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História dos Estudos Lingüísticos

Prof. Luiz Fernando Gomes (2007/9)

• Lingüística: estabelecida como ciência no séc. XIX, é o estudo científico da


linguagem humana
• Dos gregos até o século XIX, passou por 3 fases:
• Filosófica
• Filológica
• Histórico - Comparatista

Antes de falarmos sobre as mais diversas fases de estudos sobre a linguagem, convém
distinguir gramática descritiva de gramática normativa e de gramática histórica.

A gramática descritiva é a que descreve os fatos da língua (fonéticos,


morfológicos, sintáticos e outros) como se apresentam.

A gramática normativa é a que dá normas de bem falar e de bem escrever.

A gramática histórica (ou diacrônica) é aquela que compara os fatos


lingüísticos de várias épocas.

1ª. Fase: Filosófica


Gregos (séc.V aC): origem da linguagem. Relações entre a palavra e a “coisa”,
como se pode ver no diálogo “Crátilo” de Platão.
Alguns filósofos (chamados naturalistas) achavam que os nomes das coisas
dependiam da natureza (em outras palavras, que o signo lingüístico era motivado) e
procuravam étimos muitas vezes, fantasiosos, para provar sua teoria. Alguns diziam, por
exemplo, que o nome "Posseidon", do deus do mar, significava "aquele que tem os pés
acorrentados", pois ele não andava na terra, e sim na água.
Outros filósofos, chamados convencionalistas (séc. II aC) achavam que o nome
das coisas era de acordo com o uso (isto é, que o signo lingüístico era arbitrário).
Com base na Filosofia, estudaram: Etimologia, Semântica, Retórica, Morfologia,
Fonologia, Filologia e Sintaxe.
Base lógica – analogistas – Aristóteles - o nome das coisas é de acordo com a
natureza dessas coisas);
Uso Corrente – (estóicos) Anomalistas preocupavam-se com as irregularidades
da língua e as exceções. Para eles, o nome das coisas era de acordo com o uso e o hábito
dos falantes.
Gramática voltada para a prática – práxis
A gramática surgiu no ocidente como a arte de ler e escrever
Disciplina normativa, não científica, não interessada na língua em si.
Os antigos gregos possuíam gramática normativa, que era feita com base no
modelo de língua usada por escritores considerados bons e cujas obras podiam ser
usadas em classe e, por isso mesmo, chamados clássicos. E esta tendência de
estabelecer as normas da língua com base na língua usada pelos autores clássicos
prevaleceu nas gramáticas até bem pouco tempo. Tal atitude não é conveniente, pois
limita o modelo da língua a um único registro, o literário, e, mais ainda, ao idioleto de
alguns autores. A gramática normativa deve existir sim, porém, baseada numa
gramática descritiva que traduza uma pesquisa feita com elementos representativos da
norma nacional, isto é, da língua usada pela maioria do povo. Na gramática grega havia
preocupação maior com a morfologia e muito pouca preocupação com a fonética e a
sintaxe.
A divisão das classes de palavras baseava-se nas categoriais estabelecidas por
Aristóteles (seres, ações, qualidades, etc.). As nossas classes de palavras (substantivos,
verbos, etc.- sugeridas por Aristóteles) ainda são as mesmas da gramática grega, que
herdamos através dos romanos.
Influenciaram a França (1660)- Gramática de Port Royal (Gramática Lógica).

Romanos
Foram alunos dos gregos, que se tornaram professores em Roma.
Sua gramática é normativa, de base filosófica.
Ao contrário dos gregos, preocupavam-se com outras línguas além do Latim.
Tentaram conciliar Analogistas e Anomalistas, criando uma gramática das regras
e das exceções.

2ª. Fase – Filológica


Filologia: estudo da elucidação dos textos
Surgiu em Alexandria (Egito), no séc. II AC
Na Europa, no século XVIII, no clima do neoclassicismo, o interesse pelas obras
clássicas fez com que se iniciassem os estudos filológicos. Estes estudos, que se
iniciaram com Wolf, na Alemanha, em 1777, visavam à compreensão do mundo antigo
em sua totalidade, pela análise das obras literárias.
Luta pela autonomia da filologia e menos da filosofia
Marcadamente gramatical: morfologia, sintaxe e fonética
Estes estudos recebiam o nome genérico de "gramática" e visavam à
compreensão das obras de autores gregos como Homero e outros, já, então, distantes
no tempo, através do entendimento da língua e da cultura da época em que a obra
havia sido escrita sem, entretanto, fazer distinção entre som e letra e colocando a
língua falada como dependente da língua escrita e dela derivando.
A lingüística tem por objetivo apenas a linguagem e preocupa-se com a língua
falada e a escrita. A filologia só trabalha com textos escritos em diferentes épocas,
procurando determinar a língua particular de um autor, explicar as inscrições, enfim,
interpretar esses textos; ela tem por objetivo não só a língua, mas também a história
literária, os costumes, as instituições que revelam a cultura e o espírito humano em
cada época.
Preocupa-se com a língua escrita e deixa de lado a língua falada
Serviu de base para a Lingüística Histórico-Comparativa

