I-Juca Pirama escravo insulano A dura corda, que lhe
Tornavam distinto do vil enlaça o colo,
muçulmano Mostra-lhe o fim No meio das tabas de As linhas corretas do Da vida escura, que será amenos verdores, nobre perfil. mais breve Cercadas de troncos - Do que o festim! cobertos de flores, Por casos de guerra caiu Alteiam-se os tetos prisioneiro Contudo os olhos d’altiva nação; Nas mãos dos Timbiras: - d’ignóbil pranto São muitos seus filhos, no extenso terreiro Secos estão; nos ânimos fortes, Assola-se o teto, que o Mudos os lábios não Temíveis na guerra, que teve em prisão; descerram queixas em densas coortes Convidam-se as tribos Do coração. Assombram das matas a dos seus arredores, Mas um martírio , que imensa extensão. Cuidosos se incubem do encobrir não pode, vaso das cores, São rudos, severos, Em rugas faz Dos vários aprestos da sedentos de glória, A mentirosa placidez do honrosa função. Já prélios incitam, já rosto cantam vitória, Acerva-se a lenha da Na fronte audaz! Já meigos atendem à voz vasta fogueira Que tens, guerreiro? Que do cantor: Entesa-se a corda da temor te assalta São todos Timbiras, embira ligeira, No passo horrendo? guerreiros valentes! Adorna-se a maça com Honra das tabas que Seu nome lá voa na boca penas gentis: nascer te viram, das gentes, A custo, entre as vagas Folga morrendo. Condão de prodígios, de do povo da aldeia glória e terror! Caminha o Timbira, que Folga morrendo; porque a turba rodeia, além dos Andes As tribos vizinhas, sem Revive o forte, Garboso nas plumas de forças, sem brio, Que soube ufano vário matiz. As armas quebrando, contrastar os medos lançando-as ao rio, Em tanto as mulheres Da fria morte. O incenso aspiraram dos com leda trigança, seus maracás: Afeitas ao rito da bárbara Rasteira grama, exposta Medrosos das guerras usança, ao sol, à chuva, que os fortes acendem, índio já querem cativo Lá murcha e pende: Custosos tributos ignavos acabar: Somente ao tronco, que lá rendem, A coma lhe cortam, os devassa os ares, Aos duros guerreiros membros lhe tingem, O raio ofende! sujeitos na paz. Brilhante enduape no Que foi? Tupã mandou corpo lhe cingem, que ele caísse, No centro da taba se Sombreia-lhe a fronte Como viveu; estende um terreiro, gentil canitar, E o caçador que o avistou Onde ora se aduna o concílio guerreiro prostrado Da tribo senhora, das II Esmoreceu! tribos servis: Que temes, ó guerreiro? Os velhos sentados Em fundos vasos Além dos Andes praticam d’outrora, d’alvacenta argila Revive o forte, E os moços inquietos, Ferve o cauim; Que soube ufano que a festa enamora, Enchem-se as copas, o contrastar os medos Derramam-se em torno prazer começa, Da fria morte. dum índio infeliz. Reina o festim. Quem é? - ninguém sabe: O prisioneiro, cuja morte III seu nome é ignoto, anseiam, Sua tribo não diz: - de Sentado está, Em larga roda de novéis um povo remoto O prisioneiro, que outro guerreiros Descende por certo - dum sol no ocaso Ledo caminha o festival povo gentil; Jamais verá! Timbira, Assim lá na Grécia ao A quem do sacrifício cabe as honras, Meu canto de morte, Do pai fraco e cego, Na fronte o canitar Guerreiros, ouvi. Enquanto não chego sacode em ondas, Qual seja, - dizei! Já vi cruas brigas, O enduape na cinta se De tribos imigas, Eu era o seu guia embalança, E as duras fadigas Na noite sombria, Na destra mão sopesa a Da guerra provei; A só alegria iverapeme, Nas ondas mendaces Que Deus lhe deixou: Orgulhoso e pujante. - Ao Senti pelas faces Em mim se apoiava, menor passo Os silvos fugaces Em mim se firmava, Colar d’alvo marfim, Dos ventos que amei. Em mim descansava, insígnia d’honra, Que filho lhe