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j nalmente transmitido nos Estados Unidos) e global (che- 1,111:\vez mais, surfando na Internet. Posso notar também
~ gou até aqui). Um momento de televisão arranhando a 1111110.ssas figuras variam globalmente de Norte a Sul e
J
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superfície da sensibilidade suburbana, tocando as mar- dl'llll'o dos países, de acordo com os recursos materiais e
.) gens, a base. .lmhólicos. Posso notar quantidades: vendas globais de
o No entanto, um momento de televisão que servirá ~(//fl/)are, variações na freqüência de salas de cinema e no
.(f t::. perfeit~~ente. ~le representa o o~dinário e o cóntínuo. Em 11lIl4uelde fitas de vídeo, propriedade pessoal de compu-
c sua unicidade, e absolutamente típico - um elemento na I ulorcs de mesa. Posso refletir sobre padrões de mudança /
~ constante mastigação da cultura cotidiana pela mídia; seus \', talvez de maneira bastante precipitada, sobre arriscadas
C) significados dependem de saber se realmente o notamos, se jll'oj ções de futuras tendências de consumo. Mas ao fazer
ele nos toca, choca, repugna ou atrai, enquanto entramos, Ilido isso, ou algumas dessas coisas, estou apenas pati-
atravessamos e saímos do ambiente midiático cada vez uando na superfície da cultura da mídia, superfície mui-
mais insistente e intenso. Ele se oferece ao espectador de I ns vezes suficiente para os que se preocupam em vender,
passagem e aos anunciantes que solicitam sua atenção, ruas claramente insuficiente para quem se interessa pelo
-r talvez com desespero cada vez maior. E também se oferece qu a mídia faz, como também pelo que fazemos com ela.
-r a mim como o ponto de partida de uma tentativa de res- Il é insuficiente se queremos compreender a intensidade
~ ponder à pergunta: por que estudar a mídia? E o faz con- l' a insistência de nossas vidas com nossa mídia. Por esse
'".0 trariando as expectativas, é claro, mas também de modo motivo, temos de transformar quantidade em qualidade.
I~ muito natural, pois levanta inúmeras questões que não Quero mostrar que é por ser tão fundamental para
pensado assim) tanto nos incapacitam como nos capaci- '11I'KIl'/~uem no espaço real ou virtual, onde se comu-
(\ tam, enquanto nós, objetos e sujeitos da mídia, nos en- 111, 'li', onde procuram persuadir, informar, entreter, edu-
redamos mais e mais no profilaticamente social. , 111, onde procuram, de múltiplas maneiras e com graus
De fato, podemos pensar na mídia como profila-
ticamente social na medida em que ela se tornou sucedâ-
neo das incertezas usuais da interação cotidiana, gerando
di '1l'('SSO variáveis, se conectar umas com as outras.
hlllcnder a mídia corno um processo -- e reconhecer
'1"1' I) processo é fundamental e eternamen~e social-:.é
I
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infinita e insidiosamente os como se da vida cotidiana e \11 ~\ ir na mídia como historicamente específica. A mídia '(
criando cada vez mais defesas contra as intrusões do I LI mudando, já mudou, radicalmente. O século XX viu L
indesejável e do íngovemável, Grande parte de nossa " 1,'1.Ione, o cinema, o rádio, a televisão se tornarem -
f
preocupação pública com os efeitos da mídia concentra-
se nesse aspecto do que vemos e tememos, especialmente,
,,111\'tosde consumo de massa, mas também instrumentos
I cn iais para a vida cotidiana. Enfrentamos agora o -O
I.II,la ma de mais uma intensificação da cultura midiática
~
r
tr
na nova mídia: que ela substituirá a sociabilidade ordiná-
1r
ria e que estamos criando, sobretudo por meio de nossos 1H'lo crescimento global da Internet e pela promessa (al- 1;\~
filhos homens, e muito especialmente por meio da classe fl,II\lS diriam ameaça) de um mundo interativo em que
operária masculina e dos meninos negros (que continuam Ilido e todos podem ser acessados, instantaneamente.
