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A Época das Ordenações
As Ordenações do Reino Português
Página original do preambulo das ordenações afonsinas
Capa Original das Ordenações Manuelinas Capa das Ordenações Filipinas
Historia do Direito – Universidade Lusófona de Cabo Verde – Época das Ordenações – Carlos Ferreira Santos – Patrícia Estêvão
Epigrafe
*extracto do Preambulo do Livro I das Ordenações Afonsinas
Historia do Direito – Universidade Lusófona de Cabo Verde – Época das Ordenações – Carlos Ferreira Santos – Patrícia Estêvão
Resumo
Este trabalho tem como objectivo fundamental fazer uma primeira abordagem “As Ordenações do
Reino”, ou seja a Época das Ordenações, mostrando o enorme interesse que esta Época teve para a
solidificação do Estado Português e do Direito Moderno.
Enquadra‐se ainda o trabalho numa série de abordagens temáticas sobre a Historia do Direito Português,
na Disciplina de Historia do Direito, no 1ª Ano do Curso de Direito na Universidade Lusófona de Cabo
Verde.
Tenta também o trabalho lançar as bases para um posterior estudo mais aprofundado da Historia do
Direito Português, mostrando a forma em que as Ordenações Afonsinas contribuem para a criação
efectiva do Estado Português e a sua cabal separação do Reino de Leão, e ainda para a criação de um
Direito Nacional Português e a forma em que, já com as Ordenações Afonsinas ou Código Afonsino,
lançam‐se as bases para a criação do primeiro Estado Moderno a nível Mundial, mostrando que
contrariamente ao defendido por vários juristas internacionais, poderão as Ordenações Portuguesas
terem sido o primeiro Código Jurídico Moderno Completo.
Mais ainda, irá mostrar o trabalho, que terão sido as Ordenações, as bases dos actuais Códigos Civis
vigentes em Portugal e no Brasil e, por uma abordagem feita a algumas particularidades dessa Época,
mostrar‐se‐á a modernidade do pensamento jurídico da Época, no que concerne ao tratamento das
lacunas da lei, do direito subsidiário e da interpretação da lei em si, assuntos ainda hoje actuais,
principalmente no que respeita ao ensinamento do Direito.
Para conseguir estes objectivos, limitou‐se em primeiro lugar a Bibliografia, para evitar um campo
demasiado vasto de pesquisa, tendo ficado a concentração nos tradicionais autores Portugueses, no
entanto com consultas e reflexões aos textos originais de Alexandre Herculano, Cândido Mendes de
Almeida (reprodução do frontispício original de 1870) e ainda José Isidoro Martins, estes últimos Juristas
Brasileiros de referência, muito estudiosos e entendidos na matéria da Historia do Direito Português.
Key Words/Palavras Chaves: Época das Ordenações, Ordenações do Reino, Códigos Afonsinos,
Manuelinos, Filipinos, Leis Extravagantes,.
Historia do Direito – Universidade Lusófona de Cabo Verde – Época das Ordenações – Carlos Ferreira Santos – Patrícia Estêvão
1 – Introdução e Enquadramento Histórico da Época das Ordenações
É comum a afirmação que a História e o Direito andam de mãos dadas. De facto, o Direito prende‐se ao
homem pela sua evolução histórica e o acompanha. Assim, para um entendimento correcto da Época das
Ordenações, torna‐se necessário um acompanhamento da evolução Histórica de Portugal enquanto
Estado Independente, sendo que no entanto, no presente trabalho tentar‐se‐á concentrar os esforços na
evolução histórica do Direito em si. Comum a vários autores, é a periodização do processo evolutivo do
Direito Português da seguinte forma:
‐ Desconsiderando por agora os antecedentes de Portugal, identificam‐se três ciclos básicos, com
significado muito diversos e distintos, são eles;
a) o período da Individualização do Direito Português, que decorre desde a fundação da Nacionalidade, a
partir do momento em que D. Afonso Henriques se intitula Rei, até os começos do Governo de Afonso III
(1140 – 1248).
b) O período de Direito Português de Inspiração Romano‐Canónica, que abrange todo o período de
meados do Sec. XIII até o Sec. XVIII, período onde o chamado Direito Comum (Ius comune) nasce e
consolida‐se, é o nascimento do Direito Português em si.
