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em revista
ano 1 - março 2009 - n º 4
Em revista
história oral
editorial
As frases iniciadas assim foram recorrentes nos últimos oito meses de 2008, durante a
realização do Projeto de História Oral, do Centro de Memória da Fundação Mario Covas. Um
projeto que veio concretizar um antigo anseio do grupo mais próximo de colaboradores,
amigos e familiares do ex-governador. Nos anos de convivência com ele, eram comuns
os comentários: “Ah! Essa história é muito boa. Precisamos colocar isso no papel. Alguém
está registrando tudo isso?”. O corre-corre cotidiano impediu o registro organizado dos
momentos e bastidores presenciados pelas testemunhas da trajetória de Mario Covas.
As lembranças abrem as portas para o que veio antes e depois, diz Fernando Frochtengarten,
mestre em Psicologia Social da USP. No artigo Memória Oral no Mundo Contemporâneo, o
mestre afirma, com propriedade: “Uma recordação chama a outra, compondo uma teia
de rememorações mais ou menos singular, cuja textura se alinhava pela maneira como
cada memorialista recolhe e amarra as imagens pregressas e busca sua significação...”.
E mais: “Narrar o passado deveria ser um direito estendido a todos os homens. Aqueles
que partem sem ter o heroísmo de sua biografia reconhecido por um ouvinte deixam a
impressão de ter morrido duas vezes. Uma vida é vivida quando narrada.”
Fotoclip 6
A infância em Santos 10
Os amigos da praia 11
Os filhos 16
Os netos 18
Os familiares 19
O trabalho do engenheiro 20
A primeira campanha 21
O senhor deputado 22
A cassação 23
Volta à política 26
A convenção de 1981 28
Senador constituinte 38
Nasce o PSDB 40
A campanha presidencial 42
A reeleição 73
A saúde de Covas 75
Covas e os políticos 77
O estilo Covas 79
O legado 84
Créditos 86
Mario e Lila Covas na posse do primeiro mandato como governador no Palácio dos Bandeirantes
dar voz aos companheiros, amigos, familiares É claro que muitos temas importantes, do
e até adversários de Mario Covas, buscar suas cenário paulista e brasileiro, sugiram durante
experiências e memórias e, sobretudo, dar os depoimentos e muitos narram o mesmo
espaço a suas emoções”, disse Márcia. “Quantos episódio sob sua óptica. Nossa tarefa não era
choros foram gravados e quantas risadas foram fazer contrapontos ou chamar atenção aos fatos.
registradas”, lembrou. Ao também jornalista Muitos falaram sobre a atuação do engenheiro
Guilherme coube o trabalho técnico de gravação civil, outros sobre seu trabalho na prefeitura de
dos depoimentos em mini-DVDs, utilizando Santos, na capital paulista e no governo de São
o equipamento de vídeo da Fundação Mario Paulo. Alguns relataram passagens de Covas no
Covas. “Foi uma experiência única poder ouvir parlamento, como deputado federal e senador
relatos interessantes e fatos relevantes da da República, diversos depoimentos revivem
história contemporânea brasileira, contados por o político, a cassação, suas opções e embates.
personalidades de destaque da política e por O fato é que todos foram unânimes em deixar
pessoas comuns. Mas o que mais me impressionou registrado o comportamento e a postura ética e
foi saber como Mario Covas se importava com o moral de Mario Covas.
povo e suas causas”, afirmou Guilherme.
Ao finalizar o projeto com a produção desta
Não foi definido um padrão e muito menos revista, foi necessário fazer uma escolha editorial
um tempo de gravação para as entrevistas. A e, para isso, uma pergunta foi colocada: Como
ordem foi deixar falar, estimular a memória e editar tantas entrevistas gravadas em vídeo em
contar histórias. As únicas exigências, se é que uma publicação impressa e com limitação de
podemos chamá-las assim, foi contar como os páginas? Optamos por ter como fio condutor a
entrevistados conheceram Mario Covas, qual história cronológica da vida de Mario Covas. Com
o seu legado, e que relatassem passagens ou isso, pudemos organizar melhor os depoimentos,
momentos que mostrassem o “estilo Covas” ao e deles retirar breves, mas importantes extratos.
lidar com as mais diferentes situações.
Outra escolha foi apresentar os entrevistados
Foram meses de pura emoção. Primeiro, porque os com a designação que tinham à época dos fatos
entrevistados ficaram empolgados em participar relatados. Pois bem, o projeto de História Oral da
do projeto; segundo, porque todos, sem exceção, Fundação Mario Covas não acaba aqui. Ele será
tinham histórias pessoais para contar, o que disponibilizado na internet, no site da Fundação,
nos leva a crer que, mesmo com aquele jeito para que todos tenham acesso, e mais, muitos
que muitos consideravam turrão e bravo, Covas depoimentos não entraram nessa edição, já
fez com que todos que com ele conviveram que os prazos acordados impossibilitaram essa
fossem considerados especiais, e terceiro, risos e tarefa e outros depoimentos ainda precisam ser
lágrimas correram soltos nas entrevistas, muitas colhidos, jáque muitas histórias ainda precisam
delas com mais de duas horas de gravação. ser contadas.
Mario Covas Junior nasceu em Santos em 21 de abril de 1930, filho do comerciante de café Mario Covase
neto de Jesus Covas Peres, espanhol de Pontevedra, que imigrara para o Brasil com 14 anos. Sua mãe,
Arminda Carneiro Covas, descendia de portugueses e brasileiros. A Casa Comissária Covas & Assunção,
sociedade entre Covas pai e Horácio Assunção, permitiu que a família levasse vida de classe média alta.
O arteiro
O próprio Mario Covas, que nunca se vangloriou de sua infância confortável, nunca a escondeu, destacando
que a prosperidade atingia uma grande parte dos santistas. Fez muitos amigos em Santos e os cultivou.
Em 1998, ao final de seu primeiro mandato no governo do Estado, autorizou a restauração do prédio da
Bolsa Oficial de Café de Santos, o que lhe valeu um agradecimento formal dos Amigos de Mario Covas.
Plínio Assmann
amigo da Poli e
secretário de
Transportes do Estado
Envolvido em política desde os tempos da faculdade, Mario Covas chegou a dirigente da União Estadual
dos Estudantes (UEE) e da seção paulista da União Nacional dos Estudantes (UNE). Ainda cursando
Engenharia, na Poli, Covas casou-se em 15 de outubro de 1954 com Florinda Gomes, a Lila. Permaneceram
juntos durante 55 anos. Tiveram os filhos Renata, Sílvia e Mario Covas Neto (Zuzinha). Um quarto filho,
Tomás, nasceu em Brasília no dia 10 de agosto de 1968, mas viveu apenas poucas horas. O casal teve
quatro netos: Bruno, Gustavo, Mario Covas e Silvia.
Eu ia lá dia sim, dia não. O Mario falava: ‘Vamos No começo, os comitês funcionavam na minha
sair do país’. Depois, esqueceu. Ele só recebeu casa. Depois, fomos crescendo, nos organizando,
a mala na segunda-feira, quando eu estive lá. buscando parceiros e implantando novas ideias.
Eu levava pastel e eles me deixavam ficar. Mario Formei o Clube dos Tucaninhos. Os adultos ainda
ficou 23 dias preso. Quando saiu, às dez da noite, tinham medo de entrar em comitês políticos.
ligou dizendo que queria sopa de ervilha. Eu fiz. Aí pensei, vamos formar as crianças, falar de
política, mostrar a elas os direitos e deveres dos
A cassação cidadãos. Com isso, as crianças
passaram a chamar os pais. Quando
Com a cassação, sumiu todo mundo. Foi outra saí, deixei 25 mil crianças formadas
vida. Antes iam lá em casa saber o que se no Clube dos Tucaninhos.
A cassação
Silvia Covas
Estar ao lado de Mario Covas era respirar e viver a política. Os parentes mais próximos não escaparam da
regra. Renira, sobrinha de dona Lila, e Renata, prima de sangue, acompanharam a trajetória.
