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Alberto Correia

Sílvia Laureano Costa

Ilustração de Odete Laureano realizada sobre gravura antiga

Histórias de um menino
que se chamava Menino Jesus

VIAGEM DE NAZARÉ PARA BELÉM

A história que vamos contar aconteceu há 2007 anos numa cidade da Palestina que, de tão bonita que era, se
chamou de Nazaré, palavra que na linguagem dos seus habitantes significa Cidade das Flores ou Cidade Florida.

Nesse tempo a Palestina pertencia ao Império Romano e o Imperador Augusto que governava o Império, querendo
saber quantos súbditos tinha, decidiu mandar contá-los.
Enviou então mensageiros a todos os lugares povoados com ordens para que todos os homens fossem registar o
seu nome, cada um na sua terra de origem.

Ora, na cidade de Nazaré vivia um homem de nome José, mais ou menos de trinta anos, carpinteiro de profissão.
A sua família era originária da cidade de Belém, nas terras da Judeia, de onde viera, há muito tempo, para Nazaré, cidade
da Galileia. E foi aqui que José casou com uma rapariga da cidade, de nome Maria, que acabara de fazer dezasseis anos.

José e Maria estavam casados há menos de um ano quando o arauto do imperador chegou a Nazaré acompanhado
por soldados. Mandou reunir os homens na grande praça e leu as ordens que trazia.
José partiu para Belém, a terra natal da sua família de sangue, para ali se registar. Maria foi com ele. Estava
grávida de quase nove meses, mas não quis ficar em Nazaré com sua mãe.

A viagem de Nazaré até Belém demorava cerca de três dias, andando a bom andar, como dizia quem já tinha feito
esse caminho. Mas no Inverno a viagem podia levar um pouco mais.
Maria, que levava num cestinho, à cabeça, o pequeno enxoval que fizera para o menino, não podia caminhar
muito depressa. José, às vezes tirava-lhe o cesto da cabeça e pendurava-o ao ombro, no cajado onde suspendera a sacola
com a merenda.
A cidade de Belém não era grande. Mas quem vinha de longe espantava-se com a linha de muralhas que rodeava o
casario, com as torres de defesa ladeando as grandes portas que ficavam abertas só de dia e com as torres que pareciam
espreitar do interior.

José e Maria que se tinham reunido a outros homens e mulheres que encontraram no caminho chegaram a Belém
ao terceiro dia, já tardinha. Não chovia, mas começava a fazer frio.
Maria reparou que as muralhas da cidade não tinham aquela cor bonita da pedra queimada pelo sol, como José um
dia lhe contara. E logo pensou que isso acontecia porque a essa hora o sol já de todo se escondera. Mas lá estavam as
torres. Uma delas, a maior, deveria pertencer ao grande palácio que o Rei David lá mandara construir.

Quando entraram na cidade repararam que andava muita gente pelas ruas procurando alojamento nas pousadas ou
um lugar para refeição.

José foi bater à porta de uma pousada em cuja tabuleta estava escrito Estrela de David. Estava cheia. Depois
bateu na porta ao lado. A casa tinha um cavalo branco pintado numa tabuleta de madeira. Também estava cheia. Disseram-
lhe na Praça que não valia a pena procurar, que estava tudo cheio. Foi aí que reparou que alguns se começavam a abrigar
nas arcadas do Mercado onde tinham acendido uma fogueira.

Lembrou-se então José de um amigo da família que era lavrador e foi com Maria procurá-lo à sua quinta nos
arredores da cidade. Não podia deixar que, naquele estado, Maria ficasse ao desamparo.

Não tardara a escurecer. Para os lados do Nascente começava a romper a lua-cheia. Ladraram cães ao sentir
passos de gente no caminho.
José bateu à porta.
Natanael, era assim que se chamava o lavrador, tinha a casa cheia com gente da família que também vinha de
longe. Ficara apenas livre, para dormir, o curral da burra e de um boi onde se agasalhavam muitas vezes mercadores de
peles ou louceiros.

José e Maria aceitaram a pousada.

Sentaram-se à porta do estábulo e comeram a merenda que traziam no bornal. José bebeu o vinho novo que lhe
mandara, numa infusa, o lavrador. Maria bebeu o leite quente que uma criada lhe trouxera num púcaro de barro.
Veio depois falar com eles o bom do lavrador. Quis saber da família de José, quis saber de Nazaré. Desejou-lhes
boa noite e deixou-lhes duas mantas de burel para dormir.