a ser o locus da maior parte de nosso pânico moral), uma Entender a mídia como processo também implica
raça de viciados na telinha. Apesar de sua ambivalência, \I m reconhecimento de que ele é fundamentalmente po-
Marshall McLuhan (1964) não vai tão longe. Pelo contrá- Ifi ico ou talvez, mais estritamente, politicamente econô-
rio. Mas sua visão da cultura cíborgue precede a de Donna ini o. Os significados oferecidos e pr~duzido.s ?elas V~rias)
Haraway (1985) em cerca de vinte anos. comunkações que inundam nossa VIda cotidiana Salram
Essas metáforas são úteis. Sem elas estamos conde- de instituições cada vez mais globais em seu alcance e em
nados a uma visão obscura da mídia, como através de um suas sensibilidades e insensibilidades. Pouco oprimidas
vidro. Mas, a exemplo de todas as metáforas, a luz que -: p 10 peso histórico de dois séculos de avanço do capita-
lançam é parcial e efêmera; precisamos ir além dela. Meu Ii mo e desconsiderando cada vez mais o poder tradicio-
propósito é justamente esse. Para responder à minha nal dos Estados nacionais, elas estabeleceram uma plata-
pergunta teremos de investigar as maneiras como a mídia forma, é forçoso admitir, para a comunicação de massa.'
participa de nossa vida social e cultural contemporânea. Esta ainda é, apesar de sua diversidade e de sua flexibi-
Precisaremos examinar a mídia como um processo, como Iidade progressivas, a forma dominante dessa comunica-
uma coisa em curso e uma coisa feita, e uma coisa em ção. Ela constrange e invade culturas locais, mesmo que
curso e feita em todos os níveis, onde quer que as pessoas não as subjugue.
ça uniforme. Elas têm ciclos de vida diversos e histórias humanos e suas comunicações, com linguagem e fala,
I diferentes. com o dizer e o dito, com reconhecimento e mal-reconhe-
Mas então nos confrontamos com outra questão, cimento e com a mídia vista como intervenções téCllicas1<Ç
depois com outra e mais outra. O que medeia a mídia? E (' políticas nos processos de compreensão. '
como? E com quais conseqüências? Como entender a mídia Daí o ponto de partida. A experiência. A minha e a
como conteúdo e forma, visivelmente caleidoscópíca, in- sua. E sua ordinariedade.
J6 \ f~~ecendo cntenos, :-eferenoas para a condução da vida -, lores, atitudes, gostos, as culturas de classes, as etnicidades J
diária, para a produçao e a manutenção do senso comum. etc., reflexões e constituições da experiência e, como tais,
E é aqui, no que passa por senso comum, que devemos terrenos-chave para a definição de identidades, para nos-
fundamentar o estudo da mídia. Para poder pensar que a a capacidade de nos situar no mundo moderno. Além
vida que levamos é uma realização contínua, que requer disso, é pelo senso comum que nos tornamos aptos, se é
nossa participação ativa, embora muitas vezes em circuns- que de fato nos tornamos, a partilhar nossas vidas uns
tâncias que nos permitem pouca ou nenhuma escolha e com os outros e distingui-Ias umas das outras.
A textura da experiência ~
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É física e psicológica, Isso tudo é claro e, de fato, banal e para perder de vista as fronteiras entre o humano e o
óbvio, Mas como a experiência é formada e como a mídia técnico, entre o corpo e a máquina. Pense digitalmente.
~ desempenha um papel em sua formação? Ainda falaremos mais sobre mídia e corpos.
-7, A experiência é moldada, ordenada e interrompida. E os corpos vão além do físico. A experiência não se
E moldada por atividades e experiências prévias. É orde- r sume nem ao senso comum, nem à performance corpo-
nada de acordo com normas e classificações que resistem ral. Tampouco se encerra na simples reflexão sobre sua
à prova do tempo e do social. É interrompida pelo ines- rapacidade de ordenar e ser ordenada. Pois, borbulhando
perado, pelo não preparado, pelo incidente, pela catástro- sob a superfície da experiência, perturbando a tranqüilida-
fe, por sua própria vulnerabilidade, por sua inevitável e de e fraturando a subjetividade, está o inconsciente. Ne-
trágica falta de coerência. Expressamos a experiência em nhuma análise da mídia pode ignorá-lo, tampouco as teo-
ações e agimos sobre ela. Nesse sentido, ela é física, rias que o abordam. Passemos então à psicanálise.
baseada no corpo e seus sentidos. De fato, é. o caráter Sim, mas a psicanálise é um grande problema.