Renira de Nardo
sobrinha e secretária
particular de dona Lila
Regina Covas
prima e militante política
Em 1956, três dias consecutivos de violentas chuvas provocaram alagamentos e deslizamentos nas
encostas dos morros de Santos. O Monte Serrat, conhecido pelo antigo cassino construído no topo e pelo
funicular que lhe dá acesso, perdeu um pedaço tão grande de sua encosta que lhe alterou a forma. Uma
proteção de concreto, construída depois das chuvas, ficou como marco da catástrofe.
Oswaldo Ali
amigo de Santos
A política paulista do início dos anos 1960 era dominada por duas figuras rivais: Adhemar de Barros e
Jânio Quadros. Nas eleições santistas de 1961, Adhemar apoiava Luís La Scala Junior, candidato do então
prefeito Silvio Fernando Lopes. Jânio Quadros preferia Mario Covas, candidato da oposição.
Apurados os votos, La Scala foi declarado vencedor e diplomado. Mas não chegou a tomar posse. Vítima
de um acidente de automóvel, entrou em coma e morreu poucos dias mais tarde. Surgiu, então, uma
controvérsia sobre quem deveria assumir. Alguns opinavam que esse direito cabia ao vice-prefeito da
chapa vencedora. Outros afirmavam que o correto seria entregar o cargo ao segundo mais votado.
A questão foi decidida pelo próprio Mario Covas. Colocando suas convicções acima do interesse imediato,
defendeu a posse do vice. Consultado a respeito, o Supremo Tribunal Federal referendou o entendimento
de Covas. Criou-se assim uma jurisprudência, invocada em 1985 para a posse do vice José Sarney, em
lugar do presidente eleito Tancredo Neves, vítima de doença fatal antes do início de seu mandato.
Sob a legenda do Partido Social Trabalhista (PST), liderado por Jânio Quadros, Mario Covas foi eleito
deputado federal em 1962. Empossado em fevereiro de 1963, conquistou no mês de abril seguinte a vice-
liderança do PST na Câmara, passando, em fevereiro de 1964, à liderança do bloco dos pequenos partidos.
Além do PST, esse bloco englobava o Partido Social Progressista (PSP), o Partido Trabalhista Nacional (PTN),
o Partido Republicano (PR), o Movimento Trabalhista Renovador (MTR) e o Partido Democrata Cristão (PDC).
Com a derrubada do presidente João Goulart pelos militares no dia 31 de março de 1964, iniciava-se o
longo período de ditadura militar. Nos primeiros quatro anos, entretanto, o Congresso continuou aberto,
embora submetido a fortes ingerências do Executivo. Todos os partidos existentes foram extintos pelo
Ato Institucional nº 2, de 27 de outubro de 1965, dando lugar ao bipartidarismo, no qual os deputados
se viam obrigados a escolher entre a Aliança Renovadora Nacional (Arena) e o Movimento Democrático
Brasileiro (MDB). Reuniram-se na Arena os que apoiavam o governo, enquanto a oposição se reconhecia
no MDB. Na recomposição da Câmara, em novembro de 1966, Covas reelegeu-se pelo MDB, conquistando
a sua liderança em março de 1967. A seu lado, militavam políticos de atuação expressiva, como Ulysses
Guimarães, Tancredo Neves e André Franco Montoro.
Koyu Iha
deputado
Como líder da oposição, Covas procurou derrubar os dois projetos de lei enviados pelo governo que mais limitavam
o exercício do jogo democrático. O primeiro deles enquadrava 68 municípios brasileiros como áreas de segurança
nacional. Em vez de eleitos, seus prefeitos passavam a ser indicados diretamente pelo Executivo. Para evitar que
esse projeto fosse votado, e provavelmente derrotado, a liderança do governo esvaziou o plenário, ocasionando
a aprovação por decurso de prazo. O segundo projeto combatido por Covas foi o da criação de sublegendas, para
eleições majoritárias e proporcionais. Esse projeto permitia que a Arena continuasse a abrigar grupos separados por
interesses regionais e que não queriam perder sua identidade.
O grande embate entre o governo e a oposição liderada por Mario Covas surgiria no final de 1968. O
deputado Márcio Moreira Alves pronunciara um discurso considerado ofensivo às Forças Armadas, e os
militares resolveram pressionar o Congresso Nacional para que este concedesse licença para se proceder
ao processo contra o deputado. No dia 12 de dezembro, Covas fez um discurso contrário à concessão da
licença, utilizando argumentos de naturezas jurídica e política.
“Contesta-se, sob o império da razão política, uma prerrogativa da qual não temos o direito de abdicar,
porque, vinculada à tradição, à vida e ao funcionamento do Parlamento, a ele pertence, e não aos
parlamentares. (...) Tem o Poder Legislativo o direito de transferir a outro Poder um problema que,
surgido no seu âmbito, da sua competência, o colocará em confronto com outros poderes e instituições?
É possível que o faça. Mas, nesse momento, não será um Poder.”
Ao término de seu pronunciamento, Mario Covas explicitou a profissão de fé que embasara sua atitude:
“Creio na palavra, ainda quando viril ou injusta, porque acredito na força das ideias e no diálogo que
é seu livre embate. Creio no regime democrático, que não se confunde com a anarquia, mas que em
momento algum possa rotular ou mascarar a tirania. Creio no Parlamento, ainda que com suas demasias
e fraquezas, que só desaparecerão se o sustentarmos livre, soberano e independente (...)”.
No dia seguinte, o governo editou o Ato Institucional nº 5, que fechou o Congresso e desencadeou
uma série de cassações de direitos políticos e prisões. Suspendia também o direito ao habeas corpus.
Considera-se geralmente o AI-5 como o principal marco do endurecimento do regime militar.
Não restava então outra opção, senão o confronto, pois votar pela concessão significaria abdicar das
prerrogativas do Legislativo. Todos os deputados do MDB e mais quatro da Arena manifestaram-se contra.
Mario Covas foi preso no dia 15 de dezembro e levado para uma dependência do Exército em Brasília, onde
permaneceu por oito dias, sendo liberado na antevéspera do Natal.
Oswaldo Martins
amigo, jornalista e
secretário de
comunicação
Surgiu, no entanto, outra possibilidade. Esmerino Arruda, deputado também cassado em 1964, montara
a empresa Rent TV, dedicada ao aluguel de aparelhos de televisão, sobretudo para hotéis. Sugeriu que
Mario Covas montasse uma empresa similar em São Paulo, onde as condições pareciam ser ainda mais
favoráveis. O deputado federal Ubirajara Keutenedjian, presidente do PST, partido por meio do qual Covas
entrara na política, era proprietário de uma cadeia de hotéis, interessou-se não apenas em alugar os
aparelhos da empresa a ser montada, como a apresentá-la a outros proprietários de hotéis.
Covas possuía, ainda, valiosos contatos por intermédio de parentes de sua esposa, Lila Covas, comerciantes
no ramo de eletrodomésticos. Por motivos ignorados, entretanto, essa ideia não se concretizou. Covas
preferiu insistir no seu primeiro projeto e montou a MACO Importação e Exportação.
Mario Covas era muito rigoroso e detalhista. Uma vez, um fiscal da alfândega queria falar com
o dono da empresa, com o Mario Covas, especificamente, antes de desembaraçar a mercadoria. Ele,
irritado, disse: ‘Eu vou até lá pessoalmente ver o que ele quer’. Foi e, ao chegar lá, já com as garras
afiadas, constatou que o fiscal queria era rever o velho amigo dos tempos de juventude. Todo mês era
uma loucura. Ele fazia o balancete mensal da empresa aos domingos. Chamava todo mundo, fumava
feito um louco e ficava até as dez da noite fazendo o balancete, conferindo e refazendo todos os cálculos.
Às vezes ele ficava sozinho no escritório, e quando ia embora, deixava o escritório todo aberto.
Batia a porta e saía. As meninas que faziam ponto ali na rua ligavam para a casa da gente
avisando. Na mesa dele tinha uma campainha para chamar as pessoas. A campainha tocava o dia
inteiro. Não ligava se achavam que ele era chato.