Nessa hora já não havia nuvens e o céu estava estrelado. A geada tinha começado a cair, como era hábito dizer.
Via-se o branquejar dos campos à volta da cidade. José disse a Maria que tudo aquilo eram trigais. Que Belém era o
celeiro do povo de Israel. E que o nome de Belém queria dizer Terra do Pão. Mas isso já Maria o aprendera por ter ouvido
ler as Escrituras.

José e Maria estenderam cada um a sua manta sobre a palha nova que o lavrador espalhara pelo chão. Rezaram as
orações costumadas que um e outro sabiam já de cor.
Maria não tardou a adormecer, de tão cansada.
José fechou os olhos. Mas o sono demorava.
Ficou-se a ouvir os barulhos da burrica a mastigar e o boi que entretanto se deitara, a remoer.
José nem soube bem como o tempo se passou. Ouviu cantar o galo e acordou.
Quis saber se Maria estava bem. E ela, já acordada, disse a José que o seu ventre estremecia. José disse a Maria
que tudo ia correr bem. E a pedido de Maria foi chamar, para ajudar, a mulher do lavrador.

Vieram, a correr, a mulher mais a criada.

Maria, nessa hora, era já mãe. Dava mama ao seu menino e sorria. E dentro do curral havia luz, uma luz tal que
parecia meio-dia.

O boi e a burrica acordaram com a luz e puseram-se a olhar, espantados, para a mãe e para o menino.

A mulher e a criada só então pegaram no menino. Puseram-lhe os cueiros e embrulharam-no em panos que a mãe
trouxera num cestinho. E, na falta de um berço, ajeitaram melhor umas palhinhas e deixaram-no dormir na manjedoura.
Depois foram para casa. E a mulher disse à criada que fosse matar uma galinha.

José falou ao lavrador que não sabia bem o que iria ser deste menino. E disse que iria dar-lhe o nome de Jesus.

OS PASTORES DE BELÉM

Ao redor da cidade de Belém havia pequenas quintas como a daquele lavrador que abrigou Maria e José no seu
estábulo.
Os camponeses cultivavam trigo e cevada em abundância. Guardavam em celeiros a quantidade necessária para a
sua alimentação durante o ano e para a ração dos animais. O excedente era vendido aos mercadores da cidade.
Semeavam lentilhas, favas, outros grãos. Semeavam também linho nas terras baixas, junto aos ribeiros. As
mulheres cuidavam dele durante o Verão. E fiavam no Inverno, ao serão. Mandavam-no depois tecer às tecedeiras e era
com os panos tecidos no tear que se fazia a maior parte das vestes de homem e de mulher. Com linho mais fino faziam os
mantos e as túnicas que mandavam levar ao tintureiro para tingir.
Alguns dos lavradores tinham rebanhos de ovelhas e de algumas cabras. Era o gado, como lhe chamavam. No
Verão as ovelhas e as cabras dormiam em currais, a céu aberto, que os pastores armavam pelos campos. No Inverno os
pastores recolhiam os rebanhos em casas de pedra cobertas de palha. Alguns aproveitavam as grutas cavadas na montanha
protegendo as aberturas com cancelas de madeira. Dormiam juntamente com o gado, sobre mantas de burel. Guardavam
deste modo os seus rebanhos dos ladrões e dos lobos que às vezes se aproximavam dos currais.

Conta-se que na noite em que o Menino Jesus nasceu, quando os pastores já dormiam profundamente, um deles
sentiu bater à porta e veio ver, estranhando que os cães não tivessem dado pela presença de qualquer intruso. Os outros
pastores deram conta do barulho e levantaram-se também.
Pouco passava ainda da meia-noite e cá fora havia uma claridade como se fosse já manhã.

Os pastores repararam então num jovem vestido de branco que estava junto de uma das casas e assustaram-se.
Mas o jovem logo os serenou. E disse trazer novas que lhes dariam grande alegria.
Contou-lhes que, nessa mesma noite, nascera em Belém o tal menino, o Salvador há muito anunciado para trazer
vida melhor a todo o povo.
Um dos pastores quis saber onde nascera esse menino. E o jovem vestido de branco apontou-lhes a quinta do
lavrador Natanael que ficava pertinho da cidade.
Um pastor mais novo quis saber outros sinais. E o jovem vestido de branco disse-lhes que o veriam deitado na
manjedoura do estábulo envolto em panos como os demais meninos.
O jovem vestido de branco retirou-se e quando os pastores já saíam com os casacos vestidos e os cajados na mão
ouviram um canto de muitas vozes que dizia: Glória a Deus nas alturas e paz na terra aos homens de boa vontade.

