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Correntes do Pensamento Geográfico

As transformações sucessivas que ocorrem no conhecimento científico e no contexto sócio-econômico promovem a contínua mudança nos desafios e
nos problemas enfrentados pelos homens. Procurando analisar e explicar esses problemas, a fim de propor soluções e prever as possíveis conseqüências
futuras, o conhecimento científico está sempre aceitando os desafios e lutando para superar as questões relevantes para as sociedades. Considerando as
mais variadas ciências, que são parcelas da comunidade científica global, podemos observar que cada ciência particular reage de modo diferente a esse
desafio e à solicitação, e o seu momento histórico pode colocá-la na posição de vanguarda ou na posição de acompanhante do cortejo das ciências,
conforme a valorização que a elas é destinada.

Nesta oportunidade, a nossa preocupação restringe-se ao conhecimento geográfico. Não é nosso desejo retraçar a evolução histórica desta parcela
científica, nem analisar as obras e as contribuições dos grandes mestres. O nosso objetivo é oferecer um quadro genérico sobre as principais perspectivas
que foram predominantes, no transcurso do século XX, no comando e na orientação das pesquisas, assim como norteadoras das finalidades propostas para
a Geografia. A focalizaçâo maior é sobre as tendências que se mesclam na atualidade, cada uma procurando ser a mais significativa e o farol da atividade
geográfica. Sob cada focalização a argumentação sempre é a de ser a substitutiva, mostrando ser melhor que as precedentes ou as competidoras. Todavia,
não se poderá compreender esse debate atual se não abordarmos as características da geografia predominante na primeira metade do Século XX, se não
tivermos uma visão mais abrangente do seu desenvolvimento no tempo. A fim de esclarecer e caracterizar as diversas perspectivas atuantes nos estudos
geográficos, procuramos estabelecer o seguinte esquema seqüencial em nossa exposição: a fase tradicional (pré-1950), a Nova Geografia, a Geografia
Humanística, a Geografia Idealista, a Geografia Radical e a Geografia Têmporo-Espacial.

A GEOGRAFIA TRADICIONAL

Embora lançando raízes históricas ao longo dos séculos, foi somente no Século XIX que a Geografia começou a usufruir do status de conhecimento
organizado, penetrando nas universidades. As primeiras cadeiras de Geografia foram criadas na Alemanha, em 1870, e posteriormente na França.
Organizada e estruturada em função das obras de Alexandre von Humboldt e de Carl Ritter, desabrochando na Alemanha e na França, pouco a pouco a
Geografia foi-se difundindo para os demais países. As contribuições e as idéias apresentadas pelos geógrafos alemães e franceses tiveram grande
influência no desenvolvimento dessa ciência na primeira metade do Século XX. Se na Alemanha os trabalhos mais significativos são os de Alfred Hettner;
na França os trabalhos básicos são os de Paul Vidal de La Blache.

Tratar da definição da Geografia é assunto delicado. Em 1925, Alfred Hettner considerava como objetivo fundamental da Geografia o estudo da
diferenciação regional da superfície terrestre. Esta definição foi acatada e elaborada de modo minucioso por Hartshorne, em 1939, em sua obra The Nature
of Geography. Outra definição referia-se à análise das influências e interações entre o homem e o meio, que se expressou de modo claro na proposição de
Albert Demangeon, em 1942: "é o estudo dos grupos humanos nas suas relações com o meio geográfico". Muito mencionada também é a definição
elaborada por Emmanuel de Martonne, em sua obra Traité de Géographie Physique, cuja primeira edição surgiu em 1909 e a última em 1951. De
Martonne ponderou que a "geografia moderna encara a distribuição à superfície do globo dos fenômenos físicos, biológicos e humanos, as causas dessa
distribuição e as relações locais desses fenômenos". Embora houvesse acordo de que a superfície terrestre era o domínio específico do trabalho geográfico,
essas definições e a prática da pesquisa geográfica estavam eivadas de contradições dicotômicas.

Entre elas, duas merecem ser destacadas nesta oportunidade. A primeira dicotomia estava relacionada com a Geografia Física e a Geografia Humana.
Representando os conjuntos meio geográfico e atividades humanas, a Geografia Física destinava-se ao estudo do quadro natural, enquanto a Geografia
Humana preocupava-se com a distribuição dos aspectos originados pelas atividades humanas. Em virtude do aparato metodológico mais eficiente das
ciências físicas e da esplêndida concatenação teórica elaborada por William Morris Davis, a Geografia Física rapidamente ganhou a imagem de ser a parte
cientificamente mais bem consolidada e executada. Praticamente, não havia mais necessidade de preocupações metodológicas e conceituais a seu
propósito. Destituída de aparato teórico e explicativo para as atividades humanas, assim como da imprecisão dos procedimentos metodológicos, a
Geografia Humana sempre se debatia na procura de justificar o seu gabarito científico, e em estabelecer sua definição e finalidades como ciência. A esta
dicotomia se juntava o conflito conceitual de ser a Geografia uma "ciência única" ou um conjunto de ciências. Os debates relativos a essa temática são
contínuos e sempre reabertos, sem chegar a uma conclusão definitiva. Do artigo de Vidal de La Blache (1913) ao de Henri Baulig (1948), para
exemplificar, esses assuntos são relevantes.

A segunda dicotomia se refere à geografia geral e à geografia regional. Objetivando estudar a distribuição dos fenômenos na superfície da Terra, a
geografia geral analisava cada categoria de fenômenos de maneira autônoma. Essa focalização resultou na geografia sistemática ou tópica e na subdivisão
da geografia (geomorfologia, hidrologia, climatologia, biogeografia, geografia da população, da energia, urbana, industrial, da circulação e outras).
Entretanto, deve-se lembrar que o designativo geral não se referia ao conceito da metodologia científica de procurar generalizações ou leis, mas se baseava
no principio da "unidade terrestre" (La Blache, 1896) e na "escala planetária" (Cholley, 1951). Levava em consideração o ato de comparar constantemente
determinado fenômeno em um lugar com "os fenômenos análogos que podem apresentar-se em outros pontos do globo, ... a fim de mostrar como é que as
suas particularidades se explicam pelos princípios gerais da evolução" (De Martonne, 1954, p. 18). Tendo em vista as concepções davisianas, De
Martonne exemplificou com o caso da morfologia litorânea. Nessa circunstância, se possuía um modelo de evolução das formas litorâneas e a ele se
comparavam as características dos casos cujas especificidade propiciavam classificar conforme as etapas da evolução ou de acordo com os tipos de
influências externas (costas de emersão, costas de submersão; costas atlânticas, costas pacíficas etc).

A Geografia Regional procurava estudar as unidades componentes da diversidade areal da superfície terrestre. Em cada lugar, área ou região a
combinação e a interação das diversas categorias de fenômenos refletiam-se na elaboração de uma paisagem distinta, que surgia de modo objetivo e
concreto. O estudo das regiões e das áreas favoreceu a expansão da perspectiva regional ou cronológica, que teve como êmulo e padrão as clássicas
monografias da escola francesa. Preocupados em compreender as características regionais, o geógrafo desenvolveu a habilidade descritiva, exercendo a
caracterização já estabelecida por La Blache, em 1913. Defrontando-se com os casos, a explicação baseava-se no destrinchar a evolução histórica e
estabelecer a seqüência das fases que culminaram nas características atuais da referida área ou região. E, também, levando em conta as concepções de que
o globo era um organismo coerente, com as suas partes funcionando de modo integrador, admitia-se que muitas unidades areais executavam uma "função"
em termos do conjunto. O desenvolvimento da cultura canavieira no Nordeste brasileiro era para abastecer o mercado europeu; os países-colônias são
abastecedores de matérias-primas para os países imperialistas, e outras explicações similares podem ser arroladas para os mais diversos aspectos e
categorias de fenômenos.

Na perspectiva corológica, a região é unidade globalizada na qual há interpenetração de todos os aspectos, os físicos e os humanos. Ao estudar a
região, o geógrafo podia compreender a totalidade. Esta totalidade, resultante da pluralidade das coisas, assinala a influência relativamente inconsciente
que a visão da filosofia de Hegel teve no trabalho geográfico. Esta noção de pluralidade de fenômenos está no âmago do conceito de Landschaft e de
paisagem e criava a possibilidade de considerar as regiões como entidades objetivas, independentes do observador, sendo "objetos concretos" da análise
geográfica (Hartshorne, 1939, 1978).

Uma questão paralela incidia sobre o procedimento metodológico. Analisando e compreendendo o conjunto inter-relacionado dos aspectos existentes
em uma região, considerava-se que cada categoria de fenômeno, em particular, era o objeto de determinada ciência (Sociologia, Economia, Demografia,
Botânica, Hidrologia e outras)l. Todas essas ciências executavam a análise sobre os assuntos particulares. À Geografia, considerando a totalidade,
correspondia o trabalho de síntese, reunindo e coordenando todas as informações a fim de salientar a visão global e totalizadora da região. A vocação
sintética tornou-se a responsável pela unidade do ponto de vista atribuído à pesquisa geográfica. É ela a responsável pela unidade da Geografia, fazendo
com que a "Geografia tenha por objeto o conhecimento das relações que condicionam, em determinado momento, a vida e as relações dos grupos
humanos. Essas relações colocam em jogo elementos e atos de essência múltipla, tão diferentes como a presença do granito ou a de uma fronteira" (Pierre
George, 1961). Em virtude dessa concepção ampla, todos os eventos da superfície terrestre acabam pertencendo ao âmbito geográfico. A importância
assumida pela síntese é tão grande que Jacque Iine Beaujeau Garnier, em 1971, observa que "o método geográfico visa analisar uma parcela do espaço
concreto, isto é, pesquisar todas as formas de relações e de combinações que podem existir entre a totalidade dos diversos elementos em presença. Isto é a
geografia global; a geografia tout court". Além de refletir no método, a síntese geográfica é plenamente atingida nos estudos regionais, permitindo a André
Allix afirmar que "o estudo regional está no coração de nossos trabalhos. Nenhum geógrafo é digno desse nome se não se dedicar aos esforços da
definição sintética das regiões... O estudo regional é a mais completa expressão do método geográfico". Como conseqüência do campo tão extenso e da
perspectiva sintética, resulta que os "geógrafos chegam a acreditar que a sua maneira de trabalhar é única e exclusiva, e que a geografia não é uma ciência
como as outras" (Reynaud, 1974). Daí as afirmações constantes para assinalar que a Geografia era caracterizada por possuir métodos próprios e distintos
das demais ciências. A Geografia era uma ciência singular.

