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editorial

número zero A polémica instalou-se aqui dentro.


Não há consenso.

dez 006 Ainda por cima no primeiro número.


É um salto arriscado e sem rede.
Uma ideia obscura e sem nexo. Ou não.
Fizemo-la. Mesmo sem a unanimidade
necessária nestas coisas. Mas cá está.
CAPA O lugar é da Palavra. É ela quem dita
Arte Urbana - San Francisco as regras da casa e põe o comer na mesa.
Foto de Eunice Costa Conteúdo pelo conteúdo. Sem artifícios
que nos prendem nem preconceitos
que nos matam. Ou simplesmente isto não
existe e a Forma é omnipresente, destruindo
FICHA TÉCNICA o Dentro porque o Fora é que o faz.
Falamos de pessoas, dos povos da cidade,
Director de Arte e Conteúdos
Ricardo Galésio da urbanidade das nossas vidas. O mundo
dos carros, das televisões e das varinhas
Colaboradores desta edição mágicas. Conversamos com todos aqueles
Ana Elisa que nos fazem sentir parte. Os movimentos
Bruno Pato
são variados e continuamente descontínuos.
Eunice Costa
Filipa Amaro Perdemos a cabeça com um Donut
Juliana Reis ou esfregamos o olho ao Diabo.
Lambros FisFis A cidade está aí para nos dizer verdades
Lomografia Portugal que nos escapam.
Marco Galésio
Aceitá-las é o ponto de partida para tudo.
Maria Curta
Nilma Mulchande Mas os olhos estarão atentos.
Pedro Palrão Ao menor deslize diremos não.
Sara Toscano No fim, pode ser que o próximo número não
Tiago Sem Medo resista ao mau tempo e se deixe invadir.
Mas por enquanto vamos tentando.
Agradecimentos
António José Gomes Ricardo Galésio
ByPass
Filipa Amaro
Lomografia Portugal
senatur se natural
fosse simplesmente

alfosses
extraordinário
Se as Cidades fossem abertas.
Se não houvesse paredes,
ou se as paredes fossem transparentes.

imples
Se as paredes fossem janelas.
Se estivéssemos expostos a outras dimensões,
ou se simplesmente déssemos pela sua existência.
Se nos questionássemos pelo simples prazer de encontrar novos significados.
Se estivéssemos mais atentos ao que nos circunda.
Se de repente nos encontrássemos sem querer num espaço totalmente alheio.
Se olhássemos para o desconhecido como o nosso reflexo.
Não seriamos tão estupidamente críticos.

mentee
Se os nossos hábitos e as nossas maneiras de agir e de ser fossem idênticas.
Se vestíssemos todos as mesmas roupas,
usássemos os mesmos perfumes,
se tocássemos a mesma música.
Se as opções se esgotassem.
Não estaríamos aqui.

xtraord
Se estivéssemos a partilhar o mesmo espaço sem darmos conta disso.
E se ainda por cima estivéssemos a caminhar na mesma direcção
com objectivos semelhantes.
Se a realidade fosse nua e crua.
Se natural fosse simplesmente extraordinário.
Não haveria mais nada a dizer.

Para falar em tendências é preciso olhar em frente,

inário
além, e voltar a olhar para trás.
Este é o ponto zero,
o ponto das possibilidades infinitas.
Daqui, a vista parece atingir o ponto onde o mar e o céu se dissolvem.
Este é o ponto onde nos encontramos no presente.
Daqui para a frente, tudo é possível.

texto de Juliana Reis


l’absente
yann tiersen
É fácil escutar-te. A música que tu fazes entra e fazes-me chorar e rir e chorar de novo. E
fácil. E não sai. É um encadeamento de coisas, encontro, sem querer, a Amélie e o Lenine e
de sentimentos que vivemos. Nós próprios todos os outros, os que nascem por ti em tom
ou as personagens de um qualquer filme de comédia séria. De repente somos muitos
que tenhas feito. Imagino sempre um livro na sala, calados, a ouvir a tua música. As
foto de Richard Dumas

com imensas histórias, romances secretos, palavras sussurradas fazem pensar. Os teus
amores proibidos, artistas de circo que se instrumentos, os múltiplos que tocas, és tu.
atropelam uns aos outros com um ritmo Superas-te nas notas e o ar absorve o mundo
próprio e atraente. E sai de trás do palco um atento a elas. Deixas de ser gente e passas a
realejo, e uma concertina maluca que canta ser a gente, dissolves-te e não queres saber. E
bem, e um senhor a vender algodão doce de basta ouvir um disco de uma ponta à outra que
lábios vermelhos à porta dos carrinhos de as imagens começam a cirandar na cabeça,
choque. Cada som é diferente e grita mais passam a uma velocidade estonteante e caem
alto para ser ouvido na multidão. E eu ouço-os no chão cansadas. Os filmes que se fazem e
todos. Sopram sempre de uma forma sábia as histórias que se apagam são motivos para
e bem construída. Danço assim, sem parar, te ouvir. Muito.
nouvelle vague
Soprar e tirar o pó. Pegar e voltar a está presente, criando um ambiente familiar
baralhar. Foi assim que nasceu um dos e agradável a todos os que gostam do Jobim
projectos musicais mais interessantes da e do Gilberto dos anos 60. Esta é, pois, uma
actualidade. Olivier Libaux e Marc Collin são reconstrução que se faz misturando vários
os responsáveis pela ideia. Os Nouvelle Vague estilos e várias épocas, deixando ao critério
foram criados para reconstruir canções do fim de quem ouve a conotação temporal devida.
dos anos 70 e princípios dos 80, do período Os ritmos são inconstantes, os rumores
pós-punk e new wave. Era a música que debaixo do ouvido não nos atraiçoam e fazem
ouviam quando eram jovens, agora despida que gostemos deles.
dos vícios do costume, com um toque de As mulheres estão sempre presentes nos dois
leveza e suavidade. As vozes que dão vida a discos. Eloisia, Camille, Daniella D’Ambrosio,
temas tão marcantes na época como “Just Melanie emprestam a beleza do seu timbre a
can’t get enough” dos Depeche Mode ou “Blue um projecto que, segundo os criadores, nunca
Monday” dos New Order nunca os tinham irá descambar para um cd de originais, ou não
ouvido antes. Marc e Olivier fizeram questão fossem eles a nova vaga do que de melhor
disso. Era assim mais fácil pintar por cima se fez no panorama musical dos anos em
sem respeitar as linhas condutoras da obra. que se usavam casacos de cabedal e cabelos
Quer no primeiro álbum, com o nome do encaracolados com franja. Ainda bem que isso
projecto, quer agora no segundo, “Bande a eles não quiseram recuperar.
Part”, a sonoridade brasileira da bossanova
seetadino
rostos da cidade
texto de Ana Elisa

