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Universidade Federal de Santa Catarina

Adriano Maraucci Réa

“O universo das tendências”:


Concepções de musicalidade e identidade na Música
Instrumental de Florianópolis: Uma contribuição à
Etnomusicologia brasileira

Monografia apresentada como


requisito parcial para a obtenção do
título de Bacharel do curso de
Ciências Sociais, aprovada em
banca composta por:

Orientador: Prof.Dr.Rafael José de Menezes Bastos – UFSC

Prof.Dr.Acácio Tadeu de Camargo Piedade – UDESC

Mestre Luis Fernando Hering Coelho – UFSC

Florianópolis, 2009.

1
SUMÁRIO

AGRADECIMENTOS................................................................................................ 3

1 INTRODUÇÃO....................................................................................................... 5

1.1 PENSANDO EM MÚSICA: MUSICOLOGIA E ETNOMUSICOLOGIA........ 11

1.2 MÚSICA POPULAR E IDENTIDADE NACIONAL........................................ 1


8

1.3 Ritornello – APANHADO HISTÓRICO DA MI................................................ 2


1

2 NO CAMPO............................................................................................................ 2
6

3 CONSIDERAÇÕES FINAIS.................................................................................. 4
1

4 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS.................................................................... 4
5

2
AGRADECIMENTOS

Mesmo sendo o trabalho de conclusão de curso solitário em sua maior parte,


muitas pessoas participaram dele direta e indiretamente, cada qual à sua maneira. Por
isso, vale a pena aqui lembrá-las e agradecê-las pelas contribuições indispensáveis:
Muito agradeço primeiramente aos meus pais Rosa Maria e José Réa por me
darem todo o apoio e as melhores condições desde o início da minha educação formal e
musical, e pelo gosto pela música que certamente me guiou em direção ao que sou hoje.
Aos meus avós Zé Réa (pelas audições na “sala branca” com muito vinho e
Long Plays que me ensinaram tanto de música - por “osmose auditiva” - desde a
infância sem eu saber e a “bolete” Vó Dri, pelo amor incondicional dado a este neto
sempre tão distante espacialmente.
Os espirituais Vô Nilson (“Gabiroba”), trompista grande fã de Glenn Miller e
sua esposa Vó Elza - aquilo sim é que era avó.
À Cris, minha segunda mãe, que me deu meus tão amados irmãos Marcela e
Pedrinho que sempre renovam minhas energias em nossos encontros.
À minha noiva Joanna, também apreciadora da música e antropóloga, pelos
conselhos, conversas e pelo seu amor e alegria com os quais pretendo conviver por
muito tempo ainda.
Aos meus alunos de música, com quem converso constantemente mesmo com o
pouco tempo que temos disponível para nos encontrarmos.
Aos meus amigos Douglinhas, Dráuzio, Brian, Malta e Muringa pela amizade
incondicional.
Ao meu orientador Rafael José de Menezes Bastos, pela paciência e pelo
incentivo que me dá com o transbordante amor pelo que faz.
Ao meu outro orientador, Acácio Piedade, pelos conhecimentos compartilhados
no tempo em que trabalhamos juntos na universidade de música, e à sua esposa Mig (in
memoriam), que também me ensinou muito em diálogos dentro e fora de aula através de
suas abordagens sempre perspicazes e críticas da música, algo raro entre musicistas.

3
Aos professores e professoras de música desde o ensino médio, passando pelo
Espaço Musical, ULM (Universidade Livre de Música Tom Jobim) e UDESC que
participaram da minha trajetória, em especial o grande músico Ricardo Breim.

Ao recente colega Luis Fernando Hering Coelho, por participar das bancas de
qualificação e de defesa, além das dicas e sugestões sempre valiosas.
Ao professor e grande músico Roberto Sion e os professores violonistas Ulisses
Rocha e Fernando Menezes.
Aos docentes de Antropologia da UFSC.
À minha professora de História do Brasil Eliane, do Colégio Equipe, que me
apresentou à Antropologia.
Enfim, é uma cadeia enorme de pessoas, e, se houve algum esquecimento, é
porque não é possível contemplar o incontável.

4
1 INTRODUÇÃO

Este trabalho pretende mostrar como se articulam as concepções musicais dos


praticantes da música popular instrumental brasileira1 na cidade de Florianópolis.
Entendo por concepção musical “a forma de se pensar e de se fazer arte e música”
(JACQUES, 2007, p. 8). Através de minha pesquisa de campo, pude perceber que as
diferentes concepções musicais expressam distinções, restrições e classificações que
apontam para valores identitários, e, consequentemente, revelam musicalidades2 e
visões de mundo. Analisando de maneira interpretativa algumas categorias nativas
recorrentes coletadas através de entrevistas e baseado em pequenas incursões
etnográficas, busquei mostrar como elas servem de referência para a prática deste tipo
de música e como elas se colocam através da experiência dos sujeitos como um valor
distintivo dentro de um campo da MI.
Pensar em campo é supor um espaço físico-intelectual de relações de poder que
pressupõe concorrência e acumulação de capital. Bourdieu expõe a idéia de campo
quando analisa as relações do campo científico (BOURDIEU, 1976). Neste trabalho, o
autor demonstra que as práticas no campo científico estão sempre carregadas de
interesses, e direcionadas “para a aquisição de autoridade científica” via acumulação de
capital (científico), advindas de estratégias anteriormente programadas que visam, em
últimos termos, o reconhecimento no campo, ou seja, de seus pares-concorrentes.No
campo da MI em Florianópolis, as diferentes concepções musicais dialogam e marcam
distinções ao mesmo tempo em que constroem a identidade dos sujeitos. Alguns
músicos se apóiam em alguns gêneros musicais e musicalidades em detrimento de
outros, ou seja, eles são escolhidos, o que marca posições no campo. Vale pensar que o
próprio macro – campo dos gêneros musicais no Brasil já se caracteriza num espaço de
disputa e de representação de suas matrizes sociais.
1
No presente trabalho, este gênero musical – também referido como Brazilian Jazz (Jazz Brasileiro) -
será abreviado como MI.
2
“... memória musical-cultural que os nativos compartilham. Musicalidade seria, assim, um conjunto de
elementos musicais e simbólicos, profundamente imbricados, que dirige tanto a atuação quanto a audição
musical de uma comunidade de pessoas... enfim, algo como uma língua comum” (PIEDADE, 2005).

5
Para que se tenha influência no campo, é necessário ser reconhecido como
pertencente a este, e, por sua vez, cada integrante é um possível concorrente por deter
também a possibilidade de obter capital necessário para disputar uma posição dentro
deste campo.
Esta concorrência é sempre engendrada em um nível interno (com regras
específicas), e em outro externo, imerso nas respectivas condições sociais; portanto,
num plano de luta político-ideológica. Os músicos ao mesmo tempo em que marcam
suas posições validam-nas via suas parâmetros pessoais e suas construções identitárias.
Desta forma, Bourdieu supõe uma luta por legitimidade, autoridade e autonomia,
engendrada pela maximização da acumulação de capital (específico do campo), na
direção da satisfação de interesses e da obtenção do reconhecimento desejado. Articular
este conceito para analisar as relações entre os indivíduos inseridos no campo da MI
ajuda a demonstrar como se dá a apropriação deste capital específico, que, em última
instância, dará autoridade ao indivíduo considerado competente e o destacará entre seus
pares concorrentes.
Para tanto, os indivíduos inseridos no campo apropriam-se de suas estruturas
objetivas adquirindo o habitus, que são modos sistemáticos de ser e agir advindos do
diálogo entre a estrutura social e suas experiências pessoais, levando-os a se comportar
de acordo com “sistemas de disposições duráveis”, ou seja, o “como ser e fazer”.
No que diz respeito à prática musical, os participantes estão submetidos à
interiorização de estruturas significativo-retóricas assimiladas - em parte - das estruturas
sociais, e noutra, através do diálogo entre os próprios sujeitos do campo com eventos
ocorridos ao longo de suas vidas. Portanto, apesar do habitus revelar um
posicionamento individual, ele se constrói através do movimento de socialização. São
modos sistemáticos de ações, esquemas básicos de compreensão, que vão sendo
compartilhados e se tornam os parâmetros de identificação entre os sujeitos do campo.
Segundo Bourdieu, o habitus é estruturante (gerador de práticas e esquemas de
percepção) e estruturado (pelas condições sociais).
Como já foi dito, esses esquemas compartilhados embora expressem
generalidades grupais, passam inevitavelmente pela “construção do brasileiro” para
cada individuo ou grupo inserido no campo. Portanto, quando penso sobre as
concepções e musicalidades brasileiras, aponto também para os gêneros musicais que
foram legitimados pela própria historiografia brasileira como representantes legítimos

6
da nacionalidade e ao mesmo tempo, como representantes de “localidades musicais3”.
Sob esta ótica, é possível pensar também o que é musicalmente descartado e o que é
apropriado na busca da legitimação das maneiras de se articular a MI.
Procuro pensar na MI como um gênero musical tipo guarda-chuva, na medida
em que ele articula diversos gêneros musicais em sua expressão, como o choro4 , o
jazz5, o frevo6 entre outros. Porém, durante as interlocuções, pude perceber que alguns
destes gêneros musicais articulados têm supremacia diante de outros, e este fato será
explorado adiante.
O conceito de gêneros musicais proposto por Menezes Bastos7 (1998) -
inspirado em Bakhtin (2000) – propõe que os gêneros discursivos (aqui musicais)
revelam-se sempre dentro de um cenário de relações, ou seja, não são isolados, mas
relacionais. Estes então se caracterizam basicamente por possuírem certa estabilidade
temática, estilística e composicional, regendo o gênero musical de forma com que seja
reconhecido como tal quando é colocado em prática.

Menezes Bastos (1998) aponta para a natureza dialógica das relações musicais
entendendo-as como “as relações sócio-culturais canalizadas através da música” (p. 12),
sendo assim, os sistemas musicais estão sempre dialogando e se atualizando de maneira
resignificadora. Ainda seguindo Menezes Bastos (2005), “os gêneros musicais são redes
globais de circulação de informação apropriadas pelos sujeitos, recebendo diferentes
significações locais”. A partir destes conceitos, penso que os gêneros musicais circulam
e se resignificam dentro do país imbricados num campo de disputa por

3
Parto do pressuposto de que existem diversos “sotaques” musicais, e que estes são correlativos a gêneros
musicais que se constituíram representantes de localidades (regiões, fronteiras).
4
Gênero musical instrumental surgido no Rio de Janeiro por volta de 1880, de caráter plangente e
choroso e instrumentado inicialmente pelo “trio de pau-e-corda”(flauta, violão e
cavaquinho).(MARCONDES, 1998).
5
Gênero musical de origem norte-americana que abarca vários subgêneros. Sempre que a menção
ocorrer, entenda-se por bebop jazz, que por sua vez, se caracteriza pela improvisação em defasagem de
tempo entre banda e solista, pela normatização das frases de improvisação e suas escolhas de notas tensas,
(ornamentos) além do uso de falsas modulações previstas nesta estética – outsides (PIEDADE, 1997).
6
Gênero musical pernambucano de começo puramente orquestral, destinado a animar a improvisação dos
passos por parte dos dançarinos, que na realidade — segundo observa o maestro Guerra Peixe — dançam
a orquestração, pois “cada volteio de um instrumento é acompanhado por um passo ou uma firula do
passista” (MARCONDES, 1998).
7
“... estou convencido da aplicabilidade deste princípio ao estudo de toda e qualquer música popular
nacional, no contexto evidentemente inter-nacional das relações entre os Estados-nações modernos.Esta
somente pode ser bem compreendida dentro de uma moldura cujos nexos simultaneamente tenham
pertinência local, regional, nacional e global, e que aborde as músicas erudita, tradicional e popular como
universos, não, isolados mas comunicantes” (MENEZES BASTOS, 2007:7).Vários autores recorreram a
Bakhtin para pensar o conceito de gênero musical, dentre eles e inauguralmente Piedade (1997),
Menezes Bastos (1998) e Oliveira (2004).

7
representatividade. Num espectro mais específico, dentro do campo da MI somente
alguns destes gêneros musicais são candidatos a “musicalidades absorvíveis8”
(PIEDADE, 2004).

Pensar nessas fronteiras musicais móveis (ou dinâmicas) é sem dúvida mais
proveitoso do ponto de vista etnomusicológico, concebendo os gêneros musicais como
fluxos de informação cultural integralmente representantes de suas “matrizes sociais”,
que “se tocam”, dialogando e se resignificando, e ainda, paradoxalmente, expressando
suas peculiaridades. Assim, é válido pensar que, através da circulação das músicas, suas
matrizes sociais e respectivas identidades também dialogam, realocando constantemente
seus posicionamentos dentro da construção do cenário da brasilidade.

