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Curitiba
2007
Introdução
“A ideologia se esconde no cálculo de probabilidade. A felicidade não deve chegar para
todos, mas para quem tira a sorte, ou melhor, para quem é designado por uma potência
superior – na maioria das vezes a própria indústria do prazer, que é incessantemente
apresentada como estando em busca dessa pessoa. As personagens descobertas pelos
caçadores de talentos e depois lançadas em grande escala pelos estúdios são tipos ideais
da nova classe média dependente” (ADORNO & HORKHEIMER, 1985, p.135-136)
“Já não há espaço algum para o ‘indivíduo’, cujas exigências – onde ainda eventualmente
existirem – são ilusórias, ou seja, forçadas a se amoldarem aos padrões gerais. A liquidação
do indivíduo constitui o sinal característico da nova época musical em que vivemos”
(ADORNO, 1996, p.170)
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“A obra de arte na era de sua reprodutibilidade técnica”, de Benjamin, é de 1936; “O fetichismo na música e
a regressão da audição”, de Adorno, é de 1938; a “Dialética do Esclarecimento”, de Adorno e Horkheimer, é
de 1950.
Essa nova relação foi inaugurada principalmente pela crescente comunicação de
massa, formadora do gosto e da opinião pública. Os conglomerados comunicacionais são
parte dos bens burgueses e, portanto, estão submetidos e propagam seus interesses.
Com essa ascensão da comunicação de massa e de novas mídias, o que se definia como
arte passou a ser subordinada a interesses mercadológicos.
II
A indústria fonográfica atende aos ideais burgueses uma vez que é criada na
lógica capitalista. Todos os seus produtos são feitos de forma a atingir o maior número de
pessoas possível e, por isso, é utilizada a difusão massiva. Para atingir essas pessoas,
indústria radiofônica e os próprios meios de comunicação de massa vêem a necessidade
de, respectivamente, criar e propagar produtos apelativos – que são de interesse do
público, e não de interesse público. No filme, isso é mostrado pela desimportância do
talento da personagem Linda Moon (Christina Milian), em detrimento de sua performance.
Isso se evidencia na fala do personagem Nick Carr (Harvey Keitel): “Acho que essas
garotas vão arrasar (...). Estou dizendo, essa Linda Moon, isso é que é rebolado! (...) Não
interessa se ela sabe cantar”. Marcuse explica: “a utilização de seus corpos e de sua
inteligência com a finalidade de lucro era considerada, por sua vez, uma afirmação natural
da liberdade. (...) A coisificação do corpo como instrumento de fruição se converteria em
depravação, ‘prostituição’” (MARCUSE, 1997, p.114-115).
Essa necessidade de atingir as massas se deve ao atrelamento à lógica da
produção capitalista, que tem como princípio (e fim) o lucro.
“É por isso que ela [a cultura] se funde com a publicidade. Quanto mais destituída de sentido
esta parece ser no regime do monopólio, mais todo-poderosa ela se torna. Os motivos são
marcadamente econômicos. (...) A publicidade é seu elixir da vida. Mas como seu produto
reduz incessantemente o prazer que promete como mercadoria a uma simples promessa,
ele acaba por coincidir com a publicidade de que precisa, por ser intragável. Na sociedade
concorrencial a publicidade tinha por função orientar o comprador pelo mercado, ela
facilitava a escolha e possibilitava ao fornecedor desconhecido e mais produtivo colocar sua
mercadoria. (...) Hoje, quando o mercado livre vai acabando, os donos do sistema se
entrincheiram nela. Ela consolida os grilhões que encadeiam os consumidores às grandes
corporações” (ADORNO & HORKHEIMER, 1985, p.134)
O que Benjamin propõe como valor de exposição também foi exposto no filme.
Para ele, o valor de culto é a distância (física e temporal) entre o público e o artista, pois
somente a obra em si possui o aqui e o agora e, portanto, o que ele denomina aura. Já o
valor de exposição é criado na época da reprodutibilidade técnica, com o amplo acesso à
obra de arte, que é produzida e disponibilizada em larga escala, seguindo as lógicas do
sistema capitalista. O valor de exposição é exaltado quando a artista Linda ganha o status
de estrela ao ser vista por uma multidão em uma apresentação com a banda Aerosmith. O
talento e as suas músicas não têm valor, na sociedade moderna, sem que possam ser
exibidas e vendidas à grande massa.
Nessa esfera de produção radiofônica, não apenas os consumidores são
enganados pela indústria cultural, mas também os próprios artistas e os produtores, sob a
falsa promessa de se tornarem estrelas:
“É inútil perguntar pela capacidade de exposição puramente musical. Nem sequer se espera
que o cantor domine mecanicamente os recursos técnicos. Requer-se tão somente que a
sua voz seja particularmente potente ou aguda para legitimar o renome de seu dono”
(ADORNO, 1996, p.171)
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"O esquematismo do procedimento mostra-se no fato de que os produtos mecanicamente diferenciados
acabam por se revelar sempre como a mesma coisa. (...) As vantagens e desvantagens que os conhecedores
discutem servem apenas para perpetuar a ilusão da concorrência e da possibilidade de escolha" (ADORNO &
HORKHEIMER, 1985, p.102)
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Como se a rotina produtiva do cinema fosse muito diferente da que ele descreve para a indústria fonográfica
e não seguissem todos as mesmas exigências mercadológicas do sistema capitalista
com a Linda. Quando a contratei, os grupos femininos estavam em baixa. Era época do
cantor compositor. Mas agora o mercado está saturado”, diz Nick Carr para Chili.
É assim a indústria cultural: os artistas são descartáveis e substituíveis também
porque o que uma hora é moda, na outra já não é mais. O mercado se satura com uma
facilidade tremenda. "Não somente os tipos das canções de sucesso, os astros, as
novelas ressurgem ciclicamente como invariantes fixos, mas o conteúdo específico do
espetáculo é ele próprio derivado deles e só varia na aparência. Os detalhes tornam-se
fungíveis" (ADORNO & HORKHEIMER, 1985, p.103). Eles ainda dizem:
"A difusão das popular songs ocorre de um só golpe. A expressão norte-americana “fad”,
usada para se referir a modas que surgem como epidemias (isto é, que são lançadas por
potências econômicas altamente concentradas), já designava o fenômeno muito tempo
antes que os chefes totalitários da publicidade impusessem as linhas gerais da cultura"
(ADORNO & HORKHEIMER, 1985, p.137)
Conclusão
DEVITO, D.; NICKSAY, D.; SHAMBERG, M.; SHER, S.; GRAY, G. F. Be cool: o outro
nome do jogo. Produção de Danny DeVito, David Nicksay, Michael Shamberg e Stacey
Sher, direção de F. Gary Grey. Los Angeles, Metro-Goldwyn-Mayer (MGM), 2005. 1 DVD,
118 min. color. son.
SILVA, M. S. Filosofia, ética e catástrofe: Theodor Adorno. Revista Cult, São Paulo,
ano VI, número 72, p.41-50, setembro 2003.
UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARANÁ
SETOR DE CIÊNCIAS HUMANAS, LETRAS E ARTES
DEPARTAMENTO DE CIÊNCIAS SOCIAIS