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João Bosco Almeida

KONDURILÂNDIA

IDÉIAS E REGISTROS
NA GÊNESE DA NOVA
UNIDADE FEDERATIVA
NO OESTE DO PARÁ

Fundação Ferreira de Almeida - Ano 2001


2
João Bosco Oliveira de Almeida
Advogado e articulista na imprensa paraense, fundador da
Associação Comercial de Oriximiná e organizador da Fundação
Ferreira de Almeida

KONDURILÂNDIA

Idéias e registros na gênese da nova


unidade federativa no oeste do Pará

Fundação Ferreira de Almeida – Oriximiná - Pará


Ano 2001

3
Título: Kondurilândia – idéias e registros na gênese da
nova unidade federativa no oeste do Pará

 João Bosco Oliveira de Almeida


Todos os direitos são reservados ao autor

Impresso na Gráfica Andrade

Tiragem: 1 000 exemplares

Catalogação na Fonte
Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)

Almeida, João Bosco Oliveira.


Kondurilândia – Idéias e registros na gênese
da nova unidade federativa no Oeste doPará.
Oriximiná:Fundação Ferreira de Almeida, 2001.

280 p.

1. Oriximiná – Aspectos sociais e políticos 2.


Oriximiná – História I. Título .

CDD – 981.1

4
Aos meus pais,
pelas virtudes ensinadas;
aos meus filhos,
sementes lançadas,
e, à minha mulher
pela rega diária do saber
na família feliz que somos.

5
Ao povo feliz do baixo-amazonas,
especialmente na terra de Uraxá,
personagens das histórias engraçadas
de gente e cousas na Amazônia brasileira.

6
“Tenho podido viver de acordo com minhas convicções.
Politicamente acredito
que não pode existir uma sociedade decente sem
liberdade de crítica.
Filosoficamente, creio que a vida do homem se reduz,
em última análise, a uma fé – cujos fundamentos estão
além de qualquer prova.
Acho que todo homem é o verdadeiro pigmalião de si
próprio.
E em recriando a si próprio, bem ou mal ele recria a raça
humana e o futuro”

Isidor F. Stone, in Stone’s Weekly, 1971

7
“Todo ser humano tem consciência do passado
(definido como o período imediatamente anterior aos
eventos registrados na memória de um indivíduo) em
virtude de viver com pessoas mais velhas.

Provavelmente todas as sociedades que interessam ao


historiador tenham um passado, pois mesmo as colônias
mais inovadoras são povoadas por pessoas oriundas de
alguma sociedade que já conta com uma longa história.

Ser membro de uma comunidade humana é situar-se em


relação ao seu passado ( ou da comunidade), ainda que
apenas para rejeitá-lo.

O passado é, portanto, uma dimensão permanente da


consciência humana, um componente inevitável das
instituições, valores e outros padrões da sociedade
humana.

O problema para os historiadores é analisar a natureza


desse “sentido do passado” na sociedade e localizar
suas mudanças e transformações.”

Eric Hobsbawm,
In Sobre História

8
SUMÁRIO

1. Introdução a nova Era, 16


2. As Diferentes Terras e Gentes, 27
3. As Gentes Pensam Diferente, 59
4. O Primeiro Fórum, 70
5. Um Palpite Infeliz, 82
6. Na Calha do Rio, 91
7. Abundância e Desperdício, 99
8. O novo Estado e a razão de ser, 110
9. Pelas Florestas do Trombetas, 116
10. A Farsa dos Quilombos, 130
11. A Modernidade e o Consumidor, 152
12. A Democracia dos Konduris, 166
13. O mercado comum para o Trombetas, 186
14. Padre Nicolino: uma lenda esquecida, 195
Apêndice
1. Um pacto para Oriximiná, 240
2. PAROESTE: Falta de Paraensismo?, 244
3. Estado do Tapajós: uma questão de governo, 249
4. MRN – Responsabilidade Pública e Cidadania,254

9
URAXAMINA
12
Caco Konduri

Na preta e funda água bela


Medita a pedra, sentinela posta.
Vento insufla do Omágua a vela,
A quantos nativos a história enrosca.

Exala a mata a seiva enxuta


Regaço cativo, a terra preta;
Sagrado ídolo no solo avulta
Apantos vivos... é só careta.

O rio lamina o ferro, a quilha


A terra culta, barro quebrado.
Semântico leito dá nome a filha

Selo remoto cola calado


Lapidar gemido a língua fará:
Uraxamina, Uradimina, Oriximiná.

1. Caco Konduri é espírito inquieto e ativo nas questões de

Oriximiná. No soneto URAXAMINA, Caco Konduri fala dos Omáguas e


dos Apantos (tribos que habitavam as terras onde hoje está
plantada a cidade de Oriximiná) e estimula a discussão das diversas
origens da palavra Oriximiná, lapidados que foram os termos
indígenas misturados com a semântica européia. O rio Uradimina
que já vem da antiga denominação indígena Urudumina, atual rio
Trombetas, se origina dos rios Cafuini e Anamú, que descem lá nas
altas cadeias montanhosas das Guianas Inglesas e Holandesas.

10
PREFÁCIO

Chega a ser uma quase tragédia a falta de


material escrito, documental e com valor histórico
sobre elementos tão distintos da manifestação
existencial de um povo. Sem pretender ser, a rigor, uma
obra histórica sobre a “terra de Konduris” como
enfatiza o autor, Kondurilândia junta-se a uns poucos
outros escritos e anotações de variados aspectos da vida
cultural, social e política de Oriximiná, passeando desde
eras remotas até os momentos mais atuais.

11
Oriximiná tem enfrentado tremendas batalhas
para manter sua identidade cultural. Cada ciclo
econômico, cada movimento social, cada grande projeto
perturbam e agridem este consenso harmonioso que é a
vida nesta comunidade de gentes pacíficas, porém,
combativas. Ordeiras, mas, que não aceitam
conformadas um destino que não lhes faça justiça.

Testemunha privilegiada de muitos fatos,


observador sensível e rigoroso, o autor reparte
informações que foi buscar a custa de muita leitura, de
muita pesquisa, de muita documentação. Abundantes
relatos contidos em “Kondurilândia” não estariam
disponíveis de outra forma, a não ser pela generosidade
em compartilhar, com o aval de testemunhas vivas, que
presenciaram e fizeram a história mais recente desta
terra.

Ao garimpar nichos políticos instigantes,


chamando à baila temas estimulantes como a criação de
um novo Estado, a política demarcatória de terras
especial para as chamadas “minorias étnicas”, as

12
agressões e transgressões ambientais em áreas de
exploração mineral, culminando na ousada proposta de
criação de um Mercado Comum para o vale do Rio
Trombetas, o livro propicia ao leitor conceber um
itinerário excitante sobre esta extraordinária região da
Amazônia, aliciando nossos desejos de repensar nosso
destino.

Comandados pela cobiça de guiar o progresso,


governos ineptos nos tem impelido para crises que
transformaram encruzilhada numa debandada. Re-
agrupados pela confiança restauradora em Governos
sérios e eficazes, os ex-órfãos do populismo imperial
que reinou por 7 anos assumem suas condições de
dignidade e buscam novas alternativas para o sucesso.
Oriximiná respira novos ares, o povo abandona
gradativamente a concepção falha da tutela do Poder
Público. A solução chegou, força das circunstâncias,
pela aliança de partidos políticos distintos que ora, e a
cada dia mais, se preocupam em dar paternidade à obra
restauradora. À parte o debate das idéias e o embate
político dos Partidos, ressalte-se a idéia-força Tucana, o

13
exemplo seguido do Governador Almir Gabriel, a
somatória de esforços de todos. Há também as
correntes de opinião e organizações sociais que geraram
a matéria-prima com a qual se haverá de construir um
futuro mais livre e mais consciente.

Nesta seara, instalados em Partidos Políticos


diferentes e fortes individualmente, temos caras
igualmente diferentes enquanto conserva-se o cerne, o
núcleo, o coração do assunto: o bem-estar do povo. A
nova liderança sabe muito bem, que o conveniente é a
lógica entre o exemplo penoso dos acontecimentos e a
reflexão disciplinada do possível. Só prosperam
parcerias eficazes quando ambos ganham, logo,
comportamentos excludentes, veleidades pessoais,
fantasias imperialescas não cabem mais no atual
cenário.

Kondurilândia abrange uma vasta área para


palmilhar nossos caminhos. Pretende fomentar o debate
necessário acerca dos nossos destinos, aspira instigar o
surgimento de uma corrente de opinião pensada

14
seriamente que leve a termo as alternativas plausíveis
norteadas no mesmo sentido e direção.

Kondurilândia me traz à mente frases famosas de


gênios como Albert Einstein e Oscar Wilde,
respectivamente: "O mais importante é não parar de
questionar." e "Progresso é a realização de utopias."

Oriximiná, abril de 2001

Francisco de Souza Florenzano


Empresário (Shop Safra e Jornal Uruá-Tapera)
Presidente da Agência de Desenvolvimento Municipal de Oriximiná
Presidente do PSDB de Oriximiná

15
Capítulo 1

INTRODUÇÃO À NOVA ERA

Uma pessoa comum pode entender a política?


Qualquer um de nós, simples mortal, pode interferir no
processo político? Pode se aventurar na faina de
perscrutar o que se passa por trás das notícias dos
jornais? Enfim, pode se dar ao luxo de se por a pensar
sobre o que acontece à sua volta e de lá tirar
conclusões, articular temas regionais, falar sobre a

16
cultura local, sobre a história da nossa gente e
civilizações passadas?

Para um sim ou não, você acaba de entrar numa


fria: se meter num assunto que só diz respeito aos
“grandes”, aos líderes, aos iniciados na ciência formal
não deve ser coisa para simples mortais. É o que dizem
os chamados “entendidos”, os mais velhos, as velhas
lideranças que não querem sucumbir aos efeitos das
naturais renovações.

Mas, será que já não é hora de você agir, falar,


gritar, influenciar mesmo sobre a questão separatista no
Pará? E o que você acha das tratativas que as terras
públicas no município de Oriximiná estão recebendo ao
serem doadas para uma entidade coletiva? Será que o
processo de regularização e alienação dessas áreas
obedeceu aos ditames da lei? E a sobre nossa história
cultural e política? Sobre Padre Nicolino e sua capela de
ouro? E as grandes áreas que nos separam dos países
do norte da América do Sul? Como estão acontecendo
as ações do sistema de segurança das fronteiras?

17
Quem está sabendo do projeto Calha Norte e o
que tal projeto representa para os povos das áreas
fronteiriças desta nação? E o Plano Colômbia? E sobre
as pistas de pouso das aeronaves dos traficantes de
drogas que a Polícia Federal implode à vontade? O que
devemos fazer? Qual a senha da vida?

Este livro pretende estimular a reflexão sobre


vários assuntos de interesse geral, cultura, história,
política, economia e segurança, temas de integração
nacional tratados a partir de crônicas já publicadas pelo
autor, de comentários críticos sobre uma evidência, de
observação acurada sobre uma questão jurídica, e ao
final, da própria experiência de anos nas fainas diárias
das instituições onde laborou ao longo de quatro
décadas.

Ao final, você vai ver que tudo depende de uma


ação ou omissão, política ou não. Os habitantes da
região do baixo-amazonas paraense convivem ao longo
do tempo com a questão separatista. Ser ou não ser

18
paraense é mais do que existencial motivação para viver
na região. É preciso desapaixonar o tema. Esta causa
quase sempre é desqualificada quando o interlocutor
assoma com argumentos emocionais, apelando para o
lado fraco do coração humano.

Sejamos ambiciosos pela razão de tentar explicar


as causas da nossa realidade. Sem nada dizer
abertamente, sem manifestação pública, sem se
expressar nas artes, salvo raríssimas exceções, a
autonomia política da nossa região vem sendo aos
poucos conquistada, ora mais enfaticamente como agora
às vésperas de importante votação no congresso
nacional, ora “empurrada” com a barriga para um futuro
distante pelos inimigos do povo. Não, não vamos falar ou
escrever para dificultar o assunto, nem complicar mais o
tema, mas, há que se reconhecer que é matéria
adredemente divulgada para a chamada opinião pública
com astúcia e vigorosa conformação política de tez
romântica, saudosista e comprometida com acordos
impronunciáveis.

19
De repente, alguém aparentemente sem vínculo
com a região do baixo-amazonas paraense consegue
colocar a questão na marca do pênalti: iminente
aprovação na câmara federal do dispositivo que prevê
plebiscito em seis meses.

Mas, a questão separatista é assunto tido como


sério demais para os comuns do povo, é conversa de
gente grande, de políticos influentes e como tal, não
interessa para o baixo clero. Muitos deixam de falar
sobre a questão separatista no oeste do Pará porque
não detém cargos, porque não vai levar um, ou porque
vai beneficiar este ou aquele político no governo.
Esquecem-se que estão exatamente fazendo o jogo para
manutenção do status quo da mesma classe política
satisfeita com os resultados das urnas, fazendo da
política uma profissão, uma coisa pegajosa. Não
conseguem ver o advento da nova era, do nascimento de
uma nova sociedade. 3

3
Vide capitulo A Democracia dos Konduris

20
Lembrem-se que já teve político de renome na
sociedade paraense que dormiu eleito na tese
separatista e acordou exilado do cargo, sem condições
de implementar suas ações comprometidas com a causa
separatista. Ficou manietado no exercício do cargo
vincendo. Se com eles acontece tal reverso, imaginem
para a gente do povo...

Meu propósito ao escrever este livro é criar uma


parte da nossa história regional, melhor, registrar fatos,
comentar a opinião dos outros que já escreveram sobre
Oriximiná e região, para ao final, propor idéias como
solução para a integração da região à federação, nem
que seja para justificar o velho sonho de melhores dias.
O que se propõe para reflexão neste ensaio geral é a
tese de que qualquer que seja sua opção de futuro, essa
decisão é uma questão de ação ou omissão, seja a
minha ou a sua escolha, e então estaremos fazendo a
viagem filosófica em busca das causas que produzem a
tal realidade.4

4
“...As causas da riqueza e pobreza de nações – eis o formidável
objetivo de todas as investigações em economia política. Apud

21
Nossas ações na sociedade quase sempre
podem ser interpretadas à luz das diretrizes políticas
dominantes. Muito pouco, por convicção e coerência de
teses comuns, para atender reclamos legítimos de uma
gente. Afinal, o grego já dizia da nossa inseparável
característica política. Portanto, você e eu escrevemos a
própria história, sem romantismos, sem paixões ou
sectarismo que impede a luz racional das verdadeiras
causas da diferenciação econômico-social da região e da
nação brasileira frente ao abismo que separa os ricos
dos pobres. 5

Malthus a Ricardo, carta de 26 de janeiro de 1817, in J.M.Keiynes,


Colleted Works, X, 07-98, citado em Skidelsky, John Maynard
Keynes: The Economist as Saviour 1920-1937, p. 419.Citação
extraída da página de abertura do livro A Riqueza e A Pobreza das
Nações, porque algumas são tão ricas e outras tão pobres, de David
S. Landes, 3ª Edição, Rio de Janeiro, Campus, 1998. N A
5
Conforme o mesmo autor “A antiga divisão do mundo em dois
blocos de poder, Leste e Oeste, já não existe. Hoje, o grande
desafio e ameaça é o abismo em matéria de riqueza e saúde que
separa ricos e pobres. Esse abismo é freqüentemente descrito em
termos de Norte e Sul, porque a divisão é geográfica; mas uma
indicação mais correta seria o Ocidente e o Resto, porque a divisão
também é histórica. Eis aí o maior problema e perigo com que se
defronta o mundo do Terceiro Milênio. A outra preocupação, que
acompanha de perto essa primeira, é a deterioração ambiental, e
as duas estão intimamente ligadas. Na verdade, constituem um só

22
Assim, vamos tratar de temas diversos, como
direitos à terra negados pelo próprio governo do Pará
aos também legítimos possuidores, como é o caso da
luta ferrenha travada entre irmãos de sangue na disputa
pelas terras públicas do Trombetas e Cuminá; direitos a
ser conectado à federação brasileira por estradas e vias
logisticamente estruturadas, com o mínimo de segurança
e economia, para fomento da atividade produtiva
inibidora das misérias regionais; direito à distribuição da
justiça, via acesso e resposta do judiciário efetiva e
prontamente prestada para o cidadão; direitos básicos do
consumidor, sem falar no mais elementar direito da
humanidade como é o da autodeterminação dos povos.

Os chamados políticos visitantes não têm a


chance de vindita contra os teimosos que se põe a
pensar soluções para os problemas da região. Primeiro,

problema, pois a riqueza gera consumo mas também lixo, produção


mas também destruição. Esse lixo e essa destruição, que
aumentaram muito com a produção e a renda, ameaçam o espaço
em que vivemos e nos movimentamos”. Ob. cit. Pág. XX da
Introdução.N.A

23
porque raramente aparecem na região, duas ou três
vezes por décadas, reduzindo as oportunidades de
encontros e desforras mais pela inépcia do trato político,
menos pela sagacidade e astúcia; depois, o eleitor ainda
não é vigiado na imaginação, ainda não paga imposto
neste país a atividade que tem o pensamento como fato
gerador. A difícil e quase impossível subsunção da
atividade mental ao fato gerador de tal imposto é
bastante para frear tais asneiras.

Reflexão é pensamento aliado à ação. Então,


vamos lá. Pensemos e poderemos estar aptos para
tentar responder, por exemplo, qual o tamanho desse
abismo de idéias, vácuo negro do desenvolvimento
regional. Séculos se passaram e ainda remamos contra
a maré da educação, que não chega para todos, contra o
acesso ao desempenho de uma atividade produtiva que
dê a cada morador a dignidade de viver pelo próprio
esforço, não precisando pedir nada a ninguém, muito
menos a político acostumado a dar o que não lhe
pertence.

24
Urge agir para registrar a marca histórica de
conquistar o espaço político, exercer o lugar na
sociedade como eterno agente de mudanças. Como
conseguiremos esse bem-estar almejado para nossas
gentes, que serão deles não por dádivas de cada um de
nós, mas somente pelo próprio esforço em buscar
saídas, não se corrompendo com verba alheia sem
precisar vender sua alma ao diabo da politicagem?

Como podemos ajudá-los? Talvez este livro possa


contribuir para respostas que será sempre daquele que
estiver disposto a recebê-la, a buscá-la onde estiver,
mesmo que para isso seja necessário gastar tempo para
ler e pensar a sua realidade identificando as causas dos
resultados indesejáveis e propondo as respectivas
soluções, para ter uma vida com qualidade.

Afinal, a idéia central que sempre podemos deixar


essa sociedade para os nossos filhos um pouco melhor
do que recebemos de nossos pais é também norteadora
dos textos aqui presentes. Não se admite dizer que “...
não é comigo”, “...isso foi sempre assim...” , “...ninguém

25
vai mudar a política”. É você mesmo, cidadão do baixo-
amazonas paraense o alvo deste ensaio político cultural
a começar agora...

Autonomia é isso! Pensar localmente com as


próprias idéias para agir globalmente em favor da
comunidade. Não pensem que fui eu quem inventou
essa frase de efeito impactante. Mas, se não fosse
pesquisando, ligando os fatos, conectando as idéias,
pensando sobre o tema e fazendo anotações, ainda hoje
estaríamos na chamada idade da pedra.

É preciso fazer da política uma ação comunitária


que traz benefício a todos, operando os fatos e recursos
com as mãos limpas e o grato saber do dever cumprido.

26
Capítulo 2

AS DIFERENTES TERRAS E GENTES

TODA história de gente começa num lugar. A terra


ainda nos sustenta e nos diferencia porque se apresenta
multiforme, nos dá o atributo da diversidade na
produção, na colheita, na beleza, na vida. Base dos rios,
das águas, das árvores, ela reflete a vida na forma que é
nutrida pela natureza, enquanto o homem ainda não
achou outra função melhor. De fato, de cada solo vem
uma planta diferente, uma gente diversa, portanto, uma

27
história não contada por todos. Das diversas camadas
vêem sempre as floradas douradas, prateadas,
niqueladas, aluminizadas, cobreadas etc. etc.

Alimentos diversos geram pensamentos e ações


variadas. Diz-se que podemos conhecer o que um povo
pensa a partir daquilo que ingere na alimentação. Os
contornos geográficos, a consistência do solo, a plástica
elaborada pelo chamado relevo separaram vidas, tipos
de interagir com a natureza, gerando em cada um
desses lugares, vontades, soluções e atitudes
diferenciadas. É a tal da diversidade biológica.
Paisagens não semelhantes formam gentes e
personalidades diferentes.

A área de pesquisa das causas e proposta de


ação é a região do Baixo Amazonas6 paraense. As terras

6
Apud Acevedo & Castro, in Os Negros do Trombetas, “Em torno de
1823, as regiões de Belém e de Santarém constituíam os dois
semicírculos mais importantes do povoamento organizado no
segundo século de dominação portuguesa na Amazônia. A primeira
região abrangia uma extensão máxima de 200Km, a partir da Ilha
do Marajó, onde encontravam-se três quartos da população da

28
onde primeiro se deram os embates militares para
rechaçar a cobiça internacional que tinha sido eleita no
século XVII: a colônia portuguesa abandonada no novo
mundo para seus alvos de pirataria.

Em 1952, o antropólogo inglês Peter Paul Hilbert e


sua esposa Eva fizeram pesquisa arqueológica na região
de Oriximiná e Faro tendo publicado o trabalho de campo
em 1955, no Boletim nº 09 do Instituto de Antropologia e
Etnologia do Pará.7

É material rico para ajudar esclarecer as dúvidas


do saber transmitido pela oralidade do povo, dos mais
velhos e pode também indicar pistas para se iniciar
pesquisas sobre as nossas origens, costumes, quem
sabe, ao final, reconstruir os fatos para formatar o

Província do Pará e sua sede administrativa. A segunda,


concentrava quase 20% da população da Província.N A
7
Hilbert, Peter Paulo. A Cerâmica Arqueológica da Região de
Oriximiná, Instituto de Antropologia e Etnologia do Pará,
Publicação nº 09, Belém, 1955

29
imaginário do povo de Uraxamina a partir da civilização
dos Konduris8.

Nesse material se lê que “...geologicamente é a


região caracterizada pelas largas faixas de aluviões
recentes, das chamadas várzeas, baixas e fecundas, que
acompanham o curso dos rios de água branca. Devem
as várzeas sua formação a um processo de
sedimentação de partículas em suspensão, geralmente
vindas dos Andes; por detrás das mesmas se eleva,
abruptamente, a região não inundável, que limita o vale
do Amazonas propriamente dito e constitui as chamadas
“terras firmes”. Estas, por seu turno, são formadas pelas
terras planas, de sedimentação terciária, pelas faixas de
sedimentações marinhas do paleozóico, pelas ruturas
diabásicas e por largas partes do maciço arcaico.”9

8
Em artigo publicado após a pesquisa de campo no Lago Sapucuá e
rio Trombetas, Peter Paul Hilbert comenta que ao fazer a datação
em carbono 14 das peças arqueológicas coletadas ( caretas ) foi
constatado a idade de 8 a 10 mil anos A C. Se confirmada esta
idade da cerâmica arqueológica da região de Oriximiná, então
podemos falar de uma civilização Konduri e não apenas nominá-los
de indígenas ou nativos.
9
Ob. cit. Pág.1

30
Na área objeto do presente ensaio fica Oriximiná,
às margens do Rio das Trombetas10. Lá onde os sabiás
também cantam como os de qualquer lugar deste
enorme Brasil. Lá as areias são brancas, alvas, não
amareladas; são finas, travosas, barulhentas e não
grossas como as do Mosqueiro, em Belém. As águas
são límpidas e claras como as do rio Tapajós, outras são
púmbleas escuras como as do rio Trombetas, Xingu e
Parú, portanto, praia para um santareno ou
oriximinaense não tem o mesmo imaginário plástico que
se apresenta para o belenense.

Várzea não é mangue. Caranguejo não é acari.


Maré não é enchente assim como cheia grande não é

10
Maurício de Heriarte, provedor-mor e auditor do governador,
publica por volta desse mesmo ano (1697), informações
pormenorizadas sobre o Trombetas.... diz ser “um rio mui povoado
de índios de diferentes nações: conduris, bobuis, aroaeses, tabaos,
curiatos e outras muitas; e todos possuem seus próprios ídolos,
cerimônias e governos, como têm os Tapajós... as terras deste rio
das Trombetas (que os portugueses lhe deram este nome pelas
muitas trombetas de que seus moradores usam) têm finíssimo
barro, de que fazem muito e boa louça de toda sorte, que entre os
portugueses he de estima, e a levam a outras províncias por
contrato, in A Cerâmica Arqueológica de Oriximiná, por Peter Paul
Hilbert, Museu Emílio Goeldi, Belém, 1967

31
pororoca. Marajó não é Lago Grande nem Sapucuá e
muito menos Matapi, Sacuri ou Iripixi. O antropólogo que
pesquisou a região no ano de 1955 ensina que “... o
aspecto da várzea, poucos metros acima do nível do rio,
é marcado pela multiplicidade de lagos e canais, terreno
em grande parte inundável no período hibernal das
enchentes. No verão, vastos campos por ela se
estendem, recobertos de ilhas de uma vegetação
peculiar, o que torna a várzea comparável a um
gigantesco parque que, não raro, se alonga numa
enorme extensão, até a linha do horizonte, para deter-se
apenas quando esbarra com a mata ciliar do Amazonas
ou, terra a dentro, quando se defronta com as elevações
da terra-firme já mencionada”11

Portanto, terras e agentes geográficos diferem no


relevo e nas coisas que fazemos. Não somos os
mesmos, apesar de sermos obrigados a assim nos ver e
ser forçado compreender o Pará, distante e inacessível
para a grande maioria dos baixo-amazonenses.
Continuando o registro sobre as terras de várzeas,
11
Ob. cit. Pág.1

32
vemos que “.... mesmo a olho nu a região da várzea é
bem diferenciada da terra firme. Enquanto nesta
predomina o acentuado sombreamento da floresta
contínua e espessa, onde só resteas de luz penetram,
naquela tudo é claridade e o descampado permite que
os detalhes se tornem visíveis até onde a vista alcança a
enorme planície verde e luminosa”.

Autonomia política tem a ver com pensamentos e


concepções diferentes. Emoções são iguais. Razões são
diversas, divergentes nas conclusões. Como na letra
cantada, “não dá mais para segurar...”, os políticos
afastarem a realidade diferente com as mesmas e iguais
desculpas do tipo “é melhor ser pobre unido do que
divididos...”, ou , “... não vamos dividir o nada”, “...fomos
eleitos pela “união” e não vamos desunir...”

Terra e água na formação do cadinho cultural.


Sobre os rios da região, Hilbert afirma que “...dos dois
rios que banham a região é o Trombetas o maior, com
uma extensão de 1.000 quilometros. Tem sua origem na
fusão dos rios Cafuini e Anamú, que nascem nas altas

33
cadeias de montanhas divisoras de águas para o Brasil e
para as Guianas Inglesas e holandesa. São seus
afluentes mais importantes os rios Cachorro e Mapuéra,
na margem direita e o rio Cuminá ou Erepecurú, na
esquerda. Ao contrário dos demais afluentes da margem
esquerda do Amazonas, abaixo do rio Negro, é o curso
inferior do Trombetas quase reto. No curso médio,
todavia, torna-se um pouco sinuoso e é em seu percurso
acompanhado por formações de lagos de maior ou
menor dimensão, separados do rio por diques esguios,
aqui e ali interrompidos pelos canaletes de ligação das
respectivas águas.”

Saber da origem do rio agora é fundamental no


Brasil porque a Agência Nacional de Águas -ANA, define
comportamento jurídico diferenciado se o curso d’água é
nacional, se pertencente a um ou mais estados da
federação etc. Portanto, podemos afirmar que o Rio
Trombetas, também cunhado pelos indígenas de
Uradimina12 é nacional pertence a uma única unidade da
federação. O destino de suas águas deve ser
12
Leia soneto na abertura do livro sobre as origens de Uraxá

34
determinado pelos seus políticos regionais, não pela
federação.

Terra, água e gente. Sobre os índios que


habitavam a região de Oriximiná é vasta a literatura
disponível. Não se pode cometer o equívoco minado pelo
bairrismo para excluir Óbidos e Faro de nossa análise.
Já se disse várias vezes que não haveria Oriximiná sem
o parto obidense e a faina farense de tempos imemoriais.
“Curt Nimuendajú13, que é o mais minucioso, diz-nos que
os Pauxi devem o nome a uma palavra sem dúvida
caribe, pausi, paushi, que significa “mutum” (Cracidae,
sp) e que, segundo Betendorff, falavam a língua geral e
habitavam a região do rio Xingu. E prossegue: “Entre
1658 e 1660, o jesuíta Padre Salvador do Valle, trouxe

13
Não tendo sido publicados todos os manuscritos e notas deixados
por Curt Nimuendajú, torna-se impossível determinar até que
ponto, durante as suas pesquisas referentes aos Tapajó, se
preocupou com os sítios arqueológicos da região Trombetas-
Jamundá. É quase certo, todavia, que a designação “estilo
Konduri” é a ele devida.” Apud Hilbert ob. citada. Nimuendajú é
antropólogo alemão que em 1926 muito estudou a região do
Tapajós e Trombetas, sendo o primeiro a denominar com o termo
Konduri a cerâmica encontrada na região de Oriximiná e
adjacências. N. A

35
cerca de 600 índios dessa tribo para a aldeia do Tapará,
na margem direita do rio, quase na sua boca. Não houve
mais informação sobre eles. O Forte dos Pauxis foi
fundado em 1697, na margem esquerda do Amazonas,
onde presentemente se acha Óbidos, e Pauxis é ainda
hoje o nome de um lago abaixo desta cidade. Perto do
forte havia duas pequenas aldeias indígenas que, em
1758, segundo Moraes, se fundiram, bem como outra
mais distante na villa de Óbidos, mas nada mais se sabe
da tribo ou tribos que lá viveram. O padre Fritz fala da
tribo dos “Cunurizes” e no seu mapa de 1691 coloca-a
exatamente no ponto em que o forte iria ser construído 6
anos depois. Quando Olga Coudreau levantou o mapa
do rio Cuminá ou Erepecuru, em 1900, um descendente
de escravos fugitivos vivendo nesse rio, informou-a que
uma tribo denominada Pauxi habitava nas cabeceiras do
Água-Fria, Penecura e Acapú Bayous, tributários direitos
do rio Erepecuru, pouco acima da boca. De acordo com
essa informação, a tribo tinha primeiro vivido em Óbidos
mas, antes da chegada dos civilizados, retirara-se para o
Erepecuru, depois para a boca do Penecura e,
finalmente, para as cabeceiras deste rio. Depois de 1877

36
interromperam-se suas relações com os escravos
fugitivos. Do mesmo informante obteve Coudreau uma
lista de 38 palavras. A língua é caribe, mas difere do
dialeto dos Kasuená (Caschuená) do rio Cachorro, seus
mais próximos vizinhos, e do dialeto dos Pianocotó do
alto Erepecuru. Os Pauxi há muito tempo não mais
existem”14

A região foi também objeto de estudo de outra


importante personalidade na ciência paraense. O
15
naturalista Ferreira Penna relata uma viagem em 1852
ao Trombetas e lagos da região. “Suas impressões sobre
a situação econômica de Faro, poucos decênios após o
abandono da cidade pelos índios, são edificantes. O
número de habitantes estava reduzido a 78 e Ferreira
Penna comenta... sobre o Trombetas que “ segundo
notícias que obtive, os índios que habitavam a bacia
superior do Trombetas dever ser os restos ou
descendentes da heróica nação dos Caribas, que os

14
Hilbet, Peter Paulo. Ob. cit. Pág. 8
15
Penna, Ferreira Domingos Sávio. A região Occidental da Província
do Pará, Belém, 1869

37
velhos conquistadores espanhoes exterminaram e
perseguiram a ferro e fogo, aviltando-os com o apelido
de Canibais... Grande número desses infelizes são hoje
escravos dos escravos16 refugiados nos Mocambos, e
suas filhas lhes são arrancadas para amazias desses
mesmos negros que dominam, como senhores
absolutos, naquela região”.17

Hilbert ainda nos informa que outro naturalista18


fez pesquisa na região do Trombetas, interessado nos
estudos de botânica. Suas observações são importantes
porque trazem à luz detalhes curiosos. “Em 1874,
viajando pelo Trombetas e o Jamundá, reuniu material
de grande valor etnográfico, especialmente mitos e
lendas da região. Conheceu sítios arqueológicos do lago
Sapucuá e atribui-os aos Cunurys e aos Uaboy. Sobre a
antiga colônia missionária de Nossa Senhora da Piedade
16
Ironia do destino. Negros escravizados em aparente liberdade nos
mocambos fazem escravos os verdadeiros donos da terra.
Comentários do Autor.
17
Hilbet, Peter Paulo. Ob. cit. Pág. 10
18
Barbosa Rodrigues, João. Untersuchungen einiger Nebenflusse
dês Amazonas. Zeitschhrift der Gesellschaft fur Erdkundle, vol. 17,
Berlim. Condensação de Exploração do Valle do Amazonas;
Exploração do Yamundá, 1875, Rio de janeiro

38
(Faro), afirma ele que lá, primitivamente, os jesuítas
aldearam quatro tribos, Cunurys, Cherenas, Paracoianá
e Paracuatá , às quais mais tarde se reuniram os Uaboys
do Trombetas.

