You are on page 1of 40

Blogue do Luís

http://css.wlxrs.com/A2WBKvgftxmk08xPBdj-XPPGaJyRkrPYbAWn4a1Kpld8ohFGS-
EqcjmLWB576gx4/megan_gray/12.1.1347/hig/img/glyph/tools_rest_~ContainerHe
aderTextLuminance~.gif
Swami Satchidananda
| Resumo:

[19-9-2.009 AD]

CALVINO E O LIVRE-ARBÍTRIO VERSUS FILÓSOFOS E PADRES QUE


ACREDITAM NELE

O não tão livre-arbítrio

(Texto actualizado e corrigido por este


blog:
http://conviteavalsa.spaces.live.com/default.aspx?_c11_BlogPart_BlogPart=blogent
ry&_c11_BlogPart_handle=cns!E8A44CA42D8320A0!1047&_c=BlogPart)

SwSatchidananda: You have divinity, goodness, peace, & perfect health. That
is your true nature.

http://www1.folha.uol.com.br/folha/pensata/helioschwartsman/ult510u397694.sht
ml
INTRODUÇÃO:

Publicidade

Imagine a mais deliciosa sobremesa que suas papilas


gustativas podem conceber. Acrescente uma camada extra de
cobertura de chocolate. Agora imagine o garçom lhe
estendendo uma generosa porção dessa iguaria. Você consegue
recusar? 2

Se, como a maioria dos seres humanos, não resiste à tentação,


pode perguntar-se onde diabos está o livre-arbítrio de que tanto
falam filósofos e padres. A questão é debatida há pelo menos
dois milênios e não estamos nem perto de uma resposta
definitiva. Este conceito reúne numa só trama alguns dos mais
cabeludos problemas filosóficos, como a natureza do universo
(se ele é ou não determinado), a causalidade e se o homem é ou
não um agente moral.

Comentemos o caso do assassinato da pequena Isabella


Nardoni. Não importa quem seja o autor do crime, o resultado é
o mesmo: uma tragédia pessoal e familiar. Como há um
homicídio a esclarecer, é inevitável que as autoridades policiais
escarafunchem todos os aspectos da história, mas isso não
significa que o grande público deva participar de tudo e
acompanhar "on line" cada novo desdobramento das
investigações. Até para que a família possa viver o luto, seria
necessário um certo distanciamento. Receio, entretanto, que os
limites do decoro tenham sido quebrados pela perversa
combinação de uma imprensa ávida por sensacionalismo com
declarações irresponsáveis de autoridades policiais e
judiciárias. Tudo isso, é claro, motivado pelo desejo das
pessoas de saber tudo a respeito desse macabro episódio.

É justamente sobre a natureza desse desejo que gostaria de


lançar algumas observações na coluna de hoje. Por que o
assassinato de crianças nos toca mais do que homicídios
envolvendo adultos? Por que a simples possibilidade de o pai
ser um dos suspeitos transforma uma ocorrência policial em comoção nacional?
Parte da resposta está na biologia. Bebês e crianças comovem
e mobilizam nossos instintos de cuidadores. Estes serezinhos
foram "desenhados" com características que exploram os
vieses sensórios de seus pais e de adultos em geral. Tais
traços, especialmente os faciais, são há décadas conhecidos de
artistas como Walt Disney. O que torna Mickey Mouse fofinho e
não repulsivo como a maioria dos murídeos? Como observa
Marc Hauser em "Moral Minds", "a cabeça muito maior do que o
corpo e os olhos grandes em relação ao rosto (...) são como 3
doces visuais, irresistíveis para nossos olhos".

A circuitaria cerebral responsável por esse, digamos, "amor às


crianças" é comum a vários mamíferos. Também julgamos
fofinhos filhotes de cães, gatos e até de animais perigosos
como ursos (lembrem-se de Knut) e tigres. A adoção inter-
espécies não é um fenômeno de todo incomum. Cadelas, lobas e
gatas freqüentemente criam filhotes abandonados de outros
bichos. Há até dois casos de bebês humanos que caíram em
jaulas de gorilas em zôos americanos e foram socorridos por
fêmeas dessa espécie.

Só que as coisas são um pouco mais complicadas. Apenas


achar um bebê engraçadinho não é em absoluto garantia de que
cuidaremos bem dele. A natureza, à parte algumas idealizações
românticas de ecologistas empedernidos, é cruel. Não foram
raras as situações do passado darwiniano nas quais tínhamos
várias crianças fofinhas para cuidar e pouco ou nenhum
recurso. Daí que nós e outras espécies desenvolvemos o hábito,
hoje condenável, de sacrificar os bebês que nos parecessem
mais fracos (infanticídio) ou que portassem defeitos congênitos
(eugenia).

A biologia é uma eterna corrida armamentista entre indivíduos.


Para espécies sociais como a nossa, o jogo se dá num ambiente
de cooperação, mas isso não impede que os interesses de
homens e mulheres, pais e filhos, irmãos e irmãs divirjam. A
disputa se dá então no nível da "sintonia fina", e com as regras
ditadas por "gargalos" ambientais.

Enquanto nossos bebês nasciam aos borbotões e morriam em


proporções equivalentes --situação que perdurou durante 99,9%
de nossa história evolutiva--, víamos o óbito de filhos como um
fenômeno, senão natural, pelo menos esperado. É só sob
condições ótimas que o amor e a dedicação paternos podem
prosperar com maior força.

O historiador francês Philippe Ariès (1914-1984), autor de "A


Criança e a Vida Familiar sob o Antigo Regime" (1960), mostra
bem as mudanças culturais que estão por trás do amor que hoje
sentimos pelos nossos filhos. Já tratei do assunto numa coluna
antiga, mas retomo aqui o argumento. 4

A idéia de que os filhos devem ser amados é antes de mais nada


uma criação recente. Durante a Idade Média era menos do que
uma abstração. Em sua configuração moderna, o conceito só
surge na Europa nos séculos 16 e 17 e entre os mais ricos. Ele
se dissemina pelos outros estratos apenas em finais do século
19 e início do 20 --quando as taxas de fecundidade e
mortalidade infantil baixam significativamente.

É verdade que os trabalhos de Ariès sofreram fortes críticas,


algumas convincentes. Poucos, porém, contestam a tese
central de que a infância no "ancien régime" era vista de um
modo muito diverso do de hoje.

Uma criança não passava de um projeto de adulto, só que com


mais desvantagens. As últimas características que esses
serezinhos desenvolviam eram a razão e a lógica, o que os
tornava verdadeiros débeis mentais à espera do sopro da
inteligência.

A noção de que pudesse haver alguma especificidade da


infância soaria exótica. Pais não viam, por exemplo, nenhum
inconveniente em fazer sexo diante de seus filhos de sete, oito
anos em atitude que horrorizaria os educadores de hoje. Para
Ariès, a função da família no antigo regime era basicamente a
de perpetuar o patrimônio e os costumes. O amor aos filhos,
tornado central para a família contemporânea, era
perfeitamente dispensável então. Ele só vai se desenvolver
plenamente com o advento da família burguesa e sob o tempero
de puericultores como Rousseau, Pestalozzi e, mais
recentemente, Montessori e Piaget, sem mencionar os
infindáveis autores de manuais que pretendem trazer o "modo de usar" de filhos e
enteados.

À luz dessas reflexões, o assassinato de uma garotinha de


apenas cinco anos desponta como duplamente horroroso.
Contraria não apenas a disposição biológica inata de preservar
as crianças como também o mais recente movimento cultural
de valorização da infância. O fato de o pai, pelas circunstâncias
do crime, figurar na lista de suspeitos é apenas o ingrediente
que faltava para os chamados abutres da imprensa se 5
lambuzarem no caso como moscas no mel. Não por acaso, são
os mesmos componentes que transformaram o
desaparecimento da jovem Madeleine McCann de uma praia do
Algarve em "hit" mundial.

Voltando à teoria, críticos da abordagem sociobiológica se


queixam de que essa visão transforma nossos sentimentos mais
nobres em mera análise probabilística. É como se nossos
corações fossem máquinas de calcular riscos, a partir dos quais
decidiríamos atuarialmente quem deve ou não ser amado. É
uma interpretação, reconheço. Mas, o bonito no darwinismo é
justamente que não faz muita diferença se os comportamentos
adotados pelos indivíduos são genuínos ou afetados. O
resultado tende a ser mais ou menos o mesmo. A
intencionalidade e o livre-arbítrio talvez sejam conceitos
biologicamente menos reais do que o direito e a teologia
católica/arminiana, não a da teologia calvinista (ainda
bem!), gostariam.

Ao comentar o caso da pequena Isabella, sugero que o tal do


livre-arbítrio talvez seja menor do que exigiriam as noções mais
comuns de justiça.

A pergunta fundamental é: somos livres para agir como


desejamos? Suas implicações não são triviais. Se nossas ações
são determinadas, seja pela biologia, pela física ou por Deus,
como responsabilizar alguém por seus atos?

Assim, a primeira parte do problema é física. Importa saber se


tudo o que ocorre no mundo é uma fatalidade ou se há espaço
para decisões autônomas. Quem melhor colocou a questão foi o
célebre matemático francês Pierre-Simon de Laplace (1749-
1827), ao propor, na introdução ao seu "Essai philosophique sur
les probabilités", um experimento mental que mais tarde ficou
conhecido como "o demônio de Laplace": "Podemos ver o
estado presente do universo como o efeito de seu passado e a
causa de seu futuro. Um intelecto que em dado momento
conhecesse todas as forças que colocam a natureza em
movimento, e as posições de tudo aquilo de que a natureza é
composta, se tal intelecto também fosse capaz de submeter
esses dados a análise, ele abarcaria numa única fórmula tanto
os movimentos dos maiores corpos do universo como os do 6
menor átomo; para este intelecto nada seria incerto e o futuro
assim como o passado estariam presentes diante de seus
olhos".

