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ISBN 85-7718-058-1
1. Romance brasileiro I-título
06-8757 CDD-869.93
NA MESMA TECLA
2007
SÃO PAULO - BRASIL
NA MESMA TECLA
Copyright © 2007 by Délcio Vieira Salomon, IWA
Todos os direitos reservados.
Edição única – proibida a venda e reprodução
parcial ou total sem autorização do autor.
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(11) 5574-5322
CAPA:
RODRIGO LIMA DE ANDRADE
À Lena
companheira e inspiradora
Aos filhos
Tânia, Carla e Leo
Aos netos
Luana (in memoriam), Raissa, Tassila e Ian.
AGRADECIMENTOS ESPECIAIS:
À Terezinka Pereira,
por ter acreditado, em pouco tempo de convivência, no “poeta”
e por tê-lo projetado internacionalmente (quem dera fosse
verdade tudo que escreveu a meu respeito!)
Á Clara Grimaldi,
amiga de longa data e professora aposentada da UFMG
pela paciência em rever os poemas, sugerir alterações e, so-
bretudo, pelo incentivo jamais esquecido
Ao Wilson Salgado,
colega desde o primeiro ginasial (1942) até o final da Filo-
sofia em Lorena, SP (1949), grande amigo, cujos comentários
sobre os poemas convenceram-me a não abandonar o sodalício
com as musas.
A gente às vezes canta
para sentir-se existente
(João Cabral de Mello Neto – O relógio)
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Pergunta é dúvida e dúvida é o primeiro passo na busca da certeza. Quanta lembrança de dias idos e vividos nas dobras do destino escondidos. E
Nel mezzo del camin di nostra vita esta: Tinha escolha? Mesmo que tivesse sei que gostaria de me repetir.
Mi ritrovai per una selva scura O seu Legado é bilaquiano como poucos. Não menos que o
Che la diritta via era smarrita”. poema dedicado ao próprio alexandrino Bilac.
O Dante Aleghieri bem lembrado trouxe-me, também, uma Penso, logo... excelente entrevero com Descartes: “Je pense,
terna lembrança. Lembro-me que em 1947 recebi de um colega donc je suis”. “Cogito, ergo sum”.
nosso de Mato Grosso uma edição do “La Divina Commedia”, que
em 2005 fez cem anos e está comigo há sessenta anos.
Não obstante as placas, seu pessimismo intelectual e poético Caro Délcio, por favor não arquive em nenhum baú seus ex-
não logra ocultar a esperança do verdadeiro caminho, pouco im- celentes poemas, como costumava fazer o Fernando Pessoa, que
porta o seu é proibido procurar. revivi em muitos de seus versos.
Não raro buscamos no fundo de um copo a juventude que se Não espere o ouro, que, quem sabe, até poderá aparecer em
está diluindo e, no desespero inconsciente, enchemos outra vez o sua bateia, pois não é ele o seu prêmio maior. É um simples aci-
nosso copo na mesma tentativa de Francisco Alves que cantava dente que morre enquanto a essência permanece brilhando. Espe-
“E no anseio da desgraça re, sim, o feliz sentimento de que você está tangendo os corações
Encho mais a minha taça de quantos o lerem.
Para afogar a visão...” Não exija de seus poemas a herança que o filho pródigo exigiu
Talvez tudo seria mais ameno se pudéssemos reencontrar nos- de seu pai, mas a sublime contemplação fraterna e amiga dos
sos velhos companheiros velhos, que só Deus sabe onde se encontram. que tiverem a ventura de saboreá-los em clima de meditação e
Adorei a figura do amor intransitivo a dois, sempre no plural. de se transportarem para o patamar de suas saudades e de seus
Talvez seja essa a forma jamais concebida de poetamar. conceitos.
A tecla “fá”, me enveredou para meu primeiro livro, onde defi- As lembranças, os copos, a mãe, os beijos, o amor, as fraturas
no: “Saudade é a presença constante da ausência” e fiquei feliz de expostas, a palavra que faz feliz ou que magoa, amor feroz ou platô-
ver a mesma idéia brilhando no poema. nico, tudo é forma de rebobinar a vida. Pouco importa o que se per-
A vida passa, mas o poema fica. Incorporei em mim o “Ars longa, deu no tempo. E daí? O tempo é o agora, e o agora, reitero, é eterno.
vita brevis”. A excelente versão da Teresinka estende, ainda mais, a Meus sinceros parabéns! Gostei, mesmo. Gostei muito!
longevidade do belo poema, todo ele eivado de nobres sentimen-
tos e de estímulo a ler com atenção a magia do cotidiano. Ribeirão Preto, 24 de fevereiro de 2007
Vi, também artística e filosófica ponderação: a vida é tão
curta, não merece ser abreviada pelo remorso de não termos vi- Wilson Salgado
vido sempre em paz. ARL – Academia Ribeirãopretana de Letras.