Assim é que Oriximiná, ou a terra conhecida e


falada pelos índios como a chapada dos Uaracys19, fica
no entremeio de dois municípios que se dividiram, ou
seja, Óbidos e Faro. Eis aí a natividade dos
oriximinaenses, descendentes dos konduris, formadores
da Kondurilândia. Filhos das gentes que miscigenaram
no passado em terras e águas que nutriam as
diversificadas nações indígenas, tendo deixado para a
posteridade a cerâmica Konduri. Elemento arqueológico
por excelência produzido e cultivado por um povo do
passado que precisa ser estudado no presente. Curta é a
literatura, mas bastante para iniciar as pesquisas e
formatar o imaginário popular.

19
Terra firme que vai do Iripixi até o rio Parauacui, ou seja, o solo
onde está hoje a planta da cidade de Oriximiná. N.A

39
Há uma sensação de que o norte cultural da
nação konduri é base das gentes de Oriximiná. Ainda
que se passem os anos, ficaram os registros históricos,
as cerâmicas, os mitos e lendas para construir o
referencial do povo oriximinaense, vincado na
determinação e resistência das invasões de estrangeiros.
Quem sabe os espíritos dos konduris não continuam
habitando nossas florestas e pastagens das várzeas.

“Nimuendajú20apresenta os Konduri como vizinhos


imediatos dos Tapajó a oeste e dá como limites
divisórios, entre as duas tribos, a serra de Parintins, na
qual encontrou cerâmica de ambas, misturada num
mesmo sítio. Mas assinala, outrossim, que além do
Amazonas, no Trombetas, os Konduri tinham as suas
moradias.”

O feito arqueológico dos Konduri está à


disposição dos estudiosos, oxalá dos oriximinaenses.
“Na coleção arqueológica do Museu Goeldi encontram-
se fragmentos antropo-zoomorfos de vasos de Oriximiná
20
Apud Hilbert em ob. citada pág. 11

40
e de Faro, tendo a proveniência marcada com a letra de
Nimuendajú, da mesma maneira que outros com a
designação “cerâmica Konduri, rio Trombetas até
Jamundá”.21

O atributo diferencial não basta para alegações de


autonomia, apenas reforçam a tese para se elaborarem
novas premissas do imaginário local. Destas que
falaremos daqui para frente. A diferença é fato. As idéias
de autonomia são versões racionalizadas, são vontades
políticas manifestas e dinâmicas que exigem
correspondência no retorno das ações de governo, de
aplicação de recursos para permitir o desenvolvimento.
Isso é ação política fundamentada em registros
históricos.

As nossas terras precisam ser distribuídas para


aquelas mãos que fazem-nas produtivas, não para
21
idem, idem

41
formação de patrimônio especulativo de organização
financiada com dinheiro alheio, estrangeiro mesmo, sem
pátria, sem vínculo nativo.

O solo konduri é para aqueles que de longe


vieram e ainda não receberam os seus justos títulos
legais, como são aqueles lavradores imigrantes sitiados
na Estrado do BEC22, das várzeas do Sapucuá e Parú,
Igarapé dos Currais e Matapi até hoje apenas
cadastradas no governo federal para efeito de
arrecadação de imposto territorial, sem valor para fins de
comprovação da propriedade rural .

Riberinhos do rio Trombetas e afluentes também


são abandonados à própria sorte, sem planos de
assentamento agrícola, fundiário ou seja lá o que for.
Toda essa gente não faz parte daqueles que estão
recebendo titulação de terras coletivas pelo governo do

22
Trecho da BR163, que após atravessar o rio Amazonas, segue do
Poção até Cachoeira Porteira, construída na década de 70 pelo 8º
Batalhão de Engenharia e Construção do Exercito - BEC

42
Pará e da União Federal, conforme o caso, seja área do
ITERPA ou do INCRA.

Os negros de Oriximiná são gente que interagem


com a comunidade mestiça que vive na região do baixo-
amazonas e faz parte da formação do povo konduri.
Negros pescadores, coletores de castanha do Pará,
operários em Porto Trombetas, prestadores de serviços
na Boa Vista e políticos na Câmara Municipal, ou
desempregados como outros quaisquer. Não há
diferenciação cultural ou ideológica que faça a injustiça
de afastar qualquer negro, branco ou mestiço do espaço
conquistado na sociedade de Oriximiná.

Os negros de Oriximiná são gente que assimilou a


cultura chamada ocidental, opera lanchas voadoras, tem
TV via Satélite no seu terreiro, aciona o celular com
bateria de carro às margens do majestoso Trombetas e
ainda faz política e vai ao 4523 para se divertir. Têm

23
Lugar de diversão, danças e festas cerca de 15 minutos de
viagem da Vila de Porto Trombetas. É também chamado de “Brega
do 45”

43
transito em toda a sociedade oriximinaense, não sendo
apartado de nenhum grupo social.

Não se admite ficar calado e aceitar o implícito


atraso sócio-econômico reinventado com a idéia de que
eles são povos oriundos dos quilombos24, que faz
parecer gente menor na sociedade ocidentalizada. Na
impossibilidade antropológica de caracterizá-los como
originários dessa entidade cultural varrida da sociedade
pelo desenvolvimento e progresso constantes, os
estrangeiros alcunham-os de termo menor para dize-los
integrantes de quilombos, chamando-os de
quilombolas.25

24
“Mucambo é uma parage deserdado para pouca gente... é... É
uma parage deserdado que, a pouca gente mora lá, é, quer dizer
deserdado por falta de vizinho... Mocambo era onde paravam os
negros que vinham da Cabanagem. Onde eles paravam... eles se
apoderaram e aí trabalhavam. Dava-se o nome de pretos
mocambeiros... Viviam dentro da montanha, dentro daquelas
Serras Grandes. Então quer dizer uma paragem escondida, sem
visita de outras pessoas.... de brancos” . N.A in Os negros do
Trombetas, Acevedo & Castro, ob. citada.
25
Veja a propósito o capítulo A Farsa dos Quilombos

44
A polissemia da palavra quilombo fez várias vezes
este autor se manifestar pela inexistência dessa entidade
etnográfica na região do Trombetas que teria feito gerar
as minorias negras na sociedade oriximinaense
chamadas quilombolas.

Não pelo viés racista e muito menos por suposta


divergência ideológica que este autor não alimenta e
nem faz apologia, mas não se pode aceitar a aparente
diminuição das gentes negras do rio Trombetas ao
serem tratados com termo pequeno, que os reduz
culturalmente, anulando os grandes feitos dessa gente
da Serrinha, do Arancuã, do Rapa-Pau, do Carimu, do
Penecura, do Acapu, do Jarauacá etc...

Ao contrário, amigos de vários negros desde o


tempo de infância, aprendi o respeito recíproco com essa
gente sofrida rica culturalmente como todos os povos da
região, sejam índios, negros ou imigrantes. O que não se
admite é querer fazer dos negros do rio Trombetas
parecerem o que não são, alcunhando-os de

45
quilombolas. É preciso entender o contexto histórico para
fazer as comparações necessárias.

Não se faz justiça social hoje sem olhar o passado


para apreender as causas que todos os povos e etnias
foram obrigados a se comportar para produzir e serem
como se apresentam hoje. Para qualquer
comportamento social há sempre uma causa histórica
que foi determinante. Não é justo sair por aí atirando a
esmo acusando a sociedade oriximinaense de ser racista
porque tinha negros na floresta, dando a terra titulada e
registrada na forma da lei para tentar “compensar o
passado e pagar um dívida impagável...26” Isso é
politicagem e injustiça com toda a sociedade! É preciso
ser responsável para fazer a regularização das terras no
Brasil, e especialmente no Pará, estado em que os
institutos agrários se formaram com base em lei
processual diversa como eram as leis de cada província

26
Frase quase sempre presente nos discursos de Fernando Henrique
Cardoso quando faz doações e reconhecimentos de domínios de
terras tidas como devolutas no Brasil. N.A

46
no Império e de cada estado nascente na noviça
república que se fazia então.

Em época de guerra civil como foi a Cabanagem


nenhuma garantia existia tanto para os negros africanos
na condição jurídica de escravos, para os não menos
escravizados indígenas restritos aos diretórios dos
religiosos e para o então colonizador português. Estavam
suspensas as garantias e direitos à liberdade individual
de todos, portanto, cada qual buscou a melhor forma de
se proteger enquanto vigia a lei natural da sobrevivência.

Assim, os negros fugitivos vão para “dentro da


montanha”, nas Serras Grandes, nas paragens mais
insólitas e desertas possíveis ao longo dos vales dos rios
da Amazônia. Quanto mais longe do alcance das tropas
de resgate, melhor seria para sua integridade física e
sonhos de liberdade. Isso foi no passado da guerra
cabana. Hoje não! Como é notório, não há mocambos no
Rio das Trombetas, não há terras de quilombos como na
Bahia e demais lugares deste Brasil que precisam ser
restauradas. O que precisa é analisar cada propriedade

47
particular, cada documento de posse existente neste
município e que apresenta o competente registro de
imóveis. A partir daí, sim, fazer os respectivos
reconhecimentos dominiais. Mas, alerta-se desde logo,
na devida proporção do mando constitucional da
utilidade e efetividade da propriedade rural.

Nada de reconhecer mais de 400 mil hectares


para pouco mais de cem famílias. Nem em cem anos
eles vão ocupar toda a área. E o resto dos mestiços e
gente que lavra a terra? Vão ficar chupando o dedo
burocrático das intermináveis vistorias do ITERPA?

Quando houve tais ajuntamentos populacionais de


fugitivos das milícias cabanas ou das tropas de resgate,
dá-se aquilo que se vê no depoimento de abertura de um
bom livro das pesquisadoras Rosa Acevedo e Edna
Castro27, ou seja, “...mocambo era onde paravam os
negros que vinham da Cabanagem. Onde eles paravam
.... eles se apoderaram e aí trabalhavam...”

27
Os negros do Trombetas, ob. citada ao final do livro

48
Como é sabido, grande parte dessas terras não
eram as terras públicas chamadas pela doutrina jurídica
brasileira de “terras devolutas”28, mas, já haviam sido
mapeadas pelos topógrafos e assim faziam parte do
patrimônio de algum senhor proprietário à época, na
forma da legislação imperial, a Lei de Terras de 1850.

Se não os respeitassem por princípios de justiça e


igualdade como os tenho para essa gente, poderia
admitir que se trata da primeira vez que se pode registrar
na região do rio Trombetas, o que hoje é chamado de
“grilagem de terras” no sul do Pará, por exemplo.

Mas, nenhum deles é grileiro e muito menos agiu


de má-fé, posto que alguns foram e ainda são posseiros
de boa-fé, assegurados na sua propriedade pela teoria
objetiva da posse, conforme Ihering29. Isso podemos
afirmar pela tradição da boa convivência dos negros do

28
Parte das terras que deviam ser devolvidas ao poder do Estado
para serem novamente tituladas. Isso ocorreu em todo território
brasileiro tendo como causa principal os critérios e instrumentos
utilizadas na demarcação das terras em geral. N.A
29
Jurista alemão que propôs a Teoria Objetiva da Posse, adotada
pelo Código Civil Brasileiro

49
Trombetas com a sociedade civil de Oriximiná. Respeito
e cerimônia sempre foram comuns entre os caciques dos
dois lados.

Apoderar-se de uma terra é a melhor forma de


tomar posse delas, desde que seja de forma mansa e
pacífica. Estão aí os institutos civis do usucapião e da
posse legal para dar a essa atitude dos negros do
Trombetas foros de civilidade. Havendo reivindicação ou
mantida em fraude por qualquer tempo, há sempre a
possibilidade da reparação.

Assim, queremos ver os negros de Oriximiná


integrados na sociedade civil, da mesma forma que
quaisquer raças ou etnias que elegeram as terras de
Uraxá para dela tirar o seu sustento, como os italianos,
os japoneses, os espanhóis, os nordestinos, os
portugueses e indígenas, dentre outras, que aqui ficaram
o umbigo. Nada de vê-los segregados na falsa e cruel
proteção das “minorias étnicas”, comandadas por gente
de alhures que sabiamente vem tirando vantagem das
fraquezas e ignorâncias nativas dessa gente; da

50
flagrante falta de atitude de ajudar nossos irmãos a
verem o futuro com seus próprios olhos e perspectiva
regional aliada a não menos cruel omissão da classe
política de Oriximiná.

A injusta situação no teatro dos “negros do


Trombetas”, em Oriximiná é hoje dizimadora, ineficaz e
causa grandes prejuízos à sociedade produtiva.
Famílias de origem negra mestiçada no cadinho cultural
da região são pomposamente classificados como
remanescentes de quilombos, ou seja, quilombolas.

Velho Baulduíno, carinhosamente chamado por


todos de Oriximiná, foi líder maior dessa gente negra da
Serrinha, com quem este autor gastava horas escutando
suas boas e sábias histórias durante as viagens de
barco, provavelmente não gostaria de ser tomado por
essa cruel designação menor, que segrega irmãos de
sangue e os faz optar por ser subclassificados em
“individuais” ou “coletivos”, caso pertençam a um ou
outro grupo.

51
Armados também de aparato tecnológico de
última geração, tal como o GPS30 os “coletivos”
assomavam com facões e espingardas nas casas e
roças dos “individuais” para, em não sendo convencidos
pela explicação técnica, coagi-los a ceder seu lote
individual para agregar ao todo coletivo. Com esse forte
argumento, a ARQMO31 conseguiu amealhar uma área
de mais de 400 mil hectares de terras públicas e
particulares nas margens esquerda do rio Trombetas.

Há registros policiais e judiciais, bem como


ocorrências de assassinatos resultantes dessa investida
dos “coletivos” nas comunidades de “individuais”. A
justiça pública já levou a júri popular o autor de pelo
menos um homicídio ocorrido por conta dessas disputas

30
Global Position System. Equipamento orientado por no mínimo
seis satélites que confere as coordenadas geográficas, traça rotas e
calcula distâncias com simples manuseio e fácil operação. N.A
31
Associação dos Remanescentes de Quilombos do Município de
Oriximiná que possui em seus quadros apenas 116 famílias de
negros no ano de 1998, enquanto que a ASTRO – Associação dos
Trabalhadores Rurais e Ribeirinhos do Trombetas congrega os
chamados negros e lavradores mestiços “individuais” contava em
seus quadros mais de 2.000 famílias, segundo dados obtidos junto à
Secretaria da ASTRO.

52
entre “individuais” e “coletivos”. Consultem-se os
arquivos policiais e se verá muito mais casos de
violência envolvendo essa cisão levada a cabo desde
quando a ARQMO iniciou o processo de arrecadação
das terras coletivas.

As autoridades políticas de Oriximiná se limitaram


a comparecer aos atos públicos festivos de entrega dos
malfadados títulos de terras como se estivem legitimando
a oferenda em troca de possíveis votos dos beneficiados.
Alguns desses políticos sentiram-se invejosos ao
perceberem “a intimidade dos negros com o
Governador...”. Para esses, a história ainda vai ensinar a
natureza das coisas políticas, para não esquecerem a
presença de agentes de partidos de esquerda e de
radicais no fomento desse levante étnico.

Tal fenômeno de coletivização de terras públicas é


dinâmico, não parou no tempo e se dá pela
insensibilidade política da sociedade oriximinaense, que
ao adotarem a técnica do avestruz, ficou cega na hora
crucial e precisa para orientar os órgãos estaduais e

53
federal que cuidam da regularização das terras em
disputa.

O espaço de poder deixado pelos políticos de


oriximiná32 foi quase sempre preenchido pelos líderes de
alhures, paulistas e outras gentes de fora do país, que
nunca perderam a oportunidade de se intrometer em
território oriximinaense, enquanto a maioria dos
vereadores disputava quem construía a melhor
residência. Como dissemos no início, de omissão
também se constrói uma história.

O mal é maior para a coletividade. Tendo o


formato triangular invertido, o município de Oriximiná se
apóia no que podemos chamar de “vértice” na foz do
Trombetas. A montante, rumo norte via rio Erepecuru (
ou Cuminá), abre-se o território para o lado direito e
menor do triângulo até o limite com o município vizinho e

32
Existem Atas de reuniões onde se registrou expressamente a
ausência dos vereadores e do prefeito de Oriximiná nas reuniões
preparatórias para o processo de demarcação das áreas Trombetas
e Erepecuru, objeto de disputa judicial entre os associados da
ARQMO e ASTRO. N A

54
outrora mãe, Óbidos. Á esquerda, o lado maior margeia
os municípios de Terra Santa e Faro, fechando com a
base maior até à fronteira norte do país.

Ocorre que a ARQMO foi reconhecida legítima


proprietária de uma faixa de terras que vai da Reserva
Biológica do Trombetas e se estende paralelamente até
o município de Óbidos, formando uma cinturão de terras
confiscadas ao resto da sociedade oriximinaense.
Quando seus descendentes quiserem e precisarem
expandir a economia e ocupar naturalmente o restante
de seu território terá que pedir passagem nesse cruel
desfiladeiro coletivo das forças produtivas de Oriximiná.
Esse é o preço da omissão.

Os campos gerais do Cuminá, outrora tão


cobiçado pelos criadores de gado e agricultores da
região pelas suas atrativas áreas de terras sem florestas,
estão com os acessos cerrados aos comuns do povo de
Oriximiná. Há um cinturão de terras coletivizadas
impedindo a passagem. Será o primeiro pedágio a ser
cobrado pela omissão atual das gentes de Oriximiná.

55
Estrategicamente as terras de Oriximiná se esgotaram
abaixo do cinturão dos “quilombos”. Até parece vindita da
mãe África.

Não! Impende uma tomada de posição, é preciso


reagir! Quiçá tivéssemos representantes a altura dos
debates e dispostos a rediscutir todo esse processo de
alienação das terras particulares e públicas para os
chamados “quilombolas” , terras estas que ainda vai
fazer muita falta em futuro não muito distante33. É
preciso rechaçar afrontas aos mais sagrados assuntos
da gente de Uraxá, Uraxamina ou Oriximiná: terra e
autonomia, cultura e imaginário popular dos Konduris34.

É preciso a referência cultural para o chamamento


dos estudantes para aprenderem a cantar a letra da
velha canção. Palavras que ainda serão proferidas tantas
vezes quantas forem necessárias para dizer diferente da

33
Veja capítulo “A Farsa dos Quilombos”
34
Principal nação indígena que recebeu o europeu e demais
imigrantes na região do Sapucuá e Uaraci – chapada à margem
esquerda do Trombetas que vai do Campo Grande até o Caipuru

56
fala de abertura35 dos políticos locais: “Nós.... que
estamos aqui no fim do mundo, neste cidade esquecida
pelo resto do Brasil... blá blá blá...”

O mundo começa em nós mesmos e nós, no caso,


são os oriximinaenses e seus circunvizinhos. Nós só
existimos a partir de Oriximiná, portanto, o mundo
começa na terra dos Konduris. Como diz o espanhol
José Ortega Y Gasset36, não seremos essa gente
invertebrada.

É preciso cantar a marchinha conhecida e sentir


um frio na espinha, sentir o arrepio da emoção de se
sentir parte de uma pátria de negros, índios, imigrantes e
nativos como são todos os irmãos de Oriximiná. Não há
espaço para o ódio de alhures. Não há em Oriximiná a
diferenciação cultural da ganância pela terra que é e

35
Nas aberturas de reuniões e comícios é comum os oradores
iniciarem suas falas com essa premissa dantesca do fim do mundo.
O autor é regular em rechaçar tais afirmações repetindo o
pensamento orteguiano do “Yo soy yo y mi circunstancias... La
circunstancia es e mundo, las cosas em derredor... ”
36
Que es Filosofia? José Ortega Y Gasset, Madri, Espanha, 1973

57
deve continuar a ser todos justamente. A pátria da
kondurilândia.
Oriximiná

(Abílio e Grouxy37)

És meu encanto
Princesa do Trombetas
Tens as pérolas raras
De admiráveis belezas.
Tens as praias formosas
Onde a lua vive a brilhar,
És do Trombetas a sereia,
Que na branca areia
Se põe a cantar!...

Oriximiná,
Cidade de encantos mil,
És meu rincão elegante,
Cidade cabocla
Do meu Brasil!

Lá, lá, lá,lá,lá, lá, lá...


És meu encanto...

37
Anthymio Wanzeler Figueira, popularmente conhecido como
Grouxy ou Guruxi, foi funcionário do IBGE, servindo como Agente
Municipal de Estatística de Oriximiná por quase 28 anos pela
década de 30 a 50, ao que se deduz da leitura do livro lançado em
1994.

58
Capítulo 3

AS GENTES PENSAM DIFERENTE

Nas minhas andanças neste enorme Brasil


diferente, já vi bastante um pouco de tudo. De Uraxá a
Santarém, Belém, Cametá e Brasília; de lá fui às Minas
Gerais, senti a garoa paulista, o frio do sul catarinense, o
vento do mar pernambucano na Boa Viagem bem como
as areias da praia de Iracema no Ceará. Retornando a
Belém, Santarém e Oriximiná nas freqüentes viagens
nada faz ceder o sentimento nativo da terra onde aprendi

59
as virtudes básicas do amor e da humilde caminhada:
aprender a aprender para ensinar o aprendido.

Em cada lugar, as gentes e falas diferentes fazem


o Brasil ser essa miscigenação de idéias e ações que
atemorizam o mundo. Sem rígidos rituais no caráter
aprendemos fácil para emular qualquer tecnologia e dela
evoluir na produtividade. Não é à toa que muitas
empresas multinacionais têm executivos brasileiros nos
principais cargos, pela facilidade de assimilar os novos
ensinamentos e traduzir em resultados promissores.

Daí ser imperioso nossa agregação na matriz


diferencial que move o resto do Brasil. No planalto
central sopra um ar condicionado permanente que enrola
na rede qualquer amazônida. Mas lá também faz o calor
do meio dia, é seco e quente. Em toda parte somos os
brasileiros, confundidos com “paraense do leste” ou de
outros estados, estamos sempre com a mesma
disposição para falar da terra natal. Fala e modos
diferentes denunciam de pronto a origem, a cultura e o

60
ideal de vida e como deles, podemos gerar riquezas e
qualquer parte desta federação.

É orgulho e necessidade. Vincado na forja da


identidade cultural, nunca negamos nossas histórias de
Oriximiná na infância e Santarém na juventude, para
aqueles que gostam de conversar e saber das coisas da
vida. Foi assim que aprendemos a aprender um pouco
de tudo que é necessário para forjar um projeto de vida.
E neste plano há sempre espaço para pensar a terra
querida de Uraxá.

E isto nos faz brasileiros. Em nada vamos perder


ao Pará ou do Pará. Em nada vamos diminuir no
patrimônio e nem na verve cultural, nas artes ou seja lá
em que manifestação da vida local, porque antes de
sermos os paraenses ou outra naturalidade de origem,
nos identificamos em primeiro lugar como brasileiros
nativos.

Por isso, não há mais argumentos emocionais que


caibam nessa discussão separatista. Se eles vierem,

61
como sempre virão, precisamos estar aptos a rechaçá-
los da discussão, dando vezo às análises mais apuradas
como é a geo-econômica, a identificação cultural, a
imaginação da região povoada de particularidades e
coisas bem próximas do povo vivente. Ocorre que agora,
podem ser outros os motivos que nos querem
separados.

Ainda lembro que o senador Passarinho,


paraense por adoção, com umbigo enterrado no Acre,
impingiu a expressão “falta de paraensismo” para
aqueles que durante a constituinte articulavam sobre a
autonomia do novo Estado.

Na época fiz artigo rebatendo tal tese emotiva e


prenhe de inverdades históricas. Fi-lo ler a partir das
páginas de O Liberal a questão da separação lusitana, a
quando do nascimento do nosso país. Teria sido falta de
lusitanismo quando D. Pedro “gritou” o Ipiranga?38

38
PAROESTE – Falta de Paraensismo? . veja texto integral no
apêndice

62
Atualmente, o governador roda a fita repetindo o
epíteto da logomarca política por onde foi eleito para não
o permitir praticar nenhum ato que faça a divisão do
Pará. Isso é para aqueles que acreditam em papai Noel.

Ora, excelência, ah se todas as promessas feitas


em campanha fossem cumpridas? Sim, não estaríamos
gastando verve nem tempo para interpretar a vontade
das gentes em sair do julgo de Belém. Muito pouco se
teria inventado para não pisar na lama das estradas que
teimam em ligar lugar nenhum ao nada neste interland
continental do estado ainda paraense.

Por que? Porque se busca autonomia quando se


identifica um quadro carente. Isso, nós somos como um
sistema orgânico onde na falta das matérias primas
essenciais, se instala o estado de necessidade.

E de necessidade nós sabemos muito bem.

63
Das várzeas temos muito que pensar e falar.
Você, caro leitor, já viu alguém registrar várzea no
cartório de registro de imóveis e em seguida gravar uma
garantia para receber empréstimo bancário?

Para o sistema legal brasileiro, várzea não vem


sendo considerada propriedade imobiliária por várias
razões que vão desde ao não deferimento pelo INCRA
até à alegada impossibilidade técnica. Os doutos dizem
que não se pode medir as distâncias de uma área de
várzea e colocar no papel, porque se apresentam
diversas para mais ou para menos a cada ano. Os
romanos resolveram esse problema com o instituto civil
da acessão natural.

Elemento essencial da topografia exigida para os


memoriais técnicos do INCRA ou ITERPA, não será a
quantidade e tamanho da área impeditivo na

64
regularização da várzea. Talvez aqui também esteja forte
presença do vírus omissis ativus39.

Legalmente são terras pertencentes à União,


quando estão em ilhotas, ou agregados de terra firme ou
em áreas do Estado, o ITERPA é competente para sua
regularização. O problema é que elas vêm e vão ao
sabor das cheias, mas o tempo fora d’água é suficiente
para o registro. O que falta é vontade política de resolver
a questão.

Mas, se nós pudéssemos dirigir nosso destino


com autonomia, será que já não teríamos feito valer um
critério justo para registrar e valorizar nossas várzeas?

Vejam os holandeses. Eles são mais ou menos


inteligentes? Não se admite esse o critério para a
diferença, mas, será que se eles dependessem de um
governo tão longínquo quanto nós eles já teriam

39
Metáfora utilizada pelo autor para humorizar a omissão no
serviço público que tudo arranja para não fazer ou dar parecer em
casos que fogem da rotina.

65
resolvido a questão agrária deles? É o tamanho da área
que importa? Quanto menor, melhor a administração e o
controle, requisitos básicos de qualquer governo.

Bem, vejamos o que me disse um político na


época da Constituinte do ano de 1988. Naquele tempo,
parece até bíblico, disse-me um deputado40: “Não
adianta fazer muito barulho, porque senão o governador
vai brecar os repasses para a região”. Mas, continuou o
parlamentar, “vamos ver se conseguimos incluir uma
cláusula nas disposições transitórias para um futuro
plebiscito, ou coisa parecida. Assim, estaríamos
garantindo essa disputa para mais tarde, quem sabe com
mais argumentos e força política”. E assim foi. Lá eles
conseguiram votar tal dispositivo, que agora permite a
consulta popular.

Nesse meio tempo, era 1987, estávamos em


Brasília representando a Associação Comercial de
Oriximiná, com colegas empresários de Santarém e

40
Gabriel Guerreiro, então deputado federal.N.A

66
Óbidos, além de alguns associados de Oriximiná.41
Também nós, ainda neófitos na política, percebemos as
divergências entre a chamada bancada paraense no
almoço que fizemos com eles no restaurante do Senado
Federal.

Lembro ainda que o então “prefeito” do Congresso


Nacional, Jorge Arbage, nos recebeu em suntuoso
gabinete e afirmou olhando pela janela que mostrava o
chamado “fogo da pátria”.

“Ali se gasta uma fortuna diária para manter


acessa a chama da pátria. Sim, porque o sistema é
alimentado por gás de cozinha...” Ficamos paralisados
ao ver dinheiro vivo pegando fogo!

Mas, voltemos às várzeas...

41
João Giordano e Ludilson Silva integraram a comitiva de
empresários de Oriximiná que ao lado do então presidente João
Bosco Almeida, foi a maior representação municipal do Pará no
Congresso Nacional das Associações Comerciais, Brasília, 1987. N.A

67
Elas são boa terra, como aquela dos chineses
para o plantio do arroz. Nelas, nossos antepassados
indígenas colhiam o arroz nativo para dele fazer seus
banquetes. Já disse isso em outros escritos tirados dos
registros do Ferreira Penna42. Hoje, os arrozais são
vastos e a cada cheia ficam alimentandos os patos e
marrecos, mas o homem regional ainda prefere o arroz
ensacado lá no Rio Grande do Sul. Isso é globalização e
falta de bom senso nas políticas agrícolas praticadas na
região, se é que existe tal planejamento.

Ainda sobre as terras que margeiam os rios do


baixo-amazonas, na seca e nas cheias sustentam o
igapó, os pastos de búfalos nos arrozais nativos, diz-se
que são férteis como as do rio Nilo. Lá crescem o papiro,
aqui o muri e a canarana, alimentos natural do gado,
riqueza de qualquer ribeirinho.

Uma vez o veterinário da UFRJ, Dr. Sebastião,


dizia a meu pai que eram os minerais presentes nas

42
Ferreira Penna, Domingos Sávio, in Viagem à Região Ocidental da Província do
Pará, 1852

68
canaranas43 que brotam às margens do rio Cachoery
que davam aquele peso e cor ótimas aos bovinos.

Assim, nossas vacas nunca ficaram loucas. Isso é


biodiversidade na melhor forma ecológica de
aproveitamento para a globalização. Gado vegetariano,
diferente dos bois de lá comedores de ração animal.

43
tipo de capim muito nutritivo e de bom apetite para o gado da região

69
Capítulo 4

O PRIMEIRO FÓRUM

Há década e meia atrás a comunidade


oriximinaense conquistou um espaço para discutir seus
problemas isentos da fumaça partidária, que então
botava tudo a perder tais eram as ingerências dos
governantes locais nos assuntos privados. E assim, após
longas e estimulantes conversas com os mais velhos

70
senhores da cidade44, porém mescladas com reuniões
preparatórias semanais com jovens aspirantes,
aportaram no dia 15 de Junho de 1985 a bordo do
Oriente as lideranças empresariais de Santarém45, para
numa seleta reunião na sede do Bancrévea,
apadrinharem o nascimento da noviça associação dos
comerciantes da Kondurilândia.

Liderados por jovens empresários que retornaram


dos estudos na capital, os demais comerciantes e
profissionais liberais firmaram compromisso para a
defesa dos estatutos da Associação Comercial de
Oriximiná. Era e ainda é um fórum suprapartidário na
sua gênese onde há convivência harmoniosa de
representantes de matizes políticas bem definidas desde
aquela época.

44
José Diniz, José Miléo, Mario Giordano, João Oliveira e José Luiz
Ferreira de Almeida, dentre outros, foram os empresários que mais
incentivaram o nascimento da Associação Comercial de Oriximiná.
N.A.
45
Hélcio Amaral e Manoel Chaves de Lima sempre estiveram
comprometidos com a causa associativista dos empresários de
Oriximiná.N.A

71
Com vigor, essa agremiação rebateu críticas,
propôs soluções para o Vale do Trombetas, articulou
visitas para esclarecimentos de autoridades fiscais, e fez
um fato merecedor de registro quando organizou a
primeira leva de empresários nativos à visitar a esfinge
do Trombetas. Era tempo dos chamados “fiscais do
Sarney”, anjos do povo na caça aos demoníacos
comerciantes que remarcavam preços. Em polvorosa, as
gentes da SUNAB46 rapidamente se espalharam pelo
Brasil, em busca da caça ao boi, armados pela Lei
Delegada nº 04.

Em Oriximiná, a fiscalização da SUNAB foi


obrigada a prestar vários esclarecimentos em reunião
articulada pela ACO47, e ao final vários autos de infração
foram anulados, restabelecida que foi a legalidade dos
servidores públicos ao lado das práticas comerciais.

46
Superintendência Nacional de Abastecimento. N A
47
A reunião a ACO que mais compareceu comerciantes ao lado da
também concorrida reunião onde foi entregue ao Governador do
Pará uma pequena sugestão de projeto de Desenvolvimento para o
Vale do Trombetas.N.A.

72
A vila de Porto Trombetas era o templo sagrado e
estratégico do governo militar e empresas estrangeiras,
onde se instalava a Mineração Rio do Norte S A,
empresa mito e sucesso de administração para seus
acionistas. Porto Trombetas era indecifrável e
inacessível nessa época da pós-ditadura. Dizem que até
o prefeito do município tinha que pedir licença para
desembarcar.

Assim se nutria a sociedade agora mais civil que


via a nova república de Tancredo e Sarney surgir. Após
longa madrugada, aportaram na Vila de Porto Trombetas
os teimosos empresários de Oriximiná, devidamente
conduzidos para o café da manhã na Casa de Hóspedes
da MRN. Crachás e credenciamento não eram
compatíveis com a liberdade democrática nem com a
mudez e rudimentares técnicas comerciais dos
oriximinaenses. Foi a primeira vez que uma delegação
de oriximinaenses era recebida em Porto Trombetas
pelos seus próprios méritos, isto é, sem favor político.
Apenas porque se organizaram e reivindicaram seu
espaço próprio.