Bem, se acreditamos como Laplace que todos os eventos


presentes e futuros são o resultado do passado do universo em
combinação com as leis da natureza, então somos
deterministas. É uma posição especialmente confortável para
os que não querem carregar em suas costas o peso de decisões
morais. Se tudo o que se passa no mundo é o resultado de uma
fórmula matemática, culpar alguém por um assassinato faz
tanto sentido quanto responsabilizar o leão por devorar a gazela
ou um asteróide por ter dizimado os dinossauros.

Na mesma situação se encontram aqueles que postulam a


existência de um Deus perfeitamente onisciente e onipotente.
Tal entidade atrairia para si todas as culpas do universo. Daí o
valor exclusivo do sangue de YAOHÚSHUA (JESUS) como um
único meio de remissão e perdão de pecados.

Deixemos, porém, a teologia de lado e voltemos à física. Ainda


que numa versão mais nuançada, Albert Einstein pensava mais
ou menos como Laplace. É por isso que tinha horror à mecânica
quântica (na qual as previsões estão limitadas a mera
probabilidade), sobre a qual sentenciou: "Deus não joga dados".

A "solução" de Einstein para sustentar um universo


determinista sem não atirar a noção de responsabilidade num
buraco negro foi rebaixá-la um bocadinho: "Um ser humano
pode perfeitamente fazer o que quiser, mas não pode desejar o
que quer". Aqui, o físico alemão acompanha o bom e velho
Schopenhauer. Somos todos filhos da necessidade.
2

Só que a mecânica quântica se firmou. E não apenas como uma


ignorância provisória, como desejava Einstein. Cada vez mais o
"mainstream" da física vai se convencendo de que a
impossibilidade de determinar ao mesmo tempo a posição e a
velocidade de uma partícula está na natureza da matéria, sendo
um dado da realidade e não uma simples incompletude da
teoria. Com isso, o demônio de Laplace, se não sai de cena, ao 7
menos passa para um segundo plano. O mesmo, suspeito,
ocorre com o Deus das religiões monoteístas, daí que escolas
dominicais não ensinem física quântica.

Mas será que a consolidação de um universo não inteiramente


determinado basta para salvar a responsabilidade moral de seus
demônios? Talvez não. Achados no campo na neurociência nos
fazem ficar com a pulga atrás da orelha.

Num experimento seminal dos anos 80, Benjamin Libet, da


Universidade da Califórnia, ligou seus alunos a aparelhos de
eletroencefalograma e demonstrou que a atividade cerebral
inconsciente que faz alguém mover o braço, por exemplo,
precede em pelo menos meio segundo a "decisão consciente"
de mexer o braço.

A partir daí, neurocientistas desenvolveram vários


experimentos semelhantes, obtendo a corroboração dos
resultados. Hoje são mais ou menos unânimes em afirmar que o
livre arbítrio não é mais do que uma ilusão, mais ou menos
como a consciência, que, embora não passe de um efeito
colateral de vários sistemas cerebrais ligados em rede, nos leva
sinceramente a crer que somos algo diverso da matéria que nos
compõe. A maioria da humanidade é dualista (se vê como uma
mistura de corpo e alma), só uns poucos materialistas ateus
somos devidamente monistas (não somos mais do que o
amontoado de impulsos eletroquímicos produzidos por nosso
corpo).

Nosso livre arbítrio seria mais ou menos como um tique nervoso


ou a necessidade que um viciado tem de conseguir sua droga,
movimentos que ficam a meio caminho entre o voluntário e
involuntário. Temos aí uma boa seara para advogados de
defesa, a exemplo dos alquimistas em busca da pedra filosofal,
tentarem extrair o habeas corpus universal.

Será que estamos assim condenados a descartar toda idéia de


justiça possível? Talvez não. Afinal, existem viciados que
conseguem superar sua compulsão. A resposta não chega a ser
um segredo. Se, por um lado, ele quer a droga (desejo de
primeiro grau); por outro, ele sabe que o vício lhe faz mal e
pretende livrar-se dele (desejo de segundo grau). O livre arbítrio 8
talvez exista como um poder de veto dos desejos de segundo
grau sobre os de primeiro. Não é à toa que os mais relevantes
dos dez mandamentos assumem a forma "não + verbo", como
em "não matarás", "não cobiçarás a mulher do próximo".

Os filósofos norte-americanos Harry Frankfurt e Daniel Dennett


desenvolvem algumas idéias interessantes de como reconciliar
um universo em grande parte determinista (nossas ações
sociais, até prova em contrário não são regidas por leis
quânticas) com uma versão ainda que mitigada do livre arbítrio.
É o salvamento do compatibilismo.

Segundo Dennett, nós temos o poder de veto e o poder de veto


sobre o veto, além de boas noções de causalidade, que nos
permitem imaginar cenários futuros e projetar-lhes
conseqüências de decisões passadas. Não é necessário um
milagre para ter responsabilidade.

Como eu disse no início deste texto (que, por sinal, já está


ficando mais longo do que eu teria desejado), não disponho de
uma resposta definitiva para o problema do livre arbítrio. Só o
que procurei aqui foi lançar, de forma infelizmente meio caótica,
algumas luzes sobre sua complexidade e alcance. Mal resvalei
em todas implicações e pressupostos. Acho, entretanto, que as
idéias esboçadas já bastam para que reavaliemos as bases da
noção mais comum de justiça que circula por aí.

Nossas inseguranças em relação ao livre arbítrio, que não são


poucas, já deveriam nos fazer abandonar o conceito de justiça
retributiva. Se não estamos muito certos do nível de controle
que temos sobre nossas ações e se é até mesmo possível que
cada uma de nossas decisões já esteja escrita desde o início
dos tempos, então não faz sentido punir alguém como
retribuição à falta cometida. Mesmo que houvesse um Deus a
nos dizer insofismavelmente o que é certo e o que é errado,
seria preciso não torná-Lo demasiado poderoso, ou Ele se
tornaria o responsável último por todos os nossos pecados.

Além da contradição interna à idéia de um deus onipotente e


bondoso, temos como subproduto que a justiça, mais do que
para expiar culpas, se presta a evitar que o próprio criminoso e
outras pessoas voltem a delinqüir. A meta deixa de ser "fazer 9
justiça" (uma completa inutilidade) e passa a ser organizar
melhor a sociedade.

Se, por um lado, essa noção utilitarista salva algo da nossa


posição de agentes morais, ela não nos eleva para muito além
dos cãezinhos pavlovianos, que fazem o que deles se espera
sob a compulsão de eletrochoques e outras artimanhas da
necessidade.

Assim, antes de sair por aí linchando suspeitos de crimes


hediondos ou de pedir uma segunda porção daquela sobremesa
deliciosa que entope artérias, pense nas conseqüências. A
diferença importante entre nós e os cãezinhos de Pavlov é que
projetamos o futuro mais longe.

Um dos livros mais instigantes que li este ano é "Moral Minds"


(mentes morais), de Marc Hauser, no qual este biólogo
evolucionário de Harvard apresenta um modelo bastante
convincente de como desenvolvemos um senso universal do
certo e do errado.

Trata-se de um tema seminal, que despertou a atenção de


alguns dos maiores filósofos de todos os tempos, e está no
centro dos mais acalorados debates da atualidade, constituindo
o substrato de questões como religião, violência, aborto,
eutanásia, liberação das drogas etc.

A tese central da obra de Hauser é a de que a faculdade moral é


um instinto. A analogia é com a teoria da gramática universal de
Noam Chomsky, que já comentei numa coluna mais antiga. Da
mesma forma que nossos cérebros são equipados com um
"software" lingüístico, que nos habilita a aprender praticamente
"por osmose" o(s) idioma(s) ao(s) qual(is) somos expostos na
primeira infância, nossa cachola também já vem com uma moral
de fábrica. Não se trata, por certo, de um código penal, uma
lista pronta e acabada de todas as ofensas possíveis e as
respectivas punições, mas de um conjunto de princípios
elementares, comuns a toda a humanidade, e maleáveis o
bastante para comportar uma boa gama de variações culturais.
10
Com efeito, por maior que seja a exuberância dos
comportamentos humanos narrados pelos antropólogos, não se
conhece cultura que considere positivo matar o próximo, por
exemplo. Assim, como regra geral, toda sociedade proíbe o
homicídio. Mas uma característica das regras gerais é que elas
comportam exceções. E é justamente a lista de exceções à
regra geral da proibição do homicídio que dará o caráter de
cada sociedade.

A maioria das culturas excusa o homicídio no contexto da


legítima defesa (da própria vida ou da de terceiros). Algumas,
estendem essa licença à proteção da propriedade. No velho
Oeste americano, era legal e legítimo enforcar ladrões de
cavalos. Um número não desprezível autoriza assassinatos em
defesa da honra. Em alguns grupos, notadamente islâmicos
(embora o preceito não esteja no Alcorão nem nos "hadith")
espera-se que pais assassinem filhas que se mostrem infiéis a
seus maridos. Variações semelhantes ocorrem em relação ao
tratamento que diferentes culturas dão ao aborto, ao
infanticídio, às presas de guerra etc.

Para ficarmos na analogia lingüística, da mesma maneira que


idiomas apresentam características universais --como operar
com sujeitos, verbos e predicados--, diferentes sistemas morais
também possuem traços básicos comuns, a exemplo da
proibição do homicídio, do horror ao incesto, da promoção da
família etc. Mas, assim como cada língua, apesar das estruturas
profundas comuns, permanece singular, também uma cultura,
mesmo mantendo certos padrões universais, difere da outra.

É claro que tanto a razão como as emoções estão presentes em


todas as decisões morais que tomamos. Não matamos aquele
motoboy imbecil que arrancou o espelhinho de nosso carro
tanto porque a maioria de nós tem uma repulsa natural ao
assassinato --a emoção produzindo a moral, como defendia
David Hume-- e também porque tememos as conseqüências
legais de tal gesto --a razão, segundo a concepção de Immanuel
Kant. O ponto que Hauser procura enfatizar, entretanto, é que a
moral é um instinto, operando independentemente de razão e
emoção. Aqui, ele se aproxima das idéias de John Rawls.

