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ARTIGO ORIGINAL

A avaliação da
qualidade nos
hospitais
brasileiros LAURA MARIA CÉSAR SCHIESARI1
MARCOS KISIL2

RESUMO ABSTRACT
Este artigo é parte integrante do trabalho apre- Quality assessment in Brazilian hospitals
sentado na dissertação de mestrado “Cenário da This paper intends to present a historical evolu-
Acreditação Hospitalar no Brasil: evolução histórica tion of hospital evaluation in Brazil, which goes back
e referências externas”. A preocupação em avaliar to the 40’s. Different tools were developed since
instituições hospitalares no Brasil data da década that time in order to make an external assessment
de 40. Desde então instrumentos para a avaliação of hospitals in order to achieve a national hospital
externa dos serviços de saúde passaram a ser de- standard. However, this evaluation process has not
senvolvidos a fim de garantir padrão hospitalar na- been continuous nor homogeneous throughout
cional. Ao longo destes anos o processo de avalia- those years. During the last decade the accredita-
ção hospitalar foi descontinuado. A década de 90 é tion process was started – a national hospital ac-
marcada pela introdução do termo acreditação hos- creditation manual based on the PAHO accreditation
pitalar, com o desenvolvimento de instrumento ins- proposal was developed. Different stakeholders
pirado em padrões preconizados pela Organização were involved in such a discussion. In 1998, the
Pan-Americana da Saúde. Diferentes grupos são en- National Accreditation Organization was settled. The
volvidos nesta discussão, culminando com a for- role of the different stakeholders and their contri-
mação da Organização Nacional de Acreditação em bution to the accreditation process are pointed out.
1998. Os vários envolvidos com acreditação hospi-
talar e sua contribuição são apontados. Key wor ds – Quality in healthcare. Hospital accreditation.
words
Evaluation in health care. Health care management.
Palavras-chave – Qualidade em saúde. Acreditação hospi- Hospital management.
talar. Avaliação em saúde. Administração em saúde.
Gestão hospitalar.

1. Médica; Mestre em Saúde Pública pela Faculdade de Saúde Pública da USP – Administração de Serviços de Saúde/Administração Hospita-
lar; Doutoranda do Departamento de Medicina Preventiva da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo.
2. Professor Titular do Departamento de Práticas de Saúde Pública da Faculdade de Saúde Pública da Universidade de São Paulo.
Endereço para correspondência: Rua Felipe Gusmão, 172 – 05441-100 – São Paulo, SP. E-mail: lauschi@uol.com.br

