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Primeiro volume
Nicola A bbagnano
~DIGITALIZAÇÃO E ARRANJO:
ÂNGELO MIGUEL ABRANTES
HISTÓRIA DA FILOSOFIA
2.a Edição
VOLUME I
TRADUÇÃO DE:
ANTÓNIO BORGES COELHO
FRANCO DE SOUSA
MANUEL PATRÍCIO
EDITORIAL PRESENÇA
Título original
STORIA DELLA FILOSOFIA
Eis por que não se encontrarão nesta obra críticas extrínsecas, que
pretendem pÔr a claro os erros dos filósofos. A pretensão de
atribuir aos filósofos lições de filosofia é ridícula, como a de fazer
de uma determinada filosofia o critério e a norma de julgamento
das outras. Todo o verdadeiro filósofo é um mestre ou companheiro
de pesquisa, cuja voz nos chega enfraquecida através do tempo,
mas pode ter para nós, para os problemas que ora nos ocupam, uma
importância decisiva. Necessário é que nos disponhamos à pesquisa
com sinceridade e humildade. Nós não podemos alcançar, sem a
ajuda que nos vem dos filósofos do passado, a solução dos
problemas de que depende a nossa existência individual e em
sociedade. Devemos, por isso, propor historicamente esses
problemas, e na tentativa para compreender a palavra genuína de
Platão ou de Aristóteles, de Agostinho ou de Kant e de todos os
outros, pequenos ou grandes, que hajam sabido exprimir uma
experiência humana fundamental, devemos ver a própria tentativa
de formular e solucionar os nossos problemas. O problema de o que
nós somos e devemos ser é fundamentalmente idêntico ao problema
de o que foram e quiseram ser, na sua substância humana, os
filósofos do passado. A separação dos dois problemas tira ao
filosofar o seu alimento e à história da filosofia a sua importância
vital. A unidade dos dois problemas garante a eficácia e a força do
filosofar e fundamenta o valor da historiografia filosófica. A
história da filosofia liga simultaneamente o passado e o futuro da
filosofia. Esta ligação é a essencial historicidade da filosofia.
Mas justamente Por isso a preocupação da objectividade, a cautela
crítica, a investigação paciente dos textos, o apego às intenções
expressas dos filóSOfos, não são na historiografia filosófica outros
tantos sintomas de renúncia ao Weresse teorético,
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período ou uma época histórica, porque lançam uma luz mais viva
sobre um problema fundamental. Adquirem, então, uma
impessoalidade aparente, que faz delas o património comum de
gerações inteiras de filósofos (pense-se no agostinismo ou no
aristotelismo durante a escolástica); mas em seguida declinam e
apagam-se, e todavia a verdadeira pessoa do filósofo não mais se
apaga, e Todos podem e devem interrogá-lo para dele tirar luz.
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N. A.
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putam o campo, e dos problemas em volta dos quais se concentram
as discussões polémicas adentro de cada caminho.
N. A.
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PRIMEIRA PARTE
FILOSOFIA ANTIGA
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§ 4. AS ESCOLAS FILOSóFICAS
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b) Os doxógrafos, quer dizer, Os escritores pertencentes ao
período tardio da filosofia grega, que referiram as opiniões dos
vários filósofos. O primeiro destes doxógrafos, que é ainda fonte
de quase todos os outros, é Teofrasto, autor das opiniões físicas de
que nos resta um capítulo e outros fragmentos em o Comentário de
Simplício (séc. VI d.C.) à Física de Aristóteles.
NOTA BIBLIOGRÁFICA
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III
A ESCOLA JÓNICA
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§ 8. TALES
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propriedades do iman. A sua fama de sábio continuamente absorto
na especulação é testemunhada pela anedota referida por Platão
(Teet., 174 e), que, observando o céu, caiu a um poço, suscitando as
risadas de uma criadita trácia. Uma outra anedota referida por
Aristóteles (Pol., 1, 11, 1259a) tende, ao invés, a evidenciar a sua
habilidade de homem de negócios: prevendo uma belíssima colheita
de azeitonas, alugou todos os lagares da região e subalugou-os
depois a um preço mais elevado aos próprios donos. Trata-se,
provavelmente, de anedotas falsas referidas a Tales mais como a
um símbolo e incarnação do sábio que como a uma pessoa. Assim a
última (como o próprio Aristóteles observa) procura demonstrar
que a ciência não é inútil, mas que em regra os sábios não se servem
dela (como poderiam fazê-lo) para enriquecer.
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§ 9. ANAXIMANDRO
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os mundos infinitos, que se sucedem segundo um _,_Ciclo eterno.
em todo o mundo, o tempo do nascimento, da duração e da morte
está marcado. "Todos os seres têm de pagar uns aos outros o
castigo da sua injustiça, segundo a ordem do tempo"] (fr. 1,
Diels). Aqui a lei de justiça que Sólon -considerava dominadora do
mundo humano, lei que prova a prevaricação e a prepotência, torna-
se lei cósmica, lei que regula o nascimento e a morte dos mundos.
Mas que injustiça é essa que todos os seres cometem e que todos
têm que exprimir? Evidentemente, ela é devida à própria
constituição e portanto ao nascimento dos seres, uma vez que
nenhum deles pode evitá-la não podendo assim subtrair-se ao
castigo. Ora o nascimento é, como se viu, a separação dos seres da
substância infinita. Evidentemente, esta separação é a ruptura da
unidade, que é própria do infinito; é o suceder da diversidade, e
portanto do contraste, lá onde existiam a homogeneidade e a
harmonia. É na separação que se determina, pois, a condição própria
dos seres finitos: múltiplos diversos e contrastantes entre si, pois
que inevitavelmente destinados a pagar com a morte o seu próprio
nascimento e a regressar à unidade.
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maneira mais firme a exigência de procurar uma explicação
puramente naturalista do mundo e de se ater aos dados da
experiência.
§ 10. ANAXÍMENES
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invade e, que, com alma e sopro (pneuma) cria nos animais a vida, o
movimento e o pensamento. Por conseguinte, o ar é, segundo
Diógenes, incriado, iluminado, inteligente e regula e domina tudo.