Esse é um campo que vem recebendo grande atenção de 11


psicólogos evolucionistas e tem como matéria-prima os dilemas
morais. É nesse ponto que os experimentos de Hauser trazem
novos e fascinantes "insights". O autor propõe uma série de
situações difíceis e nos convida a dar soluções. Também
apresenta os resultados de suas entrevistas. São mais de 60 mil
pessoas, gente de diversas etnias e com diferentes
"backgrounds" que responderam ao questionário "on line" (não
chega a ser uma amostra representativa do globo, mas não é
um "n" desprezível). Você, leitor, também pode participar,
clicando no site do teste.

Vamos ver alguns exemplos: Denise é passageira de um trem


cujo maquinista desmaiou. A locomotiva desembestada vai
atropelar cinco pessoas que caminham sobre a linha. Ela tem a
opção de acionar um dispositivo que faz com que o comboio
mude de trilhos, e, neste caso, atinja um único passante. Denise
deve acionar a alavanca? Cerca de 90% dos entrevistados
cederam à razão utilitária e responderam que sim. É melhor
perder uma vida do que cinco.

Hauser então coloca uma variante do problema. Frank está


sobre uma ponte e avista um trem desenfreado prestes a
abalroar cinco alegres caminhantes. Ao lado dele está um
sujeito imenso, que, se lançado sobre os trilhos, teria corpo
para parar a locomotiva, salvando os cinco passantes. Frank
deve atirar o gordão ponte abaixo? Aqui, a maioria (90%)
responde que não, embora, em termos puramente racionais, a
situação seja a mesma: sacrificar uma vida inocente em troca
de cinco.

A constatação de que as respostas estão além da razão (pelo


menos em sua expressão utilitarista) e da emoção é um
argumento poderoso em favor do instinto, que é ainda reforçado
pelo fato de representantes de grupos bastante diversos terem
dado respostas muito semelhantes nestes casos.

Hauser sustenta que nosso "software" moral opera em torno de


parâmetros como tipo de ação (se pessoal ou impessoal, direta
ou indireta), conseqüências negativas e positivas e,
principalmente, a intencionalidade. No fundo o que difere a ação
de Denise da de Frank é que o sacrifício do passante solitário é
uma espécie de efeito colateral (ainda que antevisto) de uma 12
ação que visava a salvar cinco pessoas. Já atirar o gordão seria
um ato intencional, um homicídio ainda que com o objetivo de
obter um bem maior. Estamos aqui, se quisermos, diante da
materialização empírica do imperativo categórico kantiano, que
nos proíbe de usar seres humanos como meio para obter um fim
(mesmo que nobre). Se assim não fosse, um médico estaria livre
para capturar um sujeito saudável que passasse diante do
pronto-socorro e, arrancando-lhe rins, fígado e coração para
transplante, salvar a vida de quatro doentes.

Os experimentos mentais podem multiplicar-se e ficar bem mais


sofisticados. E se, em vez da vida de cinco pessoas, o que
estivesse em jogo fosse uma cidade inteira de 5 milhões de
habitantes? Com números assim superlativos não seria lícito
matar o gordão mesmo que intencionalmente?

Para além da riqueza de dados e novas perspectivas, "Moral


Minds" oferece farta munição para destruirmos algumas "idées
reçues" (idéias recebidas) renitentes. Uma falsa crença com a
qual sempre me vejo às voltas quando incorro em textos ateus é
a de que a religião é a fonte do comportamento moral das
pessoas. Besteira. Como Hauser mostra de forma muito
competente, a moralidade é tributária de um instinto que se
consolidou no homem muitos milênios antes do primeiro padre
celebrar a primeira missa. O que a religião fez, além da
tentativa de usurpar para si a ética, foi despi-la de seus
parâmetros variáveis e congelá-la no tempo, proclamando-a una
e eterna. A menos que imaginemos um Deus racista, que faça
questão de condenar todos os fores, de Papua-Nova Guiné,
(canibais) e todos os faraós ptolomaicos (incestuosos), entre
muitos outros povos e grupos que violam comandos bíblicos,
temos de concluir que a moral é assunto complicado demais
para ficar apenas nas mãos de religiosos.

Filósofo Hélio Schwartsman, 44, judeu, é


articulista da Folha. Bacharel em
filosofia, publicou "Aquilae Titicans - O
Segredo de Avicena - Uma Aventura no
Afeganistão" em 2.001 AD. Escreve para a
Folha Online às quintas. 13
E-mail: helio@folhasp.com.br

(via lovegifs)
Turn on your radio! Porque hoje estou audaciosa e cantarei uma bela canção!! TGIF!
CÉREBRO ESPIRITUAL:

http://twitter.com/SwSatchidananda

http://www.swamisatchidananda.org/docs2/audio.htm

http://cleycianne.blogspot.com/2009/09/o-cantor-robbie-william-acredita-
estar.html

http://www.fikdikk.tk/ (COOL!)

http://www.gunaxin.com/ladies-wenches-of-the-renaissance-festival/28095

http://smokingsection.uproxx.com/TSS/2009/08/dj-skee-the-smoking-
section-present-freddie-gibbs-midwestgangstaboxframecadillacmuzik

RÁDIOS JOVENS GOSPEL:


http://www.djradiomix.com/

http://www.radios.com.br/play/1_webforcjov-br.htm

RÁDIO JOVEM: TEEN POP

http://twitter.com/BreakingNews

http://www.fox.com.au/player
RÁDIO JOVEM:
http://estacao.pop.com.br/aovivo.php?q=3

RÁDIO JOVEM: http://alpha.goomradio.us/radio/candy-


station#page=/radio/pop-top-20

https://dnvngq.bay.livefilestore.com/y1mGF7XkY9cXlV38Nx2xepF79tu6HNDxyGCAYDn
L-- 14
_9_b1nQVmdwO8jIwsMuGYL0G_SSrbIEBV8pKUdKpcQV1s_Mx85qEN_m048zZcqlSDzJ8cg-
G_CiAaSvjrH13YM6-2wqZYYgs5QidILy-H3yKApA/1.jpg

HISTERIAS EM VOLTA DE MICHAEL JACKSON E DA RELIGIÃO

http://www1.folha.uol.com.br/folha/pensata/helioschwartsman/

Nunca fui muito ligado em música pop e menos ainda no


mundo das celebridades. Acho que o único autógrafo que
já quis na minha vida foi o do Sócrates (o jogador, não o
filósofo) -- e isto quando eu era garoto. Diante desse
histórico, devo ser a pessoa menos indicada do mundo
para comentar a morte de Michael Jackson. Ainda assim,
arrisco um palpite -- menos sobre o músico e mais sobre
a comoção que o seu falecimento provocou.

A primeira coisa que precisamos perguntar para


compreender melhor o fenômeno é: por que ele? Somos
quase 7 biliões de humanos penando sobre a crosta
terrestre. A vida de nenhum de nós é essencialmente
mais interessante ou desinteressante que a dos demais.
Eu diria até que somos todos muito parecidos em nossas
atitudes, desejos, receios e loucuras. Por que a morte de
Michael Jackson e da princesa Diana provocam tantas e
tão apaixonadas reações enquanto a esmagadora
maioria passa para outro mundo de forma mais ou menos
anônima? Por que destinamos a nossos vizinhos um
"como vai?" meramente protocolar --de quem não está
interessado na resposta--, mas queremos saber tudo,
inclusive as mais ridículas platitudes, sobre a vida de
certas personalidades? Enfim, o que é a fama?
A culpa é toda de Homero. Até onde podemos recuar, foi
o poeta cego quem cunhou e difundiu a expressão "kléos
áphthiton" (fama imorredoura, glória eterna), aquilo que
todo herói almeja alcançar. A ideia é atingir a fama para,
por meio dela, driblar a morte, deixando um legado na
terra. Pelo menos no mundo grego, o modo de fazê-lo era
através de atos e ações heroicos, como aqueles
realizados por Aquiles ou Ulisses e não por acaso
fundam a literatura ocidental. 15

O detalhe incômodo aqui é que Aquiles e Ulisses jamais


existiram. Eles são heróis que pertencem ao reino do
mito, em companhia dos deuses e semideuses. Se
quisermos, o Olimpo é um prelúdio de Hollywood, onde
encontraremos os tipos eternos: o galã heroico (Apolo,
Marlon Brando), a gostosona (Afrodite, Marilyn Monroe),
e até a "diva" ciumenta que maltrata crianças (Hera,
Joan Crawford). Na esfera celeste, é difícil dizer se os
homens imitam os deuses ou se são os deuses que
personificam os homens.

Já no mundo sublunar, a primeira celebridade foi


Alexandre, o Grande. Não foi ele quem inaugurou a
tradição de buscar a glória através de conquistas
militares, mas parece ter sido o primeiro a fazê-lo em
caráter estritamente pessoal, e não para perpetuar o
"kléos" familiar. No mais, Alexandre tinha um senso de
marketing de fazer inveja a Duda Mendonça. Procurava
sempre referências heroico-míticas para "inspirar" seus
passos. Nas moedas e esculturas, sempre se fazia
representar com os cabelos longos flutuando ao vento e
olhando para os céus. Fundou mais de 90 cidades às
quais batizou de Alexandria.

Foram os romanos, entretanto, quem desvincularam a


fama dos atos heroicos. Para tornar-se alguém e
acumular honras, já não era necessário exibir
realizações extraordinárias. Na cidade onde o que
importava era ver e ser visto, adquirir glória tornou-se
um meio e um fim. Estamos no limiar do conceito
contemporâneo de celebridade, pelo qual a pessoa
tautologicamente se torna famosa porque é conhecida.

Quanto aos que não são lembrados nem por suas ex-
namoradas, resta o caminho de tornar-se fãs: tocar a
glória e roçar a transcendência por meio de biografias
alheias, isto é, dedicando-se a cultivar seus ídolos.

