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CAPITULO I

Botswana Williamns tinha a expressão determinada quando bateu na porta. Comentava-se


muito na firma sobre as características do novo proprietário. E, pelo que se dizia, ele era do
tipo exigente.

No período de poucas semanas desde que Fausto Papadakis assumira, muitos funcionários
já tinham ido embora. Ninguém queria trabalhar para o Tirano, como o haviam apelidado.
E agora, Botswana fora promovida a sua assistente pessoal, em apenas três semanas.

Fausto nem lhe perguntara se aceitaria ou não o cargo. Apenas lhe enviara um comunicado
que dizia nas entrelinhas que ou ela aceitava a nova função, ou estava demitida.

Isso enchera Botswana de antipatia imediata pelo homem. No entanto, precisava demais do
emprego, não podia dar-se o luxo de perdê-lo.

- Entre! – Ouviu o comando em voz forte.

Ela já o vira passar pelos corredores da Mauá Estaleiros e também quando passara pelos
escritórios, lançando olhares avaliatórios a todos, sempre serio, carrancudo, inacessível.
Soube que muitas colegas suas quase desmaiaram ao serem olhadas daquela forma.

Mas, Botswana vira apenas o sujeito alto e petulante que, poderia até ser bonito, apesar da
idade, mas, se não vivesse carrancudo. Projetava um ar de rudeza e crueldade, parecia
inacessível e invencível. Mas, ela não se impressionava com isso. Gostava de pessoas
dóceis e generosas. E Fausto Papadakis não era assim. Estava ali apenas para fazer com que
aquela imensa e lucrativa companhia ficasse maior e mais poderosa. Ele era conhecido pela
sua fortuna e agressividade nos negócios. Para que uma pessoa quer ficar tão rica? Tudo
ambição pelo poder... Lá isso serve de alguma coisa na vida? Pensava ela.

Respirou fundo, antes de entrar e caminhou ereta até a enorme escrivaninha. Era a primeira
vez que entrava ali, e as paredes revestidas de madeira escura, as pinturas a óleo sobre elas,
bem como a mobília antiga, causaram-lhe uma impressão de sobriedade e respeito. Era
estranha, porém, sensação que tinha de que aquele homem, atrás da mesa não teria
escolhido tal decoração, caso tivesse essa chance. Na realidade, Fausto já mandara instalar
uma parafernália de computadores e equipamentos eletrônicos na sala que, um dia,
pertencera ao sr. Mauro Caballeros, um homem doce e cordial, sempre com seu brilhante
sorriso.

Fausto Papadakis estava em pé. Era a imagem viva da intimidação, e Botswana endireitou
ainda mais os ombros.

- Bom dia, sr. Papadakis – saudou-o com formalidade.


- Srta. Williamns...Sente-se, sim? – Indicou-lhe a cadeira do outro lado.

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Botswana se acomodou. Fausto permaneceu em pé. Devia ter um metro e oitenta e oito de
altura e, mesmo vestido no terno elegante, era obvio que sua estrutura física era vigorosa. O
que era comentado pelos funcionários, pois, Fausto já devia ter quase uns sessenta anos,
mas, não parecia nem um pouco ter a idade que diziam. Era vigoroso, incansável e na
aparecia bem mais jovem.

Os olhos castanhos pareciam perceber cada mínimo movimento de Botswana, o que a


deixava pouco à vontade. Mas não o deixaria perceber que a intimidava, ah, isso nunca! Ela
morria por dentro, mas de forma alguma deixaria que o Tirano soubesse que o temia!
Encarou-o, com um sorriso forçado nos lábios e a caneta pronta para as anotações.

O resto do dia se seguiu numa seqüência alucinante de anotações, reuniões, ordens ríspidas
e inúmeros e-mails. E, Botswana teve certeza absoluta que estava diante de um Tirano, sem
coração e feito de pedra. Era um arrogante dominador...Mas, estava satisfeita consigo
mesma, conseguira dar conta de tudo. Venceria aquela parada! Fausto não poderia dizer
uma virgula de sua eficiência.

Já vestia o casaco para sair, quando o chefe abriu a porta de ligação entre as duas salas e
disse:

- Ainda não, srta. Williamns. Temos tarefas a desempenhar.

Botswana lançou um olhar para o relógio da parede.

- Imaginei que meu horário fosse das nove às cinco. – observou, os olhos azuis fixos
nele, desafiadores. E como estava com raiva começaram a ficar acinzentados.- Já
passaram três minutos das cinco.

“Tenho uma vida fora daqui, sr. Tirano, mesmo que você não tenha”.

Fausto a olhou cinicamente com seus olhos castanhos penetrantes e frios. Ele percebera a
mudança de tonalidade de seus olhos.

- Eu não me importaria nem se já tivessem passados vinte minutos de seu horário.


Preciso de você!

Bode velho! Ela pensou, se era assim que falava com suas secretarias, imagina por que se
demitiram! Não podia pedir com educação? Mas, se queria manter o emprego teria que se
submeter e ficar calada.

- Sim senhor.- murmurou, voltando a calma, deixando o casaco no espaldar.- Para


que precisa de mim? Já fiz tudo o que me pediu.- perguntou resignada.

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Fausto lançou uma fita sobre a escrivaninha.

-Quero esse relatório pronto até as seis. E certifique-se de digitar os números com exatidão,
pois são muito importantes.

Botswana observou a fita assim que ele desapareceu em seu escritório, fechando a porta
atrás de si. Pelo visto, tudo parecia ser de vital importância para seu patrão. Ela prendera os
cabelos castanhos claros naquela manha, mas, agora com tanta atividade, estavam soltos,
incomodando-a lançou-os para trás quase com raiva.

Pegou o telefone e ligou para sua vizinha, Dona Creuza. Uma negra corpulenta de seios
fartos e gargalhada estrondosa.

- Dona Creuza terei que trabalhar até mais tarde hoje. Poderia ficar com Danilo mais
um pouco?

Botswana detestava deixar o filho por mais tempo do que o necessário. Sentia-se culpada,
mas, não havia alternativa. Danilo era especial para ela e queria que ele tivesse o melhor, se
era necessário trabalhar alem do expediente para isso e agüentar o bode velho tirano, assim
o faria.

- É claro querida! – Dona Creuza concordou – Não se preocupe. Posso dar o jantar a
ele?

Dona Creuza adorava cuidar de Danilo. Seus netos eram adolescentes e sentiam falta de
uma criança em casa. Era uma doce senhora, uma típica mãe negra. Ela a adorava e há
muito via nela a mãe perdida na infância. Se não fosse Dona Creuza ela não sabia o que
faria.

Já eram quase sete horas quando Botswana conseguiu deixar a empresa. Fausto Papadakis
era um workhalic e parecia querer que todos fossem como ele. Muitas das coisas que pediu
a Botswana para fazer naquele dia, poderiam ter esperado até a manha seguinte.Mas, já
ouvira dizer que muitas vezes ele chegava antes das seis.

Não fazia idéia se era ou não casado. Fausto não usava aliança e mantinha sua vida
particular em absoluto sigilo. Mas, a fofocada na empresa corria a solta. Falavam de
namoradas belíssimas, ricas, modelos internacionais, atrizes famosas. Ainda, diziam haver
uma esposa deixada na Grécia ou uma amante nobre na Inglaterra. De propriedades em
Nova York e nas Bahamas, na Europa e em sua terra natal. Botswana não imaginava como
uma pessoa poderia dar conta de tudo isso.

Quando chegou ao escritório, as dez para as nove da manhã seguinte, Fausto já a esperava.

- Estava imaginando quando iria aparecer.- foi o bom dia que recebeu dele.

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Com a gravata solta, o primeiro botão aberto e os cabelos grisalhos em desalinho, como se
tivesse passado os dedos muitas vezes por eles, não mostrava boa aparência. Na verdade,
parecia ter passado à noite no escritório, trabalhando.

- Preciso de café preto, bem forte, e meia dúzia de pãezinhos doces. Cuide disso, sim?

Botswana assentiu, murmurando:

- Posso lhe providenciar um desjejum completo, se...


- Faça apenas o que eu disse. E traga seu bloco de anotações. Há muito o que fazer.

O humor de Fausto permaneceu o mesmo durante todo o dia, mas Botswana recusou-se a
ceder a sua carranca. Permaneceu gentil, agradável, mesmo estando muito aborrecida. Só
não podia disfarçar os olhos cinzentos!

Durante o final de semana, Botswana começou a sentir-se complacente. Durante a missa na


igreja, quase não ouvia o padre Ivo, pensava que compreendia Fausto e que ele estava
satisfeito com seu desempenho. Ignorava seu mau humor, e isso parecia estar dando certo.
Ao final da missa. Dona Creuza se aproximou dela com seus seios imensos balançando e
um sorriso generoso, queria saber se estava tudo bem, pois parecia muito distraída durante a
missa, inventou uma desculpa qualquer e após beijar a velha amiga foi embora com
Danilo.E foi apenas quando Fausto lhe pediu para trabalhar até tarde mais uma vez que
tudo começou a piorar.

- Sinto muito, mas não posso ficar.- afirmou, categórica.

Uma sombra caiu-lhe sobre os olhos e sua famosa expressão de desagrado tornou a
aparecer no semblante, ele se voltou, indagando, como se estivesse ouvindo um absurdo.

- Como disse?- cruzou os braços.


- Não posso ficar ate mais tarde hoje.
- Imagino que tenha uma boa razão para isso...
- Tenho, sim. É aniversário de meu filho.

Por alguns segundos Fausto ficou atônito.

- Tem um filho?! Mas... por que não me disseram? – Fausto quase gritou – Não será
nada útil apara mim se tiver que ficar saindo a toda hora em licença!

Botswana ficou indignada e os olhos ficaram cinzentos quase que imediatamente.

- O que quer dizer com “toda hora”?! Esta é uma ocasião especial, sr. Papadakis.
Danilo está completando oito anos hoje, e programei uma festinha para ele. Não
decepcionarei meu filho. E a única ocasião em que não pude trabalhar foi quando
ele teve apendicite. Mesmo assim, esse dia foi descontado de minhas férias!

Botswana notou pela primeira vez que Fausto vacilava, até que assentiu seco:

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- Muito bem. Pode conseguir algumas horas pela manha então?

Era a primeira vez que ele pedia, em vez de exigir. Uma pequena vitória, Botswana
considerou, satisfeita. O dia seguinte era sábado, e Danilo tinha aula de futebol na
escolinha do Botafogo. No entanto, sob tais circunstancias, sabia que não deveria
recusar de novo. Dona Creuza poderia levar o menino ao treino, adorava fazê-lo.

- Está bem!
- Ótimo.- E, com um aceno breve, dispensou-a.

Botswana considerava o que fazia uma pessoa se tornar tão dura como Fausto. Será o amor
ao dinheiro? Ele era um homem atraente, apesar da idade, alto, as sobrancelhas negras
grossas e bem feitas emoldurando os olhos castanhos, um rosto forte, másculo, decidido.
Não era a toa que as mulheres da firma viviam aos seus pés suspirando por ele pelos
corredores.

Mas, elas nunca tinham experimentado seus ataques de raiva, sua expressão sempre dura,
seu mau humor...tais atitudes faziam Botswana esquecer o quanto ele era bonito e
charmoso, e de quanto seus movimentos eram sensuais.

Mas, Fausto, era sem sombra de duvida um homem atraente, alias muito atraente. Mesmo
vendo um tirano, ela sentira diversas vezes a presença física daquele homem, o perfume
suave de sua colônia. Nessas horas procurava evitar o seu olhar, pois sabia que se ele a
olhasse veria seus olhos ficando verdes, o mais indisfarçável sinal de que se sentia atraída
por um homem. De relance lembrou de Edivandro, o pai de seu filho, quando ele sorria
vitorioso para ela e lhe dizia vaidoso “Seus olhos ficaram verdes minha rainha”, uma
lagrima teimosa escorreu pela face.

Mas, apesar disso gostava tão pouco de Fausto quanto no primeiro dia de trabalho. E estava
espantada por ele ter cedido tão facilmente sua recusa de trabalhar naquela noite.

- Este é a melhor festa que já tive! – Danilo exclamou feliz enquanto mordia seu segundo
lanche.

Botswana sorria feliz e deliciada. A criançada fazia um barulho enlouquecedor, todas


falando ao mesmo tempo, rindo, brincando. Para elas se reunirem no Mcdonald do
shopping Madureira era melhor do que uma festinha com bolo e refrigerantes em casa.

- Muito bem, qual de vocês é Danilo? – indagou uma voz vinda do setor privado da loja.

Botswana voltou-se de imediato da cadeira, reconhecendo-a, para seu mais absoluto


espanto e de outros adultos presentes, Fausto Papadakis estava parado a porta com um
enorme pacote debaixo do braço e com um brilho intenso no olhar sempre duro. Nem
parecia aquele homem frio, ríspido e calculista do dia a dia.

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- Sr. Papadakis...O que... está fazendo aqui? – Botswana se ergueu, com o coração batendo
apressado. Ouviu quando um dos presentes perguntou quem era aquele gringo e o que
estava fazendo ali.

- Eu trouxe um presente para o menino que está fazendo aniversário. Quem é ele?

Os olhares se voltaram para Danilo, ele corou levemente mostrando-se embaraçado.

- Quem é você? – quis saber e, por seu modo de falar e agir, Fausto logo percebeu que só
poderia ser o filho de Botswana.

Danilo era mulato, parecido com Botswana. E o seu sorriso gentil e cativante.

- Sou o patrão de sua mãe. Ela me disse que era seu aniversário, e achei que você poderia
gostar disso.- E entregou o pacote que trazia.

Botswana estava aturdida demais para falar alguma coisa. O homem que estava ali não era
o mesmo com que convivia diariamente. Seu patrão não se importaria de comprar um
presente para um filho de uma funcionária, ainda por cima, negra. E ainda vir trazê-lo!

- É muito gentil...- sussurrou, depois de alguns segundos.- Mas, não precisava ter se
importado.

Será que ele veio aqui só para saber se eu estava falando a verdade? Botswana afastou esse
pensamento. Imagine, era um absurdo!

Bem, não posso ficar. - Fausto lhe comunicou, logo depois.- Tenho muito o que fazer. Boa
festa. Espero por você as nove srta. Williamns.
- Sim...E, mais uma vez obrigada.

Ninguém notou a saída de Fausto, todos estavam atentos ao presente que Danilo ganhara. E
houve uma exclamação geral entre as crianças quando o papel foi tirado. Era um autorama
completo, com muitos carrinhos e pistas. O sonho de qualquer menino.

O primeiro impulso de Botswana foi dizer ao filho que não podiam aceitar um presente tão
caro e deveriam devolver, mas, ao ver a felicidade estampada em seu rostinho, reconsiderou
e ficou em silencio. Quem sabe se Fausto não queria apenas ser gentil, retribuir o seu
esforço, um reconhecimento por seu trabalho e eficiência. Ou, será que não queria agradá-
la, para que não mais se recusasse ao trabalho? Sabe-se lá se Fausto possuía um coração?

Mas, fosse qual fosse a razão de Fausto dar o autorama para seu filho, o fato é que Danilo
estava eufórico e isso a deixava extremamente feliz.

Na manhã seguinte quando foi trabalhar, Botswana pensava em agradecer mais uma vez,
mas, não foi sua surpresa que o homem gentil da noite anterior sumira e Fausto estava mais
mal-humorado como nunca. E não houve conversa entre eles que não fosse serviço.

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No entanto, quando, em dado momento, ele se aproximou de sua mesa e apoiou uma das
mãos nas costas da cadeira que Botswana ocupava, e a outra sobre o tampo, concentrado na
tela do computador, conforme ela digitava uma carta que pedira, ela teve certeza de que
havia um homem por debaixo daquela armadura de seriedade e exigência. Passou a sentir a
proximidade dele com mais intensidade.

- Deixou de digitar uma palavra.

Botswana mordeu levemente o lábio inferior, aborrecida consigo mesma pela falha tola.
Mas sabia que cometeria outros erros se Fausto não se afastasse. Sentia a fragrância da
colônia suave que ele usava. Continuou digitando tensa, cometendo mais erros naquela
única pagina do que costumava a cometer num dia inteiro.

- O que está havendo, srta. Willimans? A festa de ontem a deixou nas nuvens? – ele a olhou
firmemente.

Botswana engoliu a seco. Será que ele não percebia que era a presença dele que a deixava
nervosa? E o que ela tinha que olhar para ele naquela hora? Meu Deus do céu, seus olhos
esverdearam!

- Estou bem, sr. Papadakis. E, a propósito, obrigada por ter dado aquele autorama ao
Danilo. Foi um presente muito caro...Ele adorou. E me fez acordar às seis da manhã para
ajudar a montar.

_ Que bom que o guri gostou. Traga a carta a meu escritório quando a imprimir. Ah! E
também o relatório do BNDS.

Fausto se afastou, por fim, indiferente ao assunto da festa e do presente. Botswana ergueu
as sobrancelhas bem definidas, pensativa. E ela que pensara que aquele bode velho tinha
coração...Bobagem!

A manhã terminou e Fausto não parecia disposto a parar de trabalhar. Botswana não sabia
se ele iria entrar a tarde trabalhando. Em dado momento, Fausto a chamou através da porta
aberta:

- Srta. Willimans mande buscar o almoço!

Botswana respirou fundo. Ele parecia querer que ficasse à tarde também... Mas Fausto logo
apareceu à soleira, acrescentando:

- Depois, é melhor voltar para casa e passar mais algum tempo com seu filho.
_ Obrigado. E... se não me levar a mal por dizer...acho que trabalha demais. O sr.Caballeros
não costuma se dedicar tanto.
- É por isso que estava falindo!
- Como assim? A empresa ia bem.- ela retrucou espantada.
Fausto fez que não.

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- Isso era o que ele queria que vocês pensassem. Não os queria ver infelizes e aborrecidos,
mas, em poucos meses estariam todos desempregados e o estaleiro fecharia as portas.- ele
recostou-se no batente da porta e a encarou com firmeza.

Botswana o encarou perplexa.

- Serio?!

- Sim. Comprei um navio que estava indo a pique, srta. Willimans. É isso o que eu faço,
mas sempre consigo trazer toda a frota a superfície.

Botswana imaginava que deveria saber, pelo conteúdo da correspondência, que a


companhia estava com problemas, mas, imaginava que Fausto queria apenas se livrar dos
velhos e antiquados métodos administrativos, para instalar novos e modernos.

Ele estava implementando negócios, inovando em muitos aspectos. Ela pensara que ele
deveria estar esfregando as mãos com a dinheirama que estava entrando...mas, agora
percebia que se não fosse pelo seu incansável trabalho, estaria numa hora dessa
desempregada e com um filho pequeno para criar. Ficou envergonhada de pensar o pior de
seu patrão.

Nos dias que se seguiram, ele lhe pediu que ficasse até tarde mais uma vez.

- Sei que é importante se dedicar ao seu filho e aprecio isso sinceramente, srta. Williamns,
mas, é imprescindível que fique!

Botswana não conseguiu negar-se a ficar depois de tais palavras. Entretanto quando sexta –
feira Fausto lhe comunicou que iriam a uma conferencia na segunda feira seguinte, e que,
portanto ela chegaria muito tarde em casa. Botswana encarou-o aborrecida. Fuzilou-o com
seus olhos ficando acinzentados. O que particularmente trazia uma satisfação a Fausto, ele
já se pegara fazendo e dizendo coisas apenas para aborrecê-la, só para ver seus olhos azuis
claros tornarem-se cinzas. Sabia, então, que ela estava aborrecida ou indignada. Só não
sabia, ainda, por que eles ficavam verdes. O que aconteceria dentro dela que eles se
tornavam verdes, incrivelmente verdes?

- Não sei se poderei sr. Papadakis.- respondeu. Nunca permitira que nada e nem ninguém se
interpusessem entre ela e Danilo. Gostava de estar em casa e colocá-lo para dormir, contar-
lhe estórias, fazerem uma oração e beijá-lo desejando-lhe boa – noite. Era um momento
muito especial para ambos...Não queria deixá-lo para ir trabalhar.

Dona Creuza adorava Danilo e ele também gostava da negra, mas, Botswana sofreria. E
além do mais que tipo de conferencia demoraria tanto que entraria noite adentro?

- Não posso prometer nada. – ela acrescentou ajeitando os papeis sobre a mesa.

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- Não pode ou não quer? Sabe que posso encontrar alguém para substituí-la com
facilidade.- Fausto respondeu com seu jeito autoritário e cortante.- aproximou-se de sua
mesa e a olhou com ironia.

Botswana o encarou. Ah, bode velho! Devia ter imaginado que a aparente boa vontade dele
para com Danilo era apenas passageira. Fausto era o ditador de sempre, orgulhoso e
exibido.
Irritada com ameaça respondeu sem pensar:

- Duvido. Ninguém mais conseguiu suportar suas constantes exigências.

As pupilas dele brilharam, mas sua expressão seria não se alterou. Ela pode perceber um
maroto sorriso cínico se desenhando em seus lábios.

- É por isso que minhas outras secretarias foram embora?


- Sim. É no que todo mundo acredita.

Fausto sentou na quina da mesa de Botswana, próximo demais, deixando-a embaraçada.


Ela não gostava de como se alterava com a proximidade dele. Parecia as outras mulheres da
firma que viviam suspirando por ele...Que ridículo, ele tinha idade de ser pai dela! Não
queria perder o foco. Ele era um bode velho e só, e não...Aquele homem bonito, atraente,
charmoso, perfumado...Não mesmo!

- Muito bem, então acho que devo esclarecer esse pormenor. As outras não saíram da
companhia porque não conseguiram trabalhar comigo. Eu as demiti porque não eram
adequadas.

Botswana o olhou novamente.

- Talvez o que o senhor considere inadequado as garotas considerassem exigências injustas,


sr. Papadakis.
- Acho que fui mais do que razoável. Mas, se acha injusto o fato de eu, ás vezes, pedir-lhe
que fique para algumas horas extras, pelas quais eu poderia pagar-lhe mais, sugiro que vista
seu casaco e deixe a empresa também. Lembrando-lhe que não achará emprego de
assessora da presidência de uma grande companhia com muita facilidade, por razões obvias
em um país racista como este.

Botswana não podia acreditar que sua audácia a tinha colocado numa situação tão delicada.
Não devia ter falado daquela forma. Suspirou resignada.

- Está bem, eu faço como o senhor quiser.


- Ótimo!- Fausto se levantou e retornou ao seu escritório sem nada mais a dizer.

Quando Botswana já estava deixando a sala, pensando em Danilo e no que iria lhe dizer
para justificar mais horas de atraso, a voz de Fausto a fez parar e voltar-se.

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- Srta. Williamns, a conferencia começa às duas horas, na segunda-feira. Use um tailleur
elegante, o melhor que tiver. E sugiro que traga um vestido para coquetel, que deverá usar a
noite.
-Um vestido de coquetel?!
- Isso mesmo!

Botswana achou que havia alguma coisa errada nisso. Seguiu para seu carro, um fiat
branco, imaginando que situação, seu patrão precisaria mais de uma acompanhante do que
uma secretaria. E não queria de forma alguma desempenhar aquela função. Mas, já tinha
aceitado a tarefa...

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CAPITULO II

No domingo à tarde, Botswana levou Danilo ao cinema no Shopping para verem um filme
da Xuxa, que ela odiara, mas o menino ficara muito feliz. Lancharam uma pizza, sentia-se
feliz e relaxada, esquecendo a semana de trabalho árduo que tivera, apenas aproveitando a
alegria da companhia do filho.

Danilo era um belo menino, doce e esperto. Inteligente tirava boas notas na escola, era
curioso e falante, na verdade seu grande companheiro, seu homemzinho. Graças a Deus
estavam distante dos dias horríveis que ela vivera com Edivandro por causa da bebida,
drogas, espancamentos e violência. Sabia que ele saíra da prisão, mas, não a procurou e
nem ao filho. Melhor assim!

Metida numa calça jeans que realçava seu corpo bem feito e vestida com uma blusa branca
de mangas curtas, aproveitava para ficar com os cabelos soltos. Coisa que não fazia no
escritório, sempre de coque.

Pegou o ônibus e desceu próximo de casa caminhando devagar com o filho, ouvia atenta os
comentários que ele fazia sobre o próximo jogo de futebol foi com um grande susto que viu
o Mercedes preto de Fausto Papadakis estacionado diante de sua casa. Seu coração
começou a bater mais rápido, antes mesmo de imaginar porque ele estava ali.

- Nossa! Mãe de quem é aquele carrão? – Danilo gritou excitado.

Ela não teve tempo de responder, conforme se aproximavam, Fausto saiu do carro e
recostando-se nele cruzou os braços. Tinha um leve sorriso nos lábios, suavizando o rosto
sempre serio. Era a primeira vez que o via em roupas esportivas e não de terno. Vestia uma
blusão azul e jeans. Ficava bem nelas, mais agradável e mais humano...e Deus do
céu...lindo!

Foi Danilo que quebrou o estranho silencio que caiu quando, por fim, chegaram ao veiculo.

- Você é o chefe da minha mãe, não é? Muito obrigado pelo autorama! Adorei! Mamãe e eu
montamos. Você não quer brincar comigo?

Fausto sorriu e inclinando-se para o menino negou-se gentilmente.

- Quem sabe numa outra oportunidade...preciso falar com sua mãe.

Botswana nem conseguia imaginar aquele homem feito de pedra brincando de autorama
com um menino pobre e negro...

- O sr. Papadakis veio a negócios filho...não tem tempo para brincar.- ela abriu a porta de
entrada e Danilo foi correndo para seu quarto.

Sem escolha Botswana teve que convidar Fausto para entrar. Sua casa era pequena, antiga.
Tinha uma pequena sala, decorada com simplicidade e flores naturais. No hall de entrada

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um quadro pintado por ela mesma. Um corredor pequeno levava ao o único quarto da casa,
onde ela dividia com o filho. A cozinha ficava ao lado da sala e saia para uma pequena área
de serviço. Na frente um jardim simples com rosas e margaridas.

- É um surpresa vê-lo aqui sr. Papadakis. Sente-se por favor! Veio me dizer alguma coisa
sobre a conferencia?

Fausto sentou-se no sofá, observando atentamente a sala, virou-se para ela que sentara-se
numa poltrona a sua frente.

- Não. Quis ter certeza de que estaria bem preparada para ela, nada mais. Pareceu-me um
tanto espantada quando mencionei o vestido de coquetel.
- De fato. E ainda estou intrigada. Fez parecer que estaríamos indo a uma festa, e eu...
- Posso garantir que não se trata disso.- ele a interrompeu imediatamente.
- Nesse caso, por que o vestido?
- Porque, depois da conferencia, teremos um jantar. Continuaremos falando de negócios,
mas não será num lugar onde poderá usar uma roupa mais simples.