73
Depois da apresentação, um passeio pela área
industrial e mina fez os empresários oriximinaenses
virem pela primeira vez as enormes máquinas
assustadoras a escavar o solo extraindo as riquezas,
originariamente em prazo estimado para quatro séculos.
Hoje tarefa ajustada para pouco mais de quatro décadas,
tal o esforço exigido pelo mercado mundial de alumínio.

Fato curioso foi a informação do tempo demasiado


distante para a ótica daquela gente. Com espanto natural
um de nós perguntou sem temor o que iríamos fazer
quando acabasse toda aquela bauxita após 400 anos. A
resposta ficou para o futuro...

No presente, ficou patente o conflito de dimensão


e valores em cada lado. Ausência de estratégia e
mercado não fazem o pequeno empresário de Oriximiná
projetar números maiores do que um a dois anos para
negócios. Hoje, passados mais de quinze anos a
tecnologia já reduziu para menos da metade o tempo
estimado para esgotar as minas, mas o horizonte político

74
empresarial da região continua com os cálculos do
século passado, estimado em safras e os anos das
eleições.

Neste particular, ainda se pode imaginar quanto


foi importante receber tal choque cultural; não se falava
em planejar, nem se falava em estratégias, afinal, a
sociedade temia expressar suas ignorâncias diante do
governo militar que imperava na região. As reuniões com
os vereadores e políticos eram quase sempre para firmar
compromissos onde não se discutiam as dimensões dos
atos assinados. Foi assim com a proposta de
asfaltamento da estrada do aeroporto, com o cais de
arrimo da cidade, das galerias etc. etc.

Tudo era assunto da segurança nacional. Nada se


fazia sem consultar as autoridades da inteligência, do
serviço de informações. Sempre havia o risco de
sabotagem e terrorismo nacionais que visavam destruir
os grandes projetos.

75
Vale dizer que a Imprensa paraense pouco o
quase nada registrava sobre o Projeto Trombetas. As
vezes que saiam comentários era para comparar com o
Projeto Carajás e dizer da tranqüilidade e prosperidade
que a Mineração Rio do Norte conseguir implementar
seus objetivos empresariais, sem devastar, sem
tumultos, como as greves que já se iniciavam no sul do
Para.

Até circulou matéria chamando Porto Trombetas


de suíça paraense, tal era a qualidade de vida propalada
pela empresa mineradora. Até que transbordou o lago do
Batata, fazendo cair a máscara que encobria a
verdadeira face da destruição ambiental.

Mas os empresários não se intimidaram com a


organização de Porto Trombetas. Da viagem de
negócios resultaram bons frutos, que ainda hoje se
mantém. Houve até quebra de alguns monopólios que se
firmavam em função do fisiologismo partidário fincado na
liderança local.

76
Por outro lado, a agremiação de empresários
atravessou esses anos reivindicando sempre soluções a
cada gestão, que quase sempre guardaram o perfil de
cada presidente.

Um dos feitos maiores de tal associação foi


participar do Congresso Nacional de Associações
Comerciais na capital federal. Lá a maior delegação de
empresários do Pará articulou, aprendeu como fazer e
fez muitos contatos que agregou valor aos neófitos
associativistas de Oriximiná.

Em seguida, a Associação Comercial pôs termo


na fúria desenfreada da fiscalização fazendária estadual
que pontuava abusos e confiscos patrimoniais nas
contas daqueles que precisavam dos serviços
fazendários.

Assim, ainda hoje a Associação Comercial,


Industrial e Agropastoril de Oriximiná vem tentando
sensibilizar seus integrantes para as necessárias

77
reformas estruturais da sociedade civil, do governo
municipal e das gentes.

Afinal, sem um espaço destinado para o Distrito


Industrial de Oriximiná, a cidade vem perdendo ao longo
dos anos muitos investimentos; sem o associativismo
presente nas ações dos empresários oriximinaenses não
haverá um futuro eleito como promissor com vocação
uniforme no desenvolvimento municipal.

Ainda remanesce a tese do fórum suprapartidário


na Associação Comercial de Oriximiná, e ele deve
persistir por muitos anos, afinal, de unanimidade os
campos santos estão lotados. Entretanto, alguma coisa
pode ter mudado para melhor, como a transferência da
sede da MRN do longínquo Rio de Janeiro para a vila de
Porto Trombetas.

Muitos oriximinaenses, inclusive a classe política,


ainda não se deram conta da importância desse fato
geopolítico. Agora a sede da maior empresa de
mineração em bauxita do país está em solo Konduri. Se

78
alguns políticos de Oriximiná não pretendem permanecer
vítimas da história, eles precisam desenvolver
perspectivas históricas para justificar a presença da
direção da MRN em nosso município, não aceitar como
hoje placidamente é publicado o termo Porto Trombetas
como sede municipal em todos os documentos da MRN.
Por que não agir no sentido de ter a sede municipal
como mais um fator inibidor dos insucessos econômicos-
sociais, erradicando o quanto possível as mazelas
sociais. Não podemos evitar a sensação que de há muito
por fazer nessa questão do desenvolvimento regional.

Para resgatar um bom sinal do que os


comerciantes fizeram pela riqueza do município era
preciso que se apontasse a referência no passado, um
símbolo necessário para valorizar as ações do presente.
Assim, seria de boa acolhida para a classe que o poder
público afastasse de vez os camelôs de dentro do antigo
“Galpão”48 e lá fizesse a restauração necessária para

48
Galpão do Trapiche. Foi por lá que entrou mercadorias e saíram
as riquezas de Oriximiná. Lugar que deve ser memorializado pelos
presentes como referência cultural, histórica e econômica.

79
abrigar um auditório, museu e espaço para eventos de
arte sob a batuta da Associação Comercial, Industrial e
Agropastoril de Oriximiná.

É o passado ensinando o presente a cuidar das


suas referências sob pena de ir buscar lá fora o que não
quer ver dentro da sua cidade. Afinal, o telhado de zinco
que cobre aquela arquitetura original, marca uma época
que precisa ser preservada para constituir elementos do
orgulho de ser oriximinaense. Já basta o belo e elegante
“Trapiche” que foi destruído por quem não sabia o que
estava fazendo ao martelar e cortar da plástica da cidade
um elemento histórico fundamental.

É pelo trapiche que uma cidade ribeirinha se


organiza no tempo e no espaço. Equivale a uma estação
de trem, a um aeroporto, a um cais, dado o elemento
referencial que representa para a cidade.

Não deixemos que o trânsito na via principal seja


mais forte do que a referência histórica. Se não preservar
o “Galpão” vai virar pista asfáltica para dar passagem

80
aos carros modernos que pisoteando o corredor do
passado pode nos condenar eternamente à cegueira
hodierna, prejudicial e temerária para o futuro das
gentes.

81
Capítulo 5

UM PALPITE INFELIZ

Naquele tempo como agora, os governadores não


gostavam de saber de gente nativa reivindicar autonomia
seja lá do que for, principalmente a política. Não sei
porque essa teimosia em ficar com tudo e com todos,
como se eles dessem contam da gestão completa do
Estado. Essa gente sempre foi vista como românticos em
busca do amor eterno das causas perdidas. Bem ao

82
estilo dos ditadores para desqualificar o discurso
adversário, fazendo calar na fonte qualquer idéia alheia.

Mas, o ano era 1985 e estava no final, quando a


história se repetia e com ela girava a roleta política
apontando a vez de Oriximiná para receber o então
candidato. Assembléia montada para ouvir precisava
antes dizer, e disse. O então presidente da Associação
Comercial de Oriximiná, ainda verde na função deitou
falação sobre a necessidade de se criar uma política
para o desenvolvimento do vale do Rio Trombetas.

Isso era uma afronta! Como é que alguém se


atreve a dizer o que o governo deve ou pode fazer. Isso
até cheirava à democracia, nós que havíamos saído da
ditadura, quando o município era daqueles considerados
como área de segurança nacional. O povo de Oriximiná
representado, naquele momento, pela suas lideranças
empresariais só queria manifestar sua liberdade de

83
pensamento naquilo que elegeu para seu futuro
desenvolvimentista.49

De lado o status da segurança, a novata


agremiação deu o recado e ouviu, cabisbaixo e triste o
Governador dizer que não era inteligente dividir a parte
pobre do estado, que se já era ruim juntos, imaginem
como seremos tratados pela União aos pedaços, ou seja,
separados etc., etc...50

Registre-se ainda que essa agremiação de


empresários de Oriximiná tinha sido fundada naquele
mesmo ano, em 15 de junho de 1985, fato ressaltado
pelo então governador, que fez questão de destacar o
feito de gente tão nova em assunto envelhecido. Ficou o
protesto e pela primeira um orador quebrou o protocolo

49
“A liberdade não depende da lei; requer que o público entenda e
aprecie o pensamento racional. A razão é a alma da ciência.
Quando ela é suprimida ou abandonada, o totalitarismo ou a
anarquia rapidamente preenchem a lacuna deixada e influenciam
toda a comunidade, e não apenas a ciência.” Apud David Eliot
Brody e Arnold R. Brody in As Sete Maiores Descobertas Científicas
da História.
50
Discurso de Jader Barbalho na reunião da ACO realizada no
Bancrévea no dia 22.10.85, em Oriximiná. N.A.

84
da reunião para a réplica. O Secretário da ACO,
Francisco Florenzano falou após a fala do Governador
para contesta-lo e dizer que não aceitaríamos tão
facilmente as respostas dadas a cada ponto da sugestão
apresentada. O que a gente não faz quando não é do
ramo, mas acredita que foi ludibriado na gênese...

De uma lista de quinze providências entregue


pessoalmente por este autor ao Governador, apenas
uma foi parcialmente atendida, exatamente a que mais
se queria então, ou seja, o retorno das ligações
telefônicas do município com o resto do país, logo após o
fatídico dia 23 de setembro quando a torre da telefonia
desabou sobre a agência local do Banco do Brasil.

Vamos pensar um pouco sobre a distribuição da


Justiça, função básica de qualquer estado de Direito.
Observância das normas, pelo governo e pelos
governados são regras essenciais e emanam de
princípios indisponíveis em qualquer sociedade.

85
Então, você já foi ofendido? Já precisou da justiça
em Oriximiná ou qualquer outro município da região do
baixo-amazonas?

Tantas são as vezes que precisamos da


distribuição dessa justiça que na falta dela ser prestativa,
já nos acostumamos a elencá-las junto às outras
carências das ações governamentais, e portanto, não
nos damos conta de sua falta. A maior parte das vezes é
no braço ou no arbítrio que se resolvem a questão.
Antes, o Prefeito ainda mandava prender e soltar na
delegacia... agora, não! Há indícios de civilidade nessa
questão de ordem política e policial.

Experimente acionar alguém que deve a você ou


se defender de uma cobrança bancária usurária como
quase sempre são as execuções judiciais dos bancos do
governo na região.

Embargos não são julgados em menos de cinco


anos. Outros procedimentos especiais podem precisar
de quase dois anos para receber o primeiro despacho,

86
tais como mandados de segurança, hábeas corpus,
reintegração de posse, etc, etc... Digo à vontade dos
marasmos judiciais porque sofro os revezes na pele,
como se diz nos corredores dos fóruns.

Uma vez em Recife51, participei entusiasticamente


de um encontro com foros internacionais do processo
civil, penal e trabalhista brasileiro. Lá, ouvi de viva voz do
Ministro do Supremo Tribunal Federal, Dr. Nelson Jobim,
que agora sim, a tão propalada reforma do judiciário
seria para valer porque não era mais uma tentativa de
reforma por aqueles que seriam prejudicados no
processo.

Deflagrada pelo baiano enfezado ela seria


diferente na visão ministerial porque era “ feita pela
sociedade civil brasileira, não pelos advogados,nem

51
Participante do Congresso Mundial de Direito Processual, Civil,
Penal, Trabalhista e Administrativo, realizado no Centro de
Convenções da Cidade do Recife, de 19 a 22 de maio de 1999.

87
pelos juízes, muito menos pelos juristas, como foram as
propostas do passado...”52

Retornamos não querendo aceitar a realidade que


ainda viceja no meu Pará, na Belém onde trabalho
diuturnamente, e na minha Oriximiná tantas vezes
visitada a serviço jurídico.

Nas viagens para Oriximiná, Óbidos e Santarém,


deparo com lei processual diversa e curiosa. Na minha
querida terra há legislação própria regendo os
processos, onde a escrivania é obrigada a seguir os ritos
locais classificando-os semanalmente, e a cada dia para
naturezas diferentes das ações. Assim, temos o dia dos
Mandados de Segurança, dia para Hábeas Corpus, dia
para Audiências etc, etc

É a realidade diferente na prestação da jurisdição


que nunca vem, ou quando vem é tardia e injusta, nas
palavras do bom baiano Rui Barbosa, patrono da classe.

52
Trecho do discurso do Ministro do STF Nelson Jobim

88
E não adiantou muito a festa da Comarca para
receber os egrégios desembargadores que anunciaram à
um biênio que já podíamos distribuir no fórum ações para
duas varas. Ainda jejuamos na fila para obter um leve
despacho que seja diferente do “paralisação do presente
feito devido ao acúmulo do serviço eleitoral em ....”.

Vejam a cidadania tomando o lugar da justiça! Até


que ponto uma prejudica a outra. Será que nossas
corregedorias estão concordes após os lautos jantares a
eles oferecidos nas viagens de fiscalização e controle?
Não, senhores, ainda há muito a fazer nessa parte do
estado para olharmos de frente os nossos irmãos
desprovidos de Justiça!

Não estão aqui críticas ou falatórios ao ilustrados


magistrados que são tão vítimas do processo de
abandono quanto os advogados, os promotores, enfim
as partes litigantes. Dadas as dimensões e distâncias
tenebrosas do Pará, ainda remanesce a criatividade e o
jeitinho das costumeiras soluções das comarcas
distantes. Para longe de casa iam os condenados da

89
Inglaterra na idade média, os degredados portugueses
na Colônia Brasil e hoje em dia, os promotores e juízes
do Pará.

Para nós longe não existiria se pudéssemos


orientar nossa própria justiça, com nosso pessoal, com
nossa gente, com nossos meios de gestão, de perto,
com soluções à vista. Será que isso não contribui no
processo produtivo?

E a tão esperada justiça trabalhista? Objeto de


promessas e falas de juízes e políticos regionais, ainda
não se instalou além de Óbidos. As atividades produtivas
bem mostram o que significa “dar um passeio de lancha”
até Óbidos, partindo não de Oriximiná, mas de Faro.
Experimente, sr. Empresário, a teimosia que será você
contratar empregados em Faro ou Terra Santa. È melhor
cometer prevenção de foro e ir buscar a justiça baré.

90
Capítulo 6

NA CALHA DO RIO

Era para ser na calha norte, quer dizer o tema


central que dá nome a um projeto estratégico de defesa
da nação nas bordaduras do norte. Mas, foi na calha do
rio, distante mais de 100 km do local objeto da
discussão. Talvez porque de calha a área nada tem.
Seria mais apropriado o nome paredão norte, muro norte
ou até mesmo borda norte, mas calha não calhou !

91
Para começar é bem dizer que só fazemos
alguma coisa nos 15 a 20 por cento do espaço territorial
do município de Oriximiná. Não falemos de Òbidos,
Alenquer e outros, porque, o exemplo já basta. A menor
distância dos Tiriós (aldeamento indígena dirigido por
religiosos estrangeiros no norte do país) é medida em
horas de avião, como aferíamos no passado a distância
de Belém a Oriximiná: cinco dias de viagem de barco.

Da imensidão do rio Trombetas se iniciou uma


viagem filosófica a jusante. Técnicos e políticos, excluída
a tal da sociedade civil, dilaceraram o programa da
viagem bem ao estilo dos ensinamentos da estratégica
Escola Superior de Guerra.

Certamente cuidados foram ali tomados para


rechaçar as teses nativas de solução para os problemas
dos ribeirinhos nativos. Entre folders, projeções de
slides, palestras e pequenas “revelações” os trabalhos
venceram as pautas diárias com muitas histórias
“românticas” e “de segurança nacional” como soe
acontecer nestes colóquios militares. Mas, ações de

92
base para propor mudanças no marasmo da
despovoação da fronteira norte do país ainda ficaram
adiadas na ignorância da maioria dos presentes, rio
abaixo.

No trilho aquático até Prainha foram dias de


discussões e exposições temáticas sobre a segurança e
as políticas de desenvolvimento para a região do Projeto
Calha Norte.

Dos resultados não se sabe, nem na imprensa


que pouco cobriu, muito menos nos órgãos civis da
região, tais associações e representações classistas.

Assim é o tratamento estratégico das informações


e decisões que precisam ser implementadas para as
soluções de problemas. Dessa forma, o noticiário
televisivo informa bombasticamente que uma pista em
Cachoeira Porteira foi detonada, implodida porque era
usada para o tráfico de drogas. Tudo no mais absoluto
sigilo.

93
Fica a pergunta: não seria melhor educar a
população a se defender das drogas e evitar os acessos
mencionados? A educação é processo dinâmico do
saber alimentado pela informação básica, contínua e
orientada para as defesas da fronteira.

Esquecidos pelos órgãos de informações


nacionais o temor é a única expressão dessa gente que
vê assustado um helicóptero pousar com bombas e toda
a parafernália militar.

Pode também ignorar pouso de aeronaves


estrangeiras nas suas pastagens ou Campinas. Não
sabe o que está acontecendo. Não sabe o que fazer
para se defender. Ainda teme as armas e exércitos que
surgem do nada, no rio ou no ar. Foi isso que aprendeu
quando os treinamentos militares eram praticados nas
suas matas e lagos.

De prático, o que fica da Calha Norte é quase


nada ou pouco menos que antes. È mais conhecida a
confusão gerada na imprensa na época das aquisições

94
do equipamento do SIVAM do que as estratégias
estabelecidas para a região da Calha Norte.

Que tal inserir palestras regulares sobre os


mecanismos de defesa na fronteira ao longo de
programação regular na região? Entretanto, tudo é
relativo quando se tenta buscar as motivações e causas
de decisões estratégicas. É tudo muito secreto e sutil.
Afinal, trata-se de segurança nacional...

Talvez seja necessário fazer uma volta ao


passado para tentar entender como se deu a nossa
autonomia política, como se formaram as correntes do
pensamento nacional. Isso é matéria para um tratado,
mas, aos poucos se pode entender a partir de registro
históricos ou através de análises independentes dos
chamados scholares53.

53
Pessoa erudita, acadêmicos com tese nas faculdades.N.A.

95
Assim que chegamos ao contexto histórico da
independência política dos países da América Latina54 e
de cara se depara com fatos parecidos. Falta muita
convicção política nas ações do políticos de hoje e de
ontem. As coisas se ajeitam, pode-se dizer, de uma
maneira em que ganham todos no primeiro momento do
acordo e perdem todos tudo o que ganharam ao longo
do tempo.

Não havia e não há bases sólidas em estratégias


montadas sobre meras vontades e vaidades pessoais.
Ainda tem gente que “quer ajudar Oriximiná” como base

54
Na América Latina, a independência não resultou de ideologia
colonial e iniciativa política, mas das fraquezas e infortúnios da
Espanha e Portugal na metrópole, no contexto das rivalidades e
guerras européias. Quando a Espanha provou ser incapaz de
governar suas possessões ultramarinas, figuras importantes do Novo
Mundo exploraram o vazio e tomaram o poder, encontrando apenas
uma resistência esporádica. A independência foi instaurada quase
sem ser percebida – uma surpresa para as incipientes entidades que
não tinham outro objetivo senão trocar de senhores. Esse tipo de
negativismo anárquico propiciou o caudilhismo macho. Não admira
que a história da América Latina no século XIX seja uma novela
barata de conspiração, cabalas, golpes e contragolpes – com tudo o
que isso acarretou de insegurança, mau governo, corrupção e
atraso econômico” , in David Landes, ob. cit. Pág. 352

96
de uma plataforma política. E tem votos. Por que tal fato
ainda acontece?

Outros menos afoitos adotam práticas alheias de


comportamento para corrigir os rumos políticos, evitando
os erros grosseiros do passado, desperdiçando recursos
na prática cruel da tentativa e erro. Vamos ver se dá
certo, senão, não fazemos assim... Mas, o estrago já
está feito, e como disse a um prefeito de Oriximiná em
passado não muito recente, o pior do gasto inútil com
verba pública, é que não há possibilidade técnica de
ressarcimento aos cofres públicos. Neste caso, a
apropriação indébita é melhor, porque o povo pode exigir
de volta. Mas, desperdício não costuma passar recibo de
volta.

Vejam as riquezas já amealhadas por aqueles que


passaram pelo poder político de Oriximiná nas últimas
duas décadas e quantos deles ainda mantém algum
patrimônio. É dinheiro público investido na propriedade
privada, sem controle, sem moral e ao final impera a
decadência, a imoralidade e o cinismo. Ainda lembro a

97
míngua de votos dos ex-prefeitos da cidade nas últimas
eleições como leves sinais de reação da sociedade no
limiar do pensamento político positivo.

98
Capítulo 7

ABUNDÂNCIA E DESPERDÍCIO

A esfinge do Trombetas é cruel com a natureza e


a gente nativa. Desmata, escava e suga a rocha
vermelha da bauxita. Diferente da egípcia que sofre e se
desgasta com as intempéries a trombetista desperdiça
recursos florestais não disponíveis e carentes aos
habitantes dos municípios vizinhos, afasta os nativos dos
quelônios e ensina o óbvio para viver na fartura de
misérias ao redor.

99
A partir de denúncias lançadas na Câmara
Municipal, recebi alguns dados que precisam ser
analisados à luz da ecologia, da economia e pelos
políticos locais.

Nos trechos do discurso do vereador Tomé


(PSDB) se toma conhecimento de fatos importantes que
precisam ser apurados e analisados por todos aqueles
que se preocupam com o futuro daquela gente. Façamos
a leitura de um pequeno trecho desse discurso proferido
no final da legislatura do ano 2000.

“Trata-se do aproveitamento dos recursos


florestais retirados das áreas de desmatamento da
MRN. Para suas informações, estivemos no IBAMA
em Belém para saber do que é feito, ou melhor, para
onde é encaminhada e de que forma isso é feito para
as toras de madeira que estavam nos locais onde é
extraída a bauxita; e ainda lá as informações são
precárias, e esparsas; tive que obtê-las parcialmente,
portanto, fiz uma idéia do que está acontecendo lá

100
em Porto Trombetas. Fica, desde logo, a necessidade
de se oficiar para o IBAMA, para que a Requerimento
desta casa, o IBAMA informe os números das áreas
indenizadas, anualmente, desde o início da atividade,
e o que a MRN fez com estes recursos florestais....
para onde foram todas essas toras de madeira???

Sabe-se, por exemplo, que a MRN recebe


autorização do IBAMA para desmatar 20 hectares por
mês, totalizando 240 ha por ano. Todos nós aqui
nesta casa, temos ou já tivemos alguma atividade
ligada ao solo, pastagens etc... e podemos avaliar
sem recorrer a técnicos o que significa 20 hectares
mensais de florestas destruídas.

Tal atividade vem crescendo à medida que há


necessidade de exportar mais bauxita, posto que o
minério está embaixo das árvores. Logo, a pergunta
é: O que é feito dessa enorme quantidade de árvores
já retiradas e por retirar do local?

101
Sabe-se que há um rendimento médio de 40m³ de
madeira comercializável por hectare nas florestas
desta região. Assim, fazendo uma pequena conta
chega-se a 800 metros cúbicos de madeira de lei (20
há x 40m³) por mês... anualizando esses valores,
vamos ter cerca de 9.600 metros cúbicos de toras por
ano.

Se valorizarmos essas toras ao preço médio de


R$ 50,00, obtemos um valor aproximado de R$ 480
mil de recursos disponibilizados pela floresta do
Saracá e Papagaio, onde estão as minas principais.
Isso são dados anuais.... agora é necessário que
valorizemos por mais de uma década que tais
recursos foram explorados e verificaremos o absurdo
que é o tamanho desperdício de recursos naturais...
apenas por 10 anos, teremos algo em torno de 4,8
milhões de reais, muitas vezes mais o orçamento
público das prefeituras da região.

Seria de bom alvitre e estaríamos cumprindo


nossa missão parlamentar se perguntarmos à MRN

102
onde e como foram aplicados tais recursos durantes
todos esses anos que ela está desmatando a floresta
para retirar a bauxita....

É sabido também que a MRN refloresta as áreas


desmatadas... bem como também é sabido que o
IBAMA cobra uma indenização pelas madeira
retirada, mas, mesmo assim, não se pode permitir
que tais recursos sejam desperdiçados, ainda mais
hoje em dia como está o mercado madeireiro da
região amazônica...

Há dois anos atrás, uma empresa local fez


contrato e retirava parte dessa madeira (cerca de
70%) para aproveitamento comercial. Entretanto, por
exigências unilaterais da MRN tal empresa não
suportou os encargos para continuar a atividade de
salvamento e resgate das toras que estavam sendo
enterradas junto com o material estéril, porque o
processo de retirada de bauxita não pode parar...

103
E a partir de julho deste ano, não mais está sendo
aproveitada tal madeira... De novo a pergunta???? O
que a MRN está fazendo com tais recursos??? Para
onde vai toda essa madeira??? E se está sendo
estocada, seria o caso de esta casa fazer aprovar
uma comissão de parlamentares para uma visita no
local de estoque, devidamente acompanhado de
técnicos ou pessoas com experiência da área para
que se cumpra nossa missão fiscalizadora da
sociedade.

Para fazer valer o artigo 17155, item VI da nossa


Lei Maior, é que entendemos serem tais informações
e esclarecimentos de extrema importância para
formação de nosso julgamento sobre a correta

55
Art. 171 da Lei Orgânica de Oriximiná “Incumbe ao Município:
..........., VI – assegurar que os grandes projetos localizados no
território do Município sejam responsáveis pelo financiamento de
ações e serviços que visem compensar e a atender ao aumento
significativo da demanda de infra-estrutura social, sanitária,
urbana e educacional decorrente de sua implantação a ser
considerada como custo social consectário, assim como sejam eles
responsáveis por ações voltadas para evitar a solução de
continuidade de auto-sustentação econômica dos núcleos
populacionais criados ou ampliados no interesse desses projetos.
N.A

104
missão que temos como parlamentar oriximinaense,
posto que encarregado da fiscalização de nossos
recursos. Até porque, tal postura, só fortalece nossa
ação política no sentido de ajudar a auferir cada vez
mais recursos para nosso município e nossa gestão
executiva cumprir com seu papel, ora referendado
pelo povo oriximinaense!

Por outro lado, gostaria de expressar minha


gratidão pelo excelente trabalho que a Fundação
Ferreira de Almeida vem fazendo em nosso
município. Longe das festas e luzes próprias dos
folguedos tão comum em nossos dias, essa
instituição vem realizando um trabalho exaustivo de
pesquisa e catalogação de dados sobre nossa região,
como é exemplo este Relatório, para então permitir
tomada de decisões com menos erros. Registre-se
nos anais desta casa o Relatório MRN –
Responsabilidade Pública e Cidadania, que desde
logo fica requisitado àquela instituição.”56
Oriximiná, 12 de Dezembro de 2.000
56
O relatório está no apêndice desta obra N A

105
Deve-se explorar com paciência e interesse na
solução dos problemas tais informações contidas nesse
pequeno trecho do discurso. Extrair detalhes e propor
sugestões que possam ajudar na reflexão é missão
daqueles que não se contentam com simples
explicações da mineradora. Afrontando a legislação
ambiental vem alforriada no balanço, fazendo ver às
autoridades que os valores investidos na restauração da
floresta e a indenização das árvores seria bastante para
sua remição.

O discurso em questão traz à tona tema polêmico


que a vereança local às vezes não está muito
interessado em tratar de maneira satisfatória e
responsável. Não se faz o bom desempenho do cargo
apenas manipulando favores pessoais durante os quatro
anos do mandato. É preciso fazer mais, como já disse
Churchil57. Não se espera que cada vereador
oriximinaense cumpra apenas o seu papel.

57
Sir Wiston Churchil, primeiro ministro inglês durante a 2ª guerra
mundial, afirmava que “...para arruinar o mundo bastava que cada
um cumprisse apenas o seu papel na sociedade.” N A

106
A legitimidade genuína da tese municipal é
baseada no princípio da responsabilidade civil. Quem dá
causa ao dano deve ser o responsável pela sua
reparação. Nada mais do que evidenciada está a
causadora de danos ambientais, no gênero e danos
específicos como esses sobre os recursos florestais.

Em plena onda ecológica não se admite que uma


empresa despreze os mais comezinhos cuidados com a
origem das espécies.

Agindo de maneira excludente a MRN separa o


joio do trigo. O joio seriam as árvores que teimam em
ficar em cima do minério. A sociedade oriximinaense
precisa se inteirar e conversar bastante sobre este tema,
ainda que seja para dizer pela enésima vez que não
pode aceitar um desperdício de madeira comercializável
dessa ordem e grandeza quando se sabe que por muito
menos há gente carente para erguer sua própria morada.

107
A questão posta é sobre o retorno e a
responsabilidade dos danos, que as empresa instaladas
na região devem proporcionar ao seu meio, aos nativos,
à gente de Oriximiná e região, enfim.

Até que se retire da Constituição Oriximinaense,


está valendo o artigo 171 das Disposições Gerais da Lei
Orgânica Municipal, publicada naquele 05 de abril de
1990, elaborada cuidadosamente pelos constituintes
oriximinaenses, que dispõe para a posteridade a
vontade do povo.

Assim aprovaram o artigo 171... “INCUBEM AO


MUNICÍPIO”.... Item VI “ASSEGURAR QUE OS
GRANDES PROJETOS LOCALIZADOS NO
TERRITÓRIO DO MUNICÍPIO SEJAM RESPONSÁVEIS
PELO FINANCIAMENTO DE AÇÕES E SERVIÇOS QUE
VISEM A COMPENSAR E A ATENDER AO AUMENTO
SIGNIFICATIVO DA DEMANDA DE INFRA-
ESTRUTURA SOCIAL, SANITÁRIA, URBANA E
EDUCACIONAL DECORRENET DE SUA
IMPLANTAÇÃO A SER CONSIDERADA COMO CUSTO

108
SOCIAL CONSECTÁRIO, ASSIM COMO SEJAM ELES
RESPONSÁVEIS POR AÇÕES VOLTADAS PARA
EVITAR A SOLUÇÃO DE CONTINUIDADE DE AUTO-
SUSTENTAÇÃO ECONÔMICA DOS NÚCLEOS
POPULACIONAIS CRIADOS OU AMPLIADOS NO
INTERESSE DESSES PROJETOS”.

Duas são as responsabilidades definidas pelos


constituintes locais, muitos deles ainda presentes na
atual legislatura da casa de leis. A primeira é a
responsabilidade pelo financiamento de ações e serviços
de compensação e a segunda, a responsabilidade por
ações voltadas para evitar falência na sustentação das
áreas implantadas.

Ora, é de se perguntar aos quatro cantos se há


efetividade no disposto legal, ou seja, se não se trata de
letra morta na lei de Oriximiná. E em não sendo assim,
que tal cada um de nós questionar os vereadores atuais
para dizer alguma coisa sobre o tema?

109
Capítulo 8

O NOVO ESTADO E AS RAZÕES DE SER

Dentre as várias maneiras e razões que se pode


discutir a questão separatista, uma fica de pronto ao
largo dos argumentos. Exatamente a que trata de ser ou
não auto-suficiente, quanto produz, quanto consome,
enfim, poderá o novo estado se auto-prover e não causar

110
danos à parte remanescente. Pior, se é bom ou ruim
para o Pará... Afastadas as emotivas, restam aquelas
mais exigentes para satisfazer uma percuciente análise
do por que nós faremos nascer mais uma unidade da
federação. Muitas, diversas e necessárias são as razões,
porém, todas elas devem tocar uma nota em acorde
principal: a vontade popular.

De há muito a região do baixo-amazonas se quer


autônoma, livre e dona de seus destinos. Encravada
entre a chamada “região dos Omáguas” e a Província do
Pará, o intermezo vem cuidando de sua auto-gestão
através dos séculos. Sim, agora com mais um que acaba
de dobrar a folha...

Ocorre que há dois séculos, pelo menos, por volta


de 1852, portanto século XIX, o etnógrafo Domingos
Sávio Ferreira Penna sugeria aos políticos do Império
Brasileiro que seria de bom tom o “surgimento de uma
província intermediária entre a do Pará e do
Amazonas...” pelas mesmas razões de agora: diferenças

111
na geografia, nas gentes, na economia produtiva e nas
vontades da região.

Desde então, vem a cultura local se fazendo por


diferente e refletindo sua autóctone maneira de dizer (a
fala do baixo-amazonas difere do resto do Pará), de
escrever, de pensar, de reagir na sua própria e diversa
natureza que Deus lhes deu. Vejam, como a geografia
não nos abençoou com a chamada maré... mas, nos
deu as cheias... lá nós não temos a pororoca, mas
cachoeiras e grandes planaltos e serras... caranguejo e
mariscos lá não tem, mas tartarugas, pitiús, saunas e
acarís...