Paulo Maluf
prefeito de São Paulo
VOLTA À POLÍTICA
mario Covas mantém atividade política semiclandestina no
período de cassação, apóia o MDB e participa de campanhas de
outros candidatados
Durante os anos em que esteve cassado, Mario Covas nunca deixou de fazer política. Participou de vários
encontros semiclandestinos com lideranças e personalidades interessadas em pensar o futuro do país.
Também acompanhava e incentivava a trajetória ascendente do MDB.
O partido oposicionista ganhara visibilidade redobrada na transição de Emílio Garrastazu Médici para
Ernesto Geisel na presidência da República, quando Ulysses Guimarães lançara a sua “anticandidatura”.
Em companhia do candidato a vice, Barbosa Lima Sobrinho, Ulysses Guimarães percorrera as capitais
brasileiras divulgando o ideal da volta à democracia. A impossibilidade de vitória no Colégio Eleitoral, na
eleição a presidente de 15 de janeiro de 1974, não impedira a ampla repercussão popular da campanha. Os
reflexos seriam sentidos naquele mesmo ano, quando o MDB elegeu 15 senadores nas 21 vagas em disputa
e 165 deputados federais dos 364 que haviam sido eleitos.
Nas eleições seguintes, marcadas para 1978, Covas não podia concorrer diretamente, pois não se esgotara
o prazo de sua cassação. Mas voltou à arena política e, mais uma vez, sua ação foi decisiva. Uma das
sublegendas do MDB apresentara o nome de Fernando Henrique Cardoso para o Senado. Na mesma
sublegenda, Antonio Angarita concorria a deputado federal. Por coincidência, o comitê eleitoral de
Angarita ficava próximo da Ductor, onde Mario Covas trabalhava. Os dois se conheciam e se estimavam.
Era quase inevitável que, ao terminar o expediente, Covas passasse pelo comitê de Angarita.
A convivência com Angarita, incentivada por amigos comuns, levou Covas para a campanha de Fernando
Henrique Cardoso. Embora oficialmente cassado, arriscou-se a participar, comparecendo a comícios e
multiplicando os contatos. Além do mais, o prestígio do seu nome alavancava qualquer candidatura.
Em 16 de janeiro de 1979, Mario Covas recuperou seus direitos políticos. Naquela ocasião, amigos e
correligionários lotaram o Teatro Independência, em Santos. No seu discurso de agradecimento, Covas
reafirmou os valores democráticos fundamentais que haviam embasado, dez anos antes, seu último
discurso antes da cassação do mandato de deputado federal. A força do arbítrio que o afastara do
caminho da política não fora o bastante para abalar suas convicções.
Mario Covas era candidato pela primeira vez depois da cassação. Desde que eu soube
que ele era candidato, tinha decidido que ele era meu voto para federal. Foi aberto um comitê
na avenida Juscelino Kubitscheck, no meio do caminho onde eu morava e onde estava instalado
o comitê do Montoro. Um dia, fui até lá com a cara e coragem, bati na porta, e disse: ‘Vou votar
no Mario Covas e vim buscar material’. Na campanha do Montoro, eu cuidava das reuniões com
candidatos a vereador na capital. A gente precisava de mais espaço, e lá fui eu pedir no comitê do
Covas. Na primeira reunião alguém me disse que o Mario Covas queria me cumprimentar.
Covas gostava de ver as pessoas, conversar com elas, dar atenção. E para mim foi uma maravilha.
Eu parecia uma menina de colégio, não parecia que eu já estava no meio da política, ao conhecer
um daqueles ícones da luta contra a ditadura. Ele foi muito gentil, acompanhou de longe cinco
minutos da reunião e me pediu para fazer uma reunião em Santos, no comitê dele, nos moldes do
que fazíamos na capital. Chamava Projeto Brigadas, nem lembro a razão, mas era
um projeto grande, com várias pessoas envolvidas. E lá fui eu a Santos junto com
Mario Covas. Fui e voltei. Uma das coisas que mais impressionavam no Covas era a
capacidade de dar atenção às pessoas.
Covas e Montoro mostravam-se favoráveis a uma mudança na legislação, permitindo a volta das
eleições diretas para a prefeitura da capital. Havia um projeto de lei nesse sentido, e a mudança
parecia possível. Enquanto essa questão não se decidia, Covas exerceu as funções de secretário dos
Transportes do governo Montoro. Em maio de 1983, ao se verificar a inviabilidade imediata de eleições
diretas, Covas assumiu a Prefeitura por indicação de Montoro.
Em seu discurso de posse como prefeito nomeado do município de São Paulo, Mario Covas anunciou como
diretriz o esforço para diminuir as desigualdades sociais. “O espaço entre o centro da cidade e o mais longínquo
trecho da periferia não se mede em quilômetros apenas, mas, sobretudo, em distância social. Ali, as pessoas
vivem sob padrões elevados. Acolá, tentam precariamente administrar a própria sobrevivência. De um lado, o
superconsumo do supérfluo, de outro, o subconsumo do essencial.”
A preocupação com a periferia orientou várias medidas para levar até ela serviços antes só disponíveis
nas ruas centrais, como a implantação, em outubro de 1985, da varrição e da limpeza em todas as ruas
asfaltadas da capital. Até então, esse serviço só existia em 20% das vias públicas.
Para atender as vastas áreas sem pavimentação de São Paulo, foi desencadeado um programa de mutirões
para a colocação de guias, sarjetas e calçamento. A preferência pelos mutirões, solução encontrada para
contornar a escassez das verbas disponíveis, contribuiu intensamente para tornar mais conhecido o
nome de Mario Covas. Ele fazia questão de visitar pessoalmente todas as obras, passando a maioria de
seus fins de semana na periferia da capital paulista.
Cleuza Ramos
líder comunitária
Padre Rosalvino
A iniciativa mais marcante de sua passagem pela prefeitura foi a criação, em dezembro de 1983, da
Carteira de Passageiro Especial – O Passe do Idoso, permitindo que as pessoas com mais de 65 anos
viajassem gratuitamente nos ônibus da cidade, entrando pela porta dianteira dos veículos. A repercussão
extraordinária dessa iniciativa pioneira, copiada posteriormente por um grande número de cidades
brasileiras, é considerada uma conquista definitiva, que hoje ninguém pensaria em abolir. Além disso,
Covas iniciou os corredores de ônibus, com a implantação do corredor Santo Amaro – Nove de Julho e a
corajosa intervenção no sistema de transporte de ônibus da capital.
Sua gestão também se mostrou superior no que se refere ao número de quilômetros pavimentados e ao
preço pago aos empreiteiros. Segundo um levantamento publicado pelo Jornal da Tarde, em 13 de junho
de 1989, o metro cúbico na sua gestão saiu por pouco menos de 5 OTN’s , valor um pouco inferior ao pago
por Olavo Setubal e menos de um quarto daqueles vigentes nas gestões de Reynaldo de Barros e de Jânio
Quadros. Por outro lado, a média mensal de 35 quilômetros pavimentados na gestão Covas foi mais do
que duas vezes superior à observada nas gestões de Setubal, Jânio, Reynaldo de Barros ou Paulo Maluf.
Durante sua gestão na prefeitura, Mario Covas aumentou de 28% para 39% a participação da área
social no orçamento do município. Ainda assim enfrentou quatro greves do funcionalismo, conflitos
com os sem-teto e outros movimentos reivindicatórios, como o dos desempregados que permaneceram
acampados diante da prefeitura em setembro e outubro de 1984.
A volta das eleições diretas para prefeito nas áreas de segurança nacional deveria fazer de Mario Covas
o candidato natural do PMDB. Mas, como recorda Fernando Henrique Cardoso em A Arte da Política, uma
manobra política no Congresso vedou aos titulares das prefeituras o direito de se candidatar em 1985.
“Favorecia-se, assim, a candidatura do ex-presidente Jânio Quadros, do PTB, em coligação do PFL, com
a eliminação do competidor mais forte da oposição, Mario Covas.” A alternativa do PMDB consistiu em
apresentar o próprio Fernando Henrique no lugar de Covas. Jânio venceu as eleições.