Botswana assentiu de leve, pensativa. Fausto a observava. Estava bonita com os cabelos
castanhos soltos, bem informal, eram cabelos sedosos, brilhantes, perfumados, sempre bem
arrumados, tinha uma tonalidade castanha que a fazia ficar mais clara e brilhante. Era
bonita mesmo, não usava uma maquiagem, a boca era carnuda, bem desenhada, o nariz
afilado, os olhos azuis grandes e expressivos, tinha um queixo voluntarioso, sobrancelhas
bem feitas que emolduravam os olhos de forma a torna-la, mesmo que não quisesse sensual,
seu olhar era sensual, quente, mesmo ela fazendo de tudo para ser fria e impessoal, Fausto
podia senti-lo pelo intensidade do brilho que eles emanavam, pela tonalidade que mudava,
azul claros ela estava feliz e em paz, azul escuro estava agitada, acinzentados estava furiosa
e indignada, mas, quando esverdeavam, o que seria? A voz era forte, sensualíssima,
excitante por natureza. O sorriso era um caso a parte, os dentes bem feitos, brancos, quando
sorria parecia iluminar o mundo, ele tinha que fazer força para não ficar abobado quando
ela lhe sorria por algum motivo. Ficava esperando seu sorriso pela manhã, quando ela
chegava e se apresentava lhe dando bom dia e trazendo-lhe o café da manhã. A pele era
morena, tom de bronze, aquela cor maravilhosa que só se encontrava no Brasil. Ficava
curioso de saber quem eram seus pais, para que pudessem produzir uma mulher mestiça tão
bonita.

- E...em que categoria, exatamente, eu estaria nesse jantar? – perguntou por fim.
Fausto arqueou a sobrancelha negra e bem feita.

- Como minha assistente muito capacitada, lógico! Imaginei que tivesse entendido. Vou
precisar que faça anotações, que garanta que eu não perca nada da conversa. Poderá
familiarizando-se com os assuntos a serem tratados amanhã pela manhã. A conferência
como eu disse começa as duas. Comeremos um lanche, na hora do almoço. – ele parou e
estudou sua expressão por alguns instantes.- Não parece certa de ir.
- Acho que não tenho opção, não é?
- Não. È o seu trabalho. Está preocupada com seu filho? Há alguém que possa ficar com
ele...por exemplo sua mãe ou sogra?

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- Há sim, uma amiga...eu não tenho mãe e nem sogra!
Fausto levantou-se e assentiu que sim e seguiu para a porta.
- Vejo-a as nove em ponto. Despeça de seu filho por mim.
- O nome dele é Danilo.
- Certo, diga adeus a Danilo por mim.
- Por que não o faz o senhor mesmo? Ele está louco para mostrar-lhe o autorama!

Deus do céu, Botswana você está louca? Por que disse isso?

Ele consultou o relógio.

- Devia ir embora, mas...talvez alguns minutos não façam diferença!

Por que tanta presa? Botswana perguntou-se, enquanto o conduzia pelo corredor até o seu
quarto. Será que ele tinha uma namorada? Será que era aquela que vira nas fotos de revista
de celebridade, uma cinquentona lindíssima, artista plástica, rica até não poder mais?
Assim que Danilo os viu, sorriu largo.
- Veio brincar? – convidou-o animado.
- Não. Só vim olhar.- Fausto lhe explicou.- Hei você arrumou as pistas direitinho! Mas
olhe, por que não...

E num segundo estava de joelhos fazendo ajustes, pequena mudanças, que melhoraram
muito o visual e o formato das pistas.

Botswana abismada os observava. E assim se passaram mais de meia hora até que Fausto se
foi. Na saía à soleira da porta, Fausto virou-se e com uma expressão irônica no rosto, disse
a Botswana a queima roupa.

- Fique tranqüila quanto a sua função neste jantar...- mordiscou o lábio levemente e
sorrindo cinicamente disse-lhe: - Para outras atividades, quando eu quero, tenho a
disposição acompanhantes habilitadas.

Botswana queria bater a porta na cara dele, alias dar um murro no queixo dele. Que
absurdo! Mas, engoliu a seco a ofensa. Mulheres habilitadas...o que ele pensava que ela não
era mulher? Só por que era pobre...não era como as bacanas que ele saía? E fique sabendo
que sou boa de cama, viu! Pensou com raiva...Deus do céu nem sabia mais o que era fazer
sexo com um homem. Ah, bode velho!

Danilo estava eufórico.

- Olhe o que ele fez mamãe! Puxa, ficou tão melhor... Venha brincar comigo!
- Agora não, querido. Precisamos ver a tia Maura.- respondeu engolindo a raiva e a lagrima
que teimava em descer no canto dos olhos.

Maura era uma mulher negra exuberante e de vida social agitada. Era solteira e belíssima.
Ela fazia furor na quadra da escola de samba da Portela, havia uma penca de homens

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apaixonados por ela, mas, ela nem estava aí para nenhum deles. Ela os recebeu com a
mesma alegria de sempre, era famosa pela seu bom humor e palavras certeiras. Notou que
Botswana estava apreensiva.

- Vim pedir um favor Maura. Preciso de um vestido de noite para amanhã.

Os olhos de Maura se arregalaram.

- Deus do céu arrumou um namorado? Que maravilha! Diga como ele é? È um negão bem
dotado...capacitado? É da Portela? Como se conheceram e o que ele faz?

Botswana deu uma risada.

- Pare Maura! Não é nada disso. São negócios. Irei com o meu patrão.
- O Tirano gringo? Ah! Eu acho que tenho uma foto dele num evento...- e saiu casa adentro
para procurar a revista, voltou logo depois folheando uma revista de celebridades.- Aqui!-
mostrou a Botswana.- Foi um jantar de gala...abertura de uma opera no teatro municipal de
São Paulo, aquele que foi reformado. Parece que ele patrocinou a restauração. Olha só a
mulher que estava com ele. É uma artista plástica Viviane Costa e Silva, nossa ela é linda.
Quem diz que uma mulher essa tem cinqüenta anos?

Botswana observava, realmente era linda. Os cabelos loiros, olhos azuis e um corpo
perfeito. Alem de estar lindamente vestida e adornada com jóias caríssimas.

- É linda mesmo!
- Mas, ele não fica atrás, que homem lindo e charmoso. Olhe só o corte do terno dele! Ele é
sempre charmoso assim?
- Sempre elegante.
- Nem parece que ele tem sessenta anos! Sabe o que dizem dos vinhos?- sorriu- Quanto
mais velho melhor...e esse é vinho de boa safra. Feliz daquele que pode beber!- sorriu
maliciosa para Botswana. - Não tem vontade de dar uma beliscadinha nesse vinho?- riu.
Não parece animada em acompanhá-lo?- Notou
- Não mesmo, mas, se não for perco o emprego!
- Lindo e tirano...que horror! Bem, vamos lá.- levantou e levou Botswana até seu closet.-
Vamos nocautear esse saboroso vinho! Você ficará irresistível. Danilo, ligue a televisão,
filho!- gritou do interior da casa para o menino.

Danilo ligou a televisão e as duas mulheres puderam escolher o vestido com tranqüilidade.

- Não quero parecer irresistível, Maura!


-Indispensável, então? O que acha? Diga, de que tipo de festa estamos falando?
- É um coquetel que fechara uma conferencia de negócios. As pessoas continuaram a tratar
de negócios durante o jantar.
- Estranho. Bem, acho que deve ser algo elegante, discreto e sensual.
- Não, pelo amor de Deus. Sr. Papadakis me disse que queria a companhia de sua
assessora...para outras finalidades, ele tinha pessoas habilitadas.
- Ah que pandego...ele acha que você é o que? Uma maquina...não é mulher?

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- Tenho certeza! E pense bem com uma mulher daquelas que você viu na foto, você acha
que ele notaria uma negra suburbana?

Na manhã seguinte Fausto não lhe deu tempo para saber nem ao certo o que a esperava.
Houve apenas muito e muito serviço. Mal teve tempo de lanchar.

Ele liberou para que ela usasse o seu toalete particular para trocar-se.

- Trouxe o vestido de noite?

Botswana assentiu que sim, lembrando do vestido pendurado em sua sala, numa capa de
proteção. Ela estava insegura de usá-lo, mas Maura havia insistido muitíssimo.

No caminho, no conforto da Mercedes, Botswana sentiu mais a proximidade de Fausto.


Ficou tensa, e não gostava disso, se sentia intimidada e tonta por sentir-se daquela maneira.

- Algo errado? – ele indagou em determinado momento percebendo-a diferente do normal.

Botswana respirou fundo e olhou-o. De perfil, Fausto era a representação da arrogância


aristocrática. Ele tinha um ar soberano, elegante, um rosto viril e anguloso, as sobrancelhas
negras emoldurando os olhos castanhos, inquiridores e observadores, uma barba bem feita
grisalha e uma boca fina. Dirigindo, ali concentrado no transito, era tão absoluto e lindo.

Demorou a responder e ele a olhou de relance.


- Não, nada.
- Está tensa com nada?
- Talvez porque eu ache que estou distante de suas expectativas sr. Papadakis.- inventou na
hora.
- Terá apenas que fazer anotações. Já falamos sobre isso e achei que tivesse entendido. Até
agora não me desapontou e confio em sua eficiência.

Ele dirigiu por alguns segundos calado.

- Prefiro que me trate por meu primeiro nome quando estivermos a sós.

Botswana se assustou com aquilo. Não sabia de ninguém que o tratasse pelo primeiro
nome.

- Está bem. – mas não conseguia se imaginar fazendo isso.


- Ótimo, Botswana. -Seu nome, pronunciado por ele, com sua voz grave e levemente rouca
soava bem. - Assim esqueça o nervosismo, está bem?- ele deu um leve sorriso.

A conferencia ocorreu no centro de eventos de um luxuoso hotel na Barra da Tijuca. Era


um auditório amplo e elegante. Havia vários conferencistas de outros paises. Os

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palestrantes eram economistas, engenheiros, empresários e políticos envolvidos no ramo da
construção naval. A imprensa estava presente registrando tudo

A palestra mais concorrida foi a de Fausto. Foi ali que Botswana pode observar toda a sua
força, eficiência, liderança. Todos os respeitavam. Seguiu-se um debate acalorado após a
apresentação dos conferencistas. Atenta, concordava e discordava internamente das
opiniões e num dado momento levantou-se e rebateu a afirmação descabida de um homem
que dissera que o declínio da industria naval se dava pela apatia por parte dos donos de
navios. Sua replica foi tão bem fundamentada que após sua fala houve um instante de
silencio e depois aplausos entusiasmados.

Aproveitando sua fala Fausto respondeu ao homem, com firmeza e dureza muito peculiar,
fazendo-o ficar em seu devido lugar.

Ali estava Fausto Papadakis um executivo respeitado por todos, era raro alguém discordar
dele e sempre que lhe dirigiam a palavra era com redobrado respeito. Agora, Botswana não
via um tirano em sua frente, mas, pode vislumbrar um homem lutador, inteligente,
charmoso e sensual, que nunca entrava numa briga para perder.

Foi, então, que assustada se deu conta que suas impressões a tinham tirado da realidade e
perdera algumas palavras do que acabara de ser dito. E deparou com aqueles intensos olhos
castanhos que exigiam sua atenção permanente.

Ele não perdia nada, apesar do intenso debate, ele tinha tempo para observar cada
movimento seu e saber se ela estava acompanhando tudo. Pediu a sr(a) Franco da Rosa que
repetisse o que acabara de dizer. E passou a controlar mais seus devaneios.

Ela levaria horas para digitar tudo que fora anotado. Será que Fausto lhe emprestaria um
notebook? Isso lhe facilitaria e não entraria em choque com suas atividades no escritório.
Poderia digitar as anotações em casa e seria bem melhor.

A tarde passou rápido e logo foram encerrados os trabalhos para que pudessem se preparar
para o jantar no restaurante do hotel.

Botswana não costumava a usar maquiagem. A vida dela com Edivandro fora tão horrível
que lhe tirara a alegria de ser mulher. Mas, diante da ocasião teria que se maquiar
discretamente. Soltou o cabelo e fez um babyliss de cachos grandes e vestiu o vestido
emprestado de Maura. O vestido havia sido uma polemica entre as duas. Maura queria que
ela usasse algo arrebatador e sensual. Botswana nem pensava em algo deste jeito e depois
de muita polemica decidiu-se por um vestido longo de tecido fino que lhe caia bem
acentuando as curvas, era azul escuro combinando com seus olhos, de alças grossas que
faziam um decote em X nas costas e levemente decotado nos seios. Colocou brincos
prateados e uma pulseira da mesma cor. Uma sandália prateada de salto e uma bolsinha
discreta na cor dos brincos e da pulseira.

Olhou-se algumas vezes no espelho. Será que estava bom? E se pegou perguntando, será
que ele vai gostar?

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Ficou um pouco aflita por que o decote deixava antever a cicatriz de uma navalhada que
Edivandro lhe dera. Quando vivia com Edivandro, ele não gostava que usasse roupas que
mostrasse muitos as costas, pernas e seios. Uma vez a surrara por que numa festa cismara
que um dos convidados ficara olhando para suas costas por causa de um decote e que ela
fizera de propósito colocando uma blusa decotada.

Ele jurara que ela nunca seria de outro homem. Preferia vê-la morta. E quase conseguiu.
Bem, ele conseguiu, Botswana nunca mais se deixou envolver por homem nenhum. Tinha
pavor até de pensar. Não conseguia ver-se com um homem, deitando-se com ele, beijando-
lhe...de tão terrível que tudo fora com Edivandro.

As batidas na porta tiraram Botswana de suas lembranças amargas. Abriu a porta e Fausto
serio a analisou de cima a baixo. Estava envergonhada por passar por aquela avaliação,
lembrou logo da tal de Viviane, a artista plástica e queria morrer de vergonha imaginando
que ele,um homem requintado, rico e fino estava pensando de uma checa tatu como ela,
pobretona!
- Vamos nos juntar aos demais.-disse ele, por fim demonstrando sua aprovação.

Ele foi extremamente cortes e cavalheiro com ela. Botswana pensou até mesmo ter visto
um brilho um tanto diferente no olhar de Fausto. O que seria? Mas, besteira ele nem mesmo
a elogiara, nem para dizer que pelo menos estava discreta. Ficara desapontada, pois, se
esforçara para agradá-lo...Ai Botswana que idéia imbecil!

Ao entrarem, os olhares dos participantes da conferencia lhe mostraram o quanto estava


bonita. Até mesmo as outras mulheres presentes lhe observavam com um ar que de inveja e
despeito. O assunto continuou a ser sobre negócios e agora ela não precisava anotar nada.

Havia algumas mulheres empresarias, esposas que acompanhavam seus maridos e outras
mulheres que Botswana logo percebeu serem acompanhantes de luxo, ou as habilitadas,
como Fausto lhe dissera. Estava um tanto constrangida entre mulheres de negócios, esposas
de magnatas e até mesmo das belas e estonteantes modelos acompanhantes.

E para piorar, Fausto lhe fazia indagações, pedia-lhe opiniões, ouvia atento quando ela
falava. Olhava dentro dos olhos, não perdia um movimento seu, nem um gesto de suas
mãos, nem seu sorriso por vezes nervoso. Ela trabalhava há muito tempo para o estaleiro e
era capaz de expor suas idéias com clareza sobre qualquer assunto abordado.

Mas, ficava nervosa tão perto de Fausto, vendo-o lhe dar atenção total, ouvi-la, ao que
parecia com gosto. Percebia que ele evitava ser fotografado com ela. Seria por causa da
artista plástica questionou.

A certa altura do jantar uma das empresarias, uma mexicana o elogiou.

- Sua assessora é uma jovem muito gabaritada. Inteligente, conhecedora do assunto, bonita
e discreta. Deve estar satisfeito com ela?
- Bastante.- ele respondeu secamente.

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A mulher sorriu e olhando Botswana disse piscando um dos olhos.

- Não o deixe a torturar tanto! E nunca esqueça que está diante de um tigre feroz e
devorador. Sabe o que é melhor fazer para não ser devorado por eles?

Botswana fez que não.

- Nunca avance sobre os lugares que ele demarcou como seu e fique completamente parada
quando eles estão enfurecidos!- ela sorriu e voltou sua atenção para um empresário alemão.

Fausto tinha um sorriso irônico nos lábios.

- Não ligue para Maria de Guadalupe, ela é uma piadista. - depois a olhando bem nos olhos
disse. - Sou apenas um tigre velho!
- Dizem que ficam mais ferozes ao envelhecerem.- ela respondeu.
- Quando se aproximam da morte. Quem sabe está chegando minha hora final?- ele sorriu.
Botswana sentiu um aperto no coração estranho, o pensamento de que Fausto podia morrer,
de perdê-lo a sufocou. Bebeu um pouco do suco que pedira e desviou o assunto.

Queria ir embora, por que Fausto fazia aquilo com ela? Ela nunca mais queria se sentir
assim com ninguém. E logo ele...Ah, sua tola!

Fausto ofereceu-se para levá-la para casa ao final do jantar. Tentou recusar, mas, ele tocou-
lhe de leve o ombro e disse:

- Sou um velho e por isso um cavalheiro a moda antiga. Os rapazes de hoje deixam as
moças no táxi e dividem a conta...eu não acredito nisso. Portanto, deixe-me ser um velho
cavalheiro para você. Meu motorista vai nos levar, pois bebi um pouco de uísque e não
estou apto a dirigir.

Ela o ficou olhando e não podia recusar. Assim conduzida por ele com gentileza e
delicadeza foram para o estacionamento. O motorista os esperava. Botswana sentou-se no
Mercedes e tentou ignorar o que sentia tentando pensar em Danilo. Fausto nem podia saber
como ela a abalava. Já pensou? Ele a mandaria embora na hora!

Ficou mais seria e amedrontada. Lembrou-se que no sagão do hotel Fausto a olhara de
forma diferente, intrigado, depois com os olhos crescentes como que se a tragasse pelo
olhar.

Fausto deu instruções ao motorista e recostou a cabeça no banco e cerrou os olhos.


Botswana fez o mesmo, mas não conseguia relaxar. Aquela altura as mãos estavam frias.

- Fez um bom trabalho hoje, Botswana.

Botswana abriu os olhos devagar, um arrepio lhe passara pela pele e notou que ele a
observava com os olhos quase fechados.

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- Aprecio uma dedicação assim. E acho que um bom trabalho deve ser bem recompensado.-
Fausto se inclinou para ela.

A frase “bem recompensado” e sua súbita inclinação para junto dela fez com que tivesse
uma reação instintiva de proteger-se, principalmente o rosto, de repente num lampejo,
lembranças jorraram de sua mente e o pavor se estampou em seu rosto.

Percebendo sua reação instintiva e assustada, Fausto estancou e segurou-lhe a mão que
protegia o rosto.

- Botswana. Botswana, Botswana, o que foi? Sou eu Fausto. Calma! Calma.- ele tentou
acalmá-la, falando-lhe com voz pausada e doce.

Botswana respirou fundo e tentou recuperar a razão, meia aturdida olhou Fausto novamente
e num fio de voz desculpou-se.

- Vou lhe pagar uma quantia considerável em seu pagamento pelo seu trabalho.- ele disse
por fim, ainda segurando sua mão.
- Obrigada...-ela disse, agora embaraçada com a cena que protagonizara.- Eu..eu ainda não
digitei minhas anotações...
- Sei que estará com tudo pronto a tempo, é a melhor assistente que tive!- ele soltou-lhe a
mão.
-Poderia me emprestar o notebook, assim poderei fazer as digitações em casa, sem
interromper o trabalho no escritório. E não deixo o Danilo sozinho.
- Admiro sua dedicação ao seu filho.- ele disse.- Tenho um neto da mesma idade dele.
- Ele vive com você?
-Sim...é um menino esperto e inteligente, como Danilo. Ele reclama muito o pouco tempo
que lhe dedico.
- Devia achar tempo para ele, Fausto. Não vale a pena deixá-lo de lado pelo trabalho.
- Sim eu sei, sei disso muito bem!- havia um tom de tristeza e arrependimento na voz de
Fausto.

Chegaram em sua casa. Botswana fez menção de sair, mas, Fausto segurou-lhe novamente
a mão.

- O Cardoso vai abrir a porta para você.

O toque da mão dele lhe arrepiou a pele, agora, não era pavor o que sentia, mas desejo.
Desejo de senti-las em seu corpo, em caricias ousadas. Voltou-se e deparou-se com o rosto
de Fausto tão próximo que seus lábios quase tocavam os cabelos dela. Teve a impressão
que ele estava aspirando o perfume de seus cabelos.

- Obrigado por iluminar minha noite, Botswana. Você estava muito linda.

Cardoso abriu a porta, e Botswana se foi, andando apressada, virando-se apenas no ultimo
minuto para sorrir para Fausto. Seguiu até a entrada e sentiu os dedos tremerem ao

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destrancar a fechadura. E só quando se viu segura dentro de casa, o Mercedes se afastou
devagar pela rua.

Em casa quando se deitou, apesar do cansaço Fausto ficou pensativo por causa da reação de
Botswana, com certeza ela sofrera violência do pai de Danilo. Era a peça que faltava pra
compreender aquela atitude sempre seca e assexuada que ela mantinha. Agnaldo, que a
recomendara dissera que ela era eficiente e eficaz. Ótima funcionária.

- Não é mais uma daquelas mulheres que ficam se oferecendo para o patrão na ânsia de
deixar de ser assessora, para amante.- ele perguntou rispidamente, aborrecido com as outras
que mandara embora.
-Não...Ela não gosta de homens.- Agnaldo deu um risinho irônico.
- Por que é gay?- ele o olhou assustado
- Não...Teve um casamento ruim, pelo o que eu sei e desde que separou não se envolveu
com ninguém. Na firma é conhecida como a mulher reviginada de pedra.

Fausto olhou aquele velho barrigudo a sua frente com nojo e mandou-o embora. Agora
entendia tudo.

Botswana encolheu-se na cama como uma menina assustada e chorou amargurada.

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CAPITULO III

Botswana pensou em desculpar-se com Fausto no outro dia no escritório, mas, ele não lhe
deu espaço para isso, trabalhando mais ferozmente. Os dias se passaram sem que tocassem
no assunto. Ela o achava diferente, parecia mais fechado agora com ela. Achava que tinha
sido o seu papelão.

Pensava nestas coisas enquanto costurava um short para Danilo. Começa a esquentar e o
verão seria intenso, o final do ano estava chegando. Levantou-se rapidamente ao ouvir o
telefone tocar e paralisou de medo ao ouvir a voz do outro lado.

- Olá minha rainha!- a voz disse.


- Ed...Edivandro?- ela conseguiu balbuciar.
- Que bom que lembra de mim! Como vai minha rainha e meu príncipe?- ele perguntou.
- O que...o que você quer Edivandro?
- Saí em condicional já faz uns meses, estou na casa da minha mãe, aqui em Bento Ribeiro
e consegui um emprego de mecânico com o Seu Tonico. No Natal vou ver vocês dois.
- Como assim?
- Ora, quero ver você e meu filho...Não posso?
-Ver para que?
- Botswana, Danilo é meu filho e desde que ele nasceu não me conhece. Paguei minha
pena, será que não posso recomeçar minha vida?
- Recomeçar como?- as lagrimas começaram a rolar pela face dela.
- Bem, vendo meu filho já é um bom começo...minha rainha! Você mora no mesmo lugar,
ainda não é? Na casinha de bonecas? No Natal irei até aí, vou levar um presente para vocês!
O que acha?

Botswana não conseguia dizer uma palavra estava tão apavorada que tremia toda.

- Bem, então até o Natal minha rainha! Faça aquele peru delicioso que só você sabe fazer! –
ele desligou.

Botswana ficou parada encostada na parede, apavorada demais para andar, aos prantos.

No outro dia no escritório não podia disfarçar que chorara a noite toda. Estava
completamente desestruturada. Ao vê-la Fausto a chamou em sua sala.

- O que aconteceu? Alguma coisa com Danilo?- perguntou interessado.

Abraçada ao seu bloco de notas Botswana não dizia uma palavra, ficou assim um tempo até
que começou a chorar.

Fausto a segurou delicadamente pelo braço e a sentou na poltrona, puxou uma cadeira e
sentou-se frente a ela. Segurou-lhe as mãos geladas e tremulas. Depois de alguns minutos
Botswana contou-lhe o ocorrido e quanto estava apavorada com a possibilidade de
Edivandro se aproximar de Danilo e dela novamente.

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- Mas, ele é o pai de Danilo.- Fausto disse por fim.
- É um bandido...violento, ele matou aquele homem eu sei...eu não posso passar novamente
por todas aquelas coisas, não posso!
- Que coisas?
- Ele, ele...ele me batia, me espancou a gravidez inteira, me mantinha cativa em casa, me
esfaqueou algumas vezes. Me...me...forçava...era um terror tão grande! Oh, meu Deus!-
caiu em pratos.
- Calma, calma...- Fausto lhe segurava as mãos e fez uma caricia em seu joelho.- Acho que
tenho a solução para a sua segurança e de Danilo.

Botswana o olhou entre lagrimas e pegou o lenço que ele lhe oferecia. Fausto se endireitou
na cadeira e cruzou os braços.

- Preciso de alguém que cuide de meu neto Nikos. Nenhuma baba consegue ganhar a
amizade dele. Sei que é uma mãe dedicada e extremada com Danilo, o que aprecio muito.
Acredito que seria uma boa babá para Nikos. Vocês morariam em minha casa, ficaria mais
segura em relação à Edivandro e o trabalho lhe possibilitaria ficar mais próxima de Danilo.
O que acha?

- Babá?- ela o olhou intrigada. - Mas...onde está a mãe de Nikos?


- Minha filha está morta!- Fausto lhe respondeu cortante.
- Sinto muito sr. Papadakis.- Botswana respondeu e conseguiu controlar-se.- Mas, não sei
se essa seria a solução.Teria que deixar minha casa...a minha vida com meu filho e...é um
mundo tão estranho para mim!
- Estaria segura em minha casa, com seguranças, cuidando de seu filho e recebendo um
salário duas vezes maior do que recebe hoje. É vantajoso para você e para mim também.
Deixaria Nikos com alguém de total confiança. Eventualmente continuaria fazendo seus
serviços de secretaria para mim. Sei que é difícil...mas, estou numa situação delicada com
meu neto e você com seu filho.

Botswana ficou em silencio por alguns minutos. Já recobrara a razão e não chorava mais.

- Sr. Papadakis morar com o senhor é a ultima coisa que quero fazer. Estou bem na minha
casa com meu filho, somos felizes...onde está sua esposa? Ela não pode cuidar do neto?-
respondeu com franqueza.

Os olhos de Fausto ficaram densos, mais escuros. Sua dor o rasgava por dentro.

