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Dramatis Personae
Abelardo – Um menino de quinze anos
Gêmeo Dita
Gêmeo Lento
Guinga – Um mendigo
Valério – Um pivete
Profeta Jarbas – Um senhor com longa barba.
Daila – Uma prostituta de 30 anos.
Dr. Alonso – Um empresário falido de 50 anos.
Maíra – Jovem de quinze anos.
Mãe – Voz e off.
Bombeiro
Bombeira
Neném
Cenário 1: Uma casa com duas árvores gigantescas ao seu lado
Cenário 2: Rua
CENA 1
Voz em off – (Mat 22) A parábola dos convidados para as bodas: “Então Jesus tornou a
falar-lhes por parábolas, dizendo: O reino dos céus é semelhante a um rei que celebrou as
bodas de seu filho. Enviou os seus servos a chamar os convidados para as bodas, e estes
não quiseram vir. Depois enviou outros servos, ordenando: Dizei aos convidados: Eis que
tenho o meu jantar preparado; os meus bois e cevados já estão mortos, e tudo está pronto;
vinde às bodas. Eles, porém, não fazendo caso, foram, um para o seu campo, outro para o
seu negócio; e os outros, apoderando-se dos servos, os ultrajaram e mataram. Mas o rei
encolerizou-se; e enviando os seus exércitos, destruiu aqueles homicidas, e incendiou a sua
cidade. Então disse aos seus servos: As bodas, na verdade, estão preparadas, mas os
convidados não eram dignos. Ide, pois, pelas encruzilhadas dos caminhos, e a quantos
encontrardes, convidai-os para as bodas. E saíram aqueles servos pelos caminhos, e
ajuntaram todos quantos encontraram, tanto maus como bons; e encheu-se de convivas a
sala nupcial“.
Abelardo está em casa com sua mãe (voz em off). Esta trava com o filho uma discussão
sobre o fato de Abelardo poder trazer os amigos para a festa de Natal. A População de rua
posicionada perto do público.
Abelardo – Hoje é Natal, mãe!
Mãe (voz em off) – E daí, Abelardo?
Abelardo – Lembra que a Senhora disse que eu poderia convidar os meus amigos do
colégio que não tem onde passar o Natal?
Mãe – Lembro, mas o seu pai bebeu de novo e está terrível. Ele não vai gostar nem um
pouco de ver um monte de garoto aqui dentro! Ainda mais no natal!
Abelardo – Ah, mãe. Você sempre dá um jeito de colocar o meu pai para dormir, quando ele
está agressivo, com aquele chá misterioso. Será que a senhora não podia fazer o mesmo
hoje, já que eu chamei a rapaziada lá do colégio para passar o Natal comigo.
Mãe –Você observa tudo, hein, Abelardo?!
Toda a ‘população da rua’, em uma só voz:
População da Rua – Observe, mas não procure entender!
Abelardo – Tudo bem, mãe! Não precisa dar o chazinho dorminhoco! Mas deixa eu trazer
os moleques! Os cara são maneiro!
Profeta – Hoje, tudo para essa geração é maneiro! Tudo! Se ao menos soubessem o que
significa essa expressão, não diriam que tudo é maneiro!
Mãe – Cambada de baderneiro! Já falei que não! Esse pessoal que tu anda, meu filho, não
vai ser nada na vida!
Gêmeo Dita – Meu irmãozinho! Tô sentindo que o próximo ano vai ser o nosso ano!
Gêmeo Lento – Também estou sentindo cheiro de sucesso no ar! Vamos aproveitar o
máximo a rua, pois...
Gêmeo Dita e Lento – O sucesso nos prepara lugar!
Abelardo – Mas pelo menos os caras são amigos um dos outros! E o mais importante: eles
são meus amigos.
Guinga(mendigo) – Não sei o que tu fica me olhando tanto, Valério!
Valério(pivete) – Pô meu irmão! E tem outra coisa para olhar que não seja para você aqui
nessa rua deserta?
Mãe – Bota uma coisa na sua cabeça, meu filho! Nesse mundo, não existe amigo não!
Daila – (a Alonso) Fica assim não meu lindinho! Existem várias formas de amor!
Dr. Alonso – Ué?! Será que existem várias formas de amor?
Daila – Será?
Profeta – (com tom engajado) Será?
Guinga (mendigo) – Será?
Gêmeos Dita Lento – (cantarolando, arrastando todos os outros personagens para fora de
cena com sua cantoria) Será? Será? Será? Será?
Abelardo – Será que não, mãe! Será que eles não são meus amigos? Você nem viu ainda os
garotos para falar assim! Você precisa conhecer para falar mau!
Mãe – Ta legal, garoto! Vai chamar esses moleques! Não precisa ficar me dando lição de
moral não! Só me faltava essa, ficar recebendo lição de moral de um garoto de quinze anos!
Vai, vai, que estou ocupada e, pelo jeito, vou ficar mais ocupada ainda...
CENA 2
Abelardo sai da casa.
Abelardo – Eu e meus amigos vamos dar uma lição de amizade no meu pai e na minha
mãe! Depois desse Natal, eles vão até mesmo passar a se relacionarem melhor.
Maíra, de mochila, encontra com seu amigo Abelardo.
Abelardo – Fala Maíra!
Maíra – E aí, Abelardo! Tranqüilo?!
Abelardo – Beleza! Tá sabendo que minha mãe deixou a galera passar o Natal lá em casa!
Maíra – Pôxa... Você demorou muito para falar se sua mãe ia deixar ou não!