Para o presente trabalho, obvio que o período que verdadeiramente importa é o período de Inspiração
Romano‐Canónica, que subdivide‐se em dois importantes sub‐periodos, nomeadamente a época da
recepção do direito romano renascido e do direito canónico renovado e a época das Ordenações. É
precisamente este último sub‐periodo o de real interesse para o desenvolvimento deste tema.
2 – As ordenações do Reino.
É frequente na Historia dos Povos a tentativa de consolidação de poderes instituídos, que possibilitam a
melhor distribuição da justiça. Principalmente, é frequente esta tentativa de compilar legislações após
longos períodos de produção espontânea. É por exemplo assim, que se explicam o aparecimento dos
Códigos históricos como o Corpus Iuris Civilis, a Lei das XII Tábuas, o Código Visigótico (Fuero Juzgo), o
Código de Eurico e muitos outros.
Portugal sentiu de modo especial a necessidade de uma ordenação legislativa no início do século XV, em
consequência de seu amadurecimento histórico. É que na verdade, nos primeiros anos de formação do
Estado Português (1140‐1248), existe uma característica falta de Estado estruturado. A Sociedade que
surge logo após o desmembramento do Reino de Leão, não é mais que uma Sociedade Militar, em
campanha permanente para a reconquista e consolidação territorial do seu Estado. Assim sendo, é
compreensível que uma organização administrativa e produção legislativa não sejam as principais tarefas
do Rei. Para além disso e segundo defendem alguns autores, esta época poderá ter sido também
influenciada por uma mentalidade Germânica (Código Visigótico ainda vigente em toda península), que
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defendia o Rei‐Juiz e não o Rei‐Legislador, portanto o Rei deve observar o direito criado e não cria‐lo.
Domina assim esta época o direito consuetudinário e progressivamente o direito foral (também
designado foro municipal) nas terras reconquistadas, faltando‐lhe no entanto o carácter de generalidade
que, normalmente, é atributo da lei.
Após a conquista do Algarve (1249), logo no início do reinado de D. Afonso III (1248‐1279), Portugal
alcança sua definitiva extensão territorial. Encerrada a Reconquista inicia‐se o período de consolidação
(1248‐1495) caracterizado pela progressiva organização política do Estado Português e pela concentração
do poder nas mãos do rei. No campo jurídico este período se caracteriza pela influência crescente do
direito comum, recebido num primeiro momento através da legislação castelhana das Siete Partidas, e
que ganha força mais tarde com os estudos realizados na recém‐fundada Universidade de Coimbra (Em
1289 D. Diniz fundou o 1º Estudo Geral em Lisboa, transferido em 1308 para Coimbra. Trazido de volta
para Lisboa em 1338, ao tempo de D. Afonso IV, fixou‐se definitivamente em Coimbra, já como
universidade, no ano 1354).
O Direito Romano, com seu carácter absolutista e centralizador, serve muito bem aos propósitos de
centralização política dos monarcas e ao desprendimento da Igreja, e por isso é privilegiado pela coroa
portuguesa em detrimento dos direitos locais.
As Leis Gerais, que vinham sendo promulgadas pelo Monarcas, multiplicam‐se neste período. Por outro
lado, nas Cortes Gerais, cada vez mais frequentes, promulgavam‐se muitas respostas e decisões dos reis
sobre questões a eles apresentadas pelo povo. Essas respostas, embora não tivessem forma de lei como
passou a acontecer mais tarde, tinham força coercitiva.
Por outro lado, inúmeras disposições dos antigos Forais tinham sido reformadas, diversos costumes
mudados, muitas das primeiras Leis e Capítulos de Cortes alterados ou revogados por decisões
posteriores. Chamado com frequência a desempenhar o papel de árbitro nos inevitáveis conflitos de
regras, o rei intensificou sua produção legislativa, ora a favor do costume local, ora, mas cada vez mais
frequentemente, na defesa da norma romano‐canônica.
A multiplicidade de normas jurídicas (representada pelos foros e cartas de foral, pelas disposições do
direito romano e canónico, pelos capítulos de Cortes, leis régias, etc.), e as contradições originadas dessa
multiplicidade (dificultando sobremaneira a administração da Justiça), foram a causa imediata das
Ordenações portuguesas.