Covas também não conseguiu a indicação para as eleições ao governo de São Paulo em 1985. A escolha
recaiu sobre Orestes Quércia.Em compensação, em novembro de 1986, Covas elegeu-se senador com o
maior resultado eleitoral da história política do Brasil até então – 7.785.667 votos. Empossado em 1º de
fevereiro de 1987, primeiro dia de funcionamento da Assembléia Nacional Constituinte, assumiu logo a
seguir a liderança do PMDB, rivalizando em influência com o presidente Ulysses Guimarães.
Fernando Padula
Clube dos Tucaninhos
Um dia toca o telefone lá em casa:
‘O senador quer falar com você’. Era
a primeira vez que eu iria ao escritório dele, e ele
falou: ‘Menino, você sabe onde é o prédio da IBM?
Meu escritório fica em frente. Passa aqui’. Lá fui
eu. Minha mãe não estava em casa nem meu pai.
Minha tia foi comigo. Eu fiquei lá, um menino de
11 anos, conversando durante uma hora e meia
com o senador Mario Covas. Acho importante falar
isso porque mostra o quão diferenciado ele era.
Um senador em pleno exercício do mandato, com
quase 8 milhões de votos, com alguém que não
era filho de ninguém conhecido. Nessa conversa,
ele disse: ‘Agora, uma vez por mês, você me liga,
passa aqui, pra gente ir conversando’. Eu estava
no Boletim de Ligações do senador Mario Covas.
Como líder de bancada, Covas ganhou a reputação de excelente negociador. Não reunia o número de
votos para vencer um embate direto com o Centrão, bloco parlamentar majoritário. Mas, negociando
cuidadosamente, conseguiu dar cunho mais avançado a assuntos quase tabus, como o da reforma agrária.
Mendes Thame
deputado federal constituinte e
secretário de recursos hídricos
As posições assumidas por Covas no Senado funcionaram como um divisor de águas, canalizando numa só
corrente os políticos do PMDB interessados na renovação do partido. No âmbito paulista, esse desacordo
político se via agravado pela velha rivalidade entre o grupo de Covas e o de Orestes Quércia. Além do
distanciamento pessoal, havia a separá-los divergências profundas no modo de encarar a prática política.
Assim, em junho de 1988, Covas e seus aliados afastaram-se da sua antiga agremiação e reuniram-se sob
uma nova bandeira partidária: a do Partido da Social Democracia Brasileira – PSDB.
Ao lado de Covas, encontravam-se no PSDB políticos de expressão, como Fernando Henrique Cardoso,
Franco Montoro, José Richa, José Serra e Pimenta da Veiga. Mas era urgente confirmar a identidade da
nova agremiação, apresentando um candidato próprio à presidência da República. Muito embora as
circunstâncias não fossem das mais favoráveis, Mario Covas aceitou a incumbência. Era a primeira eleição
direta para a presidência da República desde o fim da ditadura, e ele, que tanto lutara por esse dia,
sentiu que não poderia se esquivar.
Avelásio Jacobina
líder comunitário
A necessidade de dar identidade ao PSDB dificultava os acordos com políticos influentes. Em Minas
Gerais, o governador Helio Garcia manifestou o desejo de apoiar Covas, mas não chegou a concretizá-lo,
pois seu nome foi vetado por Pimenta da Veiga, então prefeito de Belo Horizonte. Pimenta da Veiga, que
coordenava a campanha de Covas em Minas Gerais, ambicionava candidatar-se ao governo estadual em
1990 e não tinha interesse numa aproximação com Helio Garcia. A única adesão a Mario Covas entre os
governadores partiu de Tasso Jereissati, do Ceará, que deixou o PMDB e aderiu ao PSDB.
Woyle Guimarães
coordenador do programa de TV
José Serra
presidente do psdb
Fábio Feldman
DEPUTADO E SECRETÁRIO
DO MEIO AMBIENTE
Arnaldo Madeira
vereador
Em 1990, Covas candidatou-se pela primeira vez ao governo do Estado de São Paulo, não passando do
primeiro turno. A eleição foi vencida pelo candidato do ex-governador Orestes Quércia, Luiz Antonio
Fleury Filho, que derrotou Paulo Maluf no segundo turno.
De volta ao Senado, Covas assumiu papel relevante no principal acontecimento político do início da década
de 1990: o impeachment do presidente Fernando Collor de Mello. Durante os debates, os defensores
do presidente haviam alegado que a CPI fora aberta para apurar os desmandos de PC Farias e seria
desvirtuá-la de suas finalidades envolver o presidente. Respondera Covas, citando Pedro Collor, que PC
Farias ficava com apenas 30% dos ganhos ilegais, cabendo 70% ao presidente. Dessa maneira, não havia
como desvincular um nome do outro, a não ser que se quisesse rebatizar a Comissão como a CPI dos 30%.
Robson Marinho
coordenador da campanha de
1994 e secretário da Casa Civil
Geraldo Alckmin
vice-governador
Gugu Liberato
apresentador de TV
JUSCelino Cardoso
deputado estadual e secretário
da Casa Civil
Irene Ravache
atriz
Mario Covas sabia dos problemas que iria encontrar para administrar as finanças paulistas e definiu o
ajuste fiscal como objetivo inicial de seu governo. Por mais drástico que fosse esse ajuste, entretanto, a
crise não seria resolvida sem a renegociação da dívida do Estado com o governo federal, que crescia de
forma exponencial, a uma taxa de juros que chegou a 4% ou 5% ao mês.
Ricardo Trípoli
deputado estadual, presidente
da Assembléia e secretário do
meio ambiente
Sueli Martins
secretária
Eugênio Staub
empresário
Paulo Cunha
empresário
Tanto o governo federal quanto o do Estado de São Paulo tinham interesse numa solução rápida, pois
seus destinos estavam indissoluvelmente ligados. Grosso modo, o governo, em seus três níveis, aplicava
em São Paulo em torno de 20% do PIB, mas arrecadava em torno de 40%. A diferença era transferida para
o governo federal e, por intermédio deste, para os demais Estados, especialmente por meio do Fundo
de Participação dos Estados e Municípios. Não havia, portanto, possibilidade de consolidar o Plano Real
sem um acerto com São Paulo. Tanto mais que os outros Estados tomavam São Paulo como exemplo e só
cediam nas negociações o que São Paulo cedesse. Por outro lado, a demora em encontrar uma solução
fazia crescer rapidamente o montante da dívida paulista.
Havia, é claro, a saída, finalmente aceita, de saldar parte das dívidas com a venda ou entrega de ativos.
Mas, além das dificuldades para o estabelecimento de critérios de avaliação, sobravam implicações
políticas. Durante a Constituinte, Covas criara uma imagem de adversário das desestatizações. Nunca
admitiu, aliás, que se afirmasse como questão de princípio a inferioridade da empresa pública diante da
empresa privada. Mas fora obrigado a reconhecer a impossibilidade em que se encontravam as empresas
públicas de São Paulo de investir as somas necessárias a seu desenvolvimento, motivo pelo qual já
aceitara as desestatizações como parte do Programa de Governo.
Assim, a Companhia Paulista de Força e Luz acabou leiloada em novembro de 1997 por 3,015 bilhões de
reais. No mês seguinte, a Eletropaulo foi dividida em quatro empresas, duas de distribuição, uma de
geração e uma de transmissão, que logo depois passaram a ser cotadas na Bolsa de Valores. Veio depois
a venda da Cesp em julho de 1998, e da Comgás, no primeiro semestre de 1999.
Antes que o processo terminasse, o governo de Mario Covas já ganhara força bastante junto ao governo
federal para negociar sua dívida em melhores condições. E sua maior credencial era o êxito do ajuste das
contas públicas. Além do valor simbólico como “banco dos paulistas”, o Banespa, na opinião de Covas,
atravessara apenas um período de má gestão, mas tinha todas as condições de se recuperar. O correr do
tempo, no entanto, deixou claro que a equipe considerava a privatização como caminho obrigatório para
todos os bancos estaduais. Restou aos paulistas o consolo de ter salvado a Nossa Caixa.
Graças à soma de esforços empreendidos pelo governo de Mario Covas, foi possível assinar o acordo de
renegociação com o governo federal em termos favoráveis. A dívida do Estado de São Paulo, que chegava
a 76,8 bilhões de reais em dezembro de 1994, caiu para 64,6 bilhões de reais. Os pagamentos ficaram
limitados a um teto de 13% da receita corrente líquida.