No primeiro capítulo, procuro apresentar um panorama histórico-interpretativo


do pensamento musical9 e do processo de construção da MI, relacionando-os com
conceitos de música popular e como esta transpassa e constrói a identidade brasileira.

No segundo capítulo parto para as análises das categorias nativas e tento trazê-
las para o campo conceitual do observador, relacionando os discursos nativos10 com os
argumentos descritos no primeiro capítulo. Desconstruindo algumas das representações
dos sujeitos inseridos no campo da MI em Florianópolis, argumento analiticamente para
onde apontam os discursos que reiteram as concepções nativas e como através delas (ou
ao mesmo tempo) é possível construir uma ponte com as musicalidades, as identidades,
as escolhas e as disputas em jogo. Além disso, procurei mostrar as dificuldades das
minhas reflexões em campo ao desnaturalizar algumas impressões, pois, sendo também
um nativo (ou um sujeito pertencente ao campo por mim investigado), ocorreram-me
situações curiosas que às vezes ajudaram, mas muitas vezes atrapalharam a
interpretação antropológica.
Foram feitas entrevistas semi-estruturadas com músicos em situação de show e
fora dela 11, bem como me preocupei em captar as impressões do público que - de forma

8
Esta idéia de “musicalidades absorvíveis” será desenvolvida mais adiante.
9
O que busco trazer aqui é uma breve apresentação do pensamento musical científico no Ocidente.
10
Sujeitos do trabalho, como são chamados mais comumente em Antropologia.
11
Aqui gostaria de salientar que não entendo o momento onde os músicos não estão trabalhando (se
apresentando) como uma posição mais confortável tanto para mim como para os entrevistados no
momento da interlocução. Mesmo em ambientes onde não há a interferência direta (concreta) do
ambiente de trabalho (com muitas pessoas e/ou pares concorrentes presentes), concordando com Briggs
(1986) entendo que as entrevistas são eventos metacomunicativos e sempre consideram a influência dos
contextos sejam quais forem, e, portanto, os significados estão constantemente sendo (re) negociados e
(re) construídos nesta interação.

8
diferente é verdade - também pode ser tomado como nativo, pois partilha significados
com os músicos.
De início, estava claro para meus entrevistados que eu era também músico, o que
os “liberou” a falar em termos “técnico” - musicais (harmonias, gestos rítmicos ,
leituras de trechos melódicos...) e, embora eu tenha me policiado a não entrar numa
discussão analítico-musicológica(ou de uma musicologia sistemática), esse fato me
possibilitou representar aqui em forma de palavras algumas “impressões sonoras”.
Por questões éticas, optei por não citar os nomes dos entrevistados (tanto
músicos como ouvintes), pois alguns dos discursos são conflitantes e a publicação
destes poderia gerar desconfortos desnecessários, muito embora reais e presentes.
Como músico, venho querendo abordar algumas destas questões anteriormente
ao ingresso no curso de Ciências Sociais, sobretudo pela dificuldade - acreditem! - de se
falar de música com meus colegas de profissão. A conversa entre os músicos é quase
sempre permeada de aspectos retórico-musicais e restritas na maior parte das vezes aos
elementos da música e a performance. O viés antropológico me foi apresentado (claro,
de forma iniciática) ainda no segundo grau e eu sentia que esse dois universos (Música e
Antropologia) se mereciam. Pelo menos pra mim fazia muito sentido.
Depois de ler “O som e o sentido” (WISNIK, 1989) durante uma aula de
percepção musical na ULM12 (onde eu estudava violão popular à época), entrei em
contato pela primeira vez com uma abordagem diferente da música, onde o mundo era
incluído. Assim, fui guiado às Ciências Sociais sabendo que era ali onde se começava a
estudar Antropologia. Foi então que me mudei para Florianópolis para me “completar”
como músico através da disciplina.
Por coincidência (e uma sorte incrível, além de minhas pretensões), ao ingressar
na UFSC13 conheci o MUSA14 e o Prof. Rafael José de Menezes Bastos, com quem
conversei logo no primeiro mês de aula a fim de saber como participar do núcleo.
Acabei descobrindo que muita gente (e cada vez fui descobrindo mais gente!) já estava
concretizando o que eu idealizava.

12
Universidade Livre de Música Tom Jobim – Núcleo Eleazar de Carvalho, localizada no bairro do
Brooklin, em São Paulo.
13
Universidade Federal de Santa Catarina.
14
Núcleo de Estudos Arte, Cultura e Sociedade na América Latina e Caribe, coordenado pelo Prof.
Dr.Rafael José de Menezes Bastos. Para ver trabalhos desenvolvidos no MUSA, acessar
www.musa.ufsc.br.

9
Adiante, na universidade de música (UDESC15), conheci o Prof. Acácio Piedade
(de quem fui bolsista durante algum tempo), e vi meus objetivos se estreitarem ainda
mais, por ser este pioneiro na abordagem etnomusicológica da MI (de quem “roubei”
esta abreviação), me fazendo então enxergar uma possibilidade concreta de chegar ao
tema aqui estudado.
Este trabalho, portanto, é um esforço de confluir dois grandes rios da minha vida
- Música e Antropologia - na mesma direção e tentar dar minha contribuição acerca do
tema, compreendendo outras formas de ser e se relacionar, e, é claro, entendendo um
pouco mais de mim mesmo.

15
Universidade Estadual de Santa Catarina.

10
1.1 PENSANDO EM MÚSICA – MUSICOLOGIA E ETNOMUSICOLOGIA16

O termo Musicologia, originalmente como a designação de uma disciplina que


abrangia o conhecimento de todos os aspectos possíveis da música (acústica, harmonia,
estética, história, etc.) vem sofrendo desde o século XIX uma série de transformações. A
trajetória da disciplina tem relação profunda com o próprio desenvolvimento da música
ocidental e sua inter-relação baseada na prerrogativa da alteridade17. Pode-se notar,
contudo, que há um tipo de secundarização do olhar da musicologia para as músicas
“exóticas” (e posteriormente da música popular) o que estereotipou estes objetos de
estudo fadados à impregnação de ideologias que sustentam as dicotomias “arte
superior/inferior” e “erudito/popular” e que apontam, de um lado, para as idéias de
cultivo e erudição, e, de outro para a rudeza e a crueza (MENEZES BASTOS, 1996).
Na visão de muitos musicólogos, a Musicologia inicialmente era mais restrita
não só quanto ao seu objeto de estudo, mas também no que se refere a seus métodos.
Assim, a disciplina empregaria mais enfaticamente recursos de análise e teoria musical,
enquanto que seus “links” com outros continentes de conhecimento dariam conta dos
aspectos histórico, sócio-psicológicos e culturais. Talvez esta “cisão” seja reflexo do
espírito positivista que imperou na Musicologia nos séculos XIX e XX, onde “a
Musicologia é percebida como tratando do factual, do documental e do verificável”
(KERMAN, 1987:2).
Os esforços iniciais da ciência musical pensada em meados do século XIX
voltaram-se para a música ocidental do passado18, construindo estudos sobre o espírito
de época e a correta forma de execução de peças, estudos estes que de certa forma

16
“A Etnomusicologia, então, é uma ciência social ou uma humanidade? A resposta é que ela pertence
aos dois campos (Música e Antropologia); sua abordagem e seus objetivos são mais científicos que
humanísticos, enquanto que seu objeto (subject matter) é mais humanístico que científico” (MERRIAM,
1966: 25).
17
Aqui quero citar o reconhecimento do “outro” dentro da própria Europa da segunda metade do século
XIX. A “outrificação” das identidades européias (o não-eu) significava um tipo de axioma que muito
provavelmente não era desejado em pleno período de formação e sedimentação dos Estados-Nação
europeus. Ver Menezes Bastos (1995) para o papel da música na percepção do nós/outros no Ocidente.
18
Aqui, a chamada Musicologia Histórica, imbuída da tarefa de reconstrução da trajetória da música
ocidental européia, bem como sua alocação em status privilegiado (etnocentrismo). “Esta ordem
estabelecia que a música do passado deveria ser editada e executada rigorosamente
conforme o espírito de sua época e locus de sua criação”.(MENEZES BASTOS,
1995:41)

11
expressavam um viés etnográfico (MENEZES BASTOS, 1995). Em 1885, Guido Adler
sistematizou a nascente Musicologia em três tipos: histórica, comparada e sistemática.
Nascida já no plural, esta abordagem parece opor história/teoria tanto quanto música
ocidental/não-ocidental (inclua-se folclórica, “exótica” e popular). Estas rupturas
marcarão a trajetória acadêmica da disciplina.
Apesar de já se ter algum conhecimento de culturas diversas, é apenas em
meados do século XIX que grupos de cientistas alemães se unem para sistematizar
assuntos que deveriam ser abordados em expedições cientificas. Antes disso, quase
todas as anotações de que se dispunha eram de forma geral informações assistemáticas
(LÜHNING, 1991). Essas expedições científicas davam atenção especialmente às
diferenças raciais (morfológicas) entre os povos, como cor da pele, estatura, etc. Além
disso, ainda que de forma superficial, também foram estudadas questões de âmbito
social, como religião, rituais e artes, e, mesmo que a comissão de cientistas fosse
formada quase que exclusivamente por especialistas nas ciências exatas, foram
recolhidos alguns exemplos de cultura material, que foram guardados em museus de
Antropologia. É bom ressaltar que o pensamento social e científico desta época é
marcado pelo paradigma do evolucionismo19.
Com o surgimento do fonógrafo20 em 1887, a possibilidade da fixação do som e
sua reprodução tornaram-se possíveis. A partir de então, todas as expedições cientificas
passaram a levar fonógrafos consigo, para gravar músicas e línguas desconhecidas.
Estas gravações, consideradas inicialmente simples complemento das pesquisas, num
primeiro momento não mereceram grande atenção por parte dos pesquisadores, ficando
assim guardadas sem comentários ou descrições. Somente no inicio do século XX,
pesquisadores21 começaram a se interessar por estes documentos sonoros que continham
arquivos musicais bem diferentes do que se conhecia na Europa da época.
A partir deste interesse em mapear e compreender os sons gravados, esses
cientistas desenvolveram métodos de trabalho que são importantes até hoje, tendo como
carro - chefe a transcrição musical. Inicialmente, eram utilizadas nas transcrições a

19
Tendo origem após as considerações do biólogo inglês Charles Darwin (Origem das espécies, 1859), o
evolucionismo é uma corrente de pensamento onde o ponto de vista do pesquisador é “descolado” das
outras sociedades, como se ele estivesse numa posição privilegiada de análise. Tendo como grande
expoente Frazer, neste tipo de Antropologia as separações eram vias de mão única colocadas numa escala
linear de entendimento entre os povos (dominadores/dominados, ou ainda superiores/ inferiores),
comparando os fatos sociais entre as culturas e não privilegiando o contexto onde estes são produzidos
(DA MATTA, 1984).
20
Inventado por Thomas Edison.
21
Como Erich Von Hornbostel, Carl Stumpf e Curt Sachs.

12
escrita ocidental com símbolos adicionais, mas com a grande diferença de que a notação
resultante não tinha como função a execução, mas sim a descrição do som em função da
visualização da música gravada. Note-se que esses cientistas tentavam analisar a música
como se ela fosse apenas uma acumulação de elementos mensuráveis. Além disso,
estavam influenciados pela busca das origens e da “evolução” da música, convencidos
de ser a música ocidental o auge de toda arte musical global.
Dentro dessa Musicologia Comparada, essas foram algumas diretrizes da fase
em que se iniciam os interesses e estudos da música “extra-européia”. O nome da
disciplina explica-se justamente porque um de seus métodos principais é a comparação
dos diversos parâmetros constitutivos da música, como escalas, tonalidades, ritmos,
sempre em relação ao modelo ocidental, mas se aproximando de um relativismo
auditivo. Este primeiro momento dura até as décadas de 30 e 40 e pode ser resumido
como uma tentativa de compreender as músicas do mundo através das gravações
fonográficas e transcrições. É importante ressaltar que as análises dessas gravações não
eram feitas por quem esteve em contato direto com determinada cultura. Assim,
existiam outros aspectos tão importantes quanto a transcrição que pertenciam mais à
área da Antropologia e que somente pelas gravações não era possível abordar.
Em 1950, o termo Musicologia Comparada foi abandonado em prol de Etno-
Musicologia, cunhado por Jaap Kunst (KUNST, 1950), acompanhando a transferência
do centro de excelência de Berlim para os Estados Unidos, onde a disciplina se
consolidou. O hífen foi posteriormente abandonado, dando origem ao termo
Etnomusicologia, em 1955, durante o primeiro encontro anual da SEM22.
Neste período, destacam-se Merriam (1966) e Nettl (1956), definindo que os
objetos de estudo da Etnomusicologia seriam as músicas orientais, folclóricas e
“primitivas”. Em 1977, John Blacking reafirma a proposta de Harrison (1963) de que
“toda Musicologia é uma Musicologia étnica”, no sentido de que admite o viés étnico
nos seus objetivos e métodos analíticos, e que “a música ocidental deve igualmente ser
tratada como estranha ou exótica” (BLACKING, 1981).
A partir daí, a Etnomusicologia se abre para a música ocidental e as músicas
populares. No entanto, mantém-se até hoje uma fronteira entre Etnomusicologia e as
outras musicologias23, pois estas últimas desenvolveram-se firmemente voltadas para as
tradições eruditas euro-americanas, quase como sinônimo de Musicologia histórica.

