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IF-UFRJ

Fı́sica Atômica, Molecular e Ótica

Átomos de Rydberg

Autor: Professor:
Thiago P. Carneiro Cláudio Lenz Cesar

15 de julho de 2009
1 Introdução

Átomos de Rydberg, assim chamados em homenagem ao fı́sico sueco Johannes

Rydberg, são átomos em que 1 ou mais elétrons foram excitados até um número

quântico principal n muito alto, com um grande raio de órbita. Apresentam

um tempo de vida longo[Magalhães 1999], comportamento quase-clássico, grande

susceptibilidade magnética e pequena energia de ligação, dentre outras carac-

terı́sticas. Por apresentarem tais propriedades incomuns, vem sendo usados nas

mais diversas aplicações: estudos de eletrodinâmica quântica, dos limites clássicos

da quântica, transições de vários fótons, interações atômicas com campos eletro-

magnéticos, portas quânticas rápidas, etc.

As primeiras experiências em laboratório envolvendo átomos de Rydberg

datam do fim do século XIX e inı́cio do século XX. Desde o princı́pio os es-

pectrocopistas tinham interesse em transições envolvendo ns grandes e já em

1906 o espectrocopista R. W. Wood observava linhas de absorvição no gás de

sódio de transições para estados de n = 60. A produção dos átomos de Rydberg,

no entanto, era muito ineficiente, a pequena energia de ligação e a enorme seção

de choque dificultavam o estudo em laboratório (os átomos de Rydberg eram

rapidamente ionizados em colisões térmicas ou campos elétricos) e a partir da

década de 20 o foco dos esforços passou a se concentrar no desenvolvimento da

teoria quântica. Os experimentos com átomos de Rydberg na primeira metade

do século XX, portanto, não foram tão numerosos (apesar de relevantes, como os

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experimentos de Amaldi, Segre e Jenkins) quanto poderı́amos esperar, tendo em

vista suas interessantes propriedades.

Em 1965 foram observados no espaço interestelar pelos astrônomos B. Höblund

e P. G. Mezger, em nuvens de hidrogênio, em transições com entre ns próximos

a 100 (a transição n = 109 → n = 108, com ν = 2, 4GHz é ainda hoje muito

importante para a astronomia). A formação desses átomos se dá pela combinação

de elétrons e prótons livres, e a baixa temperatura e densidade do meio inter-

estelar ajudam a evitar colisões, permitindo a existência dos átomos por perı́odos

prolongados[Kleppner, Littman e Zimmerman 1981].

O advento dos lasers de corante, na década de 1970, trouxe um grande avanço

aos experimentos envolvendo átomos de Rydberg: surgia a possibilidade de exci-

tar um número imenso de átomos até um estado de Rydberg bem determinado,

sem grandes dificuldades. As pesquisas de suas diversas propriedades deram um

salto, e até hoje a excitação por laser é o principal meio de produção de átomos

de Rydberg.

Muitas pesquisas atuais costumam gerar os átomos de Rydberg a partir de

átomo frios, de modo a aumentar a precisão das medidas e seu tempo de vida.

Além disso, em gases de Rydberg ultra-frios a interação Rydberg-Rydberg pre-

domina, possibilitando a observação de fenômenos que não ocorrem a temperat-

uras mais altas[Weidemüller e Zimmermann 2009].

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2 Teoria

Sabemos que o raio de órbita médio de um elétron em um átomo de H pode ser

obtido pela expressão:

r = a0n2

Podemos esperar, portanto, que elétrons no estado de Rydberg atinjam raios

de órbita até 5 ordens de grandeza maiores do que os raios tı́picos de elétrons

não-excitados (atualmente é possı́vel obter estados de Rydberg com n=300 em

laboratório e transições envolvendo n=700 já foram observadas pelos atrônomos).

Isto faz com que eles interajam com o restante do átomo (elétrons não-excitados

e núcleo) como se este fosse um núcleo com Z 0 = nR , onde nR é o número de

elétrons no estado de Rydberg. Quando o átomo de Rydberg possui apenas 1

elétron em um estado de Rydberg a interação entre o elétron e o restante do

átomo se dá quase como no hidrogênio[Connerade 1998]:

−Ry −Ry
Enl = = ∗2
(n − δl) 2 n

O termo δl (conhecido como Defeito Quântico) incorpora a interação entre o

elétron excitado e os outros elétrons, quando o elétron excitado passa próximo ao

núcleo. Só tem valor apreciável, portanto, para l ∼ 0, pois apenas nesses casos

a função de onda tem valores apreciáveis próximo ao centro do átomo (e mesmo

nestes casos pode se tornar desprezı́vel, para ns suficientemente grandes). Nos

chamados estados circulares de Rydberg, em que l ∼ n − 1, a semelhança com o

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átomo de H é máxima, principalmente nos átomos alcalinos.