Foi o meu avô. Ensinou-me tudo, a olhar a bonitas com sapatos bons e bonitos. É por
pele, a cheirar a pele, a pensar no sapato isso que gostam deles. Tenho por aí moldes
como o que nos “faz andar”. Lembro-me de que fui fazendo…que nunca passaram disso,
ir para a oficina dele ouvir as Rádio Novelas ideias da minha cabeça. Custa-me arranjar
e ficar fascinado com o trabalho. Ainda hoje essas porcarias chinesas e de plástico. Fazem
gosto dos cheiros, lembram-me o meu avô. mal aos pés e são feitos por quem só anda
Comecei a aprender com 8 anos, para mim descalço. Mas há sapatos muito bons. Como
era uma oportunidade de estar com ele e esses ténis que tem calçados (GEOX) que têm
depois sempre achei que era uma profissão de essa palmilha respirável. Italianos, claro…os
respeito. Hoje já não é assim. Fui aprendendo, sapatos italianos são muito bons.
fazendo pequenos trabalhos e cá estou. É para tudo, meias solas, cozer aqui e ali,
remendos, alargar, pôr solas…há de tudo. As
Nunca pensei ser outra coisa. E todos os dias pessoas não costumam ser muito exigentes,
estou com o meu avô nas ferramentas e nas querem só as coisas bem feitas, mas há um
técnicas. Trabalho a sério há 45 anos. Por aqui senhor que me pede sempre para atar um
passam muitas histórias. Os sapatos contam sapato ao outro. Diz que tem de ser assim.
muito de alguém. Se joga à bola, se é ou não Cada um tem as suas loucuras.
vaidoso. E há pessoas que ficam por aqui, a Gosto muito de Lisboa. E gosto de ser
falar dos problemas delas. Eu olho para os sapateiro aqui. Acho que Lisboa tem lugar
sapatos e depois para elas. para esta profissão, feita na entrada de
prédios, como o meu caso.
Tenho dias de arranjar 50 ou mais sapatos, Um sapato para Lisboa? Uma sandália porque
outros dias fico a olhar para um ou dois e andamos todos sem dinheiro. Ah, um sapato
insisto nesses. Também desenho, sim. Gosto clássico vermelho escuro ou beringela,
de fazer sapatos de mulher, salto alto, a redondo à frente e tacão de 7,5 cm. Que me
atar no tornozelo. As mulheres ficam mais diz? Usava? Numa tarde desta?

B.I.
António José Gomes, o “meias solas”
56 Anos
Sapateiro
Martim Moniz, Lisboa
Do que gostas? Diferentes em quê?
De tudo. Em tudo.
Gostas mesmo de tudo? Não concordo.
Sim. Tens de concordar. Uma coisa é gostares de algo, a outra é gostares das consequências desse algo.
Mesmo mesmo? Tu enlouqueceste e o médico ainda não te avisou.
Sim. Não desconverses, sabes que tenho razão.
Ninguém gosta de tudo. Podes gostar de muitas coisas. Quase tudo, aceito. Agora tudo? Não, não tens?
Sim, gosto de tudo, porquê? Ai é? Então dá-me outro exemplo.
Nada, mas acho estranho. De quê?
Porquê. Conheço várias pessoas assim que gostam de tudo. De tudo mesmo. Quando falo de tudo falo De que coisas que gostes, na medida em que gostas de tudo.
daquelas pequenas coisas que as pessoas às vezes se esquecem e até chegam a desprezar. Todas essas Gosto de cenoura.
coisas. Essa não serve.
Como por exemplo? Não serve como?
Queres um exemplo para quê? Não serve, não é do mesmo género da outra. Eu preciso de uma coisa do mesmo género da do bife para
Para perceber até onde vai esse teu “gosto” por tudo. provar que tenho razão.
Ok, vamos lá. Gosto de que me salpiquem a roupa com molho de bife num restaurante. Então a tua razão tem condições específicas para ser razoável, é isso? A isso chama-se não ter razão.
Ninguém gosta disso. A sério, diz outra coisa que gostes, assim mais esquisita.
Eu gosto. Como a do bife?
E o que te leva a gostar disso? Sim, como a do bife.
A sensação de que alguém fez de propósito para que me salpicassem a roupa. Isso leva-me a pensar que Gosto de mijar na parede dos prédios à noite.
existe alguém para quem eu sou importante, nem que seja para fazer este tipo de coisas. Ah?
Ah ah, apanhei-te! Quando dizes “esse tipo de coisas” está implícita uma conotação negativa, logo não Sim, gosto disso.
gostas de que te salpiquem a roupa mas sim do que isso possa significar. Não me lixes.
Isso é a mesma coisa. Esta também não serve?
Não é não. Eu posso gostar de tomar banho com água a ferver porque gosto ou porque fico com a pele Serve, serve para ver que estás todo janado.
vermelha e isso dá-me uma ar mais bronzeado. São coisas completamente diferentes. Cala-te e dorme.
omara
portuondo
Existem canções que nos transportam para American Way” muito próprio. Imaginam-
ambientes onde nunca estivemos e para se os canalhas e os pândegos, as putas e os
momentos que nunca vivemos. As de Omara chulos, os artistas decadentes e as burguesas
são exemplo disso. Basta ouvir a primeira nota emancipadas. Tudo com muito fumo à
que o ritmo caliente de Cuba se entranha. Os mistura. Os segredos descobrem-se à medida
movimentos tornam-se mais sensuais e a que vamos ouvindo os discos, de uma ponta
boca vai acompanhando, sem saber, a letra. à outra, sem parar, como se de um filme
A voz é quente e desperta desejo. Veludo se tratasse. Passamos pela fase do namoro
que nos trespassa e nos faz vibrar. Os pés, escondido, pelas discussões amorosas, pelas
lentamente, vão olhando, em gestos repetidos, noites fogosas em quartos manhosos e pela
para cima. Rodam as pernas umas nas outras, separação sofrida e mentirosa. Sentimos
e roçam nas paredes escuras. As vibrações tudo com toda a força e ao mesmo tempo. A
são fortes, suadas de sentido e com uma rouquidão da sua voz traz até nós a beleza
profunda vivência. Omara quase sempre canta do marginal, a Cuba escondida nas ruas de
os seus males de amor, típicos de cabarets Havana, dentro de paredes que sabem mais do
e clubes nocturnos onde se junta a gente que o mero ocasional.
boémia da América mais latina, num “South