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DOS PRIMÓRDIOS À RECLAR era o protótipo do aprimoramento hos- construídos ou aperfeiçoados, e equipa-
pitalar daquele momento, adequada- dos para o mais eficiente funcionamen-
Os primórdios – A Divisão de Organi-
mente planejado e construído, conce- to. Respondia-se assim às necessida-
zação Hospitalar
bido para facilitar o diagnóstico e o des de saúde da época, contribuindo,
Em 1941 foi criada a Divisão de Or- tratamento, no qual o doente seria o na sua evolução, para a concretização
ganização Hospitalar (DOH), dentro do principal personagem. Pretendia ain- da tendência vigente de organização
Departamento Nacional de Saúde vin- da servir à profissão médica, alegan- uniforme, dentro de um sistema inte-
culado ao Ministério de Educação e do prestigiar os profissionais pelo for- gral de saúde, em todo o país, com
Saúde. Compreendia as Seções de necimento dos recursos necessários conexão cada vez mais estreita entre
Edificações e Instalações, de Organi- para o exercício da boa prática médi- a medicina preventiva e a curativa(8).
zação e Administração, de Assistên- ca. A preocupação de constituir uma Para uma boa organização hospita-
cia e Seguro de Saúde. Tinha por ob- rede aparece com evidência aqui, ape- lar era necessário rigoroso controle de
jetivos coordenar, cooperar ou sar de não haver responsabilidade todas as atividades na instituição, des-
orientar, em todo o Brasil, os estudos pública direta pela prestação de servi- de a inscrição e qualificação de doen-
e a solução dos problemas que diziam ços, mas sim por sua normalização e tes na admissão, os registros clínicos
respeito à assistência a doentes e de- regulação(6,7). diários e as estatísticas, até a escritu-
ficientes físicos e a desamparados. A estratégia para a formação de ração minuciosa de tudo que se rela-
Dentre suas competências destaca- uma rede nacional de hospitais envol- cionasse à vida econômica e financei-
vam-se o incentivo ao desenvolvimen- veu diferentes etapas. Dentre estas ra (6,7) . A intenção era estabelecer
to e melhoria de instituições e servi- etapas estavam a elaboração de legis- padrões viáveis a serem reproduzidos
ços de assistência; o estabelecimento lação básica, iniciada em 1941 e par- em diferentes locais e aprimorados ao
de normas e padrões para instalação, cialmente completada em 1945; o longo dos anos. A execução do plano
organização e funcionamento dos vá- censo geral e cadastro hospitalares estava prevista para um decênio. A pa-
rios serviços técnicos e administrati- realizados em 1941 e 1942; a classifi- dronização da estrutura hospitalar neu-
vos de hospitais de diversos tipos, cação das instituições médico-sociais tralizaria discrepâncias advindas da
casas de saúde e outras unidades de e definições da finalidade e tecnolo- origem improvisada de muitos servi-
assistência; a organização e manuten- gias indispensáveis. Da fase prepara- ços de saúde ou ainda dos descami-
ção do cadastro dos estabelecimen- tória constava ainda a introdução na nhos de alguns deles(8).
tos hospitalares e demais órgãos de prática da moderna organização hos-
assistência; a realização das inspe- pitalar, viabilizada por meio de curso Em 1941 o primeiro Censo e Cadas-
ções, para que se pudesse esclarecer desenhado segundo as necessidades tro hospitalares realizados por médi-
os processos de subvenção federal a do momento e de grande prestígio na cos abrangeu aspectos referentes a
instituições de assistência e a fim de época, responsável pela formação de edificações, equipamentos, adminis-
se verificar anualmente a aplicação importante contingente de administra- tração, funcionamento, finanças e as-
dos auxílios da União. Este tipo de ati- dores hospitalares. Finalmente foram sistências. Este seria o ponto de par-
vidade remete a idéias de qualidade elaboradas normas e padrões abran- tida de programa de assistência
da assistência, enquadrando-se nes- gendo o complexo hospitalar, com médico-social a ser desenvolvido dian-
te momento no contexto da discussão base em estudo minucioso da distri- te do abandono da assistência hospi-
ainda incipiente dos direitos sociais(4-7). buição de leitos existentes e a cons- talar na época(6-8).
A DOH tinha por intenção criar a rede truir, bem como a localização das fu- A inspeção era feita em visita mi-
nacional de hospitais regionais, forma- turas construções. Desta última etapa nuciosa à instituição – livros contábeis,
da por “hospitais modernos”, com resultou o modelo hospitalar a ser escrituração, registro e estatística do
arquitetura funcional e organizados seguido(6-8). movimento de doentes eram exami-
tecnicamente, hospitais concebidos O censo/cadastro hospitalar repre- nados. Exposição técnica a respeito
para todos, onde houvesse certa igual- sentava etapa fundamental para a for- das falhas graves, sugestões e indi-
dade na distribuição de leitos. O “hos- mação de uma rede nacional de hos- cação de revisão ou elaboração de
pital moderno” ou “hospital padrão” pitais, convenientemente estudados, processos para melhorar a organiza-
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ção e administração eram feitas. O contato com o modelo americano, condutas em diferentes situações clí-
“prontuário” da instituição reunia fi- datando desta época a intensificação nicas.
cha cadastral, resultado da visita, da- da influência na educação médica e A preocupação do IAPC e IAPI em
dos, publicações, exemplares de to- estrutura das escolas de Medicina do estabelecer padrões para que os hos-
dos os impressos em branco utilizados país. Isto explicaria, em parte, a proxi- pitais fossem credenciados para a
no hospital, plantas, relatórios, foto- midade dos padrões preconizados prestação de serviços antecedeu ini-
grafias, expediente, laudos de novas pelos especialistas brasileiros da épo- ciativas de outros institutos. Lista con-
inspeções, etc.(4,5). ca com aqueles em discussão nos Es- tendo os elementos mais importantes
Foram recenseados 1.234 hospi- tados Unidos. para a prestação da assistência hos-
tais, num total de 116.669 leitos, nú- Os Institutos de Aposentadoria e pitalar incluía, surpreendentemente e
mero correspondente, acreditava-se, Pensão de caráter nacional ofereciam pela primeira vez, a apuração da satis-
à quantidade de hospitais existentes benefícios heterogêneos, bem como fação proporcionada pelos serviços
à época(8). diversidade na qualidade da assistên- prestados aos assistidos para conces-
O uso dos modelos e padrões es- cia prestada. O provimento de servi- são de bonificação anual(2).
tudados pela Associação Americana ços era feito sobretudo por meio da Em 1966, com a unificação dos ins-
dos Hospitais e o Colégio dos Cirur- contratação de prestadores privados, titutos pela criação do Instituto Nacio-
giões foi explicitado na série de docu- de diferentes portes e especialidades, nal de Previdência Social (INPS), o au-
mentos da DOH. A preocupação em entre outras características. As primei- mento dos recursos disponíveis de
aperfeiçoar modelos e padrões de ou- ras tentativas conhecidas de classifi- forma centralizada contribuiu para o
tras realidades, criando assim um cação de hospitais pela Previdência aumento das pressões para a amplia-
modelo nacional que atendesse às Social foram feitas pelo Departamen- ção da cobertura dos benefícios. Isto
necessidades locais específicas, de- to de Assistência Médica do Instituto levou à expansão da rede de serviços,
veria permear todo e qualquer proces- de Aposentadoria e Pensão dos Co- sobretudo privados, subsidiados pela
so de desenvolvimento de sistemas merciários (IAPC). Em 1959, tentou-se própria Previdência, e fez surgir a ne-
de avaliação, em qualquer tempo(4,5). aplicar as propostas estudadas. Esta cessidade de classificar os hospitais
iniciativa considerou relação sumária do país. Ao padrão assistencial ofere-
Da classificação ao credenciamento de requisitos relativos ao prédio e ao cido corresponderiam valores mone-
A primeira classificação de hospitais equipamento hospitalar(2). tários de contraprestação de serviços
por padrões no Brasil havia sido pre- Em 1961 o instrumento “Credencia- pelos hospitais particulares. O crité-