As nossas águas são semestrais na sua dança


natural de ir e vir. Lenta, mas contínua, nos dão as
várzeas do baixo-amazonas que poderia até ser
elemento determinante para nossa autodenominação,
posto que delas muito dependemos, nela muitos
nascemos, plantamos, moramos e criamos o gado que é
grande expressão da economia local, mas nelas ainda
não se inserem os institutos do direito agrário nacional.

112
Talvez porque nós ainda não dissemos com vigor,
com expressiva necessidade vital o quanto elas, as
várzeas, são elementos essenciais da vida no baixo-
amazonas. Milhares de hectares de várzeas jazem
férteis sem o financiamento produtivo da lavoura, porque
não têm registro imobiliário válido pelo sistema bancário,
ou seja, elas não existem como patrimônio valioso como
uma terra, como um ativo, para garantir recursos e
desenvolvimento. Talvez, por essa razão, poderíamos
nos autodenominar de “Varzelândia”....

São outras razões que nos levam a dizer sobre as


mesmas razões para o surgimento do novo Estado. As
dimensões da nossa área, os rios principais e suas
bacias de água doce, são também elementos vitais para
nossas gentes e nosso futuro, da região e do país. E as
minas, por exemplo? Esse recurso tão importante quanto
valioso para região do rio Trombetas, a região do rio
Tapajós, Monte Alegre e Prainha, Cachimbo e Altamira?
Não adianta querer desenvolver essa imensidão
de área e de gente diversa sob única batuta

113
metropolitana que na falta de uma idéia melhor, sugere o
absurdo centralizador a partir de Belo Monte. Não é
assim, porque diversos e diferentes são os caminhos
para lá se chegar e de lá sair...

Mas, não é assim, mais porque nós somos gente


que acredita nas lições da natureza das coisas e menos
porque não queremos ser paraenses. Estas costumam
ser mais determinantes e exigentes do que as vontades
de um grupo ou pessoa. É melhor se dobrar às
evidências e aos anos que falamos e exigimos a nossa
autonomia da região do baixo-amazonas do que
argumentar paliativamente.

De todas as razões, uma é preponderante para


essa querência separatista: a omissão do governo do
estado do Pará na região. Lá, o governador só visita em
eleições estaduais a cada quatro anos, assim também os
demais políticos... Ora, não se trata de ver a pessoa do
governador todo mês, ou todo ano. Contudo, receber
uma obra a cada quadriênio dá uma sensação de
abandono, de desprezo, de insegurança, de ser deixado

114
para trás, de não pertencer a este “Novo Progresso” que
assola o resto do Pará. É a proximidade do centro das
decisões que faz o desenvolvimento de uma região,
porque coerente e eficaz nas soluções de problemas em
cada área.

Assim, o novo Estado precisa e vai ser instalado


tão breve como serão as discussões nas escolas, nos
clubes, nos jornais, na sociedade que quer o seu próprio
desenvolvimento. Dizer que custa caro fazer, que não
tem dinheiro para implementar um novo Estado, não é
razão para não fazer, além de desconhecer o que está
acontecendo em Tocantins e no remanescente estado de
Goiás, onde foi bom para as duas partes.

Afinal, somos e seremos sempre uma mesma


federação que precisa reagir para expurgar os males de
sua desigualdade regional. E a questão territorial é uma
delas. Que venha o novo Estado do Tapajós, da
Varzelândia, dos Três Rios, do Intermezo, das Razões...

115
Capítulo 9

PELAS FLORESTAS DO TROMBETAS

Salve, ó terra de ricas florestas,


Fecundadas ao sol do equador...

A situação daqueles que utilizam os recursos


florestais no baixo-amazonas paraense como forma de
viver decentemente se agrava quando o órgão federal
(IBAMA) encarregado da fiscalização e análises dos

116
projetos de manejo é posto sob intervenção federal. E
piora, quando os jornais noticiam a intervenção
internacional como é a proposta de moratória para a
atividade madeireira no Pará, feita pela turma do
Greenpeace, não respeitando uma essencial atividade
econômica dos paraenses em geral. O quadro exige uma
reflexão pela sociedade civil e órgãos governamentais
para evitar injustiças irreparáveis sem deixar de punir os
responsáveis pelos atos denunciados.

O estado do Pará, por natureza e a Graça de


Deus é uma terra de florestas. O rio Trombetas é uma
zona de enormes e densas florestas que compõe o mapa
paraense a justificar o poeta do passado. E já está na
hora de nós, os que dela cuidamos e precisamos para
viver, tomarmos conta do planejamento, da utilização e
do regular e auto-sustentável processo econômico da
atividade florestal. Este é um ensaio para chamar à
atenção daquilo que estamos perdendo por culpa das
ações de órgãos alheios aos interesses dos chamados
madeireiros e silvicultores da região.

117
É fato que o IBAMA não é eficiente na fiscalização
e controle das florestas no nosso território, haja vista as
freqüentes denúncias do próprio órgão em afirmar não
dispor de pessoal e recursos para tal finalidade. Em
passado recente essa carência era suprida pela MRN
que disponibilizava combustível e logística básica para
as operações de fiscalização com fins outros no rio
Trombetas, qual seja o de manter afastados quaisquer
intrusos que porventura fossem bisbilhotar suas
atividades mineradoras, tais como os garimpeiros e
faiscadores. Até hoje tem muita gente jura de pé junto
que esse investimento se justificava para a proteção das
inofensivas e menos ainda defendidas tartarugas do
Tabuleiro58.

Reproduzo um pequeno relato histórico sobre o


Tabuleiro das Tartarugas, retirada do livro do Grouxy59
para informar como as coisas aconteciam na década de
30 e ainda pode estar ocorrendo nos dias atuais.

58
Praia de areia natural que aflora no centro do rio Trombetas na
época da vazante. Lá os quelônios fazem a desova anual para
reprodução da espécie.
59
In Oriximiná, ob. Citada. Pág. 16

118
O Tabuleiro das Tartarugas

Mês de novembro de 1935.


Ao tempo, o Tabuleiro de Tartarugas obedecia à
administração da Prefeitura Municipal de Oriximiná que
designava um fiscal para tomar conta da praia, zelar pela
desova das tartarugas e fazer o possível para salvar a
maior quantidade de filhotes, colocando-os em sacas e
conduzindo-os para os lagos centrais – Abuí-grande,
Leonardo, Jacaré e outros mais.

Muitos desses fiscais faziam ao contrário das


ordens recebidas. Vendiam as adultas e comiam os
filhotes, havendo até alguns deles que alimentavam
porcos com as tartaruguinhas cozinhadas. Isso na
década de 40.

As viagens a essas regiões eram monótonas,


feitas em canoas a remo e vela e se demorava mais de
três dias para chegar-se a esses lugares. Devíamos ir
verificar um castanhal no Abuí-grande para calcularmos
a safra e, para isso, preparamos as canoas necessárias:

119
uma grande com tolda e duas pequenas que serviam
para os pescadores que seguiam na viagem.

No Abuí, como até hoje, é grande a fartura de


todas as espécies de peixes tucunarés, tambaquis,
peixes-boi, pirarucu e outros que serviam para fazer a
salga, a fim de livrar as despesas de viagem. Também
havia muitos quelônios – tartarugas, tracajás, pitiús e,
principalmente, tartarugas pequenas, próprias para os
“mauaçus”60 nas praias de Oriximiná, pois naquela época
a proibição não atingia a exigência de atualmente. Hoje,
os oriximinaenses só podem saborear o “sarapatel”
(prato típico da região feito com tartaruga) se
contrabandearem ou se forem para outra cidade da
região, onde é bastante fácil adquirir-se tartarugas e
outros quelônios.

Descemos do Abuí e paramos na “Prefeitura”,


como era conhecido o barracão de morada do Fiscal,
que na ocasião era o Machado, nosso amigo, que nos

60
Tartaruga pequena ou peixe assado num buraco feito na praia,
onde se faz o fogo. Espécie de piquenique a noite, apud Grouxy.

120
recebeu muito bem e tudo fez para passarmos uns dias
em sua companhia. Não prometemos, mas ficamos para
pasar a noite e ver se virávamos alguma tartaruga, caso
“saltassem” nessa noite, pois os pretos que faziam a
guarda da praia haviam visto o “sinal” de que um grande
cardume estava preparando-se para subir.

Às dez horas da noite atravessamos o Trombetas


e fomos até a praia do Tabuleiro. Quando
desembarcamos, o Fiscal nos disse que se
61
quiséssemos, podíamos “virar” algumas tartarugas, que
ele tinha ordem para isso.

Mas, o nosso interesse não eram as tartarugas e


sim ver a sua saída do rio e a sua desova, que obedece
a um ritual. Primeiro vem o Capitari62e, com a cauda,
demarca o terreno onde as tartarugas terão de desovar.
Terminada a demarcação, o Capitari cai na água e as
tartarugas sobem para a praia cavando buracos para a

61
Colocar a tartaruga de peito para cima para poder carrega-la,
apud Grouxy
62
Macho da tartaruga, apud Grouxy

121
desova, fazendo uma nuvem de areia que não se vê
mais nada. É interessante, e contando não se acredita,
elas não se afastam do terreno demarcado.

Terminada a desova as tartarugas correm para a


água sem pedir licença a ninguém e se a pessoa
descuidar-se pode até cair, quebrar uma perna, tal a fúria
com que correm as “bichas”. Visto o que queríamos, já
nos preparávamos para voltar à Prefeitura quando fomos
chamados pelo Fiscal que nos ofertou duas tartarugas,
uma para o chefe da viagem e outra para os remeiros.

Em outros países, as florestas são fonte de


riquezas para seus detentores, enquanto para nossa
sociedade que utiliza e na visão dos governantes, são
fontes de escândalos, denúncias, dilapidações, motivos

122
para não titular terras63 sem contar as queimadas
danosas ao meio ambiente.

No ano de 1998, a Fundação Ferreira de Almeida


promoveu um seminário com participação de
Professores da Universidade de São Paulo – USP e de
um representante do órgão fiscalizador do governo suíço
para controle de florestas em todo o mundo64. O
Professor Françoise Kropoff discursou mais de 2 horas
para mostrar como a madeira foi e está sendo utilizada
com vantagens e gerando riquezas ao redor do mundo.
Disse-nos das pontes centenárias que Napoleão
conduziu seus exércitos na Europa e ainda hoje resistem
a ação do tempo devidamente protegidas: “... a madeira
cresce com água e sol, e apodrece com água e sol...”

63
Há um consenso nos órgãos estaduais do Pará que é melhor
titular terras coletivas para ONGs do que individualizar a
propriedade para os ribeirinhos e agricultores que dela necessitam
pelo temor não escondido de que essa gente vai derrubar a floresta
para fazer roçado.
64
I Seminário Internacional sobre Aplicações e Usos da Madeira,
julho de 1998, Fundação Ferreira de Almeida, no Auditório da
Câmara Municipal de Oriximiná

123
A platéia ficou sabendo, por exemplo, das
resistências e durabilidade da madeira bem protegida
das intempéries. Mas, um fato curioso que chamou à
atenção foi quando o professor suíço comentou das
vantagens em plantar árvores no Brasil, especialmente
na faixa equatorial iluminada pelo sol o ano inteiro.
Segundo o suíço as árvores da nossa região crescem o
ano inteiro de volume, muito melhor do que as plantadas
na Europa que só crescem no verão.

Vejam as vantagens e constatem o fato da


robustez das florestas chamadas tropicais em
comparação com as madeiras plantadas na Europa.
Bem, mas esse é outro departamento, o importante é
saber que há vantagens competitivas nas nossas
florestas.

Vale dizer que a Fundação Ferreira de Almeida


detém tecnologia de plantio de árvores nativas nas
propriedades de empresa local, onde os resultados são

124
animadores para as quase duzentas mil mudas que
estão crescendo anualmente lá no Jatuarana.65

Também não é desconhecido da sociedade que a


atividade madeireira gera milhares de empregos no
estado e milhões de reais arrecadados pelos cofres
públicos, portanto, é tema que não pode ser tratado
simploriamente na forma proposta pelos estrangeiros.
São recursos pátrios e devem ser utilizados de acordo
com as nossas decantadas leis ambientais, entre as
melhores já produzidas pelo homem. O que falta é a
implementação de uma corajosa política ambiental,
precedida de cadastros, regras básicas e fomento
financeiro para agregar valor e divisas à sociedade
nativa.

Não se pode admitir que o empresário ou


silvicultor que elegeram a atividade do corte de madeiras
e do plantio de árvores como fonte de sua renda sejam

65
Sadiemla Madeiras é a empresa que mantém um reflorestamento
de 180 mil árvores plantadas no Reflorestamento Jatuarana, km 15
da Estrada Oriximiná-Óbidos. N A

125
vistos pela sociedade como vilões, como responsáveis
pelos desmatamentos da Amazônia, como
aproveitadores das florestas dos índios etc.; também é
sabido que essa gente não se filiou a nenhuma
congregação religiosa, nenhum de santinhos... são
atividades econômicas como as demais e como nestas
também há os maus empresários, ineficientes gestores,
corruptos fiscais etc .

Diante desse quadro e para dar razão ao poeta do


hino paraense, o momento é oportuno para ativar o já
criado Instituto Estadual de Florestas – IEF (Lei 5.440, de
10.05.88)66, pois estando a salvo das mazelas do órgão
federal, o Pará poderá gerir suas florestas com altivez,
racionalidade e certeza em não denegrir uma atividade
inerente ao homem do nascimento à morte, do berço ao
ataúde.

66
Apud Prof. Maria do Socorro de Almeida Flores, in O Meio
Ambiente e a Proteção dos Recursos Florestais no Pará: uma
abordagem jurídica. UFPA, Belém, 1999.

126
Mas, isto só será possível com a inarredável
participação do município na gestão desse instituto, que
assume as verdadeiras funções em secretarias criadas
para essa finalidade. Minas Gerais já resolveu esse
problema porque entenderam os mineiros, sem
trocadilhos, que a atividade florestal é fundamental para
a vida econômica de suas regiões.

Deve ser municipal a gestão pelo fato de estarem


mais pertos os elementos de planejamento, fiscalização
e controle. Vejam que é preciso apenas adaptar a
legislação federal e estadual para a ordinária municipal,
posto que é agora o município competente para a
matéria de florestas como dispõe a Constituição Federal.

Outro fator que urge uma tomada de decisão


municipal sobre a questão das florestas já foi tema de
uma palestra67 na Fundação Ferreira de Almeida. Trata-
se do “resgate de carbono”, uma nova tecnologia que
está sendo desenvolvida pelas lideranças mundiais como

67
Seminário sobre “Resgate de Carbono – uma saída para
Oriximiná”, proferida por João Bosco Almeida, em agosto de 1999.

127
forma de resolver o problema do controle de emissão de
gases poluentes.

Resumidamente a questão se opera na produção


de mais florestas para resgatar o gás carbônico
resultante da emissão industrial e urbana. Como se
sabe, madeira é carbono puro que pode ser resgatado
da atmosfera com o plantio seletivo de árvores. Pode
parecer usual e simples afirmar que plantar árvores é
bom negócio, inclusive para a saúde. Ocorre, que os
países pobres e em desenvolvimento foram eleitos pelos
ricos para “resgatar o carbono” a troco de alguns dólares.
Isso mesmo, agora é possível receber dinheiro para
manter florestas. Entretanto, como toda tecnologia, a
questão do controle é fundamental, daí porque ser
imperioso o estudo e a arrancada para mais esta técnica
que pode muito bem ser assimilada por qualquer um de
nós.

Mas, racionalmente deve ser o município o gestor


de seus recursos florestais, especialmente para o caso
de Oriximiná que detém milhares de hectares desse

128
recurso disponível. É órgão municipal que gera receita
com taxas de licenciamento e indenização da floresta
manejada, diferente da maioria das demais secretarias
que por natureza precisam gastar verbas no atendimento
de suas finalidades. Portanto, a desculpa da falta de
verbas não é aceita para não fazer mais esta boa ação
governamental. Ademais, nossos fiscais estarão mais
vigilantes porque saberão onde está acontecendo o fato,
pela distância e pelo saber locais.

129
Capítulo 10

A FARSA DOS QUILOMBOS

“Mucambo é uma parage deserdado para pouca gente... é... É


uma parage deserdado que, a pouca gente mora lá, é, quer
dizer deserdado por falta de vizinho... Mocambo era onde
paravam os negros que vinham da Cabanagem. Onde eles
paravam... eles se apoderaram e aí trabalhavam. Dava-se o
nome de pretos mocambeiros... Viviam dentro da montanha,
dentro daquelas Serras Grandes. Então quer dizer uma
paragem escondida, sem visita de outras pessoas.... de
brancos” .

Os negros do Trombetas, Acevedo & Castro, ob. citada

130
Sem fantasmas, tanques ou metralhadoras está
em formação um latifúndio da ordem de 371 mil
hectares, correspondentes a cerca de 3,4% do território
do município de Oriximiná, um dos maiores do mundo
em extensão de terras. O mecanismo pode estar numa
brecha legal deixada pelos constituintes ao apagar das
luzes, hoje diligentemente manipulada por grupos
alienígenas em detrimento dos interesses locais da
população oriximinaense, regados por uma boa dose de
omissão dos governantes locais.

Interpretando a seu favor o artigo 68 da ADTC, a


Associação dos Remanescentes de Quilombos do
Município de Oriximiná – ARQMO, cumprindo à risca a
cartilha da Comissão Pró-Índio de São Paulo, vem
protocolando e obtendo junto ao Instituto de Terras do
Pará – ITERPA, grandes extensões de florestas no
município de Oriximiná, verdadeiros latifúndios nas
barbas das autoridades locais e nacionais, apesar das
legítimas contestações judiciais em andamento.

131
No ano de 1998 a ARQMO recebeu 85 mil
hectares de florestas nativas na Área Trombetas em ato
suspeito de irregularidades, ora sub judice. Em 1999,
mais 55 mil hectares na Área Erepecuru, afluente do rio
Trombetas, foram reconhecidos em favor dessa gente
autodenominada de quilombolas, um neologismo
convenientemente criado pelos mentores da farsa,
visando caracterizar como remanescentes de
quilombos68 negros que comerciam com os nativos

68
“A vida quilombola, fosse na forma (geralmente passageira) de
fugitivos individuais (petit marronage) ou de comunidades mais
amplas de escravos fugidos (grand marronage), era conseqüência
inevitável da sociedade escravagista da plantation...Ora o
Suriname, ex-colônia holandesa na costa da Guiana e hoje uma
decepcionante republiqueta independente, possui seis antigas
comunidades quilombolas que ainda constituem 10% da população
de um país pequeno e de extraordinária mestiçagem. Isso é
notável, já que as comunidades quilombolas encontravam
dificuldades para sobreviver, ainda que o último escravo autêntico
fugido tenha vivido o bastante para relatar sua autobiografia a um
escritor cubano na década de 60. Uma vez que os escravos eram
mais propensos à evasão logo após sua chegada da África,
comunidades quilombolas livres e fora dos limites da sociedade
colonial estabeleceram-se com mais facilidade nos estágios iniciais
dessas sociedaes, nos séculos XVI e XVII. O maior dos quilombos
brasileiros, Palmares, estava em seu apogeu na década de 1690,
pouco antes de sua queda após sessenta anos de guerra. Mesmo
onde os poderes coloniais foram obrigados a firmar tratados
reconhecendo a independência quilombola, como aconteceu de
tempos em tempos em uma série de países, esses tratados

132
desde tempos imemoriais na rota caribe-trombetas-
amazonas.

A questão transcende o sigilo reservado às partes


em juízo, porque ofende o interesse público de uma
população não suficientemente informada do golpe
contra si desfechado. Escamoteado sobre o manto das
minorias étnicas, hoje verdadeiras ameaças para
governos fracos e tementes a movimentos populares, os
processos de reconhecimento de alegadas posses de
terras na região recebem privilégios na condução por
parte do ITERPA, em detrimento de outros processos
particulares que dormitam o sono natural do serviço
público agrarista.

O fenômeno quilombola no Trombetas é uma volta


ao passado e o conseqüente abandono dos progressos
alcançados pela ocidentalização da sociedade atual.
Revela a mesquinhez ideológica de gente carente para

raramente perduravam. É duvidoso que fora do Suriname existam


hoje comunidades negras livres que continuem a considerar
vigentes os tratados da metade do século XVIII reconhecendo sua
liberdade.” Eric Hobsbawm, in Sobre História, pag. 208

133
martirizar o próximo, daqueles que estão sempre à
procura de cadáveres e desgraças sociais para forçar o
governo a cumprir suas obrigações na distribuição da
terra. É o caso de se perguntar aos negros do
Trombetas, hoje mesclados com a sociedade dominante
na região se querem ver os filhos chefes de quilombos
ou engenheiros, “pretos velhos” ou pastores, curandeiros
ou médicos, enfim, que horizonte ideológico querem para
seus descendentes?

Pergunta Hobsbaw69 ao se deparar com a


desestruturação social, falta de horizonte para as
comunidades negras ajuntadas em passado indefinido
como é o longínquo imaginário africano. “De que forma
os ajuntamentos casuais de fugitivos de origem
extremamente distintas, que nada possuem em comum
além da experiência de serem transportados em navios
negreiros e do trabalho escravo nas fazendas, passam a
constituir comunidades estruturadas? Falando em termos

69
Eric Hobsbawm em artigo analisando a situação dos quilombos no
Suriname, país vizinho ao município de Oriximiná, no artigo
intitulado “Pós-Modernismo na Floresta”, pág. 209

134
mais gerais, como as sociedades são fundadas a partir
do zero? Quais as relações entre as sociedades de ex-
escravos, que rejeitam a servidão, e a sociedade
dominante em cujas margens elas vivem, em uma
curiosa espécie de simbiose, já que a marronage, como
explica Price em outra obra, não era uma simples fuga,
uma reversão à vida camponesa no sertão, mas
também, de um modo curioso, “uma espécie de
ocidentalização”. O que exatamente essas comunidades
de refugiados – pelo menos no tempo em que a maioria
dos seus membros eram africanos nativos – deduziam
ou poderiam deduzir do velho continente? Ora, se as
comunidades quilombolas aparecem aos observadores
como africanas em sentimento – e talvez, o que é uma
novidade história, na consciência de uma africanidade
comum, que não teriam condições de possuir no Velho
Mundo – não se podem rastrear modelos e antecedentes
africanos específicos para suas instituições.”
Perguntamos nós, oriximinaenses, aos próprios irmãos
negros: como vamos conviver em nosso território
sagrado das terras pretas do índios, sem nosso próprio
imaginário de brasilidade, de convivências em folguedos

135
e festas miscigenadas das culturas indígenas, religiosas,
européias e negras?

Voltar ao passado para buscar aquele imaginário


referencial de cultos e lideranças é saudável. Mas, voltar
ao passado sem saber o que se busca é crueza
espiritual e perda de rumo na comunidade. Os chamados
guardiães de matas e rios do Trombetas não rezam o
candomblé, não professam religiões africanas e nem se
juntam em torno de divindades não ocidentais, por
exemplo.

A fé cristã foi dominante nos cultos dessa gente,


como foram as catequeses de D. Floriano e Frei Patrício,
para lembrar o mais atuantes. E Padre Nicolino, irmãos
70
de fé e de morte de muitos remeiros nas suas viagens
e homilias pelo Rio Trombetas e Cuminá? “O passado
social formalizado” é claramente mais rígido, uma vez
que fixa o padrão pra o presente. Tende a ser o tribunal
de apelação para disputas e incertezas do presente: a lei

70
caboclos de origem indígena e negra que acompanhavam o
religioso nas viagens ao Cuminá. N A

136
é igual ao costume, sabedoria dos mais velhos, em
sociedades iletradas; os documentos que consagram
esse passado e que, como isso, adquirem certa
autoridade espiritual, fazem o mesmo em sociedades
letradas ou parcialmente letradas.”71

A anatomia da farsa revela um despreparo do


ITERPA e omissão das autoridades locais, de
promotores a vereadores, passando por prefeitos e
deputados, que alertados sobre o assunto, de pronto
hipotecam a solidariedade populista e nada fazem de
concreto para reverter o quadro à luz da ciência
antropológica, pelo menos. No ITERPA, apesar de
relatórios técnicos chamando à atenção para a realidade
de não haver e nunca ter havido quilombos no
Trombetas, e sim pardos e brancos convivendo
familiarmente com os negros na região, os dirigentes não
resistiram às pressões da ARQMO via Comissão Pró-
Índio de São Paulo, e laboraram na tentativa de fazer

71
Eric Hobsbawm, sobre “O Sentido do Passado”, ob. Cita., pág.
23

137
parecer legal atos eivados de ilegalidades e lesividade
ao patrimônio público.

Em recente edital do ITERPA, já baseado em lei


votada às pressas na Assembléia Legislativa paraense (
Lei 6.165/98 ) há inusitado procedimento de AUTO-
DEFINIÇÃO QUILOMBOLA & AUTO-DEMARCAÇÃO
objetivando a titulação coletiva mais 213.200,5797
hectares de terras no alto Trombetas para a mesma
ARQMO, já detentora 140 mil hectares de florestas na
Área Trombetas e Erepecuru, terras contíguas que se
concretizadas a titularidade, haverá uma faixa de terras
formando um cinturão verde com a ponta iniciando na
Cachoeira da Porteira, terminando na metafórica fivela
do rio Amazonas, a histórica Óbidos.

A lambada será no impedimento natural da


expansão agrícola do município de Oriximiná. A questão
além de ofender os interesses locais, abrange também
os institutos agrários da nação, inovados pela tese da
titulação coletiva em nome de associações
casuisticamente formadas, quebrando um vínculo natural

138
na tradição agrária brasileira que é o título individual com
a propriedade rural. É instituição nacional e motivo de
festa no interior quando o lavrador veste a roupa de
domingo para ir receber seu documento de propriedade
da mão do Governador, o seu título definitivo da terra,
que lhe dá rumo e futuro no campo, impedindo-o de
ingressar nas levas que mendigam nas periferias das
cidades.

Fere de morte o ad referendum do Senado


Federal que deve opinar sobre concessão de áreas
acima de 2,5 mil hectares, pois não se admite a tese
alegada de que a constituinte já reconheceu estas áreas
para os quilombos cabendo ao estado apenas proceder
a demarcação.

A norma transitória constitucional exige, pelo


menos dois requisitos essenciais aos atos aqui
analisados: a condição de remanescentes de quilombos
e a ocupação da área de terras por eles. Na exigência
concomitante da ocorrência das duas situações,
sucumbem face às evidencias do contrário, da

139
inexistência de registros históricos de quilombos na
região do Trombetas, resultando na impossibilidade de
haver remanescentes daquilo que não existiu.

Por outro lado, o raciocínio exige explicação


elementar para aceitar como regular e possível que
apenas 116 famílias estejam ocupando 3.710.000 metros
quadrados de florestas? E como ficam os mais de 2 mil
habitantes ribeirinhos que mesclam suas vidas no dia-a-
dia com os ditos remanescentes, sem a titularidade de
suas terras ocupadas individualmente por optarem não
se associar à ARQMO?

Daí porque a farsa dos quilombos não deve


prosperar pela inexistência do elemento humano
caracterizado legalmente para ser beneficiário do direito
ao reconhecimento e ausência física de tal ente na área
pretendida. Oriximiná nunca foi, nem é terras de
quilombos pois não ocorreu nestas paragens a crueldade
dos tempos coloniais como em Palmares e outros
lugares na costa brasileira. Nossa gente é caracterizada
pela gentilidade dos nativos que miscigenados aos

140
colonizadores europeus formou a nação oriximinaense e
convive com os negros, pardos, brancos, índios do
Trombetas sem discriminação.

De outra forma, se comprovados os direitos dos


nossos irmãos negros do Trombetas que se faça a
justiça reconhecendo a eles efetivamente as áreas por
eles ocupadas, que não passa de algumas centenas de
hectares, posto que inseridos na sociedade, fazem
indústria e comércio tal qual nossas outras gentes, não
se precisando da diáspora trazida pelos estranhos índios
de São Paulo.

A continuar a farsa dos quilombos daremos ao


mundo uma nova modalidade de aquisição da
propriedade: o associativismo à ARQMO. Pois lá são
disputados no tapa irmãos de sangue não optantes pelo
ingresso nos quadros da ARQMO, condição exigida para
receber a titulação coletiva ou seja, ser remanescente
por associação, e ter direito às terras do art. 68 do
ADTC. Os nossos negros não são diferentes dos negros
da ARQMO...

141
*

Em rápidas linhas fica claro que ação do ITERPA


ao doar ou reconhecer o domínio aos chamados
quilombolas opera a turbação da posse tradicional
ofendendo o sagrado direito daqueles que desde tempos
imemoriais vêem exercendo a posse de boa-fé .

Se buscarmos a doutrina, vemos com professora


civilista de São Paulo, Maria Helena Diniz72, ao ler em
Ihering quando abordou a questão da posse: “...o que
importa é o uso econômico ou destinação econômica do
bem, pois qualquer pessoa é capas de reconhecer a
posse pela forma econômica de sua relação exterior com
a pessoa”.

Criar gado nas pastagens e campos formados a


partir de um roçado ou com a derrubada da mata nativa
é uma atividade econômica rural fundamental para a

72
in Curso de Direito Civil Brasileiro, Direito das Coisas, vol.4º, pág.
32

142
região, gerando riquezas e fixando o homem à terra,
como acontece em qualquer parte do mundo. É a tal
relação econômica falada pelo jurista alemão ao explicar
a posse via instituto civilista do direito romano.

Continuando, a prof. Paulista ensina mais que


“...Um exemplo claro de tudo no é fornecido pelo próprio
Ihering, quando afirma: se encontrarmos num bosque um
feixe de lenha devidamente amarrado, está evidente,
devido à situação da própria coisa, que ele está sob a
posse de alguém e que não podemos nos apossar dele
sem cometermos um furto; diferentemente ocorre, se nos
depararmos com um maço de cigarros tombado, que
denuncia abandono ou perda porque não é ali o seu
lugar adequado, onde cumpre sua destinação
econômica. Igualmente, se virmos alguns materiais junto
a uma construção, apesar de ali não se encontrar o
possuidor, exercendo poder sobre a coisa, a
circunstância das obras e dos materiais indica a
existência da posse de alguém”.73

73
idem, idem, ob. Citada pág. 32

143
Isto também ocorre nos castanhais do Trombetas
e do Cuminá ou seja lá em que parte for do território
nacional. O sistema jurídico brasileiro adota a sistemática
civilista onde a posse não requer nem a intenção de
dono nem o poder físico sobre o bem, apresentando-se
como uma relação entre a pessoa e a coisa, tendo em
vista a função econômica desta. Caracteriza-se com a
exteriorização da conduta de quem procede como
normalmente age o dono.74

Ora, isso significa que não era preciso os donos


das terras registradas no cartório de Oriximiná desde o
ano de 1951 ficar lá, vigiando sua propriedade nem
botando vigilantes ou cachorros para latir com aqueles
amigos do alheio. Há que se respeitar o direito de posse
das pessoas que enviam anualmente os coletadores de
castanhas rio acima e aguardam seu retorno para apurar
a féria dos castanhais. Isso é prática comercial legal e
fator determinante para a economia local.

74
apud Maria Helena Diniz, ob. Cit. P. 33

144
Ocorre que o governo federal aliado às mazelas
de um grupo financiado pelos chamados ecologistas de
fora, fez cair por terra toda essa tradição de posse e
propriedade na região de Oriximiná, não reconhecendo a
existências dessas relações jurídicas embasadas na
teoria objetiva da posse, adotada pelo direito positivo
brasileiro.

Assim, é que precisa ser revista toda essa


titulação de reconhecimento de domínio em nome de
entidade coletiva, posto que eivada de pelo menos, um
dos vícios da posse, ou seja, a violência legal. É a
violência praticada pelos órgãos fundiários que
contaminou a posse tida como legal hoje em nome
dessas associações espúrias.

É o caso de se perguntar quem é o grileiro das


terras públicas de Oriximiná? O cidadão local pode até
ter sido posseiro de boa-fé admitido na teoria objetiva da
posse, faltando-lhe apenas alguns requisitos para
assumir o domínio pleno. Mas, não a teve ou não a

145
mantém com aqueles vícios da posse ( violência,
clandestina ou precária).

Quando os legisladores quiseram dizer o que


cada governante podia fazer nas suas respectivas
esferas de governo usaram o termo competência para
delimitar a ação de cada um no dia-a-dia da
administração pública. Assim, diz-se que alguém é
competente ou não menos pela qualificação intelectual e
tão só pela matéria tratada na lei, pelo lugar onde fazer
ou se ele mesmo pode praticar o ato administrativo.

Para os senadores e deputados, disse o


constituinte que caberia aprovar, previamente, isto é,
antes que se consolidasse qualquer ato, os fundamentos
de processos administrativos de alienação ou concessão

146
de terras públicas com área superior a dois mil e
quinhentos hectares.

Esta parece ser uma lição não aprendida pelos


paraenses, especialmente aqueles no comando do órgão
público que diligentemente está formando um latifúndio
de mais de 400 mil hectares de terras públicas, para
gáudio dos condutores de um processo alheio aos
interesses dos habitantes do município de Oriximiná.

