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Medicina, Ribeirão Preto, Simpósio: URGÊNCIAS E EMERGÊNCIAS DERMATOLÓGICAS E TOXICOLÓGICAS

36: 490-497, abr./dez.2003 Capítulo V

ACIDENTES POR ANIMAIS PEÇONHENTOS:


ESCORPIÕES E ARANHAS

ENVENOMATION CAUSED BY POISONOUS ANIMALS: SCORPIONS AND SPIDERS

Palmira Cupo1 ; Marisa M. de Azevedo-Marques2 & Sylvia Evelyn Hering1

1
Docentes. Departamento de Puericultura e Pediatria. 2Docente. Departamento de Clínica Médica. Faculdade de Medicina de Ribeirão
Preto - USP.
CORRESPONDÊNCIA: Unidade de Emergência do Hospital das Clínicas da FMRP-USP. 2º andar. CEP: 14015-130. Ribeirão Preto - SP .

CUPO P; AZEVEDO-MARQUES MM & HERING SE. Acidentes por animais peçonhentos: Escorpiões e ara-
nhas. Medicina, Ribeirão Preto, 36: 490-497, abr./dez. 2003.

RESUMO - São abordados aspectos da fisiopatologia, clínica e terapêutica dos envenena-


mentos humanos, causados por escorpiões do gênero Tityus e aranhas do gêneros Phoneutria
e Loxosceles, encaminhados ao Centro de Controle de Intoxicações (CCI) da U.E.-HCFMRP-
USP. Quando indicada, a soroterapia antiveneno (SAV) específica deverá obedecer ao roteiro de
aplicação, descrito para os acidentes ofídicos.

UNITERMOS - Escorpiões. Aranhas. Envenenamento. Antivenenos.

1 - ESCORPIÕES hemolítica, proteolítica, colinesterásica, fosfolipásica


e que não consome fibrinogênio.
ACIDENTES ESCORPIÔNICOS Atua em sítios específicos dos canais de sódio,
produzindo despolarização das terminações nervosas
No Brasil, três espécies de escorpiões do gê- pós-ganglionares dos sistemas simpático, parassimpá-
nero Tityus têm sido responsabilizadas por acidentes tico e da medula da supra-renal, desencadeando libe-
humanos: T. serrulatus (escorpião amarelo), T. ração de adrenalina, noradrenalina e acetilcolina. Es-
bahiensis (escorpião marrom), e T. stigmurus, sendo ses neurotransmissores, atuando em diferentes seto-
o T. serrulatus responsável pela maioria dos casos res do organismo, são responsáveis pela maior parte
mais graves. dos sintomas e sinais clínicos, observados nos pacien-
De 1982 a 2000, foram registrados no Centro tes, sendo muito variados e mutáveis. O quadro clíni-
de Controle de Intoxicações de Ribeirão Preto, que co estabelecido vai depender da predominância dos
funciona junto à Unidade de Emergência do HC-FMRP efeitos ora colinérgicos ora adrenérgicos.
– USP, 9228 pacientes, vítimas de picadas por escor-
piões. Em 75,2% dos casos, o escorpião envolvido no Quadro Clínico
acidente foi o T. serrulatus, em 9,5%, o T. bahiensis Para efeitos de classificação quanto à gravida-
e, em 15,2%, o agente agressor não foi identificado. de, podemos dividir as manifestações em locais e sis-
têmicas, que vão definir o escorpionismo como leve,
Ação do Veneno moderado ou grave.
A toxina escorpiônica é uma mistura complexa
de proteínas de baixo peso molecular, associada a pe- Manifestações locais
quenas quantidades de aminoácidos, sem atividade A dor local, que ocorre praticamente em todos