Os pastores resolveram passar pelas suas casas e aqueles que eram casados chamaram as mulheres e contaram o
sucedido. E cada um levou uma lembrança para o menino ou para os pais. Um dos pastores quis mesmo oferecer um
cordeirinho. As mulheres levaram ovos, queijos, pão acabado de cozer, bilhas com leite. Uma das pastoras levou paninhos
novos, de lã, para agasalhar o peito do menino. Um dos pastores, vendo o frio que fazia, levou uma cabaça com vinho
para o pai do menino.

Chegaram junto do estábulo do lavrador Natanael já o sol estava a romper. O lavrador que tinha por costume
madrugar estava no pátio da casa a conversar com José que também se erguera cedo.
Maria estava acordada. Tinha dado o peito ao menino que ficou a dormir profundamente e não quis acordá-lo.

José e o lavrador olharam de repente para os pastores. Um deles trazia aos ombros um cordeiro. As mulheres,
algumas carregavam cestas à cabeça, outras transportavam-nas no braço.
Quis saber o lavrador a razão que os trouxera ali. E foi então que um dos pastores contou ao lavrador e a José que
um anjo os procurara à meia-noite e lhes dissera ter nascido em Belém o Messias esperado e lhes mostrara, lá de longe, o
sítio do estábulo.
José ficou a ouvir, surpreendido. E o mesmo se passou com o lavrador.
Maria nessa hora, abriu a porta do estábulo. Não parecia admirada com a vinda dos pastores. E desejou bom dia a
todos.

Entretanto veio Sara, a mulher do lavrador, que saudou, uma a uma, as mulheres dos pastores. E também ela,
curiosa, quis saber porque estavam ali àquela hora. E elas logo ali lhe contaram toda a história que Maria ouviu e guardou
no coração.
E foi aqui que Maria as chamou para ver o seu menino.
Entraram todas no estábulo.
O menino com os passos acordou e Maria deixou que pegassem nele ao colo. E que fossem mostrá-lo aos
pastores.
Ofereceram-lhe os presentes que trouxeram. Maria disse que não estava à epera e que nem sabia bem como os
havia de guardar. Mas logo Sara se ofereceu para os recolher em sua casa.
As mulheres subiram as escadas com a mulher do lavrador e guardaram os presentes na arca de madeira que Sara
lhes abriu.
Regressaram depois a sua casa e de caminho foram conversando acerca do menino.
Os pastores partiram para junto dos rebanhos que estavam desejosos por sair das cortes para o campo onde já
batia o sol.

OS TRÊS REIS MAGOS

Conta-se que naquele tempo terá surgido no céu uma estrela muito brilhante, a mais brilhante de todas as estrelas
do céu. Aparecera para indicar o local onde se encontrava o menino a quem já chamavam, em toda a Belém, Menino
Jesus.
Quem costumasse olhar para o céu perceberia, com facilidade, que aquela não era uma estrela qualquer. Reluzia
intensamente e parecia caminhar devagar, muito devagar pelo manto azul, como se indicasse um caminho a alguém.
Quem a visse apetecia-lhe segui-la, mesmo sem saber onde é que ela levava.
Foi isso que aconteceu a uns Reis Magos, homens sábios que pensavam demoradamente sobre as coisas do
mundo e percebiam muito de Astrologia.
Os Reis Magos viram no céu um novo astro e um deles foi logo consultar os velhos pergaminhos, outro foi reler
os textos escritos em papiro e outro as tabuinhas de argila gravadas por escribas. Ficaram a saber que aquela estrela
anunciava o nascimento de um Grande Rei que haveria de governar todos os povos. E sentiram que era seu dever seguir a
estrela e ir visitar e levar presentes a esse Rei Menino.
Partiu cada um da sua terra, a Oriente. Seguiu cada um o seu caminho, guiados pela estrela que depois foi
conhecida como Estrela de Belém.
Vieram a encontrar-se mais tarde, seguindo depois viagem todos três.
Melchior, de cabelo e longas barbas brancas, era o mais velho deles os três. Vinha de uma cidade do Médio
Oriente que ficava junto do rio Eufrates. Montava um camelo ajaezado com arreios de ouro e eram de ouro as moedas que
trazia num cofre precioso apertado contra o peito, para as dar àquele menino que havia de ser Rei.
Gaspar era o mais novo dos três Magos. Teria vinte anos. Gostava de se aventurar por sítios desconhecidos para
aumentar o seu saber. Vinha lá de longe, de uma terra vizinha do Mar Cáspio, montado num robusto dromedário. Escolheu
para o Menino um cofre com incenso porque esta era uma oferta que se fazia à divindade e aquele Menino iria ser um Rei
Divino.
Baltazar teria pouco mais de quarenta anos e, segundo se conta, tinha a pele escura. Vinha de uma terra que ficava
para além do Golfo Pérsico onde nascera e onde agora era rei. Este fazia-se transportar no dorso de um elefante bem
valente. Trazia consigo uma preciosa caixinha de mirra, uma resina rara que servia para embalsamar e perfumar. E este
presente era o símbolo da humanidade deste Menino que nascera, como todos os homens, de um ventre de mulher.