Mais uma vez, o caso requer análise acurada,


isenta de ideologias ou crenças alhures da ecologia
correta de fora, mas, apenas pela causa do bom direito
na defesa da soberania e cidadania do nosso povo. A
punição da ilegalidade do ato e da lesividade ao
patrimônio público pode não ser mais eficaz, posto que já
lá se vão anos e recursos jogados fora...

Na interpretação dos atos administrativos, na


doutrina, jurisprudência e pareceres, não há guarida para
abrigar tais heresias jurídicas. Dizer que tais diretrizes
estão autorizadas pelo Congresso Nacional via norma

147
dos Atos das Disposições Constitucionais Transitórias é
gizar a lei às avessas. Não se admite a subsunção da
hipótese autorizativa pelos congressistas, pois da
extensão da área não se cogitava, vez que o atributo da
antecipação da aprovação, invoca razões históricas que
visam sanar a prática malsã da formação de grandes
áreas de terras nas mãos de particulares.

Insustentável argumento semântico não satisfaz a


tese do não cabimento de remessa para análise prévia,
posto que não se trata de doação ou alienação, mas,
apenas de simples reconhecimento da propriedade dita
imemorial. O próprio título da terra reconhecida traz o
germe da devolução caso não seja usada a área na
forma das cláusulas resolutivas. Ora, por que devolver
ao Estado se aquelas terras não lhe pertenciam???

Na função social da propriedade sucumbem os


argumentos daqueles ainda dopados pelos altos teores
ideológicos de plantão. A Lei nº 8.629/93 regulamenta o

148
artigo constitucional da racionalidade75 no uso da terra
exigindo o atingimento do grau de utilização da terra e
eficiência na exploração específicos, dentre outros.

Caberia uma investigação, pelos vereadores da


Câmara Municipal ausentes na concessão das terras,
para se aferir os requisitos legais da utilização da terra,
posto que os quesitos de eficiência nunca serão
atingidos tais as carências de informações estatísticas da
produção regional da extração de castanha, por
exemplo, além de outras culturas vegetais nativas.

Entretanto, a ausência de gente pode resultar num


imenso vazio ecoando nas copas dos castanhais, a

75
“Lei 8.629/93, art. 9º, §1º - considera-se racional e adequado o
aproveitamento que atinja os graus de utilização da terra e da
eficiência na exploração especificados nos §§ 1º a 7º do artigo 6º
desta Lei.
Art. 6º - considera-se propriedade produtiva aquela que,
explorada econômica e racionalmente, atinge, simultaneamente,
graus de utilização da terra e de eficiência na exploração, segundo
índices fixados pelo órgão federal competente.
§ 1º - o grau de utilização da terra, para efeito do caput
deste artigo, deverá ser igual ou superior a 80% (oitenta por cento),
calculado pela relação percentual entre a área efetivamente
utilizada e a área aproveitável total do imóvel.

149
ocultar o incremento da tensão social nos imóveis objeto
da demarcação entre irmãos de sangue forçados a optar
entre “coletivos” e “individuais”. Esta luta revela a
dissensão ideológica, o descompasso no atendimento
das carências sociais, o despreparo dos responsáveis
pela decisão, que poderia ser evitado se a lei fosse
cumprida, posto que no Congresso Nacional não
passaria tamanho absurdo!

O histórico status social pela detenção da


propriedade da terra, privilégio daqueles mais chegados
ao rei é móvel da ganância do atuais líderes que não
param de demarcar mais áreas, sob alegação da
necessidade de áreas de perambulação... E os índios
que se cuidem, pois já há gestões no sentido de se
buscar mais e mais áreas públicas para saciar a fome
dos organizadores do festival de terras quilombolas.

Entre a competência legal e aquela dita do bom


senso, ainda é tempo de se evitar uma bruta
irracionalidade fundada na usurpação e omissão de
funções entre as várias instâncias do poder nesta nação.

150
Compete a nós, meros mortais o uso da palavra para
buscar de volta às boas trilhas do estado de direito o
respeito às leis e costumes de um povo humilhado.

151
Capítulo 11

A MODERNIDADE E O CONSUMIDOR

Os princípios constitucionais da livre


concorrência e universalização que orientaram o
processo de privatização dos serviços de telefonia
pública não podem ser únicos na baliza das empresas
prestadoras do serviço sob pena de penalizar ainda mais
a frágil figura do consumidor sem vez e agora sem voz.

152
Recentemente a empresa prestadora
encarregada do serviço de telefonia fixa no Pará, lacrou
o atendimento pessoal ao público na capital e demais
cidades do interior, em frontal violação ao direito de
informação do consumidor, comprometendo as metas
assumidas pelo Plano Geral de Metas de Qualidade –
PGMQ na forma da Resolução nº 30 da ANATEL.

O inusitado revela a quantas ficou o cliente


com a negação da informação via extinção do
atendimento ao cliente, frente a frente, cara a cara, sem
respostas e soluções de problemas inerentes ao serviço
telefônico. Para aquele consumidor sem voz, porque
mudo o seu aparelho, a nova ordem é ligar no 104.
Vejam o absurdo! Ligar de onde???... do telefone do
vizinho, do orelhão da esquina?

Ao estabelecer as metas de qualidade a


ANATEL fixou no capítulo X do PGMQ na telefonia fixa,
art. 32, que “toda localidade com Serviço Telefônico Fixo
Comutado com acessos individuais deverá ser dotada,
pela prestadora do serviço, de atendimento público que

153
permita ao usuário efetuar qualquer interação relativa à
prestação do serviço”.

Ainda mais exigente o PGMQ que rege o


serviço da telefonia pública quando estabelece em até
10 minutos o tempo máximo de atendimento do usuário
quando comparecer a qualquer setor de atendimento
público da prestadora de serviços, em pelo menos 95%
dos casos, na forma do artigo 33.

Atendimento público é aberto, transparente,


com acesso indiscriminado de qualquer pessoa que
deseje informações. Não é via telefone, às escondidas,
via call center sob a infernal musiquinha nos ouvidos!

Antes de terminar este capítulo sobre as


assacadas tecnológicas ao indefeso consumidor, vale
registrar que a telefonia celular na região de Oriximiná foi
pomposamente inaugurada no mês de setembro do ano
passado, mas até o momento os usuários não
conseguem falar mais do que míseros 10 segundos. Isso
precisa ser resolvido, porque na conta mensal há

154
pagamento de serviço como se fora prestado dentro das
normas do plano de qualidade total de atendimento aos
usuários.

Registre-se também as dificuldades enormes de


se conseguir uma ligação para a capital e vice-versa nos
dias úteis no sistema de telefonia fixa. É preciso
representatividade parlamentar e muito interesse público
para resolver esta questão.

Também está latente, precisando de uma solução


técnica a questão do números da telefonia celular em
Oriximiná que precisam ser informados para os restante
das operadores. Em Belém, se digitar os primeiros
prefixos dos celulares de Oriximiná, de imediato são
desconectados do sistema os usuários. Há que se rever
esses passos básicos da conectividade.

155
O fardo contábil usurário que os bancos públicos
da região impingiram ao consumidor é motivo de grita
geral e matéria prima para estudo de caso para
financista em todo o planeta. Ativos podres e títulos
fraudados são supedâneo para petições absurdamente
decuplicadas para majorar impiedosamente o mísero
capital emprestado em época que cessaram os
pagamentos de salários da prefeitura municipal. Mas isso
já é uma história que merece capítulo próprio.

Monitórias, executivas e cautelares pululam as


escrivanias das cidades onde o Banco da Amazônia
tinha ou ainda mantém uma porta aberta. De usura e
anatocismos estão recheadas os petitórios adredemente
protocolizados com finalidade da cruel excussão
patrimonial forçando os antes pobres agora infelizes
correntistas a buscar salvação na defensoria pública e
privada para se livrar da malsinada SERASA.

Alguns anos atrás fiz argumentos fortes contra


essa dosagem excessiva de crédito que alguns bancos
faziam no passado que geraram verdadeiros patologias

156
financeiras nos tomadores de crédito. A responsabilidade
civil não é afastada nesses casos, porque as instituições
de crédito são entidades equiparadas como fornecedores
e prestadoras de serviço, portanto obedientes a
chamada lei geral dos consumidores, obrigando-os a
reparar danos ou ressarcir prejuízos causados por suas
ações.

Não é difícil imaginar os danos causados pela


excessiva concessão de crédito àquele que não pode
arcar com pesados encargos e cobranças abusivas. Uma
forte concessão de dinheiro na conta de quem possuir
renda média de salário mínimo equipara-se à uma
superdosagem de analgésico ou antibiótico no corpo de
uma pessoa. Pode resolver de imediato a situação
pontual, mas destrói demais estruturas no chamado
efeito colateral. O direito ao crédito é assegurado ao
cidadão brasileiro que também o protege das ameaças e
constrangimentos na hora do retorno.

Instados a prestar utilidade à população e à


necessária redução das despesas na atividade bancária,

157
os mastodontes públicos geraram ativos acumulando a
memória inflacionária aos descuidos das gentes que
firmaram títulos de créditos em branco. Feitos após a bel
prazer e conveniência das instituições financeiras, estes
aparentes requisitos de certeza das dívidas não passa
na menor e mais infantil análise grafoscópica eivados
que são das tintas extemporâneas, não condizentes com
a boa fé.

Verdadeiros lotes de títulos podres dormem nos


autos para um dia serem declarados inválidos e
imprestáveis para instruir cobrança forçada, dando
guarida e voz aos ainda possivelmente vivos e
acachapados moralmente mutuários. Mudos são hoje os
prestadores da jurisdição estatal que morosamente
despacham para amanhã o que deveriam fazer ontem.

Foi montado nessa torre de ativos imprestáveis


que algumas instituições financeiras continuaram
apresentando lucros abundantes, fazendo corar dos pés
à cabeça os seus administradores que não sabem
explicar o boom em época recessiva.

158
Como disse o então presidente da secular casa
financeira onde aprendi a lição básica da cobrança
usurária, de que “com esses juros abusivos que o banco
pratica, nem plantando maconha se consegue pagar
uma dívida”.76

Logo se vê a realidade dita nua e crua, límpida e


infame. De novo registro a fala de um amigo à época da
fundação da agremiação comercial em Oriximiná, que
afirmou: “... nossos empresários são os mais
competentes do mundo, porque os políticos e o governo
não conseguem esgotar a riqueza produzida, através dos
impostos e roubalheira em geral”.77

Então fica a pergunta: ainda precisamos de


banco? Para que? Algumas tecnologias precisam ser
bem analisadas do ponto de vista da sua utilidade e
compatibilidade com as atividades de cada um.

76
Alcir Caliari, presidente do Banco do Brasil N. A
77
Joaquim Borges Gomes, presidente da Federação das Associações
Comerciais do Pará

159
Este capítulo foi escrito antes da resolução federal
para exigir de todos aqueles contribuintes que tiverem
imposto de renda a receber a obrigatória “abertura de
conta” na casa bancária mais próxima.

A propósito de mais uma inusitada norma, de


pronto, considerada inconstitucional pelo mais jejuno
jurista, fiz publicar o artigo seguinte no jornal O Estado
do Tapajós de Santarém e na revista virtual Belém do
Pará.

PELOS DIREITOS DO COLCHÃO

O bom no estado democrático de direito é a


garantia jurídica de não receber a sanção estatal a
menos se for flagrado em ações contrarium lege. Na
outra ponta do elástico social é ainda no estado de
direito que é permitido ao cidadão praticar tudo que não
for proibido pela mesma lege que deve presidir a todos.
Mas, quando o servidor público extrapola os liames da lei
ordenadora do estado de direito, há que se perscrutar

160
sobre sua legalidade, até porque, diferente do cidadão
comum, àquele só é permitido palmilhar o trilho legal.

Tais reflexões vêem à tona para dar um basta na


fúria normatizadora que assola os direitos daqueles que
não fizeram e não querem fazer opção em aposentar o
colchão como seu cofre pessoal. Digam-me, ó senhores
da Receita Federal, onde está a lei nacional que obriga o
cidadão brasileiro abrir uma conta em banco para ter
direito a receber de volta seu dinheiro levado a mais pelo
fisco? Já não basta o tempo que fica a mais com uma
parte das receitas pessoais, consideradas rendas
apenas para efeito de tributação? Ou será que é a mais
nova forma de aquisição da propriedade civil de um bem
fungível como é o dinheiro sagrado de cada contribuinte?
Isto é retenção indevida com foros apropriação indébita
em qualquer lugar do mundo...

O contribuinte brasileiro já não podendo mais fugir


do mal de Tributite(1) -ainda penso que é conveniente
não discutir o conceito de renda nesta nação
anestesiada que está pelo vírus do cóleras tributatios

161
que uma vez inoculados faz adormecer todas as reações
naturais da pessoa física ou jurídica contra o Imposto de
Renda - se vê agora contaminado pela praga da
Correntite(2), a mais nova doença financeira do milênio.
Há que se esclarecer sobre o aparecimento dos
sintomas destes males financeiros.

Eles são contraídos por aquelas pessoas que são


assalariadas, recebem seus pagamentos através dos
bancos ou mantém algum dinheiro em conta corrente,
tipo poupança ou simples transferência de valores.

O primeiro sintoma é sempre no final de semana


quando o volume de recursos diminui paulatinamente na
mesma proporção que o percentual tende a aumentar ao
longo do tempo. Depois, os valores minguam à medida
que são movimentados. É uma praga financeira que
ataca os nacionais que tem ou tinham conta bancária.

Mas, o que vem incomodando ultimamente a


saúde financeira dos cidadãos brasileiros são as
instruções normativas sem controle que deram de atacar

162
qualquer pessoa, seja rica ou seja pobre, via débitos
ordinários deixando de lado os princípios da legalidade.
Mesmo não se contentando com a extorsão semanal os
clientes bancários, público alvo dessa doença, se
comportam achando que tais mordidas semanais não vai
lhes prejudicar o orçamento posto que parece só um
pouquinho de cada vez.

Ocorre que a fera vem se revigorando com essas


picadas semanais, e com sangue fortalecido agora vem
de atacar com o bote final: quem quiser receber a sua
parte do leão, sem trocadilhos, vai ter que se submeter
às exigências do vírus correntius bancárius, para cessar
a opção de se guardar os suados reais no velho e
amado colchão.

Metáforas à parte, como ficam os direitos


daqueles que não querem se submeter à essa prática
desleal e despropositada da Receita Federal que usa o
sistema financeiro para se abastecer de recursos? Esta
parece ser uma lição ainda não aprendida pela maioria
dos nacionais que vivem se queixando dos seus

163
políticos, e na hora que mais precisam lá estão eles
discutindo a obviedade de seus interesses (deles), em
processo alheio aos interesses do chamado povo,
sempre disponível para os ataques dos vírus virtuais
emanados da Receita Federal.

Entre as opções de ficar com os princípios da


legalidade e o da comodidade, ainda é tempo de se
evitar uma bruta retenção de reais nos cofres do tesouro
nacional, irracionalidade jurídica fundada na usurpação e
omissão de funções entre as várias instâncias do poder
nesta nação. Compete a nós, advogados e juristas
destemidos, porem, eticamente veladores dos princípios
gerais de direito, o uso da palavra para buscar de volta
às boas trilhas do estado de direito o respeito às leis e
costumes de um povo espoliado freqüentemente na sua
propriedade legal, nos seus direitos e agora podendo
ficar com seu colchão furado e aposentado.

1 - Mal de Tributite é uma doença provocada pelo vírus cóleras


tributatios que ataca as pessoas provocando inflamação nos
nervos cerebrais que alertam o bolso do cidadão quando
espoliados pela Receita Federal, tendo como sintoma uma grande
inflamação do saldo devedor do IR.

164
2 - Doença da Correntite é nova na moderna medicina financeira.
O mais provável é que seja provocada pelo vírus correntius
bancárius isolado pelos pesquisadores do FMI, mas ainda não
estudado pelas faculdades dos países do terceiro mundo.

165
Capítulo 12

A DEMOCRACIA DOS KONDURIS

Partidário da tese das infinitas matizes entre o


branco e o preto, retorno à questão democrática da
Kondurilândia78 com denodada certeza de buscar

78
Terra dos Konduris, espaço imaginário da gênese do povo de
Uraxá, ou seja, Oriximiná. Uraxá, Uxamina, Uradimina era as
denominações que os indígenas deram ao rio das Trombetas à
época do descobrimento do Brasil. Há uma cartografia na biblioteca
da sede da Primeira Comissão Brasileira Demarcadora de Limites

166
soluções de consenso para uma aparente dissensão
intestina. A verdade79, essa busca incessante para
entender a realidade de acordo com sua própria
convicção, nasce da divergência entre amigos que ficam
a raciocinar80 sobre os acontecimentos ao seu redor.

Na abordagem de fatos políticos é sempre


prudente a necessária verificação das fontes para evitar
juízos apressados, estes sempre exigidos pelos
interlocutores, ainda que não merecedores da
retribuição.

Identificadas as causas da comoção interna


busca-se a adequação dos fatos às diretrizes partidárias

em Belém, onde aparece grafado rio Uradimina para o atual Rio


Trombetas. N.A
79
Quid est veritas? Pôncio Pilatos a Cristo. Essa pergunta foi
formulada, há 2000 anos, por Pilatos a Cristo ....que ao formular a
pergunta, ausentou-se, desinteressando-se, ao que parece, da
resposta, conforme o relato bíblico. In Introdução ao Estudo de
Filosofia, Antonio Xavier Teles, Atica, São Paulo, 1974, pág. 95
80
“Mais ou menos na metade do século XVIII nasce um novo
movimento, o racionalismo, que confia na razão humana para a
solução dos problemas, em contraposição a soluções através de um
enfoque emotivo, religioso ou fatalista”. Cfe. Domenico de Massi,
in O Ócio Criativo, pág. 41

167
que ensinam a divergência de idéias como necessárias
para produzir o caminho traçado pelas lideranças. Nada
demais se gastar horas em conversas informativas com
vistas a perceber os reais motivos e possíveis saídas
honrosas para o imbróglio.

Com isenção de valor pessoal, digamos que é


possível identificar a presença de forças exógenas
atuando nas bases partidárias, no sentido de alterar o
equilíbrio e coesão apresentada hoje por todos os
integrantes do Partido da Social Democracia na terra dos
Konduris.

É o caso de se perguntar a quem interessa o


esmaecimento do PSDB em Oriximiná, ou até mesmo
quem seriam os maiores beneficiários da debandada dos
atuais militantes peessedebistas que crescem a cada
eleição e hoje apresentam índices de preferência popular
maiores do que os tradicionais oposicionistas?

A democracia exige o comprometimento com as


regras e diretrizes partidárias possíveis apenas na

168
vivência diária, alimentadas pela divergência de idéias e
posicionamentos dos fatos. Estes, revelados na
concretude das ações de todos, líderes e liderados. É o
convencimento da causa que fortalece a crença na tese
vencedora!

Assim, consideramos salutar o surgimento de


novas lideranças, afastada desde logo a tutela
hierárquica, entretanto é preciso perceber o jogo das
forças partidárias para se evitar o mal maior do
esfacelamento das bases. Há o surgimento de gente que
começa a fazer política com ações que mudam a vida
comunitária sem alterar o seu patrimônio pessoal, sem
se enlamear com os negócios sujos da politicagem, sem
ficar de rabo preso em alguma negociação de poder
onde afetem seus interesses.

É honrosa a atitude daqueles que identificam na


periferia e no sofrimento dos desvalidos uma
oportunidade de fazer algo para amenizar suas sortes,
tipo, falar, criticar e lutar para instalação de melhores e
cada vez mais capacitadas escolas públicas que

169
permitam a cessação da ignorância das gentes, mãe de
todos os males políticos, e assim, fazer nascer gente
com orgulho e amor próprios, incapazes de trocar voto
por dinheiro, por cargos etc.

Que vença a tese catalizadora dos reais


sentimentos daqueles que se dispuserem a discutir os
temas locais, com exaustivas reuniões e não menos
essenciais esclarecimentos por parte daqueles que estão
nos cargos de governo, posto que são estes os maiores
responsáveis pela desinformação interna, terreno fértil
para a disseminação da discórdia, matéria prima dos
adversários.

Veritas habetur per rationem 81

Parodiando Werner Sombart, sociólogo alemão


que em 1906 discorreu sobre as causas da inexistência
81
A verdade se tem pela razão N.A.

170
do socialismo nos EUA, pertine ensaiar as razões que
impedem o desenvolvimento salutar da democracia na
kondurilândia,82 a partir de recente episódio castrador de
novas lideranças na política local.

O demo originário respirando o frágil gás


democrático nos partidos locais se atreveu a pensar,
propondo mudanças, ensaiando o vôo legítimo da ação
política. Na formação de vôo livre, eis que vem tiro
certeiro disparado à distância, abatendo pequeno
pássaro que ousa voar nos ares proibidos. O que sabem
os políticos da capital sobre o comportamento dos
líderes oriximinaenses?

Analise-se os elementos formadores das bases


partidárias na indicação das novas lideranças. Não se
movem a esmo e sim pela ação partidária. O quadro
requer ação concreta, o sumo da política.

82
Termo criado pelo autor para delimitar as terras dos Konduris –
principal nação indígena formadora do povo que habita as margens
do rio Trombetas. N.A.

171
Mas, não se abateram todas as aves! Reagiram
em ação legitimada porque partícipes das discussões
locais, carentes de ação política do poder encastelado,
no alto das barrancas hierárquicas. Às bases de narizes
arrebitados só restou cavar trincheiras para combate às
vicissitudes partidárias. Voz e morte aos pássaros
nativos!

Mantida a temporada de caça, as nascentes


lideranças podem palrear em outros campos minados
pela politicalha, pelo fisiologismo e quem sabe, pelos
mais escusos interesses de grupos alhures. Nunca mais
serão corajosos em praticar a liberdade de pensamento,
utilizando as variáveis oriximinaenses para solução de
seus problemas locais. Vai-se à capital, e de lá se
bebericam os favores daqueles que não sabem nem
pronunciar a palavra Oriximiná, muito menos o
significado etmológico.

Para outros, é mais fácil entrar pela porta dos


fundos, aniquilar a cultura da kondurilândia doando à

172
falsas ONGs o mais sagrado solo Konduri83, e ainda se
pintar com as verdes cores ambientais. Fala-se, articula-
se, busca-se as saídas em todas as bíblias, mas, até o
momento a sociedade oriximinaense ainda há de sofrer
calada justamente pela não unção de líderes realmente
comprometidos com o futuro desta terras de Konduris.

Ainda que tardia, a liberdade política é esperada


no céu de Oriximiná com o nascer do novo dia, da luz da
justiça e educação para afastar do nosso horizonte
político os netos de coronéis espectrais que pululam
como visagens na escuridão política, assustando
aqueles que ousam dizer o que pensam iluminados pela
próprias idéias.

Carpe Dien!

83
Nação indígena do grupo caribe formador do povo oriximinaense,
reconhecidos pela sua resistência e intrepidez

173
A capacidade de analisar fatos políticos tem
relação direta com a observação e vivência no meio das
gentes que produzem atos de governo em direção à
sociedade. Questão muito presente nestas últimas
eleições municipais de 2000 foi a conceituação do que
viria a ser uma ação política sem cor partidária.

Não está aqui definição da ciência política, por


exemplo, mas o que se cobrava era o fortalecimento
partidário na sua base eleitoral, de ação partidária. De
pronto se podia ver falatório no sentido de dizer que o
PMDB, por exemplo, é um partido de base assim como o
PT em Oriximiná. Já o PSDB não se poderia dizer que
tais critérios de base estariam presentes porque era
“partido de elite”. Curioso pensar sobre tais afirmações.

Melhor ainda quando se quer saber o que é um


partido de base em Oriximiná. Dizer que o PMDB tem
base é se lembrar das traições da cúpula em desfavor
dos candidatos desde o tempo do Altino Guimarães até
Calderaro. O PSDB, como o PMDB são partidos que não
costumam respeitar as decisões colhidas no voto dos

174
diretórios se não estiverem de acordo com as vontades
da direção.

Mas, intrigante mesmo é reconhecer que a falada


base do PMDB oriximinaense se estrutura na história
honesta de um Prefeito como Altino Guimarães, na
transitoriedade do governo de Ival Canto, para uma
democrática, fisiológica e frouxa administração do
primeiro governo do Calderaro.

Qual a tese política estruturada para a base


desses partidos que dizem ter base eleitoral? O PT não
elege nenhum político desde o seu surgimento na cidade
de Oriximiná que coincidiu com a origem nacional. Há
vinte anos ligados à cúpula da igreja católica, o PT de
Oriximiná só conseguiu o afastamento da classe
dominante das missas e eventos religiosos, aliou-se às
lideranças periféricas que traem sistematicamente suas
diretrizes partidárias e não conseguem traduzir em poder
os falados votos das bases. Por isso, nunca elege um
candidato na cidade de Oriximiná. Recentemente, o PT
fez guinada para a educação tentando fazer parecer

175
intelectualizada sua performance, mas lhe faltou ainda as
promessas eleitoreiras.

Nestas sim, o PMDB tem base. Com elas, vem se


revezando no poder com a ala oposicionista do mesmo
grupo. Sim, porque o mesmo voto que elegeu Calderaro,
veio dar a vitória ao Luiz Souza, mas, em represália ao
incômodo parceiro da ditadura Ferrari não conseguiu a
façanha do poder, aliado a um dos piores governos
municipais dos últimos anos que foi o Calderaro 2, o
retorno.

Não precisamos aguardar os resultados de vários


processos em andamento na justiça paraense. As urnas
mostraram o veredicto para Calderaro que buscava o
parlamento. Quem sabe não se daria bem nesta esfera
do governo municipal, uma vez que o executivo lhe é por
demais tentador.

Então, surge o PSDB em Oriximiná há oito anos


buscando formar sua base. Seriedade e honestidade
elegeram por duas vezes o governador na capital do

176
Estado e sustentaram o candidato do PMDB naquilo que
lhes falta. Estas são virtudes carentes nos políticos e
formam base moral para vitória nas urnas.

Em Oriximiná, Argemiro Diniz reflete estas


características das virtudes eleitas pelo voto popular
aliadas a uma lenta e progressiva inaptidão para a
chamada política de base. A razão é que os cabos
eleitorais foram mal acostumados na fisiologia partidária
que se alimenta com recursos públicos. Não é essa a
forma de fazer política do PSDB, seja municipal, seja
estadual e muito menos nacional. Por isso, muitos
partidários de Argemiro Diniz o acusam de não fomentar
o partido.

Mas, esquecem-se os acusadores que a


sociedade já cansou de priorizar o desvio de recursos e
esperteza política como mérito de candidato. Aí está o
PMDB nacional com dificuldades para exercer o cargo
que ganhou, mas até agora não levou. Jader ainda não
sentou na cadeira de presidente do Congresso Nacional
porque tem um passado pouco recomendável como é

177
fato nacionalmente noticiado desde a sua eleição
majoritária para o cargo.

É fácil defender candidatos honestos e sérios, que


não enriqueceram com os recursos públicos. Difícil é
achar explicação para justificar o enriquecimento ilícito
de quem quer que seja. Assim, muitos vereadores de
Oriximiná têm dificuldades para se explicar por ocasião
das campanhas porque panfletos anônimos trazem à luz
da crítica eleitoral grandes patrimônios que se
acumularam nos intervalos das campanhas. E fica a
pergunta: se todos sabem da origem desses panfletos
porque os denunciados não buscam as vias judiciais
para processa-los? Seria para evitar a verdade?

Nesta estação eleitoral Argemiro Diniz tem espaço


de poder para reagrupar seus liderados e formar uma
base eleitoral fundada em teses da social democracia.
Nesta visão da moralidade no trato da coisa pública,
incluídos o próprio dinheiro público é que se sustenta a
unidade do PSDB. Não se admite que qualquer
integrante do partido se envolva em maracutaias, em

178
desvio de verbas, em malversação do dinheiro público.
Melhor, não se pode ficar vulnerável ao ponto de se
esfacelar a base do PSDB ao se admitir que fazer
política é usar o dinheiro público em vantagem pessoal.

É honroso hoje em dia posar nos quadros do


PSDB de Oriximiná porque não há convivências com
aqueles que enriqueceram com o dinheiro público. A
cara limpa do PSDB de Oriximiná incomoda muita gente
que quer dividir e esfacelar a união partidária. Menos
mal, porque a sociedade exige seriedade e respeito pela
coisa pública. Já acabou o tempo de fazer aceno com o
chapéu alheio, inclusive o público. Melhor assim, pois a
cidade e o município exige investimentos pesados em
infraestrutura e logística. Se ficarem levando para casa
ou desviando para outra finalidade o pouco recurso
público disponível, o futuro da sociedade oriximinaense
está condenado.

Há muitos nomes sérios no PSDB de Oriximiná e


cabe a Argemiro Diniz conduzir essa gente longe dos
favores do dinheiro público, mas, comprometidos até a

179
alma com o benéfico da comunidade pelas ações de
partido e de governo que estão disponíveis para a
melhoria da sociedade. Portanto, a democracia dos
Konduris só tem a ganhar ao defender a ética, a
honradez e a seriedade das coisas públicas em
Oriximiná.

Em Oriximiná são muitos os temas que se


encaixam na visão social do governo honesto, sério e
que elimina os escaninhos vergonhosos da apropriação
indébita, das obras superfaturadas, das orçadas, pagas e
não feitas, apenas projetadas no papel. Almir Gabriel,
no Pará, logo ao assumir desmontou verdadeiros
mastodontes orçamentários que estavam inchados de
custos futuros, superfaturando obras simples, já
embutidos os percentuais daqueles responsáveis para a
liberação das respectivas obras. Isso dá CPI.

Fazer ação política é possível e necessário para


tornar o povo crítico e exigente para não permitir o
fisiologismo e caudilhismo, base eleitoral de outros
partidos na região. O eleitor deve votar em que achar

180
que deve votar, não naqueles que os deputados e
governadores “mandam” votar.

Reuniões, seminários, conversas ao pé do ouvido


e bates-papos são ainda os meios de se fazer política.
Não há ninguém que se convença pelo dinheiro e viva
livre para criticar. Com o argumento do dinheiro não há
base política.

Então, desse modo, ficaria a pergunta: a base


eleitoral quer um político honesto que não faz muito ou
um político que faz muito mas não é tem as virtudes da
seriedade e honestidade?

Nenhuma das duas saídas! A vida é muito mais


do que a opção entre a honestidade e desonestidade;
entre o fazer e o não fazer, muito menos a compensação
entre as duas, como no ademarismo84 paulista. Antes de
tudo, é preciso conhecer os fatos, saber a que veio e

84
Ademar de Barros, político paulista que instituiu o ‘rouba, mas,
faz”

181
integrar um projeto de todos, o chamado projeto social,
ou seja, aquilo que a sociedade da Kondurilândia decidir.

Como disse na abertura destes ensaios, não se


pode admitir uma sociedade sem críticas. É vergonhoso
ver o enriquecimento ilícito dos senhores vereadores de
Oriximiná. Com algumas raríssimas exceções a maioria
consegue construir seus palácios individuais de forma
acintosa, que chama a atenção do povo. Não sei das
despesas pessoais de cada um porque não me interessa
cuidar do seu patrimônio. Isto é com a Receita Federal.
Mas, as evidências apontam para uma situação que não
se pode admitir como normal. Compare-se o patrimônio
e vida antes e depois do exercício dos respectivos
cargos públicos dessa gente.

O PSDB de Oriximiná quer fazer uma base teórica


sim, para depois discutir mensalmente com os afiliados e
comunidades, enfim, com o povo em geral, as teses
apontadas neste livro também. A questão separatista
devia fazer parte do dia-a-dia das salas de aulas dos
alunos do ensino fundamental. Não há porque esconder

182
desses jovens o que lhes aguarda o futuro. Basta de
produzir em Oriximiná é gastar em Belém ou Santarém.
É a mais cruel transferência de PIB das regiões menos
pobres para as mais desenvolvidas do estado. Pode ser
essa a causa maior da resistência das chamadas
lideranças dos grandes centros urbanos em não
quererem a separação. Perdem em arrecadação, em PIB
transferido pelas famílias que se deslocam em busca do
ensino superior, de empregos, de melhores vidas. É a
crença!

Se tais assuntos passarem a fazer parte do


cotidiano dos estudantes, das professoras e vereadores,
dos comerciantes nas suas associações de classes, dos
trabalhadores em seus sindicatos, naturalmente vai
haver a transição do tema como uma questão grave,
daquelas que se tem que buscar uma solução. É a
necessidade que faz as pessoas se juntarem em grupos
para resolver problemas. Vide recente a questão da
energia elétrica em Oriximiná. No momento em que
foram mobilizados para fechar o rio Trombetas houve a

183
reação das autoridades da área. E logo se acabou com a
metafórica situação da luz em Oriximiná.

Era fatalista quando se via luzes isoladas nas


casas que podiam ter energia própria. Olhando a mil
metros de altura era visível a noite ideológica que cobria
a sociedade de Oriximiná. Separadas pelo orgulho e
poder individual cada um dos que podiam resolviam seu
próprio problema da falta de energia. A metáfora se fazia
presente quando cada um só iluminava cada um e não
mais que cada um. Os espaços comuns estavam negros,
sem luz como os daqueles da periferia que não podiam
pagar pelo combustível e motor.