É claro que alguma "realização" como vender discos,


marcar gols ou ostentar um belo par de pernas ajuda a
abraçar os pináculos da fama, mas não é absolutamente 16
necessária como se depreende da biografia de alguns
colunáveis, cuja qualidade mais notável é o fato de
jamais ter feito nada senão ser célebre. Com isso, a
glória já não está necessariamente ligada à noção de
merecimento e passa a encerrar um elemento de acaso,
de injustiça mesmo. Não é à toa que Virgílio, na "Eneida"
(livro 4, verso 173), refere-se à fama como "dea foeda",
que podemos traduzir como "deusa suja" ou "deusa vil".
Talvez "deusa sacana", já forçando um pouco.

O psicólogo David Giles (Universidade de Winchester),


autor de "Illusions of immortality: a psychology of fame
and celebrity" (ilusões da imortalidade: uma psicologia
da fama e da celebridade), levanta uma hipótese
interessante: a história da fama começa quando surgem
os nomes próprios e a noção de indivíduo. Giles se apoia
na controversa tese da mente bicameral do também
psicólogo Julian Jeynes, para o qual a consciência
individual é uma construção social bastante recente. Ela
teria surgido entre 10000 a.C. e 8000 a.C., quando se
teria operado uma mudança radical em nossas mentes.
Até então, os antigos costumavam atribuir processos
decisórios a deuses. Quando alguém fazia algo, era
porque uma voz divina assim o tinha ordenado. Isso não
era visto como sinal de loucura nem nada parecido. O
diagnóstico de esquizofrenia não estava à disposição.

Alguns resquícios desse tipo de mentalidade


sobreviveram até tempos mais recentes. Como mostra
Michel Foucault em "As palavras e as coisas", até o
finzinho do século 16 era perfeitamente razoável
acreditar em magia: fazer ciência nada mais era do que
descobrir analogias absconsas entre seres. (Eu mesmo
conheço gente que ainda acha que a vida é regulada
pelo movimento dos astros ou que moléculas d'água
curam várias doenças graves).

É claro que hoje, exceto em contextos religiosos muito


precisos, não podemos mais reclamar a "inspiração
divina" sem risco de ir parar no hospício. Agora que a
consciência individual unicameral se fixou, não só a
glória pessoal é possível como a busca da "fama 17
imorredoura" é um dos poucos caminhos que nos resta
para tentar driblar a terrível ideia de que a morte é
inevitável.

As teorias de Jeynes, apresentadas nos anos 70, jamais


receberam muita atenção da academia. Trata-se, afinal,
de uma afirmação extraordinária para a qual não se
apresentaram evidências extraordinárias. Mais
recentemente, entretanto, avanços na neuroimagem e
outras técnicas vêm trazendo algum apoio a essas
ideias. Pesos-pesados como o filósofo Daniel Dennett e,
em menor grau, o biólogo Richard Dawkins vêm até
ensaiando um flerte com a tese. Mesmo que não a
comprem pelo valor de face, valorizam os "insights" e
projetos de novas pesquisas que ela é capaz de produzir.

Sob essa chave interpretativa, a desproporcional


mobilização popular para as exéquias de Jackson e de
outros famosos podem receber um tratamento mais
benigno. Não precisamos mais considerar como um caso
de internação psiquiátrica todas as manifestações
exageradas de fãs. Podemos classificar tal
comportamento como um resquício da consciência dual
de Jeynes, sob a qual os deuses não apenas "existiam"
como também agiam explicitamente na realidade.
Ordens divinas e milagres não eram uma questão de fé,
mas a forma mesma como o mundo se apresentava
diante de nós e em nós. Cair em prantos convulsivos
pela morte de um ídolo não seria um comportamento
muito mais excêntrico do que assistir a uma missa.
PARTE 2

Já que a comparação que faço entre as missas e


comportamentos histéricos nesta minha coluna irrita ou
irritará bastante gente, vou desenvolver um pouco mais o tema.

Convenhamos que religião e nosso conhecimento do mundo não


andam exatamente de braços dados. De um modo geral, virgens
não costumam dar à luz (especialmente não antes do
desenvolvimento de técnicas como a fertilização "in vitro") e 18
pessoas não saem por aí ressuscitando. Em contextos normais,
um homem que veste saias e proclama transformar pão em bife
sempre que dá uma espécie de passe seria prudentemente
internado numa instituição psiquiátrica. E não me venham dizer
que a transubstanciação é apenas um simbolismo. Por afirmar
algo parecido --a "impanatio"--, o teólogo cristão Berengar de
Tours (c. 999-1088) foi preso a mando da Igreja e provavelmente
torturado até abjurar sua teoria. Ele ainda teve mais sorte que o
clérigo John Frith, que foi queimado vivo em 1533 por recusar-
se a acatar a literalidade da transformação.

Quando se trata de religião, aceitamos como normais essas e


muitas outras violações à ordem natural do planeta e à lógica. A
pergunta que não quer calar é: por quê?

Ou bem Deus existe e espera de nós atitudes exóticas como


comer o corpo de seu filho unigênito ou o problema está em
nós, mais especificamente em nossos cérebros, que fazem
coisas estranhas quando operam no modo religioso. Fico com a
segunda hipótese. Antes de desenvolvê-la, porém, acho
oportuno lembrar que a própria pluralidade de tabus ritualísticos
depõe contra a noção de Verdade religiosa.

Se existe mesmo um Deus monoteísta, o que ele quer de nós?


Que guardemos o sábado, como asseguram judeus e
adventistas; que amemos ao próximo, como asseveram alguns
cristãos; que nos abstenhamos da carne de porco, como
garantem os muçulmanos e de novo os judeus; ou que não
façamos nada de especial e apenas aguardemos o Juízo Final
para saber quem são os predestinados, como propõe outra
porção dos cristãos?
Talvez devamos eliminar os intermediários e extrair a Verdade
diretamente nos livros sagrados. Bem, o Deuteronômio 13:7-11
nos manda assassinar qualquer parente que adore outro deus
que não Iahweh; já 2 Reis 2:23-24 ensina que a punição justa a
quem zomba de carecas é a morte. Mesmo o doce Jesus,
fundador de uma religião supostamente amorosa, em João 15:6,
promete o fogo para quem não "permanecer em mim".

E tudo isso em troca do quê? A Bíblia é relativamente


econômica na descrição do Paraíso, mas o nobre Corão traz os 19
detalhes. Lá já não precisamos perder tempo com orações e
preces, poderemos beber o vinho que era proibido na terra
(Suras 83:25 e 47:15), fartar-nos com a carne de porco (52:22) e
deliciar-nos com virgens (44:54 e 55:70) e "mancebos
eternamente jovens" (56:17). O Jardim das Delícias parece
oferecer distrações para todos os gostos, mas, se banquetes,
prostíbulos e saunas gays já existem na terra, por que esperar
tanto... --poderia perguntar-se um hedonista empedernido.

Volumes e mais volumes podem ser escritos para apontar as


incoerências e desatinos dos chamados textos sagrados. Se
acreditamos que um Deus pessoal chancelou ou ditou cada uma
dessas obras, temos, na melhor das hipóteses, um Ser Supremo
com transtorno dissociativo de identidade, também conhecido
como personalidade múltipla. Espero que, no fim dos tempos Ele
esteja judeu de novo. Tenho um primo que faria bom uso do
Paraíso...

Voltando às coisas sérias, uma possibilidade mais plausível é


que o chamado cérebro espiritual, os módulos neuronais que
criam e processam ideias religiosas, seja menos permeável aos
circuitos lógicos. Quem faz uma interessante análise do
problema é o médico e geneticista americano David Comings
em seu monumental "Did man create God?", uma ampla revisão
de quase 700 páginas em que o autor esmiúça o caso de Deus
sob todas as vertentes da ciência, em especial a neurologia.

Para ele, ao contrário do mais provocativo Richard Dawkins, a


religião dá prazer, foi fundamental na evolução de nossa
espécie e só será extinta quando o último homem morrer. Mais
importante, Comings acredita que os cérebros racional e
espiritual, embora funcionem de modo independente um do
outro, podem de algum modo ser conciliados no que o autor
chama de "espiritualidade racional". Cuidado aqui, o espiritual é
uma esfera que abarca a religião, mas é mais ampla do que ela.
Inclui outras tentativas de tocar a transcendência.

Num resumo algo grosseiro da mensagem central de Comings,


só o que precisaríamos fazer é admitir que foi o homem que
criou a ideia de Deus e escreveu os livros supostamente
sagrados. Assim, nenhuma religião é verdadeiramente "a
Verdadeira" ou intrinsecamente superior às concorrentes. Já 20
não é necessário que guerreemos para descobrir se é o Deus
cristão ou muçulmano que está certo. No limite, entregamos
Deus para conservar uma espiritualidade menos belicosa, que
nos permita a experimentar a transcendência a baixo custo.

É uma proposta engenhosa, mas, receio, muito difícil, quase


impraticável. O monoteísmo já traz em germe a ideia de que
existe um único caminho para a salvação e todo os que não o
seguem estão condenados. Embora a maioria das pessoas
consiga enxergar e valorizar as semelhanças entre os Deuses
das várias religiões, sempre emergirão grupos mais intolerantes
que exigirão o exclusivismo. Por paradoxal que pareça, não se
os pode acusar de irracionais. Eles apenas levam realmente a
sério o que está escrito. Numa abordagem puramente lógica, o
Deus dos católicos e o de Calvino, por exemplo, não podem
estar certos ao mesmo tempo. O conflito é uma decorrência do
cérebro racional processando uma ideia espiritual.

É claro que podemos e devemos incentivar posições pró-


tolerância como a de Comings. Os níveis de guerras religiosas
variaram ao longo das épocas, num processo que certamente
tem algo a ver com o modo mais ou menos pluralista utilizado
pelos clérigos em suas prédicas. Não devemos, contudo, ser
ingênuos a ponto de imaginar que o conflito possa ser extinto. O
mundo é um lugar cheio de problemas.