Durante dias e noites atravessaram os Magos do Oriente os grandes desertos, ora sob um sol ardente, ora batidos
por ventos agrestes, ora debaixo de um frio de rachar, mas sempre, sempre, guiados pela estrela mais brilhante que algum
dia se viu no céu.
Melchior, Gaspar e Baltazar sentiam já o cansaço daquela longa viagem quando, no horizonte, por entre altas
palmeiras, se começaram a desenhar os contornos de uma grande cidade, como poucas se viam no Oriente.
Os Reis consultaram os seus mapas e souberam que era Jerusalém, nas terras da Judeia onde, segundo leram nos
seus livros, iria nascer o tal Menino-Rei.

Era já tarde e os três Reis pediram aos criados para montar as suas tendas à beira da cidade. Mas quando a noite
veio e olharam para o céu não viram a estrela como era habitual.

Na manhã do dia seguinte, logo que as portas da cidade se abriram, enviaram mensageiros ao palácio do rei para
que ele os recebesse.
O rei Herodes recebeu-os ao meio-dia sentado no seu trono.
Melchior inocentemente perguntou-lhe:
- Majestade, onde é que nasceu o rei dos judeus? Esse rei que as profecias antigas já chamavam de Messias, que
na tua língua quer dizer Salvador?!... Vimos a sua estrela no Oriente e viemos adorá-lo!
O rei Herodes ficou perturbado. Afinal ele era ou não era o rei dos judeus?!
Não se deu por achado e mandou chamar os sábios da Corte e os escribas habituados a ler livros antigos. E
perguntou-lhes:
- Onde é que nascerá o Messias?
Os sábios e os escribas responderam:
- Os profetas dizem que nascerá em Belém, cidade da Judeia.
O rei Herodes chamou para junto de si os três Reis Magos e disse-lhes:
- Hoje ficareis comigo no Palácio. Amanhã, pela manhã, partireis para Belém. Informai-vos bem acerca do
menino. Depois vinde dizer-mo para que também eu vá adorá-lo.
Melchior disse que tinham pressa de partir. Deixariam a cidade pela fresca da tardinha.
Os três Reis saíram do palácio convencidos das más intenções daquele rei que lhes pareceu cruel e caprichoso.
Mandaram levantar as suas tendas e puseram-se a caminho. Iam já longe da cidade, quando a estrela de novo se
mostrou.

Chegaram a Belém ao findar do outro dia. A estrela que era guia parou lá nas alturas e desceu sobre a cidade um
véu de luz. Nessa hora a cidade inteira já dormia. Nem sequer um cão ladrava dentro dos seus muros nem cá fora, nos
currais.
Outra vez mandaram armar as suas tendas e acender, junto delas, as fogueiras. Outra vez, no silêncio, se ficaram a
olhar o céu estrelado.
Foi então que um braço da estrela foi pousar numa choupana, ali perto, sobre o descampado. E lá foram, felizes,
os Reis Magos, todos três. Os criados, atrás, levavam os presentes.