- Numa clinica de repouso...Minha esposa enlouqueceu. Ela é como uma criança, não
suportou a morte Crhistina... Não precisa deixar sua casa, apenas por um tempo...e, se
quiser existe uma casa menor para os empregados. Pode ficar lá . Pense bem nos benefícios.

Botswana continuou relutante. Dentro dela um conflito de emoções acontecia. Ela queria ir
apavorada por causa de Edivandro. Queria ir para ficar perto de Fausto. Não queria ir
exatamente por ter ficar perto de Fausto, tinha medo de fraquejar e já sofrerá tanto.

- Meu neto sente minha falta...

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- Por que não lhe dedica mais tempo, sr. Papadakis.
- Preciso reerguer essa companhia Botswana, já lhe disse isso!
- Quanto tempo precisaria cuidar do menino?
- Até que consiga alguém adequado...e, você conseguir se sentir mais segura quanto ao pai
de Danilo.
- Ele pode não gostar de mim...
- Vai gostar.

Fausto sabia que Botswana era dedicada a Danilo. Seria, também com Nikos. Era alegre
animada, bem falante, como constatara na conferencia e no jantar. E firme se necessário

- Poderiam se conhecer antes....de nosso acordo.- sugeriu tentando sorrir.

Era difícil para Fausto sorrir, em poucos minutos ele lhe abrira as feridas mais terríveis de
sua vida. Estaria perdendo com a saída dela do escritório, mas, seu neto ganharia, mais do
que tudo ele precisava de uma mãe. Isso era o que importava. Sentia-se seguro com
Botswana por que sabia que ela não era uma daquelas carreiristas que viviam atrás dele de
olho em seu dinheiro. Era uma mulher sofrida e simples que se importava com o filho.

- Terminamos o serviço mais cedo e eu a levo a minha casa para conhecer meu neto.
- Não posso, tenho que levar Danilo ao jogo de futebol, eu costumo vê-lo jogar, não queria
decepcioná-lo;
- A babá trabalhará até o final de semana...preciso resolver tudo antes disso. Que tal depois
do jogo? Pode levar Danilo e os meninos se conhecem. Será bom para eles.
- Que idade tem Nikos?
- Sete...é menino esperto!
- Ele tem um autorama, também?- ela sorriu.
- Sim,claro!
- Então, Danilo vai adorar a visita! – ela sorriu e Fausto percebeu que ela estava mais aberta
à proposta.

Botswana passou a tarde pensando no que fizera. Estava doida ou apavorada demais. Morar
com Fausto? Deus do céu! Como seria essa convivência? Há oito anos não vivia com mais
ninguém a não ser Danilo, era o mundo deles e agora...tudo por causa de Edivandro, lá
estava ela fugindo, deixando tudo, abrindo mão de sua vida.

Colocou a ultima remessa de papeis para que Fausto assinasse sobre a mesa.

- Como faço para chegar a sua casa?


- Não se incomode, Botswana, eu irei buscá-la. Quando o jogo termina?
- As sete. No campo do Botafogo em Marechal Hermes. Sabe onde fica?
- Sei. Então, até lá.

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Botswana gritava e batia palmas, entusiasmada, a cada jogada de Danilo. Quando ele fez
um gol de bicicleta foi ao delírio. Gritou mais, mas percebeu uma voz mais forte gritando
também, encobrindo a sua. Virou-se.

- Valeu! Valeu! Isso Danilo, valeu!

Espantou-se ao ver Fausto sentado na arquibancada, logo atrás. Seus olhares se cruzaram
por alguns segundos. Ela se desviou primeiro, não queria que ele visse a felicidade que
começava a se estampar em seu rosto, era tão bom tê-lo ali.

Ao lado de Fausto havia um menino pouco menor que Danilo, os cabelos loiros e olhos
azuis bem claros e uma expressão esperta e viva. Os lábios eram vermelhos como
moranguinhos.

Botswana levantou-se e foi até o menino.

- Você é Nikos, suponho...


- Sou. E você é a moça que vai cuidar de mim, quando a babá por embora?- ele a olhou
com seus olhinhos azuis- Eu não gosto de minha babá, ela só grita. – falando baixinho só
pra Botswana disse.- Ela é bruxa.

Botswana sorriu, mas, imaginou quanto daqueles gritos o menino deveria merecer.

- Danilo está ansioso por conhecê-lo.

A principio Danilo não gostara da idéia de sair de sua casa, mas, ficou animado ao saber
que haveria alguém para brincar e que viveriam num lugar maior.

- Vai ser bom ter com quem brincar, é ruim ser sozinho. O vô me deixa muito só! Gosto de
futebol, queria poder jogar com eles.

Fausto ficou um pouco sem graça com o que Nikos dissera, mas, era a verdade. Ele o
deixava sempre muito só.

- Sua escola não tem time de futebol Nikos?- ela perguntou sentando-se ao seu lado.
- Tem, mas eles não me deixam participar. O vô está sempre ocupado e as babas não
gostam de futebol.- ele falou num choramingo.

Botswana olhou Fausto que ficou com aquele ar de menino pego em uma falta grave.
Depois baixou a cabeça reconhecendo a sua culpa.

- Então se prepare para entrar num time...eu gosto de futebol!

Fausto pensou que sim. Ela estava metida numa calça jeans, com a camisa do time do
Botafogo. Parecia tão menina e jovial. Ora, mas, era o que ela era, apenas uma menina, só
isso uma menina!

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Quando a partida terminou, Botswana quis levar Danilo para casa para tomar banho, mas
Fausto insistiu para que seguissem logo para sua casa. No banco de trás do Mercedes, os
dois meninos logo travaram amizade, conversando sobre vários assuntos e principalmente
futebol e o campeonato carioca.

- Veio mais cedo Fausto. Por quê?


- Quando Nikos soube aonde iríamos, quis vir. Não sabia que gostava tanto de futebol.
- A maioria dos meninos adora!
- É acho que hoje é meu dia de ser repreendido. A natureza é sabia.
- Por quê?
- Não há como um velho acabado cuidar de um menino...a distancia é grande.
- Não é um velho acabado Fausto, é um homem jovem, disposto, não deveria pensar assim
de si mesmo. Eu não o vejo como um velho acabado.
-É, e como me vê?
- Como um homem experiente e maduro. – ela respondeu.

Chegaram à mansão. Botswana ouvira falar muito, na firma, sobre a bela casa em que
Fausto morava. Era centenária, com tijolos aparentes, elegante, requintada, ficava afastada
da rua e circundada de um pequeno bosque, no Cosme Velho.

Ficou boquiaberta pela sua beleza e imponência. Era absolutamente linda. Assim que
pararam, os meninos saíram correndo do automóvel em direção a residência. Fausto e
Botswana seguiram atrás deles.

- Está contente com a situação, Botswana?


- Acho que sim...preciso passar mais tempo com Danilo e principalmente agora que
Edivandro está por perto.

Os garotos haviam subido para o segundo andar, onde, Nikos tinha seu autorama montado.
Botswana parou no hall, admirando o bom gosto da decoração ao redor. Fausto lhe indicou
o caminho por um corredor até uma grande e confortável cozinha, onde uma senhora fazia
seus quitutes.

- Não esperava tão cedo, sr. Papadakis.- disse a mulher, avaliando Botswana detidamente.-
E Natalia também, saiu para namorar.

Fausto franziu o sobrolho aborrecido e explicou a Botswana.

- É a babá!.- olhou a mulher a sua frente e disse.- Esta será a substituta de Natalia, a srta.
Botswana Williamns. Botswana, esta é Bess Middleton, minha governanta.

A mulher a encarou com a expressão que parecia dizer “quanto tempo essa ficará e que
mulherzinha é essa?”

- Como vai Bess? – Botswana a cumprimentou sorridente.- Vou começar só na próxima


semana. Fausto achou melhor que eu viesse aqui primeiro para conhecer Nikos e a casa.

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Tenho um filho quase da idade dele, e eles farão companhia um ao outro. Estão no andar de
cima agora.
- Sei...boa sorte, então. Espero que fique mais tempo que as outras.

Botswana olhou Fausto e percebeu que ele a fixava com certa repreensão no olhar. Seria
por que o chamara pelo primeiro nome diante da governanta?

- Venha.- ele chamou um tanto ríspido. – Quero lhe mostrar o restante da casa.

Foi uma passagem rápida por inúmeros cômodos, que a deixou mais confusa ainda naquele
casarão. Logo ela que morara com a tia numa casa pequena de dois quartos num subúrbio
muito pobre. Encontraram os meninos brincando no quarto de brinquedos. Havia um
imenso autorama instalado no lugar, e Danilo sorriu ao ver Botswana, animado.

- Olhe mamãe que lindo!


-È maravilhoso querido, mas precisamos ir, você precisa se banhar e amanhã bem cedo tem
escola.
- Ah, não! Acabamos de começar a brincar.- ele disse dando de ombros e ficando
decepcionado.
- Eu sei, mas, meu amor voltaremos em breve e então vocês irão se divertir a valer!

Fausto observava calado, até o momento falara pouco, mostrara os aposentos que ela e o
menino ocupariam, e Botswana notou que sua suíte era fria e impessoal quando passaram
por ela. Havia um ar de solidão por todos os lados! Será que trabalhava tanto para esquecer
suas dores, como ela?

- Deixe-os mais um pouco, sugeriu ele. - Vamos até meu estúdio para discutir os detalhes
de suas funções.
- Está bem! – ela respondeu e o seguiu até o estúdio. Era um lugar bonito, com pinturas de
bom gosto. Parecia um Monet e também um Rembrandt...ela não entendia muito bem.
Cadeiras bem confortáveis ficavam de frente para uma lareira.

- Fausto parece aborrecido...fiz algo que lhe desagradou?


- Não, estou aborrecido com a babá. Ela não sabia que eu não precisaria de seus serviços,
mas, saiu sem me avisar. Vou dispensá-la hoje mesmo!
- Mas, não posso começar de imediato. Há muito o que providenciar...
- O que por exemplo?
- Tenho que fazer as malas, pagar as contas pendentes da casa, avisar a todos para onde
vou, em especial ao pais de Edivandro, ele quer vê-lo no Natal.
- Posso organizar a maior parte disso tudo para você.- Fausto se ofereceu.
- Eu sei que pode Fausto, agradeço, mas, prefiro cuidar de tudo eu mesma. Pode cuidar dos
detalhes com a imobiliária, se quiser, mas do resto eu cuido.
- Uma mulher independente.- recostou-se na poltrona.- Estou mesmo velho. Gostava do
tempo em que os homens protegiam as mulheres, fazendo-as se sentirem femininas, frágeis,
lindas e muito amadas. Hoje as mulheres são tão vorazes em todos os sentidos!

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A intensidade do olhar de Fausto a arrepiou. Estava tentando lhe dizer algo? Mas, o que?
Ora, o que ele poderia lhe pensar em dizer...Botswana, Botswana, tenha juízo! Será que
Fausto tinha alguma intenção sexual com ela? Ora, logo com ela? Imagine!

- No que está pensando?


- Por quê?- ela o olhou diretamente.
- Parece estar pensando que tenho segundas intenções a seu respeito. - ele sorriu irônico.

Botswana hesitou, que droga ela era transparente para ele...mentir seria pior.

- Pensei sim, mas, acho que não sou uma mulher habilitada o bastante para um homem
refinado como o senhor. - retrucou mal criada.
- Tem um rosto e um olhar expressivo Botswana, sabia?
- Sr. Papadakis... Eu não tenho interesse em homem algum, a minha vida é simples, eu e
meu filho.
- Fausto. - ele respondeu. - Quem disse a você que tenho algum tipo de interesse por
alguma mulher? Seja você ou outra? Já não tenho idade para esse tipo de atitude ridícula.
Sou uma pessoa bem situada comigo mesmo.

Botswana ficou calada por alguns segundos. Ele fora tão enfático e cortante.

- Fausto. Acho que não seria bom chamá-lo assim, sua governanta não gostou muito...é
como vou residir em sua casa, mas, continuo sendo sua empregada, não há razão para que
eu o chame de forma tão intima. Acho desrespeitoso com o senhor e a criadagem. Não sou
diferente deles.

Fausto a olhou muito serio, parecia considerar o que a mulher a sua frente lhe dizia. Tinha a
impressão por vezes de estar num delicado e complexo jogo de xadrez. Quem daria o xeque
– mate?

- Se acredita que isso é melhor para nosso relacionamento de trabalho, não vejo nenhum
problema quanto a este fato, srta. Williamns. Pensei que um tratamento menos formal
melhoria nosso relacionamento.
- Achou que trabalharia mais?
- Não penso todo tempo em trabalho, srta Williamns. Só noventa e nove por cento do dia,
mas é só. Tenho sentimentos também.- ele riu com um toque de ironia

Isso era uma característica que Botswana odiava e amava em Fausto, sua fina e cortante
ironia. Era difícil enfrentá-lo num dialogo...ele sempre terminava vencedor.

- Quais são os meus deveres como babá?- ela desviou o assunto.


- Quero que leve e pegue Nikos na escola, cuide de suas refeições. Supervisione seus
deveres escolares e suas roupas. Idas ao medico, as atividades esportivas e da educação
complementar. Se tudo der certo, a partir do próximo ano Danilo estudará na mesma escola
de Nikos. Ele já deve ser matriculado nos mesmos cursos. Seu salário será três vezes mais o
que recebia na firma.
- Não sei...não sei se seria bom para Danilo mudar tão subitamente de mundo assim...

27
- É uma oportunidade única para seu filho de adquirir a melhor educação disponível. Você
tem duvidas?
- Dinheiro não é tudo sr. Papadakis...
- Educação é importante e ele tem oportunidade de adquirir. Não acha que é uma boa
oportunidade para ele?
- Isto é muito mais que uma babá recebe sr. Papadakis...Por que está me fazendo esta oferta
tão extraordinária?
- Estou lhe entregando toda a minha vida em suas mãos, tudo o que eu mais amo, tudo pelo
o qual eu vivo e me dá sentido na vida estou entregando em suas mãos. Na verdade, estou
lhe entregando o meu coração!- ele respondeu serio.

Botswana ficou em silencio diante daquele homem imponente que naquele momento se
derramava diante dela e verdadeiramente lhe entregara o seu coração: Nikos.

- Mais alguma coisa que queira saber?


- No momento não mais.- disse num fio de voz, emocionada com o que tinha ouvido.
Nunca em toda a sua vida alguém confiara nela assim, nunca!
- Pode começar no domingo?
- Virei no domingo à tarde. Preciso do fim de semana para arrumar tudo.

Fausto assentiu que sim, parecia satisfeito, quando se levantaram, ofereceu-lhe a mão, para
selar o acordo que acabavam de fazer.

- Obrigado, srta. Williamns. Agradeço muito pelo o que está fazendo por mim e por Nikos.

Botswana sabia, vindo de não sei onde, que aquele cumprimento estava mudando mais do
que o óbvio, sua vida inteira mudaria dali para frente.

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CAPITULO IV

Enquanto dirigia seu Fiat uno de segunda mão, com caixas e malas no banco de trás e
Danilo falando excitado ao seu lado, Botswana se perguntava se tinha feito o que era certo.
Bem, poderia ficar mais tempo com Danilo, algo que ela desejava muito e sentia-se culpada
por não poder fazê-lo. Havia o Nikos, agora, não conseguia esquecer o rostinho de
felicidade do garoto, quando prometera levá-lo ao futebol. O amor que tinha por Danilo,
mostrou-lhe como Nikos era um menino carente de atenção e amor de mãe. Devia ser
difícil, a mãe falecida, um pai que ela nem sabia onde estava e um avô ausente.

E, por fim, havia Edivandro, no fundo achava que estava fugindo dele, só em pensar em
revê-lo sentia-se morrer. A voz dele ficara grave e raivosa quando lhe avisara que estava
mudando para casa de seu patrão e dera o telefone para que ele ligasse quando fosse visitar
Danilo.

E, tinha Fausto, uma força irresistível a impelia para ele cada vez mais, cada dia mais. Era
algo que ela nem conseguia imaginar ser, nunca sentira algo assim...já nem podia mais
resistir. Mas, resistiria...ora bolas que papel mais ridículo: a babá apaixonada pelo patrão!

Quando chegaram, Fausto os esperava na varanda, sorrindo. Botswana sentiu-se aquecer


diante daquele sorriso, lhe trazia tanta segurança. Deus do céu o que estava acontecendo
com ela? Será que estava fazendo a coisa certa?

- Imaginei que tivesse desistido de vir.- disse ele, quando se aproximou para ajudá-la a
descarregar as malas.

-Onde está Nikos? – Danilo perguntou apressado, os olhos azulados brilhantes na face
sorridente.
- Já foi dormir.- Fausto o informou.- Ele queria esperar, mas como demoraram acabou
dormindo.
- Eu não estou cansado.- respondeu Danilo enquanto lutava contra um bocejo.
- Então, pode levar um pouco de suas coisas para seu quarto.- Botswana apressou-se em
orientá-lo.

Pouco depois, quando já estavam acomodados, Fausto convidou:

- Assim que colocar Danilo na cama venha juntar-se a mim em meu estúdio.

Botswana demorou um pouco para ajeitar tudo e, quando acabou Danilo já dormia.
Relutava em descer, mas, sabia que Fausto a aguardava. Vestiu um conjuntinho de blusa e
calça capri rosa. Deixou os cabelos soltos e calçou uma sandalhinha. Mirou-se no espelho.
Estava bem.

Encontrou Fausto sentado na poltrona junto à lareira, bebericando um vinho. Ele recebeu-a
com um sorriso.

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- Bem vinda a sua nova casa, srta. Williamns. Acho a ocasião perfeita para um brinde. O
que vai querer? – levantou-se para servi-la.
- Eu não bebo sr. Papadakis. Não gosto de álcool.

Fausto a olhou e perguntou se um refrigerante seria uma boa escolha. Botswana assentiu
que sim, e ele lhe serviu uma coca-cola. Ela sentou-se na poltrona um tanto nervosa, o roçar
de seus dedos lhe fez derramar algumas gotas do refrigerante na calça.

- Sou um desastrado. Desculpe-me sujei sua calça.


- Oh, não...eu vou passar um pano...resolvo isso logo!- saiu em direção a cozinha, onde
Matilde a cozinheira lhe ajudou a limpar as gotas de refrigerante.
- Vai ficar um pouquinho machadinho, mas, deixe comigo que amanhã eu resolvo.- disse a
mulher sorridente.

Botswana retornou ao estúdio. Encontrou Fausto recostado na poltrona, parecia dormir.


Aproximou-se, os olhos atentos a ele, encantada com o que via. Ficou ali, apreciando-o,
notando cada detalhe de seus traços. Um aperto no peito mostrou-lhe o quanto estava
atraída. Todo o seu corpo, na verdade, reagia a Fausto. Era o primeiro homem por quem se
interessava em anos. Os olhos esverdearam com intensidade. Tinha vontade de tocar-lhe, de
beijar-lhe. Seria sua barba macia? Aspirar o cheiro de sua pele, sentir suas mãos em seu
corpo. Amá-lo com loucura, com intensidade. Ergueu a mão para acariciá-lo, mas, num
ímpeto de medo e razão deu um passo atrás, levou a mão à boca. O que estava fazendo?
Onde estava com a cabeça Botswana?

Saiu lentamente do estúdio e voltou para o seu quarto. Fausto abriu seus olhos devagar,
suspirou profundamente. Como lutara para não enlaçá-la, tomá-la em seus braços, beijá-la e
amá-la ali mesmo. Agora sabia porque seus olhos se tornavam verdes, era puro desejo. E,
ela, ela o queria. E, ele a desejava com intensidade.

Botswana demorou a dormir, sua mente vagava em emoções fortes, pensando o que fazer,
pensava em ir embora. Era o melhor! Não, ela era forte...nunca deixaria Fausto saber da
verdade, guardaria o sentimento sob camadas de formalismo. Ele nunca saberia, nunca...o
quanto ela o amava.

Fausto subiu bem tarde para sua suíte, deitado na sua imensa cama, ficou pensativo. Será
que tinha feito à coisa certa trazendo aquela mulher para dentro de sua casa? Ele queria
tanto ficar perto dela. Sua voz aquecia-lhe o coração, sua imagem sempre tão linda e suave
lhe enchia os olhos e quando ele a olhava tinha a impressão de ver-se nos olhos dela. Nunca
se sentira assim com ninguém. Será que ele estava virando um velho babão? Abobado com
uma menina que podia ser sua filha? Ou será que a vida estava lhe dando a oportunidade de
ser feliz novamente e dessa vez fazer tudo diferente?

Botswana acordou de um sonho do qual não se lembrava, mas que a perturbara. Estranhou
o quarto, mas logo voltou à realidade. Pensou no filho que devia estar assustado acordando
em uma casa estranha. Levantou-se apressada, vestiu o roupão sobre a camisola bege de
algodão e saiu, colidindo de frente com Fausto. Quase caiu, mas os braços dele ampararam.

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- Hei, aonde vai com tanta presa? Algum incêndio? – ele quis saber sorridente. Já estava
pronto para o trabalho, com um terno armani sóbrio e elegante.
- Vou ver Danilo, ele deve estar assustado acordando em um lugar estranho!- ela disse
ajeitando os cabelos em desalinho.

Fausto a olhou e sorriu cruzando os braços.

- Danilo e Nikos estão tomando o desejum, e, ao que me parece acordou muito bem
adaptado. Srta. Williamns, os adultos é que fazem tudo mais complicado, crianças são
simples.
- Que horas são?
- Quase oito.
- Meu Deus! Danilo está atrasado para a aula e eu estou atrasada... A essa hora o sr. Já
costuma está no escritório. – disse atordoada.

Fausto sorriu novamente e mordiscou o lábio inferior e cofiou a barba.

- Esqueceu que trabalha agora aqui?- a olhou com um ar de mofa.- Fique tranqüila leve
Danilo à aula, hoje eu levarei Nikos, preciso conversar com a professora dele. Agora,
acalme-se e vá vestir algo mais apropriado para tomar seu desejum.

Ele saiu devagar e desceu as escadas. Botswana ficou alguns minutos parada no corredor. É
verdade, agora era babá. Ele era tão diferente em casa, mesmo a tratando com formalidade.
Parecia feliz e não mais rabugento como antes.

Botswana levou Danilo ao colégio e retornou a tempo de acabar de arrumar as coisas.


Desceu para a imensa e moderna cozinha da casa. A cozinheira Matilde a esperava para
saber o que os meninos comeriam. Ela escolheu o cardápio. Bess Midleton, olhou com
desaprovação.

- Nikos não come esse tipo de comida tão simples. É um menino refinado.
- Refinado ou não, ele é um menino e precisa alimentar-se saudavelmente e de forma
nutritiva, está em fase de crescimento. Tem filhos Dona Bess?- ela perguntou cortante.

A governanta saiu aborrecida mais ainda, batendo a porta atrás de si. Matilde riu.

- Ela está com medo de você...


- De mim, por quê? – Botswana perguntou enquanto cortava os legumes.
- Porque ela é apaixonada pelo sr. Papadakis...desde a época da patroa!

Botswana deu um sorriso e tentou mudar o rumo da conversa. Mas, Matilde falava
compulsivamente. Assim, durante o preparo do almoço, ficou sabendo que a sr(a)
Papadakis vivia internada numa clinica na Grécia e que sempre fora meio doida e ficava
pior quando bebia, fazendo escândalos nas festas, com os empregados, criando caso de
tudo. Por vezes corria nua pelo jardim, na casa da Grécia. Tentara se matar umas tantas
vezes que ela perdera a conta. A vida era um inferno. Sofhia, a mulher de Fausto, odiava
Bess, dizia que ela dormia com o patrão. Mas, era tudo mentira. Quando Christtina morreu,

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ela teve uma crise terrível e quase quebrou a casa, culpou Fausto e gritou durante o velório
e o enterro que ele era o culpado de tudo o que acontecera com ela e a filha.
Depois tentou se matar enforcada no escritório, foi o sr. Papadakis que a achou. O medico
recomendou uma clinica de repouso e agora ela vivia que nem criança, brincando de
boneca e usando fraldas, numa clinica muito cara no interior da Grécia. Não tinha cura.

- O sr. Papadakis, coitado, passou a cuidar do neto e se enterrou mais no trabalho. Dizem
que ele tem namoradas e amantes. Mas, na casa nunca levara ninguém. Depois mudamos
para o Brasil já uns cinco anos e é a mesma coisa, falam que ele tem namoradas as pencas,
mas, em casa nunca trouxe nenhuma, acho que não quer envolvimento com ninguém.
Depois de tudo o que sofreu!- ela conclui
- Nem a artista plástica aquela que sempre sai com ele nas fotos de revista?- Botswana não
agüentou e perguntou curiosa.
- Nem ela...só em festas quando ele recebe pessoas aqui. Mas, para namorar...nenhuma! A
gente sabe que ele foi namorar quando ele chega no outro dia pela manhã nos finais de
semana e fica mais alegrinho...mas, ultimamente faz é tempo! Aquela mulher, a artista, ela
dá em cima...eles saem juntos...mas, acho que não acontece nada não!

Botswana anotou mentalmente cada coisa que Matilde falou. Que vida triste a de Fausto e
de Nikos! E ela que achava que só a sua era uma tragédia!

O dia passou rápido, Carla a nova secretaria ligou algumas vezes para pedir orientações e
Fausto o fez, uma única vez. Soube que Carla era belíssima, uma loira de fazer parar o
transito. Uma pontada de ciúme apertou seu coração.

Durante a tarde passou no estúdio digitando suas anotações da conferencia no notebook de


Fausto, sentia-se nervosa, a presença dele era tão marcante naquele lugar.

No final do dia foi buscar Nikos na escola, deixou-o em casa e foi buscar Danilo na casa de
Dona Creuza. Dona Creuza ficara triste com sua mudança, mas se consolara, porque
poderia pegar Danilo na escola e ficar com ele até que Botswana o fosse buscar em sua
casa.

Naquela noite Fausto chegou tarde e os meninos já haviam dormido. Botswana ia passando
no hall quando ele entrou, muito serio e compenetrado. Devia ter tido um dia de trabalho
duro. Teve o ímpeto de perguntar como fora seu dia. Mas, não estava ali para ser sua
amiguinha e sim mais uma criada. Cumprimentou-o formalmente e seguiu para a sala que
lhe tinha sido dada para os trabalhos eventuais de secretaria.

Não havia nada que prestasse na televisão, pegou um livro e sentou-se no sofá. Era um livro
de poemas. Ficou absorta na leitura, interessada e enlevada pela qualidade dos poemas de
Cecília Meireles.

- Boa à leitura!
- Oh, sim!- Botswana levantou os olhos do livro e viu Fausto à sua frente.

