Gianni Di Venanzo com suas calhas de fotofloods de
luz suave e sem sombras, virou um ídolo. Mas, mesmo sabendo tudo isso não escapávamos de,
como comentou com perspicácia Lauro Escorel, iluminar mais as idéias e o discurso do diretor
do que os cenários e os atores.
Muitos dos filmes na época sofriam de “síndrome da alegoria “, e o conceito acabava
sobrepujando a imagem, salvo raras exceções. Administrávamos com liberalidade a herança do
Cinema Novo, e na falta de outros recursos para movimentar a velha Arriflex IIB continuávamos a
leva-la nas mãos. Da alternância destes planos sacudidos com os longos gerais fixos, resultava
uma espécie contratempo rítmico, que ficou como uma marca registrada do movimento.
Em suma: Foi ótimo enquanto durou. Dos sobreviventes, uns permanecem na atividade, outros
ficaram na saudade. Uma coisa não se pode negar; mexeu com a linguagem e acordou um
público já enfadado de tanta sociologia e boas intenções. Rebeldes, sim, mas todos de
excelentes famílias.