3ª. Fase – Histórico-Comparativa


Preocupação dessa fase: como as línguas evoluem, e não como elas funcionam.
Os primeiros comparatistas, ainda no século XVIII, embora se preocupassem
com as línguas em uso no momento, comparando-as entre si, eram bastante ingênuos e
chegaram a conclusões errôneas, como a de afirmar que o hebraico seria a primeira
língua do mundo, a que havia sido falada no Éden.
Até esta época, os estudos lingüísticos podem ser considerados pré-científicos.
Iniciaram-se, então, estudos que já apresentavam algo de científico, isto é, a
preocupação com a pesquisa dos fatos lingüísticos nas próprias línguas (e não com base
na opinião dos gramáticos apenas).
O primeiro comparatista de real importância, e com espírito científico e de
pesquisa foi o cientista alemão Leibniz. Ele demonstrou que o hebraico não era a
primeira língua a ser falada no mundo, e que seria uma protolíngua a que se chegaria,
talvez, pela comparação entre as línguas. Dizia que era preciso comparar o maior
número possível de línguas para se chegar ao conhecimento do espírito humano.
Leibniz comparou vocábulos das mais diversas línguas e escreveu a Pedro, o
Grande, Czar da Rússia, pedindo-lhe que pesquisasse as palavras nos mais diversos
dialetos da Rússia. Após a morte do Czar, esta pesquisa foi feita por ordem de Catarina
II.
Vários pesquisadores das mais diversas partes da Europa seguiram a trilha de
Leibniz; um dos mais importantes foi o padre Hervás. Jesuíta espanhol, que envolveu
em sua pesquisa, 300 línguas, inclusive línguas indígenas da América. O padre Hervás
não se preocupou só com vocábulos, mas também com fatos de construção gramatical.
Os comparatistas desta primeira fase apresentam alguns defeitos em suas pesquisas:
eram eruditos, e por isso, preocupavam-se mais com a língua falada "in loco",
confundiam sons com letras e faziam comparações quase que só de vocabulário entre as
línguas.
Numa segunda fase, surgiram os comparatistas que perceberam não ser o
vocabulário o elemento mais representativo das línguas, e sim a forma gramatical.
Como o vocabulário é muito variável e mais sujeito a empréstimos, através da estrutura
gramatical consegue-se descobrir melhor o parentesco e a afinidade entre as línguas,
fato que interessa essencialmente aos comparatistas.
A descoberta do Sânscrito, a língua sagrada dos hindus, entre 1786 e 1816 foi de
grande auxílio aos comparatistas, pois eles captaram a semelhança com estas línguas e
aprenderam métodos de pesquisa que lhes permitiram comparar as estruturas
gramaticais destas línguas. Descobriram parentesco genético entre o Latim, o Grego,
línguas germânicas, eslavas, célticas e o Sânscrito.
A gramática hindu surgiu inicialmente por motivos religiosos, para descrever os
sons e as palavras dos cantos religiosos e preces, cuja língua (o Sânscrito) já estava se
tornando arcaica.
Os hindus achavam que por respeito à divindade, deveriam manter correta a
pronúncia destes cantos e preces. Mais tarde surgiu a preocupação social: dar normas de
bem falar o sânscrito (língua das castas nobres) para os filhos das famílias de casta
nobre.
A gramática dos antigos hindus apresenta uma descrição articulatória dos sons
do sânscrito muito perfeita; a descrição fonética não deve nada às feitas atualmente. Os
hindus chegaram a descobrir o "sândi", isto é, o fato de que um som se transforma, em
contato com outro. Vejamos um exemplo de sândi em português: o /s/ que é surdo,
sonoriza-se quanto está entre dois sons sonoros: /ozolhos/ , told you (toldju), did you.
Esta gramática diferencia-se da dos gregos e romanos antigos por não apresentar
preocupação filosófica, pela preocupação com a descrição articulatória dos sons e por
ser normativa, mas já com certa base descritiva.
Os hindus conseguiram também separar as raízes e afixos das palavras com
perfeição e verificar as possibilidades de combinação destes elementos. Estas pesquisas
serviram de modelo às pesquisas dos comparatistas europeus do século XIX.
Inicialmente, a gramática hindu era transmitida oralmente e foi fixada na escrita
por Panini, com 4000 regras.
Na Idade Média, quando o latim já se transformava nas línguas românicas,
estudava-se a gramática do latim clássico, pois se achava que o latim seria a expressão
natural e lógica do espírito humano; idéia que teve grande influência, mais tarde, sobre
os gramáticos de Port Royal, no século XVII. Esses gramáticos se preocupavam com a
língua como expressão da lógica da mente. No final da Idade Média começou o
interesse por outras línguas: grego, hebraico, árabe, e por línguas contemporâneas, para
as quais começaram a ser traduzidos os livros sobre as vidas dos santos da Bíblia.
No Renascimento houve a valorização das línguas nacionais e começaram a
surgir as primeiras gramáticas dessas línguas.
Franz Bopp (1791-1867) – Fundador da Lingüística Comparatista – Livro
“Sistema de conjugação do Sânscrito” (1816)
Para Bopp, a fonte comum das flexões verbais do latim, do grego, do persa e do
germânico era o sânscrito.
O sânscrito era o idioma que mais se aproximava de uma protolíngua indo-
européia
Ramus Rask (1878 – 1832) – Dinamarquês – escreveu sobre origem do velho
nórdico (1818). Ponta semelhanças entre as principais línguas indo-européias e as
línguas nórdicas.
Jacob Grimm (1785-1863) – Alemão. Primeiro a escrever uma gramática
comparada das línguas germânicas (1819).
É o pai das “leis fonéticas”.
Tendências dessa fase: enfoque naturalista, biologismo lingüístico: línguas
nascem, crescem e morrem e a idéia de que as leis da lingüística se aproximam das leis
físicas: leis fonéticas.
Os Neogramáticos
Na segunda metade do século XIX, surgiu um grupo de gramáticos que reagiu às
idéias do passado, de que as modificações das línguas surgidas através dos tempos eram
corrupções. Por esta razão foram muito criticados pelos gramáticos mais antigos e
chamados ironicamente de neogramáticos.
Os neogramáticos descobriram que nas línguas sempre se processam
transformações, e que elas são inevitáveis.Tal afirmação contrariava a opinião de que as
transformações seriam corrupções da língua.
Os neogramáticos (Brugman, Ostoff, e mais tarde, Hermann, Paul, Sievers)
foram os iniciadores da lingüística histórica que Saussure, no século XIX, chamou de
diacrônica. Eles procuraram sanar as falhas dos comparatistas da segunda fase, para
quem a comparação era um fim e não meio. Para os neogramáticos, a comparação é um
meio para conhecer a história das línguas e estabelecer famílias lingüísticas. Eles
enquadraram definitivamente, a comparação entre as línguas numa linha histórica.
A escola dos neogramáticos considerava apenas como científicos os estudos de
lingüística histórica (onde já se percebia claramente a pesquisa científica e a
comprovação dos fatos na realidade); excluía da ciência os estudos sincrônicos porque
os via ainda apenas como normativos.
Quem reabilitou, mais tarde, os estudos sincrônicos demonstrando que podiam
ser descritivos e ter caráter científico foi Saussure.
Os neogramáticos descobriram as leis fonéticas. Descobriram a regularidade das
transformações fonéticas, isto é, quando as transformações atingem um fonema, eles o
atingem em todas as palavras da língua em que ele ocupa uma determinada posição.
Entusiasmados com a sua descoberta e influenciados pelas descobertas da época
em torno das ciências naturais e exatas, chamaram as transformações de leis fonéticas, e
não consideraram a influência de fatores externos à língua nas transformações dela.
Hoje sabermos que as transformações fonéticas não são leis, por que as leis das
ciências naturais e exatas são universais, não variam no tempo e no espaço, enquanto
que as fonéticas são limitadas no tempo e no espaço.
As línguas são instrumentos culturais condicionados por fatores sociais,
históricos, geográficos e psicológicos. Têm comportamento inconstante.
1810-1890 – Fase Naturalista – preocupação com a história interna da língua
1890- 1930 – Fase Culturalista – preocupação com fatores externos,
condicionantes da língua (histórico-culturais).