§ 11. HERACLITO
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não acharás o inesperado, porque não se Pode achar e é inacessível"
(fr. 18, Diels). Mas não se esconde a dificuldade e o risco da
pesquisa: "Os que procuram ouro escavam muita terra, mas
encontram pouco metal" (fr. 22, Diels)._detémse especialmente nas
condições que a tornam possível primeira delas é que o homem
examina-se a si mesmo."Procurei-me a mim mesmo", diz ele (fr.
101, Diels). A pesquisa dirigida ao mundo
natural é condicionada pela clareza que o homem pode alcançar a
respeito do ser que lhe é próprio. A pesquisa interior revela
profundidades infinitas: "Tu não encontrarás os confins da alma,
caminhes o que caminhares, tão profunda é a sua razão" (fr. 45,
Tiels). A pesquisa interior abre ao homem zonas sucessivas de
profundidade, que jamais se esgotam: a razão, a lei última do eu,
aparece continuamente mais além, em uma profundidade sempre
mais longínqua e ao mesmo tempo sempre mais íntima.
Mas esta razão, que é a lei da alma, é ao mesmo tempo lei universal.
A segunda e fundamental condição é a comunicação entre os
homens: O pensamento é comum a todos segundo Heraclito, (fr. 113,
Diels). "É necessário seguir o que é comum a todos porque o que é
comum é geral" (fr. 2, Diels). "Quem quiser falar com inteligência
deve fortalecer-se com o que é comum a todos, como a cidade se
fortalece com a lei, e muito mais. Porque todas as leis humanas se
alimentam da única lei divina e esta doutrina tudo o que quer, basta
a tudo e tudo supera" (fr. 114 Diels).[O homem deve pois
dirigir a pesquisa não só para si mesmo, mas também, e com o
mesmo movimento, para aquilo que o liga aos outros, o logos que
constitui a mais profunda essência _(;homem individual é ainda o
que liga os homens entre si numa comunidade de natureza., Este
logos é como a lei para a cidade, mas
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é ele próprio a lei, lei suprema que tudo rege: o homem individual, a
comunidade dos homens e a natureza externa. Ele é, portanto, não
só a racionalidade mas o próprio ser do mundo: tal se revela em
todos os aspectos da pesquisa.
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A ESCOLA PITAGÓRICA
§ 12. PITÁGORAS
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6.o Quietude. movimento; 7.o Recta, curva; 8.o Luz, trevas; 9.o Bem,
mal; 10.- Quadrado, rectângulo.
O limite, isto é, a ordem, é a perfeição; por isso, tudo o que se
encontra do mesmo lado na série dos opostos é bom, o que se
encontra do outro lado é mau. Os Pitagóricos pensam, todavia,
que a luta entre os opostos se concilia por meio de um princípio
de harmonia; e a harmonia, como vínculo dos mesmos opostos,
constitui para eles o significado último das coisas
ANTROPOLóGICAS
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NOTA BIBLIOGRÁFICA
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IV
A ESCOLA ELEÁTICA
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§ 18. PARMÉNIDES
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Ora a razão demonstra facilmente que não se pode nem pensar nem
exprimir o não-ser. Não se pode pensar sem pensar alguma coisa; o
pensar coisa nenhuma é um não-pensar, o dizer coisa nenhuma é um
não-dizer. O pensamento e a expressão devem em todo caso ter um
objecto e este objecto é o ser. Parménides determina com toda a
clareza o critério fundamental da validade do conhecimento que
deveria dominar toda a filosofia grega: o valor de verdade do
conhecimento depende da realidade do objecto, o conhecimento
verdadeiro não pode ser outra coisa senão o conhecimento do ser.
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Pela vez primeira o problema do ser foi posto por Parménides; como
problema metafísico-ontológico, quer isto dizer na sua generalidade
máxima e não já tão só como problema físico. A pergunta eque coisa
é o ser?" a que Parménides quis for-
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§ 19. ZENÃO
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guinte, deve ter ocorrido cerca de 489. Como a maior parte dos
primeiros filósofos, Zenão participou na política da sua cidade
natal; parece que contribuiu para o bom governo de Eleia e que
sucumbiu corajosamente, à tortura por ter conspirado contra um
tirano (Diels, A 1). O próprio Platão (Parm., 128 b), nos expõe o
carácter e o intento de um escrito, que devia ser a obra mais
importante de Zenão. 10 escrito era uma forma de reforço" da
argumentação de Parménides, dirigido contra os que procuravam
apoucá-la aduzindo que, se a realidade é uma. vemo-los enredados
em muitas e ridículas contradições. O escrito pagava-lhes na
mesma moeda pois que tendia a demonstrar que a sua hipótese da
multiplicidade emaranhava-se, desenvolvida a fundo, em
dificuldades ainda maiores. O método de Zenão consistia, por
conseguinte, em reduzir ao absurdo a tese dos negadores da
unidade do ser, conseguindo deste modo confirmar a tese de
Parménides.--4-
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§ 20. MELISSOS
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ta-se absolutamente que seja uno; mas se é uno não pode ter corpo,
porque se tivesse um corpo teria partes e já não seria uno" (fr. 9).
Os críticus modernos, que afirmaram a corporeidade do ser
parmenídeo (que é excluída pela própria formulação que os Eleatas
dão ao problema), atribuem a negação de Melissos a algum
particular elemento, cuja realidade, ao que supõem, Melissos
discutisse. Mas mesmo no caso de Melissos ter em mente uma
hipótese particular, o significado da sua afirmação não muda: o que
é corpo tem partes, portanto não é uno: portanto não é. A negação
da realidade corpórea está implícita para Melissos, como para
Parménides e para Zenão, na negação da multiplicidade e da
mudança e no repúdio da experiência sensível como via de acesso à
verdade.
NOTA BIBLIOGRÁFICA
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OS FISICOS POSTERIORES
§ 21. EMPÉDOCLES
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§ 22. ANAXÁGORAS
Anaxágoras de Clazómenes, nascido em 499-98 a.C. e falecido em
428-27, é apresentado pela tradição como um homem de ciência
absorto nas suas especulações e alheio a toda actividade prática.