Havia uma cláusula do acordo prevendo juros diferenciados, dependendo de o financiamento cobrir
ou não a totalidade da dívida. Para os Estados ou municípios que quitassem 20% do total no ato da
assinatura do contrato, os juros anuais seriam de
6%. Para os que não fizessem esse pagamento,
os juros anuais subiriam para 9%. São Paulo foi
dos poucos que pagaram os 20%, cedendo ao
governo federal ativos como os da Fepasa.
Francisco Graziano
secretário de Agricultura
e Abastecimento
A segunda revolução anunciada por Covas referia-se à parte administrativa, necessitada de um salto de
qualidade e de uma aproximação com o povo. O instrumento principal consistiu na aplicação em larga
escala da tecnologia da informação, ou seja, a conjugação da computação com as novas tecnologias de
telecomunicações. Todas as informações do governo seriam digitalizadas e os diversos setores conecta-
dos em rede, constituindo o que se convencionou chamar de “governo eletrônico”.
Alexandre Schneider
assessor da Secretaria
de Governo
Com sua formação de engenheiro, Mario Covas logo percebeu o alcance das inovações que o governo
paulista estava propondo e cuidou de viabilizá-las através de um empréstimo obtido junto ao BID
em setembro de 1995. Isso permitiu que a capacidade dos técnicos do governo fosse ampliada pela
contratação de consultores em informática ou de empresas de softwares para o desenvolvimento de
produtos eletrônicos. Dentro da revolução administrativa proposta por Covas estava o cadastramento
eletrônico de 20 mil fornecedores e a padronização de editais e contratos.
Quando Covas assumiu o governo, as escolas eram amontoados de crianças e jovens; a mesma carteira que
recebia o menino de sete anos pela manhã, recebia o rapaz de 24 anos à noite. As escolas funcionavam
em quatro ou até cinco turnos, às vezes só com três horas de aula por dia. Nas salas, os materiais não
podiam ficar expostos, porque eram destruídos pelos alunos de outros períodos.
Covas preferiu fazer uma reforma abrangente, que beneficiasse todos os alunos da rede pública. Os
resultados vieram mais cedo do que o esperado. Em 1996, após a racionalização da ocupação, 70% das
escolas se tornaram exclusivas para alunos de primeira a oitava séries ou de quinta a oitava séries e de
ensino médio. Mais tarde seriam implantadas cinco horas diárias de aula em toda a rede pública.
Para combater as taxas de evasão e repetência elevadíssimas, criou-se a chamada progressão continuada
ou em ciclos. O sistema introduzia maior flexibilidade, permitindo que alunos com resultados fracos em
determinadas matérias não fossem condenados a repetir integralmente o ano letivo. Passavam para a
série seguinte, recebendo reforço especial naquilo que não haviam conseguido aprender.
O fim da desordem nas matrículas foi mais uma das conquistas do governo eletrônico e, com a
informatização do cadastro em 1995, verificou-se em março de 1996 a existência de 280 mil matrículas
duplicadas. Feito o ajuste, evitou-se, pela primeira vez, o desperdício nas compras de merenda escolar.
Rose Neubauer
secretária de Educação
Hubert Alquéres
secretário adjunto da Educação
A mistura de boa gestão e boa política, no melhor sentido da palavra, deu resultados felizes na habitação.
Do lado técnico, as construtoras e indústrias de construção civil foram incentivadas a desenvolver novas
tecnologias de construção e apresentá-las para testes na CDHU — Companhia de Desenvolvimento
Habitacional e Urbano. Um entusiasta do sistema de mutirão, Mario Covas tratou de incentivá-lo,
oferecendo aos interessados formas alternativas de construção com peças e estruturas pré-moldadas.
No âmbito político, Covas introduziu duas novidades no programa de habitação do estado. A primeira delas
refere-se à escolha dos contemplados entre os inscritos na CDHU. Para eliminar qualquer possibilidade
de favorecimento, decidiu que a atribuição seria feita exclusivamente através de sorteio público. Esses
sorteios logo transformaram-se em eventos acompanhados por milhares de pessoas.
Como segunda novidade, o contrato passou a ser assinado, não mais pelo casal, mas exclusivamente pela
mulher, que desta maneira se tornava única proprietária. Covas adotou a medida de imediato e passou
a referir-se a ela em todos os sorteios públicos, recolhendo a cada vez uma nova onda de aplausos. A
medida, uma das mais populares de seu governo, nunca foi contestada, jurídica ou politicamente.
Goro Hama
presidente da CDHU
Padre Ticão
Uma das principais diretivas adotadas por Mario Covas em seu governo foi a de não começar novas
obras enquanto aquelas em andamento não estivessem terminadas. Válida para todas as áreas, essa
preocupação mostrou-se essencial no caso da Saúde. Ao assumir o governo, Covas encontrara catorze
esqueletos de hospitais iniciados e abandonados. Cuidou de terminar essas construções, começando
pelas que estavam mais avançadas ou as localizadas em locais mais necessitados.
Somente depois de terminada a fase de finalizações, cuidou de construir hospitais novos, cujo número
chegou a quinze: cinco na capital, oito na Grande São Paulo, um em Bauru e um na cidade de Sumaré. A
capacidade dessas novas unidades chegava a três mil leitos, número que, somado aos três mil reativados
e/ou criados por ampliações nos hospitais antigos, elevou o total de leitos disponíveis em seis mil.
Partindo do princípio de que serviço público não precisa ser estatal, Covas submeteu à Assembleia
Legislativa e obteve a aprovação da lei que criava as Organizações Sociais. Graças a essa inovação legal,
Mario Covas pôde autorizar a assinatura de uma série de contratos de gestão com entidades beneficentes,
que recebem o dinheiro do Estado, contratam o pessoal e compram medicamentos.
Na gestão Covas, foi criada a possibilidade de atuar em terras devolutas. Ficaria caro para o governo
desapropriar terras para reforma agrária em São Paulo. Mas havia terras, a oeste do Estado, que o Tribunal
de Justiça tinha declarado públicas, em 1957. Era 1995 e ninguém tinha feito absolutamente nada para
cumprir a lei. E foi cumprindo a lei que Mario Covas fez a reforma agrária em São Paulo.
Belisário dos
Santos Junior
secretário da Justiça
e Defesa da Cidadania
Edson Vismona
secretário adjunto e secretário
da Justiça e Defesa da Cidadania
A Defesa Civil de São Paulo, durante Os primeiros seis meses foram muito difíceis.
a gestão de Mario Covas, foi pioneira na Dificuldades físicas, porque você não dorme, a
descentralização. Antes, a atuação era só de cabeça a mil por hora, vivendo em função do
emergência, depois de alguma catástrofe – governador, além da vida pessoal, tudo o que
inundação, deslizamento, chuva de granizo. Com cerca o governador, informações, estrutura,
Mario Covas, passou a ser também preventiva, viajando terça, quinta e sábado. Nos primeiros
com a criação de depósitos virtuais, mapeamento quatro anos de governo, foram visitados 645
do Estado de São Paulo por áreas de risco e municípios, viajando de oito a dez cidades por
educação infantil nas escolas para desastres. vez. Em todas eu fui, pelo menos duas vezes em
cada cidade. Em algumas, fui dez vezes. Teve
uma cidadezinha, Itaoca, em que nunca um
governador havia pisado. Na hora em que o
helicóptero decolou e teve que voltar, ele falou:
‘É a segunda vez que um governador vem aqui’.
Transportes
O governo tinha duas metas principais para tocar na área de transportes: uma era o Programa de
Concessões de Rodovias e a outra, o trecho inicial do Rodoanel. A oposição batia na Assembléia Legislativa,
mas o Estado estava quebrado e sem capacidade de investimento. Fazer a concessão era o caminho, e
Covas fez. Os preços dos pedágios eram uma grande discussão. Eles não eram mais baratos nas estradas
movimentadas. Se fosse assim, as tarifas teriam que ser mais altas nas regiões mais carentes do Estado, e,
portanto, com menos movimento. Mas para o governo era preciso aplicar as regras da social democracia
e diminuir as diferenças. As decisões de Covas deram frutos duradouros. São Paulo tem a melhor malha
viária do país, e o Rodoanel, que hoje leva o nome de Mario Covas, é uma realidade.