Surgem, assim, as Ordenações do Reino de Portugal que representam, considerando a Europa do século
XV, esforço pioneiro de sistematização do que podemos propriamente chamar um direito nacional, fato
este que ajuda a caracterizar Portugal como um dos primeiros Estados da época moderna.
2.1 – Ordenações Afonsinas
Foi no tempo de D. João I (1385‐1423) que se iniciaram os trabalhos de compilação das
Ordenações afonsinas. O Encargo foi dado a João Mendes, Corregedor da Corte, que continuou os
trabalhos mesmo após morte do Monarca, a pedido do seu sucessor, o D. Duarte (1423‐1238). No
entanto vem ele próprio a falecer pouco tempo depois, tendo sido substituído por Ruy Fernandes,
membro do Conselho do Rei. É precisamente nesta época que aparece uma primeira colecção de
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leis, conhecida por Ordenações de D.Duarte, que juntamente com o Livro das Leis e Posturas, diz‐
se ter servido de base para a preparação das Ordenações em questão.
Estas ordenações tiveram um longo período de preparação e só terão sido concluídas em 1446, já
na menoridade de D. Afonso V, dai a designação de Afonsinas. Submetidas a breve revisão, que
reformou o texto em algumas partes, aprovou‐se a compilação por mandato régio, expresso no
mesmo Prémio.
Há discordância entre os historiadores sobre a forma de vigência das Ordenações, pelo que
Henrique da Gama Barros, Grande Historiador (autor do Historia da Administração Publica de
Portugal 1922 – Coimbra) e Governador Civil de Lisboa e Presidente do Tribunal de Contas,
esclarece:
"os juízes utilizariam as Ordenações não como uma lei, mas como uma compilação de leis de
vários reinados, aplicadas na forma recolhida pelos compiladores. A compilação era um registo
prático e autêntico dos diplomas vigentes, como a própria forma que lhe foi dada inculca.”
O segundo livro contempla a matéria relativa à Igreja, sobretudo quanto à jurisdição, pessoas e
bens dos eclesiásticos. Trata, igualmente, dos direitos régios, do estatuto dos fidalgos, da
jurisdição dos donatários e do estatuto dos judeus e mouros.
O terceiro Livro cuida da ordem judiciária, da regulamentação dos termos do processo, dos
recursos, das seguranças reais.
O livro quarto regula o Direito Civil em sentido amplo, por exemplo contém determinações sobre
contratos, sucessões, tutelas, etc.
O último, portanto o Quinto livro enumera os crimes e as penas, incluindo investigação dos
crimes, prisão de delinquentes ou acusados, emprego da tortura nos processos, etc., portanto o
Direito Penal.
Quanto ao conteúdo, as Ordenações recolhem abundantes leis régias, geralmente reproduzidas
na íntegra, mencionando o monarca que as promulgou, a data e o local da sua publicação. São,
também, numerosas as respostas régias a artigos ou capítulos das Cortes. Nesses casos inclui‐se
breve notícia a respeito das circunstâncias em que se deram. A compilação mantém, ainda,
normas consuetudinárias que passam a valer como lei. Aparecem, finalmente, regras do direito
romano, interpretadas pelos glosadores e adaptadas pelos compiladores, e textos do direito
castelhano, notadamente das Sete Partidas.
Embora a maior parte das leis compiladas sejam transcritas na íntegra, em forma narrativa,
algumas, principalmente em quase todo o Livro I, tiveram seu texto reescrito, muitas vezes de
forma resumida, no estilo legislatório ou decretório, ou seja, com forma imperativa, exprimindo a
vontade do Rei. Ou seja, pretendia‐se que o Rei legislasse “Ex‐Novo”. As diferenças na forma da
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redacção do Primeiro Livro, podem ser consequência da autoria de João Mendes, enquanto que
os restantes Livros foram sistematizados por Ruy Fernandes.
