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GONZAGA DE SÁ -
Lima Barreto (Resumo)
“... o Acaso, mais do que outro qualquer deus, é capaz de perturbar imprevistamente
os mais sábios planos que tenhamos traçado e zombar de nossa ciência e de nossa vontade.
E o Acaso não tem predileções...”.
Esta é, em resumo, uma das teorias de Gonzaga de Sá, personagem principal deste
romance que é considerado pela crítica o mais bem escrito por Lima Barreto.
O romance não tem um enredo preciso, sendo marcado pelo aspecto filosófico. O
conflito não passa pela ascensão social ou profissional, mas pelo conflito interior: como situar
um homem de espírito num meio social inconseqüente?
Augusto Machado, o narrador, personagem íntima de Gonzaga, faz a biografia do
amigo, cuja morte aparece nas primeiras do trabalho. Faz uma alternância entre lembranças
e suas próprias reflexões.
Gonzaga era um bacharel em Letras que não se tornou doutor, pois queria fugir das
solenidades do título. Trabalhou como funcionário público e assim teve mais tempo para
estudar, assim mantendo-se atualizado. Muito pessimista, frio e calculista, manteve-se longe
do casamento e próximo dos humildes, dos explorados.
Ao longo da vida, Gonzaga torna-se cada vez mais desacreditado na humanidade, nas
transformações, até que começa a ver na morte sua única saída: " A morte tem sido útil e
será sempre. Não é só a sabedoria que é uma meditação sobre ela – toda civilização
resultou da morte."
Gonzaga, sempre muito crítico, atacava a sociedade, sobretudo a aristocracia,
representada pela gente de Petrópolis e de Botafogo; denunciando o preconceito racial, na
idolatria do Doutor. Fazia, ainda, uma crítica ao Barão do Rio Branco pelo uso do dinheiro
público em obras que não atendiam aos interesses e necessidades da população que
pagava os impostos. Enfim, uma sátira à ineficiência do serviço público.
O sofrimento de Gonzaga diante do mundo vem da consciência que a educação
recebida o fez adquirir: "Longe de me confortar, a educação que recebi só me exacerba, só
fabrica desejos que me fazem desgraçado, dando-me ódios e talvez despeitos! Por que me
deram? Para eu ficar na vida sem amor, sem parentes e, porventura, sem amigos? Ah! Se eu
pudesse apagá-la do cérebro! Varreria uma por uma todas as noções, as teorias, as
sentenças, as leis que me fizeram absorver; e ficaria sem a tentação danada da analogia,
sem o veneno da análise”.
Augusto Machado, ao contrário de Gonzaga que era uma figura associada à morte e à
decadência, está preso à vida. Oposto ao amigo que sempre se isolou durante a vida de
funcionário público e silenciou-se em sua sabedoria, Augusto Machado quer manter contato
com as outras pessoas. Procura estabelecer comunicação com os outros mesmo através do
livro que escreve e com isso tenta também vivificar o amigo, agora morto.
A historia é toda tecida através de um dialogo entre o personagem e um interlocutor,
em passeios pelo Rio de Janeiro, satirizando a burocracia e o pedantismo.
O livro foi editado por Monteiro Lobato, em 1919, pouco antes da morte do autor, em
meio a toda sorte de dificuldades. Lima Barreto não teve suas obras reconhecidas pela critica
enquanto viveu. Sensibilidade a flor da pele, deixava transparecer nesse livro, como em
outros, seu inconformismo com a indiferença dos contemporâneos e com sua condição
social.
A Academia Brasileira de Letras, que havia impedido sua entrada em 1919, premiou
Vida e Morte de M.J.G. de As com menção honrosa no ano seguinte.
I- Personagens:
• Luís da Silva – homem tímido e solitário
• Marina – vizinha
• Julião Tavares – homem rico e ousado
• Seu Ramalho ( humilde ) e D. Adélia ( simples )
• Seu Ivo - presente
• Criada Vitória
• D. Mercedes – espanhola
• Camilo Pereira da Silva, Velho Trajano, Amaro Vaqueiro
“Lavo as mãos uma infinidade de vezes por dia, lavo as canetas antes de escrever, tenho
horror às apresentações, aos cumprimentos, em que é necessário apertar a mão que não sei
por onde andou... Preciso muita água e muito sabão.”
“Alguns dias depois achava-me no banheiro, nu, fumando, fantasiando maluqueiras, o que
sempre me acontece. Fico assim duas horas, sentado no cimento. Tomo uma xícara de café
às seis horas e entro no banheiro. Saio às oito, depois das oito. Visto-me à pressa e corro
para a repartição. Enquanto estou fumando, nu, as pernas estiradas, dão-se grandes
revoluções na minha vida. Faço um livro, livro notável, um romance. Os jornais gritam, uns
me atacam, outros me defendem. “
“O amor para mim sempre foi uma coisa dolorosa, complicada e incompleta.”
I- Autor
- Mais importante ficcionista de geração de 30.
- O realismo do autor tem sempre o caráter crítico.
- O herói é sempre problemático e não aceita o mundo, nem os outros e nem a si mesmo.
- Não há predomínio do regionalismo.
- A paisagem só interessa na medida em que interage com o Psicológico.
- Economia vocabular.
- A palavra que corta como faca.
- Uso restrito dos objetos e sintaxe clássica (próximo de Machado).