Michael Zeitlin
secretário de Transportes
Transportes metropolitanos
No setor de transportes metropolitanos, o essencial para Covas era a retomada do que estava parado,
basicamente o Metrô, com três extensões paradas há anos e muitas dívidas. Mario Covas dizia: “Não
faço nenhum centímetro novo se não resolver o que está parado”. Outro problema sério eram os trens
metropolitanos. O governo federal pegou ferrovias centenárias e jogou na CPTM, que também administrava
a divisão antiga da Fepasa, com várias ferrovias federais, como a Santos-Jundiaí. Foram tomadas medidas
vigorosas, como paralisar a ferrovia por seis meses para obras. O governo paulista mostrou que ferrovia
também pode ter dignidade, com a chegada dos novos trens com ar-condicionado e música ambiente,
para atender ao trabalhador e morador da periferia da cidade de São Paulo.
Era preciso buscar investimentos privados, gerar empregos e desenvolver a economia. Em um período
em que os governos estaduais deflagraram uma verdadeira guerra para atrair investidores, oferecendo
benefícios e subsídios, o governo paulista fez nova revolução. Ampliou seu parque industrial e atraiu
novas indústrias estrangeiras sem entrar guerra fiscal. São Paulo poderia oferecer muito e a todos, mas
não seria loteada, e os interessados não teriam privilégios.
Emerson Kapaz
secretário de
Ciência, Tecnologia e
Desenvolvimento ECONÔMICO
José Aníbal
Secretário de Ciência, Tecnologia
e Desenvolvimento Econômico
Com as universidades paulistas – USP, UNESP e UNICAMP, a relação sempre foi de muito respeito,
principalmente pela autonomia e pelo cumprimento das leis estabelecidas.
Cultura
Para os amantes de música clássica, não haverá legado maior do que a Sala São Paulo, uma das mais
modernas salas de concerto do mundo e ponto central da revitalização da estação ferroviária Julio
Prestes, no bairro paulistano da Luz.
Marcos Mendonça
Secretário da Cultura
Quando a questão envolvia trabalho, para Mario Covas a prioridade era o emprego. São Paulo foi o Estado
pioneiro na criação da Secretaria de Emprego e Relações do Trabalho. A meta passou a ser a mudança de
prioridade, ou seja, olhar o orçamento do ponto de vista do emprego, aproveitando as potencialidades
do Estado para gerar oportunidades. O programa Auto-Emprego capacitava pessoas para o mercado de
trabalho, o Banco do Povo oferecia crédito popular a juros baixos para quem queria abrir ou expandir seu
pequeno negócio, além das frentes de trabalho.
Walter Barelli
Secretário de Emprego e
Relações do Trabalho
Segurança Pública
Se a utilidade ou a oportunidade de muitas das realizações de Mario Covas não foram postas em dúvida,
nem mesmo por seus adversários, e obtiveram todas grande repercussão popular, o mesmo não ocorreu
com algumas políticas públicas, que geraram vivas controvérsias. A mais polêmica delas foi a da Segurança
Pública, decididamente voltada para os direitos humanos.
Mas, segundo o testemunho unânime de seus amigos e colaboradores, quando Covas se convencia do
acerto de determinada atitude, era inútil tentar demovê-lo com argumentos de conveniência política
imediata. Firme em suas convicções, de acordo com alguns, teimoso ou turrão, segundo outros, ele era
de uma veemência inusitada nas discussões internas do governo e fora dele.
Paulo Francini
Empresário
Ao iniciar o governo em seu primeiro mandato, Mario Covas assumiu como tarefa prioritária a retomada
do controle das polícias, coibindo abusos e violências que haviam se tornado rotina. Fazia parte dessa
orientação a humanização no trato dos detentos e dos menores da Febem. A superlotação dos presídios
e das cadeias das delegacias banalizara as rebeliões, e estas, por sua vez, eram combatidas com mais
repressão, geradora de novos motins, num círculo vicioso sem fim.
João Benedito de
Azevedo Marques
Secretário de Administração
Penitenciária
Nagashi Furukawa
Secretário de Administração
Penitenciária
Cuidar das pessoas era uma preocupação constante de Mario Covas. Por isso, ele estabeleceu metas já no
programa de governo. Uma das que foram cumpridas à risca foi o saneamento. Na gestão dele, acabou o
rodízio de água em São Paulo, 100% da população passou a ter rede de água, 85%, rede de esgoto. Em
janeiro de 1995, a Sabesp tinha problemas de caixa, não pagava funcionários, trabalhava com empresas
terceirizadas. Em setembro de 1998, foram contabilizadas 1.200 obras entregues em todo o Estado.
Comunicação
Durante suas diversas campanhas eleitorais, Covas nunca entendeu muito bem o mundo dos “marqueteiros”
e dos publicitários. Mesmo admitindo sua importância, preferia se concentrar no que fazia melhor, o
contato direto com a população e o uso da palavra. Conservava muito vivo o desejo de expor seus pontos
de vista, de convencer. No governo, sempre manteve relações cordiais e simpáticas com jornalistas e
formadores de opinião, cultivava pessoalmente alguns relacionamentos conquistados ao longo de sua
vida pública, era respeitado por suas posições, mas era intransigente com o gasto do dinheiro público,
inclusive nesta área. Não admitia gastar em comunicação e deixar de construir mais casas, escolas, redes
de esgoto etc. Mas era um ávido leitor de jornal. E o dia dependia sempre do noticiário.
Alexandre Machado
Secretário de Comunicação
Embora não fosse obrigado pela legislação, durante os meses da campanha à reeleição, Mario Covas
preferiu afastar-se do governo, passando o cargo para o vice-governador, Geraldo Alckmin.
Ricardo Penteado
advogado em campanhas
políticas
Depois de um início difícil, a candidatura de Mario Covas à reeleição como governador cresceu muito
pouco antes do dia da eleição. Ultrapassou Marta Suplicy, passando para o segundo turno juntamente
com Paulo Maluf. Elegeu-se, então, com 9,8 milhões de votos, 53% dos votos válidos.
Mariana Caetano
Jornalista
Iniciando o segundo mandato, já com as finanças do Estado de São Paulo saneadas e um ambicioso
programa de governo, Mario Covas atingia o melhor momento de sua carreira. A presidência da República
parecia ao alcance da mão. Mas estava condenado. No dia 3 de dezembro de 1998, internou-se no Incor
para exames de rotina. Detectou-se câncer na bexiga. Não houve tempo para pensar. Foi operado no dia
seguinte para retirar o tumor e reconstruir a bexiga com tecido retirado do intestino.
Mario Covas deu duas determinações: Antes da cirurgia, a pressão foi enorme, muita
a primeira era que não se escondesse nada gente querendo dar palpite, emitir opinião
dele, da família ou da população. Isso foi e aparecer na imprensa. O governador Mario
uma quebra de paradigma, foi inusitado. A Covas sentiu isso. Tanto sentiu que pediu para
outra determinação é que o tratássemos até a Renata falar com a gente. ‘Olha, meu pai
o limite e não o deixassem sofrer. A partir daí pediu para conversar com o senhor. Ele está
cumpriu tudo o que foi sugerido, o que não foi muito preocupado com seu equilíbrio emocional.
pouco, já que foram várias as internações e os
Porque se o senhor estiver sofrendo a metade da
procedimentos. E mais, o governador decidiu
pressão em relação à cirurgia, é para ficar louco.
se tratar num hospital público, no Incor, uma
Mas ele pediu para lhe dizer que nem secretário
decisão institucional, e também pela equipe.
nem ministro nem presidente nem Jesus Cristo
Lembro que, na sexta-feira de Carnaval de 2001, vão mudar o que ele já decidiu. Ele vai operar
Mario Covas me chamou, dizendo que queria ir com o senhor e aqui no Incor. Fique tranquilo.’
para a praia. Concordei que fosse para a Riviera
de São Lourenço. Eu fui ao Guarujá, para ficar Isso foi de uma dignidade, de uma lealdade
mais perto dele. No sábado, me chamaram. Fui com a equipe médica, particularmente comigo,
até lá e vi que ele tinha piorado. No domingo, muito grande. O governador doente capta
bati o olho nele e disse: ‘Não dá mais, vamos isso e, inteligente como era, manda a filha
embora’. Ele perguntou: ‘Para o palácio?’ E eu conversar com a gente e nos tranquilizar. E
disse: ‘Para o hospital, governador, para o
foi além. O governador disse que se alguém
hospital’. No helicóptero estavam a Renata, a
buzinasse, interferisse, era só avisar
dona Lila, o capitão Junqueira e eu. Covas estava
para ele remover os obstáculos.
na cadeira de rodas quando eu peguei o pulso
dele e vi que estava a mais de 300. Ele falou: Nesses termos. Uma atitude de
‘David, muito obrigado por você ter deixado eu solidariedade. Achei fantásticos a
ver o mar pela última vez’. lealdade e o respeito de Mario Covas.