vista em lei de 1952. Tinha por objeti- mento de Hospitais para Convênio rio a ser adotado era amplo, indo além
vos: distribuir racionalmente os auxí- com o Instituto de Previdência dos Co- das condições técnicas, administrati-
lios e subvenções governamentais, merciários” incluía três tópicos prin- vas e éticas, devendo levar em conta
subtraindo-os à ação da política de cipais: planta física, equipamento e a qualidade dos serviços de natureza
“coronelismo” e “eleiçoeira”, bem organização, num instrumento gené- hoteleira e, consequentemente, o pre-
como estimular os hospitais a melho- rico, com tópicos amplos e vagos(17). ço final de seus serviços. Os padrões
rar sua administração, suas instala- O documento “Padrões Mínimos a serem seguidos deveriam ser com-
ções e a assistência oferecida aos Exigíveis dos Hospitais para a Presta- patíveis com a realidade dos serviços
pacientes(2). Esta lei paulista classifi- ção de Assistência Cirúrgica aos Be- existentes, uma vez que muitos hos-
cava os hospitais em quatro tipos: A, neficiários do Instituto de Aposenta- pitais não pareciam ser capazes de
B, C e D, estabelecendo os requisitos doria e Pensão dos Industriários” de seguir parâmetros rigorosos. Níveis
necessários para cada um deles. 1962 incluía aspectos do processo as- crescentes de exigência poderiam
O hospital era o núcleo do modelo sistencial relacionados ao acompanha- excluir da assistência hospitalar boa
de saúde adotado. Para sua articula- mento pré-natal e ao parto nas nor- parte da população beneficiária da Pre-
ção em rede foi preciso inicialmente mas técnicas mínimas referentes às vidência Social.
conhecer seu universo para depois maternidades(17). Estas normas asse- Em 1968 foram estabelecidas as
alterar sua configuração. A década de melhavam-se a diretrizes clínicas, normas para aplicação da classificação
1940 constituiu período privilegiado de apontando, entre outros aspectos, hospitalar, destacando-se a idéia de
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que a eficiência do hospital relaciona- da sistemática de classificações hos- Auxiliares de Diagnóstico e Tratamen-
va-se ao número de pontos obtidos. pitalares e ainda a habilitação do hos- to; Centro Cirúrgico; Centro Obstétri-
A pontuação incluía planta física; equi- pital à contratação de leitos hospitala- co; Centro de Neonatologia.
pamento, utensílios e instalações; e a res pelo INAMPS , estabelecendo De modo geral o instrumento privi-
administração. Itens “eliminatórios” unidades de referência para o paga- legiava aspectos estruturais, mas
eram apontados, isto é, características mento das internações. O instrumen- muitos dos itens incorporavam a idéia
que, se ausentes, impossibilitariam a to forneceria ainda à rede contratada de avaliação de processos. A distribui-
classificação do hospital, como ausên- orientação quanto aos padrões de as- ção aparentemente equilibrada dos
cia de Centro Cirúrgico adequado em sistência hospitalar adotados pelo vários tópicos denotava a ênfase de-
hospitais cirúrgicos, etc. Contempla- INAMPS. dicada à estrutura física, instalações
va aspectos não apenas estruturais, A Classificação Hospitalar deveria e à importância da tecnologia. A capa-
como prontuários com elementos vincular-se ao Departamento de Con- cidade gerencial propriamente dita
para elucidação diagnóstica e ainda trole e Avaliação (nível central) e Coor- não era avaliada. Deve-se notar que,
revisão médica diária com relatório denadoria de Controle e Avaliação (ní- apesar dos indicadores empregados
correspondente; além de rotinas e ins- vel regional). Dispunha, na área de serem os mesmos utilizados por lon-
truções escritas de serviços diagnós- recursos humanos, de classificadores go período, não houve sucesso em
ticos e terapêuticos(2). – servidores técnicos, como médicos sua disseminação como instrumentos
Os instrumentos propostos ao lon- e enfermeiros na qualidade de profis- auxiliares da gestão.
go destas décadas guardavam estrei- sionais fundamentais, nutricionistas e/ O Serviço de Arquivo Médico e o
ta semelhança em relação aos pa- ou outros profissionais de saúde, de prontuário representavam desde en-
drões preconizados. O instrumento acordo com a especialidade do hospi- tão relevante preocupação dos avalia-
empregado na classificação de hospi- tal e disponibilidade dos profissionais. dores. Legibilidade, qualidade do re-
tais em 1941 constituiu a base para O classificador de hospitais era servi- gistro e consistência dos dados eram
os demais instrumentos. Não há evi- dor da instituição, que recebia treina- preconizados. A avaliação do resultado
dências, no entanto, da pertinência mento específico, devendo estar isen- final da assistência também é valori-
dos padrões às diferentes realidades to de quaisquer vínculos com pessoas zada. Passados quase 30 anos estes
em que foram utilizados, o que pode- jurídicas autorizadas a prestar serviço aspectos permanecem vulneráveis
ria justificar a manutenção de alguns ao Instituto e ainda, se possível, pos- nos prontuários dos pacientes de di-
padrões ao longo dos anos subse- suir curso de Organização e Adminis- versos hospitais, muito embora a fi-
qüentes. tração Hospitalar. nalidade e o próprio conteúdo ideal do
Em janeiro de 1974, portaria do Mi- O RECLAR era constituído por ta- registro médico sejam há muito co-
nistério do Trabalho e Previdência So- belas que representavam a composi- nhecidos.
cial aprovou os modelos de “Formu- ção dos hospitais, nos seguintes se- Pretendia-se, mais uma vez, que a
lário de Classificação Hospitalar”, de tores: Planta Física, Equipamento, fixação do valor das diárias hospitala-
“Relatório de Classificação Hospitalar Utensílios e Instalações, Organização res passasse a ter como base a clas-
( RECLAR )” e de “Comprovante de e de Tabela Suplementar(12). Além do sificação do hospital. Com esta prática
Classificação Hospitalar”. roteiro, uso e cálculo de indicadores legitimou-se a existência de diferen-
O Manual de Classificação Hospi- eram enfatizados. Para cada um dos tes padrões de hospitais, aplicáveis
talar foi apresentado como instrumen- grandes tópicos citados, as várias segundo o contexto socioeconômico
to de trabalho complementar das co- áreas eram avaliadas: Edificação; Cir- e político. Atrelar o pagamento à clas-
missões de classificação hospitalar culação; Segurança e Proteção; Con- sificação poderia ter contribuído para
para orientar sobre a classificação e forto e Higiene; Administração do a efetivação de seu uso para a avalia-
padronizar procedimentos uniformi- Hospital; Unidade de Internação; Ser- ção de hospitais. No entanto, a finali-
zando assim o desempenho das ativi- viço de Documentação Científica; Uni- dade da classificação foi reduzida ao
dades, tanto das instituições como dade de Internação; Centro de Mate- credenciamento para efeito de venda
dos avaliadores. O resultado espera- rial Esterilizado; Serviço de Nutrição e de serviços ao INAMPS, predominan-
do era o crescente aperfeiçoamento Dietética; Serviços Médicos; Serviços do critérios políticos.
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A RECLAR datava de 1974, porém ções segundo os padrões por ele pre- comprados. Avaliar o hospital isolada-
os manuais consultados têm em sua conizados. Este Manual(12) serviu de mente não atende completamente às
introdução a portaria de 1982. Isto base para os instrumentos concebidos necessidades dos gestores munici-
pode ter ocorrido devido ao atraso na para o processo de acreditação. No en- pais. A avaliação dos diferentes servi-
aprovação da portaria ou por nova edi- tanto, poucas das pessoas hoje envol- ços componentes do sistema munici-
ção da mesma ou devido à tardia efe- vidas com acreditação hospitalar tra- pal de saúde poderia atender às novas
tivação de seu uso ou ainda maior in- balharam efetivamente com a Reclar. necessidades. De um lado, o esvazia-
centivo neste período. Ao longo da década de 1980 a im- mento da esfera federal, de outro, o
A década de 1980 foi marcada pela plantação das Ações Integradas de crescimento do papel do município.
crise da Previdência, com escassez de Saúde ( AIS ) buscou redirecionar o Neste reajuste de papéis e redistribui-