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Acidentes por animais peçonhentos: Escorpiões e aranhas

os pacientes, é de intensidade variável, até insuportá- Pode haver evolução para choque cardiocircu-
vel, sendo o motivo maior da busca rápida de atendi- latório e edema agudo do pulmão, sendo as causas
mento médico. Em queimação, agulhadas ou latejante, mais freqüentes de óbito no escorpionismo.
a dor aumenta de intensidade com a palpação e pode Em nossa região, a distribuição da gravidade
irradiar-se para a raiz do membro acometido. Freqüen- dos acidentes, nas diferentes faixas de idade, tem se
temente há parestesias. O ponto de inoculação do mantido constante no decorrer dos anos. Consideran-
veneno pode não ser visível, entretanto podem ser do-se o conjunto de todos os pacientes, observa-se
encontrados halo eritematoso e edema discretos, su- que cerca de 97-99% dos casos podem ser conside-
dorese e piloereção. rados leves. Porém, se analisarmos apenas o grupo
Nos envenenamentos mais graves, a dor é mas- etário até os sete anos de idade, essa porcentagem
carada pelas manifestações sistêmicas, surgindo após cai para 80%, ou seja, de cada 10 crianças vítimas de
melhora das condições gerais do paciente. escorpionismo, duas apresentam quadro moderado ou
grave. Também, nesse grupo etário, ocorreram cinco
Manifestações Sistêmicas dos sete óbitos observados em nosso serviço.
A liberação de acetilcolina causa aumento das
secreções das glândulas lacrimais, nasais, sudoríparas, Exames Complementares
da mucosa gástrica e do pâncreas, provocando lacri- Nos pacientes com manifestações sistêmicas,
mejamento, rinorréia, sudorese e vômitos. Podem ser podem ser encontrados leucocitose com neutrofilia, hi-
observados tremores, espasmos musculares, miose, perglicemia e glicosúria, hipopotassemia, hiperamila-
bradicardia, hipotensão, priapismo e hipotermia. semia, aumento da creatinoquinase e de sua fração
Como conseqüência da liberação de catecola- MB. Nos casos mais graves, foi demonstrado aumen-
minas, pode haver midríase, arritmias respiratórias e to da troponina I, hoje considerado o marcador mais
cardíacas, taquicardia, hipertensão arterial, podendo evoluir sensível de lesão miocárdica. Essas alterações geral-
para falência cardiocirculatória e edema agudo. mente são reversíveis dentro da primeira semana de
Cefaléia e convulsões causadas por encefalo- evolução.
patia hipertensiva, e hemiplegias, relacionadas com O eletrocardiograma é de grande auxílio na
infarto cerebral, têm sido descritas mais raramente. avaliação da gravidade e no acompanhamento da evo-
lução clínica. Podem ocorrer taquicardia ou bradicar-
Classificação do Escorpionismo dia sinusal, extra-sístoles ventriculares, distúrbios de
• Acidentes leves: somente presente a sintomato- repolarização ventricular com inversão da onda T, em
logia local, sendo a dor referida em praticamente várias derivações, presença de ondas U proeminen-
100% dos casos. Podem ocorrer vômitos ocasio- tes, onda Q e infra ou supradesnivelamento do seg-
nais, taquicardia e agitação discretas, decorrentes mento ST, alterações essas semelhantes às observa-
da ansiedade e do próprio fenômeno doloroso. das no infarto agudo do miocárdio.
Nos casos graves a ecocardiografia tem reve-
• Acidentes moderados: além dos sintomas locais,
lado hipocinesia difusa e transitória do septo interven-
presentes também algumas manifestações sistêmi-
tricular e da parede posterior do ventrículo esquerdo,
cas, isoladas, não muito intensas, como sudorese,
às vezes associada à regurgitação mitral, bem como
náuseas, vômitos, hipertensão arterial, taquicardia,
diminuição da fração de ejeção e da porcentagem de
taquipnéia e agitação.
encurtamento das fibras.
• Acidentes graves: as manifestações sistêmicas são A radiografia do tórax pode evidenciar aumen-
bastante evidentes e intensas. Vômitos profusos e fre- to da área cardíaca e sinais de edema pulmonar agu-
qüentes (a intensidade e a freqüência dos vômi- do, habitualmente assimétrico, muitas vezes unilateral.
tos são um sinal premonitório e sensível da gra- Nos casos raros de hemiplegia, a tomografia
vidade do envenenamento), sudorese generaliza- cerebral computadorizada pode mostrar alterações
da e abundante, sensação de frio, pele arrepiada, pali- compatíveis com infarto cerebral.
dez, agitação psicomotora acentuada, podendo es- Técnicas de imunodiagnóstico (ELISA) têm
tar alternada com sonolência, hipotermia, taqui ou bra- sido utilizadas para detecção quantitativa do veneno
dicardica, extra-sistolias, hipertensão arterial, taqui circulante, do Tityus serrulatus nos paciente com
e hiperpnéia, tremores e espasmos musculares. formas moderadas e graves de escorpionismo.