22
Society for Ethnomusicology.
23
Para uma antropologia da ciência musical, ver Menezes Bastos (1995).

13
Desta forma esta corrente de estudo da música se consolidou, buscando sempre dar
validação e vivacidade à ideologização do passado do oeste europeu em detrimento dos
“fenômenos vivos” (NEVES, 1995). Calcificou-se também a idéia de que a
Etnomusicologia, por aprofundar o olhar no contexto sócio-cultural, não atenta à análise
das estruturas musicais, esta sendo uma prerrogativa própria da Musicologia.
Este discurso, (incoerente, se levarmos em conta boa parte dos estudos
etnomusicológicos24), faz algum sentido quando olhamos para as recentes publicações
sobre música popular, que pouco ou nada tratam dos elementos musicais, notando que
muitos não foram escritos por musicólogos25. Em contrapartida, na Musicologia
tradicional (voltada especialmente para o universo erudito e constituída por
pesquisadores com formação musical), parece haver uma supervalorização do
conhecimento “técnico-musical” em detrimento de uma abordagem mais antropológica
e/ou sociológica. Ou seja, o paradoxo acima referido parece fazer sentido quando se
trata de música popular.
Talvez o desinteresse pela música popular tenha relação com o julgamento
unilateral de ser considerada “pobre” se tratada apenas no âmbito dos elementos
musicais, o que pode ter incentivado um maior interesse quanto a suas questões sócio-
culturais. Tudo isto tem relação com o que foi dito acima sobre a negação das músicas
“exóticas” e da música popular como objeto de estudo e sobre as dicotomias “arte
superior/inferior” e “erudito/popular”. Atualmente, os estudos de música popular
começam a utilizar ferramentas de análise musical, ao mesmo tempo em que o território
da Musicologia se abre para a música popular (MIDDLETON, 1993).
No Brasil, Mário de Andrade foi um dos precursores da Musicologia brasileira,
principalmente quando esta atenta à música folclórica. Apesar de ainda se ter pouco
conhecimento da história da Musicologia no Brasil26, a obra de Mário de Andrade é
bastante conhecida e estudada, sendo reconhecidamente de enorme importância para o
que foi o desenvolvimento da Musicologia brasileira até os dias de hoje. Andrade foi o
principal articulador do movimento musical modernista que, apesar de manter a
tradicional hierarquização entre o erudito e o popular27, propõe um movimento de
valorização do chamado “populário” (NAVES, 1998). Quando Andrade despontou

24
Ver Menezes Bastos (1990), Mello (2004), Montardo (2002) e Piedade (2004).
25
Ver Calado (1997), Dreyfus (1999) e Giron (2001).
26
A história da musicologia brasileira ainda é “um projeto em elaboração” (CASTAGNA, 2004).
27
Note que para ele a palavra “popular” significava o que hoje rotulamos de “folclórico”. Ele chamava a
música que hoje chamamos de popular de “popularesca”, de maneira francamente depreciativa (nota do
orientador).

14
como pensador e crítico musical no Brasil, o movimento modernista estava já em sua
fase nacionalista, que se firmou como estética hegemônica até meados dos anos 1940.
Para Travassos (2000), tal estética pode ser resumida em cinco proposições: “1) a
música expressa a alma dos povos que a criam; 2) a imitação dos modelos europeus
tolhe os compositores brasileiros formados nas escolas, forçados a uma expressão
inautêntica; 3) sua emancipação será uma desalienação mediante a retomada do contato
com a música “verdadeiramente brasileira”; 4) esta música nacional está em formação
no ambiente popular, e aí deve ser buscada; 5) elevada artisticamente pelo trabalho dos
compositores cultos, está pronta a figurar ao lado de outras no panorama internacional,
levando sua contribuição singular ao patrimônio espiritual da humanidade”
(TRAVASSOS, 2000:33-34). Mário de Andrade expõe essas idéias no célebre Ensaio
sobre a música brasileira (ANDRADE, 1962). Deve-se lembrar que o pensamento do
início do período republicano no Brasil foi marcado pela busca do progresso e da
modernização inspirado na Europa ocidental.
Nesse ambiente, Andrade inova com sua ideologia modernista nacionalista
expressando sua admiração pela música folclórica brasileira, dela, entretanto, ainda
exigindo uma série de desenvolvimentos, já que a vê destituída de maiores elaborações
formais (NAVES, 1998). Como é expresso no ensaio, a música popular se encontra em
estado bruto, necessitando ser cultivada pela arte erudita para então “elevar-se” ao nível
de “música artística”. No cerne do nacionalismo musical modernista, portanto,
estabelece-se, de forma congênita, a ideologia que sustenta, ao lado da riqueza e da
“autenticidade” do mundo popular, sua inferioridade artística.
Este pensamento paradoxal é resistente, e ainda hoje reflete na sociedade
brasileira. Se, por um lado, não há dúvida que Mário de Andrade foi um defensor
convicto da música folclórica, por outro lado há de se olhar com cuidado para seu
pensamento, já que a busca do popular a que Mário de refere é uma busca do “Brasil
profundo” (PIEDADE, 2005) que parece excluir a chamada música popular urbana, da
qual trato aqui. Pode-se dizer que todo este pensamento é persistente não apenas no
Brasil, mas que encontra-se encapsulado em narrativas que ainda circulam pelo mundo
(HAMM, 1995). Apesar da ambigüidade do termo “popularesco”, a linha que separa
este termo de “popular” é muito tênue, o que gerou grandes dificuldades na
classificação e na busca da autenticidade da música brasileira.
As reflexões de Mário de Andrade tiveram grande repercussão na Musicologia
brasileira, especialmente na produção de compositores que seguiram princípios

15
modernistas. Vasco Mariz é um importante musicólogo brasileiro que, como muitos
outros, teve grande influência de Mário de Andrade28. Aqui, um aspecto desta
influência.
Em artigo intitulado A Música Brasileira em Crise (MARIZ, 1997), publicado
no Jornal do Brasil em 1991, Mariz coloca como dois dos mais graves problemas da
“crise” da música brasileira era a diminuição acelerada do status do músico erudito e a
crescente popularização da música brasileira no exterior. O autor temia que até o final
da década de 1990 não houvesse mais compositores eruditos no Brasil, e também que o
samba fosse substituído pelo rock ou outro gênero musical estrangeiro. Ainda segundo o
autor, a crescente desvalorização do músico erudito se deve a supervalorização do
músico popular, sendo os primeiros marginalizados pelos meios de comunicação de
massa29. Mariz expõe que tudo é sacrificado ao gosto do “povo”, alegando que sob este
aspecto, o Brasil se distanciava cada vez mais do primeiro mundo. Seu conceito de
popular aparece revelando dois sentidos: o primeiro está ligado com as origens da
música popular, onde existe o autêntico a ser preservado; o outro seria o âmbito do
consumo de massa imposto pelos meios de comunicação. Aqui aparece o pensamento de
Mario de Andrade no que diz respeito á distinção entre a música “popular” e a
“popularesca”.
A idéia de música popular defendida pelo autor aparece nos termos “música
regional” e “música nacional”, que, segundo ele, são baseadas no folclore do país e
estaria por desaparecer. Isso aconteceria devido à forca de outra música popular,
novamente exemplificada pelo rock, imposta pelas multinacionais da música a fim de
homogeneizar a vendagem no mundo todo. Esta idéia de internacionalização da música
popular é tomada como “impatriótica”. Mariz converge com Mario de Andrade nas
premissas do nacionalismo modernista.
Vianna estuda a questão da eleição do samba com símbolo de identidade
musical brasileira (VIANNA, 1995), não como algo que ocorreu por acaso, mas sim
sendo relacionado ao momento no qual estava em construção à idéia de brasilidade, que
até hoje integra nossa concepção do que é entendido como “legitimamente” brasileiro.
Em outra obra (VIANNA, 1990), este autor comenta as teorias que pensam a indústria
cultural como causadora da homogeneização da cultura. Sua hipótese é de que a
28
Mariz (1983; 1985; 1997).
29
Esta idéia reflete uma espécie de ciúme pela vivacidade da música popular brasileira. Trata-se de um
ponto importante que transita na dicotomia popular/erudito no Brasil. No ano do Brasil na França (2005),
os artistas da música erudita brasileira reclamaram a falta da música de concerto brasileira sobrepujada
pelas manifestações das músicas populares do país.

16
indústria cultural30 tende a se adaptar à heterogeneidade dos diversos públicos,
fragmentando-se ao máximo para satisfazê-los. Vianna questiona a busca pelo
“autêntico” afirmando que “tudo pode ser nosso e do outro” ao mesmo tempo. Ou seja,
nenhum fenômeno social é puro, e, neste caso, a preocupação com o que é “autêntico”
deixa de fazer sentido, assim como a separação que é feita entre produtos da indústria
cultural, da cultura popular e da cultura erudita.
Tinhorão (1997; 1998), além de ser organizador de um enorme acervo de dados
sobre a música brasileira, se aproxima mais da linha historiográfica, que está em busca
de uma origem e da preservação do “autêntico”. Discordando de Vianna, o autor vê a
indústria fonográfica como promovedora de uma homogeneização em âmbito
planetário, pondo em risco a preservação das músicas verdadeiramente nacionais,
alinhando-se assim com os pressupostos presentes em uma determinada linha da crítica
musical modernista.

1.2 MÚSICA POPULAR E IDENTIDADE NACIONAL


30
Para a idéia original de indústria cultural, conforme Adorno (1986).

17
Menezes Bastos, apontando os limites, mas também a importância da concepção
Adorniana, sugere um olhar diferente do que pode ser a Música popular. Para o autor,
(diferentemente de Adorno) a Música popular seria um fenômeno global da
modernidade recente, que incorpora e reinventa as músicas denominadas artísticas,
primitivas e folclóricas, sendo então concebida como o “terceiro universal musical” do
Ocidente. O primeiro teria sido o canto gregoriano vinculado ao cristianismo, o
segundo, a Música ocidental dos séculos XVII-XIX (a chamada música erudita ou ainda
clássica), e o terceiro, a referida Música popular, que, consolidada nos anos 30-60 em
torno do eixo jazz-rock e “aplica-se a um sistema mundial planetário, onde a indústria
do entretenimento e o show business são peças fundamentais” (MENEZES BASTOS,
1998). Através desta última conceitualização no momento histórico referido, é possível
entender porque os elementos do jazz são apropriados pelos músicos brasileiros já na
categoria universalizada31, endossada pela indústria fonográfica no mundo todo e que
mais tarde culminaria num “conflito construtivo” com a busca das “raízes” brasileiras
no universo da MI.
Portanto, Menezes Bastos não concebe a Música popular como um novo tipo de
música, mas sim, sem deixar nada escapar, sintetizadora de gêneros musicais: a
denominada música séria, (erudita), a música popular urbana e folclórica, se
apresentando num processo de reinvenção vinculada, possibilitada e abrangida pela
fonografia.
O processo de constituição da Música popular Brasileira passa necessariamente
pela construção do samba carioca como música nacional por excelência. Culminando na
década de 30 do século XX, este percurso está profundamente ligado - como mostra
Vianna (1995) - à consolidação de uma identidade nacional pautada na idéia de
miscigenação. Gilberto Freyre, através de questões como a relação entre raça e cultura
na época, foi quem “conseguiu executar a façanha teórica de dar caráter positivo ao
mestiço”, na leitura de Vianna (op.cit: 63).
Segundo Coelho (2006), localizando as noções de meio e raça (ORTIZ, 1985)
como pressupostos epistemológicos da intelectualidade brasileira entre os séculos XIX e
XX, desvela-se um apontamento teórico de cunho evolucionista e determinista que, a