sou. Que lhe orna o colo e o Andei longes terras peito, ruge e freme, Lidei cruas guerras, Ao velho coitado Como que por feitiço não Vaguei pelas serras De penas ralado, sabido Dos vis Aimoréis; Já cego e quebrado, Encantadas ali as almas Vi lutas de bravos, Que resta? - Morrer. grandes Vi fortes - escravos! Enquanto descreve Dos vencidos Tapuias, De estranhos ignavos O giro tão breve inda chorem Calcados aos pés. Da vida que teve, Serem glória e brasão Deixai-me viver! E os campos talados, d’imigos feros. E os arcos quebrados, Não vil, não ignavo, "Eis-me aqui", diz ao E os piagas coitados Mas forte, mas bravo, índio prisioneiro; Já sem maracás; Serei vosso escravo: "Pois que fraco, e sem E os meigos cantores, Aqui virei ter. tribo, e sem família, Servindo a senhores, Guerreiros, não coro "As nossas matas Que vinham traidores, Do pranto que choro: devassaste ousado, Com mostras de paz. Se a vida deploro, "Morrerás morte vil da Também sei morrer. Aos golpes do imigo, mão de um forte." Meu último amigo, Vem a terreiro o mísero Sem lar, sem abrigo V contrário; Caiu junto a mi! Do colo à cinta a Com plácido rosto, Soltai-o! - diz o chefe. muçurana desce: Sereno e composto, Pasma a turba; "Dize-nos quem és, teus O acerbo desgosto Os guerreiros feitos canta, Comigo sofri. murmuram: mal "Ou se mais te apraz, ouviram, Meu pai a meu lado defende-te." Começa Nem pode nunca um Já cego e quebrado, O índio, que ao redor chefe dar tal ordem! De penas ralado, derrama os olhos, Brada segunda vez com Firmava-se em mi: Com triste voz que os voz mais alta, Nós ambos, mesquinhos, ânimos comove. Afrouxam-se as prisões, a Por ínvios caminhos, embira cede, Cobertos d’espinhos IV A custo, sim; mas cede: o Chegamos aqui! estranho é salvo. O velho no entanto Meu canto de morte, Timbira, diz o índio Sofrendo já tanto Guerreiros, ouvi: enternecido, De fome e quebranto, Sou filho das selvas, Solto apenas dos nós que Só qu’ria morrer! Nas selvas cresci; o seguravam: Não mais me contenho, Guerreiros, descendo És um guerreiro ilustre, Nas matas me Da tribo tupi. um grande chefe, embrenho, Tu que assim do meu mal Da tribo pujante, Das frechas que tenho te comoveste, Que agora anda errante Me quero valer. Nem sofres que, Por fado inconstante, Então, forasteiro, transposta a natureza, Guerreiros, nasci; Caí prisioneiro Com olhos onde a luz já Sou bravo, sou forte, De um troço guerreiro não cintila, Sou filho do Norte; Com que me encontrei: Chore a morte do filho o O cru dessossêgo pai cansado, Que somente por seu na tomai-as, Encontra sob as mãos o voz conhece. As vossas forças duro crânio, - És livre; parte. restaurai perdidas, Despido então do natural - E voltarei. E a caminho, e já! ornato!... - Debalde. - Tardaste muito! Recua aflito e pávido, - Sim, voltarei, morto Não era nado o sol, cobrindo meu pai. quando partiste, Às mãos ambas os olhos - Não voltes! E frouxo o seu calor já fulminados, É bem feliz, se existe, em sinto agora! Como que teme ainda o que não veja, - Sim demorei-me a triste velho Que filho tem, qual divagar sem rumo, De ver, não mais cruel, chora: és livre; parte! Perdi-me nestas matas porém mais clara, - Acaso tu supões que me intrincadas, Daquele exício grande a acobardo, Reaviei-me e tornei; mas imagem viva Que receio morrer! urge o tempo; Ante os olhos do corpo - És livre; parte! Convém partir, e já! afigurada. - Ora não partirei; quero - Que novos males Não era que a verdade provar-te Nos resta de sofrer? - que conhecesse Que um filho dos Tupis novas dores, Inteira e tão cruel qual vive com honra, Que outro fado pior Tupã tinha sido; E com honra maior, se nos