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Cupo P; Azevedo-Marques MM & Hering SE

Tratamento dos e 4-6 para os graves (Ministério da Saúde – Fun-


dação Nacional de Saúde, Brasília, 1999). A dose que
O tratamento visa neutralizar o mais rápido pos- temos utilizado é de quatro ampolas para os acidentes
sível a toxina circulante, combater os sintomas do en- moderados e oito para os graves, por via intravenosa,
venenamento e dar suporte às condições vitais do pa- sem diluição, durante 15 a 30 min, lembrando que a
ciente. Todas as vítimas de picada de escorpião, mes- dose é a mesma para crianças e adultos.
mo que o quadro seja considerado leve, devem ficar Os princípios da soroterapia e a rotina de apli-
em observação hospitalar nas primeiras 4 a 6 h após o cação dos soros antivenenos, na Unidade de Emer-
acidente, principalmente as crianças. Nos casos mo- gência do Hospital das Clínicas da FMRP-USP, cons-
derados, recomenda-se, pelo menos, 24 a 48 h de ob- tam do capítulo sobre acidentes ofídicos.
servação e, nos casos graves, com instabilidade dos
sistemas cardiorrespiratórios, está indicada a interna- Suporte às Condições Vitais
ção com monitorização contínua dos sinais vitais. Todos os casos graves de escorpionismo de-
vem ser monitorizados continuamente quanto à fre-
Tratamento Sintomático qüência cardíaca e respiratória, pressão arterial, oxi-
Dor - O combate à dor deve ser realizado sem- genação, equilíbrio ácido-base e estado de hidratação.
pre, pois constitui motivo de inquietação e angústia, Traçado eletrocardiográfico, contínuo ou de forma
agravando o estado geral. Podem ser utilizados anal- seriada, é necessário para detecção de arritmias e
gésicos por via oral ou parenteral, dependendo da in- outras alterações cardíacas.
tensidade da dor (dipirona ou mais potentes, de tipo O manejo farmacológico dos casos graves, com
meperidina, IM ou IV) e/ou anestésicos sem vaso- bloqueadores adrenérgicos e colinérgicos, é bastante
constritor, do tipo lidocaína 2% ou bupivacaína 0,5%, controvertido nos acidentes humanos devido à grande
injetados no local da picada ou sob a forma de blo- instabilidade do paciente, com mudanças rápidas nas
queio, na dose de 1 a 2 ml para crianças e de 3 a 4 ml manifestações clínicas, predominando ora os efeitos
para adultos. As infiltrações podem ser repetidas até adrenérgicos ora os efeitos colinérgicos.
três vezes, em intervalos de 40 a 60 min. Em casos de bradicardia sinusal grave ou blo-
Nos casos de vômitos profusos, além da hi- queio AV total, que colocam a vida do paciente em
dratação parenteral (cuidadosa, devido ao risco de risco, pode ser utilizada a atropina IV. Dados experi-
edema agudo), pode-se se utilizar bromopride ou mentais mostram que o uso de atropina pode poten-
metoclopramida intravenosa. cializar o efeito hipertensor e agravar a intensidade
O combate à dor, como medida única adotada, do edema agudo pulmonar, induzido pelo veneno
é geralmente suficiente para todos os casos leves e, escorpiônico. Na vigência de insuficiência cardíaca
em adultos, para a maioria dos acidentes moderados. congestiva e/ou edema pulmonar, o tratamento deve
ser de suporte, com diuréticos e oxigenioterapia. Nos
Tratamento Específico casos mais graves, e na presença de hipotensão ou
O soro antiescorpiônico (ou antiaracnídico) está choque, está indicado o uso de aminas vasoativas
formalmente indicado em todos os casos graves. Nos (dobutamina) e, se necessário, ventilação mecânica.
moderados, tem sido nossa conduta utilizá-lo apenas Em casos de hipertensão arterial mantida, tem sido
em crianças abaixo de sete anos, por constituírem grupo preconizado o uso de alfa bloqueadores, vasodilatado-
de risco. Para os demais, preconizamos, inicialmente, res e inibidores do canal de cálcio. Em nossa experi-
combater a dor e manter o paciente sob observação e, ência, a hipertensão, mesmo quando acentuada, tem
a qualquer sinal de agravamento do quadro, iniciar a caráter transitório, cedendo espontaneamente, após
soroterapia. É importante ressaltar que a gravidade do soroterapia específica, nas primeiras 6 h.
quadro já se manifesta dentro da primeira ou da se-
gunda hora após acidente. Complicações e Prognóstico
A dose de soroterapia, preconizada nos Manuais Prognóstico geralmente bom, principalmente
de Diagnóstico e Tratamento de Acidentes por Ani- nos casos leves e moderados. Nos casos graves, as
mais Peçonhentos é de 2-4 ampolas para os casos mo- primeiras 24 h são críticas, período no qual podem
derados e 5-10 para os graves (Secretaria de Estado surgir as temidas complicações cardiocirculatórias e
da Saúde – São Paulo, 1993) e de 2-3 para os modera- pulmonares, que podem levar o paciente à morte.