A propósito da Geografia Tradicional, inúmeros são os trabalhos conceituais e metodológicos disponíveis em língua portuguesa. É da mais
significativa importância salientar o trabalho e a preocupação assídua do periódico Boletim Geográfico em publicar traduções de artigos básicos
elaborados por geógrafos de diversas nacionalidades. Publicado regularmente desde 1943, pelo antigo Conselho Nacional de Geografia e depois pela
Fundação IBGE, constitui fonte preciosa de referências bibliográficas. Com o intuito somente de exemplificar, podemos lembrar os artigos de Boyé
(1974), Cholley (1964), Davis (1945), James (1967), James e Jones (1959), Le Lannou (1948), Tatham (1959) e Whittlesey (1960), entre muitos outros. É
óbvio, também, que a eles se somam muitos artigos de geógrafos brasileiros e portugueses. Dentre as obras publicadas em língua portuguesa convém
mencionar as de Paul Vidal de La Blache (1954), Jean Brunhes (1962), René Clozier (1950), Jan Broek (1967), Olivier Dollfuss (1972; 1973), Pierre
George (1972), Pierre George, R. Gughielmo, B. Kaiser e Y. Lacoste (1966), Richard Hartshorne (1978), Pierre Monbeig (1957), Gabriel Rougerie
(1971), Hilgard Sternberg (1946), S. W. Wooldridge e W. G. East (1967) e a de Nelson Werneck Sodré (1976).

A NOVA GEOGRAFIA (Teorética-Quantitativa)

A denominação de "Nova Geografia" foi inicialmente proposta por Manley (1966), considerando o conjunto de idéias e de abordagens que começaram
a se difundir e a ganhar desenvolvimento durante a década de cinqüenta. O surgimento de novas perspectivas de abordagem está integrado na
transformação profunda provocada pela Segunda Guerra Mundial nos setores científico, tecnológico, social e econômico. Esta transformação, abrangendo
o aspecto filosófico e metodológico, foi denominada de "revolução quantitativa e teorética da Geografia" por lan Burton (1963). Embora se possam
encontrar indícios históricos desde a década de quarenta, a contribuição de Fred Schaefer, em 1953, sobre Exceptionalism in Geography: a methodological
examination, marca cronologicamente a tomada de consciência dessas tendências renovadoras.

Tentando superar as dicotomias e os procedimentos metodológicos da Geografia Regional, a Nova Geografia desenvolveu-se procurando incentivar e
buscar um enquadramento maior da Geografia no contexto científico global. A fim de traçar um panorama genérico sobre a Nova Geografia, podemos
especificar algumas de suas metas básicas:

A - Rigor maior na aplicação da metodologia científica - baseada na filosofia do positivismo lógico, a metodologia científica
representa o conjunto dos procedimentos aplicáveis à execução da pesquisa científica. Pressupondo que haja a unidade da ciência,
todos os seus ramos devem-se pautar conforme os mesmos procedimentos. Não há metodologia específica para uma ciência, mas para
o conjunto das ciências. Há métodos científicos para a pesquisa geográfica, mas não métodos geográficos de pesquisa.

Em cada ciência, o que a diferencia das demais é o seu objeto. Cada ciência contribui para a compreensão da ordem e da estrutura existentes e o setor
da Geografia é o das organizações espaciais. A abordagem da geografia científica está baseada na observação empírica, na verificação de seus enunciados
e na importância de isolar os fatos de seus valores. Ao separar os valores atribuídos aos fatos dos próprios fatos, a ciência procura ser objetiva e imparcial.

Considerando a metodologia científica como o paradigma para pesquisa geográfica, a Nova Geografia salienta a necessidade de maio rigor no
enunciado e na verificação de hipóteses, assim como na formulação das explicações para os fenômenos geográficos. E não se deve só explicar o existente
e o acontecido, mas com base nas teorias e nas leis ser capaz também de propor predições. Desta maneira, cria-se a simetria entre o passado e o futuro. Por
outro lado, no discurso explicativo há preferência pelas normas relacionadas com o procedimento dedutivo-nomológico. E, por essa razão, considerando-
se certas hipóteses e determinadas condições, o resultado do trabalho geográfico deve ser capaz de prever o estado futuro dos sistemas de organização
espacial e contribuir de modo efetivo para alcançar o estado mais condizente e apto para as necessidades humanas.

Os enunciados geográficos assumem validade em função da sua verificação e teste. O critério de refutabilidade ganha importância. Em vez de a
validade depender da autoridade do geógrafo que observou e descreveu o fenômeno (ou a região), passa-se a aferi-la conforme os procedimentos de
verificação propostos pela metodologia científica. Com o intuito de cada vez mais se conhecer os aspectos e as questões relacionadas com a metodologia,
os geógrafos passaram a se interessar pela filosofia da ciência. E as obras de Ernest Nagel, Gustav Bergmann, R. B. Braithwaite, Mario Bunge, Carl
Hempel e de Karl Popper, entre muitos outros, começaram a ser mencionadas por geógrafos preocupados com essa temática. E sob essa perspectiva, duas
obras geográficas ganharam maior realce: a Explanation in Geography, de David Harvey (1969) e a An introduction to scientific reasoning in Geography,
de D. Amedeo e R. Golledge (1975).

B) Desenvolvimento de teorias - a falta de teorias explicitamente expostas na Geografia Tradicional foi veementemente criticada por
inúmeros geógrafos. Por essa razão, sob o paradigma da metodologia científica, a Nova Geografia também procurou estimular o
desenvolvimento de teorias relacionadas com as características da distribuição e arranjo espaciais dos fenômenos. E deve-se notar a
grande facilidade com que os geógrafos passaram a usar e a trabalhar com as teorias disponíveis em outras ciências, como as teorias
econômicas, mormente as relacionadas com a distribuição; localização e hierarquia de eventos (as teorias de Christaller, von Thunen,
Losch, Weber).

Tendo em vista verificar a aplicabilidade de tais teorias, muitos geógrafos passaram a estudar os padrões de distribuição espacial dos fenômenos
(estudo de distribuições pontuais, de redes ou de áreas), mas sem fazer estudo crítico e propor modificações ou substituições àquelas teorias. Não se
encontra contribuição realmente significativa para a teoria geográfica das organizações espaciais. Se havia deficiência em teorias, essa lacuna ainda
continua a existir. Por outro lado, com o estudo dos padrões espaciais aceitava-se implicitamente o espaço como a dimensão característica da análise
geográfica e a superfície terrestre como o seu objeto de estudo. Basicamente, não havia nada de diferenciação fundamental com as definições propostas
por Hettner e Hartshorne. Ao deslocar o foco de análise para o das organizações espaciais, estava-se propondo modificação substancial; mas a inércia da
formação geográfica manteve-se e a transformação continua a ser almejada.

Para esclarecer a perspectiva da transformação teórica, é útil lembrar o que aconteceu com o setor da Geomorfologia. A concepção teórica elaborada
por William Morris Davis predominou de modo inconteste por quase meio século. Se muitas críticas Ihe eram endereçadas, não surgia outra proposição
coerente e global capaz de substituí-la. Só no findar dos anos cinqüenta e na década seguinte começaram a aparecer indícios de nova estrutura teórica, que
ganhou corpo com a teoria do equilíbrio dinâmico, de John T. Hack (1960), revivendo e ampliando antigas concepções expostas por Grove Karl Gilbert.
Quase simultaneamente, Leopold e Langbein (1962) expunham as perspectivas da teoria probabilística da evolução do modelado terrestre. Estas teorias
permitiram propor explicações diferentes aos mesmos conjuntos de fatos, substituindo as explicações davisianas, como no caso do perfil longitudinal dos
cursos de água e sobre os problemas relacionados com as capturas fluviais e oscilações do nível de base (Ghristofoletti, 1977, 1978)

C) O uso de técnicas estatísticas e matemáticas - o uso de técnicas matemáticas e estatísticas para analisar os dados coletados e as
distribuições espaciais dos fenômenos foi uma das primeiras características que se salientou na Nova Geografia. E o seu carisma foi
tão grande que se refletiu, na adjetivação empregada por muitos trabalhos, a denominação de "Geografia Quantitativa".

Indiscutivelmente, o uso das técnicas de análise deve ser incentivado porque elas se constituem em ferramentas, em meios para o geógrafo. O
conhecimento das diversas técnicas de análise (as simples, as multivariadas e as relacionadas com a análise seriada e espacial) é básico para o geógrafo.
Entretanto, usar técnicas estatísticas, por mais sofisticadas que sejam, não é fazer Geografia. Se o geógrafo coleta inúmeros dados e informações e os
analisa através do computador (por exemplo, usando a análise fatoral ou a discriminante), sem ter noção clara do problema a pesquisar e se não dispuser
de arsenal teórico e conceitual que lhe permita adequadamente interpretar os resultados obtidos, estará apenas fazendo trabalho de mecanização, mas
nunca um trabalho geográfico.

Infelizmente muitos trabalhos podem ser mencionados para exemplificar o mau uso das técnicas ou a sua escolha inadequada. Mas não se deve, por
isso, confundir a deficiência do geógrafo com a incapacidade da Nova Geografia. Todas as técnicas, adequadas aos mais variados tipos de problemas,
estão disponíveis. Se por ignorância ou por mera facilidade prática o geógrafo escolhe inadequadamente a técnica a usar, esse procedimento corresponde
ao fato de um médico receitar ao paciente remédio impróprio é sua doença, pois é o que ele conhece e dispõe. Deve-se, por isso, estigmatizar a Medicina?
Há muita celeuma em torno da quantificação em Geografia - é conseqüência da confusão que se faz entre a escolha e o uso das técnicas, com a própria
ciência.

Na composição curricular das universidades brasileiras vão sendo introduzidas, aos poucos, disciplinas relacionadas com a quantificação em
Geografia. Se na literatura geográfica existem obras variadas e significativas para a formação "quantitativa" do geógrafo, ainda não dispomos, em língua
portuguesa, de nenhum manual. Além de alguns artigos esparsos nas diversas revistas, a obra mais saliente é a recente publicação realizada pelo IBGE,
sobre Tendências Atuais na Geografia Urbano-Regional: Teorização e Quantificação, sob a organização de Speridião Faissol (1978).

D) A abordagem sistêmica - a abordagem sistêmica serve ao geógrafo como instrumento conceitual que lhe facilita tratar dos
conjuntos complexos, como os da organização espacial. A preocupação em focalizar as questões geográficas sob a perspectiva
sistêmica representou característica que favoreceu e dinamizou o desenvolvimento da Nova Geografia.

A aplicação da teoria dos sistemas aos estudos geográficos serviu para melhor focalizar as pesquisas e para delinear com maior exatidão o setor de
estudo desta ciência, além de propiciar oportunidade para considerações críticas de muitos dos seus conceitos. A bibliografia específica avoluma-se
continuamente, abordando temas ligados às geociências ou às ciências humanas. No âmbito da Geografia, todos os seus setores estão sendo revitalizados
pela utilização da abordagem sistêmica. Por exemplo, a introdução do conceito de geossistema, pelos geógrafos soviéticos, permitiu recompor e revitalizar
o campo da Geografia Física (Sotchava, 1977).

Na literatura em língua portuguesa, poucas são as contribuições disponíveis para favorecer ao leitor. Para amenizar essa lacuna, deve-se salientar a
contribuição feita por Christofoletti (1979), elaborando a obra Análise de Sistemas em Geografia. Apresentando os conceitos básicos da teoria dos
sistemas, o autor focaliza diversos itens da abordagem sistêmica e realiza útil levantamento bibliográfico sobre a questão.
E) O uso de modelos - intimamente relacionada com a verificação das teorias, com a quantificação e com a abordagem sistêmica,
desenvolveu-se o uso e a construção de modelos. A construção de modelos pode ser considerada como estruturação seqüencial de
idéias relacionadas com o funcionamento do sistema. O modelo permite estruturar o funcionamento do sistema, a fim de torná-lo
compreensível e expressar as relações entre os seus diversos componentes.