A Geografia Lingüística
As pesquisas de geografia lingüística começaram com o francês Jules Gilliéron
no século XIX. Ele organizou o primeiro atlas lingüístico, que foi o dos falares da
França. Um atlas lingüístico é a imagem fotográfica da distribuição da distribuição dos
falares em zonas muito extensas. Preparou pesquisadores, que depois partiram para as
mais diversas regiões da França, ouviram informantes e recolheram dados sobre os
falares dessas regiões.
Humboldt foi um autor que se dedicou à filosofia da linguagem numa época em
que só se valorizavam os estudos de lingüística histórica. Suas pesquisas foram muito
pouco conhecidas em seu tempo. Teve intuições geniais, várias delas corresponderam às
de Saussure. Idéias básicas:
1- A língua expressa a cultura e a modela;
2- A língua não só é produto (língua, para Saussure) mas também é fala; pois o homem
ao falar cria e renova constantemente a língua.
3- Na língua encontramos a forma externa e interna (significante e significado, de
Saussure).

FERDINAND DE SAUSSURE (1857-1913)


Seus trabalhos marcam o início da lingüística moderna. Aos 18 anos já era um
neogramático. Viveu em Leipzig e Berlim de 1876 a 1878 e manteve contato com
expoentes da Lingüística Comparada. Doutorou-se em 1878, com a tese “O emprego do
genitivo absoluto no sânscrito”. Foi professor da Universidade de Genebra, em três
cursos de Lingüística Geral, no período de 1906 a 1911. Fez importantes distinções
entre língua e fala. Professava que o signo lingüístico é constituído de significante
(imagem acústica) e de significado (conceito); afirmou ser o signo arbitrário, isto é,
convencional. Comparava a língua a um jogo de xadrez, onde as peças valem pela
posição em que ocupam. Fez distinções entre as relações sintagmáticas e associativas
(chamadas mais tarde de paradigmáticas).
Comparava a língua a um jogo de xadrez, onde as peças valem pela posição em
que ocupam. Fez distinções entre as relações sintagmáticas e associativas (chamadas
mais tarde de paradigmáticas).
As idéias de Saussure estão no livro Curso de Lingüística Geral, compilado por
seus discípulos Charles Bally e Albert Sechehaye, com a colaboração de outro
discípulo, Albert Rieddlinger, a partir de anotações das aulas e publicado em 1916, após
sua morte. Além de artigos sobre Gramática comparada, nada mais deixou escrito.
PRINCIPAIS CONCEITOS SAUSSURIANOS
SAUSSURE E A LÍNGUA PORTUGUESA

Castelar de Carvalho (UFRJ, ABF)

A vitalidade do pensamento saussuriano, com o passar do tempo, só tem feito renovar


sua atualidade. Nos últimos anos, tem se multiplicado a bibliografia sobre sua doutrina,
difundida a partir da publicação do livro clássico Curso de lingüística geral (CLG). As
repercussões de suas idéias motrizes, assim como as escolas delas decorrentes, criaram
uma metodologia prática e funcional de abordagem dos fatos lingüísticos. Tal
metodologia pode ser aplicada com sucesso ao estudo e ao ensino de português, como
demonstra o nosso livro Para compreender Saussure, hoje na 12ª edição, contendo os
fundamentos e uma visão crítica das iluminadas idéias do genial fundador da
Lingüística moderna, além de exercícios com questões relativas à língua portuguesa.
Neste artigo, apresentaremos uma síntese de suas célebres dicotomias: semiologia /
lingüística, signo: significado / significante, arbitrariedade / linearidade, linguagem:
língua / fala (norma), sincronia / diacronia, sintagma / paradigma e o corolário de tudo
isso: a noção de valor.