recursos diante da recessão econômi- modelo de atenção à saúde, iniciando ção de atividades, o credenciamento,
ca, gigantismo burocrático, ineficiên- a descentralização, a desconcentração tal qual havia sido concebido para os
cia da administração e dos serviços e uma tentativa de integração entre hospitais, perde sua razão de ser.
prestados, de mecanismos de contro- as ações de saúde e assistência à A Norma Operacional Básica (NOB)
le de gasto e de qualidade. Tudo isto doença. de 1993 apontava a necessidade de
num contexto de reconstrução do es- Em 1986, com a criação do Siste- “controle e avaliação efetivos sobre a
paço democrático, em que as reivin- ma Unificado e Descentralizado de qualidade e quantidade dos serviços
dicações pelo direito à saúde e ao Saúde (SUDS) iniciou-se o processo de prestados pela rede”, além da preo-
acesso a serviços ganharam corpo nas desestruturação do INAMPS e sua con- cupação com a melhoria qualitativa do
principais regiões metropolitanas do seqüente retirada da prestação de atendimento ambulatorial, colocados
país. serviços. Com a transferência gradual como alicerces da construção do novo
Em 1981 foi elaborado o Plano CO- dos hospitais próprios para a esfera modelo assistencial. As Unidades de
NASP (Conselho Consultivo da Admi- estadual e ainda a redivisão de papéis Controle e Avaliação, num primeiro
nistração de Saúde Previdenciária), entre as três esferas de governo, a momento, têm sua atividade voltada
com normas racionalizadoras da pres- estrutura do credenciamento e de para o controle da produção, dentro
tação de serviços e da alocação de ações de responsabilidade do INAMPS da lógica em construção nos municí-
recursos, além da proposta de medi- foi aos poucos se esvaziando. O cre- pios(11). A NOB de 1996 avança na re-
das de avaliação e controle. A susten- denciamento de prestadores de ser- ordenação do modelo de atenção à
tação desta idéia era a integração das viço, avaliação e controle passaram a saúde, redefinindo assim a “prática do
várias ações de saúde em projetos ra- ser responsabilidade da esfera esta- acompanhamento, controle e avalia-
cionalizadores. Exemplo da intenção dual. ção no SUS, superando os mecanis-
de racionalização é a implantação das Com a Constituição de 1988 a saú- mos tradicionais, centrados no fatu-
Autorizações de Internação Hospita- de passou a ser definida como direito ramento de serviços produzidos, e
lar (AIHs), com o fim do pagamento por social universal derivado do exercício valorizando os resultados advindos de
unidade de serviço. da cidadania dentro de uma perspec- programações com critérios epidemio-
Independentemente dos usos do tiva de articulação de políticas sociais lógicos e desempenho com qualida-
credenciamento, a singularidade do e econômicas. Nesta nova configura- de”(10). O controle, avaliação e audito-
RECLAR merece destaque. Este instru- ção o setor saúde deixou de ter o hos- ria dos prestadores estatais e/ou
mento foi efetivamente empregado pital como centro do modelo assisten- privados de saúde situados no muni-
por determinado período, sendo apli- cial. Paralelamente, com a efetivação cípio passam a ser de responsabilida-
cado por profissionais do INAMPS de gradual da implantação do Sistema de do gestor do sistema municipal,
reconhecida competência para o exer- Único de Saúde (SUS) e a crescente que poderia eventualmente recorrer
cício desta função. O instrumento em importância dos municípios na gestão ao gestor estadual. A Norma Opera-
si e a metodologia empregada na sua e prestação de serviços de saúde, cional da Assistência à Saúde 01/2001
aplicação eram de conhecimento dos surge a necessidade de instrumentos elaborada para promover “Módulos
prestadores de assistência, muitos gerenciais que possibilitem avaliar os Assistenciais” nos municípios ou con-
dos quais organizaram suas institui- serviços oferecidos, assim como os sórcios recomenda que a avaliação da
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qualidade da atenção por parte dos ACREDITAÇÃO HOSPITALAR mentos, recursos humanos (dimen-
gestores envolve tanto a implemen- NO BRASIL – EXPERIÊNCIA sionamento, qualificação); alguns de
tação de indicadores objetivos com DE POUCO MAIS DE UMA processos e procedimentos, e tam-
base em critérios técnicos, como a DÉCADA bém alguns de resultados. Os padrões
adoção de instrumentos de avaliação eram divididos em três níveis crescen-
Os vários grupos brasileiros e suas
da satisfação dos usuários do siste- tes de complexidade. Estes níveis
abordagens anteriores à Organização
ma, que considerem a acessibilidade, correspondem ao tipo e complexida-
Nacional de Acreditação
a integralidade da atenção, a resolutivi- de da assistência desejável segundo
dade e a qualidade dos serviços pres- Em 1989 a Organização Mundial da definição de especialistas ou associa-
tados(13). Saúde iniciou trabalho com a área hos- ções profissionais. O nível 1 represen-
O modelo de atenção vigente faz pitalar na América Latina, adotando ta o nível mínimo de qualidade neces-
com que a preocupação com qualida- tema abrangente – a qualidade da as- sário. À medida que os padrões iniciais
de não se restrinja àquela dos servi- sistência. A acreditação passou a ser são atingidos, os passos seguintes
ços de saúde, já que o foco é a quali- vista como elemento estratégico para visam o cumprimento de padrões do
dade de vida das pessoas e do seu desencadear e apoiar iniciativas de nível 2 e posteriormente do 3(1).
meio ambiente. Isto amplia em muito qualidade nos serviços de saúde. Pre- A avaliação final proposta é deter-
o espectro da avaliação necessária aos tendia-se contribuir para progressiva minada pelo mínimo atingido, isto é,
gestores municipais. mudança planejada de hábitos, por se um dos padrões de nível 1 não for
As intensas mudanças em curso na meio de estímulo aos profissionais atingido, mesmo apresentando nível
saúde prescindiram temporariamente dos diferentes serviços para avaliar as- dois ou três nos demais, o hospital é
de instrumentos de avaliação, daí a pectos pontos fortes e fracos de suas considerado de nível 1. Esse critério
ênfase no contexto da saúde no pe- instituições. Esta análise poderia ser- enfatiza a importância e integração das
ríodo anteriormente apontado. Para a vir como subsídio para o estabeleci- várias estruturas e processos hospi-
construção do sistema de saúde no mento de metas e para o aprimora- talares para que a assistência seja
âmbito do município foi necessário mento da qualidade da assistência. A prestada com qualidade. Este tipo de
utilizar adequadamente metodologias estratégia proposta foi a da implemen- avaliação oferece informações aos
e instrumentos de planejamento. Sem tação total ou progressiva de uma va- tomadores de decisão quanto às áreas
isto não se poderia hoje falar da con- riedade de métodos(15). mais deficitárias e que necessitam de
cretização do Sistema Único de Saú- A Organização Pan-Americana da melhorias. O instrumento pode assim
de. A consolidação da gestão plena do Saúde realizou várias reuniões com a ser utilizado para melhoria contínua
sistema municipal começa a tornar ex- participação de boa parte dos países dos serviços prestados. Esta estrutu-
plícita a necessidade de metodologias latino-americanos. Raros eram os paí- ra do documento assemelha-se à de
de avaliação concebidas dentro do ses com sistema de acreditação ou instrumentos anteriores adotados pela
novo modelo. Isto explica, em parte, certificação da qualidade. Joint Commission nos Estados Uni-
o fato de o RECLAR persistir como Em 1991 a parceria entre a OPAS a dos, configuração esta considerada
modelo de referência de instrumento Federação Latino-Americana de Hos- pelos especialistas como sendo mais
de avaliação. Em outras palavras, até pitais levou ao desenvolvimento de adequada às necessidades da região.
o momento não houve espaço e tal- instumento de acreditação hospitalar O setor saúde no Brasil vem traba-
vez nem mesmo necessidade de uti- que se supunha apropriado para a re- lhando com avaliação hospitalar des-
lizar instrumentos de avaliação, já que gião. Este manual envolvia padrões li- de a década de 1970, sem que no