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Acidentes por animais peçonhentos: Escorpiões e aranhas

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Cupo P; Azevedo-Marques MM & Hering SE

2- ARANHAS terminações nervosas, sensitivas e motoras do siste-


ma nervoso autônomo, ocasionando liberação de ca-
No Brasil, existem três gêneros de aranhas tecolaminas e acetilcolina.
de importância médica: Phoneutria, Loxosceles
e Latrodectus. Os acidentes causados por Lycosa Quadro Clínico
(aranha-da-grama), bastante freqüentes, e pelas Predominam as manifestações locais. A dor,
Megalomorphae (caranguejeiras), muito temidas, são sintoma mais freqüente, ocorrendo imediatamente após
destituídos de maior importância. a picada, desde leve até muito intensa, quase insupor-
São animais carnívoros, alimentando-se princi- tável, pode irradiar-se à raiz do membro acometido, e
palmente de insetos, como grilos e baratas. Muitas acompanhar-se de parestesias. No local picado, pode-
têm hábitos domiciliares e peridomiciliares. se observar edema, eritema e sudorese ao redor dos
dois pontos de inoculação.
Foram registrados, no CCI de Ribeirão Preto, e As picadas ocorre mais freqüentemente nas
atendidos na Unidade de Emergência do HCFMRP- extremidades dos membros, não evoluindo a lesão para
USP pelas equipes de Clínica Médica e Pediatria, du- necrose.
rante o período de 1994 a 2002, 7191 acidentes cau- De acordo com a gravidade, os acidentes po-
sados por animais peçonhentos, dos quais 383 (5,32%) dem se classificar em leves, moderados ou graves,
por aranhas, assim distribuídos: sendo estes bastante raros e somente observados em
crianças. (Quadro I).
Phoneutria 126 32,9%
Tratamento
Lycosa 23 6,0%
O tratamento visa combater sintomas do enve-
Loxoceles 8 2,1% nenamento, neutralizar o veneno circulante e dar su-
porte às condições clínicas do paciente.
Megalomorphae 11 2,8% O combate à dor deve ser sempre realizado,
Não Identificadas 215 56,1% podendo ser usados analgésicos por via oral ou paren-
teral e/ou anestésicos locais, sem vasoconstritor.
A soroterapia está formalmente indicada em
ACIDENTES POR ARANHAS DO GÊNERO crianças menores que sete anos de idade, com aci-
PHONEUTRIA dentes moderados e em todos os acidentes graves.
Deve ser aplicada pela via endovenosa, sem diluição,
As aranhas do gênero Phoneutria são conhe- na dose de 2-4 ampolas para os casos moderados e
cidas pelo nome popular de “armadeiras”, devido à de 5-10 ampolas nos casos graves, sendo a mesma
posição que assumem, quando se encontram em peri- dose utilizada para adultos e crianças.
go, erguendo as patas dianteiras e apoiando-se nas O paciente deve ser internado para melhor con-
traseiras, apresentando comportamento agressivo ao trole dos dados vitais, parâmetros hemodinâmicos e
enfrentarem seus inimigos. respiratórios e tratamento de suporte das complica-
São as responsáveis pelo maior número de aci- ções associadas.
dentes no Estado de São Paulo, porém, embora pro-
duzam veneno potente, raramente ocasionam aciden- Diagnóstico Laboratorial
tes graves. Nos poucos relatos de acidentes com manifes-
Não constroem teia geométrica, caçam princi- tações sistêmicas, têm sido descritos leucocitose com
palmente à noite. Os acidentes ocorrem, freqüente- neutrofilia, hiperglicemia e alterações de ECG.
mente, dentro das residências e nas suas proximida-
des, ao se lidar com materiais de construção, entu- Prognóstico
lhos, lenha, cachos de banana, caixotes de frutas. O prognóstico é bom. Crianças, bem como ido-
Estudos experimentais demonstraram que o sos devem ser mantidos em observação por período
veneno atua basicamente sobre os canais de sódio, de pelo menos 6 h, em ambiente hospitalar. Os óbitos
induzindo despolarização das fibras musculares e de são excepcionais.