No momento em que perceberam que não podiam


mais prescindir da vida em comum houve o
congraçamento de forças e a periferia compareceu mais
uma vez para fazer o seu papel histórico dando força às
lideranças. A luz voltou!

Enquanto isso, questões como a MRN, as terras


públicas, o Distrito Industrial de Oriximiná que não existe,

184
os gastos mensais de mais de 100 mil reais da Câmara
Municipal, o lixão na entrada da cidade, a poluição do
lago do Batata, e tudo o que mais já falamos neste
ensaio geral ficam à mercê da sorte grande. Será?

185
Capítulo 13

O MERCADO COMUM PARA O TROMBETAS -


MERCOTROM

Sentados na confortável cadeira dos royalties que


balança nas águas do Trombetas, como os navios,
diariamente na frente da cidade, os políticos
oriximinaenses desaprendem a cada dia. Agem como se
não fosse mais preciso brigar por recursos e verbas
posto que jorram como o rio, ora no asfalto, ora no cais e
depois nos reparos para após nunca mais.

186
O asfalto é necessário e salutar para a economia,
reduz a manutenção otimizando quaisquer orçamentos,
sejam públicos ou particulares. Porém, cria necessidades
outras nem sempre bastantes para satisfaze-las as
atuais matrizes produtivas instaladas na região com base
no setor primário.

Gado, madeira, castanhas, mandioca é misto de


produção agro-extrativa e industrial, sem base definida,
com futuro incerto. Na matriz municipal ainda teimam
aqueles em não fazer a partição da terra rural e urbana.
Onde instalar os principais fatores de produção,
indústrias, serviços e higienização dos aterros sanitários
ou lixões?

Remanesce a retórica e promessas não são


cumpridas. Votos crentes na promessa do fazer são
devolvidos por emaranhadas desculpas técnicas de não
dispor de licenças ambientais, de não ter projetos
definidos para as áreas, etc. . Faz-se antes, justifica-se
depois.

187
Falta para Oriximiná e principalmente para a
região do baixo-amazonas uma proposta de
desenvolvimento integrado que terá sido elaborada com
a participação de todos os setores da sociedade civil
organizada, onde se possa vislumbrar futuro auto-
sustentável garantidor de melhores dias para nossos
filhos.

O futuro aponta espaço de tempo menor de uma


década para migração dos royalties para os vizinhos,
isso se mantidas a demanda mundial para a bauxita. A
míngua dos impostos será cruel para uma gente que
começa a se acostumar a não fazer esforços para
angariar recursos e aplica-los estrategicamente em
atividades geradoras de receitas e modo de vida eficaz.

A atual liderança na arrecadação de recursos está


ameaçada nos próximos anos. Tanto é verdade que este
é um assunto já tratado em pequena rodas de
empresários com faro longe e ardilosamente negada
pelos políticos de plantão. Então tá, que venha o tempo
ensinador das verdades...

188
Assim é que surgem algumas luzes em túneis não
tão perdidos e muito menos ainda no final deles. A
hipótese da formação de uma grande área de transação
comercial de produtos e serviços entre os municípios da
região convergentes para Porto Trombetas não pode ser
deixada de lado. É salutar pelo esforço do
congraçamento de todos por uma idéia de busca de
soluções integradas. Evita-se, com essa participação de
lideranças, o surgimento de competidores deletérios, da
chamada diferenciação profissional que gera o desgaste
e enfraquecimento da base competitiva, dando razão aos
desânimos e atavismos da fatalidade.

Simples e prática como as melhores soluções, o


que precisamos é iniciar o processo de discussão para
aprimorá-lo, organizando os parceiros e buscando a
saída em cada caso, identificando as potencialidades e
excedentes de cada município, ao tempo que se
concentram no atendimento das necessidades básicas
da mineradora lá em Trombetas.

189
Estrategicamente conduzida pela liderança
oriximinaense pelo fato de a sede da principal
compradora estar nesse município localizada, deve ser
inicialmente financiada sua instalação com parte dos
chamados excedentes de arrecadação. Não deve haver
mistérios neste caso do financiamento, da organização
de um fundo mútuo de investimento a médio e longo
prazos. Organiza-se uma parceria de investimento
paritário, onde de um lados estarão os principais
municípios do entorno do mercado potencial da MRN e
de outro a própria MRN. Assim, para cada real
disponibilizado pelos prefeitos da região do
MERCOTROM a MRN disponibiliza outro.

Dessa maneira, não será difícil a formação de um


fundo que irá financiar em futuro não muito distante a
produção que irá atender o próprio mercado formador do
fundo. Vejam a auto-gestão da medida que busca a
criatividade para justiçar a existência e melhores
aplicações para as verbas do fundo. Exige cidadania,
fiscalização e aprendizado permanente do exercício do

190
associativismo nas atividades de mercado da própria
sociedade.

Isto resolveria a questão do mercado e


comercialização do MERCOTROM, não do
financiamento. Porque pode até ter verba, como tem em
alguns setores, para financiar, por exemplo, uma
cerâmica na produção de tijolos. Ocorre, que não
havendo o compromisso na produção desse produto, ou
seja, se a MRN não se compromete via formação social
do fundo, não haverá muito comprometimento na busca
da produção local, mesmo que tal produto seja
competitivo no preço e na qualidade, características
inarredáveis para o mercado comum.

Outras são as razões de ordem tributárias e,


digamos, parafiscais que devem estar presentes na
formação do MERCOTROM. Não se trata de simples
formação de fundo de financiamento, há que se pensar
em estruturas legislativas para permitir o surgimento
estratégico do mercado comum para a área do
Trombetas.

191
É o caso de um produto ou serviço jurutiense, por
exemplo, chegar a Porto Trombetas com vantagem
competitiva previamente discutida nas respectivas
câmaras municipais, através de protocolos firmados
garantidores de seus interesses locais, sem prejuízo das
regras de mercado. Não é subsídios nem são favores
fiscais. São medidas e mecanismos políticos de
investimentos diferidos praticados deste o início dos
tempos no desenvolvimento de uma região.

Alenquer tem produção excedente que pode ser


absorvida por Porto Trombetas via redução dos custos
de transportes, por exemplo, fomentado pelas regras dos
protocolos firmados nas casas legislativas municipais,
fruto de uma negociação em bloco com a mineradora.

Logística, negociações de preços e segurança no


fornecimento são elementos não presentes nas atuais
propostas apresentadas para análise no setor de
compras de Porto Trombetas, gerando a cruel realidade

192
dos minguados negócios fechados pelo empresariado da
região.

Atualmente há negociações isoladas, de parte a


parte. Por teimosia ou necessidade mesmo, poucos são
os empresários que conseguem furar o cerco da
burocracia da MRN85. Fazendo-se uma radiografia das
práticas iniciais de uma tentativa de fechar negócio em
Porto Trombetas, constata-se uma flagrante e cruel
desigualdade e injustiças econômica e social. Há um
verdadeiro esmagamento moral do teimoso e ainda
reticente empresário. De plano, há uma exigência
cadastral via Internet. Logo, grande parte já fica alijada
do processo.

É sabido que cerca de dez a quinze por cento da


população brasileira começa a fazer uso desse tipo de
mídia conectiva. Na região, as dificuldades aumenta
sobremodo diante da carência de provedores de acesso.
Assim, distantes física e virtualmente os empresários da

85
A Mineração Rio do Norte é a 4ª maior empresa paraense e tem
sede na vila de Porto Trombetas no município de Oriximiná.

193
região tem um destino parecido com os remotos
espermatozóides. Poucos ou nenhum são os
contemplados que conseguem furar o cerco da ovular
burocracia de Porto Trombetas.

Não espanta quem quiser verificar o site dos


fornecedores paraenses e contar às unidades aquelas
empresas ou empresários que atuam e se reconhecem
da região. Há que se reagir diante dessa escabrosa
segregação comercial imposta pela empresa e
alimentada pelo despreparo do pequeno empresariado.

Não se quer óbolos da MRN nem favor de quem


quer que seja, mas, reivindicar direitos assegurados,
inclusive no artigo 171 da Lei Orgânica de Oriximiná, ali
aprovados com bastante propriedade e justa
oportunidade a quando da feitura da lei básica municipal.
Agora, é só estender para a região do futuro Mercado
Comum para a Área do Trombetas, ou simplesmente
MERCOTROM.

194
Capítulo 14

PADRE NICOLINO
– UMA LENDA ESQUECIDA

“Os mocambeiros me contaram muitas vezes, os


trabalhos, a agonia e a morte do seu amigo Padre
Nicolino
– O padre está morto!
E os meninos começaram a chorar...”

Trechos do Relato de Gonçalves Tocantins, em 189086

86
Gonçalves Tocantins publicou em 1890 “Rio Cumuná –
Recordações” nas páginas da Revista do Instituto Geográfico e
Histórico do Pará.

195
“Por ocasião da minha viagem ao Cuminá, visitei o
túmulo em que descansam os restos mortais do
piedoso clérigo, religiosamente guardado na modesta
igreja por ele erigida
à margem do Rio Trombetas, próximo à foz do
Nhamundá, no lugar em que existe a vila de
Oriximiná: nome indígena aliás, do rio a que os
portugueses denominaram das Trombetas”

Marechal Rondon, in Diário das Três Viagens, C.N.P.I,


Rio, 1946

Ao contrário do parece, as terras de Uraxá já


foram visitadas em várias ocasiões num passado não
muito distante. Basta verificar as viagens de Ma.
Coudreau, Ma. Condamine, Max & Spix, Padre Nicolino,
Gonçalves Tocantins, Vicente Chermont de Miranda, Dr.
Diniz, Marechal Rondon etc. só para mencionar alguns
destes aventureiros que fizeram registros sobre nossa
região, mapeando lagos, rios, serras e outros acidentes
geográficos.

Nossas pesquisas acerca das origens apresentam


a oportunidade de escrevermos sobre a figura ilustre que

196
foi o Pe. Nicolino, e seus feitos históricos, extraídas dos
relatos dos viajantes e daqueles que já deitaram tintas
sobre o tema ou fizeram depoimentos, como é o caso do
Arcebispo de Belém, D. Alberto Ramos, dentre outros.

De imediato, surgem várias versões sobre a


origem do fundador de Uruá-Tapera. De onde teria vindo
este padre que só se interessava por índios? Seria ele
mesmo um índio ou um imigrante português, como
muitos ainda afirmam até hoje?

Freqüentemente esta é uma pergunta ainda sem


resposta. Ainda nos faltam comprovações documentais,
comparações históricas, enfim, consideramos que
estamos juntando provas para um processo que, pela
sua própria natureza histórica, pode demorar mais do
que se gostaria.

Mas, vamos aos fatos já compilados de vários


documentos, inclusive do diário do próprio Pe. Nicolino.
Isso mesmo, vamos descobrir um pouco mais dessa

197
personalidade paraense, desse herói oriximinaense a
quem devemos honrá-lo para a posteridade como
referência ideológica de caráter determinado nas suas
buscas e questões pessoais.

Nos relatos de Gonçalves Tocantins (1890),


encontramos a afirmação de que “... foi à margem do
Jamundá, na Villa de Faro que, em humilde cabana,
nascera José Nicolino de Sousa, em 10 de agosto de
1836”. Considerando como informação histórica este
fato, então já teríamos uma data a homenagear nosso
herói, não fosse a revelação de fato inusitado na carta de
Paulo Inglês de Souza87, dirigida ao General Cândido

87
Leia a íntegra da carta: “Rio de Janeiro, 23 de Julho de 1942 –
Exmo.Sr. General Cândido Rondon - Respeitosas Saudações – O meu
ilustrado amigo Sr. Euclides Dias, Prefeito de Óbidos, Terra Natal
do meu finado pai o Dr. Herculano Marcos Inglez de Souza, que V.
Excia., certamente conheceu, pede-nos, na impossibilidade de o
fazer pessoalmente, mandar entregar a V. Excia. a carta inclusa,
cuja resposta, rogo a V. Excia., se sirva enviar ao seu grande
admirador que esta subscreve. – Aproveito o ensejo para explicar a
V. Excia. o interesse que me prende à história do Padre Nicolino
José Rodrigues de Souza. – Meu avô paterno, o desembargador da
Relação São Paulo, Marcos Antônio Rodrigues de Souza, era natural
de Faro, de antiga e conceituada família paraense. Juiz de Direito

198
Mariano da Silva Rondon, em 23 de Julho de 1942, que

dessa cidade, de Parentins e de Óbidos, foi, como chefe de Polícia


da província do Amazonas, ao Alto Rio Branco a apaziguar uma
revolta de índios da fronteira que os ingleses da Guiana animavam
e excitavam para turbar o uti possidetis brasileiro.Logrou pleno
êxito essa expedição, pelo que foi ele condecorado com a comenda
de Cristo pelo governo Imperial. Trouxe, entre os prisioneiros, os
dois cabecillas, que se intitulavam São Pedro e São Paulo, uma
índia loura e de olhos azues, que tomou o nome de Genoveva e se
casou mais tarde com um cabo de destacamento policial de
Manaus, e um indiozinho, de poucos anos de idade, que se batisou
com os nomes de Nicolino José ou José Nicolino e adotou os
apelidos da nossa família – Rodrigues de Souza. – Muito vivo e
inteligente, mandou-o meu avô para o Seminário do Pará, onde ele
se ordenou, sempre com distinta aprovação dos seus Mestres. D.
Antonio Macedo Costa, entusiasmou-se pelo rapaz, sobretudo por
ser índio e o enviou a estudar ao Colégio dos Jesuítas de Roma,
onde ele se doutorou e em cuja biblioteca achou o roteiro que o
animou, de volta à Amazônia, às expedições do Trombetas. – Dessa
sabíamos nós que havia feito duas, e da segunda, - dizia meu pai –
que essa história me referiu reiteradas vezes, não voltara
ninguém,nem Padre Nicolino nem nenhum dos seus companheiros,
não se sabendo se haviam todos morrido de febres, mordidos de
cobra ou comidos de jacarés. Vejo agora, pelo que li em Gastão
Cruls que o Padre Nicolino fez terceira expedição, na qual faleceu
e se acha enterrado numa aldeia do Trombetas. – Com a
transferência do meu avô da comarca de Óbidos para a de Santos,
e a sua final nomeação para a Relação de São Paulo, onde faleceu,
trasladara-se a família toda para o Sul, sem que jamais nenhum
dos seus membros tornasse a Amazônia, pelo que ignorávamos o
fim do Padre Nicolino. – Releve-me V. Excia. a liberdade que tomei
de lhe escrever, sm ter a honra de o conhecer pessoalmente e me
permita me subscreva: De V. Excia., o patrício, criado e grande
admirador (a) Paulo Inglez de Souza. – Av. Copacabana, nº
324(Confere com o original. – Rosa Ring, escrituraria XVI do CNPI.
Visto – Amílcar A B. Magalhães, Coronel Secretário do CNPI).
Transcrição ipsi literis . N . A

199
ainda atribui nova origem ao Pe. Nicolino. Pior, revela
interesse desmesurado para atrair aquela não menos
ilustre família o reverendo faraense, de origem humilde
como se verificará ao término destes relatos. Mas, o que
assusta os oriximinaenses deve ser como os alheios
vêem nobreza nos feitos do religioso a ponto de não se
preocuparem com a fidelidade contida nos demais
registros para outra versão da história.

Com esta dúvida após a revelação do missivista


paulista, fiz várias visitas vespertinas ao escritório de D.
Alberto Ramos, no Arcebispado do Pará, em Belém. Lá
perguntei sobre as origens do Pe. Nicolino e não me
foram revelados os documentos comprobatórios. Disse-
me o bispo que há um religioso da ordem dos salesianos
que guarda os registros históricos da igreja católica
sobre Pe. Nicolino. O nome é Pe. Sadeck, para quem
dirigi minhas diligências por quase quatro anos e não
pude encontra-lo posto que não era possível marcarmos
uma reunião que fosse satisfatória para as duas partes.
E assim, Pe. Sadeck fora removido para a cidade de
Alenquer e hoje tenho conhecimento de que está em

200
Curuá, novo unidade municipal desmembrada da terra
dos Ximangos. Ainda aguardo um dia para conversar...

O confuso88 conhecimento de causa e interesse


manifestados pelo ilustre filho de Inglez de Souza ao
Padre Nicolino José Rodrigues de Sousa (sic)
esmaecem nas mesmas linhas seguintes da carta
mencionada, quando se refere às expedições do
Trombetas e acerca do lugar dos estudos do Pe.
Nicolino. É questionável a informação de que Pe.
Nicolino teria realizado seus estudos em Roma conforme
se lê na carta paulista. Os cronistas e historiadores
paraenses, assim também Gastão Cruls mais
recentemente, são unânimes em dizer que o religioso
cursou os seminários de Aire e Serigeux, na França, sem
deixar de admitir que em se tratando de pessoa de
destaque na família é de se estranhar que cultos como
eram os Inglez de Souza, deixassem os restos mortais e
a história de lado para se contentarem com as lendas

88
Nicolino José ou José Nicolino. Não há uma certeza no pré-nomes
do Pe. Nicolino a ser citado no alegado parentesco.

201
produzidas a partir da igreja para criar o mito da capela
de ouro. Outros são os motivos para essa omissão!

Colhidos de outro registrador de fatos, este sim


com muito mais propriedade nos assuntos de Oriximiná
como é Grouxy, até porque postumamente89 autorizado
a beber nas páginas de sua obra, ressurge outros dados
para análise da gênese de Pe. Nicolino.

“As primeiras notícias de que o padre José


Nicolino de Sousa seria filho de índios foram ditas pelo
Dr. Tocantins, em um de seus trabalhos. Essa
informação nos foi fornecida pelo historiador João

89
“Foi um esforço de 27 anos e 11 meses de trabalho, tempo em
que estivemos à testa da Agência Municipal... do IBGE, em
Oriximiná. Desde então vínhamos concatenando dados, entretanto,
sem pensar em escrever um livro... com certeza haverá alguém que
o criticará, o que não afetará o orgulho de sermos os primeiros
filhos dessa linda terra que se chama Oriximiná, abençoada por
Deus e por Santo Antonio, seu padroeiro, que levará ao
conhecimento de seus filhos e de outros brasileiros o que é esta
cidade que há 45 anos teve a sua emancipação política e, agora, é
uma das mais desenvolvidas dentre as suas congêneres na região...
desejamos que outro oriximinaense, nosso descendente ou não,
mas com igual ou maior amor, procure, mais tarde melhorar o
nosso trabalho. A semente está lançada...” in Apresentação do
Livro Oriximiná, de Grouxy, em 1994

202
Santos90 e também por pessoa ligada a Frei Eduardo,
que andou algum tempo pela paróquia de Oriximiná e
que possuía um opúsculo, o qual não nos foi possível
angariar. Assim, damos a esta parte da história de
Oriximiná o título de lendária, narrando da maneira que
faremos a seguir”.

Não é privilégio de Grouxy nem de outro


pesquisador que se ponha a perscrutar sobre as origens
de Pe. Nicolino o fato de não conseguir localizar seus
documentos pessoais. Recentemente estive em Faro
onde é comum se ouvir dizer na rua que Pe. Nicolino é
filho daquela cidade, mas não se encontra no Cartório
local o registro de nascimento.

Voltemos ao contigo nas páginas de Grouxy:


“Decorria o ano de 1843, quando alguns exploradores
percorreram o Rio Nhamundá, chegando até a Serra da
Lua. Ali tiveram contato com os índios da tribo dos

90
Historiador e religioso de Santarém, ao que me informou
D.Alberto Ramos e pelo que lembro parcialmente seria o genitor de
Pe. Sadeck, que hoje conserva em seu poder os documentos da
igreja católica sobre o Pe. Nicolino. N. A

203
Uaboys, habitantes daquelas glebas e, ao voltarem,
trouxeram daquela tribo um curumim e uma cunhatã. 91”

“De volta a Faro, de onde saíram os exploradores,


os dois indiozinhos foram adotados pela família Queiroz
de Souza, que se incumbiu de criá-los e educá-los. O
curumim foi batizado com o nome de José Nicolino de
Souza e a cunhantã com o nome de Maria Domingas do
Espírito Santo”.

Analisando as adoções alegadas nos relatos


acima a última se apresenta mais consentânea com a
época e o tipo de procedimento na região, pela
simplicidade das gentes e no costumeiro proceder da
adoção. Mas fica a pergunta: por que tem que ser
adotado? Não poderia ser filho natural de uma simples
família de sobrenome Sousa? É possível que a igreja
não queira revelar os papéis do Pe. Nicolino, como me
pareceu à época que estive às voltas com a pesquisa
diária, posto que os desencontros foram demasiados.

91
“menino e menina em tupi guarany. Nota de Grouxy”

204
Até porque é nas informações de próprio punho92
de Padre Nicolino, que a história retoma seu rumo ao
lado da verdade dos fatos. Escreve o Padre: “Dia 25 de
Novembro de 1876 (sabbado), pelas dez horas da
manhã partimos do Ageréua, propriedade do Sr. Tte.
Leonel da Silva Fernandes comigo, Pe. Vigário, em duas
canoas. Na mais possante vieram o Tenente Leonel, o
Padre José Nicolino de Sousa, o Filho do Tenente,
Manoel Marinho Fernandes, o gentio Pedro, o rapaz
Vicente...”

Sendo este trecho transcrito ipsi literis da parte


inicial do diário do Padre Nicolino registrando sua
primeira viagem ao Cuminá Grande, e em se tratando de
“diário” que no século passado era peça pessoal levada
muito a sério pelos próprios autores como registro de
suas atividades, podemos dizer que quando o Padre
Nicolino se “nomeia” e assim o faz aos seus
companheiros de viagem não teria omitido nenhuma

92
Escrevo este capítulo cotejando as variadas informações
publicadas sobre a lendária história de Pe. Nicolino e o contido nos
Diários das 3 Viagens ao Cuminá Grande

205
parte de seu nome, portanto, José Nicolino de Sousa é
realmente seu nome completo, não se admitindo
agregação de outros patronímicos ou apelidos de família
como quer fazer crer o missivista paulista.

Como se vê Pe. Nicolino não grafa o “Rodrigues”


para seu próprio nome, como atribuído no documento
mandado para publicação no Conselho Nacional de
Proteção ao Índio, pelo Marechal Rondon, que atribuiu
pomposo título a saber: “Diário de Viagem do Padre
Nicolino José Rodrigues de Sousa – Índio da Fronteira
do Brasil com a Guiana Inglesa” e também ardilosamente
incluso na missiva paulista.

O sobrenome da família “Rodrigues” também não


é reconhecido por Grouxy, o que dá significativo foros de
verossimilhanças para os registros históricos do filho da
Professora Adélia Figueira, posto que conviveu com
gerações muito próximas do padre e de seus
contemporâneos nas empreitadas ao Cuminá.

206
Há outro dado histórico que reforça a tese do não
parentesco do religioso com os “Rodrigues”, e serve
também para repelir de uma vez por todas a gravosa
ingerência alheia nos fatos históricos da região. É uma
nota constante no rodapé da referida publicação do
CNPI, que afirma: “Neste, como nos dois diários
subseqüentes, foi mantida a ortografia etimológica do
autor”. Ora, sendo o autor dos diários o próprio padre e
tendo a publicação sido fiel como diz a nota, é de se
supor que Padre Nicolino não poderia ter grafado seu
próprio nome erradamente.

Há uma geração de famílias Sousa na região


entre Faro e Óbidos que precisam ser investigados na
suas origens européias o que justificaria as feições
estrangeiras do religioso e a intimidade com a cultura
livresca. Valorizar as origens indianistas no período
imperial era charmoso e diferenciador numa sociedade
que ingeria o caudilhesco saber do Imperador do Brasil,
que formava seu reino nos trópicos fundados na crença
do bom selvagem russeauniano para contrapor à
devassidão européia resultante da revolução industrial.

207
É elucidativo contextualizar as décadas de 50 a 80
do século XIX, tempo das viagens e acontecimentos que
estamos tratando a partir do livro de Lilia Moritz
Schwarcz93 que nos fala da política indigenista do
Imperador D. Pedro II.

“Transformado em monarquia dos justos, o


Império aparece contraposto à colonização portuguesa,
terreno da desigualdade94... Aclamado como um “gênio
em tenros anos”, que por voto da nação empunha o
cetro, d. Pedro II surge no romance de Gonçalves de
Magalhães como um messias da paz, um mensageiro de
Deus. Em meio a seu sonho o índio selvagem declara:

93
As Barbas do Imperador, D. Pedro II, um monarca nos Trópicos,
Companhia das Letras, São Paulo, 1999. Pág. 133
94
Estamos à poucas décadas do final das mais sangrentas
revoluções acontecidas no período da menoridade de D. Pedro II,
como é o caso da Cabanagem no Pará. Assim, não era muito bem
vista a condição de ser europeu na região, principalmente o
colonizador português. Dessa maneira, muitas famílias de origem
lusitana, se passavam como indígenas para fugir às implacáveis
perseguições de remanescentes cabanos do Pará. N. A

208
“Índio! Se amas a terra em que nasceste/ E se podes
amar o seu futuro/ A verdade da cruz aceita e adora”95

“É assim que a literatura cede espaço ao discurso


oficial e o indígena transformado em um modelo nobre
toma parte, mesmo que como perdedor, da grande
gênese do Império, agora nas mãos de d. Pedro II. Nas
palavras dos grandes sacrificados da história, os
indígenas até então não catequizados, o destino era
irrevogável: “Araraí! Tu não sabes quanto império/ Tem
uma idéia nova, grande e santa/ que a alma penetra e o
coração subjuga”96

Qual é o espanto ao constatar o forte ranço


indianista na ênfase dada pelo missivista paulista na
carta usurpadora ao marechal “...sobretudo por ser
índio...”. É possível que a Igreja e os familiares
precisassem anular o registro natural de Pe. Nicolino
para lhe atribuir a origem indígena e assim lhes dar o
atributo do herói nacionalista, índio que se torna padre e

95
idem, idem, ob. Citada. Pág. 134
96
idem, idem, ob. Citada. Pág. 134

209
morre em aventura na selva. Nada mal para a
notoriedade.

E não acontecia apenas com as pobres famílias o


fenômeno do nacionalismo patrocinado pelo Império,
posto que “... o indianismo salta dos romances e das
telas, ganha a iconografia política e até os anúncios de
jornais para se tornar um modismo que atacou muitas
das famílias“patrióticas” brasileiras, levando-as a trocar
seus nomes lusitanos tradicionais – Sousa, Pereira,
Almeida e Oliveira – por outros de clara inspiração
indígena: Caramuru, Acaiaba, Tibiriçá, Periassu e tantos
outros”. 97

Na caça de mais argumentos para rechaçar a


usurpação do herói oriximinaense pela família Rodrigues,
é oportuno agora tratar da questão da adoção, ou
melhor, do mecanismo da adoção utilizado para expatriar
um farense nascido na Vila de Algodoal, hoje Terra
Santa.

97
Schwarcz, in Ob. Cita. Pág. 155

210
Em 1944, no Rio de Janeiro a 4 de dezembro, o
Conselho Nacional de Proteção aos Índios tomou a
importante resolução de mandar publicar os manuscritos
do Pe. Nicolino. Melhor é ler a íntegra da apresentação
dessa publicação que levou o nº 91, da Imprensa
Nacional, Rio de Janeiro, Brasil, 1946.

“ A resolução tomada por esta presidência quanto


à impressão do presente trabalho, é a resultante de duas
forças concorrente: uma, relativa ao assunto em si, por
se tratar de três interessantes viagens pelo interior do
Brasil, subindo e descendo os rios Trombetas e Cuminá
–este, a que o autor chamou de Cuminá Grande- outra,
concernente à circunstância de que os feitos que
descreve e sua execução terem sido inspirados e
dirigidos por um sacerdote que nasceu índio e se educou
no meio civilizado, onde, por sua clara inteligência e por
seu poder de adaptação, alcançou a posição de
eclesiástico e conquistou outra de maior destaque na
religião e na sociedade, como vigário das paróquias de
Óbidos e de Monte Alegre, no Estado do Pará, em cuja
atividade permaneceu vários anos.

211
Quando me encontrava em serviço ativo no
Exército e dirigia os trabalhos da Inspeção de Fronteiras,
executei pessoalmente a exploração e o levantamento
do rio Cuminá (1928/29), desde a sua foz no Trombetas
(afluente este do Amazonas, pela margem esquerda,
logo a montante da cidade paraense de Óbidos), até
suas mais altas cabeceiras (Latitude 2º,17’,59”, Norte;
Longitude 55º,56’,47”, West de Greenwich). Nestes
trabalhos, serviram-me de guia os Diários de Viagens,
manuscritos, do Rev. Padre Nicolino José Rodrigues de
Sousa, judiciosamente organizados, sob escrupulosa
exatidão, e onde se encontram, como o leitor verá,
considerações de ordem filosófica e interessantes
pensamentos, que definem a arraigada fé católica do
autor e denunciam os seus sentimentos elevados e
filantrópicos.

O fato de ter o Padre Nicolino se entusiasmado


com a leitura dum roteiro que descobriu em Roma e que
lhe inspirou a idéia de atirar-se ao sertão, denota bem a

212
influência ancestral do sangue indígena que lhe corria
nas veias.

Possuindo em minha modesta biblioteca particular


o exemplar único desse manuscrito precioso do Padre
Nicolino, mandei-o copiar no Conselho Nacional de
Proteção aos Índios, a fim de atender à solicitação do
Prefeito de Óbidos, constante da carta que vamos
transcrever e que me dirigira o distinto patrício Dr. Paulo
Inglez de Souza, em 23 de julho de 1942, como
documentação histórica e comprovação da origem
indígena do Padre Nicolino faltando ali dizer qual a tribo
a que pertenciam os seus maiores e que, segundo é fácil
deduzir, deve ser ou Macuxi, ou Uapixana, que são as
duas que habitam a zona da fronteira do Brasil com a
Guiana Inglesa.

Com idêntico objetivo, e para a divulgação dos


dados a propósito colhidos pelo Dr. Gastão Cruls, julguei
e bom alvitre anexar, como o faço, uma cópia do tópico
em que aquele reputado escritor se referiu ao Padre
Nicolino, a páginas 73 a 78 de seu interessante livro: “A

213
Amazônia que eu vi” – ed. 1938 – Série Brasiliana – Cia.
Editora Nacional de São Paulo.

Por ocasião da minha viagem ao Cuminá, visitei o


túmulo em que descansam os restos mortais do piedoso
clérigo, religiosamente guardados na modesta igreja por
ele erigida à margem esquerda do rio Trombetas,
próximo à foz, no lugar em que existe a vila de Oriximiná,
nome indígena, aliás, do rio a que os portugueses
denominaram: das Trombetas .

Finalmente, como esclarecimento necessário,


devo ainda informar que, julgando de interesse histórico
e geográfico o teor do “Diário de Viagens” do Padre
Nicolino, autorizei ao secretário deste Conselho a
remeter uma das cópias dactilografadas ao Instituto
Brasileiro de Geografia e Estatística, o que ocorreu
mediante o ofício nº 80, de 3-III-1943, oferta que foi
acusada e deu lugar aos agradecimentos que nos dirigiu
o distinto e operoso secretário daquele Instituto, Dr.
Cristóvão Leite de Castro (of. Nº 3-1.167 de 5-III-43).”

214
Como se prestam estas páginas para
esclarecimentos da nossa gente oriximinaense, achamos
por bem cansá-los um pouco mais com a leitura da
íntegra da apresentação dos Diários do Pe. Nicolino,
para então extrairmos nossas análises e conclusões com
a mais absoluta imparcialidade histórica, além de permitir
a outros estudiosos a tarefa de interpreta-la na devida
contextualização.

Assim é que salta aos olhos a ênfase da origem


indígena atribuída ao Pe. Nicolino. O quesito da
consangüinidade é determinante nos argumentos do
general para concordar com a carta escrita há mais de
um ano antes pelo Prefeito de Óbidos. O trabalho
cansativo e arqueológico do historiador requer que
questionemos a teoria do militar indagando, por exemplo,
se teria ele se referido às alegadas tribos da fronteira do
Brasil antes de ler a induzidora carta do filho do autor de
“O Cacaulista”?

A história não vai perdoar o general. Vejamos o


que diz Gastão Cruls, escritor carioca convidado para

215
registrar os fatos e dar o caráter intelectual da expedição
do general, mencionado na sua apresentação dos
Diários do Pe Nicolino, aliás, publicados conjuntamente
na edição do CNPI, em análise.

“4 de outubro (1928) – Tivemos hoje, pelo rádio, a


grata nova de que o Dr. Diniz talvez nos venha alcançar,
partindo do Salgado a 8 e trazendo consigo alguém que
valha de intérprete para os índios. Terminada a leitura do
terceiro e último volume do Stedman, o general
emprestou-me um precioso caderninho, que lhe foi dado
em Óbidos, e onde o Padre José Nicolino de Souza98
anotou dia a dia, do próprio punho, os trâmites das suas
três viagens ao Cuminá Grande. (é como ele chama este
rio)

Tratando-se de um original em grande parte


inédito, é obra verdadeiramente valiosa e tem para nós
um interesse todo particular, uma vez que, durante largo
trecho da nossa jornada, servir-nos-á de roteiro.