Semiologia / Lingüística

A Semiologia (ou Semiótica) é a teoria geral dos sinais. Ela difere da Lingüística por
sua maior abrangência: enquanto a Lingüística é o estudo científico da linguagem
humana, a Semiologia preocupa-se não apenas com a linguagem humana e verbal, mas
também com a dos animais e de todo e qualquer sistema de comunicação, seja ele
natural ou convencional. Desse modo, a Lingüística insere-se como uma parte da
Semiologia. Semiologia e Semiótica são termos permutáveis. A primeira surgiu na
Europa, com Saussure, e a segunda, nos Estados Unidos, com o filósofo Charles
Sanders Peirce.

O signo lingüístico
arbitrariedade / linearidade

Saussure define o signo como a união do sentido e da imagem acústica. O que ele
chama de “sentido” é a mesma coisa que conceito ou idéia, isto é, a representação
mental de um objeto ou da realidade social em que nos situamos, representação essa
condicionada pela formação sociocultural que nos cerca desde o berço. Em outras
palavras, para Saussure, conceito é sinônimo de significado (plano das idéias), algo
como o lado espiritual da palavra, sua contraparte inteligível, em oposição ao
significante (plano da expressão), que é sua parte sensível. Por outro lado, a imagem
acústica “não é o som material, coisa puramente física, mas a impressão psíquica desse
som” (CLG, p. 80). Melhor dizendo, a imagem acústica é o significante. Com isso,
temos que o signo lingüístico é “uma entidade psíquica de duas faces” (p. 80),
semelhante a uma moeda.

Mais tarde, Jakobson e a Escola Fonológica de Praga irão estabelecer definitivamente a


distinção entre som material e imagem acústica. Ao primeiro chamaram de fone, objeto
de estudo da Fonética. À imagem acústica denominaram de fonema, conceito
amplamente aceito e consagrado pela Fonologia.
Os dois elementos – significante e significado – constituem o signo “estão intimamente
unidos e um reclama o outro” (p. 80). São interdependentes e inseparáveis, pois sem
significante não há significado e sem significado não existe significante.
Exemplificando, diríamos que quando um falante de português recebe a impressão
psíquica que lhe é transmitida pela imagem acústica ou significante / kaza /, graças à
qual se manifesta fonicamente o signo casa, essa imagem acústica, de imediato, evoca-
lhe psiquicamente a idéia de abrigo, de lugar para viver, estudar, fazer suas refeições,
descansar, etc. Figurativamente, diríamos que o falante associa o significante / kaza / ao
significado domus (tomando-se o termo latino como ponto de referência para o
conceito).

Quanto ao princípio da arbitrariedade, Saussure (p. 83) esclarece que arbitrário

... não deve dar a idéia de que o significado dependa da livre escolha do
que fala, [porque] não está ao alcance do indivíduo trocar coisa alguma
num signo, uma vez esteja ele estabelecido num grupo lingüístico;
queremos dizer que o significante é imotivado, isto é, arbitrário em
relação ao significado, com o qual não tem nenhum laço natural na
realidade. (grifo nosso)

Desse modo, compreendemos por que Saussure afirma que a idéia (ou conceito ou
significado) de mar não tem nenhuma relação necessária e “interior” com a seqüência
de sons, ou imagem acústica ou significante /mar/. Em outras palavras, o significado
mar poderia ser representado perfeitamente por qualquer outro significante. E Saussure
argumenta, para provar seu ponto de vista, com as diferenças entre as línguas. Tanto
assim que a idéia de mar é representada em inglês pelo significante “sea” /si / e em
francês, por “mer” /mér/.

Um exemplo bastante representativo da ausência de vínculo natural entre o significante


e o significado é o dos verbos depoentes latinos. Nestes, a forma é passiva, entretanto, o
sentido é ativo: sequor “sigo” (e não “sou seguido”), utor “uso” (e não “sou usado”).
Nestes signos, o grau de arbitrariedade é extremo, não havendo sequer coerência
morfossemântica entre o significante e o significado.

Na verdade, existem dois sentidos para arbitrário:

a) o significante em relação ao significado:

livro, book, livre, Buch, liber, biblion, etc. (significantes diferentes para um mesmo
significado);

b) o significado como parcela semântica (em oposição à totalidade de um campo


semântico):

ingl. teacher / professor port. professor

ingl. sheep / mutton port. carneiro

Apesar de haver postulado que o signo lingüístico é, em sua origem, arbitrário, Saussure
não deixa de reconhecer a possibilidade de existência de certos graus de motivação
entre significante e significado. Em coerência com seu ponto de vista dicotômico,
propõe a existência de um “arbitrário absoluto” e de um “arbitrário relativo”. Como
exemplo de arbitrário absoluto, o mestre de Genebra cita os números dez e nove,
tomados individualmente, e nos quais a relação entre o significante e o significado seria
totalmente arbitrária, isto é, essa relação não é necessária, é imotivada. Já na
combinação de dez com nove para formar um terceiro signo, a dezena dezenove,
Saussure acha que a arbitrariedade absoluta original dos dois numerais se apresenta
relativamente atenuada, dando lugar àquilo que ele classificou como arbitrariedade
relativa, pois do conhecimento da significação das partes pode-se chegar à significação
do todo.

O mesmo acontece no par pera / pereira, em que pera, enquanto palavra primitiva,
serviria como exemplo de arbitrário absoluto (signo imotivado). Por sua vez, pereira,
forma derivada de pera, seria um caso de arbitrário relativo (signo motivado), devido à
relação sintagmática pera (morfema lexical) + -eira (morfema sufixal, com a noção de
“árvore”) e à relação paradigmática estabelecida a partir da associação de pereira a
laranjeira, bananeira, etc., uma vez que é conhecida a significação dos elementos
formadores.