comum da experiência corporal em diferentes culturas A psicanálise é um grande problema de várias ma-
que os antropólogos, em particular, afirmaram ser a 11 iras. Ela oferece, talvez bastante à força, uma maneira
precondição de nossa habilidade de compreensão mútua. d abordar o perturbador e o não-racional. Ela nos força
"A imaginação deriva do corpo como também da mente", 11 encarar a fantasia, o misterioso, o desejo, a perversão,
diz Kirsten Hastrup (1995, p, 83), apesar de isso ser ra- n obsessão: os chamados problemas do cotidiano, que
ramente notado. O corpo na vida, sua encarnação, é a I anto são representados como reprimidos em textos
base material para a experiência. Ele nos dá um lugar. É midíáticos de um tipo ou de outro e esgarçam o delicado
o lugar, não cartesiano, da ação e, também, das habilida- I t' 'ido do que normalmente se considera racional e nor-
des e competências sem as quais ficamos inválidos. Isso mal na sociedade moderna. A psicanálise é como uma
tem implicações importantes para a maneira como abor- linguagem. É como cinema. E vice-versa. A passagem da
damos a mídia e para a maneira como a mídia se intro- teoria e da prática clínicas à critica cultural é carregada
duz na experiência corporal, porque ela o faz, continua- dl ofuscamento e da fusão bastante fácil do particular e
mente, tecnologicamente, A noção de techne de Martin do geral, como também é repleta de arbitrariedade (mas-
Heídegger captura o sentido de tecnología como habilida- varada como teoria) de interpretação e análise. No entan-
de. Nossa capacidade de nos envolver com a mídia é ln, como o próprio inconsciente, a psicanálise não irá
precondicionada por nossa capacidade de manejar a embora. Ela oferece uma via para pensar sobre os senti-
máquina. Mas, como já salientei, podemos pensar na mídia mentes: os medos e desesperos, as alegrias e confusões
como extensões do corpo, como próteses; daí falta pouco que arranham o cotidiano e deixam nele uma cicatriz.
~I Por que estudar a mídia?
A textura da experiência 129
A psicanálise é também um grande problema na
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u-mpo, e sobretudo de nos fixar em nossas inter-relações,
medida em que perturba a fácil racionalidade de grande
parte da teoria da mídia contemporânea, de orientação
cognitiva e propósito behaviorista. Ela questiona a redu-
ção sociológica, embora na maioria das vezes deixe de
reconhecer o social. Ela é, ou certamente deveria ser, uma
\'onectando e separando, compartilhando e negando, in-
dividual e coletivamente, na amizade e na inimizade, na
pnz e na guerra. Já se opinou (Silverstone, 1981) quer
uuuo a estrutura como o conteúdo das narrativas da mídia
" elas narrativas de ?OSSOS discursos cotidi~nos são ínter-
ª
V'
à-
abordagem para reforçar um senso das complexidades da dependentes, que, Juntos, eles nos permitem moldar e, ~
mídia e da cultura sem as cancelar. Se formos estudar a rvaliar a experiência. O público e o privado se entrel a- ~
mídia, teremos de encarar o papel do inconsciente na \':tm, narrativamente. Deve ser este o caso. Na novela e C
constituição, como também no questionamento, da expe- 110 talk show, os significados privados são propagados t'
riência. Do mesmo modo, se formos responder à pergunta publicamente e os públicos são oferecidos para consumo ~
sobre por que estudar a mídia, parte de nossa resposta privado. As vidas privadas de figuras públicas tornam-se v-
será porque o inconsciente oferece uma via, se não uma II matéria da novela diária; os atores que representam v{
via privilegiada, para dentro dos territórios ocultos da personagens de novela tornam-se figuras públicas solici- ~
r
mente e do significado.
A experiência, tanto a mediada como a da mídia,
surge na interface do corpo e da psique. Ela, claro, se
(ndas a construir uma vida privada para consumo públi-
ro. Caras! Contigo!