Para o geógrafo, o modelo é um instrumento de trabalho que deve ser utilizado na análise dos sistemas das organizações espaciais. Como na
quantificação, não se deve prender à construção e ao uso de modelos pelo simples objetivo em si mesmo. Mas é um meio para melhor se atingir a
compreensão da realidade.

No artigo de Christofoletti sobre As Características da Nova Geografia encontram-se diversas ponderações sobre o assunto, e não se torna necessário
retomá-las. A obra de R. J. Chorley e Peter Haggett, sobre Models in Geography, publicada em 1967, e que se tornou contribuição clássica sobre o
assunto, foi traduzida para a língua portuguesa e editada em três volumes durante os anos de 1974 e 1975.

AS TENDÊNCIAS GEOGRÁFICAS ALTERNATIVAS

Baseando suas preocupações conceituais nas teses do positivismo lógico, a metodologia científica formalizou-se perante algumas posições-chave,
entre as quais convém destacar as seguintes:

- o conhecimento científico fecundo é aquele baseado em fatos, em eventos colhidos no mundo empírico;

- para que se possa ter certeza do conhecimento é necessário que haja verificação das hipóteses, empregando-se as mais diversas
técnicas do uso de testes, e que se chegue à formulação de leis. O tipo de certeza é o fornecido pelas ciências experimentais. Em época
mais recente, o critério de refutabilidade proposto por Karl Popper vem sendo tomado como ponto básico para a metodologia
científica;

- o procedimento científico deve-se ater sempre ao contato com a experiência do mundo empírico, a fim de evitar o verbalismo e o
erro.

A filosofia positivista caracteriza-se pela valorização exclusiva dos dados, tais como são coletados e observados pela experimentação, e o
procedimento metodológico padrão é o representado pelas ciências físicas. Essa metodologia, pois, deveria ser aplicada a todos os ramos do
conhecimento. Esta perspectiva da identidade fundamental entre as Ciências Exatas e as Ciências Humanas apresenta raízes antigas, e as suas origens
volvem à tradição empirista inglesa, que remonta a Francis Bacon (1561-1626). No Século XIX, Auguste Comte (1798-1857) delineou os fundamentos do
positivismo, principalmente em duas de suas obras: Curso de Filosofia Positiva (1830-1842) e Discurso sobre o Espirito Positivo (1844). Na França, Emile
Durkheim (1858-1917) foi um dos. propugnadores da aplicação da linha metodológica positivista às Ciências Humanas, isto é, ao estudo dos fatos
humanos através dos métodos comuns das Ciências naturais.

Inúmeros filósofos colocaram-se em posição contrária ao positivismo. No que se refere ao nosso interesse imediato, os anti-positivistas são adeptos de
uma distinção entre as Ciências Humanas e as Ciências Naturais, e as suas bases principais foram estabelecidas por Friedrich Hegel (1770-1831).
Posteriormente, Wilhelm Dilthey (1833-1911) estabeleceu uma distinção que se tornou clássica e generalizada entre explicação (erklären) e compreensão
(verstehen). O modo explicativo seria característico das Ciências Naturais, que procuram o relacionamento causal entre os fenômenos. A compreensão
seria o modo típico de proceder das Ciências Humanas, que não estudam fatos que possam ser explicados propriamente, mas visam aos processos
permanentemente vivos da experiência humana, e procuram extrair deles o seu sentido. Os sentidos (ou significados) são fornecidos, segundo Dilthey, na
própria experiência do investigador e poderiam ser empaticamente apreendidos na experiência dos outros.

Se a Nova Geografia representa, na história do conhecimento geográfico, retomada e aplicação consciente da metodologia científica aos seus
problemas, também se compenetrou de muitas das dificuldades e exigências metodológicas, procurando soluções para resolvê-las. A questão da
proposição de leis em Geografia Humana, por exemplo, serve de alerta. A formulação de leis é essencial para caracterizar como cientifica determinada
disciplina? Michael Chisholm (1979) e Leonard Guelke (1977b) mostraram as dificuldades do estabelecimento de leis para as atividades humanas.
Guelke, desde 1971, vem apresentando a distinção entre as ciências formuladoras de leis, como a Física e a Química, e as ciências consumidoras de leis,
como a Geologia e a Geografia. Entretanto, é normal e esperado que surgissem reações contrárias à Nova Geografia, procurando seguir outras sendas
filosóficas, que contestam e procuram substituir os preceitos de metodologia científica de linhagem positivista. A Geografia Humanística, a Geografia
Idealista e a Geografia Radical são três tendências que ganharam ímpeto nos últimos anos.

Geografia Humanística

A abordagem humanística em Geografia tem como base os trabalhos realizados por Yi-Fu Tuan, Anne Buttimer, Edward Relph e Mercer e Powell, e
possui a fenomenologia existencial como a filosofia subjacente. Embora possuindo raízes mais antigas, em Kant e em Hegel, os significados
contemporâneos da fenomenologia são atribuídos à filosofia de Edmund Husserl (1859-1939). Evidentemente, esse movimento filosófico foi ampliado e
vários autores forneceram subsídios importantes, tais como Heidegger, Merleau-Ponty e Sartre, entre outros.

A fenomenologia preocupa-se em analisar os aspectos essenciais das objetos da consciência, através da supressão de todos os preconceitos que um
indivíduo possa ter sobre a natureza dos objetos, como os provenientes das perspectivas científica, naturalista e do senso comum. Preocupando-se em
verificar a apreensão das essências, pela percepção e intuição das pessoas, a fenomenologia utiliza como fundamental a experiência vivida e adquirida
pelo indivíduo. Desta maneira, contrapõe-se às observações de base empírica, pois não se interessa pelo objeto nem pelo sujeito. "A fenomenologia não é
nem uma ciência de objetos, nem uma ciência do sujeito: ela é uma ciência da experiência" (Edie, 1962, citado in Entrikin, 1976).
Na fenomenologia existencial o espaço é concebido como espaço presente, diferente do espaço representativo da geometria e da ciência. Para a
perspectiva científica o espaço é algo dimensional que se expressa por uma representação. Para o fenomenólogo o espaço é um contexto, experienciado
como sendo de certa espessura, em oposição aos pontos adimensionais do espaço mensurável. A espessura do espaço é vista na concepção do "aqui", que
é um sistema de relações com outros lugares, semelhante à espessura dos conceitos temporais, tais como "agora", que envolve aspectos do passado,
presente e futuro.

A Geografia Humanística procura valorizar a experiência do indivíduo ou do grupo, visando compreender o comportamento e as maneiras de sentir
das pessoas em relação aos seus lugares. Para cada indivíduo, para cada grupo humano, existe uma visão do mundo, que se expressa através das suas
atitudes e valores para com o quadro ambiente. É o contexto pelo qual a pessoa valoriza e organiza o seu espaço e o seu mundo, e nele se relaciona. Nessa
perspectiva, os geógrafos humanistas argumentam que sua abordagem merece o rótulo de "humanística", pois estudam os aspectos do homem que são
mais distintamente humanos: significações, valores, metas e propósitos (Entrikin, 1976).

As noções de espaço e lugar surgem como muito importantes para esta tendência geográfica. O lugar é aquele em que o indivíduo se encontra
ambientado no qual está integrado. Ele faz parte do seu mundo, dos seus sentimentos e afeiçoes; é o "centro de significância ou um foco de ação
emocional do homem". O lugar não é toda e qualquer localidade, mas aquela que tem significância afetiva para uma pessoa ou grupo de pessoas. Em
1974, ao tentar estruturar o setor de estudos relacionados com a percepção, atitudes e valores ambientais, Yi-Fu Tuan propôs o termo Topofilia definindo-
o como "o elo afetivo entre a pessoa e o lugar ou quadro físico".

A noção de espaço envolve um complexo de idéias. A percepção visual, o tato, o movimento e o pensamento se combinam para dar-nos o nosso
sentido característico de espaço, possibilitando a capacidade para reconhecer e estruturar a disposição dos objetos. O reconhecimento dos objetos implica
o reconhecimento de intervalos e relações de distância entre os objetos e, pois, de espaço (Tuan, 1974a). A distância é de âmbito espaço-temporal, pois
envolve não só as noções de "perto" e "longe", mas também as de passado, presente e futuro. Todavia, para a Geografia Humanística, a integração espacial
faz-se mais pela dimensão afetiva que pela métrica. Estar junto, estar próximo, não significa a proximidade física, mas o relacionamento afetivo com outra
pessoa ou com outro lugar. Posso estar morando na cidade X, mas me sentir muito mais ligado à cidade Y, na qual vivi por muito tempo e onde se
encontram meus familiares. Os seus acontecimentos são mais significativos e tocantes para mim que os da cidade na qual atualmente resido. Lugares e
pessoas fisicamente distantes podem estar afetivamente muito próximos. Portanto, o estudo do espaço é a análise dos sentimentos e idéias espaciais das
pessoas e grupos de pessoas.

Dessa maneira, Yi-Fu Tuan (1974a) observa que o "espaço e lugar estão no âmago da nossa disciplina. Sob a perspectiva positivista a geografia é a
análise da organização espacial. Sob a perspectiva humanística o espaço e lugar assumem características muito diferentes. A tarefa básica do geógrafo
humanista é mostrar o que eles são através de uma estrutura coerente.

Da valorização da percepção e das atitudes decorre a preocupação de verificar os gostos, as preferências, as características e as particularidades dos
lugares. Valoriza-se também o contexto ambiental e os aspectos que redundam no encanto e na magia dos lugares, na sua personalidade e distinção. Há o
entrelaçamento entre o grupo e o lugar. Quantos lugares nos encantam pelo típico que possuem? Entretanto, com a expansão cada vez maior da tecnologia,
da massificação, das facilidades de transporte e da organização do consumo, encontramos elementos idênticos em quase todas as localidades. Os mesmos
cartazes de propaganda, os mesmos produtos alimentícios, os mesmos meios de transporte, os mesmos tipos de construções e edifícios, as mesmas figuras
para o divertimento infantil são encontrados de modo generalizado, nas grandes e pequenas cidades, nas mais variadas regiões e países. Isso representa o
processo de universalização, o da descaracterização do lugar, que foi tema de um dos trabalhos de Edward Relph (1976).

Evidentemente, existem nuanças internas. Os trabalhos de Yi-Fu Tuan são mais candentes de humanismo, enquanto os de Anne Buttimer e Edward
Relph são mais expressivos pela aplicação da perspectiva fenomenológica. Como representativos dessa perspectiva geográfica humanística inserimos o
trabalho pioneiro de David Lowenthal (1961), complementado pelos artigos de Anne Buttimer (1976) e Yi-Fu Tuan (1976). Para uma ampliação do
conhecimento desse setor, são úteis as leituras das obras de Edward Relph (Place and placelessness, 1976), as de Yi-Fu Tuan (Topophilia, 1974; Space
and place, 1976; Landscape of fear, 1979), e a coletânea Humanistic Geography, de Ley e Samuels (1978).