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Acidentes por animais peçonhentos: Escorpiões e aranhas

Quadro I: Acide nte s por aranhas do gê ne ro P honeut ri a - Clas s ificação quanto à gravidade , manife s taçõe s
clínicas , tratame nto ge ral e e s pe cífico

Trat ament o
C l assi fi cação Mani fest ações C l í ni cas Trat ament o G eral
E specí fi co

O bservação clínica
Dor local na maioria dos casos, eventualmente,
Le ve Anestésico local e/ou
taquicardia e agitação
analgésico

Q uadro local associado a: sudorese e/ou vômitos Internação hospitalar


Soro Antiaracnídico
M ode rado ocasionais e/ou agitação e/ou hipertensão arterial Anestésico local e/ou
2- 4 ampolas IV
(todas de pequena intensidade) analgésico

Além das citadas acima, apresenta uma ou mais


das seguintes manifestações: sudorese profusa,
Unidade de C uidados Soro Antiaracnídico
Grave vômitos intensos, priapismo, convulsões, coma,
Intensivos 5- 10 ampolas IV
insuficiência cardíaca, bradicardia, choque e/ou
edema pulmonar agudo
Fonte: Brasil. Ministério da Saúde. Manual de Diagnóstico e Tratamento de Acidentes por Animais Peçonhentos. Brasília, 1998

ACIDENTES POR ARANHAS DO GÊNERO Diagnóstico Diferencial


LOXOSCELES
Considerando que apenas 30% dos casos sus-
Conhecidas popularmente como aranhas mar- peitos de acidente loxoscélico são confirmados, é fun-
rons, têm hábitos noturnos, alojando-se em lugares damental a atenção no diagnóstico diferencial, princi-
quentes e secos, tais como sob cascas de árvores, te- palmente com:
lhas e tijolos empilhados, atrás de quadros e móveis, • Infecção de pele (bacteriana ou viral), como celuli-
cantos de parede, cortinas, rodapés, roupas pendura- te, erisipela e herpes.
das, roupas de cama e banho, sempre ao abrigo da luz • Dermatite de contato
direta. Constroem teias irregulares, com aspecto de • Picadas de inseto ou por outras aranhas.
algodão esfiapado, e alimentam-se de pequenos inse-
tos, moscas, pernilongos, cupins, traças e pulgas. São Quadro Clínico
aranhas não agressivas, picando apenas quando se A picada é praticamente imperceptível e rara-
sentem ameaçadas, como quando comprimidas con- mente se evidencia lesão imediata. Os sintomas locais
tra o corpo da vítima. evoluem lentamente, e, nas primeiras horas, lembram
O veneno da Loxosceles sp (aranha-marrom) picada de inseto, sendo, por isso, pouco valorizados
possui atividades hemolítica e dermonecrótica, que tanto pelo paciente como pelo profissional de saúde. A
parecem ser causadas pela esfingnomielinase-D picada pode evoluir para duas formas clínicas.
(fosfolipase D) que, por ação direta ou indireta, atua
sobre os constituintes das membranas das células, prin- Forma Cutânea
cipalmente do endotélio vascular ou hemácias. Em Na grande maioria dos casos, os sinais e sinto-
virtude dessa ação, são ativadas as cascatas do siste- mas são restritos ao local acometido. Na apresenta-
ma complemento, da coagulação e das plaquetas, de- ção típica do loxoscelismo, logo após a picada, o paci-
sencadeando intenso processo inflamatório no local ente refere dor com sensação de “queimadura como
da picada, acompanhado de obstrução de pequenos de cigarro”. Após algumas horas (aproximadamente
vasos, edema, hemorragia e necrose local. Admite- duas a oito), a dor se intensifica, sendo relacionada à
se, também, que a ativação desses sistemas participa isquemia e vasoespasmo, podendo aparecer prurido,
da patogênese da hemólise intravascular dissemina- formigamento, eritema e edema. Este pode ser dis-
da, observada nas formas mais graves de envenena- creto ou atingir todo o membro, possuindo consistên-
mento. cia endurada.