Na época de promulgação das ordenações Afonsinas e visto que a imprensa tinha sido descoberta
havia apenas poucos anos (1438 por Gutenberg), o texto não foi impresso. Acredita‐se que o
manuscrito original tivesse ficado na Chancelaria do rei D. Afonso V extraindo‐se dele cópias para
a Casa de Suplicação, que andava com a Corte, para a Casa do Cível, de Lisboa e para alguns
concelhos ricos que tivessem condições de custear cópias completas, como os do Porto e
Santarém, ou mosteiros poderosos como o de Alcobaça. De facto, as Ordenações Afonsinas só
vieram a ser verdadeiramente imprensas em Coimbra no ano de 1792.
2.2 – Ordenações Manuelinas (Código Manuelino)
Infelizmente as Ordenações Afonsinas, pelas limitações técnicas da época, não foram
amplamente difundidas e tiveram vida curta. É assim que D. Manuel (1495 – 1521), ensaia uma
nova publicação da Ordenações, sendo que terá tido a necessidade de fazer uma revisão às
Ordenações, antes de mandar imprimi‐la (a imprensa terá no entanto sido introduzida em 1487
em Portugal). Esta revisão foi aproveitada para se introduzir a vasta lei extravagante que no
entanto teria sido promulgada pelo seu antecessor D. João II e ainda por ele mesmo.
Dr. Rui Boto, Chanceler‐Mor da Casa da Suplicação foi encarregado de tal revisão em 17 de
Dezembro de 1512 é publicado o Livro I das novas Ordenações, intituladas de Ordenações
Manuelinas. Dois anos mais tarde os restantes Livros são publicados. Pretendia‐se com esta nova
compilação acabar com certos debates dos julgadores, decorrentes de algumas contradições,
defeitos e regras desnecessárias que ainda vigoravam na legislação anterior.
No entanto, o furor legislativo da época continuava em alta e imediatamente e enquanto as
Ordenações Afonsinas eram revistas, importante legislação extravagante foi publicada e D.
Manuel decidiu em 1521 publicar uma ultima edição revisada das novas Ordenações, esta
chamada já definitiva. Temendo que a proximidade da edição anterior pudesse provocar
confusões, D. Manuel, por carta de 15 de março de 1521, determinou que fossem destruídos, no
prazo de três meses, todos os exemplares da edição de 1514, sob pena de punir os
transgressores. Igualmente a mesma carta obrigou todos os Concelhos que no prazo de três
meses adquirissem essas novas Ordenações, garantindo assim uma ampla difusão dos mesmos.
Quanto a sistematização e conteúdo, Cândido Mendes Almeida explica que o Sistema das novas
Ordenações é idêntico ao das Afonsinas. A matéria encontra‐se dividida em cinco livros,
subdivididos em títulos e parágrafos, seguindo os moldes anteriores. Quanto ao conteúdo,
desaparecem tanto a legislação relativa aos judeus em consequência de sua expulsão do Reino
em 1496, quanto as normas relativas à fazenda real, que passaram a formar as autónomas
Ordenações da Fazenda.
No entanto e aqui todos os Historiadores são unânimes, a maior mudança nestas novas
ordenações terão sido a forma ou o estilo da redacção. Ao contrário das Afonsinas (excluindo o
Livro I, como já visto), as Ordenações Manuelinas não são mera compilação de leis anteriores,
transcritas na sua maior parte no teor original e indicando o monarca que as promulgara. Em
geral, todas as leis são reescritas, em estilo decretório, como se de leis novas se tratasse, embora
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não passando muitas vezes de nova forma dada a leis já vigentes. Fazendo esse esforço de
abstracção das coordenadas espácio‐temporais, e dando à redacção cunho mais hipotético e
abstracto, as Ordenações Manuelinas são consideradas por alguns como precursoras das
modernas codificações.
2.3 – Código Sebastónico, ou a Colecção das Leis Extravagantes de Duarte Nunes de Lião)
Neste Século, estava‐se já acostumado a necessidade de legislar, visto a dinâmica dos
acontecimentos. É assim que cada vez mais, legislação extravagante é publicada e entra em vigor
em paralelo as Ordenações. Assim sendo, muito rapidamente era sentido a necessidade de mais
compilações da lei, tentando a sua uniformidade, bem como modernização. Durante a
menoridade de D. Sebastião, tendo em vista a confusão provocada pela abundância de novas leis
e as numerosas determinações da Casa de Suplicação, que tinham valor de interpretação
autêntica, encarregou‐se o licenciado Duarte Nunes do Leão, procurador da Casa de Suplicação,
de juntar toda a legislação extravagante e as determinações em uso, resumindo‐lhes o conteúdo.
