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Entrevista Fábio Otuzi Brotto

Revista Educação
Junho 2003

1) Não é uma utopia falar em jogos cooperativos num país que tem o futebol
como paixão nacional?

Poderíamos pensar assim, caso estivéssemos realizando esta conversa


há 12 anos atrás, quando o PROJETO COOPERAÇÃO iniciou a difusão
de Jogos Cooperativos, no Brasil. Naquela época, boa parte das
instituições, grupos e pessoas pensavam que a Competição era o único
modo de vida possível e aceitável para resolver os problemas e realizar
todas as metas desejadas. Hoje, falar em Jogos Cooperativos e
promover a Cooperação como um Estilo de Vida, é bem diferente.
Especialmente, neste país apaixonado pelo Futebol Pentacampeão e
cada dia mais, desafiado a alcançar vitórias reais em campos bem mais
complexos e sensíveis, tais como, no da Justiça Social, Educação
Cidadã e Qualidade de Vida para todos, sem exceção. Em meu ponto
de vista, somente através da prática de Jogos Cooperativos no dia-a-
dia, é que estes “Campeonatos” poderão ser realmente conquistados!

2) O sr. defende que tanto a competição quanto a cooperação são valores


culturais e não características inerentes à espécie humana. Mas vivemos em
um mundo cada vez mais competitivo. Como essas informações podem ser
trabalhadas na escola?

Competição e Cooperação são aspectos presentes em muitas formas de


vida. Nos Seres Humanos podem se manifestar mais ou menos
intensamente dependendo das escolhas que fazemos, individual e
coletivamente, isto é, variam de acordo com a Cultura construída e
sustentada por nossos pensamentos-sentimentos-atitudes-
relacionamentos. Nos Jogos Cooperativos costumamos dizer que
existem muitos Jeitos de Ver-e-Viver a Vida... e são muitos os Jeitos
(in)possíveis. Sendo capazes de reconhecer diferentes alternativas para
Jogar-Viver, podemos escolher aquela que mais nos agrada, não é?
Talvez, precisemos aprender a VER MELHOR para poder VIVER
MELHOR. E esta pode ser uma excelente contribuição a ser dada pela
Escola, uma profunda e larga alfabetização do Olhar o mundo, os
outros e a si mesmo... para re-encontrar o que é Como-Um a todos
Nós!

3) Torcer para o time, xingar a mãe do juiz e usar malícia no jogo não faz
parte do “espetáculo” do esporte?

Sim, faz parte. Como também faz parte do Esporte aprender sobre
como ser mais íntegro e respeitar a integridade uns dos outros; como
aperfeiçoar os fundamentos do Jogo e potencializar os princípios de
uma co-existência pacífica; como lidar com os limites externos e
descobrir algumas ilimitações internas; como valorizar as “pequenas
vitórias” mesmo em meio a “aparentes derrotas”; como reconhecer um
Solidário por trás do uniforme de um pseudo-adversário; e como
celebrar cada gol, cada cesta, cada gesto, cada ponto... como um
presente singular oferecido pela Vida para nosso infinito Jogar...

Sim, tudo isto e muito mais, faz parte do mesmo “espetáculo”. Por isso,
saibamos fazer nossas escolhas sobre qual “espetáculo” desejamos ver
acontecendo nos campos do Esporte e da Vida.

4) Há quanto tempo existe o Projeto Cooperação? Como surgiu a idéia?

O Projeto Cooperação – Comunidade de Serviço, nasceu em Santos-SP, no


ano de 1992 e desde 2002, estamos também em Florianópolis-SC.
Surgimos pelo propósito de reunir pessoas, grupos e organizações para
difundir Jogos Cooperativos e promover a Cooperação para Construir
um Mundo onde Todos podem VenSer... Juntos! Hoje, somos um
grupo de 16 pessoas atuando em quatro grandes Focos: Publicação de
Livros e Boletins – Realização de Oficinas e Cursos – Organização de
Eventos Cooperativos – Pós-graduação e Intercâmbio. Atualmente,
desenvolvemos vários programas em parceria com diversas
instituições, tais como: Associação Palas Athena (São Paulo),
Universidade Holística Internacional (Brasília), Centro de Vivências
Nazaré (Nazaré Paulista), Suryalaya (Salvador), SESC (São Paulo e Rio
de Janeiro), UNESCO (Brasília) e La Peonza (Espanha).