Para poder ocupar-se das suas investigações cedeu todos os seus
haveres aos parentes. Interrogado acerca da finalidade da sua vida
respondeu orgulhosamente que era viver "para contemplar o sol, a
lua e o céu". Aos que o exprobravam por nada lhe importar a sua
pátria respondeu: "A minha pátria importa-me muitíssimo",
indicando o céu com a mão (Diels, A 1). Foi o primeiro a introduzir a
filosofia em Atenas, que era então governada por Péricles, 1 de
quem foi amigo e mestre; mas, acusado de impiedade pelos
inimigos de Péricles e forçado a regressar à Jónia, fixou residência
em Lampsaco. Restam-nos alguns fragmentos do primeiro livro da
sua obra Sobre a natureZa.
- > 1 Também Anaxágoras aceita o principio de Parménides da
substancial imutabilidade do ser.'!"A respeito do nascer e do
perecer, diz ele (fr. 17), os gregos não têm uma opinião
exacta.)Nenhuma coisa nasce e nenhuma perece, mas todas se
compõem de coisas já existentes ou se decompõem nelas. A E assim
se deveria antes chamar reunir-se ao nascer e separar-se ao
perecer". Como Empédocles, admite que os elementos são
qualitativamente distintos uns dos outros, mas à diferença de
Empédocles, considera que esses elementos são partículas invisíveis
que denomina sementes.1 Uma consideração filosófica está na base
da sua doutrina. Nós utilizamos um alimento simples e de uma só
espécie, o pão e a água, e deste alimento formam-se o sangue, a
carne, as peles, os ossos, etc. É preciso, portanto, que no alimento
se encontrem as partículas geradoras de todas as partes do nosso
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por exemplo, somente água ou somente ar. "Em toda a coisa
diz ele, há sementes de todas as coisas" (fr. 11). A natureza de uma
coisa é deterninada pelas sementes que nela prevalecem: parece
ouro aquela em que prevalecem as partículas de ouro, embora haja
nela partículas de todas as outras substâncias.
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qualidade oposta. Visto que toda a dissenção acarreta dor, toda a
sensação é dolorosa e a dor acaba por se sentir com a longa duração
ou com o excesso da sensação (Diels, A 29).
§ 23. OS ATOMISTAS
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NOTA BIBLIOGRÁFICA
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A SOFíSTICA
PROTÁGORAS
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expressou o postulado fundamental do ensino sofistico no famoso
princípio com que iniciava a obra Sobre a verdade: "O homem é a
medida de todas as coisas (chrémata), das coisas que são enquanto
são, das coisas que não são enquanto não são" (fr. 1, Dielsy. '
O significado desta tese famosa foi aclarado pela primeira vez por
Platão, cuja interpretação continuou e continua a ter o favor.
Segundo Platão, Protágoras pretendia dizer que "tais como as
coisas singulares me aparecem, tais são para mim, e quais te
aparecem, tais são para ti: dado que homem tu és e homem sou"
(Teet., 152 a); e que portanto identificava aparência e sensação,
afirmando que aparência e sensação são sempre verdadeiras porque
"a sensação é sempre da coisa que é" (1b., 152 c); é, entende-se,
para este ou para aquele homem. Aristóteles (Met., IV, 1, 1053 a, 31
segs.) e com ele todas as fontes antigas confirmam
substancialmente a interpretação platónica. Esta é aprovada
também pela crítica que, segundo um testemunho de Aristóteles
(lb., LII, 2, 997 b, 32 segs.). Protágoras dirigia à matemática,
observando que nenhuma coisa sensível tem a qualidade que a
geometria atribui aos entes geométricos e que, por exemplo, não
existe uma tangente que toque a, circunferência num só ponto,
como quer a geometria (fr. 7. Diels). Nesta crítica, como é óbvio,
Protágoras valia-se das aparências sensíveis para julgar da validade
das proposições geométricas.
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§ 26. GóRGIAS
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verdade que aquilo que existe não é pensado e que portanto, o ser.
se existe, é incognoscível.
3) Finalmente., ainda que fosse cognoscível, não seria comunicável.
Efectivamente, nós expressamo-nos pela palavra. mas a palavra não
é o ser; portanto. comunicando palavras, não comunicamos o ser.
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não se pode indagar nem aquilo que se sabe nem aquilo que não se
sabe: porque é inútil indagar sobre aquilo que se sabe e é impossível
indagar se não se sabe que coisa indagar. A erística foi certamente
a actividade inferior dos sofistas, aquela que mais contribuiu para
os desacreditar. Todavia, também essa fazia parte da sua bagagem:
quando se nega todo o critério objectivo de indagação e se
reconhece a omnipotência da palavra, abre-se o caminho também à
possibilidade de usar a própria palavra como puro instrumento de
batalha verbal ou como simples exercício de bravura polémica.
NOTA BIBLIOGRÁFICA
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SÓCRATES
§ 28. O PROBLEMA
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nico, nas palavras que o rei egípcio Thamus dirige a Theut, inventor
da escrita: "Tu ofereces aos alunos a aparência, não a verdade da
sabedoria; porque quando eles, graças a ti, tiverem lido tantas
coisas sem nenhum ensinamento, julgar-se-ão na posse de muitos
conhecimentos, apesar de permanecerem fundamentalmente
ignorantes e serão insuportáveis para os demais, porque terão não a
sabedoria, mas a presunção, da sabedoria". Para Sócrates que
entende o filosofar como o exame incessante de si e dos outros,
nenhum escrito pode suscitar e dirigir o filosofar. O escrito pode
comunicar uma doutrina, não estimular a pesquisa. Se Sócrates
renunciou a escrever, isto foi devido ainda à sua própria atitude
filosófica e faz parte essencial de tal atitude.