O que se passa aqui? No cerne dos discursos sociais
1-
i-:
exprime no social e nos discursos, na fala e nas histórias que se incrustam em torno da experiência e a encarnam, t
da vida cotidiana, em que o social está sendo constante- t' para os quais nossa mídia se tornou indispensável, estão
mente reproduzido. Para citar Hastrup mais uma vez: "Não 11mprocessoe uma prática de classificação: a realização
apenas a experiência está sempre ancorada numa coletivi- de distinçõe,s e juízos. A classificação, portanto, não é
dade, mas a verdadeira ação humana é também inconce- npenas uma questão intelectual, nem mesmo apenas prá- e-:
bível fora da conversação contínua de uma comunidade, 1 i a, mas é, nos termos de Berlin, uma questão estética e
de onde surgem as distinções e avaliações de fundo neces- 1"1 ica. Nossas vidas são administráveis na medida em que
sárias para fazer escolhas de ações" (1995, p. 84). existe um mínimo de ordem, suficiente para fornecer o
Nossas histórias, nossas conversas estão presentes 1 ipo de seguridades que nos permitem atravessar o dia. c.'>
tanto nas narrativas formais da mídia, na reportagem No entanto, essa ordem que somos capazes de obter não
factual e na representação ficcional como em nossos contos l' neutra nem em suas condições nem em suas conseqüên-
I do dia-a-dia: a fofoca, os boatos e interações casuais em elas, pois nossa ordem exerce forte efeito sobre a ordem
que encontramos maneiras de nos fixar no espaço e no dos outros e dependerá da ordem, ou até mesmo da de-
r
xões. Esses instrumentos estão talvez em mais evidência
~ ...•...••.
~~ o...~~
e são portanto mais controversos quando uma nação está
ou se sente em guerra. Mas não deixemos essa visibilida- Q.. \,./...........-- ~Soe-..
de momentânea nos ofuscar o trabalho diário em que Comecei a dizer que devemos pensar na mídia como f
nós, individual e coletivamente, e nossa mídia estamos um processo, um processo de mediação. Para tanto, é' ,
constante e intensamente envolvidos, minuto a minuto, necessário perceber que a mídia se estende para além do ~r
hora a hora. ponto de contato ~ntre os textos midiáticos e seus leitores
Por conseguinte, na medida em que a mídia é, como ou espectadores. E necessário considerar que ela envolve i
argumentei, essencial a esse processo de fazer distinções os produtores e consumidores de mídia numa atividade til X I
, e juízos; na medida em que ela, precisamente, medeia a mais ou menos contínua de engajamento e desengajamento (1)\ fr
~ dialétic~Aen~re a cla~sifica~ão ~ue forma a experiência e .om significados que têm sua fonte ou seu foco nos r: ~
j a expenencia que da colondo a classificação, precisamos t xtos mediados, mas que dilatam a experiência e são ';t) ,
investigar as conseqüências de tal mediação. Temos de avaliados à sua luz numa infinidade de maneiras. ~ ~
estudar a mídia. A mediação implica o movimento de significado de «
II m texto para outro, de um discurso para outro, de um (\
evento para ~tro. Implica a constante transformação de é:-
significados, em grande e pequena escala, importante 9 - ~
11 simportante, à medida que textos da mídia e texto , 6-
sobre a mídia circulam em forma escrita, oral e audiovi /.
sual, e à medida que nós, individual e coletivamente é/
direta e indiretamente, colaboramos para sua produção .
. ~ãcui '.g~~~ medi~o, é mais
do que u fluxo em dOISestágios ~ do programa trans-
mitido vi íderes de opinião para as pessoas na rua -,
32l Por que estudar a midia? Mediação
1
33
como Katz e Lazarsfeld (1955) defenderam em seu estudo processo de mediação. Estudar a mídia é um risco, em
seminal, embora ela apresente estágios e realmente flua. Os ambos os casos. Isso implica, inevitável e necessariamen-
-1 " signi~~ados me~iado~ circulam em textos primários e se- I , um processo de desfamiliarização. Questionar o dado-
? ~ c~~danos, atra~es de mtertextualidades infindáveis, na pa- por-certo. Mergulhar abaixo da superfície do significado.
~ i. ródia e no pastiche, no constante replay e nos interminá- Recusar o óbvio, o literal, o singular. Em nosso trabalho,
• veis discursos, na tela e fora dela, em que nós, como muitas vezes e com razão, o simples se torna complexo,
produtores e consumidores, agimos e interagimos, urgen-
~j
.9 o óbvio opaco. Luzes brilhantes fazem desaparecer as
te~~nte procurando compreender o mundo, o mundo da sombras. Está tudo nos cantos.