texto de Maria Curta

foto de Youri Lenquette


matej krén
festa book cell
de fantasia
É enorme, é imenso, é grandioso. O que se
sente ao pé de uma obra como esta não se
explica. O livro é visto, nesta instalação feita
pelo artista Matej Krén, como um objecto da
Saias rodadas, pretas, com folhos a sair
de folhos ainda maiores. Tecidos fininhos
que deixam ver tudo o que está por baixo. lisbon fashion forma. O conteúdo é renegado e as várias
partes formam um todo que vale por si só.
Um hexágono construído por livros, no qual
Tecidos muito grossos que fazem suar quem
os veste. Sempre impenetráveis na forma de
ser. São centenas as pessoas que passeiam
nos corredores escuros. Acotovelam-
week se entra e se abre a boca de espanto. Todos
aqueles livros, representativos dos 50 anos
de edições Gulbenkian, são perpetuados
por espelhos que nos fazem pensar estar
se, empurram-se, gritam para serem as numa ponte frágil num precipício onde as
primeiras. Tudo vale. Olham umas para as rochas são substituídas por folhas de papel.
outras de soslaio, tentam aparecer e parecer Não aconselhado a pessoas que sofram de
bem na fotografia. Correm, correm. Os brindes vertigens, Book Cell consegue surpreender.
desaparecem num instante. As filas no bar são Para ver até ao final do ano no Centro de Arte
intermináveis. As vozes confundem-se com Moderna José Azeredo Perdigão, em Lisboa.
a música avassaladora e previsível. Não se
consegue respirar.
No outro lado da sala, ao fundo, bem no
canto, uns sapatos de feltro vermelho. Escuro.
Redondos. Os sapatos. As pernas tortas de
miúda fazem subir até ao vestido, de flores
cor-de-rosa, e uns apliques aqui e acolá.
Engelhado, provavelmente de ter estado
Arquivo ModaLisboa / fotos de Alexandre Bordalo

sentada durante horas num carro pequeno


à procura de estacionamento. Sozinha, a
miúda olha para a amálgama de caras que
passam por ela. Os olhos estão fixos num
candeeiro branco que está por cima de um
dos stands. Às vezes também se distraem
com a sandes de queijo que tem nas mãos.
Depois da dentada, voltam a concentrar-se
nos outros, os que correm. O movimento
acelerado contrasta com a aparente calma
em que ela, a miúda, está envolta. Os gestos
são muito pequenos, de amplitudes quase
imperceptíveis. Parece que age segundo uma
pauta de música clássica sem grandes picos
de euforia. O desfile nunca mais começa.
lomomural
light power

www.lomografiaportugal.com
atypyk
eureka!
“OS MELHORES EXEMPLOS ATYPYK”

BLACK CONFETTI: Com um toque de


elegância, a fazer lembrar, por breves
instantes, o papel higiénio ultra chic da
Renova, estes confettis pretos dão um toque
de sofisticação a qualquer festa, mesmo que
esta seja numa roulotte de beira de estrada.
Nunca as farturas souberam tão bem.

COWSTICK: Já imaginaram o que era


transformar um frigorífico, uma secretária
ou mesmo o computador do vosso patrão
numa vaca? Então já o podem fazer com o
fantástico e super acutilante: “COWSTICK”.
Com o Cowstick vai poder fazer aquilo que
sempre quis. Cada pack traz seis manchas
pretas feitas em papel autocolante para que
de agora para daqui a nada transforme o seu
microondas numa vaquinha leiteira do melhor.