§ 29. AS FONTES
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31. A MAIÊUTICA
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b). Aceite por Hegel (Geschichte der Phil., I, cap. II, B, 2 a), esta
critica tornou-se muito comum na historiografia filosófica e está,
entre outras coisas, no fundamento da desvalorização que
Nietzsche intentou da figura de Sócrates quando quer entrever
nele a tentativa de reduzir o instinto à razão e portanto de
empobrecer a vida (Ecee Homo). Mas na verdade tudo aquilo que se
pode censurar a Sócrates é o não ter feito as distinções entre as
actividades ou faculdades humanas que Platão e Aristóteles
introduziram na filosofia.
Para Sócrates, o homem é ainda uma unidade indivisa. O seu saber
não é apenas a actividade do seu intelecto ou da sua razão, mas um
total modo de ser e de comportar-se, o empenhar-se numa
investigação que não reconhece limites ou pressupostos fora de si,
mas encontra por si a sua disciplina, Segundo Sócrates, a virtude é
ciência, em primeiro lugar
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NOTA BIBLIOGRÁFICA
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VIII
AS ESCOLAS SOCRÁTICAS
§ 36. XENOFONTE
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§ 39. DIÓGENES
NOTA BIBLIOGRÁFICA
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§ 37. Sobre a vida, a doutrina e os escritos dos Megãricos:
DIõGENEs LAÉRCIO, 11, 106-120. Outras fontes em ZL=, 11, 1,
245, 1 segs. Os escritos não chegaram até nós, os títulos vêm em
DIOGENEs LAMCIO.-GOMMM, II, p. 176 segs. Para a doutrina dos
Megáricos as fontes sã o constituídas pela exposição de DIóGENES
LAÉRCIO. Alguns dos argumentos mais conhecidos contra o
movimento foram conservados por S=To-EmpiRico, Contra os
matemãticos, VII, 216; X,
85-86. O argumento vitorioso é referido por EPiCTETO, Diss, H,
19, 1. ARISTóTELES combate a negação da ~ncia na Metafisica, IX,
3, 1047; PLATÃO faz referências aos Megáricos no Solista, em
vários passos (248, 251 b-c). A frase referida por CICERO está
numa carta Ad fam., 9,4. Para uma colecção de fragrientos: W.
NESTLE, Die Sokrati7zer in Answahi, 1922. Discutiu a lógica dos
Megáricos e citou as suas fontes: PRANTI, ~chichte der Logik, I,
Leipzig, 1855, p. 33 segs -C. MALLET, Histoire de 1'école de M. et
des écoles d'Êlis et dSretrie, Paris, 1843, P. M. SCHUM, Le Domi-
nateur et les possibles, Paris, 1960,
se.gs,
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Ix
PLATÃO
Sabemos, pela Carta VII, que as suas ideias políticas teriam obtido
em outra ocasião mais feliz sucesso. Hermias, tirano de Atarneu, na
Ntisia,
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Platão não via no discurso escrito mais que uma ajuda para a
memória; e ele mesmo nos testemunha que do ensino da Academia
faziam parte também "doutrinas não escritas" (Carta VII, 341 c).
Ora, de entre os discursos escritos, o diálogo é o único que
reproduz a forma e a eficácia do discurso falado. Ele é a expressão
fiel da pesquisa que, segundo o conceito socrático, é um exame
incessante de si mesmo e dos outros, logo um perguntar e
responder; Platão considera que o próprio pensamento é tão só um
discurso que a alma faz consigo mesma, um dialogar interior, em que
a alma pergunta e responde a si mesma (Teet., 189 e, 190 a; Sof.,
263 e; Fil., 38 c-d). A expressão verbal ou escrita limita-se, pois, a
reproduzir a forma da pesquisa, o diálogo. A mesma convicção que
impediu Sócrates de escrever, impediu Platão a adoptar é a manter
a forma dialógica nos seus escritos. O que revelou a Platão a
incapacidade do jovem Dionisio de se empenhar a sério na pesquisa
filosófica, foi a sua pretensão de escrever e difundir como obra
própria um "sumário do platonismo". Platão declarou energicamente
nesta ocasião: "Meu não há, nem nunca haverá, tratado algum sobre
este assunto. Não pode ele ser reduzido a fórmulas, como se faz
nas outras ciências; só depois de longamente se haver travado
conhecimento com estes problemas e depois do os haver vivido e
discutido em comum, o seu verdadeiro significado se acende
subitamente na alma, como a luz nasce de uma centelha e cresce
depois por si só" (Carta VII, 341 c-d).
Frente a esta fidelidade, que nada tem a ver com uma concordância
de fórmulas doutrinais, mas que se manifesta na tentativa sempre
renovadora de aprofundar uma figura de homem que, aos olhos de
Platão, personifica a filosofia como pesquisa, parece muito estreito
o esquema em que se tornou habitual resumir a relação entre
Sócrates e Platão. Inicialmente fiel a Sócrates nos diálogos da sua
juventude, Platão ter-se-ia depois afastado progressivamente do
mestre para formular a sua doutrina fundamental, a doutrina das
ideias; e, por fim, até a si mesmo teria sido infiel, criticando e
negando esta doutrina. Em breve veremos que Platão jamais foi
infiel a si mesmo ou à sua doutrina das ideias; e que, nesta
doutrina como em todo o seu pensamento, foi, ao mesmo tempo, fiel
a Sócrates. Nada mais quis fazer senão captar os pressupostos
remotos do magistério socrático, os princípios últimos que explicam
a força da personalidade do mestre e podem, por isso, iluminar a via
na qual ele consegue possuir-se e realizar-se a si mesmo. Platão,
escrupulosamente, não faz intervir Sócrates como interlocutor
principal nos diálogos que se afastam demasiado do esquema
doutrinal socrático ou que debatem problemas que não haviam
suscitado o interesse do mestre (Parménides, Sofista, Político,
Timeu). Não obstante, toda a pesquisa platónica se pode definir
como a interpretação da personalidade filosófica de Sócrates.