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Cupo P; Azevedo-Marques MM & Hering SE

O eritema dá lugar a uma mancha de aspecto Na forma sistêmica, os exames mais impor-
violáceo, de limites mal definidos, onde coexistem áreas tantes são aqueles que dizem respeito à hemólise
esbranquiçadas (isquêmicas) e áreas vinhosas intravascular: anemia, hiperbilirrubinemia, hemoglo-
(hemorrágicas), denominada “placa marmórea” ou binemia sérica, diminuição da haptoglobina, hemo-
“placa livedóide”. Gradualmente, a placa sofre endu- globinúria, plaquetopenia, diminuição do tempo de
ração, escurece, o centro se deprime, formando uma protrombina e aumento dos produtos de degradação
escara que vai se soltando pelas bordas, dando lugar a da fibrina.
uma úlcera com características necróticas, processo Pode ser observada leucocitose, inclusive com
que pode levar de uma a duas semanas. reação leucemóide.
Pode ocorrer, na evolução, aparecimento de bo- Havendo comprometimento da função renal,
lhas com conteúdo seroso ou hemorrágico e pequenas podem ser detectados aumento nos níveis sanguíneos
vesículas, às vezes, de aspecto herpetiforme. Com o de uréia e creatinina, bem como do potássio.
passar dos dias, ocorre diminuição do edema e da dor.
A lesão ulcerada granula lentamente, levando Tratamento
de seis a oito semanas ou até mais, muitas vezes ne- A indicação do antiveneno é controvertida na
cessitando de plástica reparadora. literatura. Dados experimentais revelam que a eficá-
A apresentação dos sinais locais pode variar nas cia da soroterapia é reduzida após 36 h da inoculação
primeiras 24 a 72 h após a picada, constituindo dado do veneno. As recomendações para utilização do an-
importante para efeitos de classificação e tratamento. tiveneno dependem da classificação de gravidade,
a) Lesão incaracterística: bolha de conteúdo seroso, como é mostrado no Quadro II.
edema rubor e prurido, com ou sem dor em Além da soroterapia, tem sido recomendado o
queimação uso de corticoesteróide local (como antiinflamatório)
b) Lesão sugestiva: equimose, enduração e dor em e por via sistêmica (com o objetivo de proteger a mem-
queimação brana da hemácea, inibindo a hemólise, e de diminuir
c) Lesão característica: ponto de necrose, necrose, a viscosidade sanguínea).
bolha hemorrágica, isquemia (nas primeiras horas), A dapsona tem sido indicada nas formas cutâ-
placa marmórea neas graves, em associação com a soroterapia, como
modulador da resposta inflamatória para redução do
Mais raramente, o loxoscelismo cutâneo pode quadro local, na dose de 50 a 100 mg/dia, via oral por
se acompanhar por febre, astenia, exantema do tipo duas semanas aproximadamente. Devido ao risco po-
escarlatiniforme, naúseas e vômitos. tencial de a dapsona desencadear metemoglobinemia
e hemólise, o paciente deve ser acompanhado do pon-
Forma cutaneovisceral to de vista clínico e laboratorial, durante o período de
É bem menos freqüente, ocorrendo dentro das administração da droga.
primeiras 24 a 48 h após a picada, podendo não haver Se houver evidências de hemólise intravascu-
relação entre as manifestações locais e as sistêmicas. lar, impõe-se hidratação adequada e alcalinização da
Geralmente, acompanha-se de febre, calafrios, urina, no sentido de prevenir a precipitação intratubular
mal-estar, fraqueza, náuseas, vômitos, mialgia, artralgia, de hemoglobina e uma possível necrose tubular aguda
exantema, além das manifestações decorrentes da hemoglobinúrica, além do controle rigoroso da hemo-
hemólise intravascular: anemia aguda, icterícia, hemo- globina e hematócrito.
globinúria, e, eventualmente, sangramento, decorren- Os problemas decorrentes do consumo dos fa-
tes da plaquetopenia e hipofibrinogenemia. tores de coagulação, como sangramentos causados
Os casos graves podem evoluir para insufici- pela plaquetopenia e hipofibrinogenemia, deverão ser
ência renal aguda, de etiologia multifatorial (diminui- tratados conforme a necessidade.
ção da perfusão renal, hemoglobinúria e CIVD), prin- Em relação à lesão cutânea, está indicada cui-
cipal causa de óbito no loxoscelismo. dadosa assepsia, bem como imobilização e elevação
do membro atingido, compressas frias, analgésicos e
Diagnóstico Laboratorial antiinflamatórios locais.Muitas vezes, é necessária a
Não há exames laboratoriais rotineiros, que diag- intervenção da Cirurgia Plástica para a realização de
nostiquem o loxoscelismo cutâneo. debridamentos e até de enxertia de pele.

