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Agrobrasília 2009

um passeio e muitas associações


Agrobrasília: quando a feira é o melhor estande da ciência, tecnologia e inovação

Texto e fotos: Nathália Kneipp Sena


Brasília, 6 de maio de 2009
Imagens da Agrobrasília, 2009

Hoje, nas manchetes dos


principais jornais, reaparece a
menção ao crescimento da
produção científica brasileira1.
Essa notícia nos remete a um
espaço arborizado, próximo ao
Ministério da Ciência e
Tecnologia, em Brasília, que se
chama Praça Johana Döbereiner.
A homenagem à cientista diz
respeito a seus feitos em relação
à terra, à fixação do nitrogênio ao
solo, o que resultou em um ciclo
virtuoso associado à redução do
uso de fertilizantes. Destacou-se
como “a cientista brasileira com o
maior número de citações em
publicações indexadas
internacionais”2. Impossível
transitar por uma Agrobrasília,
realizada em abril, sem pensar em
Döbereiner e tantos outros
pesquisadores e instituições que colaboraram para que essa e outras feiras e
festividades da cidade sejam uma vitrine viva do que há de melhor em ciência,
tecnologia e inovação no contexto rural e do agronegócio.

As práticas comunicacionais que têm na C,T&I o seu foco sucumbem, muitas


vezes, à enorme diversidade do entrelaçamento de temas, feitos, instituições e
personalidades. Como apresentá-los, por exemplo, em um estande de feira
agropecuária? Quais recortes, linguagem, destaques podem ser selecionados
como atrativos para um público cada vez mais diversificado? Um passeio pela
feira fornece alguns indícios, até mesmo uma analogia à Macluhan, se o meio é
a mensagem, a feira, em sua totalidade, é o melhor estande da C,T&I.
Ana Cristina Pimenta dedicou sua dissertação de mestrado ao estudo da
Agrobrasília enquanto “processo comunicacional”. É sua a observação de que
“as exposições e feiras agropecuárias, assim como tantas outras festas
populares brasileiras, são manifestações inseridas em um novo contexto
cultural mundial, que vem se confundindo há algumas décadas sob forte
influência dos meios de comunicação de massa”3.

1
GOIS, Antônio. Produção científica cresce 56% no Brasil. Folha de São Paulo: Brasil, São
Paulo, 6 de maio de 2009. p. 16.
2
KLEIN, Stanley. Johana Döbereiner morre aos 75 anos. Disponível em:
http://inorgan221.iq.unesp.br/quimgeral/jornal/dobereiner.html, acesso em 6 de maio de 2009.
3
PIMENTA, Ana Cristina Cavalcanti. Caipiras e countries da capital federal: um estudo
sobre a exposição agropecuária de Brasília como processo comunicacional. 2003. 136 f.
Dissertação (Mestrado) - Curso de Pós-graduação em Comunicação, Departamento de
Comunicação, Universidade de Brasília, Brasília, 2003. Disponível em:
A estética de aldeia global da Agrobrasília de 2009 confirma esse ponto de
vista. Em comparação às outras Agrobrasílias, especialmente àquelas dos
caipiras e countries da capital federal — o público “cativo” —, nota-se uma
evolução na organização e também no “visual”. São 320 mil metros quadrados,
correspondentes ao Parque Tecnológico Ivaldo Cenci4, com o que há de mais
high-tech convivendo com a exibição das tecnologias sociais para a agricultura
familiar, aquelas “ferramentas para a construção de uma sociedade mais justa,
igualitária e ambientalmente sustentável”5. Nos ambientes externos e nos
pavilhões, os chapéus de cowboy convivem com ipods, laptops, artesanatos,
cucas, uma mistura de costumes, símbolos e valores que nos remete ao
conceito das neotribos.

O neotribalismo apontado por Maffesoli contém em suas entranhas as


comunidades emocionais de Weber com o seu pertencimento a um
grupo e também contém a solidariedade orgânica de Durkheim com os
laços sociais, tudo de forma a consolidar as neotribos6.