guarda? Mas que funesto azar acaso o vencem, - As setas da aflição já se correra o filho, Da morte o passo glorioso esgotaram, Ele o via; ele o tinha ali afronta. Nem para novo golpe presente; espaço intacto E era de repetir-se a cada - Mentiste, que um Tupi Em nossos corpos resta. instante. não chora nunca, - Mas tu tremes! A dor passada, a previsão E tu choraste!... parte; - Talvez do afã da futura não queremos caça.... E o presente tão negro, Com carne vil - Oh filho caro! ali os tinha; enfraquecer os fortes. Um quê misterioso aqui Ali no coração se Sobresteve o Tupi: - me fala, concentrava, arfando em ondas Aqui no coração; piedosa Era num ponto só, mas O rebater do coração se fraude era a morte! ouvia Será por certo, que não - Tu prisioneiro, tu? Precípite. - Do rosto mentes nunca! - Vós o dissestes. afogueado Não conheces temor, e Gélidas bagas de suor - Dos índios? agora temes? - Sim. corriam: Vejo e sei: é Tupã que - De que nação? Talvez que o assaltava nos aflige, - Timbiras. um pensamento... E contra o seu querer - E a muçurana funeral Já não... que na enlutada não valem brios. rompeste, fantasia, Partamos!... - Dos falsos manitôs Um pesar, um martírio E com mão trêmula, quebrastes maça... ao mesmo tempo, incerta - Nada fiz... aqui estou. Do velho pai a moribunda Procura o filho, tacteando - Nada! - imagem as trevas Emudecem; Quase bradar-lhe ouvia: - Da sua noite lúgubre e Curto instante depois Ingrato! Ingrato! medonha. prossegue o velho: Curvado o colo, taciturno Sentindo o acre odor das - Tu és valente, bem o e frio. frescas tintas, sei; confessa, Espectro d’homem, Uma idéia fatal ocorreu- Fizeste-o, certo, ou já não penetrou no bosque! lhe à mente... fôras vivo! Do filho os membros - Nada fiz; mas souberam VI gélidos apalpa, da existência E a dolorosa maciez das De um pobre velho, que - Filho meu, onde estás? plumas em mim só vivia.... - Ao vosso lado; Conhece estremecendo: - - E depois?... Aqui vos trago provisões; foge, volta, - Eis-me aqui. Timbiras, Não encontres amor nas - Fica essa taba? Os sobrolhos mulheres, encrespando, Teus amigos, se amigos - Na direção do sol, Ao velho Tupi guerreiro tiveres, quando transmonta. Responde com tôrvo Tenham alma - Longe? acento: inconstante e falaz! - Não muito. - Tens razão: partamos. - Nada farei do que "Não encontres doçura no - E quereis ir?... dizes: dia, - Na direção do acaso. É teu filho imbele e Nem as cores da aurora fraco! te ameiguem, VII Aviltaria o triunfo E entre as larvas da noite Da mais guerreira das sombria "Por amor de um triste tribos Nunca possas descanso velho, Derramar seu ignóbil gozar: Que ao termo fatal já sangue: Não encontres um tronco, chega, Ele chorou de cobarde; uma pedra, Vós, guerreiros, Nós outros, fortes Posta ao sol, posta às concedestes Timbiras, chuvas e aos ventos, A vida a um prisioneiro. Só de heróis fazemos Padecendo os maiores Ação tão nobre vos pasto. - tormentos, honra, Onde possas a fronte Do velho Tupi guerreiro Nem tão alta cortesia pousar. A surda voz na garganta Vi eu jamais praticada Faz ouvir uns sons "Que a teus passos a Entre os Tupis, - e mas confusos, relva se torre; foram Como os rugidos de um Murchem prados, a flor Senhores em gentileza. tigre, desfaleça, "Eu porém nunca Que pouco a pouco se E o regato que límpido vencido, assanha! corre, Nem nos combates por Mais te acenda o vesano armas, VIII furor; Nem por nobreza nos Suas águas depressa se atos; "Tu choraste em presença tornem, Aqui venho, e o filho da morte? Ao contacto dos lábios trago. Na presença de estranhos sedentos, Vós o dizeis prisioneiro, choraste? Lago impuro de vermes Seja