5) Quais são os objetivos dos Jogos Cooperativos?

Claro, o principal objetivo dos Jogos Cooperativos é estimular a


Cooperação em quatro níveis interdependentes: Consigo mesmo, Com
os outros, Com o inteiro-ambiente e Com a Comum-Unidade. Para
alcançar este objetivo maior, procuramos criar ambientes de
Ensinagem Cooperativa suficientemente potentes para promover o
desenvolvimento de algumas das principais Co-Opetências da
Cooperação, tais como: Confiança mútua, Liderança Circular,
Comunicação Colaborativa, Criatividade Compartilhada,
Centramento, Bom humor, Liberdade, Co-responsabiliade e Paz-
Ciência.

6) O sr. atribui aos jogos alguns valores que extrapolam os limites do campo
ou da quadra. Que valores seriam esses?

Por que os Jogos são tão importantes para o desenvolvimento


humano? Porque nossa maneira de Jogar reflete nossa maneira de
Viver. Assim, podemos melhorar nosso Jeito de Viver aperfeiçoando
nosso Jeito de Jogar. Nos Jogos Cooperativos encontramos diferentes
desafios que simulam a necessidade de resolver problemas,
harmonizar conflito e realizar metas e objetivos, nas mais variadas
situações de nossa vida cotidiana. A idéia por trás dos Jogos
Cooperativos é aperfeiçoar o Estilo de Jogar de cada pessoa e do grupo.
Em outras palavras, buscamos despertar virtudes, qualidades, talentos
e valores essenciais para a Vida em sociedade, como por exemplo:
honestidade, desapego, simplicidade, beleza, empatia, força de
vontade, cumplicidade, reciprocidade, amorosidade, respeito e
Cooperação.
Parafraseando a Palas Athena, diria que são “Valores que não tem
preço”... e nem lugar exclusivo!

7) O que é futepar? E a dança das cadeiras cooperativas?

Existem muitos tipos de Jogos Cooperativos: Semi-Cooperativos, Jogos


de Inversão, Jogos de Resultado Coletivo, Jogos Cooperativos de
Tabuleiro, Jogos de Trans-Formação e Jogos Cooperativos
propriamente ditos. É importante saber sobre estas e outras
modalidades quando desejamos oferecer Jogos Cooperativos para
algum grupo, numa determinada situação, pois muito do sucesso ou
fracasso de um programa está na adequação dos Jogos a serem
utilizados. O Futepar é um Jogo Semi-Cooperativo, porque aumenta o
estímulo para Cooperação dentro de cada equipe e diminui a
Competição entre as equipes. Em geral, é praticado como um Jogo de
Futebol normal, sendo que joga-se em duplas e com as mãos dadas. É
bastante desafiador e divertido, incentivando os jogadores(as) a ajustar
os ritmos individuais num jeito de jogar Como-Um. Já a Dança das
Cadeiras Cooperativas é um Jogo Cooperativo propriamente dito... ou
pelo menos, espera-se que sim! Baseado na brincadeira tradicional da
Dança das Cadeiras, onde existe somente um(a) ganhador(a), este Jogo
convida os participantes a terminar o Jogo com TODOS sentados nas
cadeiras que sobrarem. Vai-se retirando cadeiras e todos permanecem
jogando e descobrindo maneiras para sentar e VenSer... Juntos! Vale
lembrar uma coisa: Um Jogo Cooperativo não garante que haverá
Cooperação. Apenas oferece melhores condições para que ela aconteça.
Assim, é recomendável preparar adequadamente cada seção de Jogos
Cooperativos, propondo desafios compatíveis com cada pessoa e
grupo.
8) Dentro desse contexto, jogos de tabuleiro, como os clássicos War, Banco
Imobiliário e Imagem e Ação, são “nocivos”? Nem o xadrez escapa?