A respeito da linearidade, este é um princípio que se aplica às unidades do plano da


expressão (fonemas, sílabas, palavras), por serem estas emitidas em ordem linear ou
sucessiva na cadeia da fala. Esse princípio é a base das relações sintagmáticas, assunto
que abordaremos mais adiante.

Língua / Fala (norma)

Esta é sua dicotomia básica e, juntamente com o par sincronia / diacronia, constitui uma
das mais fecundas. Fundamentada na oposição social / individual, revelou-se com o
tempo extremamente profícua. O que é fato da língua (langue) está no campo social; o
que é ato da fala ou discurso (parole) situa-se na esfera do individual. Repousando sua
dicotomia na Sociologia, ciência nascente e já de grande prestígio então, Saussure (p.
16) afirma e adverte ao mesmo tempo: “A linguagem tem um lado individual e um lado
social, sendo impossível conceber um sem o outro”. Vale lembrar que, para Saussure, a
linguagem é a faculdade natural de usar uma língua, “ao passo que a língua constitui
algo adquirido e convencional” (p. 17). Do exame exaustivo do Curso, depreendemos
três concepções para língua: acervo lingüístico, instituição social e realidade sistemática
e funcional. Analisemo-las à luz do CLG.

A língua, como acervo lingüístico, é “o conjunto dos hábitos lingüísticos que permitem
a uma pessoa compreender e fazer-se compreender” (p. 92). A língua é “uma soma de
sinais depositados em cada cérebro, mais ou menos como um dicionário cujos
exemplares, todos idênticos, fossem repartidos entre os indivíduos” (p. 27). E, com todo
o respeito a Saussure, acrescentaríamos nós: um dicionário e uma gramática, cuja
extensão será proporcional ao conhecimento e à percepção lingüística do falante.

Na condição de acervo, a língua guarda consigo toda a experiência histórica acumulada


por um povo durante a sua existência. Disso nos dá testemunho o latim, símbolo
permanente da cultura e das instituições romanas. Também o português, nos seus oito
séculos de existência, acumulou um rico e notável acervo lingüístico e literário.
Importante língua de cultura, constitui tesouro comum dos povos irmanados pela
lusofonia.

Como instituição social, a língua “não está completa em nenhum [indivíduo], e só na


massa ela existe de modo completo” (p. 21), por isso, ela é, simultaneamente, realidade
psíquica e instituição social. Para Saussure, a língua “é, ao mesmo tempo, um produto
social da faculdade da linguagem e um conjunto de convenções necessárias, adotadas
pelo corpo social para permitir o exercício dessa faculdade nos indivíduos” (p. 17); é “a
parte social da linguagem, exterior ao indivíduo, que, por si só, não pode nem criá-la
nem modificá-la; ela não existe senão em virtude de uma espécie de contrato
estabelecido entre os membros da comunidade” (p. 22).

A visão da língua como realidade sistemática e funcional é o conteúdo mais importante


da concepção saussuriana. Para o mestre de Genebra, a língua é, antes de tudo, “um
sistema de signos distintos correspondentes a idéias distintas” (p. 18); é um código, um
sistema onde, “de essencial, só existe a união do sentido e da imagem acústica” (p. 23).
Saussure vê a língua como um objeto de “natureza homogênea” (p. 23) e que, portanto,
se enquadra perfeitamente na sua definição basilar: “a língua é um sistema de signos
que exprimem idéias” (p. 24). Essa concepção da língua como sistema funcional está
imbricada com a noção de valor (v. conclusão).

A fala, ao contrário da língua, por se constituir de atos individuais, torna-se múltipla,


imprevisível, irredutível a uma pauta sistemática. Os atos lingüísticos individuais são
ilimitados, não formam um sistema. Os fatos lingüísticos sociais, bem diferentemente,
formam um sistema, pela sua própria natureza homogênea. Vale ressaltar, no entanto,
que tanto o funcionamento quanto a exploração da faculdade da linguagem estão
intimamente ligados às implicações mútuas existentes entre os elementos língua
(virtualidade) e fala (realidade).

Quanto ao conceito de norma, trata-se de uma contribuição do lingüista romeno


Eugenio Coseriu, que propôs um acréscimo à dicotomia saussuriana. Sua tricotomia vai
do mais concreto (fala, uso individual da norma) ao mais abstrato (língua, sistema
funcional), passando por um grau intermediário: a norma (uso coletivo da língua). Em
outras palavras, há realizações consagradas pelo uso e que, portanto, são normais em
determinadas circunstâncias lingüísticas, previstas pelo sistema funcional. É à norma
que nos prendemos de forma imediata, conforme o grupo social de que fazemos parte e
a região onde vivemos. A norma seria assim um primeiro grau de abstração da fala.
Considerando-se a língua (o sistema) um conjunto de possibilidades abstratas, a norma
seria então um conjunto de realizações concretas e de caráter coletivo da língua.
Vejamos alguns exemplos da oposição norma / sistema no português do Brasil.