<http://www.rodrigobarba.com/pos/teses/2003_Ana_Cristina_Cavalcanti_Pimenta.PDF>.
Acesso em: 06 maio 2009.
4
AGÊNCIA SEBRAE DE NOTÍCIAS (Ed.). DF: Agrobrasília 2009 começa amanhã no
Parque Tecnológico Ivaldo Cenci. Disponível em:
<http://www.paginarural.com.br/noticias_detalhes.php?id=109190>. Acesso em: 14 abr. 2009.
5
DAGNINO, Renato Peixoto (Org.). Tecnologia social: ferramenta para construir outra
sociedade. Campinas: Unicamp, 2009. 183 p.
6
QUARESMA, Sílvia Jurema. Durkheim e Weber: inspiração para uma nova sociabilidade, o
neotribalismo. Revista Eletrônica dos Pós-graduandos em Sociologia Política da UFSC,
Santa Catarina, v. 13, n. 2, p.81-89, janeiro – julho, 2005. Disponível em:
<http://www.emtese.ufsc.br/3_art6.pdf>. Acesso em: 13 maio 2009.
Genius loci, o espírito do lugar

"O futuro é popular", avisa Renato Meirelles, sócio-


diretor do Instituto
Data Popular de São
Paulo, cujos estudos
revelam o crescimen-
to e predomínio das
classes C, D e E no
Brasil, responsáveis
por 71% do consumo no
país. Para esse público,
há muitas ações que
podem ser elaboradas
com o intuito de popula-
rizar a ciência e criar opotunidades de contato com o
caráter participativo que está no bojo do desenvolvi-
mento e uso das tecnologias sociais, com destaques
para as feiras e festividades em que esses
segmentos da população estejam presentes,
como é o caso da Agrobrasília.

Em 2007, o jornalista e sociólogo italiano


Francesco Morace deu vida à célebre frase de
Leo Tolstoi − "fala da tua aldeia e falarás ao
mundo inteiro" − ao apresentar, em relação ao
trabalho do Future Concept Lab7, o conceito de
cult hunters ou cult searchers os "caçadores de
tendências" que trabalham com o conceito de
mindstyles, estilos mentais, estudados enquanto
"influências culturais relacinadas com os
imaginários coletivos, com base na mídia, na
influência de formadores de opinião, no que se
refere a valores, estilos e gostos". Utilizam um
conceito que veio da arquitetura, o genius loci,
que corresponde ao "espírito do lugar".

"Nesses anos foram imaginadas, propostas e


vendidas tendências com uma velocidade e, às vezes, superficialidade
desconcertantes. Na moda e no design. No marketing e na comunicação. A
apoteose das tendências. Um trend para cada um. One to one. O que é real
trend? Existiria uma tendência verdadeira?", questiona Morace.

Para se vislumbrar tendências de um processo comunicacional na feira, seria


desejável utilizar uma metodologia como a que é proposta pelo Future Concept
Lab, investigar os aspectos desse imaginário coletivo que está expresso na
feira, em constante transformação, em busca do novo, constantemente
"polinizado" ao se ter contato com novas culturas, novos símbolos, o que
Morace detalha em seu livro "a estratégia do colibri".

7
MORACE, Francesco. As tendências reais e o surrealismo no consumo. 2o Seminário Internacional de
Comportamento e Consumo. Hotel Sheraton, Rio de Janeiro, 17 e 18 de outubro de 2007.
O estande do MCT: namoro entre Agrobrasília e Semana Nacional de C&T

A lendária borboleta azul, protagonista de filme


hollywoodiano em 20048, tornou-se o ícone da
Semana Nacional de C&T em 2009, com o tema
"Ciência no Brasil". Foi uma imagem de destaque
no estande do MCT na Agrobrasília e quiçá
anunciadora de uma possível convergência entre os
dois eventos no futuro. É uma “visitante” que pode
fomentar um vôo de pureza imaginária do espírito
do lugar, “espírito da terra”, elemento que une e
separa a realidade rural e aquela dos visitantes
oriundos de áreas urbanas. O voar, por sinal, estará
presente nas grandes descobertas que serão
comemoradas neste ano, entre 19 e 25 de outubro:
“a construção do primeiro balão de ar quente por
Bartolomeu de Gusmão (há 300 anos); o centenário
da Educação Profissional e Tecnológica no Brasil e os cem anos da descoberta
da doença de Chagas”9. A primeira tem tanto na Esplanada do Ministérios,
reduto tradicional da Semana, quanto na Agrobrasília, um espaço ideal para a
saída e chegada dos balonistas. Ademais, o balão é um elemento simbólico
que povoa as festas caipiras, especialmente as de São João, mais um ícone de
aproximação entre os imaginários dos públicos de ambos os eventos. O
origami enseja sua universalidade10.