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Ele tomara um banho. Vestira roupas esportivas e as linhas de preocupação haviam
desaparecido. Na mão uma taça de vinho tinto.
Tímida, ela deixou o livro e sentou-se de forma mais apropriada, atenta. Naquele dia vestira
um vestido florido e bem leve devido ao calor.
- Aceita? – ele ergueu o copo.
- Oh, não...
- Tem medo que derrame em você?
- Não!- ela sorriu tímida e assentiu com a cabeça negativamente.
- Não gosta de bebida por causa do pai de Danilo? Ele bebia?- perguntou sentando-se ao
lado dela no sofá.

Botswana não gostava de lembrar dessas coisas. Mas, ele parecia curioso em saber mais
sobre ela.

- Sim.
- Desde que se conheceram?- ele colocou a taça de vinho de lado na mesinha
- Sim, mas depois piorou.- Botswana respondeu um tanto desconcertada
- Como o conheceu srta. Willimans?- ele parecia mais interessado em saber. Era natural,
queria saber quem era a pessoa que colocara em sua casa.
- Edivandro? Ah, era muito menina... devia ter uns quinze anos e ele quase trinta! Eu não
gostava de namorar os garotos da minha idade, os achava maçantes.- riu.
- É mesmo?- Fausto deu um sorriso irônico.- Por quê?
- Não sei... Acho que amadureci cedo demais com minha vida..., com as dificuldades.
Gostava de rapazes mais velhos, amadurecidos, estáveis... acredito que foi a falta do meu
pai, quem sabe minha síndrome de Electra mal resolvida. - riu-se. - Sei lá! Mas, nunca
gostei de rapazolas... Gostava de homens experientes, me atraía.
- Então o Edivandro encaixava no seu gosto! - Fausto concluiu.
- É o Edivandro era o carinha mais cobiçado do bairro, era sargento do exercito. Minha tia
queria que ele casasse com minha prima Maria Helena, mas, ele acabou se interessando por
mim. Minha tia ficou furiosa...mal sabia ela!- maneou a cabeça.
- E sua mãe? Por que não vivia com ela?
- Eu não conheci meu pai...foi um romance de minha mãe, quando ela viveu nos Estados
Unidos trabalhando de crooner. Ele era juiz e não quis assumir a relação, depois me
registrou e pagava uma pensão,mas nunca quis contato, imagina um homem branco de
posição destacada em Nova York assumir uma filha com uma negra brasileira? Ela morreu
de câncer quando eu tinha treze anos. Vim morar com minha avó em Sergipe, mas, ela era
muito doente e não conseguia dar conta.. Então, vim morar com a tia Helena, aqui no Rio,
em Marechal Hermes.
- Era boa com você, pelo menos?
- Era correta, apenas isso, me dava casa e comida. Eu logo me virei em trabalhar e estudar.
Como era fluente em inglês consegui emprego em escolas de inglês do bairro e fui terminar
os estudos. Conheci o Edivandro nessa fase, ele fazia curso na escola onde eu dava aula, foi
meu aluno. Começou a me cortejar.
- Então não resistiu ao “seu homem experiente” apaixonado... Que lhe mandou flores e
bombons!- Fausto bebeu um pouco do vinho e brincou.
- Foi ele começou a me cortejar... Exatamente isso flores, bilhetes... Me apaixonei e
começamos a namorar escondido. Minha tia descobriu e me deu uma surra terrível.

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- Lhe bateu por causa disso aos quinze anos?- Fausto olhou assustado.
- Mais por causa da minha prima, eu acho... O Edivandro soube e me tirou de lá. Depois,
mandou queimar a casa da tia e as expulsar do bairro. Soube disso muito tempo depois.-
respirou fundo.- No inicio tudo foi bom, acho que pelo menos os três primeiros anos.
Depois ele pegou firme na bebida, já era violento, ciumento ao extremo, mas, aí piorou. E
minha vida virou um inferno de agressões, perseguições, cárcere privado, abuso... No meio
dessa loucura toda de vida, depois de treze anos de casamento, quando não imaginava mais
ter um filho, fiquei grávida. Ele enlouqueceu...apanhei a gravidez toda.- os olhos de
Botswana marejaram de lagrimas.- Ele me traia com varias mulheres, chegava ao ponto de
levá-las para nossa casa e dizia que estava gorda e feia. Me deixava doente, era horrível.
Um dia, quando estava no quinto mês me deu uma surra tão terrível que os vizinhos
intervieram e me levaram para o hospital. Quase perdi o Danilo, fiquei cheia de hematomas
no rosto, tive derrame nos olhos e quebrei a mão, o médico perguntou se eu queria
denunciar. Criei coragem e denunciei. Uma coisa era viver sozinha naquele inferno, outra
era o meu filho. Ele quase matou meu filho! Foi uma confusão daquelas. A família dele
dizia que era um absurdo, que Edivandro era incapaz de fazer algo assim. Onde nós
morávamos todo mundo tinha medo dele. Fiquei firme. Foi quando ele muito doidão matou
um garoto a facadas num baile funk e foi preso em flagrante. Estava no sétimo mês de
gravidez. Fui me virar. Pedi ajuda ao meu pai, pela primeira vez na vida. Ele me mandou
um dinheiro que deu para segurar as pontas. Quando o Danilo estava com um ano, consegui
o emprego no estaleiro. Comecei como recepcionista, apareceu uma oportunidade para
secretaria, deu certo.

Fausto a ouvia atento viu as lágrimas rolarem por sua face cor de bronze e seu rosto se
encher de tristeza e angustia.
-Comecei nova vida. Agora ele está em condicional...- não terminou a frase.
- Devia ter muito medo dele para viver treze anos num inferno destes.

Balançou a cabeça afirmativamente.

- Pavor.-!- enxugou as lágrimas com as costas da mão. - Era sozinha, ele ameaçava me
matar se contasse para alguém. Vivia presa praticamente em casa, não tinha amigas.
Edivandro tinha poder de me fazer sentir um lixo, impotente, eu não tinha força para reagir.
Só consegui forças por causa do Danilo, eu não ia permitir que aquele monstro fizesse mal
ao meu filho. Estar grávida do meu bebe, era um milagre, eu tinha endometriose e era
praticamente impossível, sem um tratamento adequado eu ter filhos. Dona Creuza diz que
foi providencia divina, o Danilo! Foi só assim que tive forças para virar a mesa.

Fausto segurou-lhe as mãos, estavam geladas e tremulas.

- E quebrar a banca! Mas, você é forte, já mostrou isso e não está mais sozinha! Não tenha
medo do Edivandro... Confie em mim, boa menina!

Botswana queria abraçá-lo fortemente, aninhar-se em seu peito. Aquelas palavras lhe
confortavam o coração. Olhou para ele, havia tanta verdade no que ele dizia. Sim era
verdade sim!

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- Obrigada...Fausto...- mordeu o lábio inferior. Sentia uma vontade imensa de abraçá-lo,
aninhar-se em seu peito forte como uma criança.

Fausto aproximou-se mais e a tomou nos braços, recostando sua cabeça em seu peito. Ela
tremia como uma menina assustada, mas, o calor do corpo de Fausto foi dissipando o medo
e crescendo nela o desejo, foi tomando consciência do quanto o queria, não como um
protetor ,mas, como um homem, para amá-lo, para ser tomada por ele.

Levantou o rosto devagar e o encarou, sentia a respiração dele ficar mais forte e seu olhar
brilhava, também nele o desejo crescia. Se tinha que parar era agora. Ele acariciou o
contorno de seu rosto e pegou de leve nas pontas de seu cabelo.

Deus do céu...Fausto o que você vai fazer? Pare agora...pare...não siga adiante, não faça
essa loucura e não misture as estações. Era o que Fausto gritava dentro de si, tentando
convencer-se a não dar um passo adiante.
Mas, Botswana já havia perdido o limite da razão e assim aproximaram-se mais e mais,
queriam beijar-se, aquele era o momento.

- Sr.Papadakis!- a voz de Bess Midleton quebrou o encanto dos dois. Ela avançou em
direção ao sofá, enquanto Fausto se levantava rapidamente, como um menino pego em uma
falta grave. – É sua irmã Perséfone...é algo sobre a senhora Papadakis.- estendeu o telefone
para ele.

Fausto pegou o telefone e foi para um canto da sala conversar com a irmã. Botswana se
ajeitou na cadeira e encarou Bess, que a olhava com ódio. Ele voltou para próximo das duas
mulheres.

- Sophia morreu, teve um ataque cardíaco fulminante!- disse num murmúrio.- Botswana
mande preparar meu avião, prepare Nikos...e sei que não é um bom evento para crianças,
mas leve Danilo. Gostaria que você viesse conosco.- ele saiu da sala sem dizer mais nada.
- Satisfeita? – Bess a olhou com ironia.
- Com o que? – ela a encarou.
- Não possui nenhum empecilho agora... Para dar seu golpe, a sr(a) Papadakis morreu.
- Quem deve estar satisfeita é você, não é verdade...sua grande rival está morta!- Botswana
levantou-se e dirigiu-se ao telefone para contatar o piloto.
- Ela e qualquer outro empecilho.- Bess respondeu com voz grave.
Botswana a encarou com firmeza.
- Isto é uma ameaça?- aproximou-se da mulher.- Eu não tenho medo de ameaças...e você
não sabe que não se entra no coração de um homem a força. Principalmente de um homem
como o sr. Papadakis. Se você não entrou até agora...acho pouco provável que venha entrar.
E eu tenho mais o que fazer do que ficar entabulando uma conversa tola sobre conquistas
de homens!

Saiu da sala deixando Bess Midleton vermelha de raiva.

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CAPITULO V
O enterro de Sophia foi simples, apesar de muitas personalidades da sociedade e políticas
terem comparecido para prestar homenagens e dar condolências a Fausto.

A noite começava a cair quando eles chegaram à casa de Perséfone, uma típica casa grega,
branca, encarapitada na montanha e de frente ao mar, lindo e azul. O sol já se despedia
cobrindo todo o horizonte de um vermelho apaixonado.

Fausto e Botswana ficaram numa parte reservada da casa de tal forma que eles possuíam
privacidade quanto à dona da casa. Os meninos jantaram e logo vencidos pelo cansaço do
dia foram dormir.

Botswana tomou um banho demorado, estava cansada e aturdida com tanta coisa
acontecendo ao mesmo tempo. Deus do céu! Onde estava aquela sua vidinha pacata de
subúrbio com o filho?

Vestiu uma calça capri de jeans e uma blusa de linha marrom de alças, pôs um tênis e saiu
do quarto. Havia uma linda varanda, onde poltronas de desiner moderno e cores vibrantes
criavam um ambiente aconchegante. Botswana sentou-se e ficou apreciando o barulho das
ondas do mar e aspirando o cheiro gostoso que vinha da praia.

- Lindo, não é? – Fausto perguntou sentando-se em outra poltrona.- Amo isso daqui!

Botswana olhou-o atentamente, estava cansado, triste, parecia tão alquebrado.

Ele ficou em silencio por um longo tempo, os olhos fitos no mar, ouvindo o barulho das
ondas. O rosto contraído de tristeza e dor. Parecia ter envelhecido vinte anos, era apenas um
homem alquebrado, por dentro um vazio e uma dor rasgava o coração. Tinha vontade de
gritar, será que isso lhe diminuiria a dor? Toda a sua vida tinha acabado, aquele fora o
ultimo ato de uma vida e o que mais restaria?

- Parece que tudo desmoronou... -ele sorriu e maneou a cabeça. Começou a falar num fio de
voz. - Meu Deus onde errei tanto na vida, para tudo acabar assim?- suspirou. - Quando
casei com Sophia ela era uma menina, tão linda, tão inocente... Nós éramos pobres, não
tínhamos nada. Eu morava num fundo de um bar onde trabalhava como faxineiro.- parou e
engoliu a seco e continuou falando olhando o mar.- Mas, eu gostava tanto dela, tanto! Ela
engravidou e perdeu o bebe, por que não tínhamos dinheiro suficiente para um tratamento
adequado. Eu jurei para ela, jurei que nunca mais ela sofreria assim. Comecei a trabalhar
duro, tinha pouco estudo...consegui emprego na estiva e o dono do estaleiro Homero Gengo
me deu uma oportunidade de trabalhar no escritório. Vendo meu talento e esforço me
ajudou a estudar. Tinha vontade de ser engenheiro naval, sabia?- olhou Botswana que o
ouvia atento e sorriu, maneou a cabeça e passou a mãos pela cabeleira grisalha. - Mas,
Homero me disse que tinha talento para os negócios e foi assim que cresci e virei o kyrios,
como chamam aqui os grandes executivos da industria naval. Na luta para dar uma vida
melhor a Sophia e a Christina que havia nascido eu não percebi o quanto tinha me afastado
delas. Nem o quanto Sophia havia ficado doente. Ela tinha ciúmes de tudo, até de

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Christina... A vida virou um inferno e eu fui me afundando no trabalho mais e mais. – ele se
levantou e se dirigiu à murada da varanda, maneou a cabeça, passou a mão pela cabeleira
grisalha, novamente, em agonia e angustia.- Quando Christina ficou moça, Sophia a tinha
envenenado contra mim e nós não conseguíamos mais conviver bem...ela conheceu
Andréas, um vagabundo que a iniciou nas drogas. Perdi a conta das vezes que a tirei da
delegacia...que a enviei a clinicas de repouso, que tentei separá-los. Mas, não houve
maneira...eu não conseguia. Ela fugiu com ele e foram morar juntos na França. Um dia
apareceu magra...e grávida. Convencia- a ir para uma clinica e tudo parecia que ia dar certo.
Teve o Nikos e durante seis meses dedicou-se a ele com alegria. Até Sophia vivia feliz com
a idéia do neto. Eu pensei: “acho que a vida agora vai me dar uma chance de reconstruir
minha família”. Então, Andréas reapareceu e os dois retomaram o romance.

Fausto ficou em silencio, seus olhos marejavam de lagrimas, sentou-se novamente e com a
cabeça entre as mãos continuou abrindo seu coração.

- Uma noite Demóstenes, o delegado, me ligou, tinham achado o corpo de Christina num
lixão, ela tinha morrido de overdose de Heroína. Meu Deus, minha menina, morta como um
cão de rua num lixão!- começou a chorar. - Sophia enlouqueceu de vez... Culpava-me.
Tentou se matar e não havia mais como ficar em casa.

- E o Andréas? O que aconteceu com ele?- Botswana perguntou.- Nunca procurou Nikos?

Fausto a olhou, era um olhar frio, uma expressão que ela nunca vira em seu rosto.

- Eu o matei! Eu mesmo matei aquele porco...o delegado é meu amigo e sabia onde ele se
escondia, nós fomos juntos lá. Estava drogado e bêbado...eu mesmo atirei e o vi morrer
sangrando como um porco!- Fausto disse isso com um ódio profundo, os olhos frios como
aço.- Então, só me restou Nikos, um bebezinho...eu não sabia o que fazer com ele, eu nem
sabia dar amor a ele...eu nunca...na idade de Nikos eu só sabia o que era trabalho,
entregando leite, jornais e na carvoaria. Meu pai e minha mãe nunca souberam dar amor a
nenhum filho...cuidado...carinho...como eu podia dar uma coisa que eu, eu...eu nunca soube
o que era?- voltou a olhar Botswana, agora tão desamparado como um menino pequeno.-
Ainda bem que você está aqui e você vai saber dar amor a Nikos...por Deus me ajude a não
perder Nikos, também!

Botswana se ergueu do sofá e se ajoelhou diante de Fausto, colocou suas mãos em seu rosto
e acariciou sua barba. Era um menino agora, tão só, tão carente, assustado, ele tremia.

- Não vou deixar você perder Nikos...vou dar amor a ele. Mas, a você também!- Botswana
beijou-o suavemente, enquanto trêmulo ele a envolvia nos braços. O beijo suave se tornou
urgente e exigente. Fausto a prendeu entre suas pernas e apertou-a mais em seus braços,
acariciando-lhe o corpo com as mãos.

- Não brinque assim...não brinque...eu, eu...você tem uma vida pela frente, é jovem e eu...eu
só tenho isso, feridas e um inverno para viver!- ele disse olhando-a nos olhos.

- Não! Você tem a mim, a mim! Isso é o bastante para nós!

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Voltaram a beijar-se com paixão, até que Fausto a afastou suavemente.

- Não...aqui não, não é hora ainda!- ergueu-se da cadeira com a mulher ainda em seus
braços. Beijou-lhe a testa e a abraçou.

- Minha boa menina!

Aquele tinha sido um dia difícil, Botswana e Fausto já haviam voltado da Grécia há uma
semana, mas, desde então, ele não tocara mais no assunto e nem no beijo entre os dois.
Parecia ter se fechado mais e Botswana envergonhada não sabia bem como proceder.

Ele voltara ao seu ritmo de trabalho alucinado e chegava tarde em casa. Botswana concluiu
que ele devia estar evitando-a. Assim, depois que os meninos iam para a cama, ela também,
se trancava no quarto e evitava encontrar com Fausto o máximo o possível.

Tinha saído pela manhã, porque Nikos queria comprar um presente para o avô, eles
andaram bastante pelo Shopping e Danilo também se resolveu por um presente para Fausto.
Nikos comprou umas abotoaduras de ouro, escolhida por Botswana, e Danilo um porta
retrato com designer moderno para colocar uma foto dele, Nikos e Fausto.

Quando chegou com os meninos após o almoço, Edivandro a aguardava na sala de visitas.
O reencontro lhe foi profundamente penoso.

- Olá Botswana.- ele disse levantando-se do sofá, assim que ela entrou na sala com os
meninos. Bess já a havia avisado sobre o homem que a aguardava na sala.
- Como vai Edivandro.- ela cumprimentou.

Nikos e Danilo olhavam curiosos. Ela olhou Nikos com carinho e pediu.

- Meu querido vá para seu quarto tomar banho e guardar o presente bem escondido para o
vô Fausto não desconfiar de nada, está bem?
- Sim, Botswana.- o menino subiu as escadas rapidamente com sua sacola na mão.

Botswana olhou Danilo, ele estava assustado. Ela nunca escondera a historia de seu pai e
ele vira varias fotos dele. Ela evitara levá-lo ao presídio, não achava que ali era um bom
lugar de um filho ver um pai.

- Danilo, seu pai Edivandro, veio ver você. Por que não vai cumprimentá-lo?

O menino andou devagar em direção ao homem, alto, de pele clara e cabelos crespos
aloirados e forte a sua frente.

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- Como vai?- disse por fim.
- Vou bem, nossa que menino bonito você é! E educado também!- ele disse tentando ser
simpático.

Danilo o olhava assustado, mas Botswana com carinho o conduziu até o pai. Apesar do
medo que sentia naquele momento ao ver aquele homem novamente em sua frente, sentou-
se com os dois na sala e os ajudou a conversar. Para sua surpresa Fausto chegou cedo
naquele dia e os encontrou na sala.

- Boa noite. – ele disse ao entrar na sala.

Botswana levantou-se e apresentou Edivandro.

- Sr. Papadakis, esse é Edivandro, o pai de Danilo.

Encararam-se friamente, como que medindo um ao outro, machos em luta pela posse da
fêmea, quem era o mais forte? Ele cumprimentou o homem polidamente e retirou-se da
sala. Ficaram ainda por meia hora conversando e Edivandro pediu para sair com Danilo no
dia seguinte e leva-lo para ver os avós.

- Vocês estão morando longe agora e eles estão com saudade do moleque, você pode ir com
a gente, se quiser...- disse esperançoso.
- Não, eu tenho muitas tarefas para fazer...mas, o traga antes das cinco, ele e Nikos tem
jogo de futebol no clube.- ela pediu.
- Está certo!- ele se inclinou para beijá-la, mas Botswana recuou. Ele, a encarou por alguns
segundos, um tanto atônito com a reação dela. Nunca esperaria que um dia ela o evitasse. O
amava tanto!
- Então até amanhã. - ela disse encaminhando-o para a saída. - Você mudou muito!- disse a
porta. – Parece que tem uma nova vida aqui! - olhou ao redor.
- Construí uma nova vida há cinco anos, sozinha!- respondeu - Estou satisfeita com ela!

Edivandro compreendeu o que Botswana queria dizer, mas, com o tempo ele saberia dobra-
la. Era apaixonada por ele, sempre fora e não era agora que o deixaria de ser. Eles tinham
um filho, isso era um laço muito forte.

Botswana subiu com Danilo e não desceu nem para o jantar. Estava atordoada. Mas, tinha
que enfrentar a situação.

Já era tarde quando desceu indo até seu escritório, ao passar pelo estúdio de Fausto
percebeu que ele estava sentado de frente à porta que dava para o jardim. Tomou coragem.
Aquela situação entre eles devia acabar.

- Sr. Papadakis...eu queria lhe falar!- disse a porta do estúdio.


- Entre!- ele falou sem se mover.

Botswana entrou e sentou-se na poltrona ao seu lado, tremia de nervoso. Não sabia como
começar.

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- Sr. Papadakis...
- Ele veio aqui para ver você?- ele perguntou cortando a fala de Botswana.
- Edivandro? – ela perguntou assustada.- Oh, não veio ver Danilo! Amanhã os dois vão sair
juntos...espero que Edivandro tenha mudado!
- Quem sabe! O que queria me dizer srta. Williamns?

A maneira como ele se dirigiu a ela desmotivou Botswana completamente. Sentiu o chão
abrir-se debaixo dos seus pés.

- Não...não era nada de muito importante sr. Papadakis.- conseguiu falar sufocando o choro
que lhe subia a garganta.- Com sua permissão!- levantou-se depressa e saiu em direção ao
seu quarto.

Fausto ficou no estúdio por mais tempo olhando a noite e se sentindo idiota. Será que a vida
estava lhe escapando pelas mãos? Será que seria tão idiota novamente assim? Como fora
com Sophia...com Christina? Olhou o relógio, era quase meia noite.

Levantou-se devagar e apagou as luzes da casa, deixando acesa apenas a do hall e subiu. Só
havia silencio. Andou devagar pelo corredor, foi, quando no silencio ouviu o choro
sufocado de Botswana no quarto. Parou diante da porta. “Minha boa menina” dizia a si
mesmo acariciando a porta. Então, num suspiro foi para o quarto. Era melhor assim...ele
com sua vida destruída e Botswana poderia reconstruir sua vida com o pai de seu filho,
alguém tinha que ter juízo naquela situação. Ela só via nele o pai que nunca tivera...e ele
via nela seus sonhos perdidos do passado.

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Fausto chegou cedo na praia de Copacabana. Havia poucas pessoas. Sentou- se num
quiosque e pediu uma cerveja gelada Ficou olhando o movimento, a mente vagando em
preocupações. Só havia uma coisa que ele pensava: Botswana.

Deus do céu, como ele se metera nessa historia? Era uma coisa tola...era uma
bobagem...Apaixonado numa idade dessas por uma mulher que podia ser sua filha? E,
Botswana o via apenas como um pai ausente em sua vida, logo encontraria um homem de
sua idade que lhe faria bem e se apaixonaria de verdade. Talvez, o pai de seu filho, quem
sabe mudara. Era um homem jovem, forte e bem apessoado.

Nem ouviu Henry lhe chamando.

- Fausto está no mundo da lua?- o homem ao seu lado perguntou.


- Henry!- ele se levantou para cumprimentar o amigo.- Perdoe-me estava tão distraído.
- Percebi.
- Venha, sente-se vamos beber uma cerveja.

Henry sentou-se, era um homem da mesma idade de Fausto, inglês, casado com uma
mulher brasileira divertida e alegre, Ana Maranhão. Eles eram bons vivant´s. Viviam de
viagens, aventuras e festas. Fausto gostava deles, eram amigos desde que ele chegara ao
Brasil havia cinco anos. Henry, sempre dizia a Fausto que não levasse a vida serio demais.

- Ana e eu estávamos pensando em ir até sua casa, quando soubemos de Sophia.


Lamentamos muito. - o homem disse seriamente. - Mas, você viajou logo e ficamos na
duvida quanto a sua volta.
- Obrigado... foi tudo muito rápido...acho que para Sophia deixou uma vida de sofrimento.
Se existe alguma coisa do outro lado espero que seja melhor para ela, do que essa vida foi.
- Com certeza será. Mas, você não está assim com essa cara angustiada por Sophia...algum
problema nos negócios?

Fausto o encarou e sorriu.

- Oh, não...está tudo bem...

Eles começaram a conversar trivialidades e Henry contou a ultima viagem que fizera com
Ana Maranhão pelo Caminho de Santiago e que estavam planejando visitar o Vale do
Amanhecer em Brasília. Seria uma experiência nova. Outros amigos chegaram e
resolveram jogar uma partida de vôlei na areia. Henry e Fausto fizeram um dupla contra
Conrado e Mazaneto. Perderam feio. Fausto estava muito desconcentrado. Depois da
partida voltaram para o quiosque, continuaram conversando trivialidades, bebendo cerveja
e olhando as mulheres bonitas na praia, Fausto os ouvia atentamente, tentando esquecer por
alguns segundos os lábios quentes de Botswana que haviam marcado vivamente os seus.

- Ouvi dizer que a nova babá de Nikos é uma mulher brasileira muito bonita. É verdade?-
Mazaneto disse de repente mudando o tom da conversa e com certo sarcasmo na voz.

Fausto ficou rubro, os olhos brilharam de ciúme. Quem estava falando isso de Botswana?

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- Quem lhe falou isso?- ele perguntou alterado.
- Agnaldo, ele me disse que ela era sua secretaria particular e que de repente você a
substituira apesar de ser eficiente... que a contratara como babá de Nikos. Me disse que
achou estranho... e que ela é uma linda mulata de olhos azuis. É verdade?- Mazaneto o
olhou matreiramente, pela cara de Fausto ele acertara em cheio.
- Agnaldo é um fofoqueiro...
-Mas, ela é bonita, Fausto?- Henry perguntou.

Ele demorou a responder.

- Nada de especial. - respondeu secamente, mentindo para os homens enciumado.


- Qual o nome dela? – ele continuou perguntando.
- Botswana. - ele respondeu secamente
- Fausto! Fausto, aproveite amigo... - disse Mazaneto com ironia. - Uma mulata brasileira,
isso é um vulcão na cama!
- Não deixe escapar... Ora não faça vergonha aos gregos! Ah, por que meus filhos não são
menores? Olha só que babá linda essa que vem passando pelo calçadão. - brincou Conrado.

Uma jovem negra passava pelo calçadão levando um bebe num carrinho, era realmente
bonita.

- Olha uma deusa de ébano, e veja os movimentos...isso deve sambar como ninguém. Sua
mulata já sambou para você Fausto? – ele sorriu malicioso. - Você sabe há varias formas de
sambar!!!
- Conversa muito besta essa de vocês dois. Que absurdo, a jovem trabalha em minha casa e
só. O que vocês estão pensando. É um funcionário como outro qualquer. Não entendo essa
cultura no Brasil. É do tempo da colonização, as negrinhas da casa... as mucamas, que os
senhores derrubavam nas redes. Só que eu não sou senhor de escravos e minha funcionaria
é uma mulher descente. Não quero mais falar nisso!- ele disse com sua firmeza habitual.