Quando 2 ou mais elétrons estão em estados de Rydberg (formando os chama-

dos átomos planetários[Demtröder 2005]) com ns próximos, precisamos consid-

erar a interação entre eles com maior cuidado. Se seus ns forem suficientemente

diferentes um do outro, no entanto, suas distâncias médias serão grandes e a in-

teração entre eles, pequena. Átomos planetários são muito mais estáveis do que

átomos com duplos estados excitados de baixo n, o que facilita seu estudo.

3 Produção

As 3 formas mais comuns para a produção de átomos de Rydberg em laboratório

são[Gallagher 1994]:

A troca de carga, em que um ı́on H+ ou He+, acelerado até algumas dezenas

de keV, passa por um gás e captura um elétron.

O impacto eletrônico direto, em que um alvo gasoso é bombardeado por

elétrons. Em geral, os átomos sofrem 2 colisões nesse processo: a primeira excita

um elétron até um estado de Rydberg, enquanto a segunda leva estados de Ryd-

berg de l ∼ 0 para todos os l, o que permite a obtenção de átomos de Rydberg

com tempos de vida bastante longos.

A fotoexcitação, na qual um ou mais fótons são absorvidos pelo átomo,

levando um ou mais elétrons até um estado de Rydberg. Normalmente são usa-

dos 2 ou 3 lasers, e o átomo pode passar por vários estados, virtuais ou não, até

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alcançar o estado de Rydberg: pode ser excitado até um estado intermediário e

daı́ ser levado a um estado de Rydberg; pode absorver 2 fótons e passar para o

estado de Rydberg por um estado virtual intermediário; pode absorver um fóton

e passar para um estado instável, decair para um estado meta-estável e daı́ ser ex-

citado até o estado de Rydberg, etc. Conforme dito anteriormente, este é o meio

de produção de átomos de Rydberg mais comum, pelo maior controle oferecido

sobre os estados produzidos e pela quantidade de átomos excitados.

4 Detecção

A detecção de Átomos de Rydberg pode ser feita através de ionização por campo,

métodos ópticos, diodo termo-iônico ou método optogalvânico. Destas, a mais

freqüentemente usada é a ionização por campo. Sendo fracamente ligados ao

átomo, os elétrons são facilmente arrancados do mesmo quando submetidos a

campos elétricos: a presença de um campo elétrico externo, mesmo que fraco,

deforma o potencial, permitindo que o elétron saia de seu estado de Rydberg

por tunelamento e para campos elétricos suficientemente fortes o potencial pode

ser deformado até que não existam mais estados ligados para a energia daquele

elétron. As cargas resultantes da ionização podem então ser detectadas. Sabendo-

se o campo elétrico necessário para ionizar o átomo de Rydberg, sabe-se qual era a

energia de ligação e, portanto, em qual estado de Rydberg o átomo se encontrava.

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5 Aplicações

5.1 Limites Clássicos da Teoria Quântica

Nos átomos de Rydberg, a separação energética entre nı́veis próximos é muito pe-

quena, quase contı́nua. É um caso-limite. Isto significa, de acordo com o princı́pio

de correspondência, que podemos esperar que em vários pontos o comportamento

desses átomos se aproxime do comportamento previsto classicamente. São, por-

tanto, bons elementos para o estudo sobre como o comportamento clássico emerge

da teoria quântica[Ejnisman e Nussenzveig 1997].

5.2 Estudos de Eletrodinâmica Quântica

Átomos de Rydberg são usados em experiências de eletrodinâmica quântica em

cavidades por sua forte interação com o campo eletro-magnético e seu longo

tempo de vida.

Tipicamente nesses experimentos um feixe de átomos é excitado por lasers,

passando em seguida a uma cavidade onde interage com o campo. Em seguida,

atravessam um campo elétrico que os ioniza e permite detectar em qual estado

de Rydberg se encontravam. Mudando a densidade dos modos do campo, pelas

condições de contorno, é possı́vel estimular ou inibir a taxa de emissão espontânea,

e vários experimentos dos anos 80 usaram essa caracterı́stica. Nesse caso, o

acoplamento átomo-campo é relativamente fraco.