- '5 mídia, o mundo mediado, o mundo da mediação. Mas A mediação é como a tradução segundo a visão de
cJjambém, e ao mesmo tempo, usamos os significados da eorge Steiner. Nunca é completa, sempre transformativa,
{ mídia para evit~r o mundo, para nos distanciar dele, dos , nunca, talvez, inteiramente satisfatória. E sempre con-
~ desafios talvez .Impostos pela .responsabilidade e pelo cui- I estada. É um ato de amor. Steiner descreve a tradução
dado, para fugir do reconhecImento da diferença. em termos de movimento hermenêutico, um processo
Essa inclusividade na mídia, nossa forçada partici- quádruplo de confiança, agressão, apropriação e restitui-
pação com ela, é duplamente problemática. É difícil des- ção. Confiança porque, ao desencadear o processo de tra-
vendar, encontrar uma origem, construir uma explicação dução, identificamos valor no texto de que estam os tra-
do poder da mídia, por exemplo. É difícil, provavelmente (ando, valor que queremos compreender, alegar e comu-
impossível, para nós, analistas, sair da cultura da mídia nicar para os outros, para os nossos. Nesse at,o inici~l ~ef
da cultura de nossa mídia. Com efeito, nossos próprios confiança declaramos nossa crença de que ha um sigm-
textos, como analistas, são parte do processo de media- li ado a ser apreendido no texto que estamos abordando]
ção. Aqui, somos como lingüistas tentando analisar sua (' de que esse significado sobreviverá a nossa tradução·l
própria língua. De dentro, mas também de fora. Podemos, é claro, estar errados. Agressão porque todos os
"Um lingüista não sai do tecido móvel da língua atos de compreensão são "inerentemente apropriadores e,
verdadeira - sua própria língua, as línguas que ele co-. portanto, violentos" (Steiner, 1975, p. 297). Na tradução,
nhece - mais do que sai um homem do alcance de sua entramos num texto ~ alegamos ter a posse de seu sig-
I
sombra"(Steiner, 1975, p. 111). A meu ver, isso também 11 ificado (Steiner é incorrigivelmente sexista em suas metá-
se aplica à mídia. Daí a dificuldade. É uma dificuldade foras), mas a violência que fazemos aos significados alheios,
epistemológica, relacionada às maneilas como alegamos 111(' mo nas mais suaves tentativas de compreender, é
nossas compreensões da mediação. E é ética, pois exige lia tante familiar: nossos próprios discursos são salpica-
que elaboremos juízos sobre o exercício do poder no dos de alegações de que a representação .da mídia é ten-
34 1 Por que estudar a mídía?
Mediação í35
denciosa, ideológica e, amiúde, simplesmente falsa. Apro- I 111 ~l-ntre textos certamente, e através do tempo. Mas
priação significa levar os significados para casa: a perso- I 1llIl)I'ome movem através do espaço, e de espaços. Eles
nificação, a consumação, a domesticação (esses termos I IIIOVm do público para o privado, do institucional
são todos de Steiner) mais ou menos bem-sucedidas, mais I' 11 01 o individual, do globalizador para o local e o pes-
ou menos completas do significado. Esse é um processo u.tl, c více-versa. Eles são fixos, por assim dizer, nos
que, no entanto, permanece incompleto e insatisfatório Ii los fluidos nas conversas. São visíveis em quadros
sem o quarto e último movimento: a restituição. Restitui- ti •. nvlso e sites da Internet e enterrados nas mentes e nas
ção sinaliza uma reavaliação: a reciprocidade no âmbito Ii iuhranças. Mas a mediação é menos que a tradução
da qual o tradutor devolve significado e, talvez, faça-lhe jlllIVHVelmenteporque às vezes não tem nada de amoro-
acréscimos neste processo. A glória primitiva do original " O mediador não está necessariamente ligado a seu
pode ter desaparecido, mas o que vemos em seu lugar é Ii 10,nem a seu objeto, por amor, embora possa estar em
algo novo, certamente; algo melhor, possivelmente; algo I ,I os particulares. A fidelidade à imagem ou ao evento
diferente, obviamente. Nenhuma tradução, como diz Jor- 11. li é de modo algum tão forte quanto é, ou foi um dia,
!tr ~f
ge Luis Borges em Piem' Menard, pode ser perfeita, nem II palavra.