O governador reeleito tomou posse no dia 10 de janeiro de 1999, após receber alta do hospital. Submeteu-
se, então, a três sessões de quimioterapia e, apenas em maio, assumiu plenamente suas funções no
governo do Estado. Parecia recuperado, mas o câncer voltou. Já não havia possibilidade de cura. Mario
Covas morreu no dia 6 de março de 2001, às 5h30 da manhã, no Instituto do Coração, em São Paulo.
Henry Sobel
rabino
Inconformados com esse final prematuro, os familiares, amigos e admiradores de Mario Covas reuniram-se para
preservar o seu legado essencial. Nasceu, assim, a Fundação Mario Covas, com uma dupla missão: desenvolver
atividades políticas e acadêmicas de estudos e pesquisas, com ênfase na questão social e no desenvolvimento das
técnicas de administração pública e privada e de gestão governamental. E defender o ideário político de Mario Covas.
Marta Suplicy
prefeita de São Paulo
Aécio Neves
deputado federal e presidente
da Câmara Federal
Rubens Rizek
amigo
Eu estava em casa, toca o telefone, era o senador Covas. ‘Pode vir aqui me pegar? Posso, mas eu não
tenho carro, só um bug. E isso não é carro? Você não quer me pegar?’ E fui com meu bug. Quando ele viu,
perguntou: ‘É isso aí? Como se entra?’ Expliquei, ele entrou, estava sem a capota. Ele sentou e começou
a ler um jornal, na avenida Faria Lima. A cara das pessoas exclamando era incrível: ‘É o senador’. Ele
tinha uma simplicidade, um jeito determinado de fazer as coisas.
Nagashi Furukawa
secretário de Administração Penitenciária
Quando parecia que Covas era contra uma determinada proposta, nós precisávamos estar preparados,
ele contra-argumentava, chegava aos detalhes. Era difícil, só depois é que aceitava. Quanto mais
íntimos, mais xingados. Até que Covas começasse a me xingar, demorou um pouco.
Emerson Kapaz
secretário de Ciência, Tecnologia e Desenvolvimento Econômico
A preocupação de Covas com o dinheiro público era constante. Uma vez, durante uma apresentação
sobre a privatização de uma empresa, usei a expressão ‘recursos próprios’ para esclarecer que
o recurso vinha do governo. Covas não teve dúvida, interrompeu a apresentação, perguntando:
‘Recursos próprios, de quem? Aqui no governo os recursos sempre serão públicos’. Isso ficou
gravado na minha cabeça.
Sergio: 20 milhões de dólares, eu tenho o dinheiro e estou avisando que vou comprar.
Covas: Não senhor. Eu aqui desesperado, fazendo das tripas coração para comprar os trens espanhóis e
você com 20 milhões sobrando? Não senhor. Passa esse dinheiro para o Nakano, fica sem máquina nova.
Bem ao estilo Covas, isso foi feito. A população ganhou o trem espanhol, e a Imprensa Oficial reformou
sua rotativa.
Marcos Arbaitman
secretário de Esportes e Turismo
O mais relevante em Mario Covas era a sua sensibilidade popular, saber se colocar ao nível do povo e
dialogar. Mas também adorava uma discussão. Uma vez saiu do hospital, no início da segunda
gestão, e teve um problema na Febem. Tinha uma mãe que começou a discutir com Covas e virou
um bate-boca feio. Covas não deixou ninguém intervir. Quando acabou a discussão, ele entrou no
carro e disse: ‘Eu estava louco por uma briga’.
Fiz parte do governo de transição, na USP, mas não sabia se assumiria alguma secretaria. Fui um dos
últimos a ser convidado. O Covas me chamou e disse: ‘Você vai ficar com Transportes Metropolitanos’.
Sempre usei rabo de cavalo, tamanco, brinco, era um tanto heterodoxo, riponga, não gostava de terno.
Mas comprei um terno para o dia da posse. Quando Covas me viu assim disse: ‘Esse meu governo vai dar
certo, o Claudio está de terno’.
Alexandre Schneider
Lembro que, logo no início do rodízio de carros, cheguei mais cedo para trabalhar. Ás sete horas da
manhã, Mario Covas passou como um tufão na Secretaria de Governo, que ficava no mesmo andar do
gabinete do governador. Ele reclamava que não tinha ninguém trabalhando e disse: ‘Não podemos
perder um minuto, fomos delegados pelo povo para trabalhar.
Gugu Liberato
apresentador de TV
Participei de vários showmícios de Mario Covas, mas lembro de um em especial, em Osasco. O palanque
estava cheio de gente e começou a desmoronar. Foi uma correria, uma gritaria, segurança pra tudo que
é lado, e o palanque cedendo. Só não foi uma tragédia porque havia um carro embaixo do palanque,
que acabou dando sustentação. O sistema de som, é claro, pifou, mas o Mario Covas não se importou.
Assumindo suas responsabilidades, virou-se para os organizadores e disse: ‘Deixa que eu falo com a
população’. E, aos gritos, pediu calma.
Vanya Sant’anNa
amiga e assessora do prefeito
Mario Covas tinha algo especial com a Universidade de São Paulo. Primeiro, por ter sido aluno de lá.
Segundo, porque via a universidade como pólo referencial. Ele visitava frequentemente as três
universidades estaduais. Uma vez, já com a saúde bastante debilitada, foi convidado para
paraninfo na formatura dos alunos de engenharia da Poli. Eram uns 400, e ele fez questão de
ficar até o fim da cerimônia e tirou foto com cada um dos formandos.
Era começo de governo. Um belo dia, entro na sala do governador e lá está ele lendo jornal, possesso,
tenso, vermelho, com raiva, batendo na mesa e gritando: ‘É mentira, é mentira’. Aí eu viro pra ele e digo,
tentando acalmar: ‘Nem tudo é má notícia, governador’. E ele, gritando, responde: ‘Hoje não quero
saber de notícia boa. Só quero notícia ruim’.
Numa dessas tardes, acho que no terceiro ano de governo, vem lá um publicitário mostrar um filme,
cheio de sobrevôos de helicóptero, aquelas construções da Sabesp fotogênicas, a Carvalho Pinto. Quando
acabou o filme, o publicitário perguntou para o governador: ‘E aí?’ A dona Lila perguntou ao governador:
‘Eu falo ou você fala?’ O governador falou: ‘Deixa comigo’. Ele começou dizendo: ‘Você não entendeu
absolutamente nada, nada!’ O publicitário respondeu cavando um fosso maior ainda: ‘Mas governador,
eu mostrei o que o senhor está fazendo’. Ele respondeu: ‘Esse é o problema. O que eu estou fazendo,
qualquer um pode fazer’. Isso eu converso muito quando dou palestra sobre ética do cotidiano.
Ele falou: ‘Isso qualquer um pode fazer. Você não está mostrando como nós estamos fazendo. Você
valorizou o assentamento, mas não valorizou o processo do assentamento, que foi numa negociação.