Duarte Nunes compilou as leis que se encontravam nas Casas de Suplicação e do Cível, na
Chancelaria‐mor, os regulamentos e capítulos das Cortes, fazendo‐lhes a síntese, como lhe tinha
sido determinado. A obra, adquiriu o carácter de compilação oficial em virtude do alvará de 14 de
Fevereiro de 1569 que a aprovou, conferindo‐lhe, assim, o valor de fonte de direito. A colectânea
se compõe de seis partes que disciplinam sucessivamente os ofícios e os oficiais régios, as
jurisdições e os privilégios, as causas, os delitos, a fazenda real e, na última, outras matérias.
Cada uma das partes compreende vários títulos, cujos preceitos são chamados leis, embora
extraídos de fontes de natureza diferente. As leis mais extensas encontram‐se divididas em
parágrafos.
Contudo, nem mesmo a publicação da Colecção de Leis Extravagantes de Duarte Nunes do Leão
(designado por muitos autores de Código Sebastónico) conseguiu evitar que nascesse, aos
poucos, o desejo de realizar nova compilação à medida que se aproximava o fim do século.
2.4 – Ordenações Filipinas (Código Afonsino)
Por determinação de Felipe II da Espanha (Felipe I de Portugal, visto ser a época onde Felipe é Rei
de Portugal), foi confiada a tarefa de nova compilação de leis aos Doutores Jorge de Cabedo,
Afonso Vaz Tenreiro e o próprio Duarte Nunes de Leão. Esta nova compilação terá sido terminada
em 1595, mas só terão entrado em vigor em 1603, já no reinado de Felipe III de Espanha (Felipe II
de Portugal), por uma lei promulgada a 11 de Janeiro, a qual dava o nome de Ordenações Filipinas
a esse novo código.
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actualização das Ordenações Manuelinas. No entanto, veremos mais a frente, que outros factores
poderão ter concorrido para a elaboração destas novas compilações.
A nova compilação acompanha o sistema das anteriores, dividindo a matéria também em cinco
livros. Também o esquema geral relativo ao direito subsidiário é mantido, mudando tão‐somente
sua ubicação. Poderá parecer insignificante este aspecto, porém, tem enorme importância. Nas
compilações anteriores, o tema era tratado no Livro II, traduzindo de alguma forma o conflito de
jurisdições entre o poder temporal ‐ simbolizado pelo direito romano ‐ e o poder religioso ‐
simbolizado pelo direito canónico. Ao transferi‐lo para o Livro III, consagrado ao Processo Civil,
passa ele a ser encarado como mera questão processual, de determinação de critérios para o
julgamento das causas pendentes em juízo, superando substancialmente a ideia inicial do conflito
de jurisdições. Esta, como será visto mais adiante, poderá ter constituído a razão principal da
nova Codificação Filipina.
A Revolução de 1640 não suspendeu a vigência das Ordenações Filipinas. Nesse mesmo ano D.
João IV confirma todas as leis promulgadas pela dinastia castelhana em geral, e em 1643,
especialmente, as Ordenações Filipinas, em tudo quanto não tivesse sido mudado por suas
próprias leis.
Desde então várias foram as reformas que existiram no sistema jurídico, mas no entanto as
Ordenações Afonsinas vigoram em Portugal até a promulgação do Código Civil em 1867 e no
Brasil ainda mais longo, portanto até 1917. As ordenações Afonsinas são sem margem para
dúvida o monumento legislativo com maior vigência em Portugal e no Brasil.
2.5 – Demais Legislação Extravagante
Em princípio, as Ordenações Afonsinas deveriam ter revogado os demais diplomas vigentes na
época, o que não aconteceu, tendo muito continuado a abusivamente utilizar esses diplomas.