Com estes dois escritos, Platão fixou para sempre as atitudes que
fazem de Sócrates o filósofo por excelência, "o homem de todos o
mais sábio e o mais justo". Os outros escritos de Platão
pertencentes a este mesmo período visam, ao invés, esclarecer os
conceitos que estavam na base do
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Põe-se então o problema: aquele que é santo é-o porque agrada aos
deuses, ou acontece, ao contrário. que agrada aos deuses porque é
santo? Frente a esta pergunta. a definição formal da piedade
religiosa cai e vemo-nos obrigados a perguntar de novo que coisa é
verdadeiramente a devoção. Pode então dizer-se que a devoção é
uma parte da justiça, precisamente aquela que se refere ao culto da
divindade e que consiste em praticar acções que à divindade
agradam, mas eis-nos deste modo regressados à definição que
abandonámos. A conclusão negativa do diálogo não só exprime a não
aceitação do conceito formal da piedade religiosa, como ainda a
impossibilidade de a definir como uma virtude em si, independente
das outras, e assim prepara indirectamente o reconhecimento da
unidade da virtude.
cujo nome compreende: "o que o objecto é" (428 d). Todavia, Platão
não atribui a produção da linguagem à própria natureza das coisas:
considera-a, com os convencionalistas, uma produção do homem.
Mas admite ao mesmo tempo que esta produção não é arbitrária,
antes é dirigida, até onde é possível, para o conhecimento das
essências, isto é, da natureza das coisas. O teorema fundamental
que Platão se propõe defender é que a linguagem pode ser mais ou
menos exacta ou mesmo errada ou, por outras palavras, que "se
pode dizer o falso": teorema que não cabe nas outras duas
concepções da linguagem, ou porque consideram que a linguagem é
sempre exacta, ou porque uma convenção vale tanto como outra, ou
porque é a natureza das coisas a impô-lo. A defesa deste teorema
abre o caminho à ontologia do Sofista.
Por fim, Platão ataca no Górgias a arte que constituía a principal
criação dos Sofistas e que era a base do seu ensino: a retórica. A
retórica pretendia ser uma técnica da persuasão, à qual parecia
completamente indiferente a tese a defender ou o assunto tratado.
Platão objecta ao conceito desta arte que toda a arte ou ciência só
consegue ser verdadeiramente persuasiva a respeito do objecto que
lhe é próprio. A retórica não tem um objecto próprio: permite falar
de tudo, mas não consegue persuadir senão aqueles que têm um
conhecimento inadequado e sumário das coisas de que trata, ou seja
os ignorantes. Não é, pois, uma arte, mas tão só uma prática
adulatória que oferece a aparência da justiça e está para a política,
que é arte da justiça, como a culinária está para a medicina:
retórica e culinária excitam o gosto, aquela o da alma, esta o do
corpo; política e medicina curam verdadeiramente respectivamente
a alma e o corpo. A retórica pode ser útil para defender com
discursos a própria injustiça e para evitar sofrer a
171
tância sobre que ela versa? Eis o último e mais grave problema que
brota do ensino socrático. A pesquisa platónica iria debater, no seu
desenvolvimento ulterior, estes problemas; quer na sua
singularidade, quer nas suas relações recíprocas.
§ 50. O EROS
§ 51. A JUSTIÇA
vel ao homem atender à sua tarefa. Mas esta eliminação não implica
uma organização comunista. Segundo Platão, as duas classes
superiores dos governantes e dos guerreiros não devem possuir
nada nem ter qualquer retribuição, além dos meios para viver. Mas a
classe dos artesãos não é excluída da propriedade; e os meios de
produção e de distribuição deixam-se nas mãos dos indivíduos. A
segunda condição é a abolição da vida familiar, abolição que deriva
da participação das mulheres na vida do estado com base na mais
perfeita igualdade com os homens, pondo como única condição a sua
capacidade. As uniões entre homens e mulheres são estabelecidas
pelo estado com vista à procriação de filhos sãos. E os filhos são
criados e educados pelo estado que a todos torna uma única grande
família. Estas duas condições tornam impossível um estado segundo
a injustiça, todas as vezes, é claro, que se verificar esta outra: que
o governo seja entregue aos filósofos.
A natureza da justiça esclarece-se indirectamente pela
determinação da injustiça. O estado de que fala Platão é o estado
aristocrático, em que o governo pertence aos melhores. Mas esse
estado não corresponde a nenhuma das formas de governo
existentes. Todas estas são degenerações, do estado perfeito; e os
topos de homem correspondentes são degenerações do homem
justo, que é uno em si e com a comunidade, pois que é fiel à sua
tarefa. São três as degenerações do estado e três as
correspondentes degenerações do indivíduo. A primeira é a
timocracia, governo fundado na honra, que nasce quando os
governantes se apropriam de terras e de casas; corresponde-lhe o
homem timocrático, ambicioso e amante do mandato e das honras,
mas desconfiado em relação aos sábios. A segunda forma é a
oligarquia, governo fundado no património, em que são os ricos quem
comanda, corresponde-lhe o
184
§ 52. O FILÓSOFO
2.o - A opinião acreditada, mas não verificada (pistis), que tem por
objecto as coisas naturais, os seres vivos, os objectos da arte, etc..
Nenhum valor pode, por isso, ter a criação em que ela consiste. Se a
divindade cria a forma natural das coisas, se o artesão reproduz
esta forma nos móveis e nos objectos que cria, o artista não faz
mais que reproduzir os móveis ou os objectos criados pelo artesão e
ficará, por conseguinte, ainda mais afastado da realidade das coisas
naturais. Estas não têm realidade senão enquanto participam das
determinações matemáticas (medida, número, peso) que lhes
eliminam a desordem e os contrastes; ora a imitação prescinde
precisamente destas determinações matemáticas e contraditórias:
não pode, pois,
190
uno, de que não subsiste -fora da sua relação com o múltiplo, de que
não exclui o próprio multiplicar-se e articular-se em um múltiplo
que, apesar do sujeito ao devir e ao tempo, constitui sempre uma
ordem numérica, ou seja uma unidade. E os muitos não são no
sentido de que não são pura e absolutamente muitos, ou seja,
privados de qualquer unidade, pois que em tal caso se dispersariam
e pulverizariam no nada, não podendo constituir um múltiplo. O uno,
por conseguinte, é (existe), mas ao mesmo tempo não é
absolutamente uno: os muitos são (existem), mas ao mesmo tempo
não são absolutamente muitos.