os municípios estavam e estão enfren- gados aos vários serviços existentes entanto houvesse impacto sobre a
tado as dificuldades inerentes ao es- em um hospital geral: serviços de qualidade dos serviços prestados. Em
tabelecimento dos alicerces do Siste- emergência, continuidade da assistên- 1986 o Colégio Brasileiro de Cirurgiões
ma Único de Saúde. Idealmente, a cia, à transferência, etc. O documen- (CBC) criou a Comissão de Avaliação
avaliação deve acompanhar todo o to apresentava padrões de estrutura Hospitalar, que se interessou sobre-
processo, mas isso não constitui prá- – estado de conservação das paredes, tudo pelo trabalho da Joint Commis-
tica consagrada em nossa cultura. existência de determinados equipa- sion on Accreditation of Healthcare
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Organizations (JCAHO). A origem da dação Getúlio Vargas), dos setores – um grupo estudou a avaliação de
padronização de hospitais dentro do público e privado, de diferentes Esta- hospitais com a intenção inicial de “dar
Colégio Americano dos Cirurgiões ex- dos (Minas Gerais, Paraná, Rio de Ja- estrelas aos hospitais”, de maneira
plicaria o interesse do CBC pelo assun- neiro, Rio Grande do Sul, São Paulo) e semelhante ao que ocorre nos hotéis.
to, uma vez que a iniciativa americana representantes do Ministério da Saú- Posteriormente a Sociedade Médica
levou ao desenvolvimento do sistema de. Outros grupos envolvidos com Paulista de Administração em Saúde
de acreditação da Joint Commission. acreditação participaram representan- (SMPAS), vinculada à APM, sugeriu o
Em 1991-1992 pesquisa realizada do seus Estados: do Paraná, a Secre- acompanhamento do desempenho
com o apoio do Banco Mundial sobre taria Estadual de Saúde e posterior- hospitalar pelo uso de indicadores
experiências brasileiras em garantia de mente o Instituto Paranaense de como uma maneira de avaliar a quali-
qualidade em saúde concluiu ser ur- Acreditação de Serviços de Saúde; do dade da assistência. A intenção era
gente a necessidade de introduzir no Rio de Janeiro, o Programa de Avalia- estimular os hospitais a desenvolver
país um sistema independente de ção e Certificação de Qualidade em programas de qualidade e não neces-
acreditação de hospitais(1). Saúde (PACQS); do Rio Grande do Sul, sariamente realizar acreditação. A sis-
Em 1992 teve início o programa de o Instituto de Administração Hospita- temática de avaliação não se asse-
organização da acreditação no Brasil, lar e Ciências da Saúde (IACHS); de São melhava ao modelo da acreditação,
em Brasília, a partir de discussões com Paulo, o Programa de Controle de apesar da existência de um roteiro de
a participação das principais entidades Qualidade do Atendimento Médico- visitas inspirado em instrumentos de
ligadas à saúde. A acreditação, seus Hospitalar (CQH) e o Instituto Brasilei- acreditação. Esta iniciativa deu origem
objetivos, metodologia e formato fo- ro de Acreditação Hospitalar (INBRAH). ao Programa de Controle de Qualida-
ram discutidos, além do uso do ins- O Grupo não chegou a constituir de do Atendimento Médico-Hospita-
trumento, processo de avaliação e personalidade jurídica, tampouco vin- lar (CQH) no Estado de São Paulo, vin-
diretrizes para a decisão dos avalia- culou-se a uma única entidade, muito culado à Associação Paulista de
dores. O amadurecimento da discus- embora a parte executiva de sua atua- Medicina e ao Conselho Regional de
são acerca da pertinência da aplicação ção fosse realizada por representan- Medicina(3).
dos padrões desenvolvidos para hos- tes do PROAHSA . Apesar da ampla Em 1994 o Ministério da Saúde lan-
pitais americanos à realidade nacional composição do grupo em termos de çou o “Programa de Qualidade” com
constituiu passo importante para o for- entidades da saúde e de unidades da o objetivo de promover a cultura da
talecimento da idéia. Estabelecer con- federação, este grupo era identifica- qualidade. Estabeleceu ainda a Comis-
senso em torno da metodologia e dos do como “de São Paulo”. Sua com- são Nacional de Qualidade e Produti-
padrões a serem adotados represen- posição contemplava a maior diversi- vidade em Saúde, liderada pelo coor-
tava grande desafio. Apesar disso, al- dade de atores da saúde. Este foi o denador deste programa. Nesta época
guns pontos foram contemplados: o único grupo com participação de di- as atividades de melhoria da qualida-
conceito de acreditação e a vincula- ferentes Estados. A observação dos de na saúde passaram a ser conside-
ção do processo a um organismo não- atores envolvidos, suas diferentes pro- radas estratégicas(14).
governamental sem fins lucrativos(1). As cedências e papel por eles desempe- A preocupação com o emprego do
entidades participantes deste evento nhado no passado e no presente su- Gerenciamento da Qualidade na Admi-
constituíram um conselho e um gru- gerem intensa troca de experiências nistração Pública constava das propos-
po menor compõe a comissão técni- durante seus encontros. A presença tas de Reforma do Estado Brasileiro.
ca – o Grupo Técnico de Acreditação de diferentes grupos envolvidos com Os programas propostos vincularam-
Hospitalar, criado a partir de incentivo acreditação potencialmente aproxima- se, de alguma forma, ao Ministério da
da OPAS. ria a discussão da realidade nacional, Administração e Reforma do Estado
Do GTA participaram entidades re- apesar da disputa política perpassar a (MARE). Qualidade da prestação de
presentantes de prestadores de ser- discussão técnica. serviços, avaliação de serviços, res-
viço, compradores, financiadores e Uma das primeiras experiências li- ponsabilidade social, monitoramento
universidades (Escola Nacional de gadas à acreditação surgiu dentro da de indicadores de resultados adversos
Saúde Pública/FIOCRUZ, PROAHSA/Fun- Associação Paulista de Medicina (APM) ligados à comunidade e controle so-
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cial passam a ser temas relacionados De modo geral, poucos dos envol- Da elaboração do instrumento a ser
ao reconhecimento ou construção da vidos nestas discussões tinham expe- utilizado nacionalmente participaram
cidadania. riência na área de avaliação em saú- os seguintes grupos: Consórcio Bra-
Em agosto de 1994 foi criado no Rio de, sobretudo hospitalar. No entanto, sileiro de Acreditação (CBA) – Rio de
de Janeiro o Programa de Avaliação e alguns eram especialistas da adminis- Janeiro; Federação Brasileira de Hos-
Certificação de Qualidade em Saúde tração em saúde e hospitalar. O des- pitais (FBH)/Instituto Brasileiro de Acre-
(PACQS) com a participação da Acade- conhecimento dos antecedentes da ditação Hospitalar (INBRAH); Instituto
mia Nacional de Medicina, Colégio avaliação da qualidade em saúde le- de Administração Hospitalar e Ciên-
Brasileiro de Cirurgiões e Universida- vou alguns grupos a considerar a acre- cias da Saúde (IAHCS) – Rio Grande do
de do Estado do Rio de Janeiro. Em ditação um modelo sem precedentes Sul; Instituto de Medicina Social da
1997, o PACQS transformou-se no Con- nacionais. Isto explica, em parte, a di- Universidade Estadual do Rio de Ja-
sórcio Brasileiro de Acreditação (CBA), ficuldade em integrar as diferentes neiro; Instituto Paranaense de Acre-
com a participação da Fundação Ces- experiências existentes ou ainda res- ditação em Serviços de Saúde (IPASS);
granrio, criada pelas universidades es- gatar experiências anteriormente pro- Programa de Controle de Qualidade
taduais do Rio de Janeiro para avalia- postas. Hospitalar do Estado de São Paulo
ção do processo educacional. Em julho de 1997, o Ministério da (CQH) Associação Paulista de Medici-
Em 1995, no Rio Grande do Sul, o Saúde contratou Humberto de Moraes na / Conselho Regional de Medicina;
Instituto de Administração Hospitalar Novaes para desenvolver a acredita- Programa de Estudos Avançados em
e Ciências da Saúde, em associação ção no âmbito do Ministério, na ten- Administração Hospitalar e de Siste-
com a Secretaria Estadual da Saúde e tativa de unificar os vários esforços mas de Saúde (PROAHSA) EAESP/FGV e
do Meio Ambiente e o SEBRAE/RS , nacionais. A base inicial para o finan- HC-FMUSP; Programa da Garantia e