Você valorizou a CDHU, mas não disse uma palavra que eu entrego a chave para a mulher. Vai ver se
pode isso no Direito Civil? Não pode, mas eu entrego a chave para a mulher. Você valorizou o negócio
da Sabesp, mas não sabe como a gente recuperou a Sabesp, não falou isso’. Ou seja, ele passou a idéia
de que a valorização do processo é a valorização do fim, é a a ética da responsabilidade. Vou fazer uma
coisa, mas de uma forma que dê exemplo. Vou criar uma coisa, mas valorizo o processo.
Fábio Feldmann
secretário do Meio Ambiente
Nossa relação sempre foi bastante conflituosa e tensa no governo. Tínhamos opiniões divergentes em
alguns temas, mas sempre com muito respeito. Um dia, em um de nossos encontros de trabalho, falei
com ele sobre as questões do palmito. Ele não teve dúvida e saiu com a seguinte indagação: ‘Só me
faltava essa. Agora você vai me proibir de comer pastel na feira?’ Ele também sabia ser engraçado.
Covas era um fumante inveterado. Na prefeitura, sempre havia um cinzeiro enorme cheio de bitucas de
cigarro. No Anhembi, era proibido fumar nas áreas internas. A primeira vez que Covas foi ao Anhembi,
tomei a liberdade de pedir ao prefeito que tentasse não fumar, só se fosse imprescindível. Covas
respondeu: ‘Pois é imprescindível. E só faço reunião se fumar’.
Robson Marinho
coordenador da campanha de 1994 e secretário da Casa Civil
Numa segunda-feira, eu estava despachando com o governador quando ele chamou o chefe da Casa
Militar e mandou calcular o custo do helicóptero de São Paulo até a Riviera de São Lourenço, litoral sul
paulista. Quando o chefe da Casa Militar saiu, eu perguntei: ‘Governador, por que o senhor mandou fazer
esse cálculo?’ E ele respondeu: ‘Porque eu quero recolher aos cofres do Estado o custo da viagem até a
Riviera, ida e volta’. Eu disse: ‘Mas por quê? Era um final de semana em que sua família estava lá, o
senhor estava chegando de viagem ao interior e se deslocando para passar o final de semana com sua
família’. Ele respondeu: ‘Não quero saber, eu vou recolher’. Como de fato recolheu aos cofres do Estado,
para que ninguém pudesse insinuar que ele estava usando o helicóptero para ir para a casa de praia
dele. Isso mostra o respeito dele com o dinheiro o público.
Miguel Jorge
executivo
OSWALDO MARTINS
AMIGO E SECRETÁRIO DE COMUNICAÇÃO
Todo político que está no Executivo corre o risco de perder um pouco a noção de realidade, até porque
não faltam bajuladores em volta. Onde tem corte, tem o bobo da corte, tem cortesão, tem cortesã, toda
corte é assim, seja no império, na monarquia ou na república. Tudo igual. Isso pode iludir, sobretudo
se a pessoa for deslumbrada. Mario Covas nunca teve nenhuma atração pelas benesses do poder, até
porque,ele não gostava de conforto. Coisa estranha, mas não gostava, ele gostava de sofrer. E quem
estava ao lado dele sofria junto, gostasse ou não gostasse, porque estava naquele jogo. Mais
uma vez, “A ação conforme a pregação” é um bom rótulo para a trajetória do Mario porque, no
Executivo, onde podia ser tudo diferente, não foi nada diferente. Continuou praticando a mesma
democracia que defendia e praticava quando estava no parlamento.
Yoshiaki Nakano
secretário da Fazenda
O legado de Mario Covas foi Estado saneado, mais condição de investir, Estado com dívida
renegociada. Ele recebeu uma herança maldita, o Estado endividado, e pensava no futuro. Pagou as
dívidas para deixar o Estado bem.
Paulo Francini
empresário
O maior legado de Mario Covas é o de um homem político. Essa é a inspiração maior de Mario Covas,
vocação de homem público, homem de convicções. Nunca o vi embaralhado em atitudes de corrupção.
Tratava com seriedade a questão pública. Tinha convicções dolorosas e uma enorme necessidade de
promover o saneamento econômico do Estado de São Paulo.
Paulo Cunha
empresário
É um exemplo, em primeiro lugar, de persistência. Basta olhar sua vida política, de grande determinação.
Tinha talento e possibilidades para seguir outros caminhos. Quando foi cassado, trabalhou como
engenheiro, administrador. Mas a vocação dele era a de homem público, tratava a coisa pública como
coisa pública. Do ponto de vista civilizatório, é um exemplo relevante até hoje. Um homem público.
O PSDB e a política brasileira devem muito a Mario Covas. Ele não fez nada sozinho, mas o Brasil, que
acordou para a ética e a moralidade, devem muitíssimo a homens como Covas.
Cleuza Ramos
Líder Comunitária
Para quem tem vergonha na cara, Covas deixou um grande exemplo de trabalho e clareza, de viver para
servir. Ele sempre colocou o interesse do outro acima do seu.
Edson Vismona
secretário da Justiça e Defesa da Cidadania
Aprendi com Covas que é possível fazer política com grandeza. Covas dizia que a política não pode ser
esquecida, pois é na política que um país rico como o Brasil tem condição de ser mais justo.
Bruno Covas
neto
Meu avô era um político que não defendia a educação, a saúde, a segurança, a habitação. Ele
defendia princípios e valores. A grande bandeira de Mario Covas sempre foi a da seriedade, da
honra e da ética.
Antonio Angarita
secretário de Governo
Covas teve coragem, a grande virtude do político. Era um trabalhador fora do comum. Eu dizia a ele:
‘Você é pior do que escravo, é galé. Porque escravo come, dança. Galé só rema’. Não era um intelectual.
Apesar de muito bem informado, escolheu ser gestor. Não era mal humorado, era grave.
BOB FERNANDES
JORNALISTA
Seu legado é perceber que é possível ter integridade na política, que é possível ter palavra e cumpri-la.
Num meio tão difícil como a política, é ter o respeito do adversário; alguém com começo meio e fim,
sabendo que pode ser prejudicado. Covas era admirável. Ainda que absolutamente comum como pessoa,
era incomum no comportamento como político.
Padre Ticão
RELIGIOSO
Conosco estabeleceu uma relação tão fraterna que podíamos entender quando ele falava: ‘Não dá para
atender’. Mas era muito difícil ele dizer isso. Foi sempre uma pessoa de uma sensibilidade muito grande.
Isso marcou nossa região até hoje. Então temos o campus da USP que tem o nome dele, escolas, conjuntos
habitacionais, o Mario Covas é lembrado sempre com muito carinho. Até naquilo que muita gente dizia
que ele era turrão, para nós foi bom, porque ele era turrão com aqueles que precisavam, como um pastor
que tem um cajado e bate no lobo. Ele usava o cajado para defender o povo. Acho que Mario Covas
conseguiu passar uma realidade como a nossa de tanta desigualdade, conseguiu mostrar que é possível
fazer uma política diferente, fazer a política que é necessária para responder às necessidades básicas da
população. Que Mario Covas continue nos iluminando na sua prática.”
Ele tinha presença. Era daquelas pessoas que chegam e preenchem o espaço, é inerente, não se
aprende. Tinha também o poder de comunicação, com toda braveza, “espanholice” e decibéis acima.
Seus pequenos gestos eram captados e valorizados, como passar a mão na cabeça, perguntar, valorizar
sua opinião. Fora isso, tinha um sentido de justiça forte, com argumentação forte, orientada para a
justiça social, nunca pessoal, mas sempre com propósitos coletivos. Se preocupava em estar preparado
para tratar dos assuntos e com seriedade. Assumia riscos que causavam admiração até em adversários.
Entrava em piquete para defender suas posições.
Rose Neubauer
Secretaria da Educação
Nas inaugurações de escolas, Mario Covas fazia questão de dizer que “a escola é de vocês, feita com
dinheiro de vocês, não têm que agradecer”. Ele tinha compromisso com a população. Nunca foi de
esquerda, mas tinha compromisso com a população, respeito à coisa pública, o que muita gente
de esquerda tem no discurso, mas não pratica.
Conselho Curador
Fotografia A2 Fotografia
nota:
Parte do texto sobre a trajetória de vida de Mario Covas foi extraída do Guia do Acervo,
publicação do Centro de Memória da Fundação Mario Covas.
apoio