31
Legitimado pela indústria fonográfica mundial e “normatizado” em termos estilísticos (PIEDADE,
1997).

18
despeito disso, já construía de certa forma um ideal de nação: neste ponto,
aproximando-se do que é proposto por Hall (2002) no conceito de narrativa da nação.
Nesta tendência - que marca o pensamento de intelectuais como Euclides da Cunha e
Sílvio Romero - o mestiço se revela um “problema” desde o século XIX, sendo sua
solução buscada em torno da idéia de raça enquanto aspecto determinantemente
biológico e sendo viabilizada através de um projeto de “branqueamento” que, através
das grandes ondas de imigração européia, eliminaria os hibridismos raciais, algo
concebido (do ponto de vista das elites) como condição à construção de um Brasil
moderno e viável.
Para Ortiz (op.cit.), é através de Gilberto Freyre que o cerne da idéia de mestiço
migra do plano biológico para o da cultura, o que pode ser considerado um grande passo
para a transformação do “problema” em positividade na construção da identidade
nacional brasileira. Assim, voltando ao argumento de Vianna, a invenção do nacional no
Brasil, associada a uma idéia de autenticidade de raízes mestiças (pressuposto
compartilhado pelo Modernismo Brasileiro), deixa – num processo que tem na
consagração do samba carioca seu maior alicerce – de ver na policulturalidade um
“problema” para tomá-lo como solução.
Para Vianna (op.cit.), este fato resulta de um longo processo de negociação –
centralizado no Rio de Janeiro - envolvendo elites sociais e classes populares. Note-se
que, como aponta Oliveira (2005:10), este processo ocorrido nos anos 30 constitui um
discurso hegemônico, onde a invenção do mundo carioca urbano como o “nacional”
imediatamente constitui seus “outros”: o mundo rural e os outros gêneros musicais
como regionais. Trata-se aqui da criação de um mainstream “identitário” imaginário,
que alinha as composições ideais de nação, Rio de Janeiro, mestiço e samba.
Essa argumentação pode dar a entender que a amalgamação da identidade e do
próprio estado brasileiro seja baseada grosso modo na oposição entre cidade e campo,
ou o que aponta para as grandes cidades “europeizadas” do Brasil em contraposição
com o rural local e original por excelência. O projeto de construção da nação não cria a
homogeneidade suprimindo a heterogeneidade, mas, ao contrário, rearranja as
semelhanças e as diferenças, revelando um discurso cujo alcance sempre depende de
configurações políticas específicas (ver MENEZES BASTOS, 2005).
A transformação do samba entre 1910 e 1930 é analisada por Sandroni (2001)
privilegiando o aspecto rítmico. O cerne de seu pensamento é que aquele que se
consolida como o “autêntico” samba carioca – e, por conseqüência, brasileiro – articula-

19
se ritmicamente diferente do que até então vigorava no samba, no maxixe32 e outros
gêneros musicais brasileiros e latino-americanos, como o tango33 e o bolero34. Este
segundo tipo de samba (o paradigma do Estácio, ou samba de segundo tipo35) possui
em seus motivos rítmicos características estruturais fortemente sincopadas, que
remetem a um universo cultural africano, emergindo como um modelo legitimado de
musicalidade brasileira a partir da década de 30. Assim, a “ascensão” do samba de
segundo tipo a essa nova condição caracterizaria não num “embranquecimento”, mas
numa “africanização” do universo da música popular brasileira36.
A construção de um imaginário nacional irmanado a um gênero musical tomado
como legítimo representante local é de recorrência pertinente em diversos países latino-
americanos. Menezes Bastos (1999) constrói um mapa do surgimento das músicas
populares no certame dos modernos estados-nações do continente. Estes se caracterizam
como discursos ideológico-estratégicos na construção das identidades nacionais, ainda
apontando o fato de que estas não podem ser compreendidas sem o diálogo com o
contexto global, com os “outros”. A musicalidade aparece com centralidade neste
diálogo interno/externo e ajuda a compor as fronteiras político-sociais, materializando
as “formas de sociabilidade de cada localidade”. (MENEZES BASTOS, 2005: 185).

1.3 - Ritornello - UM APANHADO HISTÓRICO DA MI

32
Dança urbana, surgida nos forrós da Cidade Nova e nos cabarés da Lapa no Rio de Janeiro por volta de
1875. Dançado inicialmente ao ritmo de tango, havaneira, polca ou lundu só nos fins do séc.XIX as casas
editoriais o consideraram um gênero musical (MARCONDES, 1998).
33
Dança originaria da Andaluzia, Espanha, onde surgiu por volta de 1850-1855. Expandindo-se pelas
Américas na década de 1860, aclimatou-se em alguns países sul-americanos. Na Argentina, fundiu-se
com a habanera cubana e com a milonga criolla, e por volta de 1880 já apresentava características
nacionais argentinas, com as quais iriam se internacionalizar sob o nome de tango argentino, nas
primeiras décadas do séc.XX (MARCONDES, 1998).
34
“Canção de ritmo lento, dançante, originária de Cuba, muito popular no Caribe de compasso dois por
quatro e letras melancólicas” (Disponível no site http://www.rae.es/rae.html).
35
Conforme Sandroni (2001:28-37), o paradigma do samba de primeiro tipo é chamado paradigma do
tresillo: “o paradigma do tresillo corresponde à imparidade rítmica num ciclo de 8 pulsações (3+3+2 e
suas variantes); e o novo paradigma que vemos predominar no samba carioca mais recente, tem ciclo de
16 pulsações (2+2+3+2+2+2+3 e suas variantes).” (Sandroni, 2001:36).
36
Sandroni (2001:221).

20
Existem muitas formas de música instrumental no Brasil, dentre elas, aquelas do
campo das músicas folclóricas, que remetem a um Brasil mais singelo e interiorano,
menos ansioso, mas não menos complexo (como ponteios de viola, maracatus, jongos,
congadas...), e outra vertente instrumental mais citadina, como a música erudita, o frevo
e o choro. Essas - que têm seu berço nas grandes cidades litorâneas brasileiras - são
mais visivelmente marcadas pela intersecção do folclore com a cultura européia, e
freqüentemente articulam aspectos estilísticos da música do velho mundo.

Quando me refiro à música instrumental, não estou apontando para todas as


músicas instrumentais do país, mas para uma concepção em particular, a da música
popular instrumental brasileira, aqui abreviada como MI. Este gênero é uma vertente da
MPB37, em relação à qual busca incessantemente ter autonomia e se diferenciar
principalmente pela ausência de letra.

É importante para a compreensão da formação da MI que revisitemos seu


“período de consagração” e seus diálogos fundadores, bem como alguns de seus agentes
fundamentais (músicos e compositores). Pensando em MI, esse é o período onde se
concretizam as escolhas e fusões sonoras que nortearão todas as suas resignificações, de
modo que não deixe de ser o que é, mas ao mesmo tempo se atualize. Geralmente, a
história e a imprensa regulam esses acontecimentos através de rótulos e datas que,
juntos, constroem e localizam o “período de consagração”.

O período em questão (que pode ser pensado como um embrião da MI)


compreende-se do final dos anos 50 até a segunda metade dos anos 60, mais
pontualmente o ano de 1964. Neste ano, deu-se o lançamento do álbum Getz &
Gilberto38, símbolo do encontro da canção moderna brasileira - repleta de novidades
trazidas pela bossa-nova39, sobretudo na esfera rítmico-harmônica – com a linguagem
da improvisação jazzística norte-americana. Paralelamente, surgiram no Brasil os

37
Música Popular Brasileira. Funciona como macro-campo de diversos gêneros musicais. Para mais
detalhes, ver Menezes Bastos (2005).
38
Gravado nos EUA pelo saxofonista norte-americano Stan Getz e o cantor e violonista brasileiro João
Gilberto.
39
Gênero musical surgido no final dos anos 50 que apresentou novas formas composicionais, mas é
especialmente inovador na “harmonia, nos acordes alterados pouco utilizados por nossos músicos da
época, e na nova batida de violão executada por João Gilberto” (SEVERIANO & HOMEM DE MELLO,
1998, pp. 20-22).

21
primeiros trios40 de música popular instrumental, como o Zimbo Trio e o Milton Banana
Trio. Esses trios tocavam bossa-nova de forma instrumental e depois improvisavam na
forma chorus41usando a linguagem do jazz, como salienta o guitarrista e compositor
Heraldo do Monte em entrevista:

“... porque os trios de Bossa-Nova que nós tínhamos (se referindo


aos anos 60) tocavam samba, ah... estilo Bossa Nova e na hora de
improvisar eles improvisavam jazzisticamente...” (HENRICHSEN,
2003).

Note-se, portanto, que o diálogo primeiro dentro desta música instrumental se dá


entre o samba42 e o jazz, ou seja, entre um gênero consagradamente brasileiro e outro
norte-americano, sempre mediado pelas inovações harmônicas trazidas pela bossa nova.
A esse novo gênero, os norte – americanos deram o nome de brazilian jazz43, o que, na
ótica estadunidense, seria um subgênero do latin jazz. Esse diálogo se tornaria central na
estruturação do que viria a ser a MI.

Em 1967 é lançado o único disco do Quarteto Novo (formado por Hermeto


Pascoal, Heraldo do Monte, Airto Moreira e Théo de Barros), que inaugura algumas
novidades que se tornariam diretrizes estéticas da MI como reitera novamente Heraldo
do Monte na mesma entrevista supracitada:

“... a década de 60 foi a década das primeiras vezes que a gente


começou a fugir das tendências “bebopianas”, ”charlieparkianas”
que a gente tinha pra formar um tipo de improvisação bem
brasileira mesmo, com sotaque, com acentuações, com notas,
com escalas nordestinas quando possível,quando o tema pedia e
tudo isso era primeira vez...”(HENRICHSEN, 2003).

A MI inicia então seu processo de “independência cultural-musical” através da


articulação de musicalidades e gêneros folclórico-regionais, que eram justamente os que
40
Os trios de baixo, piano e bateria se tornaram uma formação muito recorrente durante a fase áurea do
bebop nos EUA, e, no âmbito da música popular, essa instrumentação é quase um sinônimo de jazz como
aponta o pianista André Marques: ... “é uma formação difícil de se trabalhar e é uma formação muito
tradicional de jazz...” (HENRICHSEN, 2003).
41
Forma que compreende a improvisação sobre toda extensão formal do tema musical, sobre sua base
harmônica. (KENNEDY, 1996). Tradução minha.
42
Já consagradamente portador da identidade brasileira no exterior, muito através de Carmem Miranda e
suas excursões aos EUA a partir do final dos anos 30. A South American girl (como era conhecida)
contracenaria com grandes artistas (norte-americanos) da época, deixando sua presença marcada na
cultura pop dos EUA (ALBIN, 2003).
43
Também chamado de samba-Jazz ou bossa-Jazz.

22
a centralização nacionalizadora efetivada pelo samba carioca mandou para longe do
centro cultural do país: “Assim que ele (o samba) é apropriado como símbolo nacional,
os outros gêneros com os quais ele dialoga são erigidos à condição de músicas
regionais: música nordestina, música caipira...” (HOFFMANN, 2007).

Esses gêneros “segregados” se tornam então o maior alvo de um movimento de


“olhar para dentro”, para o que a MPB triou e elegeu como sendo portador de
brasilidade, se tornando então um aspecto central na legitimidade do fazer MI. Assim,
negando a homogeneização nacionalizadora do samba e universalidade do jazz é que se
mergulhou nas raízes do “Brasil profundo”, salientando suas particularidades e
localizando o país no globo através do mapeamento de suas fronteiras musicais,
posicionando-se frente ao mundo como algo esteticamente caracterizador de brasilidade,
sem perder o caráter universal.
Esta empreitada de olhar para este “Brasil profundo”, se apresenta neste
contexto para “descolar” antropofagicamente a musicalidade brasileira da norte-
americana, e esse movimento dialético se tornou o paradigma central da MI, que
Piedade chamou de “fricção de musicalidades” (PIEDADE, 1997). Esta idéia de fricção
aponta para o fato da MI assumir o caráter “global” do improvisador de Jazz sem deixar
de lado o que lhe é peculiar, os traços brasileiros, “autênticos”:

“A fricção de musicalidades se revela então num campo no qual as


musicalidades dialogam, mas não se misturam: as fronteiras musical -
simbólicas não são atravessadas, mas são objetos de uma
manipulação que reafirma as diferenças” (PIEDADE, 2005).

Complementando, ainda citando Piedade:

“No nível macro da diversidade musical, o cenário dos gêneros


musicais é um campo, de fronteiras confusas, mutantes, em
transformação, no qual os discursos e as gramáticas musicais
interagem imbricados às questões do poder e da identidade, da
hegemonia e da dominação, do local e do global.” (PIEDADE, 2004.
P.208).