De minha parte, embora ímpio contumaz, também acredito em


transcendência. Para mim, ela está em atividades
biologicamente inúteis às quais nos dedicamos e atribuímos
valor, como literatura, música, pintura, filosofia e, por que não?,
teologia. Elas podem ser extremamente prazerosas e, no limite,
preencher nossas vidas com um significado que a natureza
apenas não lhes dá. Mas não é porque a literatura nos leva à
transcendência que devemos achar que Aquiles ou Brás Cubas
existem.

Hélio Schwartsman, 44, é articulista da Folha. Bacharel


em filosofia, publicou "Aquilae Titicans - O Segredo de
Avicena - Uma Aventura no Afeganistão" em 2001.
Escreve para a Folha Online às quintas.
E-mail: helio@folhasp.com.br
21
Ouvir o silêncio

No meio da vertigem das tempestades de palavras em


que vivemos, que nos atordoam e paralisam, talvez se
torne urgente parar. Para ouvir.

Ouvir o quê? Ouvir o silêncio. E só depois de ouvir o


silêncio será possível falar, falar com sentido e palavras
novas, seminais, iluminadas e iluminantes, criadoras. De
verdade. Onde se acendem as palavras novas, seminais,
iluminadas e iluminantes, criadoras, e a Poesia, senão no
silêncio, talvez melhor, na Palavra originária que fala no
silêncio?

Ouvir o quê? Ouvir a voz da consciência, que sussurra ou


grita no silêncio. Quem a ouve?

Ouvir o quê? Ouvir música, a grande música, aquela que


diz o indizível e nos transporta lá, lá ao donde somos e
para onde verdadeiramente queremos ir: a nossa
morada.

Ouvir o quê? Ouvir os gemidos dos pobres, os gritos dos


explorados, dos abandonados, dos que não podem falar,
das vítimas das injustiças.

Ouvir o quê? Talvez Deus - um dia ouvi Jacques Lacan


dizer que os teólogos não acreditam em Deus, porque
falam demasiado dele -, o Deus que, no meio do barulho,
só está presente pela ausência.

Ouvir o quê? Ouvir a sabedoria. Sócrates, o mártir da


Filosofia, que só sabia que não sabia, consagrou a vida a
confrontar a retórica sofística com a arrogância da
ignorância e a urgência da busca da verdade. Falava,
depois de ouvir o seu daímon, a voz do deus e da
consciência.

Ninguém sabe se Deus existe ou não. Como escreve o


filósofo André Comte-Sponville, tanto aquele que diz: "Eu
sei que Deus não existe" como aquele que diz: "Eu sei
que Deus existe" é "um imbecil que toma a fé por um 22
saber". Deus não é "objecto" de saber, mas de fé. E há
razões para acreditar e razões para não acreditar.

Comte-Sponville não crê, apresentando argumentos, mas


compreendendo também os argumentos de quem crê.
Numa obra sua recente, L'Esprit de l'athéisme, mostra
razões para não crer, mas sublinhando a urgência de
pensar, se se não quiser cair no perigo iminente de
fanatismos e do niilismo, e, consequentemente, na
barbárie, "uma espiritualidade sem Deus".

Constituinte dessa espiritualidade, no quadro de um


"ateísmo místico", é precisamente o silêncio. "Silêncio
do mar. Silêncio do vento. Silêncio do sábio, mesmo
quando fala. Basta calar-se, ou, melhor, fazer silêncio em
si (calar-se é fácil, fazer silêncio é outra coisa), para que
só haja a verdade, que todo o discurso supõe, verdade
que os contém a todos e que nenhum contém. Verdade
do silêncio: silêncio da verdade."

Encontrei Raul Solnado apenas uma vez. Num


casamento. Surpreendeu-me a imagem que me ficou: a
de um homem reflexivo. Não professava nenhuma
religião. Por isso, não teve funeral religioso. Mas deixou
um pequeno escrito, com uma experiência, no silêncio,
na Expo, em Lisboa, em 2007.

"Numa das vezes que fui à Expo, em Lisboa, descobri,


estranhamente, uma pequena sala completamente
despojada, apenas com meia dúzia de bancos corridos.
Nada mais tinha. Não existia ali qualquer sinal religioso
e por essa razão pensei que aquele espaço se tratava de
um templo grandioso. Quase como um espanto, senti
uma sensação que nunca sentira antes e, de repente,
uma vontade de rezar não sei a quem ou a quê. Sentei-me
num daqueles bancos, fechei os olhos, apertei as
mãos, entrelacei os dedos e comecei a sentir uma
emoção rara, um silêncio absoluto. Tudo o que pensava
só poderia ser trazido por um Deus que ali deveria viver e
que me envolvia no meu corpo amolecido. O meu
pensamento aquietou-se naquele pasmo deslumbrante,
naquela serenidade, naquela paz. Quando os meus olhos 23
se abriram, aquele Deus tinha desaparecido em qualquer
canto que só Ele conhece, um canto que nunca ninguém
conheceu e quando saí daquela porta, corri para a beira
do rio para dar um grito de gratidão à minha alma, e sorri
para o Universo. Aquela vírgula de tempo foi o mais belo
minuto de silêncio que iluminou a minha vida e fez com
que eu me reencontrasse. Resta-me a esperança de que,
num tempo que seja breve, me volte a acontecer. Que
esse meu Deus assim queira."

UM PROBLEMA CHAMADO "CANÇÃO NOVA" 1

A conversão do vereador Gabriel Chalita

Por Reinaldo Azevedo

http://veja.abril.com.br/blog/reinaldo/

sexta-feira, 18 de Setembro de 2.009 AD |

Vocês estão de sacanagem comigo, né? O que posso


comentar sobre a conversão do vereador Gabriel
Chalita (PSDB por enquanto) ao socialismo? Ele está
pronto para migrar do PSDB para o PSB. Sei lá o que
dizer. Cheguei a temer que Lula o indicasse para o
STF, né? Mas Lula é Lula, vocês sabem. Entre quem
não escreveu livro nenhum, como Toffoli, e quem já
escreveu 8.377 (até as 15h de hoje), ele fica com livro
nenhum. Eu estava torcendo para Chalita entrar no
neo-PV, de Marina Silva, e deixar o tal Augusto Cury
bege - quero dizer, verde - de inveja. Juntos, eles
somam mais volumes do que a Biblioteca do Congresso dos Estados Unidos.

O PT está doido para juntar num mesmo palanque, em


São Paulo, Chalita e Dilma Rousseff. Nome do filme:
“Razão e Sensibilidade”. Lema do encontro: “Há que
endurecer, mas sem perder a ternura”. Ela entra com
a dureza.

Essa história passa por Brasília. Chalita é ligado à tal


Canção Nova, um movimento religioso com um pé no 24
neopentecostalismo e outro no “socialitismo”, que é o
movimento revolucionário das socialites. A trilha
(banda) sonora que acompanha esta mistura é da
autoria daquele padre malhado, por quem algumas
senhoras maduras suspiram em vão: Fábio de Melo.

Só uma digressão. Entrei no Google para saber se era


“Fábio Melo” ou “de Melo”. Caí no site do cantor. Lá
está ele no suposto momento da eucaristia, segurando
uma hóstia consagrada de quermesse, gi-gan-tes-ca!!!
E tive tempo de ler o trecho de uma crônica sua sobre
os girassóis. Ainda estou aqui digerindo, ou
ruminando, seu sentido mais profundo. Acompanhem:
Eles são submissos. Mas não há sofrimento nesta
submissão. A sabedoria vegetal os conduz a uma forma
de seguimento surpreendente. Fidelidade incondicional
que os determina no mundo, mas sem escravizá-los.
A lógica é simples. Não há conflito naquele que está no
lugar certo, fazendo o que deveria. É regra da vida que
não passa pela força do argumento, nem tampouco no
aprendizado dos livros. É força natural que conduz o
caule, ordenando e determinando que a rosa realize o
giro, toda vez que mudar a direção do Regente.

Eu, hein, Rosa! Se isso é metáfora para a sociedade,


estamos perdidos. Está lançada a versão brega-com-
botox da servidão voluntária. Melo já encontrou a
“sabedoria vegetal”. Falta agora encontrar a animal.

Volto à Canção Nova e a Brasília. Outro luminar dessa


corrente é o senador-sem-voto Gim Argello (PTB),
aquele mesmo que é amicíssimo pessoal da ministra
Dilma Rousseff, pré-candidata do PT à Presidência.
Ele lidera o esforço para levar Chalita para o universo
lulo-petista.

Chalita quer ser candidato ao Senado. Parece que,


seguindo a metáfora de Fábio de Melo, Lula passou a
ser o Regente, e ele, a rosa.

UM PROBLEMA CHAMADO "CANÇÃO NOVA" 2 25

DEUS, PALANQUE, CHALITA, DILMA,


ABORTO ETC

sexta-feira, 18 de Setembro de 2.009 AD |

Um cretino manda ver: “Quando Chalita era tucano era bom, né,
seu…” (ai ele me xinga). No meu blog? Nunca! O arquivo está aí
para demonstrar. Não aprecio sua, digamos, “literatura”,
atuação política e menos ainda a sua abordagem da religião.

Os católicos têm todo o direito — e até o dever — de dizer o que


pensam e se mobilizar politicamente. Mas não aprecio a
existência de grupos dentro da Igreja — o correto seria dizer “à
margem da Igreja” — que acabam ganhando expressão político-
eleitoral. Acho isso oportunista. E eu deploro esse oportunismo,
seja ele evangélico ou católico.

Não me agrada. Às vezes, eu o vejo mais perto de cultuar


Narciso do que propriamente o Altíssimo. Aquele padre cantor e
gatoso (gato idoso), no que concerne à religião (atenção para o
negrito), é uma aberração.

Há circunstâncias, meus amigos, em que é preciso optar entre


ser cristão e ser liiindooo.

Já me disseram coisas como: “Engraçado você não se


entusiasmar com a militância de Chalita. Ele é conservador
como você”. Não, não é, não! A sua opção política, como se vê,
prova que não.