Doutor Pardal e o western planetário

“Em nossa mitologia cultural,


o pesquisador é por vezes o
professor Pardal dos
quadrinhos Disney: um
homem perdido em seus
problemas científicos,
apaixonado por seus
trabalhos, um pesquisador
feliz11”. Acrescente-se a
essa personagem, ou às
suas atualizações, o cenário
campestre e eis uma boa
alquimia para um marketing
de C,T&I destinado a um
público jovem que circulou
pelos estandes e caminhos da feira.

8
A BORBOLETA Azul Blog - Adoro Cinema. Disponível em:
<http://www.adorocinema.com/filmes/borboleta-azul/borboleta-azul.asp>. Acesso em: 12 maio
2009.
9
Folder “Semana Nacional de Ciência e Tecnologia, 19 a 25 de outubro de 2009”. Ministério da
Ciência e Tecnologia.
10
http://origami.em.blog.br/archives/balao-para-festa-junina/
11
LAVILLE, Christian; DIONNE, Jean. A construção do saber: manual de metodologia da
pesquisa em ciências humanas. Belo Horizonte: UFMG, 1999. 340 p.
As atualizações do professor Pardal estão presentes especialmente em
seriados de TV americanos, enredos em que ciência e tecnologia ganham
maior destaque nas narrativas, imiscuindo-se no desfecho das tramas. “The Big
Bang Theory”, por exemplo12, o faz de forma bem-humorada, enquanto
"Numb3rs" e "Crime Scene Investigation (CSI)" apresentam o conhecimento
científico e tecnológico como elemento de criatividade, antecipação e controle
na investigação e repressão do crime.

Inclusão digital em áreas rurais13 — um dos programas mostrados pela


Secretaria de C&T para Inclusão Social no estande do MCT quer trazer ao
campo as novas tecnologias de comunicação e informação — é um portfólio de
R$25 milhões, que promete conduzir os jovens para outras janelas, entre as
quais as que permitam recortes de doutores pardais, mundo afora, em um
contexto de western planetário, simbioses pertinentes à grande teia do
ciberespaço.

Realidade ampliada

É essa a “realidade
ampliada”, mencionada por
Pierre Lévy14, que pode
passar a conviver com os
demais textos integrantes
de diversos processos
comunicacionais de um
estande de C,T&I, a inter-
relação com o dia-a-dia do
pequeno agricultor,
maquete em escala real,
como a da
Produção Agroecológica
Integrada Sustentável
(Pais), tecnologia social
em fase de multiplicação nos municípios brasileiros, literalmente plantada na
Agrobrasília. Como associações são um caminho aberto à imaginação, não é
difícil supor que um dia, na feira, surja a possibilidade de entrar em um pavilhão
e vivenciar uma experimentação de formas sensório-motoras com modelos
digitais, como o mundo virtual proposto pela artista Char Davies, em exposição
no Museu de Arte Contemporânea de Montreal em 1995, obra citada por Lévy,
que oferece o degustar de um mundo à parte em que a inspiração e expiração
da pessoa são os propulsores de sua movimentação em um mundo imagético:

12
Sitcom americano, exibido pela Warner Channel
(http://pt.wikipedia.org/wiki/The_Big_Bang_Theory)
13
MACEDO, Danilo. Zona rural terá 500 centros de inclusão digital a partir de outubro. Agência
Brasil. Disponível em: http://www.inclusaodigital.gov.br/inclusao/noticia/zona-rural-tera-500-
centros-de-inclusao-digital-a-partir-de-outubro, acesso em 13 de maio de 2009.
14
LÉVY, Pierre. A Cibercultura. Editora 34, pg. 38.
“Esse mundo é doce,
orgânico, dominado por uma
vegetação onipresente. Ao
inclinar-se para frente, você
vai em direção a uma
grande árvore que parece
constituir o eixo da clareira
sagrada. Surpresa: ao entrar
em contato com a casca da
árvore, penetra no alburno e,
como se fosse uma
molécula dotada de
sensações, toma os canais
que carregam a seiva.
Concentrando-se para
inspirar profundamente, sobe pelo interior da árvore até chegar à
folhagem. Cercado por cápsulas de clorofila de verde tenro, chega
agora a uma folha onde assiste à complicada dança da
fotossíntese. Saindo da folha, voa novamente sobre a clareira.
Desce rumo ao pântano com profundas expirações. No caminho,
cruza novamente uma revoada de vaga-lumes (ou seriam
espíritos?) da qual emanam estranhos sons de sininhos distantes.
Virando a cabeça, é possível vê-los afastarem-se rumo à floresta
enquanto chegam, atenuados pela distância, os últimos ecos das
sinetas celestiais. Agora você se encontra bem próximo à
superfície do pântano, onde os reflexos e jogos de luz fazem com
que permaneça algum tempo. Depois cruza a superfície da água.
Um peixe com nadadeiras ondulantes o recebe no mundo
aquático...”
A feira como teatro interativo