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Acidentes por animais peçonhentos: Escorpiões e aranhas

Quadro II: Acide nte s por aranhas do gê ne ro L oxoscel es clas s ificação quanto à gravidade , manife s taçõe s
clínicas tratame nto ge ral e e s pe cífico

C lassif icação Manif est ações C línicas Trat am ent o

- Lesão incaracterística, sendo a Lox osceles identificada - Sintomáticos:


como causador do acidente) Analgésico
Le ve - Lesão local sugestiva Antiinflamatório local
- Sem comprometimento do estado geral - Acompanhamento até 72 h após picada
- Sem alterações laboratoriais

- Com ou sem identificação da Lox osceles no momento - Prednisona (5 dias):


da picada adultos: 40 mg/dia
- Lesão sugestiva com rash cutâneo ou lesão crianças: 1 mg/kg/dia e/ou
M ode rado característica < 3cm de diâmetro - SAAr ou SALox IV
- C om ou sem alterações sistêmicas (febre, mal estar 5 ampolas
geral, rash cutâneo, cefaléia, mialgia e outros). - Sintomáticos
- Sem alterações laboratoriais, sugestivas de hemólise

- Lesão característica de instalação rápida (primeiras 36 h) - SAAr ou SALox IV


com >3cm de diâmetro e/ou 5 ampolas (forma cutânea) 10 ampolas
- Evidência de hemólise (palidez, anemia aguda, (forma cutaneovisceral) IV
Grave icterícia) confirmada laboratorialmente. - Prednisona (7 a 10 dias):
adultos: 40 mg/dia
crianças: 1 mg/kg/dia
- Sintomáticos
SALox: Soro Antiloxoscélico; SAAr : Soro Antiaracnídico
Fonte: Brasil.. Ministério da Saúde. Manual de Diagnósticoee Tratamento de Acidentes por Animais Peçonhetos. Brasília, 1998.

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DOSO JCC; FRANÇA FOS; FAN HW; MÁLAQUE CM & SAÚDE. Manual de diagnóstico e tratamento de aci-
HADDAD Jr. V, eds. Animais peçonhentos no Brasil. dentes por animais peçonhentos. Brasília, 1998.
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2- AZEVEDO-MARQUES MM; CUPO P& HERING S.E. Acidentes peçonhentos. Sarvier, São Paulo, p.196-201, 1992.
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3- BARBARO KC & CARDOSO JLC. Mecanismo de ação do ve- 7- SECRETARIA MUNICIPAL DA SAÚDE. Acidentes
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and spiders. Medicina, Ribeirão Preto, 36: 490-497, apr./dec. 2003.

ABSTRACT: Physiopathological, clinical and therapeutic aspects of human envenomation


directed to the Center for Control of Intoxication of the U.E. – HCFMRP-USP, caused by Tityus
gender scorpions and Phoneutria and Loxosceles gender spiders are discussed. Specific
antivenom serum should be employed, if indicated, according to the principles described to the
poisonous snakes.

UNITERMS: Scorpions. Spiders. Poisoning. Antivenins.

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