2 WAY POSTCARD: Simples. Escreves a


alguém e esse alguém responde no mesmo
postal. Impresso nos dois lados com espaço
Quando Ivan Duval e Jean Sebastien Ides para mensagem e selo. É fácil, é barato, e dá
fundaram a ATYPYK não esperavam que esta milhões.
alcançasse um sucesso tão grande em tão
poucos anos. Ivan, formado em Publicidade, MIC: Se fazem parte daquele grupo que não
trabalhou na área até 1999, altura em que, se cala enquanto toma banho, este objecto
juntamente com Jean, decidiram trabalhar foi feito a pensar em vocês. Uma esponja em
para eles próprios, criando uma das mais forma de microfone para que não tenham que
criativas e inovadoras empresas francesas. beber litros de água sempre que imaginarem
Habituados a circular na área das artes, que o chuveiro é o microfone.
do design e da publicidade, os dois sócios
tiveram a ideia de fazer objectos com ideia. HAPINESS: Bolsa para cartão de crédito para
Coisas diferentes, viagens na maionese que quem acredita que o dinheiro traz felicidade.
se tornaram produtivas, dando origem a peças
únicas, pensadas para um fim bem definido THE END: Quantas horas passa, em média,
pelos dois. Ou não. um português a ver televisão? Muitas. Aqui
Olhar para um catálogo ATYPYK é a mesma está a solução. Get a new life. Um autocolante
coisa que alargar a imaginação e pensar electrostático para colar ao écran da televisão
além do óbvio, do meramente comum. É ter com a frase: “The end”.
mais do que uma simples visão inspiradora,
porque o que vemos são os sonhos de alguém Todos estes objectos podem ser encontrados
projectados de sentido. na Embaixada Lomográfica de Lisboa.
os signos
Existem dois tipos de pessoas no mundo. carinhosamente, Os Esotéricos. As pessoas
As que acreditam nos signos e as que não pertencentes a este grupo têm uma
acreditam, ou pelo menos, acreditando, não capacidade fantástica de se entregarem nas
acham que estes determinam as suas vidas. mãos de um qualquer astrólogo de uma
Eu, infelizmente, faço parte do segundo grupo. qualquer revista cor-de-rosa. O facto de
É chamado o clube dos tristes, ou por muitos Plutão (planeta despromovido, recorde-se)
conhecido como Os Outros. Nós, Os Outros, entrar na casa sete quer dizer muito mais
estamos convencidos que somos nós que do que isto. Sorte ao dinheiro, problemas
vamos traçando o nosso futuro, que com as no amor, alguns problemas de saúde, são
nossas decisões, boas ou más, percorremos tudo conclusões possíveis das mudanças
as diferentes etapas da vida por nossa conta. verificadas nos astros. E porque não bastava
Para nós, o Horóscopo é só mais uma página poderem saber o futuro com algumas
de um jornal ou revista que nunca lemos. semanas de antecedência, o que dá sempre
Temos uma relação muito conflituosa com o jeito para marcar umas férias, também se
“não explicável”, precisamos de entender o poupam ao trabalho da escolha. O pior é que,
porquê das coisas, factos científicos que nos sendo a escolha feita ao mesmo tempo para
mostrem que é assim e não assado. outros milhões de Esotéricos que nasceram

chuva
No entanto, para além de nós, Os Outros, naquele mês, se não se apressarem no passo,
existem aqueles a que nós chamamos, quando lá chegarem o lugar já está ocupado.

texto de Bruno Pato


Hoje está a chover e apetece-me falar bem filme para ver que já não tenha visto. Assim o
da chuva. Não só porque não chove há muito cenário seria completamente perfeito. Chuva,
tempo mas porque a chuva é uma coisa boa. cobertor, castanhas e filme. Aaaaaiii. A chuva
Nada me faz sentir melhor e mais confortável também é boa para a agricultura porque sem
do que estar enrolado num cobertor macio, ela a vida não seria e nós não existiríamos.
quentinho, a beber um chocolate quente ou a E quando caiem aquelas rajadas, seguidas de
comer castanhas assadas como as que estou raios e trovões? O pior é quando temos de sair
a comer agora, e a ouvir a chuva bater nos para ir comprar alguma coisa ou para passear
vidros da minha janela. É uma janela grande a o cão Pacóvio e ficamos todos molhados.
que tenho em casa e a chuva bate impiedosa Mas tirando isso, a chuva é mesmo boa.
nela. Chuac chuac chuac. O barulho, por vezes Isso e o facto de, às vezes, haver cheias que
torna-se ensurdecedor mas a vontade que inundam cidades que ficam todas alagadas e
seja cada vez mais forte também é cada vez destruídas. É isso, tirando essas duas coisas,
mais forte. Por acaso não tenho aqui nenhum a chuva é muito fixe.

Alguém a passar-se por uma criança de 10 anos.