Luís da Silva - Frustado, violento, cruel, irremediável, que traz em si reservas inesgotáveis
de amargura e negação.
- Fuligem que encobre, sufoca e dá desejos impossíveis de libertação.
B - Aprofundando para os círculos mais ásperos dos motivos, talvez pudéssemos encontrar,
em parte, uma Explicação Sexual para a consciência estrangulada de Luís da Silva.
Há no livro três aspectos sexuais do abafamento:
• Na infância - “Sempre brinquei só”.
• Isolamento imposto pelo pai - Vive sem mulheres (represando luxúria)
• Solidão- em que desenvolveram os sonhos e os germes da inadaptação.
“O amor para mim sempre fora uma coisa dolorosa, complicada e incompleta”.
Marian - Bonita;
- Molecagem e alegria transfere para depressão e vergonha (gravidez)
“O cronista também precisa respeitar certas convenções e limites mas está livre para
produzir seus ovos em qualquer formato. Nesta coleção existem textos que são contos,
outros que são paródias, outros que são puros exercícios de estilo ou simples anedotas e até
alguns que se submetem ao conceito acadêmico de crônica.(...)”
“Você, que é o consumidor do ovo e do texto, só tem que saboreá-lo e decidir se é bom ou
ruim, não se é crônica ou não é. Os textos estão na mesa: fritos, estrelados, quentes,
mexidos... Você só precisa de um bom apetite.” (A crônica e o ovo)
Temas:
• Não tem como escapar — as mentiras vão sempre estar presentes no cotidiano do ser
humano. E se muitas vezes são mentiras inocentes, sem maiores conseqüências, em outras
situações elas assumem dimensões gravíssimas e podem levar a um desfecho trágico.
• Quem nunca se deparou com um estranho na rua com a constrangedora pergunta: "Lembra
de mim?" E você, mesmo sem saber de quem se trata, responde: "Claro." E, aí, tenta ganhar
tempo e mais algumas dicas para decifrar a identidade do inconveniente sujeito.
• Quem nunca inventou, para a mãe, uma dor ou mal-estar pra fugir de um dia de aula?
• Quem nunca usou o trânsito para justificar o atraso a um compromisso?
• Afinal, quem nunca contou uma mentira que atire a primeira pedra.
IV – Enredos - Prefácio
““ Fiquei fazendo companhia ao Almeidinha, coitado, ele ainda não se refez” significa que a
nova gata do Almeidinha só saía com ele se ele conseguisse um par para a prima dela, e nós
fazemos tudo por um amigo, mas não queremos estragar a ilusão de vocês de que a
separação deixou o Almeidinha arrasado, como ele merecia.”
• “ Está quase igual ao da mamãe.”
2 – Grande Edgar
“ Ao se afastar, você ainda ouve, satisfeito, ele dizer “ Grande Edgar”.Mas jura que é a última
vez que fará isso. Na próxima vez que alguém lhe perguntar” Você está me reconhecendo?”
Não dirá nem não. Sairá correndo.”
3 – O Falcão
4- Blefes
“A história dos presidentes do Brasil desde Jânio tem sido uma sucessão de blefes. Jango
também foi um blefe, na medida em que aparentava ter um poder que não tinha. O golpe de
64 foi um blefe para quem acreditou nele. Um blefe involuntário. Sarney não foi um blefe
completo porque ninguém esperava que ele fosse muito diferente. Collor foi um blefe
deliberado que manteve a versão política do poker face, que é um cara de pau mesmo sob a
ameaça do ridículo.
E chegamos a social-democracia no poder, que pode estar agradando a muita gente, mas é
outro blefe em relação às expectativas que criou e ao que podia ter sido. Ou talvez esse
blefe tenha uma história antiga, e a gente é que não tinha notado.”
5 – A Aliança
E ele contaria. Tudo exatamente como acontecera. O macaco. O óleo. A aliança no asfalto.
O chute involuntário. E a aliança voando para o bueiro e desaparecendo.
- Que coisa – diria a mulher, calmamente.
- Não é difícil de acreditar? // - Não. É perfeitamente possível.
- Pois é. Eu... // - SEU CRETINO!”
• Discussão com a esposa / Chega em casa sem dizer nada, pouca conversa.
“- Tirei para namorar. Pra fazer um programa. E perdi no motel. Pronto. Não tenho
desculpas. Se você quiser encerrar nosso casamneto agora, eu compreenderei. (...)
- O mais importante é que você não mentiu para mim.
E foi tratar do jantar.”
6 – Os Moralistas
“- Também, a idéia dele. Largar o gol dos casados logo agora. Em cima da hora. Quando não
dava mais para arranjar mais substituto.
- Os casados nunca terão um goleiro como ele.(...)”
7 – O Dia da Amante
“ Você se dirige para a casa da amante, com o embrulho do presente embaixo do braço.
Começa a pensar na ausência da sua mulher em casa. Onde ela teria ido? Lembra-se então
de que a viu mais de uma vez olhando com interesse uma vitrine cheia de cachimbos. Na
certa pensando num presente para lhe dar. E súbito você pára na calçada como se tivesse
batido num elefante. Você não fuma cachimbos!”
8 – A verdade
- Esperem! – gritou o homem, no momento em que passavam a corda da forca pelo seu
pescoço.- Eu não roubei o anel. Foi ela que me deu!”