Desta maneira, do mesmo modo que este diálogo firma as diferenças entre as
musicalidades em jogo, a idéia de uma musicalidade(s) brasileira levanta questões
muito mais gerais da identidade nacional, como a forma com que cada brasileiro se vê

23
como tal, e como se sente representado por esta brasilidade. Por exemplo, em
Pernambuco, as pessoas pulam carnaval ao som do frevo. No Rio - um dos pólos
culturais do país - ao som do samba, sendo esse um fenômeno exportado para o mundo
inteiro como uma indubitável expressão cultural brasileira. Será que os pernambucanos
se sentem completamente representados por este fenômeno enquanto brasileiros?A
articulação das musicalidades brasileiras (e consequentemente das identidades em jogo)
geram concepções diferentes de percepção do Brasil, e essas concepções é que estão em
jogo no campo dos gêneros musicais articulados na MI. Estes gêneros querem ser
entendidos como brasileiros (e de fato são) e se revelam distintivamente dentro do
campo em questão.

Para ajudar a pensar esta questão, Da Matta supõe uma duplicidade - “Dilema
Brasileiro (1990)” - que se expressa num confronto entre o Brasil interiorano, rural e
patriarcal (do interior que precisa ser visitado, um “estado puro de Brasil”) e o Brasil
litorâneo, urbano e europeizado dos pólos culturais do país. Esse dois “universos”
expressam uma bipolarização na construção da identidade brasileira e uma distinção
restritiva entre o autêntico e o híbrido, o puro e o impuro:

“Muitas vezes, o discurso respectivo deste olhar pra dentro, aquele


que emprega noções como fusão, sincretismo, mistura, influência e
mesmo resgate, porta um pouco do ideário modernista explicitado por
Mário de Andrade, que compreende este mundo popular como fonte
interior para uma música verdadeiramente brasileira, mas que
necessita ser trabalhada, cultivada, qual diamante bruto, pra ganhar a
forma elevada na qual merece uma existência nacional e global. Este
pensamento é persistente, e vem alimentando toda a estética
nacionalista. Interessa ao artista nacionalista somente o que é tido
como verdadeiramente nacional e, desta forma, o ideário
antropofágico parece se aplicar aqui (na MI) curiosamente invertido:
não exatamente “só me interessa o que não é meu”, mas “só é meu o
que me interessa”. Olhar pra dentro do Brasil musical e aceitá-lo em
sua crueza, não apenas chorinhos e escalas nordestinas mas também
hip hop, funk, punk, brega, mangue, indígena, parece não bastar,ou
mesmo incomodar a muitos: somente alguns traços merecem ser
candidatos a musicalidades “absorvíveis”. A MPB pode ser entendida
como uma máquina de seleção, a todo tempo colhendo de fora e de
dentro elementos aceitáveis para apresentá-los na roupagem da
brasilidade”(PIEDADE, 2005).

Estas considerações apontam para o fato de que a percepção da identidade


musical está frequentemente sendo intermediada e construída pela indústria fonográfica,

24
e, a meu ver, são percebidas e reveladas em várias instâncias; internacional, nacional,
regional, e, por que não, individual: “... as sociedades atuais são caracterizadas pela
‘diferença’; elas são atravessadas por diferentes divisões e antagonismos sociais que
produzem uma variedade de diferentes posições de “sujeito” – isto é identidade – para
os indivíduos.” (HALL, 2002).
Estou sugerindo então, que a articulação dessas musicalidades brasileiras ao
mesmo tempo em que “unificam” o gênero da MI, expressam também um caráter
particularizador. O reconhecimento da identidade dentro da MI passa então por dois
filtros principais: o primeiro nacional, do que é tido, construído e entendido como
portador de identidade brasileira - ou as musicalidades eleitas para a fusão com o Jazz.
O segundo, mais subjetivo, passa por um espectro mais obtuso, regional e pessoal, do
“só é meu o que me interessa” e que conflui com pressupostos modernistas acima
citados; de resgate, de folclórico, de autenticidade.
Segundo Stuart Hall (2002):

“... as identidades nacionais não são coisas com as quais nós


nascemos, mas são formadas e transformadas no interior da
representação. “Nós só sabemos o que significa ser inglês (leia-se
aqui brasileiro) devido ao modo como a “inglesidade” (brasilidade)
veio a ser representada – como um conjunto de significados – pela
cultura nacional” (pp.48).

No que Hall chama de narrativa da nação (a história e a literatura) se exprimem


símbolos que representam experiências partilhadas. Portanto, quando me refiro às
musicalidades brasileiras, me refiro aos gêneros que foram legitimados pela própria
historiografia brasileira como inegavelmente nacionais, e, a nível regional, como
representantes de um “sotaque”, reconhecido pelos nativos em suas respectivas
localidades como portadores de sua identidade. Sob esta ótica, é possível pensar
também o que é descartado e o que é apropriado na representação da brasilidade em
busca sempre da legitimação do fazer MI e, mais ainda, supor o que na MI pode ser
pensado como “nacional” ou “regional”.

25
2 NO CAMPO

A proposta inicial deste trabalho era de conversar com músicos que, em minha
opinião, eram legitimados como referência na MI da cidade e sintetizadores de
“vertentes” de MI praticadas em Florianópolis, centrando assim meu foco nas diferentes
concepções musicais de cada um. Conforme foi sugerido na banca de qualificação do
meu projeto de TCC, entrevistei (além dos pré – selecionados) outros músicos, inclusive
indivíduos ligados à prática de outros gêneros musicais, principalmente o choro. Desta
forma, sem uma pretensão positivista, o que penso ter conseguido neste trabalho foi um
panorama geral de linhas de concepções musicais dentro da MI de Florianópolis.

Concordando  com  Geertz  (1978),   o que  intento é  muito  mais  o refinamento  de  um 

debate novo do que uma busca perfeita de consenso, assumindo que este gênero musical  

não é estático, muito menos os seus diálogos.
Tenho como objetivo neste capítulo descrever as concepções musicais
(JACQUES, 2007) dos sujeitos com os quais trabalhei, dando ênfase em algumas
categorias que tentei interpretar. Vale lembrar que tal intento é sempre incompleto e
seletivo, pois, na medida em que o fluxo do discurso social é dinâmico e complexo, as
análises são sempre interpretações de interpretações (GEERTZ, 1978). Outro fator
importante de se lembrar é que em meu campo (assim como em outros), as posições dos
sujeitos não são homogêneas, mas atravessadas por relações de poder, diferenças e
disputas. O que busco descrever aqui são algumas das categorias recorrentes que
observei durante as entrevistas e convivência com os nativos: as categorias que estão
geralmente implícitas em seus discursos, e que, em maior ou menor grau, com
diferentes posicionamentos e elaborações, todos compartilham. Antes, porém, algumas
considerações sobre o conceito de concepções musicais.
Quando os sujeitos estão falando, fazendo e pensando sobre música, eles não
estão apenas se construindo enquanto músicos, mas também enquanto sujeitos morais,
que agem através de certos esquemas de percepção constituídos por disposições
duráveis. Tais disposições duráveis é o que Bourdieu (1989) chama de habitus. Ou seja,
modos sistemáticos de ação e esquemas de compreensão compartilhados. O habitus é
estruturado pelas condições sociais objetivas, portanto, incorporado pelos sujeitos, e
estruturante de práticas e percepções. É, portanto, resultado de uma objetividade

26
(exterior ao sujeito, mas que é interiorizada por ele) e de uma subjetividade (resultante
da trajetória de vida do sujeito, que influi na maneira pela qual ele internaliza a
exterioridade). Assim, penso que as concepções musicais possuem esta dimensão do
habitus, resultado, em suma, da relação do sujeito com uma estrutura: é nesta relação
que os sujeitos são construídos. Portanto, quando se fala em concepção musical, se está
falando também em construção de pessoas, de moral, de valores, de identidade e de
visões de mundo.
É necessário dizer que esta é uma etnografia44 sem um espaço físico bem
definido. Digo isso, pois, exceto o Café dos Araçás e o espaço cultural Sol da Terra
(ambos localizados no bairro Lagoa da Conceição), não há uma regularidade de
apresentações em locais fixos na cidade. Talvez pelo fato do Café dos Araçás ter sido
gerenciado durante alguns anos por um músico que era “nativo da MI”, este espaço
tenha construído essa ligação com os músicos locais. Já o Sol da Terra é um espaço
muticultural (dança, teatro, cinema...) que possui uma escola de música onde muitos
músicos ligados a MI lecionam. São apenas suposições, mas o fato é que a regularidade
de apresentações ocorre majoritariamente nestes dois locais.
O Café localiza-se na Rua Manoel Severino de Oliveira n.19 no bairro da Lagoa
da Conceição, localidade que abriga a maior concentração de bares e restaurantes por
metro quadrado da cidade. Alocado numa construção antiga - datada de 184245 -
considerada típica da arquitetura açoriana, conserva até hoje suas características físicas
como grossas paredes erguidas com pedra e óleo de baleia e portas e janelas largas, altas
e quadradas. É um local que funciona de quarta a domingo tendo usualmente na sexta e
no sábado sua agenda reservada ao choro, ao jazz à MI.
As apresentações começam por volta das 22h30min e vão até mais ou menos 2
horas da manhã, porém os músicos costumam chegar um pouco antes para montar os
equipamentos, fazer uma breve passagem de som e esperar o movimento do bar
aumentar. Os equipamentos que usam não são muitos, pois o bar é pequeno e de caráter
intimista. O “palco” improvisado fica num desnível em relação à porta de entrada, onde,
como em todo o resto do bar, há algumas mesas com mosaicos de grãos de café a vista,
não passando de 15 no piso térreo e 5 no mezanino superior. Neste segundo andar (bem

44
Foi feito um pré-campo durante o primeiro semestre de 2008 e o campo propriamente dito de Outubro a
Dezembro de 2008. Pequenas incursões foram feitas fora deste período, como no Festival “Floripa
Instrumental” realizado em maio de 2009.
45
Ver no site www.cafedosaracas.com.br, consultado em 6 de Abril de 2009.

27
menor que o primeiro) há redes e pufes, mas só é freqüentado quando a casa está cheia,
pois não é possível ver os músicos de lá.
No ambiente interno predomina uma iluminação amarelada decorado com
inúmeras fotos de músicos e compositores famosos da música brasileira e do jazz
americano, como Hermeto Pascoal, Chico Buarque, Jacob do Bandolim, Vinícius de
Moraes, Paulo Moura, Billie Holliday, Dizzy Gillespie, John Coltrane, Miles Davis, etc.
Os cardápios, assim como as mesas, são decorados com símbolos musicais, como
claves, pentagramas e notas, tudo em estilo rústico.
O movimento começa a se intensificar por volta das 23h30min, mas às 22 horas
já é possível ver algumas pessoas sentadas conversando e bebendo. Quem entra paga de
7 a 10 reais de couvert artístico, mais o que consome. O público alvo, além de músicos
da cidade46 que vão especificamente para ver o show, é de pessoas com bom poder
aquisitivo, já que os drinks e aperitivos que são oferecidos são relativamente caros,
sugerindo esse tipo de freqüentadores. Essas pessoas vão, geralmente, pelo ambiente
tranqüilo e sugestivamente “sofisticado”, portanto, elitizado. Notei que a grande maioria
dos ouvintes (de faixa etária entre 40 e 45 anos aproximadamente) quase não prestavam
atenção à música (pelo menos não da mesma forma que os músicos ouvintes), a não ser
quando era um tema muito conhecido quando cantavam (mesmo sendo a execução
puramente instrumental) ou assoviavam. Segundo um de meus interlocutores, são os
que “vêem o show ao invés de escutar”.
Essas considerações acerca do espaço e do consumo apontam para certa
elitização do público da MI, muito provavelmente herdada do público do Jazz ou de
como sua representação foi construída aqui no Brasil, estando sempre apontando à idéia
de um mundo capitalizado e caro. Este movimento constitutivo pode ser tomado como
uma via de mão dupla, pois, ao mesmo tempo em que o jazz - e posteriormente a MI -
ganhou fama de ter uma audiência elitizada, existe um movimento

“anti-americano que se desenvolveu parcialmente no Brasil


principalmente dentro dos discursos de esquerda, justamente nos
momentos de formação do gênero (MI). Liga-se também ao fato da
audiência brasileira de jazz durante muito tempo ter se fixado nas
classes sociais altas , o gosto pelo jazz ganhando assim uma
significação de algo culto e chic... persistindo uma associação entre

46
Aqui é bom ressaltar que a grande maioria destes músicos são estudantes ou recém egressos do curso de
música da UDESC, ou seja, jovens sem alto poder aquisitivo. Em certa ocasião, quando um músico
gaúcho que freqüentemente vem a Florianópolis se apresentava, os jovens reclamaram redução do preço
do ingresso e até a entrada franca.

28
audição de jazz e consumo de bebidas importadas e caras , como o
scotch”(PIEDADE, 1997 : 10).