Geografia Idealista

A Geografia Idealista representa tendência para valorizar a compreensão das ações envolvidas nos fenômenos, procurando focalizar o seu aspecto
interior, que é o pensamento subjacente às atividades humanas. O filósofo e historiador R. G. Collingwood, em sua obra The idea of history, de 1956,
considera que uma ação compreende dois aspectos: o exterior e o interior. O exterior compreende todos os aspectos de uma ação passíveis de descrição em
função de corpos e de seus movimentos, enquanto a parte interior das ações é o pensamento subjacente aos seus aspectos observáveis (a sua parte
exterior). Essa perspectiva collingwoodiana foi acatada por Leonard Guelke, que vem aplicando-a na Geografia. Em 1974 apresentou as características
básicas da geografia idealista, e posteriormente mostrou a sua potencialidade de aplicação na geografia histórica (1975) e na geografia regional (1977).

Descontente com a característica pragmática assumida pela Nova Geografia, Guelke (1975) observa que "o valor pragmático de muitos trabalhos da
Nova Geografia é o único aspecto a fornecer-lhe uma justificativa maior para a sua existência. Se analisarmos a Nova Geografia somente em função da
sua contribuição intelectual à disciplina, os resultados são escassos. Mas isso não é surpreendente. Os novos geógrafos simplesmente aplicavam técnicas
mais sofisticadas dentro do velho contexto hartshorniano. Em outras palavras, os novos geógrafos estiveram basicamente relacionados com os atributos
externos dos fenômenos e com sua associação espacial". Por essa razão, prossegue o referido geógrafo, "a abordagem positivista fracassa em atingir a
dimensão crucial do comportamento humano, principalmente o pensamento subjacente a ele. O idealismo é uma alternativa ao positivismo, tomando plena
consideração da dimensão do pensamento no comportamento humano. O idealista considera que as ações humanas não podem ser explicadas
adequadamente a menos que se compreenda o pensamento subjacente a elas. Onde o positivista procura explicar o comportamento como uma função dos
atributos externos dos fenômenos, o idealista procura compreendê-lo em termos dos princípios internos do indivíduo ou do grupo envolvido. Em outras
palavras, o idealista tenta explicar os padrões de paisagens repensando os pensamentos das pessoas que os criaram". (Guelke, 1975).
Em seu artigo de 1974, Guelke observa que o geógrafo humano está interessado principalmente na forma pela qual uma ação possa se desenrolar, em
"compreender a resposta racional para o fenômeno, mas não na explicação do fenômeno em si". As formas de atividades humanas, em níveis individual e
social, modificaram e transformaram a superfície terrestre. Assim, "o objetivo do geógrafo humano idealista é compreender o desenvolvimento da
paisagem cultural da Terra ao revelar o pensamento que jaz atrás dele".

Considerando que cada pessoa ou grupo social possui determinada visão do mundo, e que as decisões são tomadas em virtude do conhecimento teórico
e conceitual que o indivíduo possui, então "uma pessoa atuará no mundo em consonância com sua compreensão sobre ele". Como as atividades humanas
expressas na superfície terrestre são oriundas das decisões tomadas pelos indivíduos ou grupos sociais, "deve-se descobrir o que eles acreditavam e não
por que acreditavam. Deve-se refazer o pensamento, procurando descobrir o modo pelo qual um agente geográfico construiu sua situação a fim de se
observar o elo entre pensamento e ação. Nessas circunstâncias, "o geógrafo humano tenta simplesmente reconstruir o pensamento que sustenta as ações
que foram encetadas. Não necessita de suas próprias teorias, porque está interessado nas teorias expressas nas ações do indivíduo que está sendo
investigado". Por essa razão, "a meta de um geógrafo humano idealista é prover um relato verdadeiro e sua explicação".

Ao considerar a elaboração de "relatos verdadeiros e sua explicação", a Geografia Idealista assume posição ideográfica em vez da nomotética. Por
outro lado, a sua focalização maior é na tendência histórica que na espacial. Entretanto, Leonard Guelke ao sugerir o princípio de verificação e adotar o
empirismo epistemológico e a objetividade na ciência está se encaixando nos moldes do positivismo lógico, sem realmente propor uma perspectiva
substituta para a Nova Geografia. Procura, principalmente, reformular os aspectos da geografia praticada sob os princípios do positivismo, apontando a
necessidade e a importância de também se incluir as preocupações com os pensamentos humanos para efetiva compreensão das organizações espaciais.

Geografia Radical ou Crítica

Outra tendência nos estudos geográficos, que se iniciou na década de 1960, está relacionada com a Geografia Radical. Em virtude do ambiente
contestatório nos Estados Unidos, nos anos sessenta, em função da guerra do Vietnã, da luta pelos direitos civis, da crise da poluição e da urbanização,
surgiu uma corrente geográfica preocupada em ser crítica e atuante. Vários adjetivos são mencionados para caracterizá-la, tais como geografia crítica, de
relevância social, marxista e radical. Dentre eles, considero ser a denominação Geografia Radical mais abrangente e significativa, designando tudo o que
seja de tendência esquerdista e a postura contestatória de seus praticantes.

Através de pequenos grupos de professores e alunos em diversas universidades americanas (John Hopkins, Clark, Simon Fraser e outras), a leitura e a
análise das obras de Marx e Engels foram aspectos destacados no movimento da Geografia Radical, a fim de procurar focalizações para a análise marxista
do espaço. Em 1974 fundou-se a União dos Geógrafos Socialistas (Union of Socialist Geographers), em Toronto, que se encontra organizada com base
em federações locais e sem possuir uma sede central. A partir de 1975, ela se tornou responsável pela publicação da revista U. S. G. Newsletter. Outro
ponto importante na evolução da Geografia Radical foi a publicação do livro de David Harvey - Social Justice and the City, 1973 -, que foi a primeira
tentativa de apresentar uma síntese e um marco teórico para a análise marxista do espaço urbano. Representando a linha da relevância social surgiu em
1977 a obra de David M. Smith - Human Geography: a welfare approach -, propondo a reformulação da Geografia Humana. Nos Estados Unidos desde
1969 está em circulação a revista Antipode: a radical journal of Geography, com periodicidade semestral, que representa o veículo mais constante desse
movimento geográfico, embora importantes contribuições tenham sido publicadas por diversas outras revistas geográficas. Na França, o movimento da
Geografia Radical é liderado por Yves Lacoste, cujo grupo se tornou responsável pela revista Hérodote, que vem sendo editada desde 1976. No Canadá,
recentemente o Cahiers de Géographie de Québec (vol. 22, n° 56, 1978) dedicou um número especial ao estudo do marxismo e geografia. Na Inglaterra,
diversos trabalhos significativos estão inseridos em seus tradicionais periódicos. Richard Peet, um dos mais eminentes geógrafos radicais, organizou uma
coletânea a propósito da Radical Geography, em 1978, exemplificando os vários temas analisados pelos geógrafos radicais. O desenvolvimento da
Geografia Radical nos Estados Unidos foi delineado por Richard Peet, em 1977.

A Geografia Radical também visa ultrapassar e substituir a Nova Geografia. Os seus propugnadores consideram a Nova Geografia como sendo
pragmática, alienada, objetivada no estudo dos padrões espaciais e não nos processos e problemas sócio-econômicos e com grande função ideológica.
Desta maneira, ela procura analisar em primeiro os processos sociais, e não os espaciais, ao inverso do que se costumava praticar na geografia teorético-
quantitativa. Nessa focalização, encontra-se implícito o esforço na tentativa de integrar os processos sociais e os espaciais no estudo da realidade. A
Geografia Radical interessa-se pela análise dos modos os de produção e das formações sócio-econômicas. Isto porque o marxismo considera como
fundamental os modos de produção, enquanto as formações sócio-econômicas espaciais (ou formações econômicas e sociais) são as resultantes. As
atividades dos modos de produção constróem e geram formações diferentes. Cada modo de produção, capitalista ou socialista, por exemplo, reflete-se em
formações sócio-econômicas espaciais distintas, cujas características da paisagem geográfica devem ser analisadas e compreendidas.

Para a análise dos modos de produção e das formações sócio-econômicas, os geógrafos radicais tem por base a filosofia marxista. Inserida no contexto
radical do movimento cientifico, ela tem por objetivo colaborar ativamente para a transformação radical da sociedade capitalista em direção da socialista,
através do incentivo à revolução. Por essa razão, a Geografia Radical deve ser marxista (Folke, 1972). Com o fito de atingir tais objetivos, surge a ênfase
sobre os temas de relevância social, a fim de incentivar os mecanismos das lutas de classe, tais como: a pobreza, as desigualdades e as injustiças sociais, a
deterioração dos recursos ambientais, as desigualdades espaciais e sociais nas estruturas urbanas e outros. Nesta perspectiva, o tema do "bem-estar social"
não surge como novo ramo da Geografia, mas para definir "uma geografia humana nova" (Smith, 1977). Considerando que a Nova Geografia provocou
uma "revolução teorética e quantitativa", o posicionamento radical e a preocupação com a "relevância social" vem sendo propostas como indicadoras da
"segunda revolução na geografia humana" (Smith, 1971, 1977). Pressupondo que as injustiças e as desigualdades sociais e espaciais são estigmas das
sociedades capitalistas, e diante dos objetivos visados, compreende-se por que a Geografia Radical surgiu e se desenvolveu no seio dos países capitalistas,
principalmente nos Estados Unidos e na Inglaterra. Embora existam acentuadas desigualdades sociais e espaciais nos países socialistas (Fuchs e Demko,
1979), elas não são mencionadas nem estudadas pelos geógrafos radicais.

Costuma-se criticar a ciência positivista de ser ideologicamente engajada e de não apresentar a neutralidade analítica muitas vezes propugnada. Nesse
conjunto, a Nova Geografia recebe a sua parcela de admoestação. Todavia, a Geografia Radical não se comporta de modo diferente, mas está
ideologicamente vinculada e sendo elemento para um objetivo político predeterminado.
Outro aspecto importante refere-se à questão metodológica. A Nova Geografia baseia-se nos procedimentos da metodologia cientifica, enquanto a
Geografia Radical se assenta nos procedimentos metodológicos do matemáticos dialéticos. É tema polêmico mostrar qual dos procedimentos é o mais
adequado. A fim de considerar que os procedimentos metodológicos baseados no positivismo lógico são inadequados, em vários textos radicais o termo
"cientifico" surge com conotação pejorativa. Por outro lado, digladiam-se temas como a objetividade e a exigência de verificação e refutabilidade na
metodologia cientifica, e o dogmatismo e a impossibilidade de se verificar e refutar as explicações marxistas dadas aos fenômenos sócio-espaciais. Na
perspectiva positivista as respostas e as soluções podem ser erradas e modificadas; procura-se melhorá-las e verificar sua validade pela refutação. Na
perspectiva marxista as proposições não podem ser verificadas nem colocadas sob refutação. Elas são dogmáticas e as respostas e soluções são mais
importantes que os problemas. Encontram-se já prontas as soluções marxistas para os problemas do mundo. Quando uma situação não preenche as
pressuposições aventadas, ela deve ser modificada e alterada radicalmente. No setor da metodologia, os geógrafos radicais têm-se esforçado em fazer uma
critica profunda e intensa sobre as perspectivas positivistas e funcionalistas imperantes na Geografia. Mas não se usa da mesma preocupação e critérios
para analisar a perspectiva marxista na Geografia. O livro de Gregory Derek ldeology science and human geography, de 1978, é um bom exemplo.