Esta determinação das cinco formas (ou géneros) do ser funda (ou
funda-se em) uma nova concepção do ser: nova porque diferente da
que Platão já via aceite na filosofia sua contemporânea. Em primeiro
lugar, ela exclui que o ser se reduza à existência corpórea como
sustentam os
201
§ 57. A DIALÉCTICA
§ 58. O BEM
Ora, segundo Platão, a vida do homem não pode ser uma vida
fundada no prazer. Uma vida assim, que acabaria por excluir a
consciência do prazer, é própria do animal, que não do homem. Por
outro lado, não pode ser tão-pouco uma vida de pura inteligência,
que seria divina, e não humana. Deve ser, pois, uma vida mista de
prazer e de inteligência. O importante é determinar a justa
proporção em que o prazer e a inteligência devem mesclar-se
conjuntamente para constituir a forma perfeita do bem.
O problema do bem torna-se aqui um problema de medida, de
proporção, de conveniência: a investigação moral transforma-se
numa investigação metafísica de natureza matemática. Platão apoia-
se em Pitágoras: e recorre aos conceitos pitagóricos de limite e de
ilimitado.
205
por isso indispensável haver, até num estado bem ordenado, leis e
sanções penais (854 a). Mas a lei deve conservar a sua função
educativa; não deve somente comandar, mas também convencer e
persuadir pela própria bondade e necessidade: toda a lei deve,
portanto, ter um prelúdio educativo, semelhante ao que se antepõe
à música e ao canto. Quanto à punição, uma vez que ninguém acolhe
de boa vontade na sua alma a injustiça, que é o pior de todos os
males, não deve ela ser uma vingança, mas tão só corrigir o culpado,
ajudando-o a libertar-se da injustiça e a amar a justiça.
§ 61. O FILOSOFAR
Fazendo o balanço da sua vida, na Carta VII, Platão volta uma vez
mais ao problema que para ,si, como para Sócrates, englobava todos
os problemas: o do filosofar. Não se trata do problema da natureza
e dos caracteres de uma ciência objectiva, mas do problema que a
própria ciência é para o homem. Platão examina-o a propósito da sua
tentativa, tão tristemente sucedida, da educação filosófica, as suas
dificuldades e o esforço que ela exige.
O resultado foi que, ao fim de uma única lição, Dioniso julgou saber
dela o bastante e preferiu compor um escrito em que expunha como
obra sua aquilo que tinha ouvido a Platão. Outros haviam feito já,
com menor impudência, tentativas semelhantes; mas Platão não
hesita em condená-los em bloco. "O mesmo posso dizer de todos os
que escreveram ou vierem a escrever na pretensão de expor o
significado da minha pesquisa, quer a tenham ouvido a mim ou a
outros, ou eles próprios o tenham descoberto: pelo menos, em meu
entender, nada compreenderam do assunto como ele
verdadeiramente é. De minha autoria não há nem jamais haverá um
escrito resumido sobre estes problemas. Dado que eles não podem
ser resumidos a fórmulas, como os outros; pois que só depois de nos
havermos familiarizado com estes problemas durante muito tempo,
e depois de se ter vivido e discutido em comum,
215
NOTA BIBLIOGRáFICA
Para uma resenha das obras mais recentes sobre Platão (a partir de
cerca de 1930) efr. os fascículos que lhe são dedicados pela
"Philosophische Rundschau>, Tubingen, 1961-62. Nestes fascículos
se remete para a bibliografia mais recente. Ofr. também P. M.
SCHUHL, Études Platoniciennes, Paris, 1960, p. 23 segs..
§ 56. Sobre o Sofista: RiTTER, Platon, II, p. 120 .sega., 185 segs.,
642 segs.-, NATORP, op. cit., p. 271 segs.,
331 segs.; DIÊS, La définition de I'Être et Ja Nature des Idêes
dans le Sophiste de Platon, Paris, 1909; STENZEL, ZahI und
Gestalt bei Platon und Aristoteles, Leipzig, 1924, p. 10 segs., 126
se-S.; REIDEMEISTER, Mathematik und Logik bei PZaton, Leipzig,
1942.
§ 58. Sobre o Filebo: RiTTER, Platon, II, p. 165 segs., 497 segs,
NATORP, p. 296 segs.; ROBIN, Platon, cap. 4: e a minha Introdução
à tradução de ~ITINI, Turim, 1942.
A ANTIGA ACADEMIA
§ 62. ESPEUSIPO
§ 63. XENÓCRATES
É notável a sua definição da alma como "um número que se move por
si"; nessa definição, evidentemente, ele entendia por número a
ordem ou a proporção que já Platão indicara com a mesma palavra.
Segundo parece, deve atribuir-se a Xenócrates a doutrina das
ideias-números, referida por Aristóteles como característica dos
"platónicos". Segundo essa doutrina, o número constituía a essência
do mundo. Distinguiam-se os números ideais daqueles com que se
calcula, os números ideais, considerados como os elementos
primordiais das coisas, eram dez. Destes, a unidade e a dualidade
eram os princípios respectivamente da divisibilidade e da
indivisibilidade, da união de que brotava o número propriamente
dito. Ao paralelismo pitagórico entre conceitos aritméticos e
conceitos geométricos, acrescentava-se um paralelismo semelhante
no domínio do conhecimento; a razão era identificada com a
unidade-ponto, o conhecimento com a dualidade-linha, a opinião com
a tríada-superfície, a percep-
227
ção sensível com a tétrada-corpo. Não é fácil qual possa ser o
significado destas e de idênticas analogias que Aristóteles expõe e
discute em vários passos da Metafísica.