A bronca de Fausto os deixou sem graça e Henry desviou o assunto para o Reveillon no
Meridien. Conrado e Mazaneto foram embora, algum tempo depois. Henry fitou Fausto por
alguns segundos.
- Ficou bravo com a brincadeira da babá. - observou.
- Falta de respeito, os brasileiros são assim.
- É verdade... já devia estar acostumado com as gozações deles, principalmente os cariocas.
- Não estou de bom humor... nem poderia.
- Fausto deveria recomeçar a vida. Se apaixonar, casar... o ser humano não foi feito para a
solidão.
- Sou um velho Henry, minha vez na vida já passou e eu fiz tudo errado.
- Velhice?!- ele sorriu. - Se realmente não tem mais sonhos, não pensa em amar e ser
amado, se não vê um futuro em sua frente, realmente você está velho.
Fausto ficou em silencio e Henry desviou o assunto sobre um jantar que fora na casa de um
sheik em Brunei e como tinha sido fascinante a visita ao pequeno e rico país. Os dois
homens conversaram bastante sobre outros assuntos e a cada momento a presença alegre de

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Henry ia dissipando a angustia de Fausto. Já era quase meio dia quando se despediram no
estacionamento do calçadão.
- Fausto vá jantar conosco essa noite. Ana convidou uma vidente para jantar lá em casa,
uma velha coroca de setenta anos. Ela veio para um congresso de místicos e irá embora
amanhã para a Itália, é uma italiana gorda até não caber mais. - disse entrando no carro.

Fausto foi ao jantar e se divertiu bastante com a presença alegre de Irene Bosquetta e de
Ana Maranhão e com todas as tolices que diziam sobre previsões do futuro e ET´s.

Já eram quase duas da manhã quando chegou em casa. Havia bebido um pouquinho além
da conta. Somente o hall da casa estava iluminado, ele entrou devagar e subiu as escadas,
havia luz no quarto de Botswana. Estaria ela acordada até àquela hora?

Botswana ouvira o barulho no corredor e levantou-se apressada. Devia ser Fausto, pois
ouvira o barulho do Mercedes, abriu a porta rapidamente surpreendendo-o no corredor.

- Ainda acordada? – ele perguntou. - Aconteceu alguma coisa com os meninos? - olhou-a
preocupado.
- Não... não conseguia dormir e estava lendo!- deu a primeira desculpa que lhe passou pela
cabeça.
- Ah!. - Fausto ficou encarando-a por algum tempo. Pelo tom acinzentado dos olhos de
Botswana, Fausto sabia que ela estava com raiva. Será que estava imaginando que fora se
encontrar com alguma mulher, estaria com ciúmes? Isso o deixou alegre. Aquela altura da
vida uma mulher linda como aquela ter ciúmes dele...

- Então, boa noite!- ele disse com um sorriso irônico nos lábios.
- A sua é que deve ter sido boa!- ela respondeu malcriada.

Fausto sorriu novamente, desabotou a camisa branca que usava lentamente, no primeiro
botão.
- Sim, tive uma noite muito divertida!
- Ah, sim. - Botswana cruzou os braços e o encarou. - não conseguia controlar o ciúme.

Ela estava morrendo de raiva, Fausto via seus olhos se acinzentarem e uma ruguinha se
fazer no seu sobrolho. Era sempre assim, a ruguinha aparecia se ela estava com raiva ou se
ia chorar. Aproximou-se dela e escorou as mãos no batente da porta ficando bem próximo a
ela, encarou-a fixamente nos olhos e quase a beijando respondeu.

- Tive uma noite divertida com meus amigos Henry e Ana Maranhão e uma vidente gorda
de setenta anos, uma italiana. Que antes de ir embora me disse que a mulher tatuada de
Kyrios me amava!

Botswana arregalou os olhos e deu um passo atrás.

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- Conhece alguma mulher tatuada com o nome Kyrios?- ele sorriu novamente para ela.
Ficou tão assustada de repente. É alguma amiga sua?
- Acho que você bebeu demais e devia dormir. Já é tarde.- ela desconversou
- Verdade, nada mais ridículo do que um velho bêbado inconveniente.- ele brincou e foi-se
para o seu quarto.

Botswana fechou a porta e ficou ainda um tempo com o coração aos pulos e as mãos
geladas. Ela tinha a tatuagem.

No outro dia pela manhã Fausto acordou tarde, era domingo e não havia muito que fazer.
Ele ouviu a barulheira dos meninos brincando na sala de jogos e foi direto para cozinha.
Botswana já começava a preparar o almoço dos meninos.

Bess supervisionava a dispensa para novas compras. Ao vê-lo cumprimentou polidamente.

- Vai fazer compras amanhã, Bess?- ele perguntou abrindo a geladeira e procurando o que
comer.
- Sim senhor, logo cedo. Já fiz a lista.
- Perguntou a Botswana se ela quer alguma coisa em especial para os meninos ou para ela?
- Ela me passou a lista do que comprar para os meninos.- Bess respondeu aborrecida.
- Não quer nada para você?- ele perguntou enquanto servia-se de suco.
- Como assim? - Botswana o olhou um pouco sem saber o que queria dizer.
- Comida... não gosta de nada especial? Doce, bombom, peixe, tipo de carne...alguma coisa
que queira para incluir nas compras? Algum refrigerante? Algo que precise de uso
pessoal...
- Não... acho que não...- ela disse hesitante.
- Está bem!- Fausto bebeu o suco e foi servir-se de café. Sentou-se a mesa para espanto de
Bess. - Cadê meu jornal?- ele perguntou olhando a governanta.

Bess se apressou em buscar o jornal e o entregou.

- Chegou tarde ontem Sr. Papadakis. - Bess perguntou. Era uma mulher magra, inglesa,
branca e de ar severo. Era raro sorrir, mas, era extremamente eficiente em seu trabalho.
Estava trabalhando para Fausto há mais de vinte anos, antes mesmo, de Christina nascer.
Quando fora trabalhar na casa tinha uns trinta anos, mudara pouco, nunca fora uma mulher
bonita ou sensual. Agora aos cinqüenta parecia mais amargurada pela vida. Fausto sempre a
tratara com respeito. Ele sabia dos sentimentos de Bess por ele, por isso nunca deu chance
para que nenhuma comunicação confusa houvesse entre eles de tal forma que Bess
imaginasse algo mais do que a relação entre patrão e empregada que mantinham. Ele
confiava nela para todos os assuntos domésticos. Ela só nunca conseguira ser amiga de
Nikos, talvez por seu temperamento arredio. Fazia jantares espetaculares e cuidava da casa
como ninguém. Estava mais amargurada naqueles dias, porque a relação entre Fausto e
Botswana, ela sabia, só pelo olhar dos dois que era diferente. Ela sabia que Fausto queria
aquela mulher de outra maneira, percebia no seu olhar, na maneira com que falava com ela,
ela sabia...

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- Fui jantar com Henry e Ana Maranhão! Contaram-me historias maravilhosas de suas
ultimas viagens. Estou pensando em convidá-los para passar o natal aqui em casa. O que
acha Bess?
-São boas pessoas, sempre muito agradáveis!- ela respondeu prontamente. - Acho que
Nikos gostará da companhia deles. Sempre tem historias inusitadas para contar.
- Exatamente. - ele riu. - Bess hoje é domingo por que não sai e vai visitar suas amigas, está
tudo sob controle. Botswana fará o almoço. Tire um dia apenas para você, alias você anda
precisando de férias.
- Não estou reclamando de nada senhor Papadakis, sabe que sirvo a sua família já há vinte
anos...
- Por isso mesmo, já faz parte de minha família. Vou lhe dar esse presente de natal, uma
viagem a qualquer lugar que escolher. O que acha?

Bess sorriu um tanto sem graça. Para ela era obvio que ele queria ficar só com a mulata.
- É gentileza sua senhor Papadakis, ficarei feliz!- sorriu melancolicamente. - Se me der
licença vou cuidar de alguns assuntos pessoais.
- Vá descansar, quero que se divirta!- ele disse enquanto Bess saía com o coração
apunhalado pela rejeição
Depois de tomar mais uma xícara de café, Fausto saiu cantarolando em direção ao seu
estúdio.
Botswana o observou sair da cozinha, com o jornal na mão cantarolando. Estava alegre,
nunca o vira assim... Velha de setenta anos. Tá!

Depois do almoço Botswana ficou observando os meninos e Fausto jogarem futebol no


campo de futebol da casa. Já a certa altura da brincadeira ficou cansada e desceu para sua
sala. Ao passar pela sala de visitas, avistou o piano e dirigiu-se até ele para tocar. Fazia
tempo que não tocava nada e começou a dedilhar o instrumento devagar.

Estava tão absorta com a musica que tocava que não percebeu a presença de Fausto, quando
o viu assustou-se.
- Desculpe não quis assustá-la.- ele disse aproximando-se do piano.

Botswana fez menção de se levantar, mas, ele tocou-lhe o ombro.

- Não, cante a musica...continue!- disse encostando-se no piano e cruzando os braços.

Botswana hesitou um pouco porque a musica que tocava e cantarolava era para ele. Estava
pensando nele quando estava absorta na musica. Respirou fundo.

Eu acredito em você e em mim


Eu acredito que nós teremos um amor eterno
Até onde eu posso ver
Você sempre será o único para mim. (sim, você será)
Eu acredito em sonhos novamente
Eu acredito que o amor nunca acabará
E como o rio encontra o mar

Eu estava perdida, agora estou livre.

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Pois eu acredito em você e em mim

Eu nunca sairei do seu lado


Eu nunca irei ferirei seu orgulho
Quando tudo estiver arruinado
Eu sempre estarei perto
Simplesmente para estar bem onde você esta, meu amor
Oh, Você sabe, eu te amo, garoto
Eu nunca deixarei você fora
Eu sempre te deixarei entrar,garoto
Oh, baby, a lugares em que ninguém esteve
Profundamente, você pode ver
Que eu acredito em você e em mim?

Bem, talvez eu seja uma boba ao sentir o que sinto


Mas eu me faria de boba eternamente
Simplesmente para estar com você para sempre
Eu acredito em milagres, o amor é um milagre
E sim, baby, você é um sonho virando realidade

Eu estava perdida, agora estou livre


Meu querido, eu acredito em você e em mim
Perceba que eu estava perdida, agora estou livre
Pois eu acredito em você e em mim...

Oh, sim, eu acredito


Eu acredito em você e em mim

Fausto ficou em profundo silencio. A voz dela era majestosa e perfeita. Uma diva e a
musica ele sabia, mais do que tudo ele sabia era para ele.

- Linda! Muito linda a musica...- ele disse num fio de voz.- Você tem uma voz
maravilhosa...onde aprendeu a cantar assim?
- Com minha mãe, já lhe disse que era cantora.- ela respondeu.
Fausto ficou em silencio novamente. Depois tomou coragem para fazer o convite.
- Está havendo uma mostra de cinema de Brasileiro no Centro Cultural Banco do Brasil.
Hoje vai passar Bicho de Sete Cabeças, com Rodrigo Santoro. Achei que você gostaria de
me acompanhar...e depois quem sabe comermos uma massa italiana e brindarmos com uma
caneca de vinho?

Botswana ficou surpresa com o convite.

- Acredito que será um bom programa para um domingo à noite. Mas, quem ficará com os
meninos?
- Bess chegara ao final da tarde. - ele disse. - Precisamos nos distrair um pouco, esses dias
foram terríveis.
- Bom. Gosto de cinema!- ela sorriu.

Fausto de um sorriso satisfeito e antes de sair tocou de leve o ombro de Botswana.

- Eu também acredito.- disse olhando-a nos olhos.

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Botswana colocou um vestido amarelo de tecido fino que lhe realçava as curvas, uma
sandália dourada e uma bolsinha da mesma cor soltou o cabelo, alisando-os com uma
escova e fez uma maquiagem suave que realçava o azul dos seus olhos e a sua boca carnuda
e bem feita.

Quando desceu Fausto a esperava metido numa blusa branca e uma calça preta social,
impaciente. Mas, quando a viu. Tão linda e perfeita, esqueceu o atraso.

- Você está linda!- ele disse ao pé da escada.


- Acho que me atrasei.
- Está perfeita!

Até ao Centro Cultural levava uma hora. Quando chegaram estava o local cheio. Logo
pessoas conhecidas de Fausto o vieram cumprimentar. Eram artistas e pessoas da
sociedade. Botswana viu quando Vanessa.... os avistou. Sentiu o chão sair dos pés. Era a
mulher mais linda que já vira. Vanessa se aproximou dos dois e abraçou Fausto
efusivamente.

- Quanto tempo meu querido!- disse com um sorriso.


- Como vai Vanessa. Vanessa, esta é Botswana. Botswana esta é Vanessa.- ele as
apresentou.
- Meu Deus que moça linda...é modelo?
- Se você decidir-se a pintá-la quem sabe?- Fausto atalhou a conversa e sentiu Botswana
apertar de leve o seu braço e instintivamente aproximar-se mais dele como que querendo
proteção.
- Vanessa, nos falamos depois. Está cheio e quero pegar um bom lugar.- ele disse-lhe
beijando-lhe o rosto e saindo com Botswana.
Conseguiram um bom lugar e Botswana relaxou conforme a exibição do filme seguia. Ao
final do filme estava mais relaxada e Fausto procurou logo sair, cumprimentando apenas
alguns amigos e evitando os paparazzi.
- Tenho uma surpresa! – ele disse alegre assim que o carro ganhou a rua.- Gosta de massa
italiana?
- Oh, sim!
Pela direção que o carro tomou Botswana sabia que iriam para o subúrbio.
- Vou levar você ao meu lugar secreto.

Em pouco tempo pararam em frente a uma Cantina Italiana. Era simples e num bairro
suburbano.

Assim que Fausto entrou o homem que gerenciava a casa veio ao seu encontro e lhe deu um
forte abraço.

- Botswana. Este é meu amigo Luigi.


- Como vai señorina! Ma come e bela!- ele exclamou entusiasmado como um bom italiano.
- É vero, é vero.- brincou Fausto.
- Venha tu mesa está preparada.- ele os conduziu a um canto da Cantina, onde uma mesa já
os esperava.- Espero que goste señorina. Que tutto esteja a tu gosto!

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- Obrigada Luigi.- ela disse um pouco acanhada com tanta atenção.

Botswana experimentou um spaguetti à moda da Mama que era a especialidade de Luigi. A


comida era deliciosa, bem feita e caseira. Fausto pediu uma caneca de vinho para dos dois.

- Luigi me traga daquele vinho doce para a señorina!


- O sim señore!
- Quando conheceu Luigi?- Botswana quis saber assim que ele saiu.
- Conheci o pai de Luigi. Na estiva. Quando vim para cá, saindo da Grécia, o pai dele era
meu empregado. Tinha pouca instrução. Mas, um sonho...abrir uma cantina. Dei o dinheiro
que precisava. Quando Mateo, pai de Luigi morreu. Luigi assumiu e dei mais outra ajuda
para a Cantina ir adiante. Ele é batalhador e está fazendo o negocio crescer. Vai abrir outra
Cantina em breve. Eu o vi molecote...e agora está se tornando homem de negócios. Tem
uma família linda. Uma esposa devotada e uma filhinha que parece feita de porcelana.
Linda!

Continuaram a conversar. A segunda caneca de vinho começou a fazer efeito em Botswana,


pois se soltou mais. Fausto observava sua maneira de falar, gesticular, sorrir, o azul dos
seus olhos tornando-se mais claros e suas pupilas dilatando-se ao olhá-lo. Começou a
ruborizar levemente.
Luigi veio servi-los novamente. Mas, Fausto impediu.
- Não. As duas para a señorina está bem!
Luigi se afastou e eles continuaram a conversar ainda por um bom tempo. Já eram meia
noite quando Fausto a chamou para irem embora.

Despediram-se de Luigi e foram em direção ao estacionamento. No caminho de braços


dados iam conversando trivialidades.

- Se achasse o gênio da lâmpada que três pedidos faria?- Fausto perguntou de repente.
- Eu?
- Sim.
- Ah...que Danilo fosse feliz...muito feliz. Ia querer uma casa de praia, porque gosto muito
do mar e uma família, uma família unida e feliz.
- Com Edivandro?
- Oh, não! Edivandro ficou no passado. Eu era uma menina naquela época...agora sou outra
mulher. Precisei enfrentar meus medos, trabalhar, amadurecer, batalhar para criar meu
filho...além do mais Edivandro me fez muito mal. Por mais que ele tenha mudado. Coisa
que eu não acredito, não poderia amar novamente um homem que me desrespeitou tanto!
Na minha vida hoje, não tem lugar para o Edivandro.
- È dinheiro, não pediria para ficar rica?
- Oh, não meu Deus...dinheiro não é tudo nessa vida. Se você tivesse sido apenas um
estivador do porto, hoje, não estaria com Sophia e Christina? O dinheiro acabou afastando
você delas, não é verdade?

Fausto ficou em silencio. Entraram no carro e durante toda a volta para casa, parecia que
Fausto considerava cada palavra de Botswana.

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- Ficou ofendido por que falei de Sophia e Christina?- Botswana perguntou quebrando o
silencio.- Me perdoe, não quis ser insensível!
- Não...só estou pensativo mesmo. São decisões que tenho que tomar...quero fazer a coisa
certa dessa vez!- ele disse tranqüilamente.

Da cantina até a casa de Fausto ficava distante quase uma hora e meia. Quando chegaram já
eram quase duas da manhã. Fausto guardou o carro e eles entraram na casa. Fausto parou
Botswana ao pe da escada.

- Iluminou minha noite mais uma vez srta. Williamns. Obrigado! - acariciou de leve sua
mão.
- Foi uma noite maravilhosa...perfeita! - ela parou no primeiro degrau e virou-se para
Fausto lhe oferecendo um brilhante sorriso.

Os olhos de Botswana começaram a esverdear. Ela tinha tanta vontade de abraçar aquele
homem, beijá-lo, sentir seu corpo, suas mãos quentes, amá-lo com loucura, como nunca
desejara homem algum, nem Edivandro.

Os sentimentos de Botswana não passaram desapercebidos por Fausto, ele notou a mudança
de tonalidade de seus olhos e o brilho intenso que emanavam. Ele também a queria, mais do
que tudo e seu corpo inteiro latejava de desejo por aquela mulher.

- Se eu fosse apenas um estivador... um velho estivador viúvo e com um neto...me daria seu
amor como prometeu na casa de Perséfone?- ele a perguntou encarando-a nos olhos com
uma tensão forte no olhar e a voz rouca e sufocada pela emoção.
- Daria meu amor a você se fosse um estivador, um velhote aposentado...eu não quero o sr.
Papadakis, aquele homem de negócios. Nossa ele é implacável, terrível, um tigre feroz.
Mas, eu quero o Fausto, esse homem que está na minha frente. Com esses sentimentos,
carinhoso, generoso, bom avô, protetor. E que quer ser feliz tanto quanto eu. Não me
importaria se fosse só um estivador, nunca! Seu dinheiro não faz diferença para mim. É só
você que conta! – disse – lhe acariciando sua barba macia

Fausto a tomou nos braços num único impulso e a beijou sofregamente. Um beijo ardente e
cheio de desejo. Como se queriam. Como se desejavam e não dava mais para segurar o
desejo, o amor, a paixão, os sentimentos. Não dava mais!

- Vamos para meu quarto. - sussurrou ao seu ouvido. Tomou-a pelas mãos e subiram as
escadas.

No quarto beijaram-se novamente. Mas, Fausto queria fazer tudo sem pressa, não tinha
mais a ansiedade de menino. Ele queria desfrutar cada momento. Tirou devagar a roupa de
Botswana. Depois trouxe uma bacia com água perfumada.

- Isso é um costume que aprendi com os árabes. Fazem isso na noite de núpcias, banham os
pés de suas amadas, enquanto oram para Alá que abençoe suas vidas com elas. Acho que é
maior honra que um homem pode ofertar a uma mulher, lavar seus pés, como um humilde
criado. É o que faço agora, lavo seus pés, como um humilde criado diante de sua senhora.

49
Lavou os pés dela, os enxugou e beijou-os, tomou-a nos braços novamente, a deitou na
cama devagar. E ficou admirando a beleza de seu corpo por algum tempo, acariciando sua
pele e suas curvas.

- O que é isso?- perguntou vendo a tatuagem de Botswana na pubis.- Uma tatuagem? O que
está escrito?- quis saber curioso.
- Kyrios.- ela disse num sussurro ao seu ouvido
- A mulher tatuada de Kyrios.- ele disse para si.- beijou a tatuagem e depois a barriga de
Botswana lhe fazendo cócegas de leve, mas, a excitando mais.- Espere só um pouco.

Ele saiu do quarto e foi até o closet, quando voltou vestia apenas um roupão de seda.
Deitou-se ao lado dela e devagar tirou o roupão. Ao sentir o corpo dele junto ao seu a
excitação de Botswana dobrou. Precisava dele.

Mas, Fausto não tinha pressa e começou a brincar com Botswana com as mãos, a boca e a
língua. Levando-a um estado de excitação quase insuportável. Só então, ele a possui. Para
Botswana era um momento único, ele estava dentro dela e ela podia senti-lo.

Fausto a tomara, ela agora lhe pertencia, ele estava dentro dela, plantado no mais profundo
do seu corpo. Um corpo que respondia a cada caricia, a cada movimento, se entregando
mais e mais como que se fora feito apenas para ele, para amá-lo, como se lhe pertencesse
por toda a vida.

Os movimentos eram perfeitos, cadenciados, iam levando ao ponto máximo, até o


insuportável. Fausto sentiu Botswana apertar-se mais de encontro ao seu corpo, o momento
de sua fêmea chegava. Então num gemido rouco, pendendo a cabeça para o lado ela chegou
o orgasmo. Que não demorou para ele, assim que a viu chegar ao ápice, conforme suas
contrações, também, chegar ao prazer.

Ficaram em silencio por um bom tempo. Fausto sentia o corpo de Botswana estremecer de
vez em quando, ainda se recuperando do orgasmo avassalador que vivenciara pela primeira
vez com um homem. Então lhe disse ao ouvido num sussurro cheio de paixão e desejo.

- Boa menina! Boa menina!

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CAPITULO VI

O restaurante era belíssimo. Luxuoso e requintado. Botswana estava encantada. Fausto


queria comemorar os seis meses que estavam juntos e decidira-se por uma noite especial.

Botswana estava linda, num vestido vermelho que lhe caia nas curvas e bastante sensual, os
cabelos soltos, anelados. Fausto lhe presenteara com uma gargantilha de ouro e pedras
azuis para combinar com a cor de seus olhos.

Ele, também estava impecável, num blazer azul marinho, a barba bem aparada, os cabelos
grisalhos brilhantes. O amor fazia maravilhas que nenhuma cosmética podia. Tanto
Botswana e Fausto pareciam ter remoçado, estavam mais vivos e saudáveis. O olhar dos
dois brilhava de amor e paixão.

O jantar foi de frutos do mar. Beberam vinho branco, mas, Botswana evitou o segundo
copo. A certa altura Fausto chamou o maitre e falou-lhe algo que Botswana não pode ouvir.

O maitre foi até o pianista e lhe falou algo que ele logo sorriu e assentiu que sim.

- Srta. Willimans quero lhe parabenizar nesta noite por sua beleza extraordinária e o Sr.
Papadakis lhe oferece esta musica, nesta noite especial para ambos.
Ela

Ela talvez seja a face que eu não posso esquecer


Um traço de prazer ou de tristeza
Pode ser meu tesouro ou o preço que eu tenho que pagar
Ela pode ser o canto do verão
Pode ser o frio que o outono traz
Pode ser cem diferentes coisas
Dentro do mesmo dia

Ela pode ser a bela e a fera


Pode ser a escassez ou a fartura
Pode voltar todo dia em um céu ou inferno
Ela pode ser o reflexo dos meus sonhos
Um sorriso refletido num rio
Ela pode não ser o que ela pode parecer
Dentro da sua concha

Ela que parece tão feliz entre a multidão


Cujos olhos podem ser tão privados e orgulhosos
Não permitidindo que eles a vejam quando chora
Ela pode ser a esperança de amor
Pode vir como as sombras do passado
Que lembrarei até o dia da minha morte

Ela pode ser a razão da minha sobrevivência


O porquê de eu estar vivo
Cuidarei dela na alegria e na tristeza
Eu, irei tomar sua risada e suas lagrimas
E farei delas todos os meus brinquedos
Para onde ela for eu terei que ir
O sentido da minha vida é
Ela

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Os olhos de Botswana marejaram de lágrimas e uma delas teimosamente rolou pela face.
- Nunca fui tão feliz em minha vida!- disse a Fausto.
- Eu também tenho sido feliz!- ele respondeu com seus olhos castanhos brilhando e a voz
sufocada de emoção.
- Eu te amo.- Botswana disse com a voz embargada de emoção.

Entrelaçaram as mãos e ficaram em silencio olhando-se, enquanto o pianista repetia a


musica para os dois.

Naquela noite amaram-se intensamente e viram o dia amanhecer aninhados um nos braços
do outro. Fausto gostava de amar Botswana em sua cama, gostava que seus lençóis
ficassem com o cheiro do seu corpo e o quarto com sua presença. Fausto estava longe de
ser um velho, amava com intensidade, paixão. Botswana se sentia segura com ele de tal
forma que se entregava completamente as suas carícias e experimentara com Fausto um
prazer que nunca podia imaginar existir. Todos os medos que sentira com Edivandro,
tinham ficado no passado. Ela era uma mulher realizada e feliz.

Botswana deu um suspiro profundo, o dia clareava lentamente o quarto, apertou-se mais
contra Fausto e beijou-lhe e peito.

- O que foi?- ele perguntou beijando-lhe o alto da cabeça. – Cansada?


- Feliz...tão feliz que me dá medo!
- De que ?- ele sorriu.
- De que os céus tenham inveja de nós e conspirem contra o nosso amor.- ela o encarou.
- Não poderiam...se foram eles que nos uniram!- ele beijou-lhe o nariz delicadamente.
- Eu te amo Fausto, eu nunca amei ninguém como eu amo você. - Botswana disse isso com
a voz sufocada de emoção, as lagrimas enchendo os olhos azuis. Ergueu-se e o encarou
fazendo-lhe uma caricia na face.

Fausto ficou em silencio. Ele a amava também, e muito. No fundo também tinha medo que
algo quebrasse, que aquela felicidade que sentia fosse na verdade um sonho passageiro.

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- Seqüestro!- Botswana ficou lívida.