Assim, embora a MI seja claramente imbuída de um discurso nacionalista, ele se


constrói – ou compõe - dialeticamente à dissolução desta pretendida unidade nacional, e
a idéia de multiculturalidade neste gênero musical transpassa nossas fronteiras políticas
validando influências e articulações de gêneros musicais que se “tornam” brasileiros
quando ingressam no campo das musicalidades “absorvidas” pela MI, assim,a MI se
“apossa” de músicas “extraterritoriais” conferindo-lhes o status para uma
navegabilidade na brasilidade, como explica Menezes Bastos:

Na realidade, o quadro originário e fundante da música de que aqui


estou tratando é por excelência dialógico, seu processo supondo que a
delimitação de fronteiras atende simultaneamente às setas contrastiva
e inclusiva, num tipo de jogo, porém, cuja soma final nunca poderá
ser zero. É desta forma que compreendo que aquilo que, por exemplo,
chamamos de música popular brasileira, “é” brasileira, não, de
maneira essencialística, mas ficcionalmente, na medida em que se
opõe e compõe dialogicamente, por exemplo, à/com a cubana.
(Menezes Bastos, 1998: 12)

Um de meus informantes, violonista e, sem dúvida nenhuma o mais conhecido,


me expôs algumas considerações acerca de seu grupo que se alinha a esta discussão.
Sendo ele o arranjador e líder do grupo e tendo nascido no Rio Grande do Sul, me disse:
“Nosso som é tipo um instrumental regional. A gente toca samba, baião, mas a linha
geral, as pontuações47 é a música do Rio Grande do Sul, “gauchesca” 48
, como o
49
chamamé e o tango”. Aqui neste discurso, é possível perceber como o músico se
apropria de gêneros “extra-nacionais” quando são aplicados a uma idéia de
nacionalidade brasileira, neste caso, do gaúcho. Na construção social da música gaúcha
- e no diálogo dos gêneros musicais com a centralidade do samba (como já foi
comentado) - esta(s) musicalidade(s) sulistas compõem e rompem com o que foi
construído como nacional.
Outro músico, reconhecido guitarrista de Florianópolis (que nasceu e viveu em
São Paulo até os 10 anos de idade), ao falar do mesmo grupo se referiu da seguinte
47
Por pontuações, entenda-se divisões ou seções rítmicas de um arranjo, improviso ou tema.
48
Para uma abordagem mais ampla da construção do gauchismo ou gauchesco, ver HOFFMANN (2007).
49
Gênero musical gaucho (cisplatino) que tem como principal característica “o ritmo em 6/8” (informante
gaúcho).

29
maneira: “Eles tocam exclusivamente MI? Você já ouviu? Eles tocam Piazzolla! Isso é
música brasileira? É o que?”. Nesta contraposição de discursos fica claro aqui que o fato
de tocar tango não diminui a brasilidade da música do grupo citado. É como se aqueles
“gêneros de fronteira” se tornassem brasileiros por alguns momentos, ou quando
50
“interessa” que eles o sejam. Para o gaúcho, o tango faz parte da sua musicalidade e
de sua identidade, sendo também dele. Assim, como brasileiro, ele o “nacionaliza”.
Essa idéia de apropriação de gêneros extra-nacionais não pode ser considerada
algo novo, tendo em vista que a gênese da MI se consolida através da fusão do Jazz com
o samba. O que parece ter acontecido foi uma abertura e o estendimento desses diálogos
descentralizados do universo do samba e do jazz, ou seja, fora do eixo Rio - São Paulo.
Um dos responsáveis por isso foi, sem dúvida, Renato Borghetti, de quem o músico
gaúcho em questão foi baixista durante muitos anos, o que o coloca de certa forma
dentro de um mainstream que legitima seu fazer dentro do campo.
Desta forma, é possível perceber também um caráter restritivo por parte do
guitarrista, que não reconhece o tango (por exemplo) como um caracterizador de
brasilidade. Por sua vez, o mesmo curiosamente reconhece no jazz uma legítima
capacidade de se “abrasileirar” maior do que outros gêneros poderiam:

“Quando eu comecei a estudar sério mesmo (guitarra), quem eu tinha


no Brasil para me espelhar e aprender? Tinha o Helio Delmiro, o
Heraldo (do Monte)... Para aprender guitarra mesmo tive que ir pros
Estados Unidos. Lá tive aula com grandes guitarristas no GIT51. Aí
entrei em contato com essa coisa da improvisação, que eles tem mais
desenvolvido mesmo. Eles já estudaram os fraseados e tem livro pra
tudo. Eles descobriram ué! Não e por que sou brasileiro que não vou
usar aquilo. Não deixo de ser brasileiro. Se os alemães descobrem a
cura do câncer eu não vou usar só porque sou brasileiro?”.

O que o guitarrista está considerando é algo que já foi mencionado neste


trabalho: a característica de improvisador global do jazzman. Parece claro que ele
entende improvisação da forma com que o jazz a apresentou ao mundo e ele naturaliza
isso: a forma chorus e as escolhas sonoras do bebop são legitimamente absorvíveis para
ele, que, claramente reconhece no jazz uma “oficialidade” na área da improvisação, mas
que não por isso deixa de estar fazendo MI. Aqui parece estar havendo uma
nacionalização do jazz. Quando perguntei a ele se ele não considerava outros tipos de
50
Ver citação destacada de PIEDADE (2005) na página 24.
51
Guitar Institute of Technology.

30
improvisação como no choro ou no frevo, ele disse: “é diferente, no choro a coisa é
mais colada no tema, as harmonias são mais simples...”, ou seja, sempre tentando
legitimar a improvisação jazzística como a mais válida, tendo em vista que foi a que ele
buscou aprender, tomando claramente sua posição no campo como um músico que está
ligado nas bases de sua formação ao gênero norte-americano.
Complementando esta discussão dos elementos musicais em jogo, um ponto
unânime dentro das falas dos meus interlocutores apontou para a questão do improviso.
Para pensar essa dimensão comunicativa no discurso musical, Piedade levanta algumas
considerações interessantes a respeito da representatividade das musicalidades evocadas
na prática da MI. No artigo “Análise de improvisações na Música Instrumental: em
busca da retórica do jazz brasileiro” (BASTOS & PIEDADE, 2006), baseado na
semiótica defendida por Agawu (1991), parte-se do princípio de que o repertório da
música clássica européia (aproximadamente de 1770 a 1830) é explicitamente orientado
para o ouvinte. Agawu propõe uma teoria da música clássica instrumental com duas
principais dimensões comunicativas: expressão e estrutura. Portanto, ele está sugerindo
que existe uma retórica no discurso musical que visa atingir um resultado comunicativo:

“A natureza da improvisação em música, no barroco europeu,


na música tradicional indiana, no jazz, (ver BAILEY, 1993) enfim,
em todas as culturas musicais, é tal que o aspecto individual está
permeado por um discurso anterior e mais profundo: a cultura.
Membro de uma cultura, o indivíduo é o agente que “fala” na
improvisação, porém sua expressividade depende do uso de fórmulas
“sintáticas” que propiciem a comunicação” (BASTOS & PIEDADE,
2006).

Estes aspectos simbólico-representativos interagem no campo da MI imbricados


num espaço físico e intelectual, onde ocorrem as disputas pelo poder de deter
especificidades e ser reconhecido pelos concorrentes como bom articulador estético na
“luta” pela legitimação das definições. Dentro deste universo, os nativos também levam
muito em conta algo herdado do choro (ver RÉA & PIEDADE, 2006), seu ancestral
primeiro, que é o virtuosismo e o caráter “brincalhão”. Os motivos rítmico - melódico -
harmônicos devem ser improvisados ou executados com agilidade e leveza, revelando

31
fluência na ligação de idéias e um “não esforço” ao executar frases difíceis ou
citações52. Portanto, este aspecto se apresenta no campo da MI, como elemento
distinguidor de competência, logo, revelador de poder simbólico.
A concepção de improviso (que é uma idéia central na MI) como linhas
melódicas sobre bases harmônicas funcionalmente interligadas parece ser a única
maneira de improviso que este músico reconhece. Como dizia meu professor Sérgio
Freitas53, é um entendimento “vertical” de harmonia, que desprivilegia “aspectos
artesanais” da construção harmônica - como a condução de vozes - em prol de uma
praticidade tanto no ensino do fundamento como na síntese de análises para
improvisação. Esta idéia foi muito difundida através da normatização do ensino de
improvisação jazzística a partir dos anos 6054 e se tornou (sobretudo nos últimos 20
anos) dominante na didática e na prática de música popular no Brasil. Esse fato deu
origem ao uso da cifragem harmônica no formato lead-sheet55que se usa até hoje e que
foi sistematizada pelos norte-americanos a fim de difundir mais objetivamente o jazz no
seu país, este sistema se diferenciando do “baixo cifrado” muito usado na música
erudita.
A questão harmônica (ao lado do improviso) foi outro aspecto de grande
recorrência entre os músicos entrevistados. Ela é usada para diferenciar gêneros
musicais de uma forma altamente restritiva de forma que a aceitação ou não destas
formas harmônicas apontam para a concepção dos músicos. “Música boa tem que ter
harmona56”. Essa questão parece nortear os argumentos quando se fala nas
características fundamentais da MI.
Outro músico (baterista com grande renome local), enquanto tocávamos em sua
casa, me disse empolgado: ”Nossa bicho, essas harmonias são cheias de polainas”.

52
“... as improvisações trazem à tona os diversos estilos individuais, reconhecidos pela audiência, e que
por vezes fazem referências culturalmente compartilhadas muito significativas,...” (BASTOS &
PIEDADE, 2006). Portanto, pensar em citações é pensar em uma retórica comunicativa expressa através
de motivos musicais reconhecidamente representativos.
53
Professor de harmonia e contraponto da UDESC.
54
Nesta época, músicos como Vitor Assis Brasil, Roberto Sion e Nelson Aires se tornam os primeiros
brasileiros a ir estudar nas grandes escolas de música norte-americana e iniciam um intercâmbio de
informações (alinhado à posição diplomática exercida pelos EUA no mundo ocidental pós-guerra) que,
com o tempo, deu margem a uma naturalização (ou nacionalização) da concepção harmônico-melódica do
Jazz sob o caráter de moderna e/ou vanguardista.
55
Grafia musical que consiste na notação da harmonia cifrada e da melodia escrita. Prevalente no Jazz é
consagrada no mercado editorial brasileiro e teve como marco inicial os songbooks de Almir Chediak.
56
Harmona tem o mesmo significado de harmonia.

32
Polainas57 para ele, são as notas ornamentais dos acordes58, que a partir da Bossa nova
começaram a ser mais constantemente usadas na MPB e, posteriormente, no choro e na
MI. A canção moderna do Brasil serviu de porta de entrada, para essas novidades que se
concretizam no diálogo entre a bossa nova e o jazz:

...pode-se considerar que a canção moderna brasileira-que lançava


mão do samba e o choro como referências unânimes no seu processo
criativo (Tom Jobim, Chico Buarque, Edu Lobo...) - de certa forma
“abriu as portas” para novidades, como foi o caso da harmonia. A
canção moderna do Brasil passou a contar com harmonias mais
tencionadas, mas que não se distanciavam funcionalmente da
intenção harmônica clássica de sambas e choros, dando origem não
só a uma nova concepção musical do ponto de vista prático, mas
também a uma mudança sonora drástica para seus ouvintes,
acostumados com a sonoridade dos boleros e sambas canção das
décadas anteriores (RÉA & PIEDADE, 2007: p.02).

Pude notar com isso, que a legitimação de certos “aspectos jazzísticos” (que
estou evidenciando aqui na esfera harmônico - melódica) parecem estar mais ligados
aos músicos que tocam a bossa nova instrumental, e que esse gênero alinhou-se a alguns
aspectos musicais do “primeiro mundo” (representados pelo jazz) quase que por
necessidade de expressar e legitimar sua atualidade na época, tornando-se um discurso
que atravessou as décadas chegando aos dias de hoje. Sempre que meus entrevistados
falaram em harmonias sofisticadas, a primeira correlação era sempre feita em direção à
bossa nova, como se este gênero musical brasileiro fosse uma espécie de embaixador
desses elementos musicais tomados como modernos no Brasil.
Em contrapartida, depois da consolidação desse diálogo jazz-samba via bossa
nova, ao fim da década de 60 (como já foi citado), parece haver algum tipo de
modernismo tardio na MI que inverte esses padrões e o aspecto melódico-harmônico
passa a apontar para dentro59. A legitimação dos gêneros segregados se tornam uma
condição (pelo menos de uma corrente) de brasilidade na MI, com ênfase no ritmo

57
Achei muito interessante esse adjetivo, pois da mesma forma que uma polaina é um ornamento
feminino, as tensões de acordes são ornamentos da harmonia.
58
Neste trabalho não me aprofundei nas questões teóricas da harmonia ocidental. Para harmonia funcional
e tradicional ver FARIA (2000) e SCHOENBERG (2002).
59
Neste momento histórico, passa a ser mais comum composições com harmonias que não
necessariamente utilizavam-se dos preceitos estéticos da bossa nova e do jazz, como temas de dois ou três
acordes que, a meu ver, assumiam de certa forma a “simplicidade harmônica” de um universo não-
cosmopolita dando caráter positivo a essas articulações.