arte urbana san francisco
texto e fotos de Eunice Costa
Mais um mito urbano: sapatos suspensos nos estações de serviço, terminais ferroviários uma urgência de comunicação e partilha, de
cabos que cruzam as ruas de São Francisco. e rodoviários, a garagens e traseiras das liberdade de expressão, quer se perceba e
Ouvi muitas explicações diferentes: alguém habitações, sítios pouco frequentados. se concorde ou não com o conteúdo. Embora
terá sido assaltado e os sapatos são-lhe Formam um todo. possam passar despercebidos no meio da teia
retirados para dificultar uma posterior urbana e do ruído, entre cartazes publicitários
perseguição e atirados com destreza Os murais têm já uma longa tradição. Entre e buzinas, são um grito para todos e para
em direcção aos cabos, com os cordões os vários muralistas que passaram pelas ninguém em particular.
devidamente apertados um ao outro; outra paredes de São Francisco destaca-se o nome
hipótese será que esses sapatos demarcam de Diego Rivera, o qual popularizou a arte Há tempos passei mais uma vez pela
uma zona onde droga é vendida ou uma mural como forma de transformar as ruas em Clarion Street, outra rua popular entre
área controlada por um determinado gang espaços de intervenção cultural e de atingir os muralistas no bairro da Mission. Desci
urbano; há também quem diga que será parte grandes públicos. Os motivos são diversos. da bicicleta e comecei a caminhar ao
de um ritual de iniciação numa república No bairro da Mission, onde se concentram longo da rua estreita. À janela um homem
de estudantes ou para comemorar o fim do comunidades de emigrantes da América vestido com uma camisola interior branca
ano escolar; também poderão anunciar um Latina, encontram-se vários murais alusivos observava a meia dúzia de transeuntes que
casamento ou ter pertencido a alguém que à perseguição de camponeses, à expropriação por ali deambulavam e paravam quando
morreu recentemente e cujos sapatos são das terras e às guerras civis que os levaram impressionados por um ou outro mural em
lá colocados pela família para que o espírito a escolher um outro país para prosperarem, particular. Da janela ressoavam sons latinos
possa caminhar mais confortavelmente pelas ao conflito cultural à chegada aos Estados de um qualquer artista popular. Quis tirar-
ruas da cidade aquando do seu regresso. Unidos, à segregação social e também às lhe uma foto, mas fiquei tímida. Enquanto
saudades do país que se deixou para trás. Mas observava o prédio apercebi-me que os murais
O mito permanece, e os ténis que vi outros conteúdos podem ser encontrados nas eram novos. Mais à frente cruzei-me com
conservavam um bom aspecto, com a paredes de São Francisco, como protestos em uma cara familiar. Julgo tê-lo visto na última
sola pouco gasta. Encontrei-os à entrada relação à guerra no Iraque, ao hipotecar de vez que por aqui passei, com a mesma boina.
de Balmy Street, umas das várias ruas vidas por recursos naturais para proveito de Ele perguntou-me se eu já tinha reparado nos
estreitas que compõem o bairro da Mission uns poucos. Outros apelam aos direitos das novos murais. Na semana passada a Clarion
cujas paredes se encontram preenchidas mulheres ou dos nativos norte-americanos. Street terá estado em festa. Muitos muralistas
por murais e graffitis. São ruas discretas, Outros relacionados com a cultura e vida da se reuniram munidos de música e tintas e
que passam despercebidas, cujo nome própria cidade: desde os mendigos, passando renovaram as paredes da rua. A arte de rua
facilmente se escapa da memória. É preciso pelo hip-hop até ao Critical Mass, a marcha de tem a dimensão humana de não ter sido feita
procurá-las entre tantas outras ruas e ciclistas que invade a baixa cidade na última para persistir. É efémera e assim vai sendo
avenidas desenhadas a régua e esquadro, sexta-feira de cada mês e se demonstra como modificada ou substituída ao ritmo daquilo que
tão mais largas e notáveis. A arte de rua está alternativa ao domínio do automóvel. Outros os muralistas pretendem transmitir a quem
intimamente ligada a estes espaços mais são simplesmente bonitos, oníricos, sem fio por ali passa. E a constante transformação,
negligenciados: parques de estacionamento, condutor, íntimos…São, no fim, reflexos de essa, ocorre em clima de festa!
Mighty Sounds Pristine
beating
heart
bypass
foto de Tatiana Macedo
Não pude deixar de ficar surpreendido gente a sair, entretanto entrou o Bruno e apercebermo-nos dos principais erros e Embora o Mighty Sounds Pristine ser diferente
quando ouvi pela primeira vez, pela segunda, mais recentemente o Tiago e o Joaquim… corrigi-los…” (Eduardo). O concerto no Cais dos álbuns que são geralmente lançados
terceira… o “Mighty Sounds Pristine”, o no início o que tocávamos tinha pouco a ver do Rock foi mencionado como tendo sido um no mercado português, os elementos dos
primeiro cd longa duração dos Bypass. Todas com o que tocamos hoje embora existam dos concertos mais marcantes da banda. A Bypass não consideram ter havido audácia
as músicas nos envolvem e transportam sentimentos que são constantes como o conquista de um público que não os conhecia na elaboração e lançamento deste álbum.
para um mundo pormenorizado de sons prazer de experimentar e da pesquisa plástica mas que se foi rendendo à sua música à “Há muitas coisas que não são conhecidas do
fascinantes que utilizam o rock como matriz. do som…mas na altura a malta não tocava medida que o concerto ia decorrendo reflecte grande público que são ainda mais arrojadas,
O primeiro pensamento que nos vem à cabeça nada, fazíamos aquilo que conseguíamos, que bem a atitude e energia que os Bypass até porque o que fazemos tem como base
é que ainda existem editoras na “idade da é mais ou menos aquilo que fazemos hoje, transmitem em palco. Fazem também parte o rock…” (Tiago). Para além da capacidade
adolescência” e que andam por cá por uma mas na altura conseguíamos muito menos, o da sua história concertos no Sudoeste e técnica e versatilidade que todos os
ideologia maior, a música. E ainda bem que que tocávamos era uma coisa mais ou menos Paredes de Coura. elementos demonstram, e que é importante
assim é, porque este é possivelmente um dos Punk Rock… (Eduardo). “Nessa altura havia a Em relação ao Mighty Sounds Pristine, “nós no enriquecimento de cada música, fazem
melhores álbuns do ano. cena do Grunge…” (Tiago). gravámos este disco às nossas custas, …, questão de afirmar que o objectivo dos Bypass
O texto que se segue é o resultado de uma O percurso da banda está recheada de marcos as coisas com a nossa editora estavam a é puramente musical, e que não passa pelo
conversa peculiar durante um almoço com importantes, para além do EP homónimo andar muito lentamente para o nosso gosto, prazer de tocar coisas difíceis. “ Apesar de
dois dos elementos dos Bypass, Eduardo Raon lançado em 2002 e o Mighty Sounds Pristine …, decidimos gravar e a partir do momento haver partes mais intrincadas que outras,
e Tiago Gomes. que saiu este ano, os Bypass foram finalistas que tivéssemos o disco gravado é que íamos nós temos que sentir que existe justificação
de alguns dos concursos mais importantes falar com as editoras. Contactámos várias musical e é nesse sentido que aparecem…
Foi ainda quando andavam na secundária, em Portugal, como o termómetro unpluged. editoras, inclusive aquela com que já tínhamos Temos que sentir que as coisas acontecem
em Massamá, que três amigos, Eduardo “Obviamente que os discos, a fase dos trabalhado no EP…” (Eduardo). “Apesar da como relação de causa-efeito, aquilo que vem
Raon, Rui Dias e Miguel Menezes decidiram concursos e o facto de termos estado em nossa antiga editora ter manifestado algum a seguir é causado por uma coisa que vem
começar a tocar juntos e formar uma banda a algumas finais foi um período importante, interesse a proposta da Bor Land foi a que nos antes; tem que aparecer com naturalidade.”
que mais tarde, em 97/ 98, deram o nome de até porque foram as nossas primeiras pareceu melhor…” (Tiago). (Eduardo).
Bypass. “Começámos a encontrar-nos para experiências com público, em que pudemos (continua)
fazer ruído, …, depois houve gente a entrar, testar as músicas, ver qual era a reacção,
foto de Tatiana Macedo
O Mighty Sounds Pristine transporta-nos Tunnel)… Esta história do EuroStar surgiu a outras partes que acrescentamos, acima de caso fossem coroados Miss Universo. “ Eu
por um turbilhão de sentimentos, que nos partir de um episódio que vimos e que tinha tudo tentamos conservar o que é mais fulcral acabava com o concurso Miss Universo e com
atiram de momentos de intensa adrenalina a ver com a abertura do canal da mancha. na música, aquilo que é mais estrutural” o Festival da Canção nacional. Acho que era
para momentos de pura serenidade. A Na altura que os franceses e os ingleses se (Tiago). “Mas sim, nos nossos concertos o mais importante no mundo para acontecer
apetência pelos contrastes é óbvia na música encontram a meio do canal da mancha, os as pessoas vêem muitos instrumentos, …, para já, mas tinha que pensar melhor, sei
dos Bypass. “O título do cd é um jogo de franceses tinham no seu lado champanhe, tentamos de algum modo conservar essa lá, talvez a fome e a guerra, vá” (Tiago). “Eu
palavras que procura de algum modo expor bolos, enfim, tinham uma grande festa riqueza de timbres.” acabava com a paz, faz muito barulho, é muito
uma dualidade que é importante para nós e preparada, …, os ingleses do seu lado tinham No que toca a referências musicais ou entediante e para além disso não faz andar o
que opõe a monumentalidade ou escala, a uma máquina de café, que era a mesma que discos que os possam ter marcado durante motor económico dos EUA que são as armas”
agressividade, a força, a algo mais delicado, tinham todos os dias e estavam-se borrifando a sua formação como músicos e como (Eduardo).
intocado, simples” (Eduardo). para o simbolismo da ocasião. Partimos pessoas o Tiago destaca Animal Collective,
Nos Bypass a voz de Miguel Menezes não desse desajuste de estado de espírito e Debussy, Emmanuel Chabrier, Mastodon, www.bypass.ws
desempenha um papel essencial. “A voz é extrapolámos para a questão europeia. Este Soundgarden, entre outras. Para o Eduardo,
vista como mais um instrumento e tem o peso tema ironiza as dificuldades de comunicação o SwordFishTrombones de Tom Waits porque
que será justificado naquela música, embora que existem apesar da unificação europeia” fez crescer o gosto pela pesquisa plástica
com a importância acrescida do texto… o (Eduardo). do som e a canção da terra de Mahler. Na
Miguel é o autor de todas as letras com Nos concertos ao vivo fazem questão de levar opinião destes dois elementos dos Bypass,
excepção da Ashford, que faz parte da triologia a maioria dos instrumentos que podemos partilhar o palco com os Gaiteiros de Lisboa
EuroStar. Embora o texto final tenha sido feito ouvir no álbum, de qualquer forma afirmam seria uma experiência que ambos consideram
por ele, este foi um tema que foi debatido por que o principal não é reproduzir fielmente o muito interessante. Por fim e já no final da
todos nós e que tem uma lógica sequencial que está no disco. “Existem alguns sons que nossa conversa, quis saber o que fariam
com as duas músicas anteriores (EUStar e são impossíveis de reproduzir ao vivo, existem