Para acoplamentos átomo-campo mais fortes, podemos ter situações em que

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é possı́vel, até, a reversão da emissão espontânea, a oscilação de Rabi no vácuo.

Também foram feitos experimentos em que se usava a cavidade para construir

masers. Foi possı́vel obter a emissão de radiação com freqüência de micro-ondas

de maneira coerente com apenas 1 átomo dentro da cavidade por vez, graças ao

forte acoplamento entre átomos e campo.

Um experimento muito interessante consiste em realizar uma ”contagem”de

fotos no interior de uma cavidade, através do chamado Efeito Stark Dinâmico.

Aqui, é usada uma cavidade não-ressonante com os átomos de Rydberg (para que

os átomos não emitam nem absorvam fótons dentro da cavidade). Apesar de não

emitir nem absorver fótons, o átomo de Rydberg é afetado pelo campo no interior

da cavidade: a interação dispersiva entre os átomos e o campo promove um deslo-

camento nos nı́veis de energia do átomo (que é o Efeito Stark Dinâmico). Esse

deslocamento é proporcional à magnitude do campo e, portanto, à quantidade de

fótons dentro da cavidade.

5.3 Interações Atômicas com Campos Eletromagnéticos

Átomos de Rydberg respondem fortemente a campos eletromagnéticos. O efeito

diamagnético, por exemplo, cresce com n4 , o que torna os átomos de Rydberg bas-

tante atraentes para seu estudo. A forte polarização obtida para campos elétricos

pequenos também os torna excelentes fontes de medida para estes campos. Além

disso, a aplicação de um campo elétrico constante leva ao aparecimento do efeito

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Stark, removendo a degenerescência do átomo. Assim, átomos de Rydberg podem

ser utilizados para realizar medidas desses campos, por exemplo.

5.4 Portas Quânticas Rápidas

Boa parte dos experimentos mais recentes com átomos de Rydberg se concen-

tra nesta área. Portas quânticas rápidas são necessárias para a computação

quântica, pois é preciso realizar um conjunto complexo de operações antes que

a descoerência destrua estados presentes nos qubits. Átomos de Rydberg são

interessantes nesse caso porque dois átomos de Rydberg próximos um do outro

possuem fortes correlações entre seus momentos de dipolo, e podem ter seus nı́veis

de energia controlados pelo efeito Stark[Jaksch et al. 2000].

6 Conclusão

Podemos afirmar que os átomos de Rydberg são ferramentas preciosas para a

investigação acurada de fenômenos fı́sicos que se manifestam muito mais fraca-

mente em outros átomos, assim como para entendermos melhor a transição do

mundo quântico para o mundo clássico. Suas aplicações práticas também são

muito relevantes: detectores de campos eletromagnéticos baseados em átomos de

Rydberg são muito sensı́veis, e a possibilidade de serem utilizados em computação

quântica faz deles objeto de inúmeras pesquisas atuais.

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Referências

[Connerade 1998]CONNERADE, J. P. Highly Excited Atoms. [S.l.]: Cambridge

University Press, 1998.

[Demtröder 2005]DEMTRöDER, W. Atoms, Molecules and Photons. [S.l.]:

Birkhäuser, 2005.

[Ejnisman e Nussenzveig 1997]EJNISMAN, R.; NUSSENZVEIG, P. Átomos de

rydberg: Estudos quânticos com Átomos ”quase-clássicos”. Revista Brasileira

de Ensino de Fı́sica, v. 19, n. 1, Março 1997.

[Gallagher 1994]GALLAGHER, T. F. Rydberg Atoms. [S.l.]: Cambridge Univer-

sity Press, 1994.

[Jaksch et al. 2000]JAKSCH, D. et al. Fast quantum gates for neutral atoms.

Phys. Rev. Lett., American Physical Society, v. 85, n. 10, p. 2208–2211, Sep

2000.

[Kleppner, Littman e Zimmerman 1981]KLEPPNER, D.; LITTMAN, M. G.;

ZIMMERMAN, M. L. Highly excited atoms. Scientific American, p. 108, Maio

1981.

[Magalhães 1999]MAGALHãES, K. M. F. Medida do Tempo de Vida de Estados

85
de Rydberg em Átomos Frios de Rb. 1999.

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[Weidemüller e Zimmermann 2009]WEIDEMüLLER, M.; ZIMMERMANN, C.

Cold Atoms and Molecules: Concepts, Experiments and Applications to Fun-

damental Physics. [S.l.]: Wiley-VCH, 2009.

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