33
harmônico, melódico e percussivo. Não que o que fora consolidado anteriormente fosse
esquecido, muito pelo contrário, este posicionamento dialoga com as conquistas da
bossa nova, mas privilegiando novos parâmetros estéticos referentes à um Brasil que
não era contemplado no samba.
Intereressante aproveitar esse momento para fazer uma consideração a respeito
do ritmo. Como muito bem observou Menezes Bastos (1998: 22), o ritmo
(obsessivamente relacionado ao universo da negritude nas concepções correntes sobre a
música brasileira) é tratado pela construção européia do Brasil como genericamente
infra-estrutural (sensível), em contraposição com o superestrutural, harmonia e melodia
(européias, racionais). Curiosamente, é justamente a questão rítmica que se desenvolveu
e é supervalorizada neste segundo momento60 histórico da MI. Um exemplo claro disso
são os “rearranjos rítmicos” feitos inauguralmente no disco do Quarteto Novo, onde os
baiões e sambas são tocados em compasso 7/4. Como pude perceber na fala de muitos
entrevistados, esta “quebraceira61” é tida como um valor distintivo; quem não consegue
tocar ou adaptar temas e configurações rítmicas a este propósito não é considerado bom
articulador, e muitas vezes são tidos como músicos “em formação”. Em uma entrevista
com um baixista que foi estudar jazz na Espanha, me foi dito:

“Eles adoram isso lá. Essa coisa rítmica é supervalorizada lá fora


porque é a parte que eles não têm. A gente tinha aula especifica pra
isso lá, era um treino, pegávamos temas famosos e mudávamos a
estrutura rítmica” me mostrando uma versão de “Paint it Black” dos
Rolling Stones tocada em 7/4.

Como foi comentado pelo meu orientador Rafael José de Menezes Bastos em
uma reunião do MUSA, o “samba em 7”- que de certa forma inaugurou a prática destes
rearranjos62 - pode ser entendido como uma reconfiguração rítmica do samba de
segundo tipo. Segundo Sandroni (2001), o paradigma neste tipo de samba é baseado em
seu ciclo de 16 pulsações, que pode ser pensado como um ciclo inicial de 7 tempos,
seguido por um de dois e finalizado por outro de 7 63. Isto pode inconscientemente ter
dado origem a esta prática talvez mais “naturalizada” (introjetada) em suas
60
Na minha construção histórica, o primeiro momento da MI seria seu embrião, referente ao período entre
1960 e meados de 1970. O segundo momento (aqui referido), seria os anos seguintes onde os aspectos
explicitados no texto se consolidam e se complexificam.
61
Quebraceira pode ser tanto uma divisão rítmica julgada complicada, como também momentos dentro
das músicas que “o pau come”, e que se assemelha um pouco ao que se chama de free jazz.
62
Samba “Misturada” de Airto Moreira, no já referido disco Quarteto Novo (1967).
63
O maior baterista do estado se refere a esta configuração rítmica como “mula manca”. Na contagem dos
7 tempos, segundo ele: “um, dois, três, quatrum, dois, três, quatrum,...” imitando uma mula manca.

34
musicalidades do que julgam os músicos. Assim, como temos neste aspecto rítmico um
ponto importante dentro das concepções musicais, é possível traçar um paralelo entre
valorização do mundo popular através desta “porção de negritude da MI” e não dos
outros aspectos musicais. Esse fato de certo modo aponta para um valor modernista de
valorizar o que é “essencialmente brasileiro”, e, como foi comentado acima, a infra-
estrutura (rítmica) é tida como um valor subliminar em oposição à superestrutura
(melodia e harmonia) e este pensamento que certamente permeou a construção das
musicalidades nacionais reflete-se neste caráter modernista que existe na MI.
Acontece que essa supervalorização rítmica não é compartilhada por todos. Os
músicos que são mais ligados ao jazz e à bossa nova parecem não se apoiar tanto nessa
questão como um valor importante, enquanto que, para os que tomam esta posição
concebem-na num caráter distintivo, pois quem não consegue ter essa “lascividade
rítmica” é tido como um músico mais standardizado ligado às origens da MI, portanto à
bossa nova e ao samba-jazz, gêneros musicais baseados em ritmos essencialmente
binários e, segundo alguns nativos, “mais simples”.
Na entrevista com um de meus interlocutores (músico gaúcho), ele ponderou
com firmeza: “6/8 só existe aqui no Sul e em Minas”. Interessante notar que quando ele
diz “no Sul” ele aponta não à região Sul, mas ao Rio Grande do Sul, que de alguma
forma, através de músicos como Yamandú Costa e Renato Borghetti parece se inserir
num mainstream da MI. Nesta fala, é possível notar que a questão rítmica se faz
presente como fator distintivo das concepções, e, neste caso, aponta para uma
musicalidade (tópica) sulina64.
No decorrer do trabalho de campo, outro ponto que me chamou muito a atenção,
como fato recorrente em todos os informantes com os quais dialoguei foi o constante
apontamento pra fora: entre os discursos coletados, talvez tenha sido a fala de maior
recorrência, entre elas: “morei em São Paulo 20 anos”, fui estudar na Espanha”, “fui
estudar nos EUA”, “a música do Rio Grande do Sul impera aqui”, entre outras. Parece
que o fato de viverem todos em Florianópolis não fornece elementos representativos
para a música que fazem, e isso independente das concepções envolvidas. As “tópicas
da Hercílio Luz65” não parecem se encaixar no hall das musicalidades absorvíveis e
recorrentemente a cidade é concebida como um espaço “atrasado” em relação ao resto

64
Ver texto “Música popular, expressão e sentido” de PIEDADE, Acácio Tadeu. O que caracterizaria a
tópica sulina seria “a música tradicional das terras gaúchas e gêneros musicais argentinos, uruguaios e
paraguaios... envolvendo especialmente a superposição rítmica de 3 contra 2 tempos”.
65
Nome proposto por Luis Fernando Coelho.

35
do país, principalmente no que diz respeito ao Rio de Janeiro e a São Paulo. Assim,
Florianópolis surgiu nas entrevistas como num “processo constante de modernização”,
onde a modernidade está por vir. Surgiram inúmeras situações onde este pensamento
apareceu, em frases como: “Aqui não tem espaço pra tocar”, “a cidade está querendo ser
grande, nem público tem direito”, “não é como Porto Alegre, São Paulo...” “aqui ainda
está tudo por se fazer”, “os músicos de São Paulo são melhores, lá eles tem mais
informação, e quem não tá no ponto não toca mesmo!”. Desta forma, A dicotomia
moderno/atraso se fez presente constantemente nos diálogos estabelecidos. Se alinhar ao
mainstream, é ir na direção das grandes cidades, das regras e códigos da civilização e a
um pseudo-melhoramento.
Fazendo um paralelo temporal, percebe-se que essa é uma idéia que vem se
sedimentando há tempos no imaginário da população residente na Ilha. Marcelo Téo
fornece alguns dados sobre o cenário artístico de Florianópolis na primeira metade do
século passado, onde o posicionamento com relação ao “moderno” no século passado já
aponta muito semelhantemente ao discurso de meus informantes. João M. Barbosa,
colunista do jornal “A Gazeta” (artigo de 1934), escreve apontando o descaso e o
“atraso” da cena artística da época. “Em matéria de arte a nossa capital é uma miséria
franciscana. Todas as iniciativas ficam em projeto, quase sempre por falta de estímulo
daqueles que podem e devem auxiliá-las, ampará-las e incentivá-las. É simplesmente
lastimável.” (BARBOSA, 1934, apud. TÉO, 2004). Téo também apresenta seu
posicionamento mais recente dizendo:

“O provincianismo ilhéu, a percepção modesta da distância no


contexto de uma cidade pequena, ainda contida por suas barreiras
naturais, a quase ausência do silencioso costume do transporte
urbano: tudo funcionou como rédeas ao trotear da modernidade”.
(TÉO, 2004: 208 apud in LACERDA, 2007).

Este fato nos mostra que a projetividade (pertinente no anseio deste futuro)
parece ter se “congelado” na espera do que virá. Este posicionamento é muito freqüente
entre os músicos com os quais trabalhei mesmo muitos deles não sendo nascidos aqui. É
interessante notar que dentro do campo da MI, como me foi relatado, realmente
“pouquíssimos músicos são naturais daqui”, e mesmo os mais jovens, têm no máximo
uma geração proveniente da cidade, e esse atraso com que é concebida Florianópolis,

36
pode ter a ver com o fato de muitos destes músicos serem provenientes de regiões
metropolitanas, e, no caso dos mais jovens, seus pais. De qualquer maneira, esse
discurso passa a expressar um conteúdo ideológico que abre precedente aos estereótipos
de progresso – como a urbanização, a industrialização, etc. - em uma cidade “em
construção”, situada em um ambiente no afã de novidades trazendo implicações em
todas as instâncias sociais.
Assim, emana-se uma ideologia que supõe uma “modernidade por vir” em
Florianópolis, bem caracterizada no discurso: “aqui ainda está tudo por construir”. Isto
se estende a vários âmbitos, inclusive ao da cultura, onde se situam os gêneros musicais
e o campo da MI. Desta forma, o referido campo está também em construção, o que
intensifica os esforços dos indivíduos com diferentes concepções sobre a MI no seu
posicionamento dentro deste espaço de disputa. São indivíduos e grupos que se
apresentam como concorrentes na definição dos conteúdos estéticos que serão
valorizados, das posições dos sujeitos que construirão o habitus, ou seja, o que compõe
o gênero musical aqui estudado. Isto reforça a idéia de um campo, pois essa luta
concorrencial é constitutiva.
Maffesoli (1998), ao caracterizar a modernidade, aponta para a confluência de
dois pontos: uma idéia projetiva da sociedade, uma atitude que faz com que não esteja
no presente a importância vital e sim no anseio de um futuro; e a homogeneização da
sociedade, uma concepção homogênea de conjunto social, composta sumariamente por
três elementos: a constituição do Estado-Nação; a elaboração de grandes instituições
sociais e as grandes ideologias (marxismo, positivismo...). Já para Dumont (2000), os
valores balizantes da sociedade moderna estão intimamente ligados à igualdade e
liberdade, onde a força da idéia do individualismo se torna uma característica crucial.
Neste sentido, posso localizar um conjunto de apontamentos sociais em Florianópolis
encapsulados num “anseio de modernidade66”. Os efeitos deste anseio espelhado nas
metrópoles fizeram-se sentir tanto na concepção progressista (de Maffesoli), quanto na
intensificação da idéia de indivíduo (Dumont).
Um exemplo destas argumentações pode ser dado aqui. Numa entrevista com o
maior baterista de Santa Catarina (que é Ilhéu) ele me disse enervado: “No lançamento
do meu DVD não quero aquele violão gaúcho não!” 67Quero uma coisa mais brasileira!

66
A questão do moderno apareceu com certa recorrência, sobretudo associada à palavra harmonia. Quero
deixar claro que pretendo fazer uma investigação mais profunda do termo e suas associações num outro
momento, dada a complexidade da discussão.
67
Fazendo rasgueados típicos do violão flamenco, muito presentes no “violão sulino”.