texto de Marco Galésio


Every city has its own identity, its own magic, of 10 million people everything is possible.
its own energy, and its way of influencing the Paris is a natural movie set that everywhere
life of people that live in it. In a way sometimes you look you see a potential cinematic frame.
it is the city that creates the behaviors the The movie recognizes this special atmosphere
trends and the way of living. Paris is known and makes the viewer laugh, cry, think, dream,
as the city of love and this movie sets out to hope and wonder but for sure doesn’t bore.
depict exactly that. Thanks to its structure even if you don’t like a
Paris je t’aime is a 2 hour film consisting of sketch by the time you realize it it’s finished.
18, five minute sketches which take place in 18 Due to the length of each sketch (aprx. 5min)
of the 20 districts –arrondissments of Paris. the directors show exactly what they have-
Directors such as Walter Salles, Alexander want to without any unnecessary scenes and
Payne, Gus Van Sant, Wes Craven, Joel and let your imagination do the rest. The movie
Ethan Coen, Tom Tikver and Silven Some sometimes though ends up too touristy sort
were invited to explore, depict and present of leave your myth in Paris but in general
Paris and love in their own way. Tourists in is well sequenced, beautifully directed and
problems, immigrants and cultural clashes, nicely acted. I am sure you won’t remember
people that break up that fall in love that are all 18 sketches but 3 or 4 will stay with you.
lonely, mothers and their kids even vampires The movie finishes and the song “la meme
construct a mosaic of stories that deal with histoire” (we’re all in the dance) is heard and
love. Some of them give you the feeling of a automatically all the gaps are filled and all the
normal, every day, casual story others are a questions answered….
bit more exaggerated but lets face it in a city