desenvolveu um projeto de pesquisa ciamento da acreditação seria verba Aprimoramento da Qualidade em Saú-
com o propósito de determinar pa- específica proveniente do componen- de (PGQS) do Ministério da Saúde(9).
drões de qualidade hospitalar (16). O te II do REFORSUS. Da elaboração do manual (1998) até
IAHCS foi legitimado via Comitê Seto- Em fevereiro de 1998 foi formado a constituição do órgão nacional de-
rial da Saúde do Programa Gaúcho da um grupo executivo no âmbito do Mi- correram alguns meses entrecortados
Qualidade e Produtividade, isto é, o nistério da Saúde, encarregado pelo por dúvidas sobre a possibilidade de
Programa de Acreditação passou a Programa Brasileiro de Acreditação, implementação do modelo desenvol-
fazer parte integrante do Programa vinculado incialmente à Secretaria da vido ao longo da década. O próprio
Gaúcho de Qualidade e Produtivida- Assistência à Saúde e posteriormen- Ministério da Saúde participou como
de, um caminho para o Selo de Quali- te à Secretaria de Políticas de Saúde. co-patrocinador de eventos nos quais
dade RS. Mais recentemente a sigla O Ministério coordenou piloto de apli- outras modalidades de gerenciamen-
IACHS passou a representar o Institu- cação e aprimoramento do instrumen- to da qualidade foram aventadas para
to de Acreditação Hospitalar e Certifi- to a ser adotado pelo Programa Brasi- a saúde. Da fundação da Organização
cação em Saúde. leiro. Ainda em 1998, os visitadores Nacional de Acreditação (ONA) partici-
No mesmo ano, a Secretaria de participantes deste piloto discutiram param representantes dos comprado-
Estado da Saúde do Paraná, baseada os resultados encontrados e elabora- res: Associação Brasileira de Sistemas
na experiência com o programa de ram a nova versão do Manual de acre- de Saúde Próprios de Empresa
Controle de Infecção Hospitalar, es- ditação. No mesmo ano as primeiras (ABRASPE), CIEFAS, Associação Brasi-
tendeu a preocupação com qualidade normas técnicas de regulamentação leira de Medicina de Grupo (ABRAM-
à totalidade das organizações de saú- do órgão foram discutidas, definindo GE) e Federação Nacional de Segura-
de, utilizando para tanto o processo assim o papel do órgão acreditador, a doras ( FENASEG); dos prestadores:
de acreditação. Em dezembro de 1996 relação instituição acreditadora e Mi- Federação Brasileira de Hospitais
foi criado o Instituto Paranaense de nistério da Saúde, o código de ética e (FBH), UNIMED (Confederação Nacional
Acreditação em Serviços de Saúde perfil do avaliador. Estas seriam as das Unimeds), Confederação das Mi-
(IPASS), com participação ampla das bases para garantir a seriedade do pro- sericóridas do Brasil (CMB) e ainda
diferentes entidades ligadas à saúde. cesso de acreditação. Conselho Nacional dos Secretários
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Estaduais de Saúde (CONASS), Conse- OPAS, alterando nesta adaptação al- Contribuições e conseqüências des-
lho Nacional dos Secretários Munici- guns dos padrões e em alguns casos tas várias iniciativas
pais de Saúde (CONASEMS), Conselho a própria metodologia. Esta origem Não houve consenso absoluto
Nacional de Saúde (CNS), Associação comum explica a semelhança das vá- quanto ao modelo de acreditação a ser
Brasileira de Hospitais Universitários rias propostas. A forte influência do adotado. No entanto, para a criação
e de Ensino (ABRAHUE). Estas institui- responsável pela divulgação da idéia do Programa Brasileiro de Acredita-
ções integram hoje o conselho da na América Latina, Humberto de Mo- ção, boa parte dos atores e, em parti-
ONA. raes Novaes, e sua orientação quanto cular, os grupos envolvidos na discus-
Em agosto de 1999 a Organização ao modelo a ser seguido também ex- são arrastada ao longo da década,
Nacional de Acreditação (ONA), órgão plicam as tendências comuns. O ma- finalmente concordou em utilizar um
credenciador das instituições acredi- nual da ONA foi adotado por todas as manual único a ser seguido no país.
tadoras, foi constituído juridicamente instituições que se credenciaram para Vários dos grupos adotaram o manual
e seu superintendente indicado pelo o processo de acreditação nacional. brasileiro, tornando-se assim institui-
conselho. As instituições acreditado- Dos vários grupos, apenas dois man- ções acreditadoras. Um mesmo instru-
ras são responsáveis pela realização têm ainda instrumentos próprios – mento aplicado às diferentes regiões,
da acreditação propriamente dita den- CQH e CBA. realidades de saúde e instituições bra-
tro dos hospitais. À ONA cabe o de- No CQH o monitoramento de indi- sileiras. Alguns aspectos prescritivos
senvolvimento dos padrões a serem cadores começou a ser realizado jun- presentes no manual adotado dificul-
aplicados nacionalmente, o desenvol- to com o programa. Os indicadores tam o seguimento imediato de seus
vimento das normas reguladores do dos vários hospitais são colocados em padrões de forma homogênea.
processo de acreditação e a supervi- curva de distribuição de freqüência, A atuação diversificada dos vários
são do trabalho das instituições acre- com definição de medida de tendên- grupos estimula a participação de di-
ditadoras. cia central da amostra. Os hospitais ferentes hospitais, seja graças ao al-
De 1999 a 2002 observou-se ama- participantes recebem estas curvas na cance regional das acreditadoras ou
durecimento inicial do sistema de forma de relatório, em que, além da ainda à origem de seus avaliadores e
acreditação nacional. Além das insti- tendência central, está apontada a lo- suas ligações profissionais. As incur-
tuições envolvidas desde os primór- calização do hospital na curva em re- sões da ONA Brasil afora e ainda a
dios com acreditação, novos grupos lação aos demais, identificados por có- disponibilização do instrumento via Mi-
passaram a fazer parte deste contex- digos. A monitorização contínua de nistério da Saúde permitiram dissemi-
to. Cerca de nove hospitais foram indicadores tem por finalidade garan- nação rápida da idéia da acreditação.
acreditados até fim do primeiro se- tir a continuidade do programa no pe- O apelo educacional da sistemática
mestre de 2002. A adequação grada- ríodo entre as visitas. Em 1998 o CQH, dá margem a constantes confusões e
tiva do manual de acreditação à reali- que participou do Grupo Técnico de mau uso do modelo. De um lado a dis-
dade nacional deu-se por meio da sua Acreditação adotou seu instrumento cussão dos achados da avaliação no
aplicação, do melhor conhecimento do como roteiro de visita, com pequenas delineamento das estratégias para
instrumento por parte dos vários en- modificações. Mais recentemente superação dos problemas detectados,
volvidos (avaliadores/instituições acre- este manual foi adaptado para incor- de outro instituições acreditadoras
ditadoras, hospitais) e do desenvolvi- porar os critérios preconizados pela que oferecem cursos de formação em
mento da “expertise” da própria ONA. Fundação para o Prêmio Nacional da seus contratos de trabalho. Estes cur-
Esta interação constante e amadureci- Qualidade. sos podem vir a ser cursos ou, ainda,
mento da proposta inicial levaram a su- O CBA adaptou o manual da Joint associados a diferentes formas de
cessivas modificações do instrumen- Commission International Accredita- monitoramento, dão margem à reali-
to original. tion que apresenta padrões agrupados zação de consultorias. Aparente bene-
em funções, que envolvem aspectos fício para a evolução do processo de
Os instrumentos relacionados à assistência propriamen- acreditação, este tipo de situação
Os vários grupos desenvolveram te dita e ao gerenciamento da institui- pode suscitar dúvidas quanto à ob-
instrumentos a partir do Manual da ção. servância das normas reguladoras
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que proíbem a concomitância de O caráter voluntário tende a atrair pagamento diferenciado ou até mes-
consultoria por parte da instituição instituições com maior comprometi- mo por vantagens outras, limita a par-
acreditadora ao longo do processo mento. No entanto, a não vinculação ticipação a um grupo de hospitais
avaliatório. a programas de estímulo, seja por devotados à qualidade. A confidencia-

