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FREUD
(1856-1939)
75. O RECALQUE
Temos toda a vantagem em dizer que cada processo faz primeiro parte do
sistema psíquico do inconsciente e pode, em certas circunstâncias, passar para o
sistema do consciente.
A representação mais simples desse sistema é, para nós, a mais cômoda: é
a representação espacial. Comparamos pois o sistema do inconsciente a uma
grande antecâmara, na qual as tendências psíquicas se amontoam, tais como
seres vivos. A esta antecâmara é contígua outro compartimento, mais estreito,
uma espécie de salão, no qual permanece igualmente a consciência. Mas na
entrada da antecâmara, no salão, vela um guardião que inspeciona cada
tendência psíquica, impõe-lhe a censura e a impede de entrar no salão se ela o
desgosta. Que o guardião faça retornar uma tendência dada desde o umbral ou
que ele a faça atravessar novamente o umbral depois que ela penetrou no salão:
a diferença não é muito grande e o resultado é quase o mesmo. Tudo depende do
grau de sua vigilância e de sua perspicácia. Esta imagem tem para nós a
vantagem de permitir-nos desenvolver nossa nomenclatura. As tendências que
se acham na antecâmara reservada ao inconsciente escapam do olhar do
consciente, que permanece no compartimento vizinho. São pois de início
inconscientes. Quando, depois de terem penetrado até o umbral, são levadas de
volta pelo guardião, é porque são incapazes de se tornar conscientes: dizemos
então que são recalcadas. Mas as tendências às quais o guardião permitiu
transpor o umbral não são por isso necessariamente tornadas conscientes;
podem vir a ser, se conseguirem atrair
INTRODUÇÃO À PSICANÁLISE 271
sobre elas o olhar da consciência. Chamaremos pois este segundo de sistema da
pré-consciência. [O fato, para um processo, de tornar-se consciente, guarda assim
seu sentido puramente descritivo.] A essência do recalque consiste em que uma
tendência dada é impedida pelo guardião de penetrar do inconsciente ao
pré-consciente. E é esse guardião que nos aparece sob a forma de resistência
quando tentamos, pelo tratamento analítico, pôr fim ao recalque.
Freud, Introduction à la psychanalyse (Introdução à psicanálise), Payot, pp.
318-319.