George Homer, fundador da G&H Associados e professor do Fashion Institute


of Technology, costuma dizer que a loja, e no caso deste texto, a feira, "é como
se fosse um teatro interativo" em que se deve conceber com cuidado e
adequação os personagens, figurinos, cenários e iluminação. "O cérebro
trabalha com imagens, não existe uma segunda chance para se causar a
primeira impressão", sentencia o especialista em merchandising visual. Se
seguirmos o raciocínio de Homer, a feira, em seu processo comunicacional,
seja no seu espaço aberto, quanto nos pavilhões, tem seis paredes, pois o céu,
ou teto, e o chão estão incluídos no aspecto de vitrine.

As possibilidades de fomento da feira como teatro interativo, trazendo C,T&I


para o script, têm terreno fértil pois muitos personagens de feiras
agropecuárias já ganham destaque, até mesmo em meio urbano, como
acontece na Cowparade, em que as vacas são o tema da maior exposição de
arte de rua do mundo. Esteve no Rio de Janeiro em 2007, com vacas feitas
com resina, espalhadas por toda a cidade, algumas pintadas por artistas de
renome, outras por novos talentos.
Abertas à intertextualidade
essas imagens, e a
presença do gado na feira,
sugerem um link para o fato
de o Ceitec ter lançado, em
setembro de 2008, o
primeiro chip nacional para
rastreabilidade bovina, um
primeiro dispositivo de uma
linha completa de produtos
de rastreabilidade animal
chamados de ATD (Animal
Tracking Device) que serão
fabricados na unidade e
contemplarão,
posteriormente, as cadeias
de suínos e aves15, informações que muitas vezes passam despercebidas, pois
não são explicitadas nem apresentadas de maneira que abarquem um
audiência mais diversificada.

Pensar uma dinâmica de interatividade em que teatro, marketing de C,T&I,


comunicação organizacional e uma atividade voltada ao agronegócio tenham
um enredo harmônico, de sucesso, é um desafio à imaginação. Qualquer
passeio pela feira é suficiente para aguçar percepções, visualizações do
potencial daquele espaço, cenários, personagens, figurinos. Quem sabe nos
creative clusters ou APLs de cultura16 surjam os roteiristas e as trupes − como
aquelas tão vivamente descritas por Goethe17, ao escrever um verdadeiro
compêndio das manifestações teatrais do século 18, universo repleto de
marionetes, funâmbulos, acrobatas, companhias itinerantes, mistérios e autos
religiosos, encenações amadoras e teatro profissional, que hoje ganham nova
gramática no Cirque du Soleil − que alçarão esse e outros eventos ao
imaginário que transcende localidades e regionalismos, momento em que
comércio, arte, ciência, tecnologia e inovação aproximam as pessoas e recriam
a aura das grandes feiras e festividades.

15
SENA, Nathália K. Convergência digital é tema de debate na Universidade Católica de Brasília.
Disponível em: <rupturasdaconvergenciadigital.wordpress.com>
16
LOIOLA, Elizabeth e LIMA, Carmem Lucia. Aglomerações Produtivas e Segmento Cultural: algumas
considerações. Encontro de Estudos Multidisciplinares em Cultura - IV Enecult. Disponível em:
<http://www.cult.ufba.br/enecult2008/14453.pdf>acesso em 20 de maio de 2009.
17
GOETHE, Johann W. V. Os anos de aprendizado de Wilhelm Meister. Editora 34. Disponível em:
<http://books.google.com.br/books?id=ZiotXXSJ24kC&printsec=frontcover&hl=en&source=gbs_summa
ry_r&cad=0>, acesso em 20 de maio de 2009.

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