paris je t’aime texto de Lambros FisFis


a polis
“Não obrigada, é que sabe…sou vegetariana” Esqueci o assunto. Mais tarde, ao dar por mim noutra escola de dança, percebi então a
Ele deu um golo de vinho, olhou longamente para o espeto à nossa frente onde um carneiro verdadeira dimensão da tão afamada hospitalidade Grega.
inteiro a assar pingava gordura no meio do jardim. Eram 11 horas da manhã. Atrapalhado,
respondeu com desilusão: “Compreendo…” e acrescentou, o brilho de novo nos olhos “mas Pela janela chegava-nos o rebuliço da noite ateniense. Em casa jantávamos queijo feta e grão
certamente come bacon… ou podemos pedir frango, se preferir…” cozido. “A senhora da padaria é maluca” disse-lhes. “Hoje elogiou o meu vestido e desatou a
atirar-me cuspidelazinhas para cima. Nunca mais lá volto”.
Se há povo que não prescinde de carne é o Grego! Era domingo de Páscoa Ortodoxa e os “Claro, cuspiu para afastar o mau-olhado” explicaram-me desinteressados.
atenienses celebravam a ressurreição de Cristo. “Em poucas horas os hospitais vão estar cheios “MAU – OLHADO?!?!” explodi assustada, entornando o vinho sobre a mesa.
de pessoas com indigestões” explicou-me o meu anfitrião “Vai deixar o trânsito num caos…é “Sim. Há pessoas com o olhado muito forte, normalmente nascem ao sábado. Fazem um elogio
sempre assim depois da Quaresma”, pôs um naco de lombo no pão e encheu-me o copo de e …ZÁS! Acontece logo uma coisa má…” E acrescentaram com uma atenção maternal “Olha, se
vinho enquanto perguntava “E tu, estás a gostar da Grécia?” não fosse isso agora em vez de teres sujado a mesa tinhas era sujado o vestido. Mais vinho?”
Ouvia-se agora na rua o dedilhar de um bouzouki abafado pelo som de motas a passar. Suspirei
Sim, estava! Na véspera tinha tido a primeira aula de dança. A professora americana recebeu- de alívio. Só os Gregos poderiam alimentar superstições tão simpáticas.
me com um sorriso à porta do estúdio, de onde se avistava a Acrópole “És bem vinda” disse. E Nunca deixei de ir aquela padaria…
levantando o sobrolho aos dois rapazes que me acompanhavam “E vocês?!”. Explicaram num
grego sorridente que chegara a Atenas há uma semana e não queriam que me sentisse sozinha. Em Lisboa e já um ano depois de ter voltado…
Ficavam, naturalmente, a assistir à aula. “Agarrada a um livro de história Grega?” espantou-se o meu pai “que raio queres tu mais saber
Ao despedir-se, a professora perguntou-me “Desculpa, podias só repetir-me o teu nome?” da Polis? Não te chega já tudo o que viste de Atenas?”.
Erro. Senti imediatamente uma mão a puxar-me o braço para fora dali. “É inacreditável” “Descobri que Polis não quer bem dizer cidade” comecei eu. “Ai não? Muito me contas…”
murmuravam e depois em tom de ordem “nunca mais voltas aqui!”. respondeu o meu pai desconversando. “Não. Li que Polis tem um significado mais amplo. Para
“O quê?!” intriguei-me, “mas se simpatizei com ela...”. “Com ela?! questionaram-me quase Péricles era muito mais que a arquitectura ou a organização social, indicava um sistema de
ofendidos “é uma péssima professora…” vida. No fundo é a perspectiva que um povo tem do mundo.”
Escandalizei-me. “E que sabem vocês disso?”. Olharam-me de novo, estupefactos, como se
eu tivesse enlouquecido “se nem sequer decorou logo o teu nome…” e depois entredentes, “Ah!” surpreendeu-se o meu pai, subitamente atento … “Então conhecer uma cidade é descobrir
vexados, envergonhados por ela e pelo mundo “Que mal educada…” isso…”