98
A grafia confere com o que consta na transcrição dos Diários das
Três Viagens. N A

216
Em Belém, por bondade do Dr. Carlos Estevão ,
eu havia conseguido uma cópia da parte inicial desse
mesmo diário, cuja publicação fora começada pela
REVISTA DE ESTUDOS PARAENSES, em 1894. Na
mesma ocasião, aquele amigo deu-me também o
traslado de certo artigo do engenheiro Gonçalves
Tocantins, igualmente inserto na aludida revista e onde
obtenho alguns dados biográficos acerca do Padre
Nicolino.

Sei, assim, que ele nasceu na cidade de Faro, em


1836, de procedência humilde e tendo por mãe uma
índia. Desejando votar-se à carreira eclesiástica, fez
estudos em Óbidos, e foi mandado, mais tarde à
França...”99

Ora, a menos que o general não se tenha


lembrado de corrigir os registro de seu biógrafo de bordo,

99
Trechos do Livro “A Amazônia que eu vi”, de Gastão Cruls,
mencionado na apresentação do general Rondon quando fez a
abertura dos Diários das Três Viagens de Pe. Nicolino. N.A

217
não há informações fornecidas pelo escritor dos apelidos
de “Rodrigues” para o Pe. Nicolino, muito menos de
haver alguma dúvida acerca de suas origens. Que são
indígenas suas origens parece não haver reparos a
fazer, mas não das fronteiras do Brasil, e muito menos
de falta da identificação da mãe.

O general, vários anos após a publicação de “A


Amazônia que eu vi”, exatamente em 1938, pode ter
esquecido das informações e comentários na viagem
que fez ao Cuminá, e acabou por ser convencido pela
insinuante carta do Dr. Paulo Inglez de Souza, e em
1943 vai autorizar incorreções históricas inaceitáveis
para qualquer estudioso, ao mandar grafar no frontispício
da publicação “ Rev. Padre Nicolino José Rodrigues de
Sousa, Índio da Fronteira do Brasil com a Guiana
Inglesa”

Há ainda um detalhe que não pode passar


despercebido por quem busca a investigação histórica:
após o pomposo título em letras maiúsculas, há um

218
asterisco (*) que no rodapé da página diz que foi
“mantida a ortografia etimológica do autor”.

Da mesma forma, não resiste ao menor arranhão


a tese expedida pelo general de que a “carta que vamos
transcrever e que me dirigira o distinto patrício Dr. Paulo
Inglez de Souza, em 23 de julho de 1942, como
documentação histórica e comprovação da origem
indígena do Padre Nicolino faltando ali dizer qual a tribo
a que pertenciam os seus maiores e que, segundo é fácil
deduzir, deve ser ou Macuxi, ou Uapixana, que são as
duas que habitam a zona da fronteira do Brasil com a
Guiana Inglesa” possa ser considerada consistente.
Senão vejamos: qual a documentação juntada além da
própria carta para comprovar a origem indígena do Pe.
Nicolino? Qual a base informativa que teve o general
para deduzir “fácil” por apenas duas tribos diante das
inúmeras nações indígenas que povoam a fronteira norte
do Brasil? Se tinha, não disse quais foram suas
hipóteses de análises.

219
Pior do que a inexistência de documentos
probatórios expedidos por imaginários cartórios
indígenas é a fácil dedução do general. A
obrigatoriedade de ser indígena não respeita a
alternância inaceitável para uma ou outra tribo. Se fosse
este fato em época da ditadura militar não haveria mais
ninguém contestando, mas, hoje a ciência histórica não
se contenta com afirmações de patentes tais. É preciso
pesquisar, reler documentos, tirar a poeira do tempo e
busca nas narrativas orais o complemento que falta nos
papéis, quando existem.

Voltemos à lápide da igreja em Oriximiná100,


registro histórico bastante para derrubar teses acima
infundadas. Grouxy no diz que “a data do nascimento do
Padre José Nicolino de Souza, conforme consta na
lápide da Matriz de Santo Antonio, é 10 de Agosto de
1936.” Diz mais, que “acreditamos que essa data terá
sido atribuída para fazer jus à sua incursão nos estudos,

100
Em recente palestra na Escola Estadual Padre José Nicolino
recebi a informação que esta lápide não existe mais no lugar
mencionado por Gonçalves Tocantins. N.A.

220
o que nos é duvidoso, pois, segundo temos
conhecimento, os índios da tribo Uaboys costumavam
registrar o nascimento de seus filhos somente com
amuletos, mesmo porque os índios daquela época
desconheciam calendário...”.

E a adoção do Pe.Nicolino, afinal, houve ou não?


Diante da ausência do registro documental sobre a
filiação do Pe. Nicolino, não se admite que tenha ele
cursado as cadeiras de Pedro sem tais papéis. Assim, a
Igreja ainda não foi clara ao dizer sobre sua existência
ou não. D. Alberto Ramos concordava e informou que o
nascimento se deu na Vila de Algodoal, nome do lugar
onde hoje está instalada a cidade de Terra Santa.
Inclusive há registros de sua adolescência e pitorescas
histórias contadas após sua morte por vários cronistas
de Belém. A mais picante é de José Carvalho, que em
1927 fez publicar uma história onde o religioso é
revelado como filho de “um terrível cabano chamado
Fragata”.

221
D. Alberto Ramos advertiu para não reproduzir as
blasfêmias do jornalista de A Província do Pará, mas não
respondeu com exatidão sobre a questão de ter a Igreja
contribuído para a criação do mito em torno do Pe.
Nicolino e nem sobre a mal contada história dos roteiros
lidos em Roma, sobre a possível busca de tesouros
deixados pelos jesuítas na expulsão da época
pombalina, sobre a lenda da capela de ouro podia estar
escondendo uma outra façanha da história.

Assim é que poderíamos concluir de forma


simples como Grouxy ao dizer que a “posteridade pode
julgar”, mas, as evidências apontam para as origens
humildes de família lusitana de sobrenome Sousa que
habitavam até recentemente as cercanias da Ageréua,
ponto de partida para suas viagens ao Cuminá, repelindo
quaisquer tentativas de adoção para nosso herói do
Cuminá.

Há muitas pistas para pesquisar. Uma delas é o


próprio Grouxy que nos dá ao informar da outra irmã
indígena do Pe. Nicolino. “A irmã do Padre, Senhora

222
Maria Domingas do Espírito Santo, tornou-se uma dama
da sociedade da época, contraindo núpcias com o
senhor José Joaquim de Figueiredo, de cujo consórcio
tiveram dois filhos – José Clementino de Figueiredo e
Inocêncio José de Figueiredo, pessoas que se tornaram
influentes e pioneiros no desenvolvimento do município e
cidade de Oriximiná, onde residiam e ocuparam os
maiores cargos públicos.”101

Inocêncio não deixou descendentes e José teve


os seguintes filhos: Dalila, Hildebrando, Sóter, Corina e
Gita (não me lembro o nome), dos quais, Dalila,
residente em Santarém na avenida Mendonça Furtado,
conta atualmente com 85 anos e tem os seguintes filhos
vivos: Idemar, Isa, Irvaldo, Iliete, Ivanil, Ibiracy e Irval,
que é General do Exército, neto de D. Maria Domingas e
sobrinhos-netos do Padre José Nicolino.”102

Entretanto, se do nascimento e origens do


religioso há dúvidas e versões diversas e

101
Grouxy, in Oriximiná, pág. 4
102
idem, idem, ob. Cit. Pág. 4

223
desencontradas, não ocorre o mesmo com a morte do
Pe. Nicolino, não, porém, sem passar despercebido um
fato curioso e mais um patronímico lhe associado,
certamente, por quem fez o registro na folha do
caderninho ( diário ) que marcava o dia 6 de Nov. de
1882. Assim é que se lê no diário: “ dia 6, (3ª f.) Padre
José Nicolino Pereira de Sousa deu conta a Deus no dia
8 de Novembro ás 7 horas da tarde, de um dor que lhe
deu no estomago e vomito, começou-lhe a dor as 5 da
manhã, e foi sepultado às 10 horas do dia 9. Foi
sepultado pelo seu mano Benedito Fragata, seu sobrinho
Francisco José Figueiredo, Possidônio, quatro
discípulos...”

O fato reforça a tese de Grouxy e põe em xeque


mate a hipótese militar. O sobrinho deve ser o filho da
irmã do Pe. Nicolino, D. Maria Domingas, que conforme
o relato acima, casou com José Joaquim de Figueiredo.
Poderia estar apenas grafado com o pré-nome trocado,
possivelmente pela situação psicológica desfavorecida
dos viajantes provocada pela morte inesperada do Pe.
Nicolino. Mas, temos que afastar essa hipótese da troca

224
de nome, pois é o próprio Pe. Nicolino que ao abrir o
diário da terceira e última viagem informa, de próprio
punho, o seguinte: “Ano de Nascimento de Nosso
Senhor Jesus Cristo aos vinte de setembro de 1882, parti
para os centros do rio Trombetas a seguir o rio Cuminá,
seu afluente. A viagem se fez do Muratapera103 em duas
canoas: na igarité segui eu, tendo por companheiros o
meu mano Benedicto Fragata, meu sobrinho Francisco
de Figueiredo e Raymundo Escovar de Souza Brandão,
Possidõnio Guimarães de Souza, Casimiro Antonio da
Silva, Benedicto Cardoso da Silva, Pero da Rocha
Serrão e Manoel Trindade de Souza..”.

O patronímico “Pereira” acrescido ao nome de Pe.


Nicolino condiz com a família Pereira de Sousa que
morava nas proximidades do Ageréua, na foz do Lago do
Sapucuá.

103
Curiosamente o Pe. Nicolino chama de Muratapera a velha Uruá
Tapera das outras viagens. São passados 5 anos desde a segunda
viagem realizada. Vale registrar que foi durante os preparativos da
2ª viagem em 1877 que o Pe. Nicolino ergueu a capela de orações
onde se originou a cidade de Oriximiná. N. A

225
Como se vê, os fatos estão mais para a origem
humilde e regional de família lusitana egressa da luta dos
mouros, à época da imigração européia para a
Amazônia, especialmente na segunda metade do séc.
XIX que vinha se instalar nas regiões entre Óbidos e
Faro, em busca da tão sonhada paz e enriquecimento no
Novo Mundo.

A propósito do assunto já fiz publicar vários


artigos em jornais da capital e região. Entretanto, um
conto é bem vindo para resumir na literatura uma lenda
que se pretende não mais ficar esquecida. Um
imaginário que precisa se firmar no meio estudantil para
se formarem as forças necessárias em busca do
conhecimento dos fatos esclarecedores para se escrever
a verdadeira história de Padre Nicolino.

226
A roupeta de ouro

No mês de maio ainda se ouvem os sinos e o


foguetório ecoando pelos castanhais, fazendo reviver a
saga do jesuíta tardio, morto pela cobiça e avidez das
almas conquistadas. Nada como o tempo para aplacar a
fúria de Konduri, deus de todas as coisas, no céu e na
terra...

Konduri ainda mantém preso nas cavernas do


Trombetas o espírito de um padre audacioso, destemido
e perseverantemente teimoso. Porque reviver uma cena
já há muito esquecida pelos indígenas de Uraxá? Não
guardam boa recordação os massacres em nome de
Cristo praticados pelos europeus no século XVIII, quando
as tropas de resgates atingiram o rio das Trombetas.

Naquele tempo, os portugueses diziam que havia


tanto índio no grande rio das amazonas que se

227
pusessem em açougue não ia faltar. Os religiosos
disputavam com o povo e governantes a posse dos
índios cativos, em guerra justa, no resgate ou pelo
descimento. Acumularam riqueza e ódio. Aquela feita de
adornos, fazendas de cacau e gado, igrejas e poder de
vida e morte sobre os nativos despojada quando partiram
na expulsão pombalina. Este paira por séculos e séculos,
gotejando nos espíritos inquietos que navegam por sobre
as florestas, especialmente nos castanhais do alto
Trombetas.

Era fim de século, tempo bom para cumprir


promessas. Padre Lino acabara de chegar da Europa,
após anos no noviciado e formação sacerdotal. Com
umbigo enterrado nas areias de Faro, não demorou
muito por Belém, cuidando logo em ser removido para as
bandas do rio das Trombetas.

Padre Lino tinha sangue cabano mesclado com


índia. Nascera nos recessos da luta desbragada travada
pela posse das almas. Expulsos do epicentro da
cabanagem que arrefecia, muitos valentes arribavam as

228
barrancas do Amazonas, indo bordejar as terras de
Uraxá. Nas centelhas e faíscas do amor e ódio nativo
presente no jugo indígena rebenta a placenta de uma
nova vida. Reduzido a um convento religioso na infância,
não demonstra sentimentos nativos; afeito aos estudos
das obras religiosas, logo pega gosto pelo latim, poder e
voz, informação e morte.

Subindo e descendo os rios de Uraxá, Padre Lino


repete a história sem se dar conta da litigiosidade contida
nas almas indígenas. Revoltas, emboscadas e
infortúnios ainda o aguardavam mais dias menos dias.

Faltava gente para o trabalho nas lavouras e


pastoreio de gado. As ervas, o cacau e as fazendas de
gado exigiam trabalho árduo e constante para se
manterem. Recentemente o governo central havia dado
liberdade aos negros e a nação ainda não estava pronta
para arcar com tudo isso sozinha. Renovam-se as tropas
de resgate ao sertão em busca do indígena, em busca
das almas para o descimento religioso.

229
Os comerciantes de Óbidos não tardam em
financiar Padre Lino nos moldes do passado jesuítico
quando a alma indígena era monopólio da Companhia
de Jesus. Divididas pelas ordens religiosas as terras do
Estado, as de Uraxá pertenciam aos Capuchos da
Piedade e Franciscanos. Mas, o modus operandi era o
mesmo dos jesuítas. Travestidos de protetor dos índios,
chamavam a si a responsabilidade de chefiar os resgates
e com honra religiosa faziam a partição dos resultados
conseguidos na viagem.

De terço em terço nutriam a fé e a empresa; para


uns rezavam enquanto noutros separavam. Era uma
parte do governo, outra dos comerciantes e outra mais
para a aldeia, a cargo dos religiosos. Assim Padre Lino
sai em busca dos meios irmãos cuidadosamente
financiado pela ganância dos comerciantes e pela fé.

Na curva do rio Cuminá, o primeiro aviso: a frota


de três canoas sofre perda parcial com o brusco
desaparecimento de uma delas, com tripulação e
mantimentos fulminados pela força das águas em

230
redemoinho gigantesco. Gritos, rezas e pulos n’água não
bastaram para aplacar a fúria de Konduri. Ele sabia das
intenções do novo jesuíta...

A ordem de Padre Lino foi cumprida. Logo


encostaram a dupla de naus e imediatamente foi erguida
uma cruz e se puseram a rezar. Ali foi a primeira missa e
encomendação das almas para os infelizes náufragos.

Manhã seguinte, melhor sorte tiveram os


navegantes e andou bem a empreitada de Padre Lino.
Reconheceram pelo nome alguns parentes dos índios
remeiros e batizaram outros tantos lugares pela
nomenclatura do religioso, agora treinado na Europa
para registrar em diários as ações da viagem
exploratória.

Nas voltas do tempo também Konduri


acompanhava com seu séqüito os invasores da floresta
de Uraxá. Nada ia ser como antes, quando os nativos
eram subjugados pela cruz de cristo e se apresentavam
dóceis ao trabalho nas aldeias. O espírito bom e quieto

231
dos nativos havia aprendido as mazelas dos brancos, a
maldade e astúcias do velho mundo, presente em
demasia nas gentes degredadas trazidas para povoar o
território de El Dorado.

Konduri decidira não perdoar as injustiças


praticadas pelos jesuítas no século passado, nem em
qualquer tempo. Afinal, cabia a ele decidir os assuntos
de sua gente. Ainda se lembrava dos cadáveres de
índios cativos jogados n’água quando não suportavam
os maus tratos dos capitães de bordo durante a viagem
ao Pará; dos restos humanos espalhados nas praias
quando deliberadamente os infelizes pulavam dos
igarités para a morrer nos dentes das piranhas e jacaré...
Apantos, Aroaeses, Omáguas, Abuís e tantas outras
nações já haviam desaparecido nas mãos dos religiosos
e capitães de tropas de resgate.

Desta vez não! Konduri sabia o que Padre Lino


estava buscando e para onde se dirigia. Para isso,
trovejou um aviso aos espíritos da floresta a preparar

232
exemplar recepção ao religioso, dar as boas vindas
àquele que vinha buscar algo mais do que novas almas...

No terceiro dia a expedição religiosa para


descimento de almas indígenas padeceu as agruras
lançadas pelos revoltados espíritos. De repente, a
correnteza do rio muda de sentido e joga cachoeira
abaixo, a segunda canoa de remeiros, intérpretes de
índios e mantimentos da viagem. Foram setenta metros
de pânico, borbulhas revoltas, pedras pontiagudas e
vôos livres para estatelar nas rochas escuras do leito do
rio os corpos de mais doze almas libertas da nefasta
missão.

Novo desembarque, nova missa e outro funeral. O


caminho do padre parecia um calvário de almas. Agora
só uma canoa conduzia o perseverante Padre Lino.
“Sem fé, nada se constrói, nada se conquista. Sejamos
fervorosos na missão para conversão das almas de
nossos irmãos nativos” dizia o padre aos quatro homens
e duas mulheres que restavam a bordo.

233
Começa a agonia da missão. Konduri mudava as
embocaduras dos rios a cada manhã. Ao final da tarde,
Padre Lino marcava no seu mapa o percurso do dia,
tendo o cuidado de registrar as referências geográficas e
pontos cardeais. Conferia com os sinais discretamente
codificados nas páginas da sua inseparável bíblia. Havia
um roteiro a seguir desde o início da viagem. Pela
manhã, qual era o desespero do Padre Lino e seus
acompanhantes quando encontravam à esquerda uma
ilha que no dia anterior estava à direita da praia onde
acampavam.

Não era possível o que estava acontecendo!


Tinha que haver uma explicação! – argumentava Padre
Lino. Não se podia tratar de uma provação, porque não
estava ele buscando nada contra as sagradas escrituras,
pensava o religioso. Nem era preciso dizer que o temor
se alastrava pelas ingênuas almas dos expedicionários.
Padre Lino decretou o fim de tudo isso. Percebeu que
podia ser alguma reação dos céus por causa do real
propósito da missão. Precisava ter certeza de tal

234
imaginação. Afastou-se do grupo alegando precisar orar
sozinho.

Konduri acompanhava tudo do alto de uma


nuvem. Os espíritos de Uraxá estavam animados e
confiantes na sua liderança. Tinha chegado o juízo final,
o dia do acerto de contas com aquela gente
exterminadora dos indígenas.

Padre Lino sentou debaixo de uma grande


castanheira e rezou. Pediu perdão por seus pecados e
sangrava os joelhos quando um ouriço de castanha
despencou atingindo-o na cabeça. Levantou-se e viu
bem à sua frente a porta da caverna com o sinal da cruz
dos jesuítas. Entrou, e viu as maravilhas da riqueza
terrena. Ao longo das paredes da caverna,
diligentemente arrumadas umas sobre as outras,
pequenas barras de ouro com o selo da coroa
portuguesa do século XVII; adornos de altar, obras de
arte e pinturas que guarneciam as igrejas dos jesuítas;
relatos escritos e muitos mapas de localidades
conhecidas da província.

235
Mapas dos quais viu cópias nos seminários
europeus por ocasião dos estudos religiosos. Vinha a
sua mente a conversa que teve com o velho mestre
francês... Era tudo verdade. Pensou em remover uma
pedra que estava à sua direita. Mas, antes, precisava
conferir uma informação na sua bíblia. Procurou e achou
que nada tinha sido em vão. Rezou e pediu perdão mais
uma vez pelas vidas perdidas na falsa missão religiosa,
agora revelada.

De repente, levou um susto tremendo! Relutou ao


tentar passar por sobre uma pedra maciça e quase leva
um tombo ao tropeçar num caixão que surgiu à sua
frente. Removeu a poeira da cruz jesuítica, e afastou a
tampa de lado: outro susto! Um brilho revelou uma
roupeta dourada que ainda protegia um corpo intacto.
Passou a mão e limpou a marca do tempo e pode
contemplar o santo padre jesuíta Carvalho de Melo,
jazendo há mais de cem anos, com uma carta sobre o
peito. Leu e chorou...

236
O macaco de tiro certeiro obedece fielmente às
ordens de Konduri. Até hoje faz o ritual todos os anos,
tocando os sinos e soltando os fogos nos castanhais.

237
APÊNDICE

238
Índice do Apêndice

Um Pacto para Oriximiná, 240

PAROESTE – Falta de Paraensismo?, 244

Estado do Tapajós: uma questão de governo, 249

MRN – Responsabilidade Pública e Cidadania, 254

239
UM PACTO PARA ORIXIMINÁ104

Nos últimos 13 e 14 da semana passada,


aconteceu em Oriximiná uma audaciosa iniciativa da
sociedade organizada em busca de seus próprios rumos,
quando a Fundação Ferreira de Almeida coordenou o
Seminário Oriximiná 2000 que aconteceu
simultaneamente à 1ª Reunião Anual da instituição, que
doravante se repetirá a cada início de ano.

Desafiantes temas foram propostos pelos


organizadores, e brilhantes respostas foram ofertadas
pelos palestrantes convidados. Com suporte da
Prefeitura Municipal de Oriximiná, da Câmara Municipal
de Oriximiná, das duas principais empresas
104
Artigo publicado na A Província do Pará, 30.01.00

240
empregadoras de pessoal da região, Mineração Rio do
Norte S A e Sadiemla Madeiras Ltda., o evento se
desenvolveu nas duas noites da Quinta e Sexta-feira
últimas, reunindo mais de uma centena de participantes
em cada uma delas.

Separados em dois dias por setores privado e


público, o primeiro painel foi aberto pelo Prof. Dr. Pedro
Afonso de Oliveira Almeida, Diretor do Laboratório de
Madeiras da USP – SP, que discorreu sobre o tema A
Evolução dos Materiais, com ênfase na necessidade de
se entender como opera a madeira nas suas aplicações
do dia-a-dia, quantidade de energia despendida na
relação homem x natureza.

Na mesma noite, a Mineração Rio do Norte enviou


técnicos e administradores para dizer aos presentes,
especialmente aos empresários e comerciantes,
números do planejamento estratégico e operacional para
os investimentos no município de Oriximiná, quais suas
intenções e o que está fazendo na região.

Os empresários e professores de Oriximiná


puderam saber que a MRN vai investir cerca de 100
milhões de dólares nos próximos 5 anos na região, para
garantir a extração de quase 11 milhões de toneladas
anuais de bauxita na região do rio Trombetas, como foi
exposto pelo Engenheiro Roberto Saad, Assessor da
Presidência da Mineração Rio do Norte, encarregado do
tema Investimento & Empresas em Oriximiná.

241
Só no setor de informática, está programado
investimento na ordem de 4 milhões de dólares, mais 25
milhões no housekeeping etc. .

Ainda na primeira noite, o Gerente de


Administração e Recursos Humanos, Engenheiro
Ademar Cavalcante, mostrou aos participantes as ações
da MRN que levaram à conquista do Prêmio ECO99 da
Câmara Brasileira Americana, no final do ano passado.
São ações de resgate da cidadania dos ribeirinhos do
Rio Trombetas, que foram afetados com os
investimentos da mineradora desde a sua implantação.

Na Segunda noite, o setor público compareceu


através do Secretário de Planejamento, Luiz Bacelar
Guerreiro Júnior, para dizer quanto tempo e recursos
gastou a atual administração municipal para reorganizar
a coisa pública, extraviada que foi nos governos
anteriores.

Na oportunidade, a Professora e Mestra em


Direito Ambiental da Universidade Federal do Pará,
Maria do Socorro Almeida Flores, deu o recado,
articulando a Gestão Municipal de Florestas,
desmistificando a certeza que o melhor é planejado em
Brasília ou na Capital do Estado... “ é no município que
as coisas acontecem, portanto, o município é o ente mais
palpável para o cidadão.”

Para fechar o evento, o Deputado Gabriel


Guerreiro, compareceu para dizer das suas expectativas
para o futuro da comunidade oriximinaense, levando

242
sempre em conta a necessidade de planejar o futuro com
as discussões fundadas em dados, pesquisas, e
informações confiáveis. Para Gabriel Guerreiro, eventos
dessa natureza precisam se repetir, pois só assim se
impedirá a presença de “ aventureiros que descem de
pára-quedas prometendo de tudo para todos”.

Finalizando o evento, ficou claro de uma vez por


todas, que a partir da agora, somente com ações
responsáveis e atreladas ao planejamento geral do
governo municipal, se pode vislumbrar um futuro menos
drástico para nossa região, e principalmente todos este
temas e debates, inclusive as perguntas formuladas
pelos presentes, serão encadernadas, editadas e
publicadas para fomentar o necessário e inadiável Plano
Diretor do Município de Oriximiná.

243
PAROESTE: FALTA DE PARAENSISMO?105

O perfil de atuação política-administrativa de


nosso ilustre senador-constituinte, Jarbas Passarinho,
consolidou-se entre nós paraenses, como sendo de uma
consistência indelével no cumprimento da missão que
lhe é confiada ao mesmo tempo que evidencia o lado
humanitário do governante ou parlamentar. Enfim, uma
atuação admirável e equilibrada em todos os fatos que
marcaram a vida dos habitantes do Pará durante
décadas, especialmente neste lado oeste.
105
artigo encaminhado para publicação nos jornais de Belém, em
outubro de 1985, quando o autor era Vice Presidente da Associação
Comercial de Oriximiná.

244
Contudo, em recente artigo publicado na
imprensa, este mesmo senador que já esteve ocupando
o palácio “Lauro Sodré” e sabe como é governar um
Estado de dimensão continental como este Pará – onde
o governador, invariavelmente, só se desloca para a
região oeste em tempos de eleições – deixa transparente
uma face desconhecida de sua postura política. Chamar
de “falta de paraensismo” para atitudes daqueles que
estão consolidando uma aspiração local e antiga do povo
do oeste paraense, traduzida na concretização do
Estado do Paraoeste (uma contribuição de Oriximiná), é
classificar historicamente D. Pedro I como alienado do
lusitanismo.

Neste nosso oeste paraense, a exemplo do similar


norte-americano, a ação governamental cede lugar ao
fisiologismo partidário colorido; aos abusos de poder por
parte das autoridades; aos casos típicos do coronelismo
político que ainda viceja neste solo. Finalmente, à eterna
dependência verificada na relação parasitária eleitor-
candidato às vésperas das eleições, depois interrompida
pelos anos do mandato.

É verdade que a Amazônia é o celeiro do mundo


assim como o Pará é o almoxarifado do país. Também
diz-se que da mesma forma como as empresas mundiais
estão levando nossa matéria-prima, assim o sul e
sudeste almejam com relação ao Pará. Inadmissível é
que se continue procedendo com a Amazônia a pretensa
situação de obliteração irreversível. A Amazônia não
necessita de óbolos. Deve-se restituir na justa medida o

245
que se leva daqui. Nossa região já possui homens
identificados com a realidade amazônica, portanto
habilitados na discussão de seus problemas, sem
precisar de decisões alienígenas. Assim, observa-se nos
planos energéticos –aproveitamento do potencial hídrico
ímpar no mundo- a classificação provinciana, passando
de ciclo extrativista mineral para algo como “colonialismo
hidrelétrico”. Aliás, na fase anterior foi necessária a
armazenagem nas laterais de estradas americanas a
parte de nossas reservas minerais não consumidas de
pronto, ficando aqui no seu lugar grandes “crateras
reflorestadas”.

O que se propõe nesta distância amazônica é


uma tentativa de aproximar o governante aos
governados; a área de poder governamental à região
dos governados, sentindo-se os problemas de perto,
procurando-se as soluções urgentes, como são
prementes as questões de assistência social, de
segurança, de saúde etc. etc. que proliferam nas
redondezas dos grandes projetos de desenvolvimento já
implantados na região amazônica, especialmente do
baixo-amazonas paraense como é o caso de Porto
Trombetas no município de Oriximiná.

O oeste paraense estaria fadado ao


desaparecimento como entidade política se não
pleiteasse tal aproximação com o pólo de ação
governamental. Imaginem o tempo gasto da capital
Belém (a metrópole da Amazônia) até a segunda maior
cidade do estado que é Santarém: “apenas” uma hora de
avião tipo “Boieng”. Agora, pensem o que significa

246
qualquer cidadão precisar de um documento ou
necessitar registrar uma pequena micro-empresa na
capital, em tempo e custo de despesas com viagem.
Seria, no mínimo, três dias de disposição para ir até à
Capital. Então, tomamos como exemplo a situação de
um cidadão daqui de Oriximiná, ir até à capital para
resolver um simples problema burocrático, como os tem
um prefeito deste “interland”. Seria, bem contado, uma
semana!

Ora, isto é um absurdo, diriam alguns. Mas, uma


semana é um quarto de mês, o que significa uma
ausência razoável em qualquer administração seja ela
pública ou privada.
Assim, o que se pretende é a elaboração de
políticas administrativas eficazes, com ação de governo
no seu mais amplo sentido, o saneamento das
dificuldades da população, justificando-se desta forma,
dentre outras, a existência do Estado.

Sem esta oportunidade para se planejar em


termos de “interland amazônico” e de se verificar
medidas de real aproveitamento para nossas riquezas,
nunca seremos uma região desenvolvida. Nunca
seremos uma paulicéia, e ficaria em risco a afirmação
presidencial de que “.... quem tem a Amazônia, não deve
temer o futuro”106

106
Trecho de discurso do Representante do Presidente José Sarney,
na abertura do 1º Encontro da Amazônia, auditório do BASA, em
abril de 1985. Aliás, essa afirmação presidencial foi mote de quase
toda a política federal naquela década, nada se agregando de valor
às já combalidas finanças da região no que diz respeito a

247
Em princípio defendemos a necessária e tão
anunciada desestatização em alguns setores da
economia nacional, por ser a Iniciativa Privada107 a
grande força geradora da economia livre em países
democráticos.

Neste caso, não estaríamos agindo “contrarium


sensu”. Aliás, é nas proximidades das decisões
governamentais que situam-se os grandes centros
econômicos, momento em que o governo cumpre seu
papel de planificador e gestor dos recursos
desenvolvimentistas.

destinação de verbas federais e financiamentos pelos organismos


públicos.N.A.
107
Grafada com iniciais maiúscula revela a importância desse tema
na época em que o Estado brasileiro era gestor de quase os fatores
de produção. Assim, era muito bem vista essa guinada neo-liberal
do governo, ainda que só no discurso no Governo Sarney. N. A

248
ESTADO DO TAPAJÓS: UMA QUESTÃO DE
GOVERNO108

O deputado federal Aloysio Chaves faz publicar


parecer contrário à criação do Estado do Tapajós, na
última edição de domingo de “O LIBERAL”, por acreditar
que “não há a menor possibilidade de auto-sustentação,
salvo se a União reservar-lhe durante mais de um
decênio auxílio anual superior a dois bilhões de dólares”.
Ora, isto faz com que nós, paraenses deste oeste do

108
Artigo publicado em 19.06.88, em O Liberal

249
Estado, em aceitando esta proposição do ilustre
parlamentar, nos esforcemos ainda mais em nossa luta
para a divisão do Estado do Pará, pois pela situação
econômica expressa em dólares, tão cedo não
deixaremos de ser região esquecida e “pobre” , como
frisou o deputado.

Entretanto, diferentemente do que afirma o


deputado em seu artigo, não se trata de “emoção e
conveniência política de um grupo regional”, mas das
aspirações de uma parte do povo do Pará, que inclusive,
não quer deixar de ser paraense – na sua extensão mais
abrangente do sentido de naturalidade (daí porque há
propostas para que a denominação do novo Estado seja
Pará do Oeste), - mas quer realmente constatar a ação
governamental do Estado presente na sua região; povo
que tem as mesmas aspirações de desenvolvimento dos
demais habitantes deste nosso país no campo
econômico, social, cultural, político, etc., o que aliás, lhe
está assegurado na Lei Maior desta nação, mas cujas
concretizações desses planos desfazem-se como a
névoa, à medida que diariamente verifica-se a
impossibilidade de implantação deste ou daquele projeto,
por vontade política, por falta de recursos ou motivo
diverso; povo como desta minha cidade de Oriximiná,
que literalmente “vê o navio passar” levando o
carregamento de bauxita de nosso solo, e este mesmo
povo vive a choramingar ajuda das prefeituras até
mesmo para realizar o seu desejo mais sagrado da
alimentação à saúde; povo que para conquistar uma
“posição na vida” sacrifica-se e esvai-se para a capital
em busca de emprego, estudo ou outras realizações

250
profissionais; povo que não pode se auto-administrar e
isto não se dá por falta de bons governadores locais,
mas sim pelas condições geopolíticas, vê seus
representantes adiarem sempre nossas condições de
desenvolvimento, diferirem para um futuro de “decênios”
nossas possibilidades de auto-sustentação.