O conhecido [š], chiante pós-vocálica, variante de [s], é norma no Rio de Janeiro em


todas as classes sociais: gás [gaš], mês [meš], basta [bašta]. Já no Sul, a pronúncia
sancionada pelo uso (ou norma) é marcadamente alveolar: [basta], [mês], [gás]. No
campo da Morfologia, o sistema dispõe dos sufixos -ada e -edo, ambos com o sentido
de coleção. Enquanto, para designar grande quantidade de bichos, a norma culta prefere
o primeiro (bicharada), a norma geral no falar gaúcho consagrou o segundo: bicharedo.
O mesmo acontece com os sufixos diminutivos -inho e -ito, ambos disponíveis no
sistema funcional: a norma fora do Rio Grande do Sul é dizer-se salaminho; já em terras
gaúchas o uso sancionou salamito. No plano sintático, a língua (sistema) portuguesa
dispõe dos advérbios já e mais, que, quando usados numa frase negativa, indicam a
cessação de um fato ou de uma ação. A norma brasileira preferiu o segundo: “Eu não
vou mais”; “Não chove mais”. A portuguesa optou pelo primeiro: “Eu já não vou”; “Já
não chove”. O português do Brasil prefere descrever um fato em progressão dizendo:
“Estou estudando” (aux. + gerúndio); já em Portugal, a norma é usar-se aux. +
infinitivo: “Estou a estudar”. Ainda com relação à norma brasileira, não podemos
deixar de mencionar o uso consagrado do verbo ter no lugar de haver, com o sentido de
“existir”, uso inclusive já referendado por vários autores brasileiros de peso, como
Carlos Drummond de Andrade (“No meio do caminho tinha uma pedra”) e Manuel
Bandeira (“Em Pasárgada tem tudo”), dentre outros.

Nesse sentido, cabe ressaltar que certos deslocamentos da norma, constantes e repetidos,
podem, com o tempo, fazer evoluir (mudar) a língua. É o que vem ocorrendo, por
exemplo, com a pronúncia do adjetivo “ruim”. A norma gramatical em vigor recomenda
pronunciá-lo como hiato: ruím. Entretanto, a norma geral no português do Brasil é a sua
realização como ditongo: rúim, malgrado os esforços da escola. É possível que no
futuro seja esta a única pronúncia em vigor, tanto no sistema (língua) quanto na norma
(uso).

Tipos de Norma

As variantes coletivas (ou subcódigos) dentro de um mesmo domínio lingüístico


dividem-se em dois tipos principais: diatópicas (variantes ou normas regionais ) e
diastráticas (variantes culturais ou registros).

As variantes diatópicas caracterizam as diversas normas regionais existentes dentro de


um mesmo país e até dentro de um mesmo estado, como o falar gaúcho, o falar mineiro,
etc. Por exemplo, “cair um tombo”, no Rio Grande do Sul; “levar um tombo”, no Rio de
Janeiro.

As variantes diastráticas, intimamente ligadas à estratificação social, evidenciam a


variedade de diferenças culturais dentro de uma comunidade e podem subdividir-se em
norma culta padrão (ou nacional), norma coloquial (tensa ou distensa) e norma popular
(também chamada de vulgar).

A norma culta é a modalidade escrita empregada na escola, nos textos oficiais,


científicos e literários. Baseada na tradição gramatical, é a variante de maior prestígio
sociocultural. Ex.: Há muito tempo não o vejo. Vendem-se carros. Havia dez alunos em
sala.

A norma coloquial é aquela empregada oralmente pelas classes médias escolarizadas.


Viva e espontânea, seu grau de desvio em relação à norma culta pode variar conforme as
circunstâncias de uso. Ex.: Tem muito tempo que não lhe vejo / não vejo ele. Vende-se
carros. Tinha dez alunos em sala.

A norma popular caracteriza a fala das classes populares semi-escolarizadas ou não-


escolarizadas. Nessa modalidade, o desvio em relação à norma gramatical é maior,
caracterizando o chamado “erro”. Ex.: A gente fomos na praia. Dois cachorro-quente
custa três real.
Há também as variantes diafásicas, que dizem respeito aos diversos tipos de modalidade
expressiva (familiar, estilística, de faixa etária, etc.).

Constatamos assim a pertinência da divisão tripartida de Coseriu. Todos os exemplos


citados, quer caracterizando o falar de uma região, quer identificando o próprio
português do Brasil, mostram a propriedade e a conveniência do fator intermediário
norma entre a fala e a língua, fator este que tem por princípio realizar e dinamizar o
sistema funcional (língua). Ressalve-se, contudo, que a concepção saussuriana da língua
como instituição social se aproxima, de certo modo, da teoria da norma de Coseriu.

Sincronia / Diacronia

A sincronia é o eixo das simultaneidades, no qual devem ser estudadas as relações entre
os fatos existentes ao mesmo tempo num determinado momento do sistema lingüístico,
que pode ser tanto no presente quanto no passado. Em outras palavras, sincronia é
sinônimo de descrição, de estudo do funcionamento da língua. Por outro lado, no eixo
das sucessividades ou diacronia, o lingüista tem por objeto de estudo a relação entre um
determinado fato e outros anteriores ou posteriores, que o precederam ou lhe
sucederam. E Saussure adverte que tais fatos (diacrônicos) “não têm relação alguma
com os sistemas, apesar de os condicionarem” (p. 101). Em outras palavras, o
funcionamento sincrônico da língua pode conviver harmoniosamente com seus
condicionamentos diacrônicos. Acrescente-se ainda que a diacronia divide-se em
história externa (estudo das relações existentes entre os fatores socioculturais e a
evolução lingüística) e história interna (trata da evolução estrutural – fonológica e
morfossintática – da língua).

Saussure considera prioritário o estudo sincrônico porque o falante nativo não tem
consciência da sucessão dos fatos da língua no tempo. Para o indivíduo que usa a língua
como veículo de comunicação e interação social, essa sucessão não existe. A única e
verdadeira realidade tangível que se lhe apresenta de forma imediata é a do estado
sincrônico da língua. Além disso, como a relação entre o significante e o significado é
arbitrária, estará continuamente sendo afetada pelo tempo, daí a necessidade de o estudo
da língua ser prioritariamente sincrônico. Sirva de exemplo o substantivo romaria, que
significava originalmente “peregrinação a Roma para ver o Papa”. Hoje, no entanto, é
usado unicamente para designar “peregrinação religiosa em geral”. Entre nós, por
exemplo, são muito comuns as romarias a Aparecida do Norte, em São Paulo.