Quadro 1 – Características gerais dos grupos brasileiros

Participantes Início Experiência (até 1999) Instrumento

APM/CRM-SP 89/90 91 – 100 hospitais 91 – base: OPAS, RECLAR e


participantes JCAHO; 120 itens

98 – idem ( não 98 – base: GTA; 717 itens


necessariamente os
mesmos) 00 – incorporação dos princípios
do prêmio em instrumento
anterior.
05 Estados: Bahia, 94 - 97 95 – piloto de aplicação do Manual da OPAS adaptado em
Minas Gerais, instrumento em 35 hospitais questões fechadas, sim/não,
Paraná, Rio de Janeiro, Rio Grande do Sul e de SP com modificações pós pilotos
São Paulo
Entidades representantes de prestadores 97- piloto de aplicação de
(Federação Brasileira de Hospitais, UNIMED), duas versões do instrumento
compradores, financiadores e academia; em 19 hospitais de SP
serviço público e privado, representante do
Ministério da Saúde
Academia Nacional de Medicina, Colégio 94 Teste do instrumento -
Brasileiro de Cirurgiões, Universidade Estadual adaptado pelo GTA em 12
do Rio de Janeiro, Federação Nacional das hospitais do RJ
Empresas de Seguros Privados e de
Capitalização
Idem PACQS, e ainda Fundação Cesgranrio, 97 98 – aplicação do Adaptação do Manual da JCAHO
parceria com a JCAHO/JCI (Joint Commission instrumento da JCAHO em pelo grupo, posteriormente
International) 07 hospitais federais do RJ adoção do Manual JCI padrões
internacionais
IACHS, Secretaria da Saúde e do Meio 95 95 – manual da OPAS Manual adaptado do Manual da
Ambiente, SEBRAE/RS, Núcleo de Pesquisa aplicado em 24 hospitais OPAS, utilizados padrões
da Clínica Olivé Leite, Federação de Hospitais menos complexos; metodologia
a
( FEHOSUL), Associação dos Hospitais e 97- 2 versão do instrumento distinta – comparação com
Estabelecimentos de Saúde do RS (AHGRS), aplicada em 30 hospitais média amostral. Acreditação
Programa Gaúcho da Qualidade e dentro do Programa Gaúcho de
Produtividade Qualidade e Produtividade.
ABEn/PR, AMP, AP de CIH, Coren/PR, 95 96 – Manual GTA aplicado Manual do GTA inicialmente
CRF/PR, CRM/PR, FH.PR, F. Misericórdias, em 03 hospitais p/
SES/PR, SMS Curitiba, UFPR treinamento avaliadores,
depois 10