“O homem contou que estava à beira do riacho, pescando, quando a donzela se aproximou
dele e pediu um beijo. Ele deu o beijo. Depois a donzela tirou a roupa e pedira que ele a
possuísse, pois queria saber o que era o amor. Mas como era um homem honrado, ele
resistira, e dissera que a donzela deveria ter paciência, pois conheceria o amor do marido no
seu leito de núpcias. Então a donzela lhe oferecera o anel dizendo:”Já que meus encantos
não o seduzem, este anel comprará seu amor.”E ele sucumbira, pois era pobre, e a
necessidade é o algoz da honra.”
O Autor e o Estilo
• Nascido em Porto Alegre, L.F.V. desde cedo trabalhou em redações de jornais, fato que faz
suas crônicas sempre tratarem de temas atuais
• Linguagem simples, clara, despreocupada com a construção acadêmica ou vanguardística
• Sempre procura, tanto na forma como conteúdo, uma comunicação direta com o leitor
• Escritor de texto refinado, sem rodeios
O texto sob a forma de carta, foi escrito em 1873 e publicado em 1893, pela Tipografia
Leuzinger. Entre suas reedições, merece menção a da Academia Brasileira de Letras, de
1987, conservando a ortografia original, apresentada pelo Prof. Afrânio Coutinho, com a
erudição e clareza marcantes de sua crítica.
A presente edição, com o objetivo de tornar mais acessível a leitura, atualizou a ortografia do
texto alencariano. Manteve-se, entretanto, a pontuação original que, no dizer de M.
Cavalcanti Proença, é “elemento característico da prosa alencariana, subordinando-se muito
menos às regras vigentes na época do que ao ritmo fraseológico, tal qual o concebera e
criara”.
Afrânio Coutinho definiu esta carta como “autêntico roteiro de teoria literária, o qual, reunido
a outros ensaios de sua lavra, pode bem constituir um corpo de doutrina estética literária,
que o norteou em sua obra de criação propriamente dita, sobretudo no romance”.
O autor enfatizou, em sua formação escolar, a importância dada à leitura, com a correção,
nobreza, eloqüência e alma que o mestre Januário Mateus Ferreira sabia transmitir a seus
alunos. Ainda menino, como ledor dos serões da família, teve oportunidade de contínuo e
repetido contacto com um escasso repertório de romances, cujos esquemas iam ficando
gravados em seu espírito.
Já cursando a Faculdade de direito, em São Paulo, com grande esforço, dominou o idioma
francês para ler obras de Balzac, Dumas, Vigny, Chateaubriand e Victor Hugo.
“A escola francesa, que eu então estudava nesses mestres da moderna literatura, achava-me
preparado para ela. O molde do romance, qual mo havia revelado pôr mera casualidade
aquele arrojo de criança a tecer uma novela com os fios de uma ventura real, fui encontra-lo
fundido com, a elegância e beleza que jamais lhe poderia dar.”
Segundo Heron de Alencar, “já houve quem colocasse em dúvida algumas das afirmativas
que Alencar inseriu em sua autobiografia literária. Ao escrevê-la, já era um escritor de
renome e no auge de sua carreira, quatro anos antes de falecer. É possível, desse modo,
que tenha, alguma vez querido vestir de fantasia a realidade de sua formação literária, para
que a posteridade – sua grande e permanente preocupação – não lhe regateasse admiração
e fidelidade. Isso em nada altera o julgamento que deve resultar da leitura de sua obra, e
esse é o único julgamento que prevalece.”
Como bem reflexionou V., há na existência dos escritores fatos comuns, do viver quotidiano,
que todavia exercem uma influência notável em seu futuro e imprimem em suas obras o
cunho individual.
Estes fatos jornaleiros, que à própria pessoa muitas vezes passam despercebidos sob a
monotonia do presente, formam na biografia do escritor a urdidura da tela, que o mundo
somente vê pela face do matiz e dos recamos.
Já me lembrei de escrever para meus filhos essa autobiografia literária, onde se acharia a
história das criaturinhas enfezadas, de que, pôr mal de meus pecados, tenho povoado as
estantes do Sr. Garnier.
Seria esse o livro de meus livros.
Será daquele, onde se referem as circunstâncias, a que atribuo a predileção de meu espírito
pela forma literária do romance.
(...)
Toda a minha vida colegial se desenha no espírito com tão vivas cores, que parecem frescas
de ontem, e todavia mais de trinta anos já lhes pairaram sobre. Vejo o enxame dos meninos,
alvoriçando na loja, que servia de saguão; assisto aos manejos da cabala para a próxima
eleição do monitor geral; ouço o tropel do bando que sobe as escadas, e se dispersa no
vasto salão, onde cada um busca o seu banco numerado.
Mas o que sobretudo assoma nessa tela é o vulto grave de Januário Mateus Ferreira, como
eu o via passeando diante da classe, com um livro na mão e a cabeça reclinada pelo hábito
da reflexão.
Usava ele de sapatos rinchadores; nenhum dos alunos do seu colégio ouvia de longe aquele
som particular, na volta de um corredor, que não sentisse um involuntário sobressalto.
Januário era talvez ríspido e severo em demasia; orem nenhum professor o excedeu no zelo
e entusiasmo com que desempenhava o seu árduo ministério. Identificava-se com o
discípulo; transmitia-lhe suas emoções e tinha o dom de criar no coração infantil os mais
nobres estímulos, educando o espírito com a emulação escolástica para os grandes
certames da inteligência.