Ele vai subir no palanque com Dilma Rousseff, como quer o PT?
Bom proveito! Acho que estaria obrigado a explicar aos fiéis da
Canção Nova que o aborto cuja descriminação Dilma defende é
mais humano do que aquele outro aborto, que um católico que
se leva a sério deplora.

Ou Chalita vai optar pela saída Edir Macedo, que recorre a uma
figura de linguagem do Eclesiastes, destroçando-lhe o sentido,
para justificar um crime? Ademais, não tenho por que achar que
Chalita possa melhorar Dilma, mas tenho a certeza de que Dilma
pode piorar Chalita. 26

Lamento pelo conjunto da obra. Isso nada tem de canção nova.


Trata-se de uma ladainha muito velha.

http://veja.abril.com.br/blog/reinaldo/

"Pedofilofobia"

Comento hoje o caso do cidadão italiano que foi preso


em Fortaleza na terça-feira retrasada depois que um
casal de turistas de Brasília o denunciou à polícia por
beijar a boca da própria filha de oito anos e fazer-lhe
carícias.

Infelizmente, eu não estava nas lúbricas praias


cearenses na semana passada, de modo que não vi o que
aconteceu. Em teoria é, sim, possível que o súdito de
Silvio Berlusconi, traindo seus deveres de pai, tenha
abusado sexualmente da filha. Considero, entretanto,
essa uma possibilidade remota.

A orla marítima de Fortaleza em plena luz do dia e diante


dos olhos de todos não é o melhor cenário para um
estupro paterno. Soa-me bem mais verossímil a
explicação dada pela mãe brasileira da garota, segundo
a qual, na Itália, é relativamente comum pais e filhos
beijarem-se na boca.

Essa não seria a primeira vez em que gente intrometida


projeta em terceiros suas próprias fantasias sexuais,
causando grandes males. Pela nova lei de estupro, a
12.015/09, o italiano, que já teve habeas corpus negado
pelo TJ do Ceará, está sujeito a uma pena que vai de 8 a
15 anos de reclusão. Mesmo que ele não seja
condenado, como não acho que será, as férias da família
já se transformaram num pesadelo, e pai e filha sairão
inexoravelmente traumatizados desse triste episódio.

Não escrevo, porém, esta coluna para falar mal de um


casal de idosos desastradamente entediado, mas sim
para lançar algumas dúvidas sobre o que se 27
convencionou chamar de moral sexual.

Como bem observou Jean-Claude Guillebaud em seu "A


Tirania do Prazer", nossa época vive uma verdadeira
histeria da pedofilia. Para Guillebaud, o recrudescimento
de uma moral sexualmente mais repressora desponta
como reação até certo ponto esperada ao discurso
irrazoavelmente libertário dos anos 60.

Depois de "O prazer sem limites"; "É proibido proibir";


"Quanto mais faço amor, mais tenho vontade de fazer a
revolução" e outras palavras de ordem do mesmo
calibre, depois de Wilhelm Reich e seu Cristo que liberta
pelo sexo, era natural que as vozes antes caladas da
"maioria moral" e dos "valores familiares" ressurgissem.
Isso, ao lado do discurso de proteção à infância, resultou
na presente era "pedofilofobia", da qual nosso italiano
parece ser uma vítima.

Não é a única. Para ilustrar seu ponto, o autor reuniu


algumas estatísticas judiciais francesas: de 1984 a 1993
--o livro é dos anos 90--, o número de condenações por
estupro (sobretudo o de menores) havia aumentado 82%;
já os atentados ao pudor cometidos por pessoas em
posição de autoridade triplicaram; estupros dentro da
própria família subiram 70%.

Parece bastante improvável que, no espaço de apenas


uma década, a França (e poderíamos tranquilamente
escrever o Ocidente aqui, pois a situação é mais ou
menos a mesma em diversos países) tenha se tornado
uma sociedade de pedófilos incestuosos. Uma
explicação mais verossímil é a de que nossas
sensibilidades se tornaram mais aguçadas para o
problema.

Talvez aguçadas demais. Como observaram dois


estatísticos do Ministério da Justiça francês citados por
Guillebaud: "Este importante aumento não significa,
necessariamente, que os atos cometidos se tenham
multiplicado. O aumento reflete, ao menos em parte, o
recrudescimento da repressão, tornado possível pela 28
evolução geral das sensibilidades e dos
comportamentos". (Para o Brasil, poderíamos lembrar o
caso da Escola Base, de triste memória para o
jornalismo).

Nesse meio tempo, é claro, as penas foram sendo


agravadas, pois, a cada novo caso de repercussão
nacional, os deputados reformavam a lei para
acrescentar-lhes alguns anos de cadeia. E a coisa
também vazou para o Direito civil: na tentativa de ficar
com a guarda de filhos e o melhor quinhão nos casos de
divórcio, pais passaram sistematicamente a acusar o ex-
companheiro(a) de incesto.

A situação se tornou a tal ponto esdrúxula, que


magistrados franceses vieram a público para denunciar a
caça às bruxas. O juiz e escritor Denis Salas comentou
numa edição de 1996 da revista "Esprit": "Está
acontecendo uma espantosa reversão do tempo. Ao
tempo imóvel e silencioso do incesto sucede-se uma
desabalada mecânica penal. Deslocamentos
intempestivos da criança e encarceramento do pai
reproduzem espetacularmente uma violência do Estado
diante da violência do indiferentismo".

Eu me pergunto se seria viável publicar hoje um romance


como "Lolita", de Vladimir Nabokov, em que o autor
conta a história de paixão e sexo entre um padrasto e
sua enteada de 12 anos. Não que "Lolita" tenha sido
recebido sem problemas quando de sua aparição, em
1955. Mas, num tempo em que a censura a obras
literárias ainda era bastante comum, ele conseguiu
chegar às livrarias da Europa e dos EUA. Receio que,
atualmente, embora a liberdade de expressão seja uma
garantia constitucional na maioria dos países ocidentais,
uma obra como "Lolita", apesar de sua indiscutível
qualidade literária, teria dificuldades para encontrar uma
grande editora disposta a lançá-la.

Cuidado, nem Guillebaud nem eu estamos sugerindo que


não existam pedófilos de verdade que precisam ser
detidos ou que crimes sexuais contra a infância são uma 29
brincadeira de criança. É preciso que os delitos reais
sejam apurados e punidos. É igualmente importante que
casos enterrados no passado, frequentemente
acobertados por instituições religiosas e congêneres,
ganhem a luz do dia.

O meu receio é que estejamos delegando coisas demais


à Justiça. Como já escrevi neste espaço, a melhor
receita para produzir o pior dos mundos é aplicar com
máximo zelo todas as leis vigentes.

Qualquer código penal do mundo traz dois tipos de


normas: as que são absurdas e inócuas e as que são
úteis e racionais, mas que, em várias situações,
precisam ser "esquecidas".

Exemplos típicos da primeira categoria são a lei do


Estado norte-americano de Minnesota que proíbe
homens de manter relações sexuais com peixes vivos e
as disposições do Distrito de Columbia (a cidade de
Washington) que vedam a casais todas as posições
sexuais que não a papai com mamãe. Mais exótico, um
dispositivo da cidade de Oblong, Illinois, prevê sanções
para o homem que praticar sexo no momento em que
caça ou pesca no dia de seu casamento.

No segundo grupo, o das regras às vezes úteis,


encontramos normas que têm uma racionalidade, mas
que não devem ser aplicadas de maneira draconiana, sob
pena de gerar grandes injustiças. É o caso dos artigos
280 e 281 do Código Penal brasileiro, que vedam
respectivamente o fornecimento de remédio em
desacordo com a receita médica e o exercício ilegal da
medicina. Na teoria eles fazem todo o sentido, mas
podem converter-se numa ameaça se aplicados por
exemplo contra alguém que ceda um anti-inflamatório a
um colega com dor de cabeça.

O novo crime de estupro --cujo tipo penal é muito


porcamente definido, pois "ato libidinoso" pode significar
qualquer coisa-- faz parte dessa segunda categoria.
Assim como nem toda aspirina passada sem receita 30
corresponde a um crime, nem tudo o que parece ato
libidinoso aos olhos de alguém é um ato que mereça
repressão. E o juiz nem sempre é a melhor pessoa para
decidir, pois apenas levar casos como o do italiano à
Justiça no ambiente de pedofilofobia atual já implica
grandes prejuízos. Depois que as engrenagens da polícia
e da Justiça são postas para funcionar, é difícil pará-las.

Esses casos, antes de ser judicializados, precisam ser


considerados no âmbito das relações sociais (do
"jeitinho", mas no bom sentido). As pessoas devem,
antes de mais nada, pensar duas vezes antes de meter o
bedelho na vida de quem nem conhecem. Existem, por
certo, circunstâncias em que a intromissão é necessária
para proteger menores em perigo real, mas ela precisa
estar cercada de cuidados para que não se converta em
acusações caluniosas e prejuízos para todos, inclusive o
menor que se queria proteger. Coisas como conversar
com a mãe ou tentar levantar discretamente
antecedentes poderiam ter feito diferença aqui.

Não podemos substituir o campo das relações sociais,


dos laços de pertinência analisados em seu devido
contexto, pelo juiz. Se fosse tão simples, poderíamos até
dar um passo a mais e dispensar os próprios
magistrados, que seriam tranquilamente substituídos por
programas de computadores.

Hélio Schwartsman, 44, é articulista da Folha.


Bacharel em filosofia, publicou "Aquilae Titicans -
O Segredo de Avicena - Uma Aventura no
Afeganistão" em 2001. Escreve para a Folha
Online às quintas.

E-mail: helio@folhasp.com.br

O renascimento de D-us

http://www.defjay.com/player_new/default.asp?bw=hi&pl=wma
31
DEFJAY.COM

http://www1.folha.uol.com.br/folha/pensata/helioschwartsman/ult510u343557.sht
ml

Sob o sugestivo título de "As Novas Guerras de Religião",


a revista britânica "The Economist" dedicou um número
da revista aos crescentes enfrentamentos inter-
religiosos. São várias reportagens recheadas de números
e informações. É leitura obrigatória para os que se
interessam pelo fenômeno. Como não dá para abordar
tudo, vou me restringir na coluna de hoje à questão do
"revival" religioso.

