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Sempre ouço falar do fim do mundo, e sei que a cada dia que passa ele
inexoravelmente se aproxima, nunca levei isso muito a sério, Adoraria assistir ao fim do
mundo na primeira fila, com vista para o mar e água de coco bem gelada.
Outro dia fiz a mesma brincadeira com meus filhos durante o almoço, e cada um
deles à sua maneira teve uma reação, nada que não fosse de se esperar de crianças, eu
porém, comecei a tecer várias considerações. Decidi encarar como um evento que se
aproxima. Por que não enfrentar com naturalidade o inevitável?
A cada desgraça que acontece, ou a cada nova moda inventada, ou barbaridade praticada,
todos são categóricos ao afirmar, “ISSO É O FIM DO MUNDO”, talvez seja mesmo, mas é
quase certo que ainda não, mesmo assim ainda quero aquele meu lugar na primeira fila com
vista para o mar e com a água de coco bem gelada.
Guerras, destruição, exploração. Provas de nossa incapacidade de viver em
harmonia com o nosso planeta.
Talvez fosse a última e mais mórbida diversão a ser apresentada para a humanidade, acho
que até mereceríamos todos ingressos vip para assistirmos a derrocada final do homem, e o
triunfo das baratas.
Neste dia do juízo final, em que inspiraríamos nossos últimos litros de ar pútrido, teríamos
todos a certeza que não mais viveríamos para contar nossa história, ou para dar aquela
trepada com quem tanto sonhamos, ou ainda comprar qualquer coisa, ou mesmo roubar o
que por tanto tempo desejamos, não poderíamos perder tempo buscando nossos inimigos
para mata-los, talvez já estivessem mortos.
Neste último e fatídico dia da humanidade sobre a terra de nada adiantaria pedir perdão, ou
perdoar, ser bondoso, ou perverso, Deus talvez nem estivesse prestando atenção no que
estaria ocorrendo, talvez estivesse ocupado com coisas muito mais interessantes, talvez
nunca tivesse estado em qualquer lugar.
O que eu poderia fazer nesse dia, se realmente estivesse presente?
O que eu poderia fazer no fatídico dia? Ir à praia, dar uma trepada, reunir-me com a
família? Não sei se faria algo especial, neste dia em que finalmente todos nós haveríamos
de inspirar nossos últimos litros de poluição, deixando todo o planeta à mercê das baratas, e
de toda sorte de insetos, e vermes.
Uma só coisa me preocupava nessa minha viagem a este dia caso ele fosse realmente
acontecer tão brevemente, isto não seria fácil de ser explicado às crianças caso ainda
estivessem comigo à mesa, mas também não seria necessário, mesmo porque nós não
teríamos mais um minuto de vida sequer, eu seria poupado pela impiedosa intervenção do
destino comum a todos, acho que seria inútil explicar o que não precisaria mais de qualquer
explicação, a realidade seria mais forte que minhas palavras, ela sempre é.
Gostaria, no entanto de saber com seria o mundo das baratas e vermes que fatalmente
tomariam conta de toda a terra, vida haveria, e quem sabe inteligência também, não sei se
seria capaz de compreender sua nova ordem, sua lógica extremamente peculiar.
Imagino ainda que restaria muito lixo sobre a terra, muita sucata a se degradar com o
tempo, máquinas que ainda estariam inteiras e aptas a funcionar se houvesse energia e
alguém para comandar.
Imagino como seria o fim do legado humano. Um mundo entregue aos vermes.
Museus com obras de arte, sem olhos para contemplá-las; música para não ser mais ouvida;
poesia não declamada. Vozes em gravações, imagens que um dia foram importantes para
alguém, palavras escritas sem mais nenhum significado.