Abelardo – Claro que falei que ela iria deixar, Maíra! Só disse que o tempo todo eu tenho
que ficar lembrando a ela da promessa feita por ela! É que um dia ela diz que deixa, outro
ela diz que não deixa. Mas que no final ela iria deixar!
Maíra – Abelardo, muita incerteza! Muita incerteza! Aí, a galera decidiu viajar! Todo
mundo que não tem casa tranqüila para passar o Natal vai!
Abelardo – Para minha casa?
Maíra – Não, Abelardo! Vai viajar! Viajar para outro lugar!
Abelardo – Pôxa, Maíra! Vocês me deram a palavra de vocês.
Maíra – Só lamento, Abelardo! Você demorou muito para deixar o pessoal tranqüilo sobre a
decisão da sua mãe!
Abelardo – Que vacilo!
Maíra – É a vida.
Maíra sai de cena. Abelardo fica em cena, chateado e refletindo. Ao fundo escuta um
cantarolar diferente. Ele se sente atraído por esse canto e vai atrás dos cantores. São os
gêmeos Dita e Lento. Abelardo se aproxima dos dois.
Dita – Márcio, tu não tá cantando direito!
Lento – Já falei para você ter paciência comigo!
Dita – Paciência?! Márcio, o tempo urge! Eu nunca vi um início de carreira tão lento como
o nosso!
Lento – Já falei para você que o sucesso é questão de tempo. Apressar um início de carreira
pode ser fatal para a própria!
Dita – Nada disso, Marcos. Melhora logo essa sua performance, harmonia, afinação,
impostação de voz, noção de ritmo...
Lento – Caramba, Marcos, então eu tenho que melhorar tudo, né?
Dita e Lento reparam a chegada de Abelardo.
Dita – Olha! Chegou o nosso público. Prepara a canção!
Lento – Calma, Marcos! Vamos esperar o menino solicitar a nossa performance!
Dita – Que calma nada! Nos palcos das ruas, qualquer um que passa é público! Vai lá, um,
dois, três...
Dita e Lento começam a cantarolar a música de apresentação. Ao terminarem de cantar, o
menino fica satisfeito com o que ouviu, embora não tenha sido uma apresentação, aos olhos
dos homens, de fato boa.
Abelardo – Que maneiro! Muito boa apresentação de vocês.
Dita – Nós somos os gêmeos Dita e Lento!
Abelardo – De Talento?!
Dita – É isso aí! Eu sou o Dita, e ele é o Lento!
Lento – Ele que resolveu me chamar de Lento! Estamos aí, morando na rua por causa dele,
que acredita nessa ilusão de virar artista, e que o começo de carreira se dá nas ruas, e eu é
que sou o Lento!
Dita – Ai, ai! Como você viu, garoto, além de Lento, ele é o resmunguento!
Lento – E você sabe porque ele se chama Dita? Porque ele é um Ditador!
Dita –Não dê atenção para a reclamação dele, meu público! Você sabia que nós somos
versáteis! Fazemos peça teatral, malabarismo, pintamos e bordamos.
Abelardo – Que máximo! Então façam outras coisas aí para eu ver!
Dita – Na verdade, estamos direcionando agora o nosso talento apenas para a área musical!
O próximo ano será o ano musical dos irmãos...
Dita e Lento - ...Dita e Lento.
Lento – Bom, se você quiser saber a verdade verdadeira, é a seguinte: em 2002, tentamos
ser atores e não conseguimos. Em 2003, tentamos ser malabaristas e não conseguimos. Em
2004, mesmo fracasso, só que na área da pintura. E em 2005, foi a vez do fiasco da
bordadura.
Dita – Não estrague o ponto de vista positivo e otimista do menino, Lento.
Lento – Ah, Marcos...
Dita – Não me chame pelo o meu nome verdadeiro na frente do meu público! Meu nome
artístico é Dita! Dita! Bom, meu público, você quer ouvir mais uma música?
Abelardo – Cara, quero sim! Mas...Olha só! O que vocês acham de fazer, digamos, o
primeiro show de vocês lá em casa? Hoje é noite da Natal e um dueto tão engraçado como
o de vocês ia animar a noite da minha família que, como o lento, também é resmunguenta!
Lento – Está bem, quanto você vai pagar a gente?
Dita – Lento! Você é lento para tantas outras coisas, e para isso você quer ser rápido?!
Lembre-se do que nós combinamos!
Lento – Acho que eu estou lento para lembrar das coisas! Dá para você refrescar minha
memória! Falta de alimentação dá nisso!
Dita – (suspira) Nós combinamos que não iríamos cobrar nada do nosso primeiro
contratante. E esse menino é o primeiro e, olhando bem para ele, vemos que ele não tem
condições de pagar um preço tão alto, compatível com o nosso talento!
Lento – É mesmo. Eu tinha me esquecido disso.
Abelardo – E vocês também nem tem a carteira da Ordem de Músicos para ficarem fazendo
shows por aí e ganhando por isso.
Dita – É mesmo! Mas vamos tirar, né Lento!
Lento – Sem pressa!
Pausa. Um gêmeo olha para o outro gêmeo e ambos comemoram.
Dita e Lento – O primeiro show dos gêmeos Dita e Lento!
Dita, Lento e Abelardo vão caminhando cantarolando a música de “trabalho” dos gêmeos,
quando se deparam com uma cena de violência. Valério ameaçando Guinga com uma arma
na cabeça dele.
CENA 3