Várias nuanças e preocupações podem ser vislumbradas na gama variada das contribuições dos geógrafos radicais. Em sua análise sobre a Geografia
Radìcal anglo-saxônica, Maria Dolores Garcia (1978) esquematiza quatro tendências-guia:

- linha de orientação anarquista, centralizada na Universidade de Simon Fraser e na de Clark, nesta última salientando o trabalho de
Richard Peet. Esta linha remonta suas origens aos trabalhos pioneiros de Peter Kropotkin e Elisée Reclus;

- linha de orientação popular-radical, que se caracteriza pelo contato direto dos geógrafos com as populações das áreas e dos bairros a
serem investigados. O geógrafo participa e orienta a população para solucionar seus problemas e traçar as suas reivindicações. A obra
de William Bunge (1971), é exemplo desse tipo de procedimento;

- linha com orientação para o Terceiro Mundo, exemplificada pelos trabalhos de J. M. Blaut (1973, 1975, 1976), destinados a propor
análises sobre o desenvolvimento e o imperialismo, entre vários outros temas;

- linha de orientação marxista, que se baseia no estudo das obras de Marx e Engels, na procura de fundamentos teóricos e na sua
aplicação aos problemas sócio-econômicos de expressão espacial. Os trabalhos de David Harvey (1973, 1974, 1975, 1976) são
expressivos como exemplos dessa orientação.

Em língua portuguesa encontram-se disponíveis diversas obras e artigos relacionados com a Geografia Radical. Entre as traduções, convém mencionar
as obras de Yves Lacoste (A Geografia Serve Antes de Mais Nada para fazer a Guerra, 1977), de Massimo Quaine (Marxismo e Geografia, 1979) e de
David Harvey (Justiça Social e a Cidade, 1980), além do artigo de James Anderson (1977), sobre a ideologia na Geografia. Entre os geógrafos brasileiros,
Milton Santos vem-se salientando nessa perspectiva geográfica, através de diversos artigos e de duas obras mais expressivas, denominadas Por uma
Geografia Nova (1978) e Economia Espacial (1979). Carlos Gonçalves (1978) e Ruy Moreira (1979) também já elaboraram artigos engajados nessa
temática.

4. A GEOGRAFIA TÊMPORO-ESPACIAL

A Geografia Têmporo-espacial procura analisar as atividades dos indivíduos e das sociedades em função das variáveis tempo e espaço, visando traçar
as trajetórias dos ritmos de vida (diários, anuais e da própria duração da vida) assinalando a alocação de tempo despendido nas diversas atividades e nos
vários lugares. O contexto abrangido pelo território ao alcance do indivíduo, ou da sociedade, corresponde ao seu meio ambiente, dentro do qual ele
executa as suas atividades, considerando as escalas temporais do dia, do ano ou da própria vida.

Tomando como base os trabalhos realizados por Torsten Hagerstrand, a partir de 1970, esta tendência originou o Grupo de Geografia do Tempo
(Time-Geography Group), na Suécia. Na atualidade, vários outros grupos e escolas já se dedicam a essa temática, como o Grupo Multinacional de
Orçamento Comparativo de Tempo (Mültinational Comparative Time-Budget Group), o Grupo Chapin, na Carolina do Norte (E.U.A.) e a Escola de
Becker, que se dedica à alocação temporal na economia.

A perspectiva da análise têmporo-espacial não procura ser um campo distinto e específico no conjunto das Ciências Sociais, como se fosse uma nova
disciplina. mas visa promover a integração de áreas diversificadas do conhecimento superando a lacuna entre a ciência sócio-econômica, de um lado, e a
ciência bio-ecológica e tecnológica, de outro (Carlstein e Thrift,1978). É nessa integração relacionada com o uso dos recursos témporo-espaciais, que
surgem das características da organização espacial, que se estabelece o potencial significativo da Geografia. A sua principal diferença reside em salientar a
significância das "qualidades formais do tempo e do espaço", e não na procura de uma categoria de fenômenos substanciais que servisse de objeto
específico para sua caracterização. Os fenômenos analisados são pertencentes ao mundo das Ciências Sociais e Biológicas, "consistindo em indivíduos e
populações humanas, vegetais e animais à medida que interagem com o homem, com as suas atividades, com o tempo, com o espaço, com a sua
organização e instituições, com as suas metas e valores, com os seus movimentos e mobilidade, com as suas percepções e ideologias, e assim por diante"
(Carlstein e Thrift, 1978). Isto porquê "as propriedades universalmente difundidas de tempo e espaço como dimensões locacionais, distributivas e
existenciais da maior parte dos fenômenos são básicas à compreensão dos elementos e processos encontrados no mundo real".

As questões relacionadas com o uso do tempo são fundamentais para a perspectiva têmporo-espacial da Geografia, tanto em relação ao indivíduo
como em relação aos grupos. As atividades desenvolvidas pelos indivíduos e grupos, na família, nos locais de trabalho e nas horas de lazer exigem
construções adequadas, meios de transporte e organização dos horários. Para que os membros da sociedade possam usufruir dos divertimentos e lazeres,
por exemplo, é preciso que essas atividades sejam oferecidas fora dos seus horários de trabalho e numa localização próxima da sua residência, que permita
um deslocamento conveniente e acessível de ida e volta. A escolha de residência, de locais de trabalho, de cidades para morar, são decisões que envolvem
seleção de pontos para usufruir das regalias e disponibilidades sociais e para distribuir convenientemente o uso do tempo diário nas diversas atividades. Os
recursos individuais e familiares (renda, uso de carro etc.) criam condições que liberam as pessoas para agir numa porção maior do espaço e para executar
tarefas mais diversificadas.
Nas sociedades industriais o desenvolvimento tecnológico intensifica a produtividade e promove a diminuição das horas das jornadas de trabalho. O
indivíduo passa a dispor de mais "horas livres" que podem ser gastas em atividades culturais, recreativas, esportivas, sociais e outras. Há necessidade de
organizar-se a distribuição espacial dos locais que permitam essas atividades, assim como dispor o seu horário de funcionamento para atingir o maior
número possível de usuários. Considerando o ritmo das atividades diárias, os programas de televisão, por exemplo, procuram atingir faixas distintas da
população em suas transmissões matinais, vespertinas e noturnas.

As atividades produtivas e as características das classes sócio-econômicas são importantes na análise têmporo-espacial. São significativas, por
exemplo, as diferenças no uso do tempo entre as populações urbanas e as rurais. Outro aspecto relaciona-se com o valor do tempo gasto. As pessoas de
baixo nível social e cultural executam tarefas de baixo rendimento pois o seu tempo é barato. As pessoas de alto nível social e cultural apresentam valor do
tempo muito mais elevado, cujo gasto não é destinado à execução de tarefas simples e rotineiras. Delegar as tarefas domésticas e de limpeza às
empregadas é procedimento usual nas famílias abastadas, assim como os subalternos executam muitas tarefas delegadas pelos patrões e dirigentes.

As questões e os problemas que podem ser focalizados sob a perspectiva têmporo-espacial são muito diversos, envolvendo aspectos da localização
espacial dos artefatos humanos e a distribuição do uso do tempo. Representando mais um instrumento de análise, um "modelo têmporo-geográfico", essa
focalização não surge como uma nova perspectiva geográfica. Valorizando os entrelaçamentos das variáveis tempo e espaço, pode ser englobada e
manejada pelos adeptos da Nova Geografia, da Geografia Humanística e da Geografia Radical, sendo possível aplicar-lhe os procedimentos
metodológicos e os posicionamentos explicativos que se queira atribuir aos fenômenos organizacionais das sociedades humanas.

Em 1973, Alan R. Pred redigiu valioso apanhado global sobre as atividades geográficas em desenvolvimento na Suécia. Um dos itens sintetizava os
conceitos e as perspectivas do modelo têmporo-geográfico das sociedades, estabelecido conforme a proposição de T. Hagerstrand.

Epistemologia e Geografia.

"Como o objetivo das Humanidades não está na busca de resultados, mas no encontro de um sentido para a ação, as Humanidades são relegadas a um
segundo plano, quando, mais do que antes, sua tarefa é essencial.”

Milton Santos, As humanidades, 1994.

As discussões do objeto da geografia e do conceito Espaço Geográfico, são em número cada vez maiores e mais complexas, são tantas as idéias como as
mais destacadas e profundas críticas as mais diversas propostas teóricas conceituais. Para reflexionar e mostrar essa frondosa e entusiasmada produção
teórica sistematizamos alguns textos de geógrafos relevantes do passado e contemporâneo. Esta discussão é central para a geografia, além do que ela
estimula a produção de idéias, e mostra a necessidade e a convergências das idéias no sentido de se construir um campo teórico-conceitual em que se
garanta condições para estimular conceitos e categorias que possam precisar e caracterizar uma definição mais consensual.

A) Em seu sentido mais amplo, datado do fim do século XIX e inicio do XX, o objeto da geografia é o espaço geo gráfico, ou seja, é a
"epiderme da Terra" (J. Tricart), isto é, a superfície terrestre e a biosfera. Segundo uma acepção apenas aparentemente mais restritiva, é
o espaço habitável, o ecúmeno dos Antigos, todo e qualquer espaço em que as condições naturais possibilitem a organização da vida em
sociedade. (...)

Observou-o Max Sorre, geógrafo que a desenvolveu e utilizou sobejamente: "Para nós, tal como para os Antigos, o ecúmeno
ainda é a terra habitada, mas a terra habitada e mais os seus anexos: a área de expansão do gênero humano tende a confundir-se
com a superfície do globo". O espaço geográfico é o espaço acessível aos homens" (J. Gottman ), e por eles utilizado para sua
existência. Inclui, por conseguinte, os mares e os ares.

O espaço geográfico é um espaço localizável, concreto, "banal segundo a expressão do economista François Perroux. Se cada um dos
pontos do espaço é suscetível de ser localizado, o que importa é sua situação relativamente a um conjunto no qual se inscreve e as
relações por ele mantidas com os diversos meios de que faz parte. Tal como o espaço dos matemáticos ou como os dos economistas, o
espaço geográfico se faz e evolui a partir de conjuntos de relações: essas relações entretanto se estabelecem no interior de um
quadro concreto: o da superfície da Terra.

O espaço geográfico é um espaço mutável e diferenciado cuja aparência visível é a paisagem. É um espaço recortado,
subdividido, mas sempre em função do ponto de vista segundo o qual o consideramos. Espaço fracionado, cujos elementos se apresentam
desigualmente solidários uns aos outros. "A idéia de área de extensão inclui a de limite, da qual é inseparável e que oferece diversos
graus de determinação, desde o limite linear até a zona limite com todas as suas franjas de degradação" (Max Sorre).