texto de Sara Toscano


adeus
Deixei tudo na mesma. Nem sequer deram sentidos ao que se passava lá fora. Mas
por eu entrar. Vi tudo o que se passou entre sentia um ardor a consumir-me, a correr-me
vocês desde o início, e saí pé ante pé antes de nas veias e cerrar-me os punhos enquanto
poderem dar conta de mim, embora a minha comprimia os dentes de raiva. As únicas
vontade fosse matá-los ali. Sim matá-los! Não lágrimas que me saíam do rosto eram de
tenho vergonha em assumir essa corrente que raiva…sempre fui de reter lágrimas de tristeza
me agrilhoou perante vocês os dois. Estaria e naquele momento não ia ser diferente.
apenas a retribuir o que vocês me fizeram. Sinceramente, tudo me passou pela cabeça.
A virar contra vocês os disparos que me Desde sair dali e ajoelhar-me junto de vocês
perpassaram o peito quando vos vi deitados e os dois e humilhar-me, implorando para
enrolados um no outro. Entregaram-se de tal que o não fizessem, rogando-te perdão e
forma que os teus gemidos me fizeram reviver reconhecendo uma culpa inexistente mas
nos dedos o suor que escorrias quando no que se serviria de erros mínimos que sempre
lugar dele estive eu. Os centímetros de pele me apontaste. Mas depressa senti uma
que as minhas mãos sempre percorreram compulsão de sair a correr, esmurrar-vos aos
nos caminhos do teu corpo. Os arrepios que dois sem dó nem piedade, sem me preocupar
me calcorrearam a espinha lembraram-me o em sair disto tudo com um pingo de honra e
prazer que tu sempre me deste. dignidade, descer ao mesmo nível que vocês.
Repulsa, raiva, tristeza…senti vómitos Mas contive-me…Porquê? Não sei. Veio-me
ecoarem-me na garganta perante a traição em minutos (que ironia não é?!) à cabeça que
que vi consumar-se na cama que sempre tudo o que tínhamos não ia ter conserto. Tudo
partilhei contigo. A clausura do armário o que trocáramos, tudo o que construíramos
deixou-me mais ainda à mercê do tumulto assemelhava-se agora a um castelo de cartas
visceral que me agitava. As réstias do teu derrubado com uma baforada tua quando eu
perfume embrenhadas nas tuas roupas me preparava para colocar mais uma carta…
cobriam-me e ajudavam a turvar-me os
(continua)
laurear a pevide
deitados na cama, enrolados nos lençóis
que tinham o meu cheiro senti-me explodir
por dentro. Senti-me capaz de cometer uma
loucura porque me sentia nesse momento
de uma coragem revigorante que me faziam
escorrer as lágrimas para que eu as pudesse
saborear num novo começo…lançar-me por
outros mares salgados, buscar novas terras.
lisboa
EXPOSIÇÃO
livre de qualquer julgamento. A injustiça a A porta que eu fechava encerrou com ela Candida Höfer - Em Portugal
que tinha assistido amparava-me os instintos, uma história passada, páginas e páginas Nesta exposição a conceituada fotógrafa alemã apresenta o resultado de um trabalho
saciava-lhes a fome de uma explicação escritas com o nosso suor e terminadas com encomendado pelo CCB em 2005. O objectivo era fotografar vários espaços interiores de
racional, de um fundo plausível para que o meu sangue escorrendo por entre as letras. monumentos e edifícios portugueses, como o Panteão Nacional ou a Fundação Serralves.
pudessem ser postos em prática. Mas num Naquele momento fechei aquele livro, cerrei até 25 FEV no Centro Cultural de Belém
trago de ar olhei-vos com olhos diferentes, a lacre as minhas memórias contigo para as
CONCERTO
achei-vos nojentos, e senti-me incapaz de vos lançar a uma fogueira e soprar as cinzas bem
Koop
tocar sequer. Segui em frente e saí do quarto. longe.
A banda sueca vem apresentar o seu mais recente álbum de originais “koop islands”.
Os punhos continuavam cerrados, ansiosos Sei que vai ser difícil, mas aos poucos penso
11 DEZ, às 22h30 no Arena Lounge do Casino de Lisboa
por gritarem, por embaterem contra algo ser possível fazer desaparecer as imagens
que os pudesse libertar. Mas mais uma vez de ti com aquele outro homem. A minha

porto
contive-me. Senti que estaria a ser alguém visão que se turva ao ver-vos juntos irá aos
diferente do que fora até aí, e para além poucos libertar-se das partículas desse
do mais nós já não existíamos. O passado nevoeiro. Ultrapassei-te e não há nada que
jazia agora no meio de vocês, por entre me possas dizer que o contrarie. Sei que vou CONCERTO
fluidos corporais, por entre beijos trocados encontrar outro homem que me preencha. Sérgio Godinho
e roubados por um desconhecido, nos Sei que vou encontrar outro homem que me O cantor apresenta o seu álbum “Ligação Directa”.
resquícios de sexo deixados no lençol…para complete mais do que tu e aí sim vou sentir- 7 DEZ, às 22h00 na Sala Suggia da Casa da Música
mim já não havia nada. Apesar da dor latejante me completamente reconstruída, pronta para
no coração segui em frente. Abri a porta da recomeçar, esquecendo-me da minha vida EXPOSIÇÃO
rua ainda com o sabor do sangue derramado passada entretanto perdida. BES Revelção 2006
cá dentro na boca, mas com os olhos raiados Exposição de fotografia na qual serão mostradas as obras inéditas de João Serra, Nuno Maya,
Bruno Ramos e Frederico Fazenda, artistas vencedores da 2ª edição do concurso
BES Revelação
texto de Pedro Palrão até 14 JAN, na Casa de Serralves

barcelona
FESTIVAL
BAC! 06 - Festival Internacional de Arte Contemporânea de Barcelona
Festival de difusão das diversas disciplinas da arte contemporânea que junta nomes
já consagrados a jovens promessas.
até 17 DEZ no Centro de Cultura Contemporânea de Barcelona
bilbao
EXPOSIÇÃO
100% África
Selecção das obras mais representativas da colecção de arte contemporânea africana
do fotógrafo e empresário suiço Jean Pigozzi (Contemporary African Art Collection).
até 18 FEV no Guggenheim Bilbao

londres
EXPOSIÇÃO
David Smith
Esta é a maior exposição alguma vez feita na Europa com obras do famoso escultor americano
do século XX.
até 21 JAN na Tate Modern Gallery

são paulo
BIENAL
27ª Bienal de São Paulo
A maior mostra de arte contemporânea do Brasil, este ano com o tema “Como viver junto”,
dá a conhecer dezenas de artistas de vários países do mundo.
Didier Fiuza Faustino, a dupla João Maria Gusmão + Pedro Paiva, e Cláudia Cristóvão são os
artistas que representam Portugal.
até 17 DEZ no Parque do Ibirapuera, portão 3

tokyo
EXPOSIÇÃO
Bill Viola nós estamos em www.cru-a.com
O conhecido artista de vídeo nova-iorquino apresenta trabalhos que representam as suas fala connosco através do info@cru-a.com
reflexões acerca da vida, da morte e do futuro. envia coisas boas para play@cru-a.com
até 8 JAN no Mori Art Museum a CRU A número um sai a 9 de Janeiro
e sim, é verdade, não falámos do natal
4ª A 6ª 22H // SÁB 17H E 22H
TEL 218 689 245

R. AÇUCAR // POÇO BISPO


AUTOCARROS // 18/28/105/210

ATÉ 23 DEZ ‘06

M/12

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