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DE MARAJÓ A MOÇAMBIQUE

Sim, estamos exportando maestria na releitura do Maria Helena Estrada


Fotos Lucas Moura e Fabio Del Re
artesanato tradicional. É uma honra e alegria sa-

ber que designers brasileiros são contratados pela

Fundação para o Desenvolvimento da Comunidade,

na África, visando revitalizar o artesanato em

comunidades de todo carentes; que já existe e

está sendo posta em prática em diversas regiões


Recuperação iconográfi-
ca e simbolismos em um
do Brasil a metodologia criada para orientar a projeto orientado pelo Laboratório
Piracema de Design. Ao lado, o logotipo do
interferência do designer no artesanato, o Labo- projeto. Acima e na página ao lado, os galhos
do manguezal e a sandália resultante, no
ratório Piracema de Design projeto Marajó
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ARC DESIGN
Acima, casas populares da ilha e suas cercas, que lembram os desenhos da antiga cerâmica marajoara. Abaixo, à esquerda, colar em sementes; Acima, a partir da esquerda, exemplo de planta típica de Marajó; teto tramado em palha e casinha de palafita construída com os materiais do entorno.
à direita, ainda tomando como referência os traçados marajoaras, colar em crochê Abaixo, à esquerda, sandália em couro-sola com um dos vários motivos de animais da coleção; à direita, jogo americano e caixinha em madeira e
palha, criação Heloisa Crocco

Ilha de Marajó, uma das nossas maiores riquezas intoca- Os objetos que têm surgido no mercado – seja em ca- já vencem a resistência dos empresários, é bom lembrar etapa, que, além do despertar de uma consciência brasi-
ILHA DE MARAJÓ, BRASIL

das – repertório de maravilhas que nos foram reveladas pim dourado, couro, chita, barro, palha, ou com bor- que a tão desejada “marca Brasil” necessita de produtos leira, trouxe tantos e tão bons produtos ao mercado, é
na mostra Brasil 500 Anos, realizada na Oca, SP, em 2000. dados –, do legado europeu e nordestino à bombacha originais para ser criada, exige um vocabulário local – hora de um novo e necessário vôo – e muito mais am-
Marajó, ilha de população paupérrima, cuja única ri- gaúcha –, são o resultado de ações semelhantes, são não aquele global. bicioso. Um vôo que inclua um universo muito maior
queza, hoje, é a criação de búfalos. uma demonstração de que o design de raiz artesanal Isto, o mundo todo já sabe. de bons pesquisadores e designers, que resulte em um
2005, o Laboratório Piracema de Design, em conjunto é um caminho viável e dos mais interessantes para o Acreditamos que a primeira fase, experimental, desse repertório diversificado, rico. Queremos produtos com
com os designers Renato Imbroisi e Lucas Moura, re- desenvolvimento de um vernáculo brasileiro. E um ca- processo de transposição da cultura popular para uma um alto valor agregado – como é o artesanato tailandês
descobre Marajó a partir de sua vegetação, de seus minho de grande sucesso internacional nesse mo- linguagem contemporânea já tenha sido alcançada. É em palha – e, como lá, com um forte apoio governamental
manguezais, dos adornos nas casinhas de madeira, dos mento. Por que vocês acham que “o Brasil está na possível, sim, criar bons produtos com elementos lo- para que se consiga padronização e volume, capazes de
desenhos majestosos da cerâmica pré-cabralina. moda”? Certamente não por seu desenho industrial, cais e mão-de-obra pouco qualificada – mas extrema- sustentar uma política exportadora.
O levantamento iconográfico é o ponto de partida seu avanço tecnológico ou por suas descobertas cientí- mente sensível, como são os caipiras, as tecelãs, as bor- Falamos em vôos maiores?
para uma coleção de objetos, ricos em sua pureza e ficas. Sem detrimento do que tem sido alcançado pelos dadeiras, as trançadoras de palha e muitos mais. Renato Imbroisi é hoje um designer têxtil e coordena-
despretensão, sedutores. designers industriais que, graças à sua competência, Mas queremos um vôo maior. Vencida essa primeira dor de projetos trabalhando no Brasil e na África. Com
Acima, no projeto realizado em Maputo, amostras de tecido secando no varal, com padrões e tingimentos que surgiram da inspiração dos parti- Acima, a felicidade no sorriso de quem já pode produzir seus tecidos, tecer e costurar suas roupas, e exibir sua própria identidade
cipantes e do que se podia encontrar no entorno da comunidade. Abaixo, mantas usando os processos de tingimento shibori (raiz japonesa) e ba-
tique (raiz javanesa), aplicados no projeto Maciene

seu know-how adquirido em diversos projetos no Bra- Cabo e o convite para outros projetos em comunidades tos significativos no design, até agora dispersos na di-
MAPUTO, MOÇAMBIQUE, ÁFRICA

sil, criou em Moçambique a primeira coleção de tecidos carentes. O próximo será em São Tomé e Príncipe. nâmica cultural. É irradiador na medida em que se
e roupas – locais. Cabe aqui um resumo do que é o Laboratório Piracema propõe a estudá-los, tratá-los e relançá-los, científica
Ninguém imaginaria que até hoje os belos e coloridos de Design, cuja metodologia vem sendo implantada e criativamente.
panos usados pela população das cidades africanas em diversos projetos. De acordo com seus fundado- A criação do laboratório vem ao encontro de uma de-
são – em sua maioria – tecidos e tingidos na Holanda! res, a designer gaúcha Heloisa Crocco; José Alberto manda do mercado por produtos com design brasileiro.
E importados! Nemer, mineiro, doutor em artes plásticas; e Marcelo Seu objetivo também é o de formar profissionais e pres-
Nessa região extremamente pobre onde os brasileiros Drummond, mineiro, designer gráfico, o Piracema é um tar serviços para melhoria dos produtos.
atuaram com a comunidade local, eles começaram do centro de pesquisas. “Beber na fonte da tradição e transpirar contemporanei-
zero: fiar, tecer, buscar tingimentos na vegetação ao Seu objetivo? A especulação da cultura material brasi- dade é o que o laboratório reconhece como a melhor
redor, ressuscitar a iconografia, imprimir os tecidos, leira, servindo como catalisador e irradiador de nossa forma de dinamizar o panorama cultural, contribuir
desenhar as roupas. O resultado? Uma exposição em experiência, sob uma ótica plural e diversificada. O para o setor e fazer emergir o brilho renovador da iden-
Maputo, capital de Moçambique, outra na Cidade do projeto inclui a pesquisa e a reunião de acontecimen- tidade cultural brasileira”, afirma Heloisa Crocco. ❉
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ARC DESIGN
MAPUTO, MOÇAMBIQUE, ÁFRICA

Acima, no sentido horário: fibra de bananeira e preparo da massa para a produção de papel; pneu velho e os fios finíssimos – de alta resistência
– recortados para uso na tecelagem; capulana tramada em tear com fios de pneu; pastas e envelopes em papel de bananeira com tingimentos
naturais – item de grande sucesso: a Fundação Nelson Mandela encomendou, durante a exposição, 3 mil pastas! No pé da página, à esquerda,
tecido inspirado na técnica shibori, japonesa, que produz tingimentos irregulares; à direita, tecidos entremeados por fios de borracha.
Na página ao lado, uma África mais humana: todos os produtos, como as bolsas e a roupa da foto, fizeram parte de uma exposição/feira em
Maputo, capital de Moçambique, e, depois, na Cidade do Cabo

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