mesmo em sua perfeição. Nenhuma tradução. E nenhuma Uma tradução é reconhecida e respeitada como um
mediação. IllIh.al~o_de autoria. A mediaç~o envolv~ o trabalho
Não obstante as suscetibilidades de Steiner e da tra- lnslituições, grupos e tecnologías. Ela nao começa ne i
dução, ele se refere a ela como um processo diádico, um trunina com um texto singular. Suas pretensões de fecha
movimento de um texto para outro e, principalmente, nu-nto, o produto das ideologias e narrativas de notícias, c 6
um movimento através do tempo. Ele implica a transição Por exemplo, são comprometi~a.s, no pont~ da _transmi~- 1 r
entre textos passados e presentes. É um movimento que • o, pela certeza de que a proxima comumcaçao, o pro- -r' I I
inclui tanto significado como valor. A tradução é uma I Imo boletim, a próxima história, o comentário ou a ~
atividade ao mesmo tempo estética e ética. Interrogação por vir levarão as coisas e os significados h
ti r
A mediação parece ser mais e menos do que a tra- .ullante e para outro lugar. A visão que .Steiner tem da 4).~
dução, tal como analisada por Steiner. Mais porque a I rndução não ultrapassa o texto, a despeito do reconhe-
mediação rompe os limites do textual e oferece descrições I'lmento do próprio lugar dele, Steiner, na linguagem. Em f
da realidade, assim como da textualidade. É tanto vertical euntrapartida, a mediação é infinita, produto do desenre- ~
como horizontal, dependente dos constantes deslocamen- rlamento textual nas palavras, nos atos e nas experiências
tos de significados através do espaço tridimensional e até da vida cotidiana, tanto quanto pelas continuidades da
mesmo quadridimensional. Os significados mediados mo- mídia de massa e da mídia segmentada.
[dia: a necessidade e oc E
side a questão da confiança. E confiança em diversos pontos devemos estudar. a.m d~s através dos limiares da re-
do processo. Os sujeitos do filme devem confiar naqueles movimento dos slgmfi~~ . D estabelecer os lugares e
- da expenencla. e .
que se apresentam como mediadores. Os espectadores de- presentaçao e nder a relação entre sig-
di 'b' De compree
vem confiar nos mediadores profissionais. E os mediadores fontes de ~st~r 10. . ado entre textos e tecnologias. E
profissionais devem confiar em suas próprias habilidades e nificados publ1co e prrv , _ Além disso, devemos
capacidades de fornecer um texto honesto. de identificar os pontos de pressao. ortagem factual, com
- o apenas com a rep .
Embora possamos ser perdoados por considerar se- nos preocupar na . ão A mídia é entretem- f /
melhante confiança tão passível de traição, cinicamente a mídia como .fonte d~ mf~:;~ricados são produzidos e U
ou não ela é uma precondição da mediação, uma pre- mento. E aqui, tamb~m, de anhar a atenção, de cum- ri
condição necessária em todos os esforços da mídia por transformados: tent~tlV:s d ~os' prazeres oferecidos ou 01
representação, e especialmente por representação factual. primento e frustraça\, e ~s ec~ recursos para conversa, IV
Claro, esse tópico da confiança não molda todas as for- negados. Mas ela tam .em o _er 'ncorporação à medida
mas de mediação, embora também seja uma precondição, reconhecimento, identlficaçl~o e 1 nossas imagens e nos-
· ou não ava íamos, 1
como afirmou Jürgen Habermas (1970), para qualquer que ava 1íamos, l/ s que vemos na te a.
ração com aque a
comunicação eficaz. Uma questão que sempre reaparecerá sas vidas em cornpa d se processo de mediação,
neste livro é saber o que está ocorrendo com a confiança Precisamos compreen er es. nificados onde e com
no cerne do processo da mediação e com a percepção de compreender como surg~m os síg capazes' de identificar
.., ias PreClsamos ser , ,
como é importante encontrar meios de preservá-Ia ou que consequenc . parece falhar em que e )
t em que o processo '
protegê-Ia. os momen os . d propósito. Precisamos
Todos nós somos mediadores, e os significados que distorcido pela tecn~l?gl~ s~~ V:lnerabilidade ao exerci-
criamos são, eles próprios, nômades. Além de poderosos. compreender sua POhtlC~: . do trabalho de instituições
Fronteiras são transpostas, e, tão logo programas são trans- cio do poder; sua depen e~Cl~ poder de persuadir e dei
mitidos, uieb-sites construídos ou e-maus enviados, elas e de indivíduos; e seu propno
continuarão a ser transpostas até que as palavras e ima- reclamar atenção e resposta. L
,M.,.: cA;. o-..
gens que foram geradas ou simuladas desapareçam da visão
ou da memória. Toda transposição é também uma transfor- "çe-\-.c c e,
mação. E toda transformação é, ela mesma, uma reivindi-
cação de significado, de sua relevância e de seu valor.
\~~\:~,u ~J
Nossa preocupação com a mediação como um pro- o- c."'~~
rJ-.. ""':J-
cesso é, portanto, essencial à questão de saber por que
Mediação \ 43
42l Por que estudar a midia?