Dividia-se o diretor pôr todas as classes, embora tivesse cada uma seu professor especial;
desse modo andava sempre ao corrente do aproveitamento de seus alunos, e trazia os
mestres como os discípulos em constante inspeção. Quando, nesse revezamento de lições,
que ele de propósito salteava, acontecia achar atrasada alguma classe, demorava-se com
ela dias e semanas, até que obtinha adiantá-la e só então a restituía ao respectivo professor.
(...)
Era eu quem lia para minha boa mãe não somente as cartas e os jornais, como os volumes
de uma diminuta livraria romântica formada ao gosto do tempo.
(...)
Morávamos, então, na Rua do Conde, nº 55. Aí nessa casa preparou-se a grande revolução
parlamentar que entregou ao Sr. D. Pedro II o exercício antecipado de suas prerrogativas
constitucionais.
A propósito desse acontecimento histórico, deixe passar aqui nesta confidência inteiramente
literária, uma observação que me acode e, se escapa agora, talvez não volte nunca mais.
Uma noite pôr semana, entravam misteriosamente em nossa casa os altos personagens
filiados ao Clube Maiorista de que era presidente o Conselheiro Antônio Carlos e Secretário o
Senador Alencar.
Celebravam-se os serões em um aposento do fundo, fechando-se nessas ocasiões a casa
às visitas habituais, a fim de que nem elas nem os curiosos da rua suspeitassem do plano
político, vendo iluminada a sala de frente.
Até que chegava a hora do chocolate. Vendo partir carregada de tantas gulosinas a bandeja
que voltava completamente destroçada, eu que tinha os convidados na conta de cidadãos
respeitáveis, preocupados dos mais graves assuntos, indignava-me ante aquela devastação
e dizia com a mais profunda convicção:
-O que estes homens vêm fazer aqui é regalarem-se de chocolate.
Não havendo visitas de cerimônia sentava-se minha boa mãe e sua irmã D. Florinda com os
amigos que pareciam, ao redor de uma mesa redonda de jacarandá, no centro da qual havia
um candeeiro.
Minha mãe e minha tia se ocupavam com trabalhos de costuras, e as amigas para não
ficarem ociosas as ajudavam. Dados os primeiros momentos à conversação, passava-se à
leitura e era eu chamado ao lugar de honra.
Muitas vezes, confesso, essa honra me arrancava bem a contragosto de um sono começado
ou de um folguedo querido; já naquela idade a reputação é um fardo e bem pesado.
Lia-se até a hora do chá, e tópicos havia tão interessantes que eu era obrigado à repetição.
Compensavam esse excesso, as pausas para dar lugar às expansões do auditório, o qual
desfazia-se em recriminações contra algum mau personagem, ou acompanhava de seus
votos e simpatias o herói perseguido.
Uma noite, daquelas em que eu estava mais possuído do livro, lia com expressão uma das
páginas mais comoventes da nossa biblioteca. As senhoras, de cabeça baixa, levavam o
lenço ao rosto, e poucos momentos depois não puderam conter os soluços que rompiam-
lhes o seio.
Com a voz afogada pela comoção e a vista empanada pelas lágrimas, eu também cerrando
ao peito o livro aberto, disparei em pranto e respondia com palavras de consolo às
lamentações de minha mãe e suas amigas.
Nesse instante assomava à porta um parente nosso, o Revd.º Padre Carlos Peixoto de
Alencar, já assustado com o choro que ouvira ao entrar – Vendo-nos a todos naquele estado
de aflição, ainda mais perturbou-se:
-Que aconteceu? Alguma desgraça? Perguntou arrebatadamente.
As senhoras, escondendo o rosto no lenço para ocultar do Padre Carlos o pranto e evitar
seus remoques, não proferiram palavra. Tomei eu a mim responder:
Apesar do desdém da crítica de barrete, Lucíola conquistou seu público, e não somente fez
caminho como ganhou popularidade. Em um ano esgotou-se a primeira edição de mil
exemplares, e o Sr. Garnier comprou-me a segunda, propondo-me tomar em iguais
condições ouro perfil de mulher, que eu então gizava.
Pôr esse tempo fundou a sua Biblioteca Brasileira, o meu amigo Sr. Quintino Bocaiúva, que
teve sempre um fraco pelas minhas sensaborias literárias.
De volta de São Paulo, onde fiz uma excursão de saúde, e já em férias de política, com a
dissolução de 13 de maio de 1863, escrevi Diva que saiu a lume no ano seguinte, editada
pelo Sr. Garnier.
Foi dos meus romances – e já andava no quinto, não contando o volume d’As Minas de
Prata – o primeiro que recebeu hospedagem da imprensa diária, e foi acolhido com os
cumprimentos banais da cortesia jornalística. Teve mais: o Sr. H Muzzio consagrou-lhe no
Diário do Rio um elegante folhetim, mas de amigo que não de crítico.
Pouco depois (20 de junho de 1864) deixei a existência descuidosa e solteira para entrar na
vida da família onde o homem se completa. Como a literatura nunca fora para mim uma
Boêmia, e somente um modesto Tibur para o espírito arredio, este sempre grande
acontecimento da história individual não marca época na minha crônica literária.
A composição dos cinco últimos volumes d’As Minas de Prata ocupou-me três meses entre
1864 e 1865, porém a demorada impressão estorvou-me um ano, que tanto durou. Ninguém
sabe da má influência que tem exercido na minha carreira de escritor, o atraso de nossa arte
tipográfica, que um constante caiporismo torna em péssima para mim.