97 – 19 hospitais em
processo de acreditação, 50
hospitais participantes

Conselho: 98 97 – Manual Brasileiro Manual Brasileiro adaptado do


Co-autores ( institucionais) do Manual aplicado em 17 hospitais Manual da OPAS e das várias
Brasileiro: versões produzidas até então.
COREN/SP, CQH, IAHCS, IMS/UERJ,
INBRAH, IPASS, PROAHSA/EAESP/FGV,
PGAQS/MS, UCPEL/Clínica Olivé Leite,

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lidade do processo oferece maior se- uma ou outra força política, e de a Moderna Organização Hospitalar. Rio de
Janeiro (DF); 1944, v. 2.
gurança aos participantes, mas os concretização da Organização Nacio-
6. Ministério da Educação e Saúde. Divisão
limites desta confidencialidade devem nal de Acreditação ser muito recente,
de Organização Hospitalar. Conceitos
ser analisados, já que fontes pagado- a decisão a favor da acreditação está Básicos e Planejamento da Moderna As-
ras e o público em geral anseiam por mudando os rumos de algumas práti- sistência Hospitalar. Rio de Janeiro (DF);
conhecer o resultado de avaliações cas na assistência à saúde. Indepen- 1949, v. 5.

desta natureza. Em outros países a dente da dificuldade de seguimento 7. Ministério da Educação e Saúde. Divisão
de Organização Hospitalar. Construção e
confidencialidade foi quebrada em dos padrões, eles começam a orien- Modernização da Rede Nacional de Hos-
nome do interesse do público. tar a prática de diversos hospitais, pitais. Rio de Janeiro (DF); 1949, v. 6.
Apesar dos pilotos realizados com sendo utilizados de forma crescente Ministério da Saúde.
os manuais iniciais e de experiências como instrumento de avaliação e de 8. Ministério da Educação e Saúde. Divisão
de Organização Hospitalar. Aperfeiçoa-
anteriores dos diferentes grupos, a gestão. Sinais iniciais de mudanças ou
mento Tecnico na Administração Hospi-
prática da avaliação via acreditação de assimilação de práticas há muito talar. Rio de Janeiro (DF); 1945, v. 4.
ainda é incipiente. Acreditadoras, ava- preconizadas se fazem mostrar: co- 9. Ministério da Saúde. Manual Brasileiro de
liadores, a própria ONA e sobretudo os nhecimento dos padrões, estímulo à Acreditação Hospitalar. Brasília (DF);
hospitais estão pouco a pouco adqui- formação de comissões relacionadas 1998.

rindo experiência. Alguns deslizes à avaliação e/ou melhoria da prática as- 10. Ministério da Saúde. Norma Operacional
Básica do Sistema Único de Saúde. Bra-
podem ocorrer – acreditadoras que sistencial, formação de multiplicado- sília (DF); 1996.
utilizam outros modelos de avaliação res do processo de acreditação, utili- 11. Ministério da Saúde. Norma Operacional
externa podem eventualmente mistu- zação do manual de acreditação para Básica do Sistema Único de Saúde. Bra-
rar padrões e práticas num primeiro o planejamento institucional, entre ou- sília (DF); 1993.
momento. Profissionais do mundo da tros. 12. Ministério da Saúde. RECLAR. Brasília
(DF); 1983.
certificação ISO ou ligados a prêmios
13. Minitério da Saúde. Norma Operacional
de excelência podem ter dificuldade REFERÊNCIAS da Assistência à Saúde/SUS (NOAS-
na separação clara de suas funções. SUS). Brasília (DF); 01/2001.
1. Academia Nacional de Medicina. Simpó-
O Programa Brasileiro de Acredita- sio. Acreditação de hospitais e melhoria 14. NORONHA JC, PEREIRA TRS. Health
ção conseguiu reunir muitas das dife- de qualidade em saúde. Anais da Acade- Care Reform and Quality Initiatives in
rentes tendências nacionais em ter- mia Nacional de Medicina; 1994; 154 (4): Brazil. Journal on Quality Improvement
185-213. 1998; 24 (5), 251-263.
mos de modelos e metodologias de
2. Associação Paulista de Hospitais. Classi- 15. NOVAES, H.M. & PAGANINI, J.M. – Pa-
acreditação existentes e propiciou a ficação de hospitais. Revista Paulista de drões e Indicadores de Qualidade para
discussão mais aprofundada a respei- Hospitais. 1966; XIV(7): 6-32. Hospitais (Brasil) – Organização Pan-
to dos possíveis caminhos da acredi- 3. C.Q.H. Controle de Qualidade do Aten- Americana da Saúde, OPAS/HSS/94.
tação no País. A experiência acumula- dimento Médico Hospitalar no Estado de 16. QUINTO NETO A, GASTAL FL. Acredita-
São Paulo. Manual de Orientação aos ção Hospitalar: Proteção dos Usuários,
da pelos vários grupos contribuiu para Hospitais Participantes. 2ª ed. São Pau- dos Profissionais e das Instituições de
que o manual proposto para a realida- lo: Editora Atheneu, 1998. Saúde. Porto Alegre: Dacasa Editora;
de nacional seguisse parâmetros pro- 4. Ministério da Educação e Saúde. Divisão 1997.
gressivamente mais compatíveis com de Organização Hospitalar. História e Evo- 17. SCHIESARI LMC. Cenário da Acreditação
lução dos Hospitais. Rio de Janeiro (DF); Hospitalar no Brasil: evolução histórica e
o estado atual da saúde nos hospitais 1944, v. 1. referências externas. São Paulo, 1999 [
brasileiros. Apesar de os grupos re- 5. Ministério da Educação e Saúde. Divisão Tese de Mestrado – Faculdade de Saúde
presentarem em menor ou maior grau de Organização Hospitalar. Iniciação à Pública da Universidade de São Paulo.

Conflito de interesse: nenhum declarado.


Financiador ou fontes de fomento: nenhum declarado.
Data de recebimento do artigo: 25/8/2002.
Data da aprovação: 27/3/2003.

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