Fausto estendeu o bilhete que recebera para ela. No bilhete escrito com letras recortadas de
jornais a ameaça “Vou roubar algo muito importante de você”

- Comprei um carro mais seguro para você do que o fiat uno. É um utilitário, blindado.
Quero que seja mais cuidadosa nas saídas com Nikos.- Fausto falou seriamente.
- A policia já sabe?
- Informei as autoridades e vou levar o bilhete até eles, vão tentar achar digitais. Estou
reforçando, também, a segurança da casa.
- Fausto, eu não sei se estou preparada para uma coisa dessas...meu Deus é apavorante!

Ele se aproximou dela. Sabia que estava com medo.Abraçou-a.

- Não tenha medo, tudo dará certo!


- Espero que sim! Espero que sim!

Durante as primeiras semanas, após a ameaça, nada de especial aconteceu. Botswana já


achava que tudo não passava de uma brincadeira de mau gosto de algum desocupado,
quando percebeu um carro a seguindo. Estava com Nikos no carro e ia buscar Danilo na
casa de Dona Creuza.

Ficou assustada e acelerou mais, o carro atrás dela fez a mesma coisa. Já via a quadra da
casa de Dona Creuza. Parou o carro em frente da casa da amiga e tentou sair o mais rápido
o possível, mas, num relance o outro carro parou e dois homens, um branco aloirado e um
negro corpulento descerem e foram em sua direção.

O carro de Edivandro parou cantando os pneus em frente ao de Botswana, ele saiu


rapidamente com Carlinhos da Cruz, um negro de quase dois metros e forte como um
armário.

- Qual é meu chapa? Que tá rolando?- ele encarou os homens.


- Circulando aí chefia...- Carlinhos falou com sua voz grossa e rouca.- Aqui é minha área e
sou eu que mando na parada, tá afim de ficar cheio de bala?

Ao vê-los os dois homens fugiram, Botswana estava tão atordoada que não anotou a placa
do carro.

Edivandro se aproximou dela.

- O que está acontecendo?


- Nada...eu acho que iam me assaltar. Estou nervosa é melhor entrar!

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Dentro do carro Nikos estava assustado. Ele mudara bastante desde que Botswana chegara,
engordara e tinha uma aparência mais saudável e tranqüila. Era muito raro Botswana
chamar-lhe atenção por alguma coisa. Era dócil e tratável.

- Botswana o que foi?- ele perguntou num fio de voz.


- Nada meu amor...está tudo bem, vem, vamos comer uns biscoitos da Dona Creuza.- ela o
chamou.

Lá dentro Dona Creuza vira a cena e estava apreensiva, abraçou Botswana assim que ela
entrou.

- Mãe o que foi? – Danilo perguntou assim que a viu.- Você está assustada?- ele correu a
abraçou.
- Nada meu filho...está tudo bem!- beijou-lhe a testa.
- Vamos, o Nikos chegou e os biscoitos estão na mesma.- Dona Creuza atalhou.- Vamos
para a cozinha.

Chamou os meninos. Edivandro e Carlinhos da Cruz olhavam Botswana com certa


apreensão.

- Sabe que pode contar comigo...- Carlinhos da Cruz aproximou-se dela.- esse é meu
telefone, me ligue se precisar.

Botswana sorriu, abraçou Carlinhos da Cruz, ficava tão miúda perto daquela montanha.

- Obrigada Carlinhos...sei que posso contar com você!

Carlinhos era o de chefão do trafico na área. Ele comandava uma rede imensa de trafico de
armas e drogas...era na verdade um grande terror. Mas, desde que Botswana era adolescente
e fora criada no bairro, eles sempre foram amigos. Na escola ela o ajudava nas lições,
aconselhava muito para que não caísse na bandidagem, mas, não adiantou. Mesmo depois
de Carlinhos ter enveredado pelo crime, ele sempre lhe nutria amizade. Ela nunca contara a
Carlinhos o que Edivandro fazia com ela, pois, se o fizesse Carlinhos certamente o mataria.

- Vou mandar alguém te acompanhar na volta.- ele falou antes de sair.

Botswana olhou Edivandro. Estar com Carlinhos significava que ele estava em atividades
criminosas. Era por isso que ele deixara de pedir para sair com o menino e agora o via na
casa de Dona Creuza.

- Mudar de mundo tem suas desvantagens também!- ele falou olhando-a com ciúme e raiva.
- Não mudei de mundo!- ela retrucou.
- Não? Olhe suas roupas...seu carro novo...eu nunca te vi tão linda assim...o velho está
dando conta certinho do riscado.
- Como ousa?- ela o repreendeu.
- Abre teu olho...a verdade é que nós somos de mundo diferente dessa gente? Ele já te
apresentou aos amigos magnatas dele como...digamos, sua mulher? Ou te traça as noites em

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casa e acorda cedo para os empregados não saberem? Sempre a mesma coisa...o senhor
trepando com a mucama, com a negrinha da casa...para essa gente nós somos apenas para
uso, somos coisas. Você acha mesmo que aquele branco, milionário, está apaixonado por
você? Ora Botswana, não seja tola!- deu-lhe as costas e saiu. Carlinhos o esperava.

Botswana ficou parada, atônita.

- O Nikos está bem?- foi à pergunta de Fausto assim que Botswana contou tudo o que
ocorrera.
- Sim ficou assustado na hora, mas, está bem!- ela respondeu
- Quem é Carlinhos da Cruz? Não é o chefão do trafico procurado pela policia?
- Sim é.
- Como conhece...como conhece pessoas desse tipo Botswana?- Fausto a olhou intrigado.
- Eu cresci no bairro onde o Carlinhos morava fomos colegas de colégio, antes de ele entrar
no trafico...sempre foi muito gentil comigo, apesar das atividades dele.

Fausto ficou olhando Botswana em silencio. Era um silencio incomodo para ela, parecia
considerar que ligações ela tinha com criminosos.
- Vou ver meu neto!- ele disse saindo da sala.

Botswana ficou sentada no sofá, ainda um longo tempo, as palavras de Edivandro


corroendo o coração e olhar suspeito de Fausto lhe espetando as carnes.

Naquela noite ela não dormiu, rolava na cama inquieta. No outro dia acordou passando mal
e Matilde lhe fez chá de boldo para o fígado. Os meninos ficaram em casa. Mas, Botswana
não podia ficar trancada com os garotos o dia todo em casa por causa de um maluco.
Decidiu sair com as crianças para o treino de futebol no Flamengo. Atenta não viu carro
nenhum lhes seguindo. O treino foi tranqüilo e a tarde já caía devagar, aproveitando o
horário de verão esticou com os meninos até a praia onde tomaram água de coco e sorvete.
Quando voltaram para o carro havia um bilhete no pára-brisa. Botswana o pegou e leu, as
mãos tremiam de nervoso, mas, não deixou os meninos perceberem e retornou direto para
casa, atenta a qualquer carro e moto. Fausto brigaria muito com ela por que saíra sem o
segurança.

Depois que Fausto jantou e parecia tranqüilo lendo o jornal na sala, Botswana se aproximou
e entregou o bilhete. Só uma frase “Logo”.

- Saiu sem o segurança?- ele perguntou.


- Não achei...
- Pensa que isso é uma brincadeira, Botswana?- ele a cortou rispidamente.- Amanhã cedo
irei até a policia. No Grupo Anti-Seqüestro.- ele apertou as temporas com nervosismo.- Não
saía mais sem o segurança!

Botswana não disse mais nada, estava atordoada e preferiu ir para o seu quarto.

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Pela manhã Fausto foi até a Policia no Grupo Anti seqüestro. O delegado, um homem
jovem e bem apessoado viu os bilhetes e faz algumas recomendações. Queria tirar as
impressões digitais de todo mundo.
- Alguém novo entrou em sua casa? Novo empregado, na firma...?
- Somente a babá...mas, é pessoa de confiança.
- Não imagina quantas babas de confiança roubam os patrões e ajudam em
seqüestros...Quero conversar com ela pode ser?

Fausto ficou na duvida. Poderia ser qualquer pessoa. Por que Botswana?
- Teria que averiguar todos os empregados!- ele rebateu.
- Mas, foi ela quem viu a primeira tentativa e achou o segundo bilhete. Irei até sua casa se
me permitir.
A contragosto Fausto concordou que ele fosse conversar com Botswana. O delegado
chegou pontualmente às três horas da tarde.
- O senhor pode me acompanhar se quiser sr. Papadakis. Eu trouxe algumas fotos para ver
se sua empregada reconhece os homens que a abordaram.
Botswana, Fausto e dr. Paulo Lins e Silva entraram no escritório. O delegado deu a
Botswana os álbuns para que ela visse as fotos. Ela as olhava bem atenta e acabou
reconhecendo dois indivíduos.
- Estranho, não fazem parte de quadrilha de seqüestradores, são ladrãozinhos pequenos!-
Paulo falou, depois perguntou a Botswana como haviam acontecido os dois incidentes.

Botswana contou tudo, mas, ocultou a presença de Carlinhos da Cruz. Se falasse isso era o
fim de Edivandro e sua condicional.
- Cresceu em Marechal Hermes, Botswana?
- Passei lá minha adolescência.
- Tinha muitos amigos lá?
- Sim, eu era sociável.
- Seu marido, pelo que pesquisei está em condicional por assassinato, é verdade?
- Sim, o pai do meu filho foi preso por isso sim! Parece que foi uma briga de bar. Eu já não
vivia com ele quando isso aconteceu.
- Tem um nome diferente, possui duas nacionalidades...
- Brasileira e americana. Eu nasci nos Estados Unidos.
- Nunca pensou em retornar para lá?
- Não. Gosto do Brasil, sou feliz aqui com meu filho!
- Era secretaria do sr. Papadakis, assessora particular, o que a levou a aceitar um emprego.
Digamos bem abaixo de suas potencialidades?
- Sr. Papadakis precisava de ajuda com o menino, o Nikos...e eu poderia ter mais tempo
para ficar com meu filho Danilo. Pareceu-me uma boa proposta.
- Foi vantajosa financeiramente?
- Sim.
- Veio para cá na mesma época que seu marido saiu da condicional?
- Mais ou menos... e Edivandro é o pai do meu filho e não meu marido, por favor!
- Desculpe. Ele vê o menino sempre?
- Às vezes.

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- Esteve aqui?
- Umas duas vezes, ele sempre vai ver Danilo na casa da Dona Creuza, uma vizinha minha
em Madureira.
- Vocês tem muito contato?
- O necessário...está por um acaso suspeitando de mim doutor? Por quê?- ela se inclinou
para ele os olhos acinzentados brilhando de raiva.

Fausto já esperava essa reação, pois vira que os seus olhos mudavam de cor a cada
pergunta.

- Só estou lhe fazendo perguntas srta. Williamns, normais para solucionar o caso.
- Não, está especulando a minha vida pessoal e passada e tentando fazer uma conexão entre
o pai de Danilo, meu filho e essa historia. Que pensa, que me juntei ao Edivandro para
seqüestrar o Nikos e ganhar algum dinheiro? Ora faça-me o favor!- ela se levantou
indignada.- Eu sempre trabalhei e tive uma vida dura...nunca precisei de uma atitude vil
como esta. Eu não vou mais responder nenhuma pergunta sua.

Fausto deu um sorriso irônico, enquanto dr. Paulo o olhava atônito.


- Acho que vai querer ouvir os outros empregados, também, não é? – ele perguntou ao
homem.
- Claro que sim.

Boa parte da tarde o delegado colheu depoimentos e se foi sem muitas conclusões. Fausto
foi procurar Botswana no jardim. Ela estava aborrecida.

- Ele me interrogou como uma bandida...por quê? Porque eu sou pobre e negra?
- Está fazendo o trabalho dele e também quer se mostrar. Não vou esperar pelos resultados.
Amanhã à tarde vamos embarcar para Grécia. Ficaremos mais seguros.
- Grécia, novamente?
- Sim. Prepare tudo para nossa viagem.
- Sim.- Botswana o viu se afastar silencioso. Deus do céu que tempestade era aquela que se
avizinhava entre eles?

Viajaram no final da tarde e Botswana passou mal a viagem toda. Quando chegaram à casa
de Perséfone, estava tão pálida e fraca que quase na tinha forças para falar.

Fausto a levou até o quarto.

- Vou chamar um medico.- disse assim que a viu deitar-se.


- Não...é só um mal estar, acho que foi por causa da viagem. Vou melhorar. Não se
preocupe. Os meninos estão bem?
- Já se acomodaram e estão brincando no jardim... Descanse. - Fausto beijou-lhe a testa
com carinho e saiu do quarto.

Cansada Botswana dormiu. Já era noite quando acordou um tanto atordoada sem saber onde
estava. Levantou-se, a cabeça ainda estava zonza. Tomou outro banho e vestiu um conjunto
da saia e blusa amarelos. Prendeu o cabelo num rabo de cavalo e saiu.

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Sentou-se na saleta que ficava de frente ao mar e ficou respirando o cheiro gostoso que a
brisa trazia. Nossa, estava ruim mesmo! Mas, também, com tanta confusão tão de repente,
não tinha nervos de aço. Tinha uma vidinha simples numa casa modesta em Marechal
Hermes e de repente agora vivia um redemoinho de emoções e acontecimentos. Alias,
desde que conhecera Fausto, a vida dela podia ser tudo menos monótona!

Não percebeu quando Perséfone chegou.

- Sente-se melhor sta. Willimans?- ela falou com sua voz afetada.
Botswana voltou-se para ela um pouco assustada. Era uma mulher branca, de rosto clássico,
e modos finos. Vestia-se elegantemente e mantinha a cabeleira negra sempre bem penteada
e presa.
- Sim, obrigada Perséfone.- Botswana sorriu-lhe não muito animada.
- Sra. Papadakis.- ela rebateu imediatamente, aproximou-se de Botswana.- Eu sei que anda
dormindo com meu irmão. Mas, não pense que isso lhe dará passaporte para entrar na
família Papadakis...você não está à altura de um homem refinado e importante como meu
irmão. Nunca se esqueça o mundo é bem distribuído. Existem pessoas como nós e pessoas
como você...e não há necessidade de mistura.
Botswana levantou-se.
- Mistura? Que mistura?
- Gente pobre e gente negra deve ficar em seu lugar. O que pensa minha filha? Que irá
levar o sobrenome Papadakis e dar um pai milionário ao seu filho negrinho?- ela cruzou os
braços e a olhou ferinamente.
- Eu acho que o mundo não é tão dividido assim, senão...a filha de um leiteiro e irmã de um
estivador do porto hoje não seria mulher de sociedade. Bem, se é que alguém de seu mundo
tão dividido e de famílias tão tradicionais a consideram mulher de sociedade, devido a sua
origem paupérrima!- Botswana rebateu firmemente Perséfone.
- Você é uma negra atrevida! Fausto está ficando louco em deixar que Nikos cresça sob a
supervisão de uma mulher como você. Que alias não tem nenhum pudor. Não tem vergonha
de ir trabalhar numa casa como babá e se atirar na cama de seu patrão? Como uma
prostituta de rua? Bem me disseram que mulheres brasileiras são umas desfrutáveis,
principalmente as negras. Querendo deixar sua vidinha pobre, não é? - a encarou com ar
afetado e dureza no olhar.

A vontade de Botswana foi esbofetear a mulher na sua frente. Como ousava dizer isso dela.

- Não lhe devo satisfações de minha vida...isso é um problema meu e de Fausto.-


respondeu.
- Para Fausto você não passa de uma mulher de programa...

- Nunca mais fale assim comigo, sua velha louca e equivocada! O que você pensa que é
melhor do que eu por que tem dinheiro? Alias, dinheiro não...por que você vive à custa do
Fausto. Você, seu marido e seu filho...que nem dinheiro seu você tem!

Perséfone avançou para Botswana, mas, Fausto ficou entre as duas mulheres.

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- Perséfone saia daqui, você passou dos seus limites!
- Eu? Essa sua...sua...servente de cama me ofende e você diz que eu passei dos limites?- ela
o olhou com raiva..- Devia ter vergonha de ficar deitando com uma empregada negra. Ora
Fausto onde está sua compostura? Perdeu a vergonha e o senso, por causa da velhice?
- Isso não é de sua conta. Agora saia, já!- ele disse duramente.

Perséfone saiu furiosa, enquanto Botswana voltava a sentar-se, as pernas tremulas, a cabeça
zonza, chorando copiosamente. Fausto ajoelhou-se ao seu lado.

- Não, não fique assim minha menina!- disse abraçando-a.


- Estou tão tonta...vou voltar a deitar.
Fausto a ajudou a levantar e a levou novamente para o quarto. Estava furioso e retornou a
casa de Perséfone, mas, encontrou apenas Matheus, seu sobrinho. Ele devia ter uns
quarenta e cinco anos. Era alto e magro, apesar de ter um corpo bem malhado. Os olhos
azuis e cabelo loiro cortado bem baixinho.

- Onde está sua mãe!


- No quarto tio...ela aprontou com a Botswana?- ele perguntou.
- Vou ter uma conversa seria com sua mãe...

Matheus se levantou e dirigiu-se para Fausto a fim de conte-lo.


- Tio, não leve a serio as loucuras de mamãe...ela não sabe o que diz!

Fausto olhou para Matheus. Ele era uma parasita, não fazia nada, não servia nem para ser
boy em uma de suas empresas. Era como o pai, Aquiles, um idiota que vivia de sonhos e
nunca conseguia fazer nada que prestasse. Fausto devia era acabar com aquela palhaçada
toda e mandar todo mundo as favas, que fossem cuidar de suas vidas. Ele se matava de
trabalhar para sustentar aquele bando de sanguessugas.

- Oh, Fausto perdoe as loucuras de Perséfone!- Aquiles apareceu com seu ar pedinte.- Não
ligue para ela, anda ficando rabugenta com a idade!

Fausto olhou os dois homens com nojo. Pela manhã iria para o chalé e ficaria longe daquela
gente com sua mulher e seus filhos.

O chalé era aconchegante e ficava rodeado de um bosque. Os meninos logo saíram para
brincar, Fausto e Botswana se ocuparam em arrumar as malas. Naquela manhã Botswana
tinha amanhecido bem, após tomar um banho foi cuidar do almoço.

Durante a tarde após almoço Fausto, Nikos e Danilo foram brincar de futebol. Botswana
ficou admirando os três. A vida parecia perfeita, mas, aquela ameaça de seqüestro a deixava
preocupada. Deu um suspiro cansado. Resolveu deitar-se, estava novamente se sentindo
mal.

Acordou com Danilo e Nikos lhe chamando.


- Vem jantar, Botswana!- Nikos beijou-lhe o rosto.

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- É mãe, vamos jantar. Quem fez a comida fomos nós e o tio Fausto.- ele a abraçou.
- Ah, que lindo meus homenzinhos cuidando de mim!- abraçou-os e os beijou.

Na pequena sala de jantar a mesa já estava posta; Fausto terminava de colocar o ultimo
prato.

- Madame Williamns queira por favor sentar-se.- ele puxou a cadeira.


- Esperem me deixe pelo menos arrumar o cabelo!- ela replicou e voltou para o quarto.
- O que tem o cabelo com o jantar?- perguntou Nikos a Danilo.
- É coisa de mulher, elas vivem preocupadas com os cabelos... - o menino deu de ombros.
Fausto riu da observação das crianças. Nikos estava tão diferente, seu rosto estava rosado e
saudável. A professora perguntara a Fausto o que estava acontecendo, por que ele
melhorara as notas e o comportamento com os professores e os colegas.
Botswana fazia bem ao seu neto. Era dedicada, atenciosa. E Fausto sabia que Nikos a
amava como a uma mãe. E lá no fundo sabia que Botswana sentia o mesmo pelo seu neto.
Por sorte Nikos e Danilo se davam bem como dois bons amigos. Fausto gostava de Danilo,
era um menino esperto, inteligente, hábil, carinhoso e muito educado. Parecia-se muito com
a mãe. Fausto o amava como um filho, com tanto carinho, como tinha por Nikos.

- Puxa finalmente!- Nikos respondeu vendo Botswana entrar na sala.- Eu estou com fome.
A salada fui eu e Danilo que fizemos!
- Deve estar deliciosa.- ela sentou-se na cadeira que Fausto lhe oferecia.
- Eu vou fazer a oração. Danilo fez no almoço!- Nikos se ofereceu.
- Então senhor Nikos faça a oração!- Fausto ordenou. Ele nunca fora religioso. Mas,
Botswana trouxera o habito das orações durante as refeições e a noite antes de os meninos
deitarem. Às vezes ele ouvia quando ela contava historias bíblicas para os meninos, que
ficavam horas fazendo perguntas. Até ele já estava começando a aprender alguma coisa!

O jantar foi tranqüilo, os meninos estavam alegres e tudo parecia perfeito.


- Vô, o senhor tá namorando a Botswana?- Nikos perguntou a certa altura do jantar.

Fausto e Botswana se entreolharam.

- Não, eu e Botswana somos bons amigos!- ele respondeu tranquilamente.


- E por que vocês dormem no mesmo quarto?
- Nikos!- Botswana se assustou.- Que conversa!
- Ué! Eu vi vocês dois dormindo, assim bem abraçadinhos. Bonito! -ele respondeu
inocentemente.
- Entrou no quarto do vovô sem bater? Sabe que não é para fazer isso. Vovô não gosta!-
Fausto o repreendeu.
- Foi no dia que choveu, fiquei com medo e fui procurar Botswana no quarto. Ela não tava
lá, aí eu pensei que ela estivesse com você. Eu ia entrar mas, o Danilo não deixou.
- Não deve entrar no quarto de ninguém sem bater. Não repita isso!- Fausto foi firme com o
menino.
- Desculpa, vô!- ele falou num fio de voz.- Mas, gente amiga dorme na mesma cama?-
perguntou logo depois.
- Você e Danilo não brincam muito por que são bons amigos?

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Ele assentiu que sim.
- Eu e Botswana brincamos brincadeiras de pessoas adultas, por que somos muito bons
amigos e nos damos bem.
- Pensei que essa brincadeira só fizesse quem fosse casado.- Danilo rebateu
- Bons amigos também, mas, só adultos. Homens e mulheres. Vocês ainda não têm idade
para brincadeira de gente grande- Fausto respondeu
- Ah... ele fez um ar de espanto.
Botswana ficou em silencio. As palavras de Fausto aos meninos, as palavras de Edivandro e
Perséfone se misturavam em sua mente num turbilhão, fazendo ficar zonza.

- Desculpe estou me sentindo mal novamente.- ela saiu da mesa e foi direto para o quarto
onde vomitou todo o jantar.

Alguns minutos depois Fausto foi vê-la. Preocupado com seu estado de saúde.

- Está melhor? Está tão pálida. - ele lhe acariciou o rosto e posou a mão em seu quadril.
- Vou melhorar estão sendo dias difíceis.- ela respondeu.
- Está certo. - Fausto se retirou do quarto.

Botswana continuou acordada a mente num turbilhão. Viu quando Fausto se deitou, já era
quase meia – noite. A noite estava fresca e convidativa. Fausto dormia profundamente,
roncando levemente. Botswana levantou-se, colocou o robe e desceu. Foi para a varanda e
sentou-se numa cadeira larga que existia no local. Pensava no seu envolvimento com
Fausto, nas palavras de Edivandro, de Perséfone, do olhar um tanto apreensivo de Dona
Creuza quando contou-lhe a sua ida para casa do patrão, lhe recomendara tantos cuidados.
Lembrou-se da mãe e seu pai americano...sua mãe morrera de amor, ela sabia. E ele nunca
lhe dera atenção. Fora apenas uma aventura. E o que ela estava fazendo agora, repetindo o
mesmo erro da mãe? Vivendo um romance com um magnata grego...se deixara levar pelas
emoções e sentimentos, não se tornara a mucama do senhor dos escravos? Não era sempre a
mesma historia? Ele não assumia o romance com ela, saia do quarto antes do dia
amanhecer, e quando ela dormia no quarto dele era mesma coisa. Bess a olhava com
desprezo e os empregados faziam comentários maldosos.

Depois que tudo acabasse, ela pediria demissão. Sim, estava decidida, onde afinal estava
com a cabeça Botswana quando se deixou levar por essa loucura?

Esse era o pensamento que passava na mente de Botswana quando ela sentiu uma dor
aguda na nuca, ficou atordoada e sentiu um liquido quente e viscoso descer pelo seu
pescoço, colocou a mão e quando a olhou era sangue. Depois a vista escureceu
completamente.

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CAPITULO VII

Quando Botswana acordou ainda estava meio zonza, instintivamente pos a mão no
machucado e viu que havia um curativo no local. Demorou a compreender o que estava
acontecendo, até que observou o local atentamente. Era um quarto com paredes a prova de
som. Havia uma musica clássica tocando ao fundo e a luz estava acesa. O quarto havia sido
preparado, tinha um sanitário e um chuveiro. Ergeu-se devagar, então, só então o pavor
começou a tomar conta dela. Deus do céu, ela tinha sido seqüestrada!

Não sabia que horas eram e o tempo parecia interminável. Até que a porta se abriu, um
homem baixo e magro, usando uma mascara veio lhe trazer comida e água. Perguntou em
grego se ela se sentia bem? Botswana não compreendeu, sabia pouca coisa em grego,
apenas o trivial que Fausto lhe ensinara e Nikos. Vendo que não a compreendia ele
perguntou em inglês.

- Sinto dor de cabeça. - ela respondeu. - Onde estou? Quem são vocês?- perguntou
assustada.
- Não precisa se preocupar, se o Papadakis fizer tudo direitinho você vai sair logo daqui e
rever seu filhinho.

Pensou em Danilo e Nikos, seu coração apertou de tal maneira que logo começou a chorar.
O homem saiu sem dizer nada. Não conseguiu comer nada do que lhe trouxeram e vomitou
mais ainda. Sentia-se prostrada e fraca. Deus do céu me ajude!

Fausto já estava na casa de Perséfone, os meninos estavam assustados e Danilo perguntava


a todo instante pela mãe.

- Danilo, meu filho.- Fausto disse o mais calmo o possível.- Algumas pessoas pegaram sua
mãe. Mas, eu prometo para você que eu vou trazê-la de volta logo. Agora seja um menino
corajoso e se acalme. Confia em seu tio Fausto?

Os olhos azulados de Danilo marejaram de lagrimas, abraçou Fausto sem dizer uma
palavra, seu corpinho tremia. Fausto o beijou na testa. Depois chamou Nikos para perto de
si e o abraçou também, por que o menino chorava muito.

- Vou fazer um chá calmante para os meninos para que durmam. - Perséfone disse
entristecida com a situação das crianças. Levou os meninos para a cozinha, onde ela mesma
preparou o chá.

O delegado Demóstenes já estava na sala com os investigadores e uma parafernália.


Haviam levado Botswana dois dias e não tinham feito contato. Os nervos de Fausto estava
para explodir, a cabeça doía terrivelmente e ele não dormira uma só noite. Finalmente o
celular tocou.