Se eu tivesse a fortuna de achar oficinas bem montadas com hábeis revisores, meus livros
sairiam mais corretos; a atenção e o tempo pôr mim despendidos em rever, e mal, provas
truncadas, seriam melhor aproveitados em compor outra obra.
Para publicar Iracema em 1869, fui obrigado a edita-lo pôr minha conta; e não andei mal
inspirado, pois antes de dois anos a edição extinguiu-se.
De todos os meus trabalhos deste gênero nenhum havia merecido as honras que a simpatia
e a confraternidade literária se esmeram em prestar-lhes. Além de agasalhado pôr todos os
jornais, inspirou a Machado de Assis uma de suas mais elegantes revistas bibliográficas.
Até com surpresa minha atravessou o oceano, e granjeou a atenção de um crítico ilustrado e
primoroso escritor português, o Sr. Pinheiros Chagas, que dedicou-lhe um de seus ensaios
críticos.
Em 1868 a alta política arrebatou-me às letras para só restituir-me em 1870. Tão vivas eram
as saudades dos meus borrões, que apenas despedi a pasta auri-verde dos negócios de
estado, fui tirar da gaveta onde a havia escondido, a outra pasta de velho papelão, todo
rabiscado, que era então a arca de meu tesouro.
Aí começa outra idade de autor, a qual eu chamei de minha velhice literária, adotando o
pseudônimo de Sênio, e outros querem seja a da decrepitude. Não me afligi com isto, eu
que, digo-lhe com todas as veras, desejaria fazer-me escritor póstumo, trocando de boa
vontade os favores do presente pelas severidades do futuro.
Desta segunda idade, que V. tem acompanhado, nada lhe poderia referir de novo, senão um
ou outro pormenor de psicologia literária, que omito pôr não alongar-me ainda mais. Afora
isso, o resto é monótono, e não passaria de datas, entremeadas da inesgotável serrazina
dos autores contra os tipógrafos que lhes estripam o pensamento.
Ao cabo de vinte e dois anos de gleba na imprensa, achei afinal um editor, o Senhor B.
Garnier, que espontaneamente ofereceu-me um contrato vantajoso em meados de 1870.
O que lhe deve a minha coleção, ainda antes do contrato, terá visto nesta carta; depois,
trouxe-me esta vantagem, que na concepção de um romance e na sua feitura, não me turva
a mente a lembrança do tropeço material, que pode matar o livro, ou fazer dele uma larva.
Todavia ainda para o que teve a fortuna de obter um editor, o bom livro é no Brasil e pôr
muito tempo será para seu autor, um desastre financeiro. O cabedal de inteligência e
trabalho que nele se emprega, daria em qualquer outra aplicação, lucro cêntuplo.
Mas muita gente acredita que eu me estou cevando em ouro, produto de minhas obras. E,
ninguém ousaria acredita-lo, imputaram-me isso a crime, alguma cousa como sórdida cobiça.
Que país é este onde forja-se uma falsidade, e para que? Para tornar odiosa e desprezível a
riqueza honestamente ganha pelo mais nobre trabalho, o da inteligência!
Dir-me-á que em toda a parte há dessa praga; sem dúvida, mas é praga; e não tem foros e
respeitos de jornal,admitindo ao grêmio da imprensa.
Excedi-me além do que devia; o prazer da conversa...
Maio de 1873.
Um trabalho que deixasse de lado os rígidos critérios acadêmicos e fosse pautado somente
pela qualidade e sabor dessas pequenas obras-primas. O resultado é a coletânea OS CEM
MELHORES CONTOS BRASILEIROS DO SÉCULO, um passeio pela mais deliciosa e
contundente ficção curta produzida no Brasil entre 1900 e o fim dos anos 90.
Abrindo o volume, Pai contra mãe, de Machado de Assis que, por sorte do leitor, ainda
estava vivo nos primeiros anos do século 20 (morreu em 1908). A edição separou os contos
por períodos históricos, precedidos de nota introdutória apresentando os traços mais
característicos do período: os diferentes caminhos da literatura no início do século; a
consagração do modernismo nos anos 40 e 50; os conflitos de identidade dos anos 60; a
violência da vida urbana dos anos 70; a exploração sem censura do corpo dos anos 80; a
criativa irreverência dos anos 90.
Durante o trabalho de seleção dos contos, Ítalo Moriconi se deparou com algumas
constatações. Entre elas a de que o Brasil produz um dos mais bem acabados contos do
mundo, e que eles só melhoram com o passar do tempo.
Ainda: a partir dos anos 60, o texto curto explodiu no País, consolidando-se nos anos 70, que
entrou para a história da literatura brasileira como a década do conto. Nos anos 80, houve
um retorno do romance. Mas é justamente nesta época, ressalta Moriconi, que saltaram às
prateleiras produções como as de Caio Fernando Abreu e Sérgio Sant`Anna.
Para ilustrar esse instigante e rico panorama, Moriconi escalou craques: João do Rio, Clarice
Lispector, Lima Barreto, Graciliano Ramos, Carlos Drummond de Andrade, Dinah Silveira de
Queiroz, J.J.Veiga, Rubem Fonseca, Ana C. César, Otto Lara Resende, Fernando Sabino,
Hilda Hilst, Dalton Trevisan, Moacyr Scliar, Lygia Fagundes Telles, Victor Giudice, João
Antônio, Luiz Fernando Veríssimo, Raduan Nassar e Nélida Piñon, entre outros.