Os passos dos Magos ecoavam no silêncio dos campos cobertos de geada. Chegados à porta do estábulo que a
estrela iluminava viram lume aceso e sentiram os animais a remoer.
Maria dava de mamar ao menino e, de tão embevecida, nem os viu entrar.
Foi então que os Três Reis se prostraram e ficaram, longo tempo, de joelhos, adorando aquele Menino que para
eles era Homem, era Deus e era Rei.
Levantaram-se depois e deram a Maria os seus presentes: ouro, incenso e mirra.
Maria agradeceu e disse que os guardava para o Menino.
Os Três Reis regressaram depois às suas tendas.

Nessa noite Melchior teve um sonho: Herodes, o malvado, queria fazer mal àquele Menino.
De manhã chamou os outros Reis e partiram da cidade escolhendo outro caminho.

A FUGA PARA O EGIPTO

O rei Herodes ficou muito zangado quando um dos homens nobres da Corte lhe veio dizer que os Reis Magos
tinham regressado às suas terras.
- Como é que isso aconteceu, disse-lhe o rei?! Eu pedi-lhes para voltarem a Jerusalém! Porque é que o não
fizeram?!
O ministro não soube responder. Limitou-se a dizer ao rei que os soldados, que vigiavam os caminhos, viram
passar a caravana dos Reis Magos, como o povo já chamava aqueles reis, pela estrada real que seguia de Belém para
Oriente junto às margens do Mar Morto. E que àquela hora já deviam ter transposto a fronteira.
O rei Herodes não se conformou.
Quis saber então mais notícias sobre o tal menino que os Reis Magos vieram adorar, como eles diziam. E quis
saber se alguém dentro da cidade tinha visto aquela estrela que guiara os Reis até Jerusalém.
O ministro contou-lhe o que sabia.
Por aquilo que constava, na cidade ninguém vira a tal estrela. Mas corria à boca cheia entre o povo miúdo da
cidade que em Belém tinha nascido um menino que um dia havia de ser rei. Sabia-se de gente que se havia deslocado a
Belém para conhecer esse menino.
O ministro não se atreveu a dizer a Herodes que o povo andava descontente com aquela forma de governo.
- Vai, disse irritado, para o ministro. Vai depressa e manda vir à minha presença o capitão da minha guarda!...
O ministro saiu e na pressa que levava esqueceu-se de fechar a porta do Salão do Trono. Mas o rei nem deu por
isso, de tão perturbado que estava. Levantou-se. Pôs-se a falar sozinho e a dar grandes passadas no Salão.

- Licença, Majestade! Gritou da porta aberta o capitão. - Que mandais?


O rei foi sentar-se outra vez nas alturas do seu trono, chamou para junto dele o capitão da sua guarda e contou,
tim-tim-por-tim-tim, a conversa que tivera com o ministro. No fim disse-lhe:
- Agora quero que vás a Belém. Quero que mandes matar todas as crianças com menos de dois anos que haja na
cidade. Faz como entenderes. Leva os soldados que quiseres mas parte depressa.
E disse mais:
- Quando voltares manda saber dos homens que foram a Belém. Quero que os prendas todos. Quero que paguem
com a vida esta traição.

O capitão da guarda saiu a largos passos do Salão e foi cumprir as ordens que lhe deu o rei.
Mandou chamar à sua presença todos os oficiais e ordenou que convocassem os soldados e os armassem com
espadas e punhais. Partiriam dentro de dois dias ao nascer da Lua. Não lhes disse ali qual era o seu destino nem a
finalidade da acção.

Dois dias depois, sobre o anoitecer, o capitão da guarda partia para Belém levando consigo mais de mil soldados.