- Acho que esperava meu telefonema, não é Papadakis?- a voz disse do outro lado.

62
- Como ela está? Como ela está?- Fausto perguntou com ansiedade.
- Sua babá brasileira? Bem...não está ferida, nem sendo maltratada. E não será...eu vou
entregar ela inteirinha para seu deleite se você fizer tudo o que eu mandar!
- O que quer? Diga logo!
- Um milhão de dólares! Em notas de cem, limpinhos...talvez de sua conta nas Ilhas
Cayman.
- É uma quantia considerável eu não posso levantar um dinheiro assim de um dia para
outro, preciso de tempo!
- Mentira! Tem dinheiro a vontade...não brinque comigo, ou nunca mais gozará naquele
corpinho moreno, entendeu? Vou ser complacente, tem quarenta e oito horas...se não, vai
encontrar sua amante caliente no necrotério. Ligarei daqui a dois dias e lhe darei as
instruções de como levar o dinheiro e diga seu amigo o Demóstenes que não se meta nisso,
ou ela morre!
- Alô, alô!- Fausto berrou ao celular. - Desligou.- sentou-se desanimado no sofá.
- Ele te conhece bem Fausto...sabe que sou seu amigo e estou aqui. E sabe muito bem do
seu envolvimento com a Botswana. Você tornou esse romance publico?
- Não. Não achava que fosse necessário e nem que estava na hora!
- Seja quem for conhece vocês muito bem...- Demóstenes ficou pensativo.Você tem seu
apartamento em Atenas, não é?
- Sim, vamos transferir a base para lá. Fausto, lamento, mas suspeito que alguém muito
próximo de você esteja envolvido nisso.

Fausto foi ao banco onde tinha sua conta pessoal e fez a retirada necessária. Um milhão de
dólares em notas de cem. Os dias foram angustiosos, para ele e os meninos.

Botswana quase não comia, naquele dia conseguiu comer apenas uma sopa aguada. Outra
pessoa veio vê-la e Botswana teve a impressão de conhecer aquela voz, mas, procurou não
demonstrar nada, seria seu fim. Normalmente quando eles vinham vê-la, trazer-lhe comida
ou roupas, ela abaixava a cabeça.

- Mudou para o apartamento de Atenas? Não confia em sua irmã não é? Eu também não
confiaria nela....- deu uma gargalhada cínica.

- Como quer a entrega do dinheiro? - Fausto perguntou mantendo a calma e a frieza.

- Para um homem na sua idade você tem dado conta do recado. E como hein...não fica com
as pernas bambas depois de trepar com ela em pé? - a voz perguntou do outro lado, uma
voz mecânica e abafada.

- Canalha, como sabe dessas coisas? - Fausto se exaltou.

- Não imagina o que dinheiro pode fazer aos funcionários de um flat. Coloquei uma câmera
no seu flat Fausto...acho que vou ganhar dinheiro vendendo fitas de pornô caseiro, o que
acha? E que boca tem sua mulatinha...
- Canalha! Canalha!- Fausto se descontrolou.- Eu te mato, te mato!
- Como fez com Andréas?

63
Fausto calou-se. Quem era essa pessoa que sabia tanto sobre sua vida?

- Nosso dinheiro já está todo em mãos?


- Sim. Como você quer a entrega?
- Conhece a estação antiga? A desativada?
- Sim.
- Meia Noite leve o dinheiro e deixe sobre a plataforma de embarque dez. sem policia!
- E ela...e Botswana?
- Entrego a encomenda no mesmo dia.

Meia – noite Fausto estava no carro. O local havia virado ponto de prostituição, por isso foi
fácil para os policiais se disfarçarem. Demóstenes, já havia dito a Fausto que eram
amadores.

Fausto levou a maleta e ficou aguardando na plataforma. Um homem magro, branco veio
em sua direção. Estava só. Pegou a maleta.

- Vá ao hotel Eros, quarto três...sua mulatinha está esperando.- ele riu e entregou a chave e
saiu.

Fausto voltou ao carro. Uma policial disfarçada já seguia o homem. Avisados por
Demóstenes os policiais da região invadiram o hotel Eros. No quarto, só havia uma
cadelinha vira-latas.

Uma hora depois a policial fez contato. Demóstenes e seus homens rumaram para o local
onde ela havia indicado. Fausto foi junto. A casa era simples, num bairro classe media.
Quando a policia entrou o homem contava o dinheiro com um comparsa. Assustados
tentaram atirar, mas, o outro homem com feições gregas morreu na hora.

A policia começou a vasculhar a casa. Até encontrar uma parede falsa e achar o quarto
onde estava Botswana. Assustada com o barulho, da tentativa de arrombar a porta, ela
estava encolhida num canto do quarto. Fausto entrou no quarto e correu para ela,
abraçando-a como uma criança.

- Está tudo bem, tudo bem, minha menina...tudo bem...

Botswana chorava como uma criança abraçada a Fausto.

Depois de medicada Botswana voltou com Fausto para o apartamento de Atenas. Nikos e
Danilo não paravam de beijar-lhe e abraçar-lhe.

- Calma, vão ter muito tempo para isso, agora deixe Botswana dormir um pouco, já é tarde
e vocês também precisam dormir. Alias todos nós. - Fausto disse contendo os meninos.

64
Botswana o olhou mais atentamente naquele momento, ele parecia ter envelhecido dez
anos, a barba estava desalinhada, os cabelos assanhados, olheiras pronunciadas como se
não tivesse dormido. Os meninos obedeceram e foram para o quarto. Um policial ficara
para dar segurança naquela noite.

Fausto foi tomar um banho, debaixo da ducha de água quente parecia descarregar um peso
imenso. Enxugou-se e olhou-se no espelho, estava um caco. Só ficara assim quando
Christina morrera e em todo tempo ele tivera aquele pavor, achar Botswana morta, como
encontrara sua filha.

Quando saiu do banheiro metido num roupão azul, Botswana ainda estava acordada.

- Acordada? Durma meu bem, nada de mal vai lhe acontecer agora. Tem um policial na
casa.- ele sentou-se ao seu lado na cama.
- Tive tanto medo, tanto medo...- Botswana falou abraçando-o.
- Eu também minha menina, eu também!- beijou a face e por fim lhe deu um beijo
carinhoso nos lábios.- pulou por cima dela e deitou-se.- Venha cá minha boa menina, venha
e eu vou te ninar, fazer você dormir em meus braços.

Só então aninhada aos braços de Fausto, Botswana dormiu e ele cansado, mas, em paz por
tê-la de volta dormiu, também.

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CAPITULO VIII

Demóstenes bebeu um pouco de café, olhou Fausto sentado a sua frente acendeu um
cigarro e tragou profundamente.

- Fausto os homens que nós pegamos são peixe pequeno... e, não são uma quadrilha, isso é
o que me preocupa. Por que me parece um caso de vingança pessoal. Alguém muito
próximo a você quer ser vingar por algum motivo.
- Foi o que me pareceu... Mas, quem? Mesmo nos negócios eu não poderia dizer que tenho
inimigos a esse ponto.
- Seja quem for... não é um estranho em sua casa. É pessoa muito próxima. Quase ninguém
além deles sabiam do seu romance com Botswana. Ou você divulgou isso a alguém?
- Não... eu não queria. Era muito cedo! Sophia tinha morrido há pouco tempo, seria
desrespeitoso com a memória dela. E além do mais eu queria ter mais certeza que era isso
mesmo, tanto da parte dela como da minha. Não tinha presa em tornar publico. Isso não
fazia diferença entre nós.
- Quem sabia?
- Bem...os empregados, é claro! Minha família em Atenas, ou seja, Perséfone. Os outros
irmãos eu não contei. Um casal de amigos muito discretos no Rio de Janeiro. Somente.
- Ela contou para alguém? Alguma amiga... o ex-marido?
- Acho que ele desconfia, mas, não tem certeza. E, Botswana é muito discreta não
comentou nada com nenhuma pessoa.
- Vai voltar ao Brasil?
- Sim, estarei embarcando amanhã pela manhã. Estou reforçando a segurança. Minha
advogada está tratando disso.
- Fausto seja quem for, está dentro de sua casa e lá no Brasil. Colocar uma câmera num flat
para poder espionar a intimidade de vocês, foi uma ousadia. Vou continuar investigando
por aqui, mas, seria melhor contratar um detetive que pudesse investigar a situação no
Brasil.
- Certo. - Fausto levantou-se para sair. Demóstenes o levou até a porta da sala.
- Sei que gosta dela...mas, mesmo ela tendo sido seqüestrada, também é suspeita de estar
envolvida nessa trama...infelizmente.

Fausto encarou Demóstenes, eles sempre foram amigos e o homem de cabelos grisalhos e
bigode a sua frente sempre lhe fora muito franco.

- Você é um homem de muito, muito dinheiro... a cobiça por vezes é grande demais, pode
corromper até as melhores almas.- ele bateu de leve em seu ombro.

Fausto saiu da delegacia em silencio. Dirigiu pelo transito confuso de Atenas com a mente
fervilhando. Quem? Será que Botswana seria capaz? Será, Deus do céu? Estaria ela
envolvida com aquele homem... o pai de Danilo?

66
Durante a viagem de volta ao Brasil Fausto permaneceu calado, considerando varias
hipóteses. Botswana notou seu estado de animo.
- O que foi, parece preocupado...
- Sim. Gostaria de saber quem está por trás de toda essa situação. – ele a olhou seriamente.
- Eu tenho uma suspeita...
Fausto se inclinou para ela.
- Quem?

Botswana contou sobre a sopa que lhe haviam trazido e que reconhecera o tempero e que a
reconhecera a voz da mulher que visitara.

- Eu sabia que não ia sair viva dali, Fausto. Fosse qual fosse o resultado... eu ia morrer.
Fausto ficou em silencio, a cabeça baixa, depois se reclinou na cadeira. Deus do céu, que
situação terrível, era aquela. E, que decisão ele tomaria?
- Fausto, eles pegaram meu sangue. Por quê? Fizeram alguma ameaça com ele?- Botswana
perguntou a Fausto depois de um tempo de silencio.

Recostado na poltrona, os olhos semicerrados, ele perguntou.

- Mandaram um bilhete para me asssustar.


- Que horror?- ela o olhou assustada.
- Tem certeza sobre a voz que reconheceu? Por que não falou para Demóstenes?
- Na hora estava atordoada ainda... só lembrei melhor no outro dia pela manhã.

Fausto a encarou seriamente, pensava no que Demóstenes lhe tinha dito. Afinal, ela era
praticamente uma desconhecida para ele. Todos os outros empregados viviam com ele há
anos e nunca tinha acontecido tal coisa.

Botswana ficou calada por alguns minutos. Olhava Fausto, também, com muita seriedade.
Ela podia ler seus pensamentos naquele instante. Deu um sorriso irônico e maneou a
cabeça.

-O que foi? - ele perguntou


- Nada, só pensando em algo que alguém me disse.
- Algo engraçado?
- A verdade às vezes é muito difícil de encarar. Mas, precisa ser encarada bem de frente,
sem medo!
- Que verdade? Qual verdade?
- Você pensa que foi coisa minha e do Edivandro não é? É Mais fácil pensar assim, eu sou
uma negrinha pobre, ex- mulher de um ex - presidiário, como disse Perséfone, uma mulher
sem moral que foi logo arrumando um jeito de deitar na cama do patrão, querendo arrumar
um futuro para o filho negrinho.
- Não estou pensando nada disso!- ele rebateu.
- Mentira!- Botswana bateu com força no braço da poltrona. - os olhos estavam cinzas de
raiva.- Mentira!
Fausto assustou-se com a reação dela, ficou olhando-a por um tempo silencioso.

67
- Não quero seu dinheiro... isso é uma maldição, só atrai cobiça, traição...seja lá quem
queira seu dinheiro...que se dane! Quando chegar ao Rio de Janeiro eu vou voltar a viver a
minha vida. Eu sempre trabalhei honestamente, dei duro na vida para criar meu filho, eu
nunca precisei de desonestidade na vida. Ponha a policia do Rio e de Atenas para vasculhar
minha vida, meus telefonemas, minha conta bancária... pode virar minha vida pelo avesso,
você vai ver que eu nunca, nunca fiz nada de reprovável com quer que seja.
- Está nervosa Botswana...quando chegarmos você vai dormir, se acalmar e então, vamos
conversar com tranqüilidade.
- Nós não temos mais nada para conversar.

68
CAPITULO IX

Apesar de amar Nikos como um filho Botswana cumpriu a palavra que dera a Fausto.
Pegou todas as suas coisas e foi embora. Conseguiu um apartamento pequeno na mesma
rua em que morava antes.

Na mansão deixou os presentes que recebera de Fausto, jóias, vestidos e o carro novo.
Passou o final de semana arrumando o pequeno apartamento, que ainda tinha poucas coisas,
pois precisava mobilhar.

Saía todo dia à procura de emprego, mas, não vinha dando muita sorte. Alternava semanas
passando mal com muita dor de cabeça e enjôos e semanas que ficava bem. Maura e Dona
Creuza insistiam que fosse ao médico, mas, ela dizia ser tudo por causa dos acontecimentos
dos últimos meses. Estava bastante abatida, muito magra. Danilo, também não parecia
muito bem, vivia cabisbaixo e as notas tinham despencado na escola.

Num domingo Matilde apareceu para visitá-la. Trouxe-lhe o bolo de nozes que Botswana
adorava e Danilo, também.
- Não acredito que vai comer só esse pedaçinho? - ela brincou com Botswana.
- Hoje estou atacada do fígado novamente... e o Nikos?
- Está muito triste. Ficou doente na primeira semana. E agora tortura todas as babas,
ninguém fica na casa, ninguém. Está se alimentando mal, não quer minha comida e nem da
Bess. Está muito difícil lá em casa.

Botswana abaixou a cabeça, uma lágrima teimosa, escorreu pela face. Olhou Matilde e
franziu o cenho.
- Ele está péssimo, mil vezes mal humorado do que antes. Enterrou-se no trabalho de tal
forma que não aparece mais em casa. Passou mal no final de semana passado com uma
arritmia cardíaca que eu pensei que ele fosse morrer, foi uma correria na casa. Mas, o
médico disse que era o stress, que o coração estava bom, mas, que ele precisava diminuir o
ritmo. Mesmo que nada. Não toma o remédio e continua trabalhando como um doido. Pior
que passou a beber mais. Eu nunca encontrei o sr. Papadakis bêbado no estúdio como nessa
sexta com a garrafa de Scott vazia.

Botswana ficou em silencio. Depois começou a chorar.


- Ah, minha filha... porque vocês não conversam e acabam com isso, está todo mundo
sofrendo...sofrendo muito!

Botswana não respondeu apenas chorou abraçada a amiga Matilde.

69
Botswana conseguiu emprego num escritório no centro da cidade. A dona era uma
advogada sisuda. Mas, de gente sisuda Botswana já estava escolada. Mesmo doente ela ia
trabalhar. Chegava em casa bem mais tarde do que o habitual e Danilo ficava muito com
dona Creuza. Ele estava ficando agressivo com ela agora. Respondia-lhe por qualquer coisa
e nunca mais quisera voltar aos treinos no Botafogo. Mesmo nos finais de semana arrumava
uma maneira de ir para casa de dona Creuza, não queria ficar com ela. Já fazia dois meses
que aquela confusão estava instalada na vida dela. Pelo menos Edivandro sumira.
Assistia um filme qualquer na televisão quando o telefone tocou. Atendeu e do outro lado a
voz aflita de Matilde.
- Botswana?
-Sim, o que foi Matilde parece nervosa.
- É o Nikos... ele está internado.
-Por quê?
- Há duas semanas que ele não come e está com um febrão... o medico internou, mas, ele
não melhora.- começou a chorar.- Botswana acho que ele vai morrer!
- Matilde não diz isso... Matilde onde ele está internado?

A mulher deu o endereço. Botswana se arrumou e passou na casa de dona Creuza, onde
Danilo estava. Avisou que ia sair, mas, que não tinha hora de voltar. Para dona Creuza
contou a verdade.
- Faça orações por ele.
- Farei minha filha, farei... me ligue sim?

Botswana chegou ao Barra D´or em tempo recorde. Dirigiu-se a pediatria e encontrou


Matilde no corredor rezando.
- Matilde?
- Ele foi para a UTI. - ela disse.

Sentando numa poltrona à porta da UTI, Fausto estava imóvel, a cabeça recostada na
parede atrás de si. Ao seu lado Bess e a artista plástica das fotos. Botswana caminhou
devagar e se aproximou. Ficou em silencio, não sabia o que dizer.
- Meu Nikos está morrendo de amor... ele não suporta viver sem você.- Fausto disse
olhando para ela.
O médico estava saindo da UTI naquele momento e viu Botswana.
- Fausto tem razão Botswana, a doença do Nikos é emocional. Ele está monitorado e
recebendo alimentação via parenteral. Por que não entra e não fala com ele? - Dr. Herman
pediu.

Botswana entrou naquela UTI fria. Havia algumas camas e Nikos estava no canto esquerdo.
Aproximou-se devagar. Fez um carinho em seus cabelos. Ele abriu os olhos. Os lábios
vermelhos como moranguinhos estavam pálidos.
- Meu greguinho, o que está acontecendo?- ela perguntou num sussurro.
- To doente. - ele respondeu num fio de voz. - Você fica aqui comigo e me conta uma
história?
Botswana segurou o choro e afirmou que sim. Contou-lhe uma história e ficou de mãos
dadas com ele, até que a enfermeira pediu que ela saísse.
- Volta amanhã?

70
- Para nós ficarmos juntos você tem que me prometer ficar forte e sair da UTI, então eu fico
com você no quarto. Promete meu homemzinho?
-Prometo!
Ela beijou-lhe a testa e saiu com as lágrimas banhando a face. Ao vê-la chorando Fausto se
apavorou, agarrou-a pelos ombros e a sacudiu transtornado.
- O que foi? O que foi?
-Nada... Nada... - era só o que Botswana podia respondeu.
Vanessa se aproximou dele junto com Bess e o segurou.
- Calma Fausto... Calma...
- Eu vou vê-lo como está. Se acalme, por favor!- o medico o segurou pelos ombros.
Fausto voltou a sentar-se com Vanessa ao seu lado. Ela enlaçara a cintura e acariciava seu
peito.
- Cuidado com esse coração. - disse com carinho.
O medico voltou alguns minutos depois.
- Está bem. Está dormindo e a febre abaixou um pouquinho. Obrigado Botswana. - ele
sorriu para ela, ainda em tempo de perceber sua palidez e segura-la para não cair da cadeira.
Imediatamente o médico tratou de socorrer Botswana na sala de emergência clinica. Fausto
acompanhou Herman. A medica que atendeu pediu que ele aguardasse que logo lhe daria
noticias. Meia hora depois Herman saiu.
- A pressão está alterada 20/10, a médica lhe deu uma medicação e está conversando com
ela. Ela está neste estado há muito tempo? Ela disse para Natalie que vem tendo problemas
estomacais já há quase dois meses.
- Nós tivemos muitos problemas... Você sabe o seqüestro... desde esse tempo ela está
doente, mas não procurou um médico.
- Agora é aguardar a pressão normalizar. Ela vai ficar umas horinhas aqui, você quer que
quando ela receber alta eu a mande de táxi para casa?
- Não, eu vou aguardar.
- Então espere na outra sala.

Fausto foi para a sala de espera, Vanessa e Bess já estavam lá. Num canto Matilde rezava
fervorosamente.
- E aí?- Vanessa quis saber.
- A pressão está alta... tem que esperar estabilizar.
- Deve ter sido uma emoção forte para ela. Ela gosta muito do Nikos.
- Sim... - Fausto disse sentando-se e suspirando profundamente.

Na emergência Botswana estava lúcida e Natalie veio conversar com ela. Era uma jovem
negra bonita e educada.
- Há quanto tempo você está com esses problemas de enjôos e tonturas?
- Uns dois meses. - ela respondeu.
- Sua menstruação está vindo regularmente?
- Não... mês passado veio apenas um pouco e logo suspendeu, mas, eu passei por uma
experiência muito traumática.
- De que tipo?
- Um seqüestro.
- Oh, meu Deus! Que terrível.- ela fez um ar de espanto.
- Achei que a situação tenha comprometido meu ciclo.

71
- E esse mês?
- Não veio ainda, alias está bem atrasado... mas, minha vida está uma confusão, problemas
com meu filho, relacionamento amoroso, eu acho que já perdi uns dez quilos nesse tempo.
E além do mais eu tive endometriose, pensei que pudesse ser por causa disso novamente.
- Continua enjoando? Todos os dias, dias alternados?
- Dias alternados... eu achei que a menstruação viria por esses dias, por que meus seios
estão bem inchados e doloridos.
-Botswana, não pensou nem por um minuto que você pode estar grávida?
- O que?- ela se assustou.
- Usava preservativo com seu companheiro?- ela sorriu
- Sempre...
- E anticoncepcional?
- Eu estava há muito tempo sem um companheiro... então não usava nada. Quando a gente
se conheceu, eu fui a medica e fiz uma aplicação.
- Passaram a fazer sexo sem preservativo?
- Não. Ele é bastante cuidadoso... mas, eu acho que teve uma vez. Sim, uma vez só!
- Bem... vamos tirar a dúvida? Vou colher seu sangue e mandar para o exame... antes de
você sair de alta a gente volta a conversar. Você é hipertensa não é?
- Sou. Minha primeira gravidez foi de risco, eu quase pedi o bebe e no parto tive um pré
eclampsia.
- Eu vou recolher o material e de dar um calmante levinho, para relaxar e você dormir um
pouco. Está bem?

Botswana acentiu que sim e Natalie fez os procedimentos necessários. Três horas depois
Herman voltou à sala de emergência.

- E ela?- perguntou a jovem.


- Já estabilizou, só está sonolenta por causa do calmante que lhe apliquei, mas, ela pode ir
para casa, descansar bastante. - sorriu. - Mas, precisa se cuidar muito... está grávida e é
hipertensa, gravidez de risco...e a idade 35 anos não ajuda muito.
- Tem certeza que ela está grávida?
Ela estendeu o exame para o velho medico a sua frente. Ele leu e deu um suspiro. Saiu da
sala de emergência e foi falar com Fausto.
- Ela está bem, pode ir para casa. Só está sonolenta por causa do calmante. E o Nikos está
bem, a febre está baixa, se continuar evoluindo assim amanhã ele deve sair do UTI para o
quarto. Vá para casa e descanse, também.
- Vou levá-la para casa. - Fausto respondeu, olhou Herman novamente. - Você está
querendo me dizer alguma coisa? Está me olhando estranho.
- Nada... tudo está bem, parece que a tempestade passou.- sorriu.

A enfermeira ajudara Botswana a se calçar e Natalie lhe dera o noticia da gravidez.


- Se você quiser confirmar com um medico de sua confiança... mas, é bom procurar um
obstetra para começar a seu pré - natal.
- Eu vou procurar... - ela respondeu desanimada. Era a ultima coisa que podia ter
acontecido com ela. O que ela ia fazer Deus do Céu?

72
Quando chegou à sala de espera encontrou apenas Fausto. Vanessa, Bess e Matilde tinham
ido embora com o chofer.
- Vou levá-la em casa. Veio no seu carro?- ele perguntou de forma impessoal.
Ela acentiu que sim.
- Está no estacionamento.
- Me de a bolsa.
Botswana obedeceu automaticamente, apoiou-se em seu braço e saiu com ele calada.
Entraram no carro e foram rumo à casa de Botswana. Ela ia sonolenta no carro, e Fausto
tinha uma decisão em mente.
Passou na casa de dona Creuza, pois Botswana avisara que Danilo estava lá, pegou o garoto
e pediu ajuda a velha senhora. A mulher o acompanhou.
- Faça as malas deles, por favor, dona Creuza. Amanhã eu mando meus empregados
buscarem as outras coisas.
- Sim, senhor Papadakis.
- Nós vamos voltar a morar na sua casa?- Danilo quis saber. - Junto com o Nikos, como
antes?
- Sim. - ele sorriu. Vá pegar suas coisas.

Já eram nove da noite quando Fausto chegou com Danilo e Botswana em casa.
- O que eu estou fazendo aqui?
- Está em casa. Bess ajude-a a ir para o quarto e o Danilo também!- ele ordenou a
governanta que veio recebê-lo.

Bess ficou furiosa, mas fez o que ele ordenara. Vanessa ficou olhando Fausto em silencio e
depois disse com um sorriso.
- Você a ama mesmo, não é?
Ele a olhou serio.
- Não tem nada haver... você viu o que ela fez ao meu neto? Meu neto a ama como uma
mãe, não posso tirá-lo dela. Ele ia morrer e foi só ela chegar perto ele reagiu e vai ficar
bom.

A bela mulher sorriu.


- E você também, não imagina como a expressão do seu rosto mudou, o brilho do seu olhar.
- Ora, estou feliz por que meu neto vai ficar bem!
- Certo... Certo!- ela maneou a cabeça. - Bem vou para casa, se precisar é só me chamar.
- Obrigado Vanessa. Tem sido uma amiga maravilhosa!- ele a abraçou. - o chofer vai levar
você.

Vanessa beijou-lhe os lábios levemente com carinho. E acariciou seu rosto. Fausto a
acompanhou até a saída e depois de vê-la partir, subiu até o seu quarto. Lá depois de um
banho, colocou um roupão e foi ver Botswana. Ela dormia profundamente. Acariciou seus
cabelos desalinhados no travesseiro e o contorno do seu rosto. Ela mexeu-se levemente.

- Boa menina, que bom que você está de volta ao inverno desse velho cabeça dura!

73
No outro dia Botswana acordou tarde, deviam ser quase meio - dia, pelo que observou do
sol. Tomou um banho e vestiu-se com um conjunto de saia e blusa de linha cor de rosa.
Desceu e ligou para a patroa. Explicou a situação e recebeu de volta a resposta que “não
tenho nada haver com seus problemas pessoais, está demitida”! Botswana sorriu e maneou
a cabeça, depois ela achava Fausto um tirano...

Foi até a cozinha e encontrou Matilde.

- Onde está Danilo?


- Foi para escola, o chofer vai buscá-lo, está quase na hora, não é? Fiz a comida que ele
gosta. - ela lhe sorriu.- Assustou todo mundo ontem, ainda está doente?
- Sim. - Botswana respondeu sem muita convicção e foi até a geladeira onde pegou uma
pêra.
- De volta, não é?- Bess a olhou irônica.
- Não estou interessada em ironias, por que não cuida de sua vida?- ela olhou a mulher com
dureza e os olhos acinzentados.
- A cena de ontem foi comovedora... coitado do sr. Papadakis, caiu mesmo na mão de uma
golpista!
- Golpista? Tem certeza que está falando de mim?- ela a olhou duramente e se retirou da
cozinha deixando Bess um tanto assustada.
No escritório ligou para Dr. Herman, que era o médico da família, queria uma indicação de
um obstetra. Quando engravidara do Danilo, tinha feito todo pré-natal no posto de saúde do
bairro. Herman atendeu o seu pedido e indicou uma amiga, Dra. Jaqueline.