NOTA BIBLIOGRÁFICA
XI
ARISTÓTELES
§ 67. A VIDA
experimentou cá. Pois que "a vida sem corpo é a condição natural
para a alma, a vida no corpo é contra a natureza como uma doença"
(fr. 41, Rose). Aristóteles permanece aqui ligado ainda ao
pessimismo órfico-pitagórico aceite antes por Platão. "Dado que é
impossível para o homem participar da natureza do que é
verdadeiramente excelente, seria melhor para ele não ter nascido;
e dado que nasceu, o melhor é morrer quanto antes." (fr. 44, Rose).
* h&~ que o& maus 4ndo têm sequer permitido para [louvar que
sozinho ou o primeiro entre os mortais demonstrou [claramente com
o exemplo de ~ vida e com o rigor de seus [argumentos que o homem
se torna bom e feliz ao mesmo tempo. A ninguém até agora foi
permitido tanto alcançar.
§ 73. A SUBSTÂNCIA
qual se põe como norma, isso acontece, não porque é ser, mais
porque é bem; aquilo que o constitui enquanto ser é o bem, o próprio
valor. A normatividade do ser é, para Platão, estranha ao próprio
ser: o ser está no valor, não o valor no ser. Ao contrário,
Aristóteles descobriu o valor intrínseco do ser. A validade que o
ser possui não lhe vem de um principio extrínseco, do bem, da
perfeição ou da ordem, mas do seu principio -intrínseco, da
substância. O ser não está no valor, mas. "o valor no ser". Tudo
aquilo que é. enquanto é, realiza o valor primordial e único, o ser
enquanto tal. A substância, como ser do ser, dá às mais
insignificantes e pobres manifestações do ser uma validade
necessária, uma absoluta normatividade. Efectivamente, não é
privilégio das realidades mais elevadas, mas encontra-se tanto na
base como no cimo da hierarquia dos seres e representa o
verdadeiro valor metafísico.
num passo famoso do livro VII. É necessário partir das coisas que
são mais cognoscíveis ao homem a fim de alcançar aquelas que são
mais cognoscíveis em si; do mesmo modo que, no campo da acção, se
parte daquilo que é bom para o indivíduo a fim de que consiga fazer
seu o bem universal (1020 b, 3). Mais facilmente cognoscíveis para o
homem são as substâncias sensíveis; portanto, destas se deve
partir na consideração das substâncias determinadas. E dado que
estão sujeitas ao devir, trata-se de saber que função desempenha a
substância no devir.
Tudo aquilo que devém tem uma causa eficiente que é o ponto de
partida e o princípio do devir; devém alguma coisa (por exemplo,
uma esfera ou um círculo) que é a forma ou ponto de chegada do
devir; e devém. de alguma coisa, que não é a simples privação dessa
forma, mas a sua possibilidade ou potência e se chama matéria. O
artífice que constrói uma esfera de bronze, como não produz o
bronze, tão-pouco produz a forma de esfera que infunde no bronze.
Não faz mais que dar a uma matéria preexistente, o bronze, uma
forma preexistente, a esfericidade. Se tivesse de produzir também
a esfericidade, teria de a tirar de alguma outra coisa, como tira do
bronze a esfera de bronze; isto é, deveria haver uma matéria da
qual tiraria a esfericidade e logo ainda uma matéria desta matéria e
assim até ao infinito. É evidente, pois, que a forma ou espécie que
se imprime na matéria não devém, pelo contrário, o que devém é o
conjunto da matéria e forma (sinolo) que desta toma o nome. A
substância como matéria ou como forma escapa ao devir: ao qual
pelo contrário, se submete a substância como sinolo (VII, 8, 1033
b). Isto não quer dizer que haja uma esfera aparte das que vemos
ou uma casa fora das construídas com tijolos. Se assim fosse, a
espécie não se converteria nunca numa realidade determinada, isto
é, esta casa ou
265
Por outro lado, nenhuma coisa real pode ser infinita, segundo
Aristóteles. Com efeito, cada coisa existe num espaço e cada
espaço tem um centro, um baixo, um alto e um limite extremo. Mas
no infinito não pode existir nem um centro nem um
278
alto nem um baixo nem um limite. Portanto nenhuma realidade física
é realmente infinita. A ordem das estrelas fixas assinala os limites
do universo, limites para lá dos quais não há espaço. Nenhum volume
determinado pode ser maior do que o volume desta esfera nenhuma
linha pode alongar-se para lá do seu diâmetro.
Daqui deriva que não podem existir outros mundos para lá do nosso
e não pode existir o vazio. Não podem existir outros mundos, pois
que toda a matéria disponível deve já estar disposta ab aeterno
neste nosso universo que tem por centro a terra e por limite
extremo a esfera das estrelas. Dado que cada elemento tende
naturalmente para o seu lugar natural, cada parte de terra tende a
juntar-se à terra que está no centro e cada elemento tende a
reunir-se à própria esfera. Deste modo o nosso universo tem de
recolher toda a matéria possível e fora dele não há matéria: ele é
único. Mas fora dele não existe tão-pouco o vazio. Os atomistas
haviam sustentado que, sem o vazio, não é possível o movimento,
pois que pensavam que, se os átomos (que são semelhantes a
pedrinhas pequeníssimas) fossem impelidos ao mesmo tempo sem
intervalos vazios entre um e outro, nenhum átomo se poderia mover.
Aristóteles, ao contrário, sustenta que o movimento no vazio não
seria possível. Efectivamente no vazio não haveria nem um centro,
nem um alto, nem um baixo-, por consequência não haveria motivo
para um corpo se mover numa direcção em lugar de outra e todos os
corpos permaneceriam parados.
§ 80. A ALMA
mais geral, "a alma é, num certo modo, todos os entes"; com efeito
os entes são os sensíveis ou inteligíveis e enquanto a ciência se
identifica com os entes inteligíveis, a sensação identifica-se com os
sensíveis (1b., 431 b, 20).