Por conseguinte, surge o espaço geográfico como o esteio de sistemas de relações, algumas determinadas a partir dos dados do
meio físico (arquitetura dos volumes rochosos, clima, vegetação) e outras provenientes das sociedades humanas, responsáveis pela
organização do espaço em função da densidade demográfica, da organização social e econômica, do nível das técnicas; numa palavra:
de toda essa tessitura pejada de densidade histórica a que damos o nome de civilização.
B) "La discusión sobre el espacio es muy rica e interesante. Surgen muchas cuestiones cruciales alrededor de esta discusión. La
primera es que dentro de la geografía tenemos que tener cuidado de no repetir siempre lo mismo pero con un nombre distinto. En el
mundo anglosajón la palabra región no es muy usada, la ‘Geografía regional’ no es muy común; pero el concepto de lugar se ha vuelto
muy popular y surge una cuestión interesante que es cuando los geógrafos hablan del lugar y la teoría del lugar, se refieren a conceptos
básicamente diferentes a lo que se entiende por región, no le están dando un nuevo nombre a una misma cuestión. Y en tal caso, ¿de qué
serviría usar un nombre distinto si estamos hablando de lo mismo? En la geografía aparece ese tipo de planteos. En mi caso, prefiero el
concepto de lugar al de región porque cuando trato de teorizar acerca de la construcción social del espacio, la relación entre espacio y
lugar está profundamente arraigada en el discurso filosófico e incluso en el matemático, y todo eso me permite comprender la forma en que
el espacio puede ser fluido y cambiante; al mismo tiempo, los lugares están imbricados en esa fluidez y ese cambio. Creo que la cuestión
del espacio, en este sentido, está en peligro de estancarse porque el espacio ha sido considerado tradicionalmente como una estructura en
la que se lleva a cabo la acción no como algo que puede ser transformado por las acciones que lo producen. Y es bastante difícil trabajar
con esta última concepción porque no contamos con muchos trabajos que estudien eso.

La segunda cuestión que reviste gran interés es que en la teoría, el espacio y la cartografía se usan como metáforas por medio de las
cuales se describe la realidad. Cuando Edward Soja habla del ‘giro o cambio espacial’ se refiere a la manera en que la teoría social trata de
explicar las metáforas y entender la realidad. Existen muchos libros actualmente que se refieren a "cartografías".

Nuestro desafío como geógrafos es el siguiente: podemos usarlas como metáforas, pero lo que nos interesa es la realidad material
que define el significado de esas metáforas. Han surgido interesantes debates acerca de la relación entre el espacio como una metáfora
idealista y el espacio como resultado de una construcción y producción material. Aquí aparece un diálogo muy interesante que no hace
estática a la discusión sobre la espacialidad, sino muy dinámica, relacionada al espacio como una representación y al espacio como el
producto de una actividad material".

(Harvey; 1997:88)

C) "Nuestra disciplina, en lo que va del siglo, se ha enfrascado en una interminable y casi vacía discusión alrededor de la palabra
‘geografía’. Me parece que no hay nada que reiterar de la continuación de ese debate. El debate central, el debate que permite un debate
ontológico, no es alrededor de un nombre de disciplina sino alrededor de un problema que sea ontológicamente trabajado. A mi juicio, ese
tema es el tema del espacio. Eso significa que hay que enfrentar, al mismo tiempo, lo que existe frente a nuestros ojos como realidad
actual y el tiempo. El tiempo debe ser datado de forma empírica, si queremos que sea compatible con esa otra categoría empírica que es
el espacio y que podría ser definido brutalmente como el conjunto de cosas, de ideas y de relaciones fundadas en cosas e ideas. Pero no
únicamente cosas e ideas de relaciones existentes, sino cosas e ideas de relaciones posibles. En una época dada, ¿por qué no se puede
trabajar, enfrentar una situación contra aquello que llamábamos en el pasado "la realidad" con enorme pretensión? Si no disponemos de
conceptos, fabriquémolos. Que esa fabricación esté de acuerdo con la sistematización de lo real del mundo. Así incorporamos la historia a
nuestro raciocinio, y nos ponemos como geógrafos en el mundo, frente al mundo. Hay que encontrar una definición que permita hablar del
presente, del pasado y del futuro. Porque si mi definición no es abarcativa de esas cuasi dimensiones del acontecer no sabremos cómo
tratar lo que pasó, no sabremos cómo enfrentar las situaciones y, por lo tanto, no estaremos en condiciones de proponer. Estoy
proponiendo, hace algunos años, que el espacio sea definido como un conjunto indisociable de sistemas de objetos y sistemas de
acciones. Ni objetos separadamente, ni acciones separadamente. Objetos y acciones conjuntamente.

Hay que hacer una definición operacional y que al mismo tiempo incluya el pasado, el presente y el futuro. Los objetos son creación
del hombre en todos los tiempos y las acciones son algo que en todos los tiempos marcan la posición de la historia hecha sobre los
objetos. Y significa que en esa definición, que la complicamos después en la realidad del proceso de producción teórico, nos tomamos la
libertad de proponer algo sencillo. Lo trabajamos, complicándolo, y volvemos al proceso de simplificación que permite una primera
discusión con nuestros interlocutores. Pero no hay que insistir en el error fundamental de nuestra disciplina que es trabajar desde afuera y
no enfrentar la cuestión del espacio desde adentro. Esto, junto a otra idea que no debe detenerse porque está en las calles, la gente pobre
sabe de eso. El espacio no es sólo un resultado de la producción, sino un resultado de la producción y de la vida. Esto nos permitirá pensar
que una epistemología que tenga en cuenta esa realidad supone ser una epistemología existencial. (...)

Las acciones de hoy están enmarcadas por un fenómeno técnico a su servicio como hallamos en sus dos fases. La técnica es la
sociedad, la sociedad es la técnica. Eso significa que si en nuestras preocupaciones separamos técnica y sociedad, y frecuentemente
hacemos cuadros de todo, la geografía es una ciencia que parece no poder desprenderse de los dualismos asesinos de la producción de
un conocimiento utilizable. Hay que liberarnos de esa herencia del iluminismo y de la modernidad como propone Latourre, y, a partir de
esos híbridos, a partir de esas mezclas, trabajar de otra forma, y la técnica nos permite esta operación metodológica si la consideramos
como sociedad y si consideramos a la sociedad como técnica. El interés de este enfoque es exactamente éste: suprimir las ambigüedades,
los dualismos, los enigmas que perturban el desarrollo de nuestro trabajo. Objetividad vs. subjetividad, socialidad vs. individualidad,
materialidad vs. socialidad y, sobre todo, tiempo vs. espacio.

Tiempo-espacio que es, hasta hoy, el problema más grande de nuestra disciplina. (...) No se ha podido encontrar la solución, primero
porque no incluimos la cuestión de la técnica: La técnica y el tiempo; La técnica y el espacio. Las dos cosas. La manera como definimos el
acontecer en cada período histórico está relacionada generalmente con lo que en cada período histórico es la técnica. La construcción del
espacio y la relación del hombre con la extensión es igualmente marcada en cada período histórico por la técnica correspondiente a ese
período histórico. De ahí que la casi totalidad, por no decir la totalidad, de los estudios geográficos sobre el tiempo no tuvieran éxito,
porque la ausencia de la noción de técnica supone la imposibilidad de unir el tiempo y espacio, aunque algunos geógrafos imaginen que
han resuelto la cuestión". (Milton Santos; 1997, 81)

1.1 A CIÊNCIA GEOGRÁFICA E SEU OBJETO


O conhecimento científico é profundamente dinâmico e evoluir sob a influência das transformações econômicas e de suas
repercussões sobre a formulação do pensamento científico. Assim, o objeto e os objetivos de uma ciência são relativos, diversificando-se
no espaço e no tempo, conforme a estruturação das formações econômicas e sociais.

Quando examinarmos a evolução do pensamento geográfico ao longo do século XX vamos observar que o conceito de geografia
sofreu modificações e foi enunciado sob as formas mais diversas, em diferentes períodos. O grande geógrafo francês, Emanuel de
Martonne, considerando o aspecto descritivo da Geografia, definiu-a no início do Século XX, como "a ciência que estuda a distribuição dos
fenômenos físicos, biológicos e humanos pela superfície da Terra, as causas desta distribuição e as relações locais destes fenômenos".1
Sauer, culturalista, seguindo a mesma linha de reflexão, afirma que a Geografia "é a ciência da diferenciação das áreas" e Hartshorne
afirma que "a Geografia tem por objeto proporcionar a descrição e a interpretação, de maneira precisa, ordenada e racional, do caráter
variável da superfície da Terra".2 Para Cholley, a Geografia tem por objeto "conhecer a Terra" em seu caráter total, não levando em conta
categorias isoladas, mas combinações produzidas entre as várias categorias -físicas, biológicas e humanas.3

Todas estas definições e conceitos indicam a orientação positivista dos seus autores que encaravam o espaço geográfico como uma
entidade estática, como resultado de uma evolução que alcançara o ponto final de equilíbrio e que não estava sujeita a grandes
transformações. Além disso, todas indicam uma posição ambientalista, esquecendo que a natureza não condiciona nem determina, apenas
exerce influência sobre a ação do homem e que esta ação também lhe traz modificações substanciais. O homem, à proporção que
aperfeiçoa seus conhecimentos técnicos e que dispõe de capital, procura transformar a natureza, a fim de produzir o tipo de espaço que
deseja ou que, dentro dos seus paradigmas, procura atingir. A participação dos fatores naturais é tão relativa quanto à dos fatores
institucionais e pode, por estes, ser substancialmente modificada. 4 Da mesma forma que as estruturas econômico-sociais são o resultado
de uma evolução, da ação do homem, as estruturas do meio natural, sobretudo nas sociedades industriais, é também resultado desta
ação, visando à produção ou à apropriação dos recursos naturais. Daí concluirmos que a Geografia, superada a influência positivista,
funcionalista, pode ser definida como a ciência que estuda o espaço geográfico, espaço produzido pelo homem ao intervir no meio natural,
adaptando-o à sua exploração, à utilização dos seus recursos, segundo as formas institucionais e as disponibilidades culturais, técnicas e
econômicas de que dispõe.

1.2 A EVOLUÇAO DO CONHECIMENTO GEOGRÁFICO

Os Séculos XVI, XVII e XVIII foram o período em que as ciências naturais começaram a tomar forma, dentro dos conhecimentos
científicos gerais, com as descobertas de homens notáveis como Ambroise Parre (Anatomia). Newton (Física), Copérnico e Kepler
(Astronomia), Linneu (Botânica) e outros. As Ciências Sociais e com elas a Geografia, porém, começaram a se tornar autônomas no
Século XIX, em parte beneficiadas pelo desenvolvimento do conhecimento das Ciências Naturais e, em parte, pelas facilidades de
divulgação das idéias e do conhecimento científico. Admite-se que os conhecimentos geográficos começaram a ser cultivados na
Antiguidade e que houve sábios que deram uma contribuição notável aos mesmos, ora no sentido mais geral, na análise do
relacionamento da Terra com os outros astros e, em outra linha, na análise da superfície da Terra, levando-se em conta a distribuição das
atividades produtivas pelo espaço e as relações, então muito modestas, entre áreas produtoras e áreas consumidoras. Ptolomeu seria um
autêntico representante do primeiro grupo, com a formulação do sistema planetário geocêntrico, e Heródoto seria o representante do
segundo grupo, com a análise da influência das cheias do rio Nilo sobre o uso do solo no Egito.