Advirta-se, contudo, o seguinte: Saussure postula a prioridade da sincronia e, convém


lembrar, prioridade não significa exclusividade. De nossa parte, entendemos a distinção
sincronia / diacronia unicamente como procedimentos metodológicos de análise
lingüística. A esse respeito, ouçamos as ponderações, até certo ponto premonitórias, do
próprio Saussure (p. 16):

A cada instante, a linguagem implica ao mesmo tempo um sistema


estabelecido e uma evolução: a cada instante, ela é uma instituição atual
e um produto do passado.

A língua, portanto, será sempre sincronia E diacronia em qualquer momento de sua


existência. O ponto de vista da ciência lingüística é que poderá ser OU sincrônico OU
diacrônico, dependendo do fim que se pretende atingir. E há determinados casos, por
exemplo, em que a descrição sincrônica pode perfeitamente ser conjugada com a
explicação diacrônica, enriquecendo-se, desse modo, a análise feita pelo lingüista. Por
exemplo, podemos descrever o verbo pôr como pertencente à segunda conjugação,
apelando para as formas sincrônicas atuais pões, põe, puseste, etc., além dos adjetivos
poente e poedeira, nos quais o -e- medial aí existente (ou remanescente) funciona
estruturalmente como vogal temática. Ao mesmo tempo, podemos enriquecer a
descrição sincrônica, complementando-a com a explicação diacrônica: o atual verbo pôr
já foi representado pelo infinitivo arcaico poer, que, por sua vez, se vincula ao latim
vulgar ponere, com a seguinte cadeia evolutiva: poněre > ponēre > poner > põer > poer
> pôr.

Encarados sob essa perspectiva, os pontos de vista sincrônico e diacrônico não são
excludentes, ao contrário, são complementares. Seja como for, vale registrar que
Saussure, deixando de se preocupar com o processo pelo qual as línguas se modificam,
para tentar saber o modo como elas funcionam, deu, coerentemente, primazia ao estudo
sincrônico, ponto de partida para a Lingüística Geral e o chamado método estruturalista
de análise da língua.

Sintagma / Paradigma

Para Saussure, tudo na sincronia se prende a dois eixos: o associativo (= paradigmático)


e o sintagmático.

As relações sintagmáticas baseiam-se no caráter linear do signo lingüístico, “que exclui


a possibilidade de pronunciar dois elementos ao mesmo tempo” (p. 142). A língua é
formada de elementos que se sucedem um após outro linearmente, isto é, “na cadeia da
fala” (p. 142). À relação entre esses elementos Saussure (p. 142) chama de sintagma:

O sintagma se compõe sempre de duas ou mais unidades consecutivas:


re-ler, contra todos, a vida humana, Deus é bom, se fizer bom tempo,
sairemos, etc.

Colocado na cadeia sintagmática, um termo passa a ter valor em virtude do contraste


que estabelece com aquele que o precede ou lhe sucede, “ou a ambos”, visto que um
termo não pode aparecer ao mesmo tempo que outro, em virtude do seu caráter linear.
Em “Hoje fez calor”, por exemplo, não podemos pronunciar a sílaba je antes da sílaba
ho, nem ho ao mesmo tempo que je; lor antes de ca, ou ca simultaneamente com lor é
impossível. É essa cadeia fônica que faz com que se estabeleçam relações sintagmáticas
entre os elementos que a compõem. Como a relação sintagmática se estabelece em
função da presença dos termos precedente e subseqüente no discurso, Saussure a chama
também de relação in præsentia.

Por outro lado, fora do discurso, isto é, fora do plano sintagmático, se, em “Hoje fez
calor”, dizemos hoje pensando opô-lo a outro advérbio, ontem, por exemplo, ou fez em
oposição a faz, e calor a frio, estabelecemos uma relação paradigmática associativa ou
in absentia, porque os termos ontem, faz e frio não estão presentes no discurso. São
elementos que se encontram na nossa memória de falante “numa série mnemônica
virtual”, conforme esclarece Saussure na pág. 143 do CLG.
O paradigma é assim uma espécie de “banco de reservas” da língua, um conjunto de
unidades suscetíveis de aparecer num mesmo contexto. Desse modo, as unidades do
paradigma se opõem, pois uma exclui a outra: se uma está presente, as outras estão
ausentes. É a chamada oposição distintiva, que estabelece a diferença entre signos como
gado e gato ou entre formas verbais como estudava e estudara, formados
respectivamente a partir da oposição sonoridade / não-sonoridade e pretérito imperfeito
/ mais-que-perfeito. A noção de paradigma suscita, pois, a idéia de relação entre
unidades alternativas. É uma espécie de reserva virtual da língua.

Define-se o sintagma como “a combinação de formas mínimas numa unidade lingüística


superior”. Trata-se, portanto, de relações (relação = dependência, função) onde o que
existe, em essência, é a reciprocidade, a coexistência ou solidariedade entre os
elementos presentes na cadeia da fala. Essas relações sintagmáticas ou de reciprocidade
existem, a nosso ver, em todos os planos da língua: fônico, mórfico e sintático, ao
contrário do que deixa entrever a definição do próprio Saussure, que nos induz a
conceber o sintagma apenas nos planos mórfico e sintático. Sendo assim, o sintagma,
em sentido lato, é toda e qualquer combinação de unidades lingüísticas na seqüência de
sons da fala, a serviço da rede de relações da língua. Por exemplo, no plano fônico, a
relação entre uma vogal e uma semivogal para formar o ditongo (ai /ay/); no nível
mórfico, a própria palavra, com seus constituintes imediatos, é um sintagma lexical (am
+ a + va + s); sintaticamente, a relação sujeito + predicado caracteriza o sintagma
oracional (Pedro / estudou a lição.).