Aqui é necessário começar com uma espécie de


"erramos". Não, ainda não me converti. O "erramos" não
diz respeito a meu ateísmo, mas ao fato de que boa parte
da elite branca ocidental julgou ao longo dos últimos
150, 200 anos que a morte de Deus e o advento do
secularismo eram favas contadas. Estávamos
redondamente enganados.

De fins do século 18, com o Iluminismo, até bem


recentemente, parecia de fato crível que o mundo
caminhava para tornar-se menos religioso. Afinal,
Darwin, Marx, Freud e Einstein provaram duas ou três
coisinhas bastante interessantes. Mostraram que o
homem, um bicho como qualquer outro, não comanda a
história nem mesmo a psique humana. Pior, o próprio
Universo funciona sem Deus, que pôde enfim ser
reduzido a uma simples metáfora. Só que daí a concluir
que a humanidade estava pronta para a emancipação foi
um passo maior que a perna.

Tudo parecia seguir o "script". Grupos religiosos mais


proeminentes se retraíam. Nos EUA, evangélicos caíram
numa espécie de ostracismo após o fiasco da Lei Seca
(1920-33) e do julgamento de Johns Scopes (1925), no
qual as idéias criacionistas foram humilhadas e 32
judicialmente rechaçadas. Na Europa, as coisas
pareciam seguir o mesmo rumo. Ideologias fascistas e
comunistas rapidamente tomaram o lugar das religiões
tradicionais. Mesmo no Terceiro Mundo, igrejas pareciam
ceder terreno a líderes secularistas como Kemal Ataturk
(Turquia, anos 20), Jawaharlal Nehru (Índia, anos 50).
Também o islamismo dava indícios de que sucumbiria
diante do pan-arabismo de Gemal Abdel Nasser nos anos
60. Ao que consta, até o Estado judeu não era tão judeu
assim. A "Economist" sugere que David Ben Gurion, o
fundador de Israel, um secularista convicto, só
concordou que a lei rabínica fosse adotada para regular
casamentos e divórcios no país porque estava certo de
que os ortodoxos estavam com seus dias contados.

Em 1966, a bem-comportada revista "Time" estampou


em sua capa a pergunta "Deus está morto?". Em 1999, a
própria "Economist" publicou em sua edição do milênio o
obituário de Deus. Foi precipitada. A ex-secretária de
Estado dos EUA, Madeleine Albright recorda-se de uma
ocasião em 1990 em que um diplomata que negociava a
paz na Irlanda do Norte se queixou: "Quem vai acreditar
que, no fim do século 20, ainda estamos lidando com um
conflito religioso?".

Também nos anos 90, nós da imprensa relatamos o


conflito na antiga Iugoslávia como uma disputa étnica
entre sérvios, croatas e bósnios. Não está errado, mas
também é possível descrevê-lo como uma guerra entre
cristãos ortodoxos, católicos e muçulmanos. Tudo
depende de querermos enfatizar os componentes
políticos ou os religiosos da contenda.
Mas veio o 11 de Setembro e a idéia de um futuro secular
ruiu. Olhando retrospectivamente, é fácil encontrar
sinais de que as coisas não caminhavam exatamente
como nós pensávamos. Para sermos rigorosos, era o
avanço do laicismo especialmente na Europa (e nas
comunidades acadêmicas do Ocidente em geral) que se
afigurava como uma exceção à regra religiosa _uma
coisa de elite. Nos EUA, a freqüência da população a
cultos não chegou nem mesmo a experimentar uma 33
queda importante. No Terceiro Mundo, apesar das
iniciativas de um ou outro líder nacionalista, a religião
jamais esteve seriamente ameaçada. Às vezes nos
esquecemos da força da demografia. A China, apesar de
no papel comunista e atéia, será muito em breve a maior
nação cristã do planeta. E a maior muçulmana também,
sem mencionar, é claro, que sempre reuniu o maior
número de adeptos do confucionismo, taoísmo etc. Só
não será a maior nação hinduísta, e isso porque a Índia é
uma outra potência populacional.

O que mudou então, que nos fez passar da previsão de


um futuro sem religião para as novas guerras de
religião? Certamente não foi apenas a nossa percepção
após o 11 de Setembro.

A tese da "Economist" que eu acompanho é a de que são


as variedades mais virulentas de religião que estão
prosperando e ganhando adeptos. O catolicismo, por
exemplo, perde fiéis para grupos pentecostais que
praticam o exorcismo e fazem com que o praticante
receba ordens diretas de Deus, entre outras
manifestações psiquiátricas. Também vão muito bem no
mercado da fé os fundamentalistas muçulmanos que
atiram aviões em edifícios ou que se explodem diante de
creches no Iraque. Para o bom e verdadeiro muçulmano
sunita da escola wahabita, afinal, uma criança
muçulmana xiita está em imperdoável erro teológico e
não pode ser salva. Melhor que morra de uma vez
abrindo as portas do paraíso a seu executor. O problema
é o islamismo que é violento? Talvez o Alcorão instile
mais pensamentos mórbidos em seus seguidores do que
outras fés, mas o fato é que qualquer religião ou sistema
de crenças dogmáticas (aí incluo marxismo, fascismo
nazismo etc.) pode levar a sandices semelhantes. Afinal,
foram os adoráveis Tigres Tâmeis, que praticam o
pacífico hinduísmo, que inventaram a tecnologia dos
homens-bomba, rapidamente exportada para outras
partes do mundo.

Parece estar operando aqui algum mecanismo de


"feedback positivo". Uma série de reações e contra- 34
reações entre grupos que interagem deflagrou uma
espécie de corrida armamentista. Israel, por exemplo,
para combater a OLP de Iasser Arafat, estimulou jovens
palestinos a freqüentarem as mesquitas. Estava
ajudando a criar o Hamas. De modo análogo, a resposta
dos EUA ao 11 de Setembro, a invasão do Afeganistão e
do Iraque, está levando a uma maior radicalização dos
núcleos fundamentalistas islâmicos, que ganharam ainda
campos de treinamento onde aperfeiçoam suas técnicas
assassinas. O terror islâmico também tornou mais hostis
e violentas as milícias hinduístas na Caxemira. No
Paquistão, o general Pervez Musharraf acaba de dar um
golpe de Estado, com o apoio dos EUA, para não ser
derrubado por grupos muçulmanos que o recriminam
justamente por receber apoio dos EUA. É difícil dizer
onde termina esse tipo de movimento.

A receita para combatê-lo, entretanto, é conhecida e


permanece a mesma desde o século 18: Estado laico e
democracia. Praticar uma religião é perfeitamente
legítimo. Trata-se, afinal, de atividade que pode
proporcionar prazer a seus adeptos e oferecer-lhes
oportunidade de reforçar vínculos sociais. É como
pertencer a um círculo literário, fazer esporte ou
freqüentar sites pornográficos --cada um sabe o que é
melhor para si. Embora sempre vá existir uma certa
tensão entre crenças religiosas distintas, as diferenças
podem ser mantidas em níveis civilizados, desde que
todos os grupos renunciem a impor sua verdade aos demais.

É claro que não o tão é fácil, pois o eleitor religioso


tende a levar suas convicções espirituais para a urna o
que, dependendo do perfil demográfico do país, pode
fazer com que uma maioria religiosa se aproprie do
Estado quebrando a frágil trégua. Daí a importância de
inscrever o laicismo como uma garantia fundamental, ao
lado dos direitos universais do homem.

Embora difícil, a tarefa não é impossível, dado que todas


as religiões são minoritárias em alguma parte do globo.

Quanto ao ser humano, num ponto ele de fato difere dos 35


outros animais. Insiste em prestar reverência a uma
hipótese implausível, que se provou desnecessária e,
nos dias de hoje, tem-se mostrado mais destrutiva do
que agregadora.

CARTOONS HODIERNOS- Michael Jackson tinha uma lista negra - Pastor diz
que "inspiração" o motivou a sequestrar avião no México - Enquadrando D-us
http://www.drpepper.com.br/tirinhas/0589.gif

Um Paranormal e um Rabino estavam no rol de inimigos


pessoais de Michael Jackson, afirmou nesta sexta-feira
o tabloide britânico The Sun. Eles atendem pelos nomes
de Uri Geller e Schmuley Boteach, e constam de uma
lista negra elaborada a pedido do próprio cantor, diz o
jornal.

Tanto Geller, entortador de colheres, como Schmuley já


foram amigos íntimos de Michael. As relações entre o
cantor e o paranormal, no entanto, ficaram abaladas em
2002. Naquele ano, Geller apresentou Michael a Martin
Bashir, que viria a produzir um polêmico documentário
sobre o rei do pop.

Quem falou da existência da lista foi o ex-empresário do


astro, Dieter Wiesner. "Às vezes Michael era um pouco
paranóico", disse Wiesner ao programa Entertainment
Tonight, segundo o jornal. "Eu lhe perguntava, 'Michael,
o que você está fazendo?' Ele dizia, 'Essas pessoas
estão atrás de mim e querem destruir a minha vida'."
A relação de nomes, que deveria ser entregue aos
principais sócios do astro, também incluía o promotor
Tom Sneddon, responsável pelas acusações de abuso de
crianças contra Michael, e o magnata Tommy Mottola,

ex-marido da cantora Mariah Carey, envolvido em uma


discussão em torno de um acordo de gravadora.

Folha Online:
36
Um boliviano identificado como José Mar Flores Pereira
é o único acusado pela polícia do México de sequestrar o
voo 576 da empresa Aeroméxico, naquele país, nesta
quarta-feira. Isso porque, segundo o secretário da
Segurança Pública, Genaro García Luna, o boliviano
disse ter agido devido a uma "inspiração divina", sozinho
e sem bomba alguma.