A nova Califórnia
Lima Barreto
É uma crítica à ganância. Neste conto, um químico misterioso chamado Raimundo Flamel
aparece na cidade de Tubiacanga. Anos depois de sua chegada, faz uma experiência na qual
transforma ossos humanos em ouro. Ele convida três testemunhas (o farmacêutico, um
fazendeiro e o coletor) para o ato, o realiza e depois desaparece da cidade. Então, os
túmulos do cemitério da cidade, o "Sossego", começam a ser violados. Quando depois de
um escândalo prendem dois violadores, eles eram o fazendeiro e o coletor, duas das
testemunhas da experiência alquímica. Os dois revelam que havia um terceiro violador: era o
farmacêutico. Quando a população descobre, vai até a casa do farmacêutico que promete
divulgar a fórmula para transformar ossos humanos em ouro no dia seguinte. Assim, naquela
madrugada a população inteira se esgueira para o cemitério para violar tantos túmulos
quanto puderem (e ter tanto ouro quanto puderem depois). O que acontece é uma carnificina
que deixa no cemitério em uma noite mais mortos que nos 30 anos anteriores. O único que
não se mete na confusão é um bêbado da cidade, que calmamente anda na cidade-
fantasma.
Dentro da noite
João do Rio
Um homem no metrô ouve o diálogo entre Rodolfo e Justino. O segundo pergunta ao
primeiro porque andava sumido. Perguntava-se na cidade o motivo do rompimento do
noivado de Rodolfo com Clotilde, jovem bela que então vivia chorando, ela e a família que
estavam antes tão felizes com o noivado. Rodolfo então explica que fora obrigado a terminar
o compromisso com a moça depois de os pais descobrirem suas tendências sádicas. Rodolfo
conta que sentia prazer em enfiar alfinetes nos braços de Clotilde e ela vendo que a
perturbação mental do rapaz só diminuía com a satisfação daquela tara, resignada
consentia. Depois de descoberto, Rodolfo é obrigado a terminar o noivado e passa a pagar
prostitutas para satisfazer seu sadismo e ainda conversando com Justino no metrô revela
que ultimamente andava a escolher suas vítimas na rua, e quando uma loura embarcou
noutro vagão, Rodolfo deixa-o para persegui-la.
Pílades e Orestes
Machado de Assis
Quintanilha e Gonçalves eram muito amigos, na verdade o primeiro travava o segundo como
um pai, ou até mais. Quintanilha tinha por Gonçalves verdadeira adoração, brigou com sua
família por causa do amigo, emprestava-lhe dinheiro, ajudava-o em seu trabalho, dava-lhe
presentes.
Até que um dia Quintanilha se aproxima de uma prima chamada Camila e se apaixona por
ela. Quando vai revelar isso a Gonçalves, percebe que o amigo também amava Camila e
mesmo sofrendo desiste de seu amor em favor do amigo.
Camila e Gonçalves casam e Quintanilha torna-se padrinho dos filhos do casal. Quintanilha
morre tempo depois, atingido por uma bala perdida. Em sua lápide a simples frase: “Orai por
ele!”
O título remete à mitologia grega.
Contrabandista
João Simões Lopes Neto
Conto em 3a pessoa, escrito numa linguagem “gaúcha”, marca de seu autor, repleto de
coloquialismos, neologismos e expressões regionais. Entre flashbacks e referências à
história do Brasil e do Rio Grande (Farrapos, Paraguai) conta-se a história de Jango Jorge,
homem velho e valente que daria festa de casamento à sua filha. Na madrugada de véspera
do casamento saiu para trazer o enxoval da filha, mas naquela época, segundo o narrador,
que era um dos convidados, não se podia haver comércio na região e o que se fazia era o
contrabando. Quando todos esperavam no dia seguinte pelo vestido, chega Jango Jorge em
seu cavalo, estava baleado. No momento em que tiram-no do cavalo percebem que ele trazia
o vestido branco da filha manchado com o seu sangue.
Negrinha
Monteiro Lobato
Negrinha é narrativa em terceira pessoa, impregnada de uma carga emocional muito forte.
"Negrinha era uma pobre órfã de sete anos. Preta? Não; fusca, mulatinha escura, de cabelos
ruços e olhos assustados. Nascera na senzala, de mãe escrava, e seus primeiros anos
vivera-os pelos cantos escuros da cozinha, sobre velha esteira e trapos imundos. Sempre
escondida, que a patroa não gostava de crianças."
D. Inácia era viúva sem filhos e não suportava choro de crianças. Se Negrinha, bebezinho,
chorava nos braços da mãe, a mulher gritava. A mãe, desesperada, abafava o choro do
bebê, e afastando-se com ela para os fundos da casa, torcia-lhe beliscões desesperados. O
choro não era sem razão: era fome, era frio.
Assim cresceu Negrinha magra, atrofiada, com os olhos eternamente assustados. Órfã aos
quatro anos, por ali ficou feito gato sem dono, levada a pontapés. Não compreendia a idéia
dos grandes. Batiam-lhe sempre, por ação ou omissão. A mesma coisa, o mesmo ato, a
mesma palavra, provocava ora risadas, ora castigos. Aprendeu a andar, mas quase não
andava. Com pretexto de que às soltas reinaria no quintal, estragando as plantas, a boa
senhora punha-a na sala, ao pé de si, num desvão da porta.