Gisela e eu, somos pai-mãe de três crianças: Tiê (11), Ilê (7) e Lyz (2).
Brincamos bastante com eles e tentamos incentiva-los a Jogar
Cooperativamente, em casa. Preferimos os Jogos Cooperativos de
Tabuleiro (Jogo da Terra e o Jogo Lugar Bonito), mas eles gostam
também de outros jogos não propriamente cooperativos. Então,
jogamos com eles o Banco Imobiliário, Imagem e Ação, Xadrez, Roba-
Monte, Vídeo Game (os de luta não!)... e tentamos descobrir juntos, como
Jogar Cooperativamente Jogos Competitivos. Muitas vezes, é mais
importante aprender a lidar com a Competição a partir de uma
Consciência Cooperativa, ao invés de evita-la ou ignora-la. Ah! Já
existe Xadrez Cooperativo, viu?!!!

9) O ensino de educação física muitas vezes é visto como recreação nas escolas.
Por que essa disciplina é tão desvalorizada?

Provavelmente, por desconhecimento das muitas possibilidades e


contribuições que ela pode oferecer para o desenvolvimento do Ser
Humano Integral e para a promoção da Cidadania e Qualidade de
Vida pessoal e coletiva. Vejo a Educação Física (Physis=Vida) como
uma área tão importante como todas as demais presentes na escola e
além dela e procuro vive-la de acordo com sua grandeza. Atualmente,
não é difícil encontrar Professores e Professoras de Educação Física
entre aqueles “prediletos” da moçada na escola e também, ocupando
cargos de direção em diferentes níveis da Educação. Isto é real para
todos aqueles Professores(as) de Educação Física dedicados a realizar
sua vocação para despertar o que há de melhor no coração de cada um
e de todos. Isto é diferente do que fazer despontar os melhores-piores,
vencedores-perdedores, bons-maus... uns-e-tais.
10) A formação que as universidades oferecem tem preparado bons professores
de Educação Física?

Com certeza! Uma boa parte das Universidades e Faculdades dirigidas


a formação e atualização de Professores(as) de Educação Física está
sintonizada com os novos desafios impostos pelo Jogo Planetário.
Diante da diluição das fronteiras internacionais, do encurtamento das
distâncias entre os povos, da mundialização dos problemas e recursos
e da eminente necessidade de reequilíbrio entre as muitas ecologias
existentes no âmbito individual e coletivo; é preciso responder com um
novo conjunto de habilidades e talentos. Não mais a capacidade de
Fazer Mais do que outros para Ganhar Sozinho, mas, sim, a Co-
Opetência de Fazer Melhor COM os outros para VenSer Juntos! Nesse
sentido, muitas re-visões estão sendo processadas na formação e no
campo de atuação da Educação Física. E um dos sinais dessa renovação
é a inclusão dos Jogos Cooperativos como disciplina curricular na
Graduação e a realização de Cursos de Pós-graduação Lato Sensu em
Jogos Cooperativos, como o que realizamos em Santos-SP, em parceria
com a UNIMONTE e em Florianópolis-SC, através de um Convênio de
Cooperação Institucional com o CESUSC.
Bons tempos!

11) Você gosta de futebol? Torce para que time?

Olha, sou do tempo que a gente brincava na rua e construía


“campinhos de futebol” em terreno baldio. Jogávamos com bola de
capotão, devidamente cuidada com camadas de sebo de boi. Não sou
lá um craque, mas naquele tempo o que importava era o prazer de
fazer parte da turma e chegar em casa com a sensação de um dia
vivido intensamente. E tinha mais. Jogava Basquete, Vôlei, Andebol,
corria, saltava, andava de bicicleta, soltava pipa, fazia carrinho de
rolemã, brincava de esconde-esconde e polícia-e-ladrão... tudo na rua.
Desde pequeno, em Rio Claro-SP, pulava o muro do estádio para
torcer pelo Velo Clube; então mudei para Sampa e assumi Ser
Palmeirense; casei, fui para Santos-SP e com os filhos, virei “Peixe”;
agora, estou decidindo Ser Avaí ou Figueirense, mas confesso, aqui em
Floripa-SC, tenho muito menos pressa, porque o que afinal interessa é
que continuemos bem à beça... Juntos!

FAÇA COM-TATO:

Fábio Otuzi Brotto


PROJETO COOPERAÇÃO- Comunidade de Serviço
www.projetocooperacao.com.br
fabiobrotto@projetocooperacao.com.br

(48) 3237.4048

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