É um otimismo contra os que alimentam remordidas sauda-
des do que nunca aconteceu.
Reitero que me encantaram as frases e figuras lapidares que
envolvem os poemas de Na mesma tecla: Qual grafiteiro, roubo a noi-
te madrugada para garatujar e embaraço a vista no deciframento de mim
mesmo. Ou: Vejo que até hoje não paguei a infância truncada. E, ainda:
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e ganhos, no velho conflito com seu próprio fim, sobretudo o “eu
com suas circunstâncias”.
Até coisas aparentemente banais, mas com o infinito poten-
cial de proporcionar lições.
Enfim tudo que aparenta ser eterno, enquanto de inspiração
sempre renovada.
Transformados em poemas
ANTES DO BAR
20 NA MESMA TECLA
A louca da torre
No desvario seu,/na torre pôs-se a cantar
(Alphonsus Guimaraens – Ismália)
.No.
.alto.
.da torre.
.ela vivia só.
.N a verdade.
.tinha de dia.
.a companhia.
.do rei Sol.
.e à noite.
.a claridade do luar.
.Está.
.tica.
.ficava.
.toda.
.noite.
.pálida.
.donzela.
.no vão do esguio.
.campanário.
.o céu.
.a contemplar.
.Da ‘louca da torre’.
.certo dia.
.ouviram falar.
.para lá.
.subiram.
.Derramadas pelas paredes.
.e pelo chão.encontraram somente réstias de luz.
.entrelaçadas em colar: a luz do dia com a luz do luar.
Cientes somos:
sem ponto
não há encontro
e sem encontro
não há história
para se contar
nem vida
para se viver.
Tudo no ar
se faz e desfaz:
o sólido
o bólido
a água
a mágoa
o som
o tom
da voz
o sussurro
lento
do vento
a notícia
a malícia
O que seria
de todos nós
se não fosse o ar?
Até o sucesso
do artista
a fama
da dama
a honra
do velho sisudo
ou do juiz posudo
tudo no ar
se faz e se desfaz
menos o próprio ar.
sem futuro nas garras dos chacais. Este poema foi traduzido pelo poeta grego Dionísio Constantino
Não lhes posso oferecer o que esperam. ΔΙΟΝΨΣΗ ΚΟΨΑΕΝΤΙΑΝΟΨpara o grego e publicado no caderno da
Apenas compaixão e nada mais. IWA (International Writers and Artists Association em Number 12,
November 2005, p. 9):
ΕΛΠΙ ΔΑ
´Οταν οι αστροναúτες
Με το διαστημóπλοιο
Αφοú περπ′ατησαν πα´νω στη Σελη´νη
´Εβαλαν σαυ ελπιδα και σκοπóτους
Το ’Aλφα αστε´ρι να κατακτ×η´σουν
Εδω´ στη Γη στο Ωμε´γα της ζωη´ς
ΚαΘισμε´ηοι με´σα στην καμπι´να...,
Οι γεροντóτεροι πολι´τες
Πον η Κοινωνικη´ Πρóνοια συντηρει´
ΠεΘαι´νουν περιμε´νοντας
Τα φα´ρμακα της σωτηρι´ας.
Μετ.: ΔΙΟΝΨΣΗ ΚΟΨΑΕΝΤΙΑΝΟΨ
Fervo a água
de todos os rios
com a liberação das lavas
dos vulcões.
Em infernal amálgama
ergo monumental
estátua
à Insensatez.
Há os aparentes
proclamam até amor
mas deles
estou sempre
a duvidar.
Enfim
há os falsos amigos
como Judas
cujos abraços
e beijos na face
nada mais são
que a senha
da traição.
Ia esquecendo de dizer:
NO BAR
– há também
o amigo oculto
que só aparece Bebendo
no Natal observando,
p’ra (segundo dona Isabel) conversando
disputar comigo sempre pensativo.
o sorteio do nome Afinal a bebida
a quem anônimo presentear. “ bota a gente comovido como o diabo”
como diria Drummond.
(CDA – Poema das sete faces)
76 NA MESMA TECLA
Copo de whisky
Eis um copo de whisky
com gelo diante de mim
como sempre
gostei
e quis.
Mas se bebo reclamam
se não bebo falam mesmo assim.