Botswana ligou para o consultório da médica, a atendente tinha horário apenas para as
19:00, mesmo sendo a noite Botswana aceitou preocupada que estava de estar de quase dois
meses sem nenhuma assistência.

Durante a tarde, ela e Danilo foram visitar, Nikos, que já estava no quarto. Fausto
conversava com o neto quando eles chegaram. Ao ver Danilo, Nikos abriu um largo sorriso
e os dois ficaram abraçados por algum tempo.
-É não se pode separar irmãos!- Fausto observou.
- Verdade. - Botswana se dirigiu aos meninos e beijou Nikos na testa.
- Meu vô me disse que você voltou para nossa casa, é verdade?- ele perguntou olhando-a
com firmeza.
- Sim, voltei para cuidar de você. - ela respondeu.
- Promete que nunca mais me deixa?- ele pediu.
- Nikos... não vai precisar de babá sempre...vai chegar a hora que não vai precisar de mim!
- Você não é minha babá. - ele a olhou e a abraçou. - Você é minha mamãe.
Botswana o abraçou em silencio e chorou, ficou um bom tempo abraçada com ele e Danilo.
Fausto ficou em silencio num canto do quarto olhando os três abraçados daquela maneira,
de repente uma alegria lhe encheu o coração, tinha novamente uma família. Botswana o
olhou, estendeu-lhe a mão. Fausto se aproximou devagar e os enlaçou em seus longos
braços, beijando Botswana na testa.

74
Quando chegaram a casa, Botswana chamou Fausto até o estúdio.
- O que há parece aflita?- ele perguntou assim que fechou a porta.
- Fausto aconteceu um imprevisto. Eu não sabia de nada até ontem!
Os olhos de Botswana se tornaram azuis bem claros, era sinal que estava assustada e
temerosa, a ruguinha apareceu na testa. Isso sempre acontecia quando, tinha algo para
contar, mas, temia sua reação. Se fosse algo muito grave ela ia logo, logo apertar as mãos.
Foi exatamente o que ela fez. Mas, Fausto sabia... já tinha vivido o bastante para saber.
Todos aqueles sintomas, mas, acima de tudo, era aquele brilho diferente que ele via no
fundo do olhar de Botswana, mesmo sem ninguém perceber. Por isso ele sorriu.
- Do que você está rindo?- ela perguntou.
- Está grávida, é isso que vai me contar?- ele perguntou. - Pensa que eu não sabia?
- O Herman te contou?
- Botswana, não sou mais criança... - ele riu. - Convivi muito com mulheres para pelo
menos saber disso. E outras coisas mais!
- Desde quando você sabe?- ela perguntou perplexa.
- Desde o inicio... assim que começaram os enjôos.
- Mas, eu nem desconfiava... eu pensava que era por causa de toda a tensão que nós
estávamos passando. Eu, não tive nada assim com o Danilo. Passei bem, as coisas só se
complicaram quando fiquei hipertensa.
Fausto tinha aquele sorriso vitoriosamente masculino, ele emprenhara uma fêmea e já
naquela idade, não era um feito?
- É por que você tem um Papadakis aqui dentro. - aproximou-se dela e tocou sua barriga. -
Minha mãe dizia que mulher emprenhada bem enjoada é sinal de filho forte e bem
protegido! - ele beijou-lhe de leve os lábios e depois a tomou nos braços com um beijo forte
e apaixonado.
Botswana o soltou.
- O que foi?
- Essa colônia está me enjoando. - colocou a mão na boca e correu para o banheiro do
estúdio.
Quando voltou Fausto estava bebendo um pouco de água com gás.
- Quer?- ele ofereceu.
- Não, estou meio zonza, vou me deitar. Tenho consulta as 19:00 com a Dra. Jaqueline.
- Levo você.
Botswana acentiu que sim com a cabeça e foi deitar. Na hora combinada ela e Fausto se
encaminharam para o consultório da médica.
Dra. Jaqueline era uma mulher corpulenta e branca, recebeu-os com satisfação e atendeu
Botswana com muita atenção e cuidado. Na volta Fausto comentou que gostara da moça e
que se sentia seguro em relação a ela, mas Botswana estava pensativa e distante.
- O que foi? Ouviu o que eu disse?- ele perguntou. - O que a preocupa?
- Nada... acho que são coisas de grávida, bateu uma insegurança...
-Sobre o quê?
- Fausto eu não quero que se sinta obrigado a ficar comigo porque estou grávida... eu não
planejei isso...
- Ah! Botswana, não! Eu não quero ouvir isso novamente. Por que vocês mulheres
complicam tudo? Eu não tenho idade mais para bobagens, complicações, doces....isso
mesmo não! Se eu não quisesse ficar com você nada nesse mundo me obrigaria a isso. Não

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sou mais um mulecote. Agora, se vai ficar comigo cheia de inseguranças é melhor pararmos
com isso agora. Como teremos um relacionamento se não acredita em mim?
- Desculpe... Fausto, é bobagem. Eu sou tonta mesmo!
- Eu não quero mais ouvir falar nisso. Vamos viver, viver, apenas isso, viver nossa vida,
nosso momento, nossos sentimentos. Se é pra sempre não sei... eu nem sei se estou vivo
amanhã. Pare com bobagens!
Botswana deu um sorriso tímido e aconchegou-se no ombro largo de Fausto, beijou-lhe a
face com um estalinho.
- Você está certo... mas, eu espero que você viva muitos e muitos anos.
- Pra ficar velhinho gagá? - ele deu uma gargalhada. - Tossindo, escarrando, mijando nas
calças e tentando fazer a coisa subir? Ah, não! Prefiro morrer dignamente.
- Seu bobo! Você será meu velhinho gagazinho!
- Você vai me internar num asilo! Quando for me visitar os outros velhos vão perguntar
babando, onde você arrumou um mulherão desses. E eu vou responder: ah, isso era no
tempo que eu ainda dava um caldo!
- Que absurdo! - Botswana deu um beliscão de leve em Fausto.
Ele riu da brincadeira e assim descontraiu a tensão inicial dos dois.
- Que bom que a gente vai poder fazer amor. - ele disse depois de um rápido silencio.
- Fausto você só pensa nisso!
- Você me pôs em perdição, eu era um velhote celibatário desiludido com o mundo, só
pensava em navios e pescado... apareceu você com esses olhos azuis que ficam verdes, se
oferecendo para mim, se engraçando pro meu lado. Acendeu o vulcão... pensava que estava
instinto?
- Eu me ofereci pra você?
- Sim, eu era um velho pacato.
- Ah, seu grego arrogante... foi você que veio atrás de mim com conversa mole!
Fausto soltou uma gargalhada gostosa. Era verdade, desde a primeira vez que a vira na
firma ele se encantara com ela. Não sossegara até conseguir que ela fosse sua assessora e
assim que a viu em sua frente de nariz empinadinho empunhando sua agendinha ele sabia
que a faria sua mulher, a sim a faria.
- Tá rindo de que?- Botswana quis saber.
- Da vida que é maravilhosa!

76
CAPITULO X

Fausto e Botswana fizeram amor bem gostoso. Agora dormiam um sono profundo. Ainda
zonzo de sono Fausto praguejou baixinho e atendeu ao telefone, enquanto cobria Botswana
com o lençol, protegendo sua barriguinha de três meses. Do outro lado a voz de Perséfone
se fez ouvir apavorada e chorosa.

- O que foi Perséfone, o que aconteceu? São três horas da manhã aqui no Brasil!- ele
perguntou aborrecido.
- Fausto, Matheus sumiu, sumiu...
- Como sumiu?- Fausto sentou-se na cama.
- Pegou uma muda de roupas disse que ia sair com uns amigos e não voltou mais. Já faz
uma semana. Eu já fui a todos os hospitais, necrotério... e nada.
- Entrou em contato com Demóstenes?
- Sim, Oh Fausto me ajude. O pior não é isso. Aquiles disse ter uma idéia de onde ele
estava foi atrás e até agora não deu noticiais, já faz três dias! Oh, Fausto será que
seqüestraram eles? Oh, Fausto estou tão desesperada.
- Está sozinha em casa?
- Não prima Sonia está comigo. Oh, Fausto, meu irmão me ajude!- ela começou a chorar do
outro lado.
- Vou conversar com Demóstenes, se acalme que tudo vai acabar bem!- Fausto desligou o
telefone, olhou Botswana que acordara e se sentara na cama ao lado dele ouvindo a
conversa.
- O que aconteceu?- ela perguntou.
- Aquiles e Matheus sumiram, desapareceram.
- Como?
- Gostaria de saber.
- E a Perséfone?
- Está com nossa prima Sonia. Arrasada.
- Meu Deus, que coisa horrível. O que vai fazer?
- Ligar para Demóstenes. Tentar saber mais alguma coisa.

Fausto telefonou para o delegado Demóstenes, este adiantou apenas que tinha um palpite,
mas, que garantia que tanto Matheus e Aquiles estavam bem.

- Como assim?
- Me deixe continuar investigando, te darei noticias em breve.
- Tudo bem. - Fausto ficou silencioso. O que Demóstenes queria dizer.

Botswana se levantara e tomara um banho, agora vestindo uma camisola branca, deitou-se
novamente.
- O que Demóstenes disse?- olhou Fausto que estava pensativo recostado à cama.
- Que tem um palpite e que os dois estão bem. Pediu que eu deixasse investigar mais o
caso.
- Estranho. Será que Aquiles abandonou Perséfone?
- Não duvidaria aquele parasita.
- Mas, e o Matheus, filho dela... Por que sumiria?

77
- Deve estar morando com algum macho na Suíça!- Fausto riu.
- Verdade?- Botswana se mostrou surpresa.
- Ele podia enganar Perséfone e o Aquiles, mas, a mim... Aquilo é uma bichona enrustida
das piores!
-Fausto você é terrível. - Botswana bocechou.
- Vamos dormir, está com sono e eu também. Amanhã é dia de trabalho. Por sua causa eu
não consigo chegar mais cedo no trabalho... - brincou com ela cheirando-lhe o pescoço.
- Minha? Ora seu....você é que não me dá descanso!
- Não mesmo. - Fausto a abraçou e beijou-lhe os lábios.

Fausto ficou em silencio profundo enquanto ouvia Demóstenes falar do outro lado do
telefone. Ele localizara Aquiles e Matheus e descobrira todo o plano do seqüestro. Aquiles
estava nas Bahamas com uma grega que tinha idade para ser filha dele e Matheus estava na
Suíça tentando fazer uma operação transexual, já em fase final dos preparativos.
Do outro lado da linha Demóstenes falou.
- Sinto muito Fausto, sinto muito, mas, eu disse para você que a ambição corrompe as
melhores almas!
- Sim. - ele respondeu laconicamente.
- Já passei tudo para o GAP do Rio de Janeiro e eles já tem a ordem de prisão dela. - ficou
em silencio por algum tempo e voltou a dizer.- Eu sinto muito, meu amigo...sei que é um
golpe muito duro para você!
Fausto não disse mais nada e saiu do escritório. Deixou Carla, a secretária falando sozinha
e desceu. O chofer já o esperava. Ele mergulhou no carro e foi toda a viagem calado,
mergulhado em dor, perplexidade. Porque, meu Deus? Por que ela fizera isso? Não
conseguia entender.
Quando chegou o delegado estava com sua equipe à porta solicitando entrada. Sua presença
facilitou tudo. Eles entraram na casa e foram recebidos por Bess na sala, que não vira
Fausto chegar. Ao vê-los ela logo se adiantou.
- O senhor Papadakis não está. - disse polida e secamente aos homens.
- Estou aqui Bess, não se preocupe... - a atenção de Fausto foi desviada para Botswana que
vinha descendo as escadas.
Ela estava amamentando Christina quando vira o carro do GAP e Fausto, logo imaginara o
que estariam fazendo ali. Terminara de amamentar a garota e descera bem devagar.
Fausto lhe lançou um olhar doloroso. Depois olhando para o delegado Dr. Paulo disse.
- Faça seu serviço. - virou-se de costas, preferia não ver aquilo.
- Sim senhor. Senhora Bess Mildleton estou com um mandato expedido pelo juiz da vara
criminal onde consta sua prisão pelo seqüestro da senhora Botswana Papadakis.
Bess não alterou um músculo de sua face, ficou impassível. Um dos agentes a algemou.
Fausto virou-se e olhou para ela incrédulo.
- Porque, Bess? Só queria saber por quê?
Ela sorriu, então, um sorriso fraco. Como se lhe perguntasse: Você não sabe? E então
respondeu.
- Por amor!

78
Ele a olhou espantado.
- Tudo o que eu fiz... fiz por amor.
Então contou como envenenara a alma de Sophia com suas histórias, aumentando assim
suas desconfianças contra ele. Sophia, era boba, se deixava influenciar, era uma mulher
fraca, fraca de corpo, de alma e de mente. Assim ela os distanciava e ajudava a aumentar a
loucura da mulher. Como ela convivia de perto com a grega, sabia que estava ficando
louca, ela tinha alucinações, ouvia coisas. Ela aproveitava para aguçar mais sua loucura.
Ligava para ela se passando por amante, escrevia cartas, chegara a levar a um suposto
apartamento em Atenas que seria de uma amante rica. Ela acreditava em tudo.
Mas, para surpresa dela a doida engravidara e aí veio a Christina. Só que depois da gravidez
as loucuras aumentaram mais. Tirava proveito disso diretamente. Conseguira, então,
separa-los de vez. E podia ser a mãe de Christina.
Christina não gostava dela, parecia pressentir algo, por mais que ela se fizesse sua amiga.
Só conseguiu a amizade dela quando começou a intermediar os encontros delas com
Andréas, que era seu sobrinho e a droga que ela consumia em casa.
- Você, você aproximou minha filha daquele marginal? Você a ajudou a afundar na lama?-
Fausto disse completamente pasmado.
- Sim, eu precisava tirá-la do caminho, afasta-la de você... e aquele era o jeito!
Então veio o bebê, finalmente, ela conseguiria. Após o nascimento de Nikos ela os
reaproximou, pensava que eles fugiriam, nunca imaginaria que a garotinha rica fosse
morrer de uma overdose. Soube logo na noite que ela morrera e instruira a Andréas a sumir
com o corpo. Mas, de tão viciado, ele não servia de mais nada. Apenas jogou o corpo no
lixo. Sumira com ele, mas, o porco voltara para a própria sujeira.
O ódio de Fausto a ajudou, pois o matara sem deixá-lo dizer uma palavra. Sabe-se lá se ele
contaria da parceria dos dois?
Agora, ela tinha vencido. Christina morta e Sophia tão doida que só podia ser internada.
Tirara as duas do caminho.
E por anos ela o tinha só para si, cuidava dele, de sua comida, de sua casa, de sua roupa, de
seu quarto. Um dia ele reconheceria que ela era a mulher ideal, perfeita e fiel para ele.
Até o dia que trouxera aquela negra. Ela andava desconfiada de alguma coisa, já havia
meses que ele estava diferente, sabia que era uma mulher. Quando a viu com aquele
moleque negrinho. Sabia que tinha uma oponente forte. Logo percebeu que a negra gostava
dele e que ele estava muito interessado nela.
Foi então que pensou algo cirúrgico. Primeiro pensou na trama do seqüestro e colocar a
culpa na negra... mas, era complicado. Com a ajuda de Aquiles e Matheus planejaram tudo.
Apavorando os dois, sabia que Fausto viajaria para Atenas e lá os dois homens haviam
contratado gente para fazer o serviço.
Só quando chegou a Atenas e viu os homens que os dois patetas haviam contratado sabia
que daria tudo errado. A ambição de Aquiles precipitou tudo e a covardia de Matheus não
deixou que a negra fosse morta no primeiro dia. Os homens que eles arrumaram não eram
de nada.
Ela vira a policia chegar e estourar o cativeiro. Naquela noite tinha ido decidida a matar a
crioula, mas chegara tarde.
Então voltara para casa. Achava que as coisas estavam resolvidas até a malandra voltar
agora emprenhada de um mulatinho. Mais esperta do que ela pensava. Não conseguia
provoca-la. Era forte, não era como Sophia, e Matilde parecia saber de alguma coisa, se
acercara dela de uma forma que não a deixava se aproximar. Esperaria o bebê nascer e

79
quem sabe um acidente domestico? Coisas assim aconteciam sempre ocorriam... mas,
aqueles dois patetas do Aquiles e Matheus, bicha imprestável estragaram tudo fugindo,
gastando o dinheiro e sendo pegos.
- Meu Deus você é louca. Você arruinou a família do Fausto, a vida dele...- Botswana
começou a falar.
- Por amor... nunca mulher nenhuma o amaria como eu o amei e o amo!- ela disse ainda
impassível.
- Tirem essa mulher daqui! - Fausto bradou. - Vou fazer com que apodreça na cadeia!
Os policiais a retiraram sobre a vista dos empregados que curiosos se aglomeraram na
frente da casa. Ao vê-la Matilde bateu palmas.
- Graças a Deus... o teu castigo veio cobra venenosa!- gritou para ela
Bess não olhou a cozinheira e entrou na viatura.

Botswana serviu um pouco de água para Fausto. Sentado com as mãos escondendo o rosto
ele estava desolado.
- Beba um pouco de água... Quer um chá calmante?
Ele a encarou.
- Botswana eu mantinha uma serpente, uma víbora dentro da minha casa... ela destruiu
minha vida, minha família, me tirou tudo que amava...
- Fausto acabou, graças a Deus!- ela segurou-lhe as mãos. - Estamos livres dela agora!
- Meu Deus que coisa horrível. Ela é louca, viu como contou tudo sem um pingo de
remoso?
Botswana acentiu que sim, um arrepio passou-lhe pela espinha. Que mostro terrível se
escondia por trás daquela mulher com ar tão sereno e pacato. Deus do céu!

Dois meses depois Bess foi transferida para Grécia, onde responderia o processo na cadeia
e seria julgada junto com Aquiles e Matheus.
Perséfone estava tão envergonhada com tudo que sumira de Atenas e voltara para o interior
de onde tinha vindo sua família. Lá eles tinham fazenda e ela se impôs uma autoreclusão.
Uma noite assistindo o jornal pela televisão souberam da noticia da prisão de Edivandro e
Carlinhos da Cruz num confronto com a policia.
- Não é teu pai? - Nikos perguntou.
- É. - Danilo respondeu num fio de voz e olhou para mãe.
Mais tarde Botswana quis falar com ele, mas, Fausto não deixou.
- Eu vou.
Ele o encontrou lendo um livro.
- Vim dar boa noite!
Ele sorriu para Fausto. Crescera tanto nos últimos tempos, era um menino forte, inteligente,
melhor aluno da turma, conseguira vencer a mudança de ambiente e não se intimidara.
Como parecia com Botswana!
Fausto sentou-se na beirada da cama.
- A noticia sobre seu pai te abalou muito?- ele fez um carinho em sua cabeça.
- É esquisito tio Fausto... sim e não. Sim, porque fico com pena dos meus avós e não por
que não sinto nada por ele... acho que foi o caminho que ele procurou e o certo é ele está

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preso. Um dia sei que o fim dele será morrer. É ruim, porque tenho vergonha dele. Queria
ter um pai para me orgulhar como meus outros colegas, que falam do pai e das coisas que
eles fazem.
Fausto sorriu.
- Não tem nada do que se envergonhar na vida! Você é e será um grande homem!
O menino ficou olhando para Fausto.
- Quando eu crescer quero ter uma barba igual a sua. - acariciou o seu rosto. - Barba de
sábio.
- É mesmo? Sábio tem essa barba?
- Tem. Quando eu crescer quero ser igual a você tio Fausto.
- Não... quando você crescer será melhor do que eu, por que você é muito melhor do que
eu, você é um menino do bem. Veja o que fez por Nikos, tirou meu neto da tristeza e o fez
um menino feliz. Ele o ama muito e me fez também um homem muito feliz, trouxe para
minha vida uma alegria que eu já tinha perdido! E na vida o importante é sempre fazer o
bem para todos.
Danilo abraçou Fausto bem apertado.
- Eu queria que você fosse meu pai de verdade!
- Não posso. Mas, não dá para nós sermos amigos de verdade? - ele lhe perguntou.
- Os melhores amigos do mundo? - Danilo o encarou.
- Os melhores amigos do mundo!
Ficaram abraçados um bom tempo. Danilo e Fausto, os melhores amigos do mundo.

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FINAL

Fausto não via a hora de voltar para casa, mas, tinha que ficar para receber as homenagens
dos funcionários. Não era todo dia que se fazia setenta anos. Ele pensava nisso. Deus do
céu! Estou setuagenário!
Era um bla-bla-bla-bla doido no pé do ouvido e ele só queria ir para casa ficar com a
família. Na mesa da frente Botswana, Christina, Danilo e Nikos ouviam atentos. Por vezes
os rapazes cochichavam e riam, pois sabiam que Fausto estava amofinado ali.
Ele parou de ouvir os discursos dos puxa sacos e ficou olhando a mulher. Nossa estava
linda, como é que podia ficar mais linda com o passar dos anos. Ele fazia um exercício de
alma para não se deixar levar pelo ciúme. Mas, morria de ciúmes dela. Contudo, Botswana
não lhe dava motivo, era discreta e fiel.
Mas, estava ali, linda como ninguém. Os cabelos compridos a escorrem-lhe pelos ombros,
castanhos e com umas luzes que realçavam seus olhos azuis. O corpo bem feito, a boca que
ele amava... que droga porque não acabava aquilo para ele ir para casa e amar sua mulher
bem gostoso?
Sua filha era linda. Era tão perfeita com a pele acobreada e os olhos castanhos, alta e longos
cabelos negros, sedosos e brilhantes. Naquele momento ela lhe sorria aquele sorriso
perfeito da mãe. Ele lhe piscou os olhos levemente e voltou a prestar atenção no discurso
do puxa - saco!
Seguiu-se um almoço e Fausto e a família conseguiram se livrar daquilo tudo já por volta
das duas da tarde.
Quando chegou a casa subiu direto para o quarto, fazia um calor daqueles no Rio de
Janeiro.
Nikos subiu e logo desceu tinha treino de natação. Depois de se empolgar muito com o
futebol, acabou descobrindo sua vocação para a natação e vinha se destacando bem, sendo
promessa para o Pan- Americano. Deu um beijo em Matilde, que assumira o cargo de
governanta desde a prisão de Bess e saiu para pegar um táxi.
Danilo se enfiou no escritório de Fausto, acabara pegando gosto pela administração e era o
grande companheiro de Fausto. Apesar de Fausto diminuir o ritmo de trabalho e ter
executivos de confiança, ainda continuava trabalhando normalmente.
Botswana cuidava da Fundação Christina Papadakis que financiava vários projetos sociais
no Brasil e na Grécia.
Perséfone continuava na fazenda, isolou-se totalmente da vida social de Atenas. No muito
visitava Matheus de vez em quando na prisão.
Bess cumpria a pena numa prisão na Grécia. Eles nunca mais souberam dela. E nem mesmo
queriam.
Christina, filha de Fausto e Botswana era uma menina inteligente, saudável e feliz. Fausto a
amava profundamente, não descuidava dela em nenhum momento. Botswana tinha que
cuidar para que não ficasse mimada e petulante, por isso a envolvia desde cedo nos
trabalhos na Fundação, permitindo que participasse de alguns projetos e conhecesse a
realidade da vida e de outras pessoas. Ela amava o pai, a mãe, o irmão e o tio Nikos.
Assim que chegou foi tomar banho e correu para casa da nova cozinheira que tinha um
casal de filhos da sua mesma idade para brincarem
Botswana se riu de tanta energia. Como era parecida com o pai. Conversou com Matilde
para fazer um jantar leve para noite e que todos estavam convidados para o bolo e
champanhe com que iriam surpreender Fausto mais tarde.

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Matilde sorriu e foi providenciar o necessário. Quando Botswana entrou no quarto, Fausto
estava deitado completamente nu.
- O que é isso? Depravação total após os setenta?- ela riu passando para o banheiro.
- Estou com calor. Ah, que cansaço. Onde estão as crianças?- ele perguntou.
- Nikos no treino, Danilo no escritório e Christina na casa de Bernadete. - falou de dentro
do banheiro, enquanto se metia debaixo da ducha e tomava um banho refrescante.
Saiu metida numa toalha e se encaminhou para o closet onde colocou uma camisola
fresquinha e leve. Deitou-se ao lado de Fausto, ele olhava a televisão sem interesse.
- Hum, você está tão cheirosa. - ele disse tomando-a nos braços.
- Sabonete novo.
- Bom... sabe eu fico aqui a pensar.- ele a abraçou e subiu sobre ela.
- Em que?
- Não é todo dia que um homem faz setenta anos, assim, feliz... com uma mulher bonita,
gostosona, com filhos, neto... eu acho que nós podíamos comemorar de uma forma, como
direi...mais apropriada, mais intima!
- O que será que você está pensando em fazer? Eu nem imagino que tipo de comemoração!-
ela deu uma gargalhada.
Furtivamente Fausto colocou a mão por debaixo da camisola e lhe acariciou as coxas bem
feitas.
- No lugar onde eu sou mais feliz! Dentro de você!
- É mesmo...- ela o olhou maliciosa. - Eu acho que a gente pode passar à tarde nesta festa
de felicidade, eu também sou tão feliz, quando você é feliz aqui!
Beijaram-se apaixonadamente, com desejo, paixão. Sim a vida era para ser vivida e no caso
deles, tinha sido maravilhosa, dando aos dois uma nova chance de serem felizes,
completamente felizes.

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Nós Quase Tivemos Tudo

Você se lembra quando nós esperávamos na chuva


As noites em que quase nos perdemos mais uma vez
Nós podemos levar a noite para o amanhã
Vivendo nos sentimentos
Ao tocar você eu sinto tudo novamente
Nós quase tivemos tudo
Quando o amor era tudo de valioso que tínhamos a dar
A cavalgada com você valia a queda, meu amigo
Amar você faz com a vida valha a pena ser vivida
Nós quase tivemos tudo
As noites que duravam até a manhã
Você sabe que nunca amará desta forma
Nós quase tivemos tudo
A maneira que você me tocava era tão boa
Nós mantínhamos nossos corações juntos pelo caminho
Um momento na alma pode durar para sempre
Confortar e manter-nos
Ajude-me a trazer o sentimento de volta
Nós tivemos os melhores momentos
Quando o amor era jovem e novo
Poderíamos procurar por dentro e achar
O mundo para eu e você
Nós nunca o perderemos novamente
Porque quando você sabe o que é amor
Você nunca o deixa acabar

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