Preocupações geográficas mais específicas surgiriam nos fins do Século XVIII, com Kant, o grande filósofo alemão que ensinou
Geografia Física, na Universidade de Koenigsberg e que teve em Alexandre von Humboldt, considerado o pai da Geografia, um seguidor
ilustre. Este sábio alemão, grande viajante, preocupou-se com as causas da distribuição das paisagens e foi um grande incentivador das
fundações de institutos geográficos e nas promoções de congressos e reuniões científicas, atividades que interessavam às classes
dominantes dos países europeus, em um período em que estes promoviam a expansão colonial, apropriando-se de grandes territórios na
África e na Ásia. No mesmo período, primeira metade do Século XIX, o historiador e filósofo Karl Ritter, em seus cursos na Universidade de
Berlim, procurava fazer análises comparativas entre regiões diversas, procurando explicar as formas de ocupação do espaço territorial; 5 o
filósofo alemão Karl Marx, analisando o sistema capitalista, então em expansão, procurava explicar 6 as relações existentes entre o
homem e a natureza, estabelecendo o processo de transformação das sociedades naturais, pré-capitalistas, para as sociedades
industriais, capitalistas, em que o homem diminuía a influência do meio natural e o transformava em função de uma mais rápida
acumulação de capitais sem levar em conta os danos ecológicos e sociais destas transformações.

Frederico Ratzel, porém, traria a grande contribuição para a formulação esquemática do conhecimento geográfico, com o seu
livro Antropogeografia e com a propagação das idéias deterministas, que consideravam a existência de uma grande influência do meio
natural sobre o homem. De formação antropológica, Ratzel foi bastante influenciado pela idéias evolucionistas de Charles Darwin e
de Ernest Haekel, admitindo que na luta pela vida venceriam sempre os mais fortes e que a vitória os mais fortes, dos mais aptos,
sobre os mais fracos era o resultado lógico da luta pela vida. Essas idéias, profundamente comprometidas com o capitalismo da livre-
empresa e da concorrência, então dominante, tiveram grande aceitação, levando Ratzel a fazer escola e a propagar suas idéias tanto na
Alemanha, onde vivia e ensinava como nos Estados Unidos, onde seus discípulos se tornaram ainda mais radicais. Da idéia da vitória dos
mais fortes foi fácil passar à idéia da influência das condições naturais sobre o desenvolvimento do homem e da explicação do maior
desenvolvimento dos povos brancos que viviam na Europa, sob condições climáticas favoráveis, sobre os povos que viviam nos trópicos e
que não se haviam desenvolvido em face do fato de não disporem de um clima com estações do ano bem-definidas. Daí a idéia da
existência de uma raça superior e do "direito" que teria esta raça de "dominar, para civilizar" as raças inferiores, incapazes de gerir
os seus próprios destinos. Daí também o princípio de que a raça superior tinha o direito a conquistar o seu "espaço vital", dominando os
países, vizinhos ou não, habitados por seres inferiores e de que nos trópicos não havia condições para a formação e para o surgimento
de civilizações7, justificando o imperialismo e o colonialismo. Essa tendência levou o geógrafo a uma preocupação maior com os
"gêneros de vida" dominantes nas sociedades baixos níveis técnicos, dependentes do meio natural e não a uma preocupação com os
problemas das classes sociais, bem-definidos em seus antagonismos, nas sociedades industriais e para-industriais. As idéias de Ratzel
levaram ainda os geógrafos a se preocuparem com os problemas de povo, raça, Estado, localização dos Estados em relação aos
oceanos e mares, conduzindo-os à Geografia Política e fornecendo as bases para o surgimento da Geopolítica, com a contribuição de
Kjellen.8

As idéias geográficas na França, nesse período, baseavam-se no pensamento de dois grandes cientistas, Elisée Reclus e Vidal de Ia
Blache. O primeiro, de formação anarquista, participou da Comuna de Paris e teve de viver grande parte da vida no exílio, onde
escreveu uma Geografia Universal e um livro O homem e a terra analisando de um ponto de vista revolucionário, este relacionamento. O
segundo bem-ajustado ao sistema de poder, foi o formador da geografia clássica francesa, com a criação do possibilismo, escola que,
mitigando o determinismo alemão, admitia que não havia um domínio da natureza sobre o homem nem deste sobre a natureza, mas
possibilidades de influências recíprocas. Apesar de historiador de formação, Ia Blache realizou intensos estudos de geologia e de
geografia física, tendo sido o organizador de trabalhos de análise regional nos quais dava grande importância à delimitação de
pequenas áreas, "as regiões", onde se deveria fazer o levantamento das condições naturais, da população e da exploração
econômica da área. Não tinha preocupações filosóficas e, sendo historiador, encarava o quadro em exame como o resultado de uma
evolução que chegara ao fim, pelo seu aprimoramento. Grande professor fez numerosos e eminentes discípulos que divulgaram as
suas idéias, na França e nos países que receberam a sua influência cultural. '

A geografia científica foi iniciada no Brasil sob a influência da escola clássica de Ratzel e de Ia Blache, com os trabalhos de
Delgado de Carvalho, 2 nas primeiras décadas do Século XX, e continuada após a fundação da Faculdade de Filosofia, Ciências e
Letras da Universidade de São Paulo, através dos ensinamentos de Pierre Mombeig e de Pierre Defontaines e da Faculdade Nacional
de Filosofia, do Rio de Janeiro, com Francis Ruellan. No Rio, o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística dariam também uma grande
contribuição ao desenvolvimento das idéias defendidas pela geografia clássica, onde se observava uma separação, uma
dualidade entre a Geografia Física e a Humana, um ambientalismo acentuado e uma ausência de preocupações teóricas.
Dominaram, no Brasil, durante o período de 1951 a 1960 os estudos regionais.

1.3 CRISE DA GEOGRAFIA OU GEOGRAFIA DA CRISE

Após a Segunda Guerra Mundial, as transformações econômicas e sociais conscientizaram o homem das perspectivas de
uma crise que se efetivou, de forma mais generalizada, após 1970: essa perspectiva de crise e as disputas político-ideológicas
conduziram também a uma crise da Geografia. A grande expansão do capitalismo, com períodos de euforia durante as guerras da Coréia e
do Vietnã, possibilitou às companhias transnacionais uma ampliação da escala dos seus programas de ação, visando ao controle de
matérias-primas e do mercado consumidor, em escala mundial, favorecendo o desenvolvimento do enconomicismo, do positivismo
e dos métodos matemático-estatísticos para a confecção de modelos abstratos a serem aplicados, sem levar em conta a posição
geográfica, as condições naturais e os interesses das populações. Daí a vitória do funcionalismo e o surgimento da escola
"quantitativista" que pregava uma ruptura com a geografia clássica, considerada ultrapassada, e com as pesquisas de campo,
utilizando de forma maciça os computadores e os dados estatísticos, sem uma crítica à validade dos mesmos. Procurava transformar
uma ciência em uma técnica, procurando medir o crescimento e as quantidades, sem levar em conta as conseqüências sociais e
ecológicas do processo de expansão do modo de produção capitalista. Esta aceitação se configurou mais acentuadamente nos
setores governamentais, no planejamento, com a utilização da teoria dos sistemas e, em não menor escala, nos meios universitários.

A crise do sistema capitalista mundial, provocada pela acumulação exagerada do capital e pelo empobrecimento das
populações dos países subdesenvolvidos, acompanhados da depredação dos recursos naturais, provocou reações de ordem
política e social, como a atitude dos países produtores de petróleo de valorizar o produto não renovável de que dispunha,
passando a impor preços compensatórios para o mesmo, fazendo despertar uma consciência crítica que se estendeu, naturalmente,
ao campo científico e, conseqüentemente, à geografia.

Daí a perda de prestígio da geografia quantitativa e o surgimento de tendências ecológicas e dialéticas. As tendências ecológicas,
muitas vezes românticas, tentam uma volta às idéias de Rousseau, no seu Contrato Social, que prega uma preservação do meio
ambiente e uma volta à vida em maior contato com a natureza. Os ecologistas, sobretudo nos países desenvolvidos, vêm tentando evitar
a implantação de indústrias poluentes e de centrais nucleares, procurando preservar as reservas florestais existentes e desenvolver um
maior contato entre o homem e os animais e os vegetais.

A tendência dialética procura a origem do seu pensamento nos filósofos alemães do Século XIX, como Hegel e Marx, e tenta explicar
a produção do espaço, levando em conta a influência da infra-estrutura econômica sobre a ação do homem. Segundo ela, o espaço
geográfico é um espaço produzido pelo homem visando à apropriação de bens no período pré-capitalista e à produção de
mercadorias, a acumulação de capital, na sociedade capitalista. Ela não só se preocupa com a análise do espaço, como também
procura explicar a forma como o espaço geográfico foi produzido, em função de que interesses e quais as conseqüências desta produção
sobre as estruturas sociais e sobre a acumulação de capital, dando origem à formação de uma geografia que analisa a problemática da
crise em que vivemos indicando caminhos para a solução da mesma. Claro que entre os que fazem geografia, utilizando o
método dialético, a chamada geografia crítica, há tendências bem diversas e bem-acentuadas, desde aqueles que, influenciados pelos
positivistas, elaboram modelos ideais a serem aplicados em qualquer situação, até aqueles que partem da análise da realidade,
seguindo a práxis à procura de modelos que se adaptem a cada caso, a cada desafio, em suas linhas específicas9.

1.4 A DUALIDADE DO ESTUDO DA GEOGRAFIA: A GEOGRAFIA ECONÔMICA

Analisando-se as obras dos geógrafos, observa-se grande influência do positivismo, uma tendência à esquematização. Costuma-se
dividir a Geografia, pelo menos para efeito didático, em dois grandes ramos, a Geografia Sistemática ou Geral e a Geografia Regional.
Muitos admitem que esta divisão é o resultado apenas da escala adotada, de vez que o geral se refere a grandes áreas - os
continentes ou países de grande extensão - e o regional a pequenas áreas - as regiões. O problema não é bem este. Faz-se Geografia
Sistemática quando se toma um segmento dos estudos geográficos, como o relevo, o clima, a população, a agricultura etc., estudando-o
isoladamente para toda a superfície da Terra ou para uma área determinada e faz-se Geografia Regional quando, seguindo-se os
modelos de Vidal de Ia Blache, se toma uma área determinada e se procura obter da mesma uma visão global, observando tanto
os aspectos físicos - estrutura geológica, relevo, clima, vegetação etc. - como os humanos - população, agricultura, pecuária,
indústria, comércio e serviços - através de sua ação conjunta, integrada.

Vê-se assim que mais do que dois grandes ramos da Geografia, a Geografia Sistemática e a Geografia Regional são, na
verdade, dois enfoques do conhecimento geográfico.

A Geografia Sistemática costuma ser dividida em dois grandes ramos, a Física e a Humana. A primeira estuda e analisa a ação dos
fatores físicos e a segunda analisa e interpreta a ação dos fatores humanos. A Geografia Humana vem recebendo denominações
diversas, conforme as escolas geográficas. Na Alemanha, Ratzel a chamou de Antropogeografia, ou geografia do homem, embora
hoje utilizem mais o termo geografia cultural, em face das influências antropológicas. Na França preferem chamá-la de Geografia
Humana, por considerarem o adjetivo mais abrangente, enquanto nos Estados Unidos e na União Soviética a denominam de
Geografia Econômica, em face da importância dada à Economia na organização do espaço.