Para além destes e como já visto, a necessidade de legislar trazia sempre novas leis. Essas todas
classificadas de Extravagantes, visto legislarem “por fora” das ordenações. É importante salientar
que nesta época, qualquer vontade soberana do Monarca em produzir efeito jurídico era lei,
portanto refere‐se a lei no seu sentido amplo. Esta legislação extravagante direccionava‐se
maioritariamente à manutenção da ordem pública, a administração da justiça e a cobrança de
impostos, portanto aspectos dinâmicos da vida da sociedade, em constante evolução.
Essa extravagancia essa produzida quase que exclusivamente pelo monarca, na forma de cartas
de lei e alvarás. Existiram ainda um grande número de outros dispositivos jurídicos de menor
importância, no entanto cada um deles muito específico em relação a matéria que queria legislar.
Era por exemplo os decretos, as cartas régias, as resoluções, as provisões, portarias e artigos.
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3 – A importância Geral das Ordenações e as reais causas que levarão o seu aparecimento. (algumas
opiniões também contrarias aos juristas portugueses).
O que se acabou de expor é tão‐somente as razões e causas consideradas oficias e de opinião comum do
aparecimento das Ordenações do Reino de Portugal. No entanto, conforme mostra a própria historia e
diferentes juristas e historiadores, haverá uma série de diferentes razões que concorreram para que as
ordenações tomassem o rumo que tomaram.
Assim, para o aparecimento das ordenações Afonsinas, não terá sido apenas a necessidade solicitada
pelas cortes de uma melhor sistematização do Direito para melhor aplicação da justiça, a razão
fundamental que terá levado D. João I a solicitar a dita compilação. Na verdade, o aparecimento das
primeiras Ordenações terá sido um grito patriótico de necessidade de afirmação e desprendimento
jurídico do reino de leão. Era a necessidade de ter um Direito próprio, que permitisse a consolidação
jurídica do Estado Português. Era também a oportunidade de consolidar a luta contra o poder da Igreja,
iniciado com a recepção do Direito Centralista Justinianeu. Assim também, pode‐se perfeitamente
discordar que a sistematização das Ordenações tenham seguido o mesmo formato das Decretais de
Gregorio IX. Porque não pensar que tanto Gregorio IX como os autores das Ordenações tiveram as
mesmas influências das Escolas de Paris e Bolonha? Aliás Gregorio IX, jurista de formação nessas mesmas
escolas, é também fundador da Santa Inquisição, inicialmente chamado tribunal da inquisição, que mais
não tenta do que atribuir conceitos jurídicos modernos a questão eclesiástica, com a perseguição do
pecado e das heresias através de métodos jurídico‐civis.
Em relação as Ordenações Manuelinas, as razões que normalmente se apontam para a sua criação,
portanto a necessidade de abranger legislação extravagante é de longe insuficiente, visto ser necessário
considerar uma forte vontade do Monarca, que ao contrario de D. João I, não é a corte que lhe solicita ou
exige a nova compilação, mas é ele mesmo que decide. De facto e segundo um ponto de vista diferente
dos juristas portugueses, D. Manuel, ofuscado pela prosperante Época das Descobertas, resolve deixar
uma eterna marca enquanto Monarca, solicitando tal compilação, tão pouco tempo depois do
aparecimento das Ordenações Afonsinas.
No entanto, é em relação às Ordenações Filipinas que a História comum mais peca, principalmente a
opinião de vários historiadores e juristas portugueses, ao decidirem que seria apenas a vontade do
Monarca Espanhol em agradar os súbitos portugueses, que teria sido a motivação e desígnio único das
Ordenações Filipinas, portanto uma simples actualização das Ordenações Manuelinas. A leitura dos mais
variados extractos da história nesse período, mostra uma clara aversão a esse Monarca estrangeiro e um
exagero na crítica técnica a essas Ordenações (chamadas de filipismos). Na verdade, estas observações
constituem autênticos insultos aos Monarcas Felipe II e III que seguiram um “nissus informativus” muito
mais profundo e crucial para o futuro desenvolvimento do reino de Portugal. Ora, o verdadeiro motivo
que levou Felipe II a mandar actualizar as Ordenações Manuelinas para legislar Ex‐Novo foi a tentativa de
anulação das implicações dos decretos emanados pelo Concilio de Trento, estes completamente aceites e
proclamados no Reino por D. Sebastião. Este Concilio, um dos mais importantes da Igreja católica, mais
não foi do que um Concilio Anti‐Reforma que retrocedeu a mentalidade da Igreja para o inicio da Idade
Média. Assim, a promulgação dos decretos desse Concilio praticamente anulam vários séculos de
concordatas, atirando o Estado Português para a situação em que se encontrava D. Afonso II, portanto o
Direito Canónico realçou‐se tanto, considerando a legislação civil sem nenhum vigor, sem declaração
autentica. Felizmente Portugal foi salvo da Igreja pelo Monarca Espanhol Felipe II ao publicar as
Ordenações Filipinas que repunha a ordem jurídica anteriormente existente.