Uma Visão Estilística

No plano da expressão, as relações paradigmáticas operam com base na similaridade de


sons. É o caso das rimas (“Mas que dizer do poeta / numa prova escolar? / Que ele é
meio pateta / e não sabe rimar?”, Carlos Drummond de Andrade), aliterações (“Vozes
veladas, veludosas vozes”, Cruz e Sousa), assonâncias (“Tíbios flautins finíssimos
gritavam”, Olavo Bilac), homoteleutos [ou homeoteleutos] (“Rita não tem cultura, mas
tem finura”, Machado de Assis).

No plano do conteúdo, as relações paradigmáticas baseiam-se na similaridade de


sentido, na associação entre o termo presente na frase e a simbologia que ele desperta
em nossa mente. É o caso da metáfora: “O pavão é um arco-íris de plumas.” (Rubem
Braga), ou seja, arco-íris = semicírculo ou arco multicor. Embora presente no texto em
prosa, a metáfora é mais usual na poesia.

Já a metonímia, mais comum na prosa, por basear-se numa relação de contigüidade de


sentido, atua no eixo sintagmático. Ex.: O autor pela obra: “Gosto de ler Machado de
Assis”; a parte pelo todo: “Os desabrigados ficaram sem teto” (= casa); o continente
pelo conteúdo: “Tomei um copo de vinho” (o vinho contido no copo), etc.

Conclusão

A visão saussuriana da língua como um sistema de valores está intimamente associada à


sua célebre frase: “na língua só existem diferenças”, ou seja , ela funciona
sincronicamente e com base em relações opositivas (paradigmáticas) no sistema e
contrastivas (sintagmáticas) no discurso. Tendo como ponto de partida as idéias
motrizes contidas no Curso de lingüística geral, formaram-se várias escolas
estruturalistas (fonológica de Praga, estilística de Genebra, funcionalista de Paris,
glossemática de Copenhague), que deram conseqüência e continuidade ao pensamento
infelizmente inacabado do genial fundador da Lingüística moderna. A visão da língua
como um sistema semiológico, a teoria do signo, com seus dois princípios
fundamentais: arbitrariedade / linearidade, a diferença entre sincronia (funcionamento) e
diacronia (evolução), a distinção fonética / fonologia, fone / fonema, a dupla articulação
da linguagem (1ª = plano do conteúdo ou morfossintaxe; 2ª = plano da expressão ou
fonologia), as noções de morfema e gramema, a tricotomia língua / fala / norma são
categorias lingüísticas extremamente férteis, todas decorrentes do pensamento de
Saussure e hoje definitivamente incorporadas às ciências da linguagem.

Referências Bibliográficas

BORBA, Francisco S. Introdução aos Estudos Lingüísticos. S.Paulo.


Ed.Nacional, 1970.
CAMARA JR. J. Mattoso. História da Lingüística. Petrópolis. Vozes, 1975.
CARVALHO, Castelar de. Para compreender Saussure. 12ª. Ed.Petrópolis,
RJ:Vozes, 2003.
____________ http://www.filologia.org.br/viisenefil/09.htm (este artigo)
SAUSSURE, Ferdinand de. Curso de lingüística geral. 24ª ed., São Paulo:
Cultrix, 2002. [CLG]
QUESTÕES SOBRE A HISTÓRIA DA LINGÜÍSTICA
1- Quais os três tipos de gramática mencionados no texto? Qual modelo de gramática
era enfatizado pelos gregos?

2- Quanto a sua própria língua, qual era o interesse de estudo dos gregos?

3- Qual a grande questão filosófica discutida pelos gregos sobre a gramática?

4- Como era a gramática dos romanos?

5- Fale sobre a gramática dos hindus. Qual a sua importância?

6- O que estuda a Filologia? Quando ela surgiu? Qual a sua importância? Qual a sua
relação com a Lingüística?

7- Quando surgiram os primeiros comparatistas? Qual a importância dessa corrente?

8- Quem foi Leibiniz? Quais eram suas idéias?

9- Quais as idéias dos comparatistas da segunda geração?

10- Quem foi Ramus Rask?

11- Fale sobre o trabalho de Franz Bopp e dos estudos dos irmãos Grimm.

12- Quais eram as idéias dos neogramáticos quanto às modificações das línguas através
dos tempos? Qual a opinião deles sobre o comparatismo? O que são as leis fonéticas?
Cite exemplos.

13- Quem foi Jules Gilliéron?

14- Quais as idéias de Humboldt e qual a sua importância para os estudos lingüísticos?

SOBRE SAUSSURE E A LINGÜÍSTICA

1- Quem foi Ferdinand de Saussure e qual a importância de seus estudos?

2- O que é a Lingüística Sincrônica?

3- O que é a Lingüística Diacrônica?

4- O que Saussure delimita como o objeto da lingüística?

5- A linguagem humana é caracterizada pela dupla articulação. Em que consiste a dupla


articulação?

6- Qual a relação entre significante e significado?


7- O que significa dizer que a relação entre significante e significado é arbitrária? Qual
seria uma exceção a essa regra?

8- O que significa dizer que a base do signo lingüístico é a convenção social?

9- De que é constituído o signo lingüístico?

10- O que significa "articulação", dentro do contexto da dupla articulação?

12- A linearidade da linguagem vale para as duas articulações?

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