Na verdade, esta dualidade - Geografia Física/Geografia Humana - já se encontra ultrapassada, de vez que, em relação à
produção do espaço geográfico, temos de estudar a ação do homem apropriando-se dos recursos existentes, de acordo com as
estruturas econômicas, sociais e políticas como estão organizadas. Daí a influência do modo de produção11 e das formações
econômicas e sociais dominantes no espaço e no tempo e concluirmos que existe apenas uma Geografia que é chamada de uma ou
de outra maneira, conforme o enfoque que se dá à mesma nos estudos em realização. Assim, quando se dá maior atenção às
relações homem/meio e quando se analisa gêneros de vida faz-se Geografia Humana, mas quando se analisa a organização do
espaço em função da apropriação dos recursos naturais e da transformação dos bens em mercadorias, em uma sociedade
avançada, faz-se Geografia Econômica.12

Devemos ainda levar em consideração que a Geografia não é um departamento isolado do conhecimento científico; ela está
integrada a outros ramos do conhecimento, tendo, naturalmente, uma área de fronteira com as outras ciências. Daí a existência
de uma série de disciplinas intermediárias entre a Geografia e as outras ciências, tanto naturais como humanas. Apenas para
exemplificar, podemos apontar os ramos que seguem:

a) a Geomorfologia, ciência que estuda as formas de relevo, preocupada em explicar a gênese da mesma como ramo intermediário
entre a Geografia e a Geologia;

b) a Geofísica estuda a física do globo;

c) a Geoquímica estuda a química do globo terrestre;

d) a Geo-história estuda a influência dos fatores geográficos na sucessão dos acontecimentos históricos;

e) a Geopolítica, campo intermediário entre a Geografia, a Ciência Política e o Direito Internacional, tenta explicar a importância
estratégica de certas áreas da superfície da Terra e a evolução das fronteiras entre os países, assim como das áreas de influência
das grandes nações;

f) a Geografia Econômica, campo intermediário entre a Geografia e a Ciência Econômica, procura explicar a expansão da
influência dos grandes grupos econômicos e dos países a ele ligados, pela superfície da Terra.

Assim, à proporção que se desenvolve que se amplia o conhecimento geográfico, certos capítulos, antes poucos estudados e poucos
expressivos, ganham importância e se transformam em novas áreas de estudo ou novos capítulos do grande ramo da Geografia, enquanto
outros, marginais entre a Geografia e as ciências afins, dão origem a novos ramos do conhecimento científico.
1.5 O CONHECIMENTO GEOGRÁFICO E SUA UTILIZAÇÃO

Durante muito tempo dominou a idéia de que a Geografia era uma ciência que visava apenas dar aos estudantes um pouco de
cultura geral, sem interesses pragmáticos. Quando se começou a utilizar o conhecimento geográfico de forma sistemática no
planejamento e a se falar em geografia aplicada, houve cientistas que reagiram, achando que esta não era a função da
Geografia.

Esta idéia, porém, é falsa, de vez que a Geografia vem sendo utilizada, desde os primeiros tempos, com fins pragmáticos. Assim, ela
foi utilizada pelos países europeus em sua expansão colonial, quando procuravam conhecer as várias regiões que desejavam
conquistar para avaliar a rentabilidade das mesmas. E esta função, entregue no início do desenvolvimento da expansão capitalista
(Séculos XVI, XVII e XVIII) a cronistas isolados (leia as obras dos cronistas do período colonial a respeito do Brasil e de suas
possibilidades econômicas), foi transferida, no Século XIX, para as sociedades de geografia que financiavam e promoviam expedições de
exploradores às regiões pouco conhecidas. Hoje ela é controlada pelo Estado, através dos serviços de informação.

A Geografia tem sido utilizada ainda para organizar a exploração do espaço e contribuir para obras de transformação do meio
natural, tornando-o mais acessível à exploração agrícola ou mineral, bem como para orientar os problemas estratégicos e as formas de
conduzir a guerra.13 Vários problemas espaciais, como-o de fronteiras políticas, de delimitação de áreas de influência econômica dos
centros polarizadores14 ou de distribuição pelo espaço geográfico, de povos e nações, têm sido objeto de estudo e de
participação de geógrafos. Mais modernamente, eles têm dado a sua colaboração também nos estudos e planejamentos dos
órgãos estatais e das grandes empresas transnacionais. As Forças Armadas dos mais diversos países têm sempre um serviço
geográfico, com preocupações ligadas, sobretudo à Cartografia, a informações, à geopolítica é à geoestratégia.

1.6 A ELABORAÇAO DO DISCURSO GEOGRÁFICO

Para elaboração do discurso gráfico, dispõe hoje o geógrafo não só do embasamento teórico fornecido pela Epistemologia e pela
reflexão metodológica que pode enriquecer os chamados princípios do método geográfico, utilizado no início do Século XX, pelos
fundadores da ciência geográfica, mas também de técnicas modernas fornecidas pelo desenvolvimento da tecnologia, como veremos a
seguir.

Desde a segunda metade do século passado até os primeiros anos do Século XX, consolidou-se a idéia de que o método geográfico
se baseava nos cinco princípios enunciados por eminentes mestres alemães, como Alexandre Humboldt, Karl Ritter, Frederico Ratzel -
os fundadores da geografia científica - e pelo não menos ilustre geógrafo Jean Brunhes.

Assim, em um trabalho de pesquisa geográfica devia o estudioso aplicar, sucessivamente, os seguintes princípios:

a) princípio da extensão, enunciado por Frederico Ratzel, segundo o qual o geógrafo, ao estudar um dos fatores geográficos ou uma área,
deveria, inicialmente, procurar localiza-la e estabelecer os seus limites, usando os mapas disponíveis e o conhecimento direto da área;

b) princípio da geografia geral ou da analogia, enunciado por Karl Ritter, segundo o qual, delimitada e observada uma área em estudo,
deveria ser a mesma comparada com o que se observa em outras áreas, estabelecendo as semelhanças e as diferenças existentes;

c) princípio da causalidade, enunciado por Alexandre Humboldt, segundo o qual, observados os fatos, se deverá procurar as causas que o
determinaram, estabelecendo relações de causa e efeito;

d) principio da conexidade, enunciado por Jean Brunhes, onde ele chamava a atenção para o fato de que os fatores físicos e humanos, ao elaborarem as
paisagens, não agiram separados e independentemente, havendo uma interpenetração na ação dos vários fatores físicos entre si, e ainda dos dois grandes
grupos de fatores. Na elaboração das paisagens, nenhum dos fatores físicos ou humanos age isoladamente; a ação é sempre feita de forma integrada com outros
fatores;

e) princípio da atividade, também enunciado por Jean Brunhes, no qual o mestre francês assinala o caráter dinâmico do fato geográfico, de
vez que o espaço está em perpétua reorganização, em constante transformação, graças à ação ininterrupta dos vários fatores.

Passando da formulação teórica às considerações de ordem prática, observamos que, modernamente, o geógrafo dispõe das condições
mais favoráveis para realizar a aplicação destes princípios, tanto nos trabalhos de campo como nos do gabinete e de laboratório. Os
trabalhos de laboratório podem ser feitos através da utilização de várias técnicas que têm tido grande desenvolvimento no período
posterior à Segunda Guerra Mundial. Por isso, além dos materiais fornecidos pela Cartografia, através de cartas de escalas e das projeções
mais diversas, dispõe o geógrafo de fotografias aéreas que dão, através da visão estereoscópica, uma idéia nítida do conjunto da área
em estudo. Quanto aos mapas, são hoje largamente utilizadas não só as cartas com escala de 1: 500.000 e 1: 1.000.000, geralmente para
áreas de grandes dimensões - continentes grandes países etc. -, como também cartas de escalas mais bem detalhadas, como as de 1:
50.000 e 1: 20.000, em folhas que retratam pequenas áreas, com um grau de precisão bastante elevado. Para o estudo de cidades e
de micro áreas podem ser utilizadas até escalas mais reduzidas. Não menor é a variedade de mapas especializados; nas áreas mais
desenvolvidas e mais bem conhecidas, o geógrafo dispõe de mapas geológicos, topográficos, pedológicos etc. A existência destes mapas e
das modernas técnicas de estudo das paisagens permite o surgimento, ao lado dos tradicionais mapas físicos e políticos, de mapas
geomorfológicos, climáticos, d e uso da terra, d e distribuição dos fluxos etc., que ilustram e enriquecem as mais modernas obras
geográficas.

A fotogrametria e a foto-interpretação são técnicas hoje largamente usadas por geógrafos, geólogos, agrônomos, pedólogos etc., e
constituem, para o geógrafo, um material de suma importância para o estudo das várias áreas da superfície da Terra, não só porque a
perspectiva do alto permite a observação de fatos difíceis de serem constatados à superfície em que o pesquisador está, limitado pelas
dificuldades de circulação, mas também porque dá uma visão geral e bem mais ampla. Certas áreas da superfície da Terra, como as
florestas equatoriais, os grandes desertos, as regiões polares etc., não estariam hoje razoavelmente cartografadas se não dispuséssemos
do recurso da fotografia aérea.

Os dados estatísticos, tanto os referentes à população como à produção mineral, agrícola, industrial etc., constituem um rico material
de trabalho de gabinete para o geógrafo. Por maiores que sejam as imprecisões dos dados estatísticos, eles fornecem ao estudioso uma
idéia nítida da maior ou menor importância da população e da produção de uma região. Como os serviços estatísticos funcionam
nos principais países do mundo há dezenas de anos, pode o geógrafo, comparando os dados disponíveis de uma seqüência de
anos, estabelecem as tendências ao crescimento ou à diminuição da população e da produção. Além dos dados oficiais, pode-se lançar
mão de cadastros, de documentos antigos, publicados ou não, para estabelecer as conexões necessárias.

Nos trabalhos de laboratório, os geógrafos realizam, ora a sós, ora com o auxilio de mineralogistas, de geólogos e de pedólogos,
análises físicas - forma e dimensões de seixos, de areias etc. - e químicas, a fim de explicar a origem destes elementos de forma positiva e
segura.

Apesar de toda esta documentação de que dispõem, sobretudo nos países desenvolvidos e nas regiões mais bem
conhecidas, a maioria deles ainda opina pela necessidade do trabalho de campo, da observação direta, que dará, pelo contato com a
natureza e com as pessoas, uma visão mais realista e mais casuística dos fatos que marcam a paisagem e que exercem grande
influência na organização do espaço. A visão de gabinete leva o geógrafo a fazer generalizações, ao passo que a visão do campo,
o conhecimento adquirido com a pesquisa direta, fornece-lhe o conhecimento de detalhes, de fatos que contrariam e evitam essas
generalizações. Este contato direto, feito através da observação direta da paisagem, pode ser mais bem documentado, com desenhos e
fotografias obtidas dos melhores ângulos, entrevista com os habitantes da área, fonte de informações de grande valia, e, ainda,
aplicação de questionários nos quais estes habitantes fornecem, de forma sistemática, as informações consideradas fundamentais ao
trabalho em elaboração. Desse modo, os geógrafos modernos dispõem de meios que faltaram aos clássicos para interpretar e
explicar as diversas formas de organização do espaço.

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