Ora na tarde do dia anterior a esta partida dos soldados, um dos mercadores que abastecia de cereal o Palácio
Real, viera de Jerusalém a Belém para comprar trigo ao lavrador que hospedara José em sua casa e enquanto mediam para
os sacos as rasas de cereal contou-lhe que o rei Herodes dera ordem ao capitão da guarda para vir a Belém matar os
meninos que tivessem menos de dois anos.
O lavrador não disse nada. Continuou a medir o trigo como se nada fosse, mas notava-se que ficara preocupado.
O mercador por sua vez calou-se. Sabia que era perigoso ter destas conversas sobre o rei.
Quando o mercador já ia longe com os machos carregados, Natanael foi contar a Sara o que este lhe dissera sobre
a vinda dos soldados a Belém. Decerto iriam lá a casa e encontrariam o menino. E depois de conversarem acharam que o
melhor para o Menino e para os pais era fugir. E pensaram logo no Egipto onde havia muita gente emigrada da cidade.
Sara foi dar, com muito jeito, a notícia a Maria. O lavrador mandou um dos seus filhos à cidade para chamar José
que agora trabalhava na oficina de um velho carpinteiro.
José, preocupado, quis saber por que razão o mandara chamar o pai daquele rapaz. Mas o pai não lhe dissera. E
José logo pensou em Maria e no menino, que um ou outro adoecera. Meteu num saco as ferramentas, a serra, o machado e
a enxó e partiu apressado com o rapaz.
Esperava por ele, à porta, o lavrador que o levou para dentro de casa e lhe contou a conversa que tivera à tarde
com o tal mercador.
Sara chegava entretanto acompanhada de Maria que trazia o menino pela mão. Maria já sabia a história que Sara
lhe contara. Apetecia-lhe chorar mas conteve-se por causa do menino.
Natanael chamou os dois e disse-lhes que eles tinham de partir logo de manhã para o Egipto. Sara iria preparar os
alforges com roupas e a merenda. Maria e o menino iriam a cavalo na burrica que tinha albarda nova e ferraduras
acabadas de deitar pelo ferrador.
O lavrador deu a José o nome de um amigo num papel. Estava há muito tempo no Egipto. Iria, de princípio,
dar--lhes abrigo lá em casa e ajudá-lo-ia depois a encontrar novo trabalho.
José guardou esse papel na bolsa de couro que trazia presa ao cinto e desceu para os aposentos que ocupava há
pouco tempo com Maria.
José mal tocou na ceia que Maria tinha feito. Maria comeu pouco e foi deitar o filho. Guardou as roupas do
menino num cestinho e fez a trouxa com as roupas dela e as roupas de José.
José guardou dentro da trouxa um cofrezinho com moedas de ouro que um dos reis lhe dera para o menino. Maria
guardou os presentes de incenso e de mirra que ofereceram ao menino os outros reis. Depois foram-se deitar.
José ficou durante muito tempo a pensar na maldade do seu rei e na sorte de Maria e do menino. Ainda ouviu
cantar o galo e só depois adormeceu.
José acordou de um sono breve, era alta madrugada. Havia estrelas no céu e a lua, que era lua-cheia, estava
quase a esconder-se para os lados do Poente.
Natanael já tinha aparelhado a burrica e Sara pusera sobre a albarda uma colcha de lã nova para agasalhar o colo
de Maria. Nos alforges guardou pão, carne fumada, tâmaras, romãs e a cabaça com o vinho
José quis pagar ao lavrador o preço da burrica.
- Far-lhe-á falta. É para comprar outra!... Disse José, entregando-lhe o dinheiro.
- Leve a burrica! Ordenou Natanael – Leve a Trote-Miúdo, que é mansinha.
Era assim que ele chamava, carinhosamente, a tal burrica. Chamava-lhe assim, Trote-Miúdo, porque ela dava
passos pequeninos, mas era ligeirinha.
- Eu cá me hei-de arranjar com aquele Papa-Açorda do bezerro.
Era assim que o lavrador chamava, às vezes, o boi que ficara no estábulo. Chamava-o assim porque ele estava
sempre a remoer a palha-triga ou a erva que lhe punha à manjedoura. E dava-lhe palmadas, de mansinho, no lombo de
pêlo avermelhado.
Maria ouviu falar cá fora e acordou. Levantou-se. Deu a mama ao menino. Comeram pão e queijo, ela e mais
José.
Maria despediu-se de Sara com um abraço, a chorar.
Sara, morrendo já de saudades de Maria e do menino a quem queria como avó, disse, como se estivesse cheia de
coragem:
- Vai. Não tenhas medo. Quando o malvado do rei morrer mandamos-te chamar!
E Sara e Natanael ficaram algum tempo a vê-los andar pelo caminho.