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4 – Interpretação das Leis na Época das Ordenações
A questão da interpretação da lei, ainda hoje actual, foi legislado por uma lei extravagante durante a
vigência do Código Manuelino, tendo sido conservado nas Ordenações Afonsinas.
Assim, havendo dúvidas de interpretação da lei, a questão era levado a Casa da Suplicação. Ali, o regedor
do tribunal convocava uma assembleia de desembargadores e estes fixavam uma interpretação que
consideravam a mais exacta. Subsistindo ainda dúvidas, a questão era levado ao Monarca que decidia
então a interpretação.
As soluções determinadas eram registados no livro dos Assentos e tinha carácter de lei e com isso força
imperativa os casos idênticos do futuro. Assim surgem os assentos da Casa da Suplicação como
jurisprudência obrigatória.
Com a necessidade de descentralizar os poderes, principalmente os tribunais de recursos, foram criados
nas comarcas mais importantes as casas cíveis e as casas de relação, por exemplo no Porto, mas também
no Ultramar, portanto Goa (1544), Bahia (1609) e Rio de Janeiro (1751). Essas relações ganhavam cada
vez mais importância e relevância, tendo eles mesmo exigido a faculdade de criar assentos. Obvio que tal
pratica veio a gerar enorme confusão e certa promiscuidade, que só veio terminar com a publicação da
Lei da Boa Razão (1769), que restabeleceu a faculdade da criação de assentos, apenas à Casa da
Suplicação, já sediada em Lisboa.
5 – Direito Subsidiário na Época das Ordenações
Como em qualquer ordenação jurídica, e por conseguinte, mas também especialmente nas Ordenações
do Reino, por razões óbvias, haverá sempre a problemática da integração das lacunas da Lei. O Direito
subsidiário é sempre um sistema de normas jurídicas que é chamado para colmatar lacunas em outro
sistema de normas. Como também é óbvio, nas Ordenações era necessário este expediente.
É precisamente na Ordenações Afonsinas, onde pela primeira vez na história jurídica portuguesa se
estabelece um quadro sistemático de utilização das fontes de direito, mais propriamente no Livro II titulo
9. Ali colocam‐se no mesmo plano as Leis do Reino, os Estilos da Corte e os costumes antigamente
usados. Estas seriam então as fontes imediatas. Só quando não fosse possível “resolver” recorrendo a
essas fontes, seria licito recorrer ao direito subsidiário, que hierarquicamente previstas funcionavam da
seguinte forma.
Na falta de direito nacional, que seria representando por lei, estilos da corte ou costume, passaria a
recorrer‐se ao:
a) Direito Romano em questões de matéria temporal
e
b) Direito Canónico, em questões de matéria espiritual (pecado).
C) Glosa de Acúrcio e Opinião de Bartolo. A estes recorria‐se quando não fosse possível resolver o
caso apenas com os Textos do Direito Romano e do Direito Canónico.
d) Resolução do Monarca. Esgotando todos os elementos acima descritos, impunha‐se então uma
consulta ao Rei, que ao resolver, impunha essa resolução para todos os casos futuros.
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Estas determinações passaram‐se para as outras Ordenações, no entanto com alterações, não de forma,
mas de enquadramento. Sabiamente nas Ordenações Filipinas, a problemática do direito subsidiário
passou a ser disciplinado no Livro III (âmbito de processos), em vez de no livro II, que definia a relação
entre o Estado e a Igreja. Assim rompeu‐se sabiamente a problemática anteriormente existente e que
causava um conflito de jurisdição entre o poder temporal (Estado) e o poder espiritual (Eclesial).
