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Ainda é cedo para festas

Alexandre Espírito Santo


Apesar da recuperação econômica, 2010 pode surpreender negativamente, assim
como 2009 vem surpreendendo para melhor.

Recentemente, assisti interessante reportagem, num jornal de televisão, mostrando o


retorno das festas glamourosas à Wall Street. No final de 2008, muitos analistas (incluo-me no
rol) previam que o ano que se avizinhava seria muito ruim para a economia global e para os
mercados financeiros. Na época, as perspectivas eram pouco alvissareiras e, na melhor das
hipóteses, a recessão se prolongaria por dois anos. Passados dois terços de 2009, que
avaliação é possível fazer e, mais ainda, o que 2010 nos reserva?

Ninguém duvida que a situação atual é seriíssima - o maior imbróglio econômico do


pós-guerra. Todavia, as ações coordenadas dos banqueiros centrais (jogando os juros no
chão), bem como a dos governos (imprimindo políticas keynesianas expansivas para evitar a
débâcle total), conseguiram mitigar os efeitos da crise e já há um certo consenso de que o pior
está no retrovisor, daí as comemorações. Mesmo os economistas mais pessimistas já advogam
a tese de que há luz no fim do túnel, e não é um trem na contramão.

Em nosso país, a situação como um todo surpreendeu positivamente. Apesar de


grande parte dos analistas ainda projetar queda de PIB para o ano, vou contra a corrente
majoritária e aposto em pequeno crescimento, de 0,4%. Os movimentos que o governo
promoveu de redução de impostos (automóveis e linha branca) e ampliação de gastos em
projetos de grande potencial multiplicador (setor de construção civil), aliados à queda de 5% na
taxa básica Selic e à volta do crédito, estão sendo essenciais para um desempenho
diferenciado da economia brasileira, que está com inflação absolutamente controlada e ainda
atrai grandes somas de capitais estrangeiros, valorizando nossa bolsa e, sobretudo, o real.
Será uma vitória se conseguirmos adentrar 2010 com o PIB crescendo a uma velocidade de
4%, bem diferente dos passos de cágado das economias europeias, dos EUA e do Japão. Mas
o que pode vir pela frente?

Temo por 2010, pela situação em nosso país! Pode parecer incoerente já que os sinais
são de evidente melhora. Então quais seriam os motivos para esse receio?

Ano que vem será um ano politicamente complicado. Envolve uma eleição presidencial
nitidamente aberta, sem favoritos. Os dois principais nomes que encabeçam a lista de apostas,
Dilma Rousseff (PT) e José Serra (PSDB), oferecem incertezas sobre a condução da
economia. Esse sentimento se agrava, se adentrarem ao certame Ciro Gomes, Marina Silva e
Heloísa Helena. A elevação da temperatura no Senado, em agosto, já antecipou que o embate
político será ferrenho. Num quadro assim, não é desprezível a possibilidade que a taxa de
câmbio incorpore algum prêmio de risco.

Divagando sobre o câmbio, não é só a briga pela Presidência que pode vir a ser fonte
de preocupação. Tomando como base as projeções da OCDE para o crescimento brasileiro de
2010 (4%) e global (1%), há uma chance de apresentarmos um desconfortável déficit em conta
corrente de U$ 35 bilhões (importações crescendo a taxas superiores às exportações e muitas
pressões na conta de serviços), que teria de ser financiado com ingressos de capitais. Todavia,
se o risco interno aumentar, poderemos nos defrontar com um quadro de maior aversão por
parte dos estrangeiros, o que nos levaria alternativamente ao uso de reservas internacionais
para cobrir o déficit no balanço de pagamentos. Tal situação de maior desconforto nas contas
externas seria um ingrediente a mais para pressionar a taxa de câmbio.

Não se pode esquecer também que, em março, Henrique Meirelles deixará o Banco
Central para concorrer ao governo de Goiás. Deve-se à sua capacidade técnica grande parte
do bom desempenho da nossa economia, inclusive agora na crise; sua saída não será trivial!
Há, entretanto, um ponto de maior preocupação, um grande motivo para estresse ano que vem:
o descontrole fiscal. O quadro das contas públicas se deteriorou sobremaneira em 2009! Como
bem pontuaram Pastore & Pinotti em artigo no Valor, "há um estímulo fiscal superior a 2% do
PIB". Além da perda de arrecadação, os gastos correntes saltaram a níveis preocupantes. São
gastos em que os custos são maiores que os benefícios gerados e não retrocederão. Mesmo
sem descontrole, a relação dívida/PIB voltou a mover-se para pior. Como o impacto dessa
"farra fiscal" será crescimento menor no futuro (não condizente com um governo que se inicia),
os mercados provavelmente anteciparão um arrocho de contas para 2011, para restaurar o
superávit de outrora. Isso se constituiria em outro fator de inquietação (social e econômica),
visto que este governo "entorpeceu" a sociedade com sua gastança. Como alguns setores
importantes ver-se-ão sem ela?

Por fim, mas não menos importante, vem o caso da economia global. Em meu cenário
de referência, as economias desenvolvidas saem da recessão no final do 1º semestre e seus
bancos centrais, a despeito das deflações, buscarão drenar liquidez, com o fim do "quantative
easing" ou mesmo praticando taxas de juros maiores, provavelmente no último trimestre. Os
impactos de políticas monetárias mais restritivas e Tesouros menos perdulários trarão
consequências importantes sobre os preços dos ativos. Sem mencionar a muito provável
reforma do sistema financeiro americano, que se faz necessária. Novos estouros de bolhas
poderão ocorrer, o que será péssimo e poderá trazer desconforto em nossos próprios
mercados, devido a sua grande participação nos portfólios globais.

Resumindo, o pior já passou, mas o futuro não me parece róseo. A crise não completou
nem um ano para que os operadores de bolsas soltem rojões! Não há garantias de que a
economia mundial voltará a crescer os 5% de antes para manter os lucros das empresas nos
píncaros. Lembremo-nos que boa parte dos lucros de agora são frutos de reduções de folha
salarial e custos, que não se perpetuarão. A despeito da recuperação econômica, 2010 pode
surpreender negativamente, assim como 2009 vem surpreendendo para melhor. A ciência
econômica é complexa justamente por que nem sempre o mais provável é o que efetivamente
ocorre.
Alexandre Espirito Santo é Diretor do curso de RI da ESPM-RJ e economista-chefe da Way Investimentos
Fonte: CORECON-SP, 26/08/2009.

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