HISTÓRIA DE DIMAS, O LADRÃO

Quando iam já no terceiro dia de viagem, um pouco antes do anoitecer, José viu ao longe fumegar uma cabana e
dirigiu-se com Maria para lá.
Foi então que, de repente, saltou sobre o caminho um homem com uma cara feia de ladrão. Deitou mãos à rédea
da burrica, mas antes que roubasse a trouxa de José, o menino estendeu a mãozita para o braço do ladrão e o machado que
ele trazia logo ali caiu ao chão. José nem soube bem como é que aquilo aconteceu. Quando se deu conta já o ladrão se
ajoelhara e pedia o seu perdão.
José disse ao ladrão que perdoava. Conversou com ele. Perguntou-lhe o nome. Quis saber da vida que levava.
Dimas, era assim que se chamava o tal ladrão, morava na cabana que eles viram, ao longe, a fumegar. Ninguém
lhe dava trabalho por aqueles lugares. Ele tinha uma família e quando não havia pão ia roubar.
Dimas perguntou a José o destino da viagem. E José contou que seguia para o Egipto.
O ladrão, que na nossa história sempre assim se há-de chamar, disse a José que tudo à frente era deserto. Que o
Inverno estava à porta. Nenhuma caravana tão depressa ia passar e sozinho não conseguiria lá chegar.
Dimas ofereceu, como pousada, a sua casa. A sua mulher, chamada Ester, ficaria bem contente se aceitassem lá
ficar.
José olhou para Maria e aceitou. E Dimas guiou-os para lá levando a burrica pela rédea.
A mulher de Dimas estava à porta e olhou com espanto os estranhos que chegavam. E foi Dimas quem contou a
história de José e o convite que fizera.
Guardaram a burrica no curral. Ester mostrou dentro de casa os aposentos. Mostrou o seu menino que nascera
entrevadinho e a mãe de Dimas doente sobre um catre.
Ester disse a Maria, com pesar, que a casa era pequena. E que era pobre a ceia que fizera.
Maria sossegou-a dizendo que tudo estava bem. E foi ao alforge da burrica e trouxe o pão, a carne e as frutas que
levava. José trouxe a cabaça com o vinho.
Sentaram-se à mesa para a ceia.
Maria foi levar à mãe de Dimas a tigela do caldo migado com o pão. E esta logo que o comeu sentiu-se bem.
Ergueu-se, feliz, da sua cama e veio para a mesa conversar.
Maria quis dar banho ao menino antes de o pôr a dormir. Ester foi buscar uma celha de madeira e trouxe água
quentinha do pote que fervia na lareira. Caíram uns salpicos de água pelo chão e logo ali nasceram ervas perfumadas.
Maria foi deitar o menino a dormir. E veio depois, com um cestinho, colher aquelas ervas que tinham já flor. Fez
com elas um perfume raro e entregou-o à mãe de Dimas para que o mandasse à filha que tinha na cidade.
Ester aproveitou a água do banho do menino, molhou um pano e lavou com ele o seu filho aleijadinho. E logo,
por surpresa, o viu curado.

Foi bem longo aquele Inverno. As mulheres fiaram lã. Dimas e José cortaram lenha na floresta para vender. O
filho de Dimas brincou com o menino.
Quando a Primavera, por fim, se anunciou, a mãe de Dimas disse assim ao seu filho:
- Leva Maria, José e o Menino. Ensina-lhes o caminho que vai para o Egipto.

Um dia, de manhã, lá partiram, Dimas e eles os três. A mãe de Dimas, Ester e mais o filho ficaram à porta a
acenar.
Dimas fez com eles quase um dia de caminho até que os deixou na estrada que ia, à beira-mar, para o Egipto.
Dimas regressou a casa.
Segundo conta a história, Dimas morreu muitos anos mais tarde e ficou conhecido como o Bom Ladrão.

O REGRESSO DO EGIPTO

Maria, José e o Menino foram bem acolhidos no Egipto. José trabalhou como carpinteiro nas obras grandes da
cidade. Maria cuidava das roupas, de moer o pão, de fiar o linho e cuidava do menino.
Um dia chegou, na caravana, o filho do lavrador que os recebera na sua casa de Belém. Vinha dizer-lhes que já
tinha morrido o rei Herodes. Podiam, se quisessem, voltar para Belém.
José deixou as obras. E partiu com Maria, o Menino e a burrica, já mais velha, para Belém.
Procurou Natanael para agradecer os cuidados do amigo. E foi este quem lhe disse que o novo rei era Arquelau,
filho de Herodes.
José teve medo que este novo rei viesse a fazer mal ao seu menino. Partiram então para a Galileia. E ao fim de
três dias, como dantes, chegaram outra vez a Nazaré, a Cidade Florida.
José trabalhava ali de carpinteiro. Maria cuidava da casa, do filho e de José. O menino ia crescendo como
qualquer outro menino que tivesse a sua idade.

O menino das histórias que acabámos de contar é aquele menino que, pelo Natal, todos chamam MENINO
JESUS.

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