6 – Publicação e Vigência das Leis na época das Ordenações
Sobre a publicação e vigência das Leis, só com a segunda Ordenação, portanto as Manuelinas é que o
tema é abordado. Aqui atribui‐se ao Chanceler‐Mor, que era o intermediário entre o Rei e os súbitos,
também a tarefa de gerir a publicação das leis e o seu envio aos corregedores das comarcas. Assim, ficou
determinado em 1534 que a publicação de leis se fizesse no mesmo dia da emissão dos mesmos. Durante
algum tempo manteve‐se essa prática e os tribunais das comarcas mantinham livros de registos de leis,
onde as novas leis eram registadas entrando assim em vigor.
Com a invenção da imprensa e facilidade que esta técnica oferecia para a divulgação das leis,
providenciou‐se sobre a vigência das leis, dizendo que todas as leis teriam eficácia em todo o Pais,
decorridos três meses sobre sua publicação na chancelaria, independentemente de terem sido publicados
ou não nas comarcas.
Mais tarde, ainda durante as Ordenações Manuelinas, reduziu‐se o tempo geral da “vacatio legis” para 8
dias, enquanto que na corte era de entrada em vigor imediata. As ordenações Afonsinas conservaram
esta directiva.
No entanto e devido as dificuldades para as leis atingiram os territórios no ultramar, estabeleceu‐se em
1749, que as leis apenas tornassem obrigatórias para esses territórios depois de publicados nessas
comarcas.
7 – Fontes Internas e Externas das Ordenações.
Muito obvio que cada uma das Ordenações posteriores teve a anterior como principal fonte interna. No
entanto, cada uma dessas ordenações teve como fonte interna as decisões da corte, as leis gerais, as
municipais (forais), os costumes e o direito consuetudinário em si e ainda os assentos da casa da
suplicação.
Como fontes externas, há que considerar o Código Visigótico, a Lei dos Estilos, as Leis da Partidas, o
Direito Romano e o Direito Canónico.
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8 – Parte conclusiva da Época das Ordenações.
Com o presente trabalho foi possível demonstrar a enorme importância da época das ordenações no
desenvolvimento geral do Direito Português. Terá sido a época onde mais produção e desenvolvimento
jurídico existiu, em toda a história do direito português. É também a época que permitiu a consolidação
do Estado Português, que uma vez separado do Reino de Leão por guerra, necessitava também de uma
independência a nível do direito. Terão sido assim as primeiras ordenações, as Afonsinas, uma
exclamação patriótica de libertação. Ao mesmo tempo que a época das ordenações contribui para a
solidificação do Estado Português, ela implementa os primeiros pilares para um Estado com um Direito
verdadeiramente Moderno. É que as Ordenações precederam os actuais Códigos Civis de Portugal (1867)
e do Brasil (1917).
Na Historia do Direito Português, pode‐se afirmar que as Ordenações Afonsinas terão sido o maior
monumento jurídico de toda a sua história, enquanto que as Ordenações Filipinas terão sido o
monumento jurídico com maior vigência até a presente data.
Ao contrário do que contam vários historiadores europeus, talvez pela fraca divulgação das ordenações
Afonsinas (questão da invenção da Imprensa), Portugal poderá ter sido o primeiro Estado jurido‐
moderno, portanto o primeiro Estado a apresentar uma codificação jurídica completa.
É portanto esta a importância das Ordenações do Reino, que para um bom entendimento do Estudo do
Direito, carácter crucial assume.
Bibliografia
Almeida Costa, Mário Júlio – Historia do Direito Português
Caetano, Marcelo – Historia do Direito Português Sex. XII – Sec. XVI
Martins, José Isidoro – Historia do Direito Nacional (Brasil)
Mendes Almeida, Cândido – Introdução a Historia do Direito Português (1870)
Herculano, Alexandre – Historia de Portugal
Pieroni, Geraldo – A Pena do Degredo nas Ordenações do Reino
Sites Internet: wikipedia, Jus Navigandi, etc.
Historia do Direito – Universidade Lusófona de Cabo Verde – Época das Ordenações – Carlos Ferreira Santos – Patrícia Estêvão