- Sentadinha aí e bico, hein?"
Ela ficava imóvel, a coitadinha. Seu único divertimento era ver o cuco sair do relógio, de hora
em hora. Ensinaram Negrinha a fazer crochê e lá ficava ela espichando trancinhas sem fim...
Nunca tivera uma palavra sequer de carinho e os apelidos que lhe davam eram os mais
diversos: pestinha, diabo, coruja, barata descascada, bruxa, pata choca, pinto gorado, mosca
morta, sujeira, bisca, trapo, cachorrinha, coisa ruim, lixo. Foi chamada bubônica, por causa
da peste que grassava...
O corpo de Negrinha era tatuado de sinais, cicatrizes, vergões. Batiam nele todos os dias,
houvesse ou não houvesse motivo. Sua pobre carne exercia para os cascudos, cocres e
beliscões a mesma atração que o ímã exerce para o aço. Mãos em cujos nós de dedos
comichasse um cocre, era mão que se descarregaria dos fluidos em sua cabeça. De
passagem. Coisa de rir e ver a careta..."
D. Inácia era má demais e apesar da Abolição já ter sido proclamada, conservava em casa
Negrinha para aliviar-se com "uma boa roda de cocres bem fincados!..."
Uma criada furtou um pedaço de carne ao prato de Negrinha e a menina xingou-a com os
mesmos nomes com os quais a xingavam todos os dias. Sabendo do caso, D. Inácia tomou
providências: mandou cozinhar um ovo e, tirando-o da água fervente, colocou-o na boca da
menina. Não bastasse isso, amordaçou-a com as mãos, o urro abafado da menina saindo
pelo nariz...
O padre chegava naquele instante e D. Inácia fala com ele sobre o quanto cansa ser
caridosa...
Em um certo dezembro, vieram passar as férias na fazenda duas sobrinhas de D. Inácia:
lindas, reconchudas, louras, "criadas em ninho de plumas."
E negrinha viu-as irromperem pela sala, saltitantes e felizes, viu também Inácia sorrir quando
as via brincar. Negrinha arregalava os olhos: havia um cavalinho de pau, uma boneca loura,
de louça. Interrogada se nunca havia visto uma boneca, a menina disse que não... e pôde,
então, pegar aquele serzinho angelical : "E muito sem jeito, como quem pega o Senhor
Menino, sorria para ela e para as meninas, com assustados relanços d'olhos para a porta.
Fora de si, literalmente..."
Teve medo quando viu a patroa, mas D. Inácia, diante da surpresa das meninas que mal
acreditavam que Negrinha nunca tivesse visto uma boneca, deixou-a em paz, permitiu que
ela brincasse também no jardim.
Negrinha tomou consciência do mundo e da alegria, deixara de ser uma coisa humana,
vibrava e sentia.
Mas se foram as meninas, a boneca também se foi e a casa caiu na mesmice de sempre.
Sabedora do que tinha sido a vida, a alma desabrochada, Negrinha caiu em tristeza profunda
e morreu, assim, de repente: "Morreu na esteirinha rota, abandonada de todos, como um
gato sem dono. Jamais, entretanto, ninguém morreu com maior beleza. O delírio rodeou-a de
bonecas, todas louras, de olhos azuis. E de anjos..."
No final da narrativa, o narrador nos alerta:
“E de Negrinha ficaram no mundo apenas duas impressões. Uma cômica, na memória das
meninas ricas”.
- "Lembras-te daquela bobinha da titia, que nunca vira boneca?"
Outra de saudade, no nó dos dedos de dona Inácia:
- "Como era boa para um cocre!..."
É interessante considerar aqui algumas coisas: em primeiro lugar o tema da caridade azeda
e má, que cria infortúnio para os dela protegidos, um dos temas recorrentes de Monteiro
Lobato; o segundo aspecto que poderia ser observado é o fenômeno da epifania, a revelação
que, inesperadamente, atinge os seres, mostrando-lhes o mundo e seu esplendor. A partir
daí, tais criaturas sucumbem, tal qual Negrinha o fez.
Ter estado anos a fio a desconhecer o riso e a graça da existência, sentada ao pé da patroa
má, das criaturas perversas, nos cantos da cozinha ou da sala, deram a Negrinha a condição
de bicho-gente que suportava beliscões e palavrórios, mas a partir do instante em que a
boneca aparece, sua vida muda.
É a epifania que se realiza, mostrando-lhe o mundo do riso e das brincadeiras infantis das
quais Negrinha poderia fazer parte, se não houvesse a perversidade das criaturas. É aí que
adoece e morre, preferindo ausentar-se do mundo a continuar seus dias sem esperança.
Galinha cega
João Alphonsus
Conto com toques de realismo fantástico, em 3a pessoa.
Um carroceiro compra uma galinha pela qual tem incomum carinho. Tempos depois de
comprá-la, seu dono percebe que a galinha ficara cega. Então passa a dar-lhe de comer e
beber pessoalmente todos os dias. Certo dia, crianças brincam de chutar a galinha e o
carroceiro as chicoteia. Um dos meninos é filho do delegado e o dono da galinha é preso.
Voltando pra casa, vê que a sua galinha fora estrangulada, pergunta à mulher quem fora e
ela diz ter sido um gambá. Após esbofetear a mulher por não ter defendido sua galinha, o
carroceiro é preso mais uma vez.