37
Isso aí ele vai tocar lá na terra dele! Aqui temos um ponto importante. Este mesmo
entrevistado que disse que Florianópolis é atrasada (por isso foi para São Paulo) e que
não valoriza as tópicas da Hercílio Luz, não quer deixar o gaúcho tomar este espaço.
Para ele, o “gauchismo” não é bem vindo na MI de Florianópolis, e ele parece não
querer deixar este espaço ser ocupado pelo sulriograndense68.
Mas o indivíduo não pode ser visto apenas através de um ponto de vista
psicológico, como único responsável por traçar seus projetos. O indivíduo está atrelado
a um processo de construção social, e as posições individuais estão em interação com as
outras, dentro do campo de possibilidades. (VELHO, 1999).
Segundo este autor, nenhuma sociedade é substancialmente simples ou
homogênea, mas multiplicada e fragmentada em todos os domínios, associadas a
variáveis econômicas, políticas, sociológicas e simbólicas onde os indivíduos têm suas
identidades constantemente (re) negociadas. “Este fazer e refazer de mapas cognitivos é
permanente e possui implicações imediatas na autopercepção e representação
individuais” (VELHO, 1999. p. 45). Assim, as diferentes posições assumidas pelos
sujeitos no diálogo social convivem, sendo acionadas conforme situações específicas, e
no conjunto destas, se engendram os projetos de vida.
Falando de sua trajetória como músico, um de meus entrevistados me disse que
sua posição privilegiada como músico e produtor se devia a uma “profissionalização”.
Segundo ele, isso se deu através do contato mais próximo com músicos de fora do
estado, e que de alguma forma, participam de um mainstream nacional no qual
Florianópolis ainda não está incluída, representado, segundo ele, por “São Paulo, Rio de
Janeiro, Belo Horizonte, Porto Alegre e Curitiba”. Assim, estabelecendo contatos com
músicos, gravadoras, patrocínios e festivais, onde, além do compartilhamento técnico-
musical e da fricção de musicalidades legitimadas, obteve também essa forma de
conceber e viver da música, desenvolvendo sua carreira conforme um direcionamento
que foca no pluralismo de atuação o que ele definiu como uma atitude profissional.
Para Bourdieu (1996), esta postura aponta ao âmbito das instâncias de
consagração69, ou seja, a produção discográfica, as gravadoras, a imprensa, e o show
business:

68
Aqui vale a pena investigar a “rixa” entre gaúchos e catarinenses, que, por falta tempo não pude
adentrar, mas acredito que me traria algumas luzes.
69
Aqui apareceu um discurso que não foi tão recorrente, mas que foi enfatizado e parece caber aqui, que é
o de se “vestir bem”: “Nós já somos uma profissão marginalizada no país, temos que, no mínimo, estar
apresentáveis”.

38
“Essa postura é própria do ato de vincular-se ao campo artístico, que
implica a aceitação de um conjunto de pressupostos e postulados. O
artista que faz a obra é ele próprio feito, no seio do campo de
produção, por todo o conjunto daqueles que contribuem para o
“descobrir” e consagrar enquanto artista conhecido e reconhecido”
(op.cit).

Desta forma, o que por um lado funciona como poder simbólico - a legitimação
do indivíduo no campo através das instâncias de consagração - pode acabar “afastando-
o” dos outros pares concorrentes e agir como fator desagregador, distanciando o sujeito
de seus semelhantes num movimento de mão dupla, em que o indivíduo, uma vez
convicto de seu projeto, deve saber articular.
Aqui retorno à idéia de trânsito dos indivíduos por âmbitos distintos, uma
fragmentação de relações e de papéis sociais, característica das “sociedades
complexas”. Nelas, conforme Velho (1999) “a coexistência de diferentes mundos
constitui a sua própria dinâmica” (p. 26). Esta demarcação identifica processos entre
esferas de atividade e províncias de significado, onde “a continuidade e as
transformações da vida social dependem do relacionamento contraditório e conflituoso
entre esses mundos e os códigos a eles associados” (p. 27).
Desta forma, acredito que no relato supracitado revela-se um modo pelo qual a
mobilidade entre as posições no campo se engendram. A fragmentação e o trânsito se
dão tanto em níveis sociais mais amplos como dentro do próprio campo da MI, onde
não há uma só posição identitária - quanto menos uma só concepção musical - mas
várias, postas em jogo no “fenômeno da negociação da realidade” (VELHO, 1999).
Através deste processo, notei outros planos de articulação da negociação da
realidade, como também do trânsito. São muito comuns as situações em que os
indivíduos no campo da MI deslocam-se entre várias ocupações, como por exemplo,
professores de música, profissionais de áudio, profissionais liberais, arranjadores,
músicos de orquestra e produtores, tudo devido à má remuneração dada aos músicos,
opinião unânime nos discursos colhidos bem como a dificuldade de lidar e negociar
com os donos dos locais de apresentação (principalmente bares) que muitas vezes não
obtém o retorno desejado (lucro) pela falta de público deste gênero musical em
Florianópolis:

39
“Aqui temos que chamar as pessoas, principalmente convencer os
donos de bar e casas de espetáculo. Isso atrapalha mostrar pro pessoal
o som. Se é musica “Jaqueline70”, os caras topam na hora...”.

70
Músicas “Jaqueline” são as músicas consideradas do mundo pop, e o termo se refere à batida de violão
recorrente nos gêneros deste universo musical.

40
3 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Para o encerramento deste trabalho, gostaria de fazer uma demarcação sobre os


pontos mais importantes que foram levantados, bem como algumas sugestões de análise
do campo da MI em Florianópolis. Os aspectos nos quais me detive foram a construção
da brasilidade (e do nacional, da identidade) e as concepções musicais via o discurso de
quem pratica MI na cidade de Florianópolis. Não analisei a produção concreta às quais
estes discursos nativos se referem: os arranjos, os improvisos, os elementos musicais71
que eles articulam, enfim, a música que tocam. Segundo Menezes Bastos (1989), uma
análise antropológica mais rentável (do ponto de vista analítico) da música não deve
excluí-la de seu contexto – o que os sujeitos falam e produzem a partir dela – nem
considerá-la como um subproduto da cultura, reduzindo-a ao contexto e negando-lhe
toda semanticidade: uma abordagem que vá “para além de uma antropologia sem
música, e de uma Musicologia sem homem”.
Como me dediquei à interpretação das interpretações que os nativos dão ao seu
fazer musical, considero que este trabalho apenas aponta para algumas direções, que
devem continuar sendo trabalhadas e desenvolvidas em futuros estudos, através de
outros recursos metodológicos e analíticos72. Não pretendi, ao me deter mais ao plano
interpretativo-verbal, reduzir a música ao contexto. Pelo contrário, acredito que “os
elementos da totalidade da cultura estão codificados na música” (MELLO, 1997) não
esquecendo de toda a semanticidade em que sua concretude está embebida.
Este olhar da Etnomusicologia “pressupõe que o sistema musical nativo expressa
conteúdos que são compartilhados entre os membros do grupo, e que há vínculos
essenciais entre a cosmologia, a sociabilidade, as artes e a música, e eles podem ser
decifrados” (op.cit). Estudar um gênero musical circunscrito especificamente é estudar
o local e o global impondo suas dinâmicas sociais, revelando o jogo das concepções
musicais a percepção e a construção das identidades e a dinâmica das musicalidades.

71
Inclui-se aqui a análise de tópicas (bem como a sugestão de novas) e das harmonias utilizadas.
72
"O Etnomusicólogo procura criar sua própria ponte entre as ciências sociais e as humanidades"
(MERRIAM, 1966: 25). Desta maneira, para o autor, a Etnomusicologia não é uma soma óbvia entre
Música e Antropologia, mas uma construção original.

41
Para finalizar, a fim de dialogar com um estudo semelhante a este aqui proposto,
recorro a Piedade (1997: 5). A partir de um estudo feito em São Paulo 73, o autor
classificou três tendências principais na MI da cidade:
-a linha mais brazuca, que, se norteia em gêneros nacionais como baião, frevo,
maracatu, samba ou fazendo referencia ao chorinho, e articulando o discurso jazzístico
em diálogo com elementos expressivos destes gêneros, tendo como expoente máximo
Hermeto Pascoal.
-a linha mais fusion, onde predomina a mescla entre samba e funk, tendo suas
raízes no movimento Black Rio tendo como grande expoente a banda Cama – de –
Gato.
-a linha mais ecm, uma linha jazzística mais mediativa e européia, cujos artistas
se agregam em torno do selo alemão ECM, alocando nomes como Egberto Gismonti e
Naná Vasconcelos.
Trazendo esta idéia no campo aqui estudado, eu destacaria duas correntes
principais74. A primeira poderia ser a brazuca, mas com algumas diferenças. No estudo
feito em São Paulo, a linha brazuca não salienta o diálogo com as tópicas sulinas, o que,
mesmo que grosseiramente, mostra que a linha que privilegia o “olhar pra dentro” em
São Paulo não dialoga com esta musicalidade, apontando que entre os gêneros musicais
que portam a brasilidade não estão contemplados alguns gêneros que em Florianópolis
se apresentam. Desta maneira, o Brasil dos paulistas não contém esta dimensão sulista,
ou esta foi relegada à condição de regional como apontou meu entrevistado citado na
pg. 29. Isto se deve provavelmente ao fato de que no eixo Rio - São Paulo, o Brasil
profundo construído através das idéias modernistas centrava-se majoritariamente no
nordeste como o passado daquelas sociedades que se posicionavam no cenário nacional
(ou no campo das relações interestaduais) como uma espécie de mainstream sócio-
cultural, uma meta a ser atingida pelo nordeste então “condenado ao passado”. Aqui em
Florianópolis, ou ainda na região Sul (como me foi colocado), as musicalidades e
gêneros de “fronteira” (sulinos) fazem parte do nacional. Portanto, à noção de brazuca
citada acima, eu acrescentaria esses “diálogos de fronteira”, numa linha Sul – Brazuca,
onde os músicos têm preocupação eminente de frisar (em sua música e em seu discurso)
73
São Paulo funciona como maior referência no mainstream do gênero, tanto no discurso nativo, como na
construção histórica do gênero, sendo onde ele surge. Além disso, os considerados maiores nomes da MI,
como Arismar do Espírito Santo, Nailor Proveta, Heraldo do Monte, Nelson Aires e o Zimbo Trio residem
na cidade.
74
Note-se que o quero aqui não é apontar tendências únicas, mas me aproveitar de um modelo de análise
para compor uma visão panorâmica do campo estudado.

42
o diálogo com gêneros musicais segregados, na aceitação destas tradições musicais e
suas implicações.
Assim, o pressuposto modernista da busca do profundo e do autêntico aqui
ganha esse outro vértice. Também vale lembrar que a prevalência rítmica que aparece
aqui nesta “linhagem” (alinhando o “exótico”, a música popular e a busca do autêntico)
entra em oposição/composição com a questão melódico-harmônica do jazz, que, do
modo como chega ao Brasil, alinha os pressupostos supervalorizados da cultura musical
européia e sua intenção “homogeneizadora”.
Uma segunda vertente seria uma linha bossa-jazz, representada por assumir o
jazz como naturalmente globalizado, portanto também “brasileiro” e pela manutenção
dos padrões rítmico - harmônicos da fase da gênese da MI, bem como suas articulações
rítmicas majoritariamente binárias e seu repertório estandardizado. Essas classificações
não têm caráter absolutista, ou seja, funciona mais como um recurso de comparação do
que modos rigidamente exclusivos de se fazer música, portanto essas duas linhas
compõem um cenário, e não dois.
Longe de tentar opor essas linhas num quadro puramente dualista, estas
propostas sublinham a oposição harmonia/ritmo. A linha Sul-Brazuca parece apontar
para o “autêntico” (compartilhando com as idéias modernistas), via gêneros segregados
que são pautados em maneirismos musicais que os diferenciam (sobretudo
ritmicamente) do jazz ou de uma homogeneidade pretendida por ele, conferindo-lhe
personalidade. Já a linha bossa-jazz parece legitimar mais um discurso de superioridade
harmônica e melódica que compõe o discurso de validação do jazz no Ocidente. Assim,
a dicotomia hemisfério norte/hemisfério sul aparece nos termos harmonia/ritmo,
superestrutura/infraestrutura, homogêneo/autêntico e intelectualidade/sensibilidade. (ver
MENEZES BASTOS, 1998). Desta forma, através da recorrência dos discursos
recolhidos, sustententa-se um estereótipo insistente na história da música (sobretudo no
senso comum) que insiste em unir inteligibilidade/harmonia/civilização em oposição a
primitivo/ritmo/tribal, numa acepção claramente evolucionista.
Para terminar, não posso me furtar de fazer uma observação: na MI de
Florianópolis (e, acredito na MI de forma geral), a “miscigenação” cultural (aqui de
musicalidades e identidades) compartilha do caráter positivo dado a ela na construção
da brasilidade, aparecendo também na construção das musicalidades brasileiras e
ganhando evidência e complexificação na MI. Embora eu tenha recorrido a
diferenciações restritivas entre linhas da MI em Florianópolis, os nativos (embora as

43
concepções musicais convivam num conflito que, bem ou mal é construtivo) parecem
não enxergar (ou não demonstrar) aspectos absolutos demarcatórios nas práticas
musicais e ressaltam o tempo todo a negatividade do purismo, tanto na sua fala, quanto
na sua música75concebendo no hibridismo um fator positivo, e, não obstante, esta pode
ser sua mais distinta característica.

75
Aqui é bom ressaltar que embora pareça contraditório, nenhum nativo tem total controle sobre todos os
aspectos distintivos das músicas articuladas - pelo menos em termos absolutos - o que leva (da mesma
forma que acontece com a circulação dos gêneros musicais) a uma espécie de sotaque próprio (como uma
interferência gerada pela própria dinâmica da natureza das inter-relações) nas “línguas” (musicalidades)
quando postas em jogo.

44
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