assim como dizeis; Não descende o cobarde nojentos, Mandai vir a lenha, o do forte; Donde fujas com asco e fogo, Pois choraste, meu filho terror! A maça do sacrifício não és! "Sempre o céu, como um E a muçurana ligeira: Possas tu, descendente teto incendido, Em tudo o rito se maldito Creste e punja teus cumpra! De uma tribo de nobres membros malditos E quando eu for só na guerreiros, E oceano de pó terra, Implorando cruéis denegrido Certo acharei entre os forasteiros, Seja a terra ao ignavo vossos, Seres presa de via tupi! Que tão gentis se Aimorés. Miserável, faminto, revelam, sedento, "Possas tu, isolado na Alguém que meus passos Manitôs lhe não falem terra, guie; nos sonhos, Sem arrimo e sem pátria Alguém, que vendo o meu E do horror os espectros vagando, peito medonhos Rejeitado da morte na Coberto de cicatrizes, Traga sempre o cobarde guerra, Tomando a vez de meu após si. Rejeitado dos homens na filho, paz, "Um amigo não tenhas De haver-me por se Ser das gentes o espectro piedoso ufane!" execrado; Que o teu corpo na terra Mas o chefe dos embalsame, Que o exaurido coração "E pois que o acho enfim, Pondo em vaso d’argila remoça. qual sempre o tive, cuidoso "Corram livres as A taba se alborota, os Arco e frecha e tacape a lágrimas que choro, golpes descem, teus pés! "Estas lágrimas, sim, que Gritos, imprecações Sê maldito, e sozinho na não desonram." profundas soam, terra; Emaranhada a multidão Pois que a tanta vileza X braveja, chegaste, Revolve-se, enovela-se Que em presença da Um velho Timbira, confusa, morte choraste, coberto de glória, E mais revolta em mor Tu, cobarde, meu filho Guardou a memória furor se acende. não és." Do moço guerreiro, do E os sons dos golpes que incessantes fervem, velho Tupi! IX Vozes, gemidos, estertor E à noite, nas tabas, se de morte alguém duvidava Isto dizendo, o miserando Vão longe pelas ermas Do que ele contava, velho serranias Dizia prudente: - A quem Tupã tamanha Da humana tempestade "Meninos, eu vi! dor, tal fado propagando "Eu vi o brioso no largo Já nos confins da vida Quantas vagas de povo terreiro reservada, enfurecido Cantar prisioneiro Vai com trêmulo pé, com Contra um rochedo vivo Seu canto de morte, que as mãos já frias se quebravam. nunca esqueci: Da sua noite escura as Era ele, o Tupi; nem fora Valente, como era, densas trevas justo chorou sem ter pejo; Palpando. - Alarma! Que a fama dos Tupis - o Parece que o vejo, alarma! - O velho pára! nome, a glória, Que o tenho nest’hora O grito que escutou é voz Aturado labor de tantos diante de mi. do filho, anos, "Eu disse comigo: Que Voz de guerra que ouviu Derradeiro brasão da infâmia d’escravo! já tantas vezes raça extinta, Pois não, era um bravo; Noutra quadra melhor. - De um jacto e por um só Valente e brioso, como Alarma! alarma! se aniquilasse. ele, não vi! - Esse momento só vale a pagar-lhe - Basta! Clama o chefe E à fé que vos digo: Os tão compridos dos Timbiras, parece-me encanto trances, as angústias, - Basta, guerreiro ilustre! Que quem chorou tanto, Que o frio coração lhe Assaz lutaste, Tivesse a coragem que atormentaram E para o sacrifício é tinha o Tupi!" mister forças. - Assim o Timbira, coberto De guerreiro e de pai: - vale, e de sobra. O guerreiro parou, caiu de glória, Ele que em tanta dor se nos braços Guardava a memória contivera, Do velho pai, que o cinge Do moço guerreiro, do Tomado pelo súbito contra o peito, velho Tupi. contraste, Com lágrimas de júbilo E à noite nas tabas, se Desfaz-se agora em bradando: alguém duvidava pranto copioso, "Este, sim, que é meu Do que ele contava, filho muito amado! Tornava prudente: "Meninos, eu vi!".