Depois de sair da prisão, o carroceiro arquiteta a vingança contra o gambá. Faz uma
armadilha deixando cachaça para o animal. À noite quando finalmente está diante do gambá
embriagado e pronto para a vingança, o carroceiro deixa o animal ir embora. O gambá sai do
galinheiro.
Gaetaninho
Alcântara Machado
Gaetaninhio era um jovem que sonhava sempre em ir na frente de um cortejo fúnebre;
atropelado por um bonde, acaba realizando, morto, seu sonho.
Observamos na obra de Alcântara Machado, como traço mais característico o uso de
expressões italianas para marcar a influência da imigração e da miscigenação racial na
constituição da sociedade paulistana.
Em Gaetaninho há uma divisão do conto em cinco cenas, característica notadamente
cinematográfica, dada pelo corte narrativo existente de uma cena para outra, introduzindo
uma nova situação, em um tempo e espaço também novos. Essa superposição de cenas
compõe o todo como uma colagem, como se o narrador estive com uma câmera
fotografando cena por cena.
Um dos recursos utilizados pelo autor para ilustrar a ação do personagem é a linguagem
radiofônica. Como se fosse um locutor esportivo, o narrador descreve os fatos.
O ambiente da trama é constituído por traços leves, demonstrando uma certa preocupação
jornalística, mas que, no entanto, consegue identificar perfeitamente a condição sócio-
econômica das personagens, como na passagem:
“Ali na Rua Oriente a ralé quando muito andava de bonde. De automóvel ou carro só mesmo
em dia de enterro. De enterro ou de casamento. Por isso mesmo o sonho de Gaetaninho era
de realização muito difícil. Um sonho.”
Ainda neste trecho, notamos um certo valor social presente no desejo de Gaetaninho de
andar de automóvel e ser admirado pelas pessoas, valor que talvez fosse associado como
representação da elite, do status econômico.
O final do conto é surpreendente, tanto pela rapidez com que se dá a morte de Gaetaninho,
quanto pela ambigüidade causada pela frase “Amassou o bonde”. Tomando-se o sentido do
verbo amassar em português e sabendo que em italiano ammazzare significa matar, permite
uma dupla interpretação do trecho final, já que não se sabe se foi o garoto que atropelou o
bonde ou contrário, o que garante, para um final que parecia ser trágico, um caráter cômico.
Baleia
Graciliano Ramos
Baleia é um dos capítulos da obra Vidas Secas de Graciliano Ramos. Esta história começa
com a fuga de uma família da trágica seca do sertão nordestino: Fabiano, o pai, Sinhá-
Vitória, a mãe, os dois filhos e a cachorra Baleia. Fabiano é um vaqueiro, homem bruto que
tem enorme dificuldade em articular palavras e pensamentos, que se sente um bicho e
muitas vezes age como tal, grunhindo e se portando como um selvagem. Sinhá-Vitória, sua
esposa, se sai melhor em seus pensamentos e diálogos, apesar de restritos. O menino mais
novo parece não ter nome e nem uma forma comum de se comunicar. Sua única aspiração é
ser como Fabiano. Nas mesmas situações está o filho mais velho, que só quer um amigo,
conformando-se com a presença da cachorra Baleia. Esta, muitas vezes, parece ter um
pensamento mais linear e humano que o resto da família, portando-se não só como um
bicho, mas como um ser humano, uma companheira que ajuda Fabiano e sua gente a
suportar as péssimas condições.
A história se desenvolve com o estabelecimento da família numa fazenda e a contratação de
Fabiano como vaqueiro.
Em um dado momento da história, Baleia adoece e Fabiano se vê na árdua tarefa de
sacrificá-la. Fere o pobre bicho com um tiro, mas não consegue matá-lo, já que este foge
para longe. Baleia vem a falecer durante a noite, perto da casa, sonhando com um mundo
cheio de lebres...
Uma senhora
Marques Rebelo
Dona Quinota é empregada, casada com seu Juca e mãe de Élcio, Élcia e Elcina. Trabalha o
ano todo para extravasar no carnaval, esta festa é o único momento em que Dona Quinota
esbanja e vive intensamente, fantasia a si e à família e aluga um carro para desfilar.
Após o término do baile, o vizinho invejoso, Adalberto, pergunta se os vizinhos se divertiram
e dona Quinota responde “assim, assim”, mas na verdade Quinota apenas esconde sua
realização da inveja do vizinho. O conto termina com a indignação de Quinota diante do
resultado de um concurso de blocos.
ANOS 40/50
MODERNOS, MADUROS, LÍRICOS
Em torno da primeira metade do século, nossos escritores estão mais maduros. Escrevem
numa língua que também amadureceu, está mais uniforme e representativa daquela usada
no cotidiano pelos brasileiros educados, de qualquer lugar do país. O passado rural começa
a desaparecer efetivamente, tornando-se objeto mais de nostalgia do que de rejeição. As
relações afetivas passam a constituir a verdadeira utopia do brasileiro, e também exibem seu
lado difícil. Descompassos na família. Saudades. Lirismos. Na época da consagração
definitiva do movimento modernista, predominam na literatura o romance, a crônica e a
poesia, mas a amostra apresentada nesta seção revela que alguns dos mais belos clássicos
do conto brasileiro moderno foram publicados nesse período. (Ítalo Moriconi).