Conforme o secretário, às autoridades, Pereira, de 44


anos, afirmou ter tido "uma revelação de que o México
estava diante de um perigo, de um terremoto". Essa
"revelação", segundo o testemunho de Pereira à polícia,
teria ocorrido hoje por ser 9 de setembro de 2009 (9/9/9),
já que, "se esses números são colocados de ponta-
cabeça, fica 666", que é o número da besta.

O avião voava de Cancún com destino à Cidade do


México quando, ainda conforme García Luna, o pastor
disse a uma aeromoça que estava acompanhado de
outras duas pessoas e que detonaria uma bomba a
bordo, a menos que conseguisse falar com o presidente
Felipe Calderón. Em seu depoimento, ainda segundo a
versão da polícia, ele teria dito que os seus comparsas
eram "Deus e o Espírito Santo" e que não havia bomba
alguma.

Na chegada ao aeroporto, Pereira chegou a reivindicar


que o piloto sobrevoasse o aeroporto de Cidade do
México sete vezes antes de pousar, mas teve o pedido
negado por limitação de combustível. Mais cedo, o
Ministério de Transportes do país já havia anunciado
que, durante o sequestro, ninguém havia entrado na
cabine de controle nem representado real ameaça à
segurança de voo. Entre os passageiros havia um
deputado mexicano e estrangeiros.

Diante dos jornalistas mexicanos, Pereira afirmou que


queria chamar atenção "para que nos unamos sem
diferenciação, sem religião, para clamar pelo México".
Usando jeans e botas de vaqueiro, ele confirmou que
queria dizer a Calderón "que Deus nos fala nestes
tempos e que ele fale no Zócalo [praça central] que, 37
quando o homem disser 'bendito seja Jeová', o povo de
Deus responderá 'bendito seja Jeová'."

García Luna afirmou aos meios de comunicação


mexicanos que o boliviano já esteve detido, em Santa
Cruz de la Sierra (Bolívia), vive no México há 17 anos e é
"viciado em álcool e em drogas". O secretário não soube
informar por quais crimes Pereira poderá ser
processado.

De acordo com a agência de notícias Efe, Pereira tem um


site na internet pelo qual vende CDs e diz ser um
"evangelista internacional, com testemunho impactante
de como Deus o salvou da cocaína e do álcool".

Durante entrevista aos meios de comunicação


mexicanos, o secretário explicou que as outras cinco
pessoas presas ao lado do pastor não têm ligação com o
caso e que foram detidas, logo que a polícia invadiu a
aeronave, para assegurar que suspeitos não escapariam
entre reféns.

Enquadrando Deus

Não, nunca fui submetido a abusos por parte de padres nem tive namorada que me
trocou pelos Hare Krishna. Nasci e fui criado sem nenhuma religião --a qual nunca
me fez falta. Embora eu tenha ascendência judaica --o que me torna um quase
paradoxal caso de judeu ateu--, jamais ter frequentado a sinagoga não fez de mim
um assassino ou estuprador.

As relações que travei com gente religiosa no curso da vida foram no geral muito
boas.
Tenho grande estima por muitas dessas pessoas.

Espero, com essas declarações, descartar as elucubrações daqueles leitores que


atribuíram o caráter levemente ateu de minha coluna da semana passada a um
trauma religioso ou algo parecido. Aproveito o ensejo para desculpar-me por não ter
respondido a todos os e-mails que recebi, como exigiria a boa educação. O volume
de mensagens gerado, entretanto, tornava a tarefa quase impossível. Pretendo hoje,
no atacado, fazer o que não consegui no varejo.
38
Antes, porém, mais uma preliminar: não pretendi ofender ninguém com as passagens
mais jocosas do texto anterior. Pessoas, de todos os credos e cores, têm o meu
respeito, mas só as pessoas, não seus pensamentos. Uma ideia tola é tola não importa
quem a tenha proferido. Num passado não tão longínquo, a noção de que pecadores
deveriam ser queimados vivos para "salvar" suas "almas imortais" pareceu
respeitável a boa parte da humanidade. Felizmente, a tese foi contestada e as acções
que provocou são hoje contadas como mais um crime das religiões. Temos, portanto,
excelentes motivos para questionar todas as teorias, doutrinas e sistemas que se nos
apresentam. Nenhum ideia é sagrada demais para ficar ao abrigo do escrutínio da
razão.

E isso nos leva a uma das questões levantadas pelo leitorado: é impossível provar que
Deus não existe, de modo que o ateísmo não passa, como as religiões, de uma
crença.

Reconheço que não conseguimos demonstrar para além de qualquer dúvida seja a
existência ou a inexistência de um ente supremo. Mas podemos levar a sérios as teses
dos teólogos e, tomando-as como hipóteses científicas, estimar sua probabilidade ou
pelo menos verossimilhança.

Bem, quais são as chances de uma pessoa nascer sem que sua mãe tenha mantido
relações sexuais? Não são zero, mas são relativamente baixas. Ressurreição? Ainda
menores. E quanto à união hipostática, isto é, um indivíduo ter ao mesmo tempo
natureza humana e divina, ou, colocando em outros termos, ser simultaneamente ele
mesmo e também seu pai? Supondo que isso faça algum sentido, acho que é melhor
nem tentar calcular.

Passemos à escatologia. O catecismo 1.052 da Igreja Católica ensina que no dia da


ressurreição as almas das pessoas mortas "na Graça de Cristo" serão novamente
unidas
a seus corpos. Não sou um patologista, mas parecem-me remotas as chances de
reutilizar corpos mortos às vezes milhares de anos atrás. Pelo que sabemos, os
átomos que compunham essas carcaças já terão se espalhado pela Terra e talvez até
escapado de nossa atmosfera e viajado por onde nenhum homem jamais esteve. E o
que pensar da reencarnação defendida por espíritas, hinduístas e budistas? Uma
parte de nós (alma) que nem sequer é parte, porque não tem matéria, voa por aí
penetrando corpos e definindo a essência de seres humanos e às vezes também de
outros animais e vegetais antes mesmo de eles nascerem? Que tipo de informação
pode o imaterial carregar?

Receio que nenhuma dessas ideias pare em pé senão como manifestações do tal 39
cérebro espiritual ao qual aludi na semana passada.

Alguns leitores me perguntaram por que sempre falo de religião. Já que não creio
em Deus, dizem, eu deveria calar sobre o assunto. Minhas reiteradas recaídas no
tema indicariam uma vontade secreta de converter-me. "Non sequitur". Meu
interesse pela matéria tem caráter sobretudo científico-antropológico. A religião é
um fenómeno interessantíssimo. É a única matriz de pensamentos que leva pessoas
inteligentes e normalmente racionais a agir como crianças à espera de Papai Noel na
noite de 24 de dezembro. E acrescento que as chances de haver um velhote que se
veste de vermelho e distribui presentes a bordo de um trenó puxado por renas
voadoras parecem significativamente maiores do que as de existir uma inteligência
infinita que criou o Universo e se interessa pelo destino individual de cada um dos 7
bilhões de terrestres, aos quais conhece desde criancinhas e de quem exige que não
trabalhem aos sábados.

De minha parte, não tenho a pretensão nem o desejo de convencer ninguém a


abandonar o seio de sua religião. Imagino que muitos estejam perfeitamente felizes
onde estão.

Tampouco considero todos os fiéis imbecis apenas por acreditarem. Podem até sê-lo,
mas por outras razões. Ao que tudo indica, a fé religiosa tem base neurológica. Ela
faria parte de uma rede de ativações neuronais que é independente das conexões do
cérebro racional. Pedir para a alguém que abandone suas convicções religiosas ou
espirituais não faria muito sentido. "Mutatis mutandis", seria como cobrar de uma
pessoa que não sinta emoções como raiva, nojo etc. É algo que não está em seu
poder fazer.

Poder-se-ia ver aí mais um argumento para eu desistir de vez de falar de religião.


Ocorre que os cérebros racional e espiritual, embora independentes, podem
relacionar-se. Eles, afinal, fazem parte da mesma massa encefálica. A razão por si só
não vai me fazer parar de sentir medo, mas pode perfeitamente contribuir para
modular esse tipo de sensação.
Não vamos deixar de temer tudo, mas, com o recurso a terapias de extinção de fobia
ou mesmo a drogas, podemos nos livrar de certos medos irracionais.

De modo análogo, o exame crítico das religiões pode servir para que as pessoas
percebam que sua espiritualidade é algo mais genérico do que os rituais e
condicionamentos de uma determinada igreja. Embora a busca pela transcendência
esteja se expressando numa religião em particular, as especificidades deste ou
daquele credo não são tão importantes. Pode parecer meio bobo até, mas é um
ponto fundamental para que se construa uma religiosidade mais tolerante. 40

Não devemos, é claro, nutrir ilusões. Homens sempre se mataram e provavelmente


sempre se matarão. Se não for pelo Deus para o qual se reza, será pela cor da pele,
pelas ideias políticas ou sabe-se lá o quê. Mas mesmo essa tendência irrefreável à
barbárie pode ser modulada pela razão. A humanidade é hoje menos violenta do que
foi no passado. Quanto menos pretextos tivermos para assassinar o próximo, melhor.

Hélio Schwartsman, 44, é articulista da Folha. Bacharel em filosofia,


publicou "Aquilae Titicans - O Segredo de Avicena - Uma Aventura no
Afeganistão" em 2001. Escreve para a Folha Online às quintas.
E-mail: helio@folhasp.com.br

Aspas
SAC DIVINO • Serviço de Atendimento ao Consumidor por parte do Criador:

SAC DIVINO • Serviço de Atendimento ao Consumidor do Criador:

José ainda não entendeu que Eu ter fecundado Maria é a chamada lacuna da lei
sobre o mandamento de "não cobiçar a mulher do próximo" .

DEUS FALA

http://twitter.com/OCriador

AVISO:
Virgens, se nunca receberam a visita do um tal de Arcanjo Gabriel, há uma razão
para eu ter lhes dado um clítoris.
Se Eu não quisesse que vocês comessem animais, não teria feito eles de carne.
Se é possível emagrecer sem malhar? Claro que sim! Você prefere o cancro ou a sida?

You might also like