§ 81. A ÉTICA
Cada arte, cada pesquisa ou como cada acção e cada escolha, são
feitas com vista a um fim que nos parece bom e desejável: o fim e o
bom coincidem. Os fins das actividades humanas são múltiplos e
alguns deles são desejados com vista apenas a fins superiores; por
exemplo, desejamos a riqueza, a boa saúde, pela satisfação e os
prazeres que podem
284
dar. Mas deve haver um fim supremo, um fim que é desejado por si
próprio, e não já enquanto condição ou meio de um fim ulterior. Se
os outros fins são bens, este fim será o bem supremo, aquele de que
dependem todos os outros. Não há dúvida, segundo Aristóteles, que
este fim seja a felicidade. A procura e a determinação desse fim é
o objecto primeiro e fundamental da ciência política, porque só no
que respeita a ela se pode prescrever aquilo que os homens na sua
vida social e como seres individuais, devem fazer ou aprender. Mas
em que consiste a felicidade para o homem?
O prazer está ligado à vida que segue a virtude. Com efeito, ela é a
verdadeira actividade do homem; e toda a actividade é
acompanhada e coroada pelo prazer (Et. Nic., X 4, 1174 b). Os bens
exteriores como a riqueza, o poder ou a beleza, podem, com a sua
presença, facilitar a vida virtuosa ou torná-la mais difícil com a sua
ausência: mas não podem determiná-la. A virtude e a maldade só
dependem dos homens. Certamente o homem não escolhe o fim, que
está nele por natureza, como uma luz que o guia, a julgar
rectamente e a escolher o verdadeiro bem (111, 5, 1113 b). Mas a
virtude depende precisamente da escolha que se faz dos meios, com
vista ao fim supremo. E esta escolha é livre porque
285
§ 82. A POLÍTICA
§ 83. A RETóRICA
§ 84. A POÉTICA
§ 85. A LÓGICA
e a proposição particular, cada uma das quais pode por sua vez ser
afirmativa ou negativa. Estas relações resultam do esquema
seguinte:
tituída por uma condicional). mas aqueles cuja Premissa maior não é
a conclusão de um Outro silogismo nem é evidente por si, mas é
tomada por via de hipótese. Um de tais silogismos é aquele que
opera a redução ao absurdo. Entre os silogismos ostensivos mais
perfeitos estão os silogismos universais da primeira figura, aos
quais é possível reconduzir todas as outras formas do silogismo.
Finalmente, do silogismo dedutivo distingue-se o silogismo indutivo
ou indução, que é a outra das duas vias fundamentais através das
quais o homem alcança as próprias crenças (68 b, 13). A indução,
segundo Aristóteles, é uma dedução que, em vez de deduzir um
termo do outro mediante o termo médio (por exemplo, a
mortalidade do homem mediante o conceito de animal), como faz o
silogismo verdadeiro e legítimo, deduz o termo médio de um
extremo, valendo-se do outro extremo. Por exemplo, depois de ter
verificado que o homem, cavalo e o macho (1.O termo) são animais
sem bílis (termo médio) e que o homem, o cavalo e o macho são de
longa vida (2.O termo) deduz que todos os animais sem bílis são de
longa vida: na qual conclusão compara o termo médio e um extremo.
O "ser sem bílis" é, neste caso, o termo médio, porque é a razão ou
a causa pela qual o homem, o cavalo e o macho são de longa vida. A
indução é válida apenas se se esgotar em todos os casos possíveis;
se, no exemplo em exame, o homem, o cavalo e o macho são todos
animais sem bílis. Por isso, é de uso limitado e não pode suplantar o
silogismo dedutivo, semo se para o homem é um procedimento mais
fácil e claro (68 b, 15 segs.). Aristóteles sustenta por isso que pode
ser usado não na ciência, mas na dialéctica e na oratória, isto é,
como instrumento de exercício ou de persuasão (Ret., 1, 2, 1356 b,
13).
307
Nos Segundos Analíticos, Aristóteles examina as premissas do
silogismo e o fundamento da sua validade. Aristóteles parte do
princípio de que toda a doutrina ou disciplina deriva de um
conhecimento preexistente" (71 a, 1). Para que o silogismo conclua
necessariamente, as premissas de que deriva devem por sua vez ser
necessárias. E para ser tais, devem ser, em si próprias, princípios
verdadeiros, absolutamente primeiros e imediatos; e, no que
respeita à conclusão, mais cognoscíveis, anteriores à conclusão e
causa dela (71 b, 19). "Imediatos" significa que são indemonstráveis,
embora evidentes por si próprios: pois que, se não fossem tais,
haveria princípios dos princípios e assim até ao infinito (90 b, 24).
Alguns destes princípios são comuns a todas ciências outros são
próprios de cada ciência. Comum é, por exemplo, o princípio: se de
dois objectos iguais se tiram objectos iguais, os restos são iguais.
Especiais são por exemplo os seguintes princípios da geometria: a
linha tem a seguinte natureza; a linha recta tem a seguinte
natureza, etc. (76 a, 37). Mas os princípios, especialmente os
princípios particulares, não são outra coisa, segundo Aristóteles,
senão as definições e as definições são possíveis só pela substância
ou pela essência necessária. (90 b, 30). A validade dos princípios em
que se funda a ciência consiste por isso em serem eles expressão da
substância ou, melhor, do género das substâncias sobre que versa
uma ciência particular; e pois que a substância é causa de todas as
suas propriedades e determinações como os princípios são causa
das conclusões que o silogismo delas deriva, todo o conhecimento é
conhecimento de causas.
NOTA BIBLIOGRÁFICA
312
313
INDICE
PRDdEIRA PARIT,
FILOSOFIA ANTIGA
F7A GREGA .. . ... ... ... ... ... 19 II-A ESCOLA MNICA ...
... ... ... ... 35 M-A ESOOLA PITAGORICA
... ... ... 53 rV_A ESOOLA ELEATICA ... ... ... ... 63
V-OS FISICOS POSTERIORES ... ... ... 81 VI - A
SOFISTICA. ... ... ... ... ... ... 97 VII - SWRATES ...
... ... ... ... ... ... 115 VM -AS ESCOLAS SOCRATICAS
... ... ... 133
IX - PLATA0 ... ... ... ... ... ... ... 147 X -A ANTIGA
ACADE3 . ... ... ... ... 225 )CI - ARISTÓTELES ...
... ... ... ... ... 233
na