Se era dia
se era noite...
por que se preocupar?
Até que
certa vez
ao olhar
o copo vazio
viu
que o vazio estava
dentro de si!...
E de vazio
em vazio
não conseguia
encher
seus dias!
Hoje ainda
depois do bar
Enquanto sentado
bebo,
ela ao ritmo
de mais um bolero
desliza pelo bar
a cintura agita e balança
e olha ao redor
pra ver o aplauso,
sentir a admiração geral
à arte de seu gingado tropical.
Pouco lhe dá conta
Vem a noite
e com ela a plenitude do pensar,
a solidão
que nos faz
valorizar a Vida, sobretudo o Amor.
Como diz o poeta:
“Vem o tempo e a idéia do passado
visitar-te (...)
vem a recordação e te penetra (...)subitamente”
(CDA – Versos à boca da noite)
Amor
Em homenagem à filósofa existencialista,
Jeanne Delhomme, que o inspirou.
Olhos negros
a envolver-me
a mergulhar-me
em mares negros
em mares mortos
de ondas
soçobrantes
de mim e
de meu ser
nas praias negras
de negras areias
de minha negra solidão.
Thauma – visão
da Thauma real
da Thauma mulher.
Deusa Admiração
filha do assombro
irmã gêmea da duplicidade
mãe de Íris – a mensageira da paz.
Flecha da felicidade
a varar-me o destino
a penetrar
o infinito do céu
a imensidão do próprio pensar.
Thauma Saudade
te quero do rictus
te desejo em teu rosto moreno
te adoro a revelar-te inteira
te amo e a traduzir
thumaticamente toda a sensibilidade
Thauma – deusa – mulher.
de tua agudeza espiritual.
Na mitologia grega, independente de Thauma ter sido o persona-
Saudade
gem masculino que casa com Electra, (o que vim a descobrir muito de-
de ti todinha
pois de ter escrito o poema acima), para todos efeitos continua para
mim, a deusa ADMIRAÇÃO. Creio estar correto, pois o próprio Camões
teu jeito de ser
se refere a Íris não como filho mas como filha de Thauma (por ele cha-
de falar
mada de Taumante), conforme se lê: ”Tal o fermoso esmalte se notava/Dos até de suspirar.
vestidos, olhados juntamente,/Qual aparece o arco rutilante/A bela ninfa, filha de Saudade
Taumante”. (Lus.: 2, XCIX, 789 – 793) de dias intensos
de vida
Afinal consta que os mitos antigos não tinham sexo. a dois.
Saudade
Em pé e solitário
– rígida sentinela –
sobre a fria plataforma
aguardo o clarão
da possante locomotiva
a anunciar a esperada
inesperadamente
ausente passageira
Num só momento
fizemos das bodas
de nossas vidas
a fratura exposta
de longa ilusão.
Este coração
incontrolado
No lugar comum
desemboca todo meu ser.
Quero o maior lugar comum:
– o de amar sempre
no mesmo comum lugar.
Olho no espelho
vejo meu rosto
mais uma vez diferente
estampando a mesmice de mim.
É minha sina
e minha perdição.
É minha sina
e minha perdição.
Nisto eu insisto:
se parar de pensar,
já não sou o que sou
e deixarei de existir.
A noite é trágica
(nela, além de espreita, traição,
violência, assaltos, seqüestros,
assassinatos sem conta se fazem).
A tarde é cômica
(todos desejam seu fim
para em bares deixarem
o riso solto entre as espumas
da tradicional bebida).
A manhã é épica
(é nesta hora que ideais
se cumprem, desafios se enfrentam,
e para o trabalho todos se enfileiram).
Só faltam
no meio da cena
luz, som, direção, gestos
para tudo recomeçar.
Perdida
saracoteia pra cá
saracoteia pra lá
nas ondas do mar.
Em seu bojo
carrega a promessa
de um dia voltar.
Neste oceano
de enganos
e desenganos
minha vida
é como a nave
sacudida
pelas ondas do mar.
O destino me conduz
Está escrita
em linhas etéreas
foge do sol
e pinta ao luar
a imagem
na mente transcrita
que o vento leva
traz e desfaz.
Não me respondes?
então é como em vida:
– se calas, consentes!?
Perdoa-me a confissão:
Na solidão da noite
brota o desejo de remexer o passado –
as lembranças que em “versos entre guardados
se guardaram”.
Afinal:
Amar o perdido
deixa confundido
este coração.
Nada pode o olvido
contra o sem sentido (...)
(CDA – Memória – Claro Enigma)
A porta se abriu
São João del Rey, 12/11/50