No artigo, o nobre deputado discorre


brilhantemente sobre a jurisprudência constitucional
quanto ao exercício da soberania do Estado Federal,
segundo a melhor doutrina partilhada pelo Estado
Federado, com muito didatismo e função esclarecedora,
o que me lembrou os meus tempos de Faculdade de
Direito. Assim, gostaria de alongar as colocações do
mestre, aqui com a sua permissão, mencionando a
orientação de Themístocles Brandão Cavalcanti, em
“Princípios Gerais de Direito Público”, 1958, pág.63, que
diz: “o terceiro elemento do Estado é o Governo. Nele se
concretiza o poder de imperium e o exercício da
soberania”. Mais adiante: “A palavra – Governo –
aproxima-se, pela analogia, de seus significados do
conceito de autoridade, poder de direção, que preside à
vida do Estado e provê às necessidades coletivas” (Ob.
cit. – o grifo é meu).

“Nota o professor Duguit que a palavra – Governo


– pode ser considerada em dois sentidos – no coletivo,
como o conjunto dos órgãos que presidem à vida política
e administrativa do Estado; - no singular, como o poder
executivo, “o órgão que exerce a função mais ativa na
direção dos negócios políticos” (Taité de Droit
Constitutionnel, vol II, págs. 785 e seguintes).

251
Continua o Professor Themístocles Brandão
Cavalcanti “no primeiro caso temos de incluir todos os
órgãos legislativos, executivos e judiciários, que exercem
os poderes inerentes à soberania, diretamente ou por
delegação popular, segundo o regime político. (Ob. cit.).

Evidentemente, as considerações acima referem-


se ao Estado Federal. Entretanto, segundo a “a melhor
doutrina que procura conservar aos membros do Estado
Federal a qualidade jurídica de Estado”, considero a
mesma orientação de nosso deputado, que aliás, é
também renomado professor de Direito, a exemplo de
outros aqui citados.

Ora, ao movimento separatista que o deputado


atribui “a um grupo regional”, aliam-se jovens como este
autor, que das faculdades em Belém vieram para suas
origens e aqui juntamente com suas famílias e empresas
enfrentam os revezes governamentais,
consubstanciados na ausência de quase tudo que seria
a ação de governo nesta região. Verifica-se, por
exemplo, a ausência de juizes nas comarcas das cidades
desta região, a sobrecarga em cima das prefeituras com
atribuições puramente estaduais, como exemplo temos a
manutenção de escolas estaduais pelos municípios, só
para mencionar alguns fatos.

Então, diante desta ocorrências, como podemos


ficar inertes à omissão governamental em nossa região?
Podemos checar a existência daqueles atributos
inerentes ao Governo, relatados pelos ilustres mestres

252
do direito público internacional, na nossa administração
estadual no tocante ao Baixo-Amazonas e regiões afins?
Não seria essa a verdadeira razão pela qual nossos
representantes legítimos tanto no Congresso como na
Constituinte sua luta para a aprovação da criação deste
nosso Estado do Tapajós? O povo daqui também é
paraense, e como paraense quer continuar se
desenvolvendo. Quem sabe uma ação efetiva do
governo tivesse sido mais objetiva...

253
MINERAÇÃO RIO DO NORTE

Responsabilidade Pública

e Cidadania

Relatório Interativo
Fundação Ferreira de Almeida

Coordenação: João Bosco Oliveira de Almeida *

* Avaliador de Empresas com formação na Fundação Prêmio Nacional da


Qualidade – FPNQ, São Paulo, janeiro de 1997 e Fundação Christiano Ottoni, Belo
Horizonte, junho de 1997

© FUNDAÇÃO FERREIRA DE ALMEIDA


ffa@orinet.org.br
Oriximiná – Pará – Brasil

254
“Viemos aqui para viver ou para chorar, estamos por morrer
ou por nascer?”
Carlos Fuentes
Poeta

“Portanto, somos nós, aqui, a ter a responsabilidade da


mudança. Devemos começar por nós mesmos, aprendendo a
não rejeitar antecipadamente o novo, o surpreendente, aquilo
que parece ser radical. Isto significa afastar os destruidores de
idéias, que apressadamente reprovam qualquer proposta
nova como irracional.

Eles defendem tudo aquilo que já existe como racional,


independente de quanto possa ser absurdo ou superado. Isto
significa lutar pela liberdade de expressão e pelo direito de
manifestar as próprias idéias, mesmo quando heréticas, e isto
significa iniciar já este processo de reconstrução, antes que a
ulterior degradação dos sistemas políticos faça retornar nas
praças o totalitarismo, tornando impossível uma transição
pacífica rumo à democracia do século XXI.

Se começarmos agora, nós e nossos filhos poderemos


participar da reconstrução não somente das nossas obsoletas
estruturas políticas, mas de nossa própria civilização. Como a
geração dos revolucionários do passado, nós temos um
destino a criar.”
Alvin Toffler, in A Terceira Onda

255
Prefácio

A meta deste relatório interativo é dupla: primeiro visa coletar


informações, dados, sugestões e análises de gerentes, diretores,
administradores públicos e parlamentares oriximinaenses, enfim, de
todos àqueles que direta ou indiretamente se preocupam com o
futuro da região do rio Trombetas, no oeste do Pará; depois, retorna
como ferramenta de trabalho aos estudantes, jovens e ao público
em geral como instrumento auxiliar na pesquisa, no processo de
formatação das idéias que estruturam o universo imaginário da MRN
e sua importância na região de Oriximiná.

Utilizamos vários recursos na montagem deste relatório, tais


como acesso às páginas de Internet, leituras de livros, periódicos,
notas técnicas, reuniões com vários segmentos da sociedade etc. ;
tudo para buscar elementos de conhecimento e planejamento sobre a
Mineração Rio do Norte, elaborar diagnósticos com vistas a
desvendar a verdadeira esfinge amazônica para o povo que a rodeia.

Neste relatório interativo propomos a compreensão dos


critérios de excelência adotados pelas empresas que busca a
qualidade total nos seus processos e atividades afins, quando atuam
diretamente na comunidade. Vale lembrar que as empresas buscam
a racionalização dos processos, via metodologia da Qualidade Total,
não por ser modismo administrativo, mas, e sobretudo para rever
para baixo a quase sempre crescente escalada dos custos de
produção. E a MRN não esconde de ninguém que está empenhada

256
nessa atividade administrativa que muito tem ajudado a obtenção dos
lucros otimizados lá em Porto Trombetas, revelando a seriedade na
gestão da empresa.

Por outro lado, assim como há a racionalização dos custos de


produção e redução da estrutura administrativa é de se verificar como
são percebidos pela sociedade a atuação da empresa e sua área de
influência. Por isso, há os critérios e fatores a serem observados
quantos aos aspectos da liderança exercida pela empresa na região.
A responsabilidade pública e cidadania são fatores encontrados
nessa mesma liderança em ação.

Para tanto, reproduzo as palavras do Prof. Vicente Falconi


Campos, o qual tive a honra de conhecer pessoalmente por ocasião
dos treinamentos na longínqua Belo Horizonte, citando outro não
menos líder da qualidade mundial, Sr. Konosuke Matsushita109[1]
afirmando que: “...no Ocidente todos conhecem a letra da nova
canção, mas poucos se dispõem a cantá-la...” Não deixemos que isso
ocorra no Brasil! Vamos cantar e, se possível, melhor que os
orientais! SÓ A APLICAÇÃO DO CONHECIMENTO AGREGA
VALOR.110[2]

Se você é daqueles que não agüenta mais ver o navio passar


e se lamentar, arregace as mangas, busque entender a força
econômica que resulta das atividades da Mineração Rio do Norte,

109[1]
WOMACK, J.P. et alli, A Máquina que mudou o mundo, Editora
Campus, Rio, 1992, p.47
110[2]
CAMPOS, Vicente Falconi, Gerenciamento da Rotina do
Trabalho no dia-a-dia, 2ª ed. ,1996

257
quais seus principais mercados, quanto custa um navio cheio de
bauxita, quantas viagens por ano, e se integre em ações que visem
beneficiar cada vez mais a empresa e o município e sua gente.

Não queremos mais ser liderados por aqueles que visitavam


Porto Trombetas apenas para pechinchar tambores vazios, restos do
processo industrial. Existe hoje na cidade de Oriximiná aqueles que
formam uma consciência coletiva que possibilita técnica, sociológica
e politicamente uma planificação do futuro da região do Vale do
Trombetas.

O Coordenador

258
Apresentação

A Mineração Rio do Norte – MRN ocupa a invejável posição


de nº 762 entre as 1000 maiores empresas da América Latina 111[3], é
a maior produtora de bauxita do País, com capacidade para produzir
10 milhões de toneladas ano112[4], está localizada no município de
Oriximiná, oeste do Estado do Pará, na vila de Porto Trombetas e
muito pouco conhecida pelos empresários e habitantes do município
sede.

A MRN realiza faturamentos anuais na faixa dos R$ 500


milhões, controlada da VALE e sócia da ALUNORTE, já realizou
embarques de bauxita neste primeiro trimestre de 2000 de 2,7
milhões de toneladas de bauxita ao preço médio de US$ 20,58
dólares por tonelada113[5], auferindo receita bruta de US$ 55,5 milhões
de dólares correspondentes a 5 vezes o orçamento anual da
Prefeitura Municipal de Oriximiná.

Em valores anualizados a MRN fatura o equivalente a US$


222 milhões de dólares, 20 vezes a receita pública gerada no
município, se firmando já por essas cifras, como a maior empresa
privada de Oriximiná.

111[3]
Fonte Gazeta Mercantil Latino Americana, Setembro de 1999,
página 112
112[4]
Gazeta Mercantil de 03.05.00
113[5]
Site da CVRD www.cvrd.com.br

259
Apesar dos números positivamente merecidos pela atividade
econômica desenvolvida no município de Oriximiná, muito pouco se
sabe e quase nada se tem em retorno social, econômico e
comunitário para a sociedade que lhe empresta a boa hospitalidade,
convivência e porque não dizer a própria urbe aos moradores e
habitantes de Porto Trombetas e a cidade de Oriximiná.

As relações institucionais entre a sede do município e a sede


do Projeto Bauxita, ou seja, a sede da MRN em Porto Trombetas
sempre foram muita tensas devido a um passado pouco
esclarecedor. Havia, e ainda há, muitos atores no processo que
misturavam as questões pessoais com o interesse público maior ali
presente. Na convivência diária dessa gente, há uma atuação lenta,
morosa, pacificada na aceitação do que é para ver como é que fica. É
o efeito da ignorância alimentada pela política letárgica do diferimento
da ação messiânica que cai sobre Oriximiná: impossível viver sem a
MRN!

Não se pode negar uma evolução nesta relação de lado a


lado. Entretanto, ainda está longe daquela exigida profissionalmente
no trato das questões cruciais. Por isso, urge um levantamento sério,
isento das idéias de protecionismo e fisiologismo nefasto entre as
partes; rodadas onde se possa evitar afirmações como a do Diretor
de Pessoal da MRN em recente seminário patrocinado pela
Fundação Ferreira de Almeida, que após expor publicamente as
diretrizes e metas de investimento da MRN para o ano 2000 para
uma platéia de mais de 500 pessoas, um dia depois afirmou serem
confidenciais aqueles dados, e não poderia fornecer o arquivo para
registro nos anais da Fundação Ferreira de Almeida.

260
Para tentar responder estas indagações a Fundação Ferreira
de Almeida elaborou este Relatório que visa levantar dados,
informações, opiniões, coletar os números junto aos órgãos públicos,
organismos econômicos, político, comunitário, e principalmente,
mapear dados e informações que permitam aferir o grau da
responsabilidade pública da MRN no seu contexto de influência
operacional, além de medir o grau de cidadania praticado pela
empresa no desempenho de suas atividades.

Esta tarefa estará concluída e terá sua meta alcançada


quando for possível usar os dados aqui relacionados em atividades
de planejamento, de motivação, de mobilização para ações que
busquem agregar valor a bens, serviços ou quaisquer outras
manifestações humanas ligadas a integração total da cidade de
Oriximiná e a vila de Porto Trombetas.

É propósito deste relatório interativo também servir de base


para uma relação mais estreita entre o setor público de Oriximiná e a
MRN, onde, eliminados os ranços do passado, seja possível planificar
um futuro menos doloroso e mais promissor para o Vale do
Trombetas, financiando um fundo mútuo financeiro que dará suporte
aos investimentos necessários na geração de empregos e uma vida
melhor.

Pior do que não fazer nada é ficar lamentando o que não foi
feito!

261
Introdução

A proposta exige definição dos aspectos a serem avaliados


na MRN e sua atuação para estabelecer o que vem a ser
responsabilidade pública e cidadania , resultantes das análises dos
dados coletados na pesquisa.

A responsabilidade pública refere-se às expectativas


básicas da organização quanto à ética nos negócios, atenção à
saúde pública, segurança e proteção ambiental.114[6] A pesquisa vai
procurar saber como é a relação da MRN com as empresas locais de
Oriximiná, no trato das relações comerciais, nas questões de
fornecimento e entrega de bens, serviços etc. .

O enfoque relativo à saúde, segurança e proteção ambiental


deve levar em conta as operações da organização bem como o ciclo
de vida dos produtos. Neste aspecto, há muito que registrar sobre o
dano ambiental causado pela forma anterior de lavar o minério
extraído, e quais as providências que foram tomadas e estão sendo
realizadas para a forma atual na operação de lavagem da bauxita.

Fatores como a conservação de recursos e a redução de


rejeitos na origem precisam ser consideradas. Como a MRN está
tratando a questão dos resíduos sólidos na retirada da floresta no
momento do descapeamento da cobertura vegetal são fatores que

114[6]
Fundação para o Prêmio Nacional da Qualidade, in Critérios de
Excelência , pág. 10

262
devem ser registrados para aferição dos critérios eleitos nesta
pesquisa.

O planejamento no tocante à saúde pública, segurança e


proteção ambiental deve prever impactos adversos que poderiam
decorrer das instalações, produção, distribuição, transporte, uso e
descarte ou reciclagem final dos produtos.115[7]

A prática da boa cidadania refere-se à liderança e ao apoio –


dentro dos limites razoáveis dos recursos da organização – a
objetivos de interesse social, abrangendo também os aspectos acima
mencionados de responsabilidade pública.116[8]

A pesquisa precisa registrar quais as ações da MRN nesta


área, tanto nos arredores de Porto Trombetas, quanto na sede do
município de Oriximiná, e região de influência como são os
municípios vizinhos.

Neste critério estão objetivos que poderão incluir a melhoria


na educação, assistência médica, excelência na proteção ambiental,
conservação de recursos naturais, serviços comunitários, melhoria
das práticas industriais e organizacionais, intercâmbio de informações
não-confidenciais relacionadas com a qualidade, a promoção da
cultura, do esporte e do lazer e do desenvolvimento nacional, regional
ou setorial.117[9]

115[7]
idem, idem
116[8]
idem, idem
117[9]
idem, idem pág. 11

263
Quais as atividades de cidadanias praticadas pela MRN na
sede do município?

Por essas razões a proposta de pesquisa de fatos e dados


que afiram os critérios de responsabilidade pública e cidadania nas
atividades desenvolvidas pela MRN no município de Oriximiná se
justificam.

MRN – Responsabilidade Pública e Cidadania

1. Responsabilidade perante a sociedade oriximinaense

a. Como a MRN aborda os impactos atuais e potenciais de


seus produtos, processos e instalações?

b. Quais as principais práticas, indicadores, objetivos e


metas para atender e superar requisitos legais,
regulamentares e éticos?

c. Como a MRN minimiza riscos associados à atividade


principal de extração e lavagem de bauxita no meio
ambiente?

d. Como a MRN se antecipa às preocupações públicas,


avalia impactos potenciais sobre a sociedade e o meio
ambiente e aborda essas questões de maneira pró-ativa?

264
2. Exercício da cidadania pela MRN na sociedade oriximinaense

a. Como a MRN exerce sua liderança em questões de


interesse da sociedade oriximinaense?

b. Como a MRN estimula a participação de seus


funcionários em esforços de desenvolvimento local,
regional, nacional e setorial?

3. Os indicadores da MRN na sociedade Oriximinaense

ALUMÍNIO118[10]

A Volta do Ciclo de Alta - Os elementos fundamentais do mercado


global de alumínio melhoraram substancialmente nos últimos cinco
anos. A aceleração do crescimento da demanda em 1994-97 permitiu
a absorção dos fluxos de exportações russas e a expansão de 1,8
milhão de toneladas na capacidade de fundição. A crise asiática,
apesar de ter provocado em 1998 a primeira queda na demanda por
alumínio em 16 anos, interrompeu apenas transitoriamente o ciclo de
alta do metal.

A razão disso é bastante simples: o crescimento econômico,


especialmente na Ásia e nos Estados Unidos, responsáveis por mais
de 60% da demanda mundial por alumínio, foi bem mais forte do que
o esperado no início de 1999.

118[10]
Fonte www.cvrd.com.br

265
Do lado da oferta, houve limitações derivadas de problemas na
produção de alumina, os quais provocaram a quase duplicação de
seus preços spot.

A oferta global de alumínio primário cresceu 3,8% em relação ao ano


anterior, com elevado grau de utilização da capacidade instalada,
93%, o maior desde 1993. Já o consumo se expandiu em 6,2% em
1999, o que se refletiu em ligeira redução de estoques e aumento de
preços. Esses começaram a reagir no segundo trimestre do ano,
registrando alta de 33% quando se compara dezembro de 1999 com
igual mês do ano anterior. Contudo, dada a forte tendência de queda
que prevaleceu até março de 1999, as cotações médias anuais na
London Metals Exchange para contratos de três meses
permaneceram praticamente estáveis, em US$1.389 por tonelada em
1999 contra US$1.379 em 1998, o que mascara o alto grau de
volatilidade predominante no período.

A previsão de continuidade do crescimento econômico global é fator


de otimismo para o desempenho da demanda e dos preços em 2000,
impulsionados principalmente pela expansão do consumo da
indústria automobilística.

A Reestruturação em Progresso - Em julho de 1999 foi assinado


memorando de entendimentos entre a Aluvale, empresa holding dos
negócios de alumínio do grupo CVRD, e a Hydro Aluminium A.S.,
subsidiária da empresa norueguesa Norsk Hydro, prevendo a
participação da Norsk Hydro Aluminium Brasil Investment B.V. na
composição acionária da Alunorte.

Essa participação se concretizou através da aquisição de 25,25% das


ações da Alunorte com direito a voto. Tal transação garante para a
Alunorte a colocação firme de, aproximadamente, 380 mil toneladas

266
anuais de alumina. Ao mesmo tempo, a Hydro manifestou interesse
em participar em projeto de expansão de capacidade da Alunorte de
1,5 milhão de toneladas por ano para 2,3 milhões.

Foi celebrado contrato entre a Aluvale e a Hydro Aluminium, com


duração de dez anos e início previsto para fevereiro de 2000,
contemplando a venda de cerca de 1 milhão de toneladas de
alumínio primário. Tal contrato é passível de securitização,
constituindo-se, portanto, em fonte potencial de recursos para o
financiamento de investimentos da Aluvale.

A venda de ações da Alunorte, produzindo fundos para o


cancelamento de dívida, e a conversão em ações de debêntures de
emissão desta última pela CVRD constituem-se em passos
importantes para a redução de seu endividamento, adequando-o à
capacidade de geração de caixa.

Como resultado da reestruturação realizada após a privatização da


CVRD e do impacto da desvalorização do real, a Albras - Alumínio
Brasileiro S.A., foi considerada pela CRU International Ltd. um dos
três produtores mais eficientes de alumínio primário no mundo.

O Desempenho das Empresas - A Aluvale possui participações


acionárias na Mineração Rio do Norte S.A. - MRN, produtora de
bauxita, Alunorte - Alumina do Norte S. A., produtora de alumina,
Albras e Valesul Alumínio S.A., produtoras de alumínio. A Aluvale
vende, preponderantemente no mercado interno, o alumínio
produzido por encomenda pela Valesul. O take da Aluvale no
alumínio produzido pela Albras foi comercializado no exterior.
Continua dando suporte à comercialização de bauxita da MRN e da
parcela de alumina produzida pela Alunorte destinada ao mercado
externo.

267
A Aluvale apresentou prejuízo de R$240,9 milhões, derivado
principalmente de resultado de equivalência patrimonial negativo em
R$214,6 milhões, em virtude de perdas registradas na Alunorte e
Albras.

A demanda por bauxita cresceu em relação a 1998, tanto no mercado


interno quanto no externo. Assim, em 1999 a produção da MRN
alcançou recorde histórico, com 10.952 mil toneladas, superior em
8,4% ao registrado em 1998. As vendas totalizaram 10.884 mil
toneladas. Desse montante, 6.422 mil toneladas foram destinadas ao
mercado doméstico, numa expansão de 10,3%, e 4.462 mil toneladas
ao mercado internacional, com aumento de 7,7% relativamente ao
ano passado.

O lucro líquido da MRN em 1999 foi de R$89 milhões, com receitas


líquidas de R$380,2 milhões e EBITDA de R$250,5 milhões. O ano
de 1999 marca ainda importante reconhecimento à empresa referente
ao seu desempenho no ano anterior: certificado do International
Primary Aluminium Institute - IPAI, por ter obtido uma das três
melhores performances entre 31 empresas e 151 fábricas de
alumínio no mundo.

Em 1999, a Alunorte produziu 1.527 mil toneladas de alumina, contra


1.430 mil toneladas em 1998. Foram comercializadas 1.494 mil
toneladas, sendo 722 mil toneladas destinadas à exportação.

A Alunorte registrou prejuízo de R$257 milhões, o que é explicado


pelo impacto da desvalorização cambial sobre a dívida em moeda
estrangeira da Companhia. Contudo, a geração de caixa da empresa
melhorou, com EBITDA de R$159 milhões, e houve substancial
queda na relação dívida bruta/EBITDA, de 11,5x em 1998 para 6,4x
em 1999.

268
A Albras produziu em 1999 a quantidade recorde de 357.681
toneladas de alumínio primário. Vendeu 356.013 toneladas, sendo
346.630 toneladas no mercado externo. Suas receitas operacionais
líquidas atingiram R$837,6 milhões, com a geração de EBITDA de
R$331,9 milhões, o que contribuiu para reduzir a relação dívida
bruta/EBITDA de 10,2x em 1998 para 5,1x em 1999. O resultado
líquido do ano foi negativo, com prejuízo de R$102,2 milhões,
fortemente influenciado pelo efeito da desvalorização do real sobre o
endividamento em moeda estrangeira.

A Valesul apresentou lucro líquido de R$12,5 milhões, tendo


alcançado em 1999 produção recorde de metal quente, com 93.074
toneladas.

A Usina Hidrelétrica de Machadinho, com 1.140MW de capacidade


instalada, da qual a Valesul tem direito a 7,28% como integrante da
MAESA - Machadinho Energética S.A., registrou importantes
progressos em sua construção, devendo entrar em operação em
2002. Com a geração de Machadinho, a Valesul tornar-se-á auto-
suficiente em suas necessidades de energia de ponta.

a. Indicadores Ambientais
(não disponíveis pela empresa no site de pesquisa)

b. Indicadores Financeiros

269
Demonstrações Contábeis Acompanhadas do Parecer dos Auditores
Independentes

Mineração Rio do Norte S.A. 31 de Dezembro de 1999 e 1998

PARECER DOS AUDITORES INDEPENDENTES


Ao Conselho de Administração da
Mineração Rio do Norte S.A.:

(1) Examinamos os balanços patrimoniais da MINERAÇÃO RIO DO


NORTE S.A. em 31 de dezembro de 1999 e 1998, e as respectivas
demonstrações do resultado, das mutações do patrimônio líquido e
das origens e aplicações de recursos correspondentes aos exercícios
findos naquelas datas, elaborados sob a responsabilidade de sua
Administração. Nossa responsabilidade é a de expressar uma opinião
sobre essas demonstrações contábeis.

(2) Nossos exames foram conduzidos de acordo com as normas de


auditoria e compreenderam:
(a) o planejamento dos trabalhos, considerando a relevância dos
saldos, o volume das transações e os sistemas contábil e de
controles internos da Sociedade; (b) a constatação, com base em
testes, das evidências e dos registros que suportam os valores e as
informações contábeis divulgados; e (c) a avaliação das práticas e
das estimativas contábeis mais representativas adotadas pela
Administração da Sociedade, bem como da apresentação das
demonstrações contábeis tomadas em conjunto.

(3) As demonstrações contábeis da Alunorte – Alumina do Norte do


Brasil S.A., cujo

270
investimento em 31 de dezembro de 1999 corresponde a 6% do ativo
total (6% em 1998) e a 100% do resultado de equivalência
patrimonial (100% em 1998), foram auditadas por outros auditores
independentes, e nossa opinião, no que se refere aos montantes
incluídos relativos à Alunorte – Alumina do Norte do Brasil S.A.,
baseia-se exclusivamente na opinião desses auditores
independentes.

(4) Em nossa opinião, com base em nossos exames e no parecer dos


outros auditores independentes, conforme indicado no parágrafo (3),
as demonstrações contábeis referidas no parágrafo (1) representam
adequadamente, em todos os aspectos relevantes, a posição
patrimonial e financeira da Mineração Rio do Norte S.A. em 31 de
dezembro de 1999 e 1998, o resultado de suas operações, as
mutações de seu patrimônio líquido e as origens e aplicações de
seus recursos referentes aos exercícios findos naquela datas, de
acordo com as práticas contábeis emanadas da legislação societária.

(5) O parecer dos outros auditores independentes, mencionado no


parágrafo (3), indica que a Alunorte - Alumina do Norte do Brasil S.A.
e seus acionistas estão adotando medidas com o objetivo de permitir
o restabelecimento de seu equilíbrio econômico-financeiro (Nota 4).

Rio de Janeiro, 17 de janeiro de 2000


ARTHUR ANDERSEN S/C - CRC-2-SP-123-S-RJ
Amauri Froment Fernandes
Sócio-Diretor Responsável
Contador - CRC-1-RJ-39.012-1

271
MINERAÇÃO RIO DO NORTE S.A.
NOTAS EXPLICATIVAS ÀS DEMONSTRAÇÕES CONTÁBEIS
EM 31 DE DEZEMBRO DE 1999 E 1998
(Em milhares de reais)

1. CONTEXTO OPERACIONAL

A Sociedade é uma empresa de capital fechado, cujos acionistas são


a Vale do Rio Doce Alumínio S.A. - Aluvale (subsidiária da CVRD),
Alcan Alumínio do Brasil Ltda., Billiton Metais S.A. e outros (Nota 10).
Suas atividades consistem na extração, no beneficiamento e na
venda de minério de bauxita.

As vendas de minério, efetuadas para os próprios acionistas da


Sociedade, ou através deles, e para empresas coligadas, são
regidas, principalmente, por contratos de longo prazo, que
estabelecem condições equivalentes para estes. As quantidades
vendidas para cada empresa são confirmadas anualmente e podem
apresentar pequenas variações. Os preços praticados, em dólares
norte-americanos, são calculados segundo fórmulas específicas. As
contas a receber decorrentes da venda de minério têm prazo de
vencimento de 30 dias.

Os contratos de venda de bauxita, assinados em 1979, com


vencimento para 31 de dezembro de 1999, totalizando 3,35 milhões
de toneladas, foram renovados nas mesmas bases por um novo
período de 20 anos.

272
2. PRINCIPAIS PRÁTICAS CONTÁBEIS

As demonstrações contábeis anexas foram elaboradas de acordo


com as disposições da Lei das Sociedades por Ações, sendo
adotadas as seguintes principais práticas contábeis:

a. As aplicações financeiras são registradas ao custo acrescido


dos rendimentos auferidos até a data do balanço.

b. Os estoques estão avaliados ao menor valor entre o custo


médio de aquisição ou extração e o valor de mercado.

c. O investimento permanente em coligada é avaliado pelo


método da equivalência patrimonial. Os demais
investimentos permanentes são avaliados ao custo de
aquisição, corrigido monetariamente até 31 de dezembro de
1995. As adições a partir de 1º de janeiro de 1996 estão
avaliadas ao custo de aquisição.

d. O imobilizado está demonstrado ao custo de aquisição,


corrigido monetariamente até 31 de dezembro de 1995. As
adições a partir de 1º de janeiro de 1996 estão avaliadas ao
custo de aquisição. A depreciação é calculada pelo método
linear, com base na vida útil-econômica estimada dos bens.
Os custos iniciais de exploração e desenvolvimento de
jazidas minerais foram capitalizados, e a exaustão é
calculada com base na relação entre o volume produzido e a
capacidade estimada das reservas minerais. Os demais
custos de exploração são reconhecidos nos custos de
produção quando incorridos.

273
3. DISPONIBILIDADES

Em 31 de dezembro, o saldo de Disponibilidades era composto como


se segue:

-
Aplicações financeiras-
Fundos de investimento financeiro 33.641
30.695
Certificados de Depósito Bancário 74.407
36.253
-
-
Total das aplicações financeiras 108.048
66.948
--------- ---------
Total das disponibilidades 108.073 66.979
=

A Sociedade efetuou operações de "swap" para troca do indexador


de suas aplicações financeiras em Certificados de Depósito Bancário.
Os lucros/prejuízos das operações decorrem das diferenças de
variação nos indexadores contratados sobre os indexadores
referenciais e estão registrados em Receitas (Despesas) Financeiras,
Líquidas nas demonstrações do resultado.

..............................................

A Alunorte, localizada no município de Barcarena, Estado do Pará,


empreendimento destinado à produção de alumina, cuja matéria-

274
prima básica é o minério de bauxita, iniciou suas operações em 15 de
julho de 1995.

A Alunorte e seus acionistas estão adotando medidas com o objetivo


de permitir o restabelecimento de seu equilíbrio econômico-
financeiro. Em linha com esse objetivo, a Alunorte aumentou seu
capital durante o exercício social findo em 31 de dezembro de 1999,
que foi integralizado, por parte de seus acionistas. Em virtude de a
Mineração Rio do Norte S.A. não ter participado desse aumento de
capital, sua participação acionária na Alunorte foi reduzida de 24,6%
em 1998 para 13,37% em 1999. Apesar disso, o referido aumento de
capital proporcionou um ganho de R$26.012, contabilizado no
resultado do exercício sob a rubrica Despesas Não Operacionais,
Líquidas.

....................................................

Os valores registrados no exigível a longo prazo correspondem a


financiamentos, em dólares norte-americanos, de equipamentos
adquiridos no exterior, junto ao Westdeutsche Landesbank
Girozentrale – WestlB e ao First National Bank of Boston. Os
financiamentos possuem taxas de juros fixas de 5,77%, 6,83% e
7,02% ao ano (Westdeutsche Landesbank Girozentrale – WestlB) e
taxas variáveis Libor acrescidas de 0,125% a 0,15% ao ano (First
National Bank of Boston).

7. PROVISÃO PARA REFLORESTAMENTO

A provisão para reflorestamento é contabilizada com base no cálculo


das áreas a serem reflorestadas. Tais valores estão refletidos no
balanço da Sociedade nas contas Outros Passivos Circulantes, no

275
montante de R$1.466 (R$687 em 1998), e Provisão para
Reflorestamento, no exigível a longo prazo, no montante de R$6.069
(R$3.319 em 1998). Em função das operações de lavra e
beneficiamento, certas áreas demandam cerca de cinco anos para
estar disponíveis para reflorestamento.

8. PENDÊNCIA JUDICIAL

A Sociedade foi autuada devido ao não-recolhimento do PIS e da


Cofins/Finsocial. O não-recolhimento dos tributos baseia-se na
imunidade garantida pelo artigo 155, § 3º, da Constituição Federal às
empresas de mineração.

Entretanto, em 1º de julho de 1999, o Supremo Tribunal Federal –


STF decidiu que as empresas mineradoras estão sujeitas ao PIS e à
Cofins.

Em 1999, a Sociedade constituiu provisão para essa contingência, no


valor de R$48.904. Em decorrência dessa provisão, a Sociedade
constituiu, também, como crédito tributário futuro, o diferimento de
imposto de renda e contribuição social sobre o lucro, no valor de
R$13.086.

276
4. Conclusão

As informações sobre a MRN sempre existiram, porém,


esparsas e desencadeadas de uma linha de raciocínio lógico.
Sem luz, as crendices proliferam a ponto de permitir a
dicotomia nos objetivos da mesma região.

A MRN é e sempre foi parte fundamental no desenvolvimento


da região do Vale do Trombetas, posto que destino dos
produtos e serviços que atrai, não pode ficar alheia a
nenhuma premissa de desenvolvimento regional.

Entretanto, há um fosso separando os lados do rio.


Desinteresse e desmotivação são percebidos em qualquer
conversa com empresários da região, que de pronto
argumentam as dificuldades de comercializar com Porto
Trombetas.

Esse quadro precisa mudar para permitir o diálogo


construtivo. Estabelecer as bases dessa conversa é o desafio
das lideranças políticas e empresariais da região. Uma área
de convergência econômica como é a MRN no Vale do
Trombetas não pode ser desprezada pela mais pobre das
políticas de desenvolvimento que se queira fazer para a
região.

Mãos à obra!

O Coordenador

277
BIBLIOGRAFIA

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Filosofia, 10ª Edição, São Paulo, Ática, 1974

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