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março de 2009
em
3 1
Edição especial revisitando os
gêneros artigo de opinião,
memórias literárias e poesia
COORDENAÇÃO TÉCNICA
Abrir janelas
Centro de Estudos e Pesquisas em
Educação, Cultura e Ação Comunitária – CENPEC
CRÉDITOS DA PUBLICAÇÃO
O primeiro número da revista Na Ponta
Coordenação
Sonia Madi do Lápis foi lançado em maio de 2005. Era
mais uma iniciativa da Fundação Itaú So-
Texto e edição
cial e do Cenpec para ampliar o contato
Luiz Henrique Gurgel
Maria Aparecida Laginestra com professoras e professores brasileiros
Regina Andrade Clara que participavam do Programa Escrevendo o
Leitura crítica
Futuro. Àquela altura, duas edições do pro-
Anna Helena Altenfelder grama já haviam sido realizadas – em 2002 e
Marta Wolak Grosbaum em 2004 – com 25 mil professores inscritos.
Revisão
A publicação vinha preencher uma lacuna
Rosania Mazzuchelli destinada a manter a comunicação com os
e Mineo Takatama educadores, mesmo nos anos em que não
Edição de arte havia premiação, apoiando-os nos desa-
Criss de Paulo e Walter Mazzuchelli fios do dia a dia da sala de aula. Desde esse
começo, Na Ponta do Lápis trouxe experiên-
Ilustrações
Criss de Paulo cias de trabalhos, textos de estudantes e de
importantes escritores brasileiros. Trouxe
Editoração
AGWM Editora e Produções Editoriais
também reportagens e opiniões de especia-
listas que estão constantemente pensando
Fotos em formas de ensino e de aprendizagem da
Antonieta Rizzotti Oliveira
Edi Pereira
língua com base nos gêneros textuais.
Os milhares de textos produzidos pelos
Tiragem estudantes nas salas de aulas e os relatos
150 mil exemplares
de práticas dos professores foram funda-
Contato com a redação mentais nesses quatro anos para aperfei
Rua Dante Carraro, 68 – São Paulo – SP
çoar o Programa. A análise e a reflexão
CEP 05422-060
Telefone: 0800-7719310 desses textos e dessas experiências bali
e-mail: escrevendofuturo@cenpec.org.br zaram as orientações metodológicas apre-
www.escrevendoofuturo.org.br
sentadas na revista.
Natural, portanto, que, com o aumento
INICIATIVA exponencial do número de participantes –
na casa de milhões de estudantes e de
centenas de milhares de professores – e com
o incremento da publicação, a tiragem fosse
aumentando e hoje, quando o Programa tor-
nou-se uma Olimpíada encampada pelo
MEC, 150 mil educadores recebem nossa
revista em suas residências e escolas.
Mas nem todos os que atualmente parti- gêneros, há artigos e a opinião de especia
cipam da Olimpíada de Língua Portuguesa listas com as entrevistas de Roxane Helena
Escrevendo o Futuro tiveram acesso às infor- Rojo e Marisa Lajolo, ambas professoras
mações, dicas, entrevistas e reportagens do Instituto de Estudos da Linguagem da
das primeiras edições da publicação. Até Unicamp, e de Ecléa Bosi, professora do Insti
hoje recebemos pedidos de envio dos três tuto de Psicologia da USP. A edição se com-
primeiros números que estão esgotados pleta com textos literários de Jorge Miguel
(2005-2006). Professores nos escreveram di- Marinho, Bartolomeu Campos de Queirós e
zendo que faziam cópias para distribuir entre um texto atual de Ferreira Gullar.
os colegas. Esse fato nos encheu de alegria, Desse modo, como no verso de Mario
demonstrando o sucesso da Olimpíada e a Quintana “Quem faz um poema abre uma
adesão dos educadores brasileiros. E é por janela”, Na Ponta do Lápis pretende abrir
isso que lançamos esta edição especial, com muitas janelas em verso e prosa para o
56 páginas, reunindo as principais entrevis- trabalho e a reflexão de professoras e pro-
tas e os principais textos das três primeiras fessores de todo o Brasil. São esses educa
edições. A revista ainda está dividida por gê- dores que abrirão, por sua vez, outras jane-
nero: na primeira parte temos o gênero arti- las para que nossos estudantes possam ver
go de opinião; na segunda, memórias lite e construir o futuro.
rárias; e na terceira, poesia. Além de textos
de estudantes vencedores em cada um dos Boa leitura!
Especial
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10
Entrevista
8
Na Ponta do Lápis, ano 1, nº- 1, maio/jun., 2005.
12
Questão de gênero
Página literária
22
Questão de gênero
24
Entrevista
Página literária
26
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Entrevista
Questão de gênero
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Na Ponta do Lápis, ano 2, nº- 3, mar./abr., 2006.
Página literária
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De olho na prática
20
Texto vencedor
História de almanaque
21
18
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Onde está o futuro
Tirando de letra
28
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Texto vencedor História de almanaque
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Onde está o futuro
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Especial
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Tirando de letra
De olho na prática Desafio
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Texto vencedor
48
De olho na prática
46 53
50
Onde está o futuro
Desafio
Tirando de letra
Gêneros textuais na sala de aula:
entre modas e realidades
José Luís Landeira
dem ser agrupados em gêneros textuais. tantes, como crônica, memorial, reportagem,
ensaio, editorial etc.
E o que são gêneros textuais? Os gêneros surgem de acordo com sua
São modelos comunicativos que nos pos- função na sociedade; seus conteúdos, seu es-
sibilitam gerar expectativas e previsões para tilo e sua forma estão sujeitos a essa função.
compreender um texto e, assim, interagir com Isso quer dizer que conhecer um gênero não é
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apenas conhecer as suas características for- formais (o que já não é pouco!) não será sufi-
mais, mas, antes de tudo, entender a sua fun- ciente para garantir que um aluno saiba escre
ção e saber, desse modo, interagir adequada- ver ou ler bem. Ensinar um gênero pressupõe
mente. Um enorme desafio: valorizar forma e um convívio anterior com esse gênero.
função como uma única realidade interativa! Assim, é importante pensar em para quem
Pode ser relativamente simples ensinar as se escreve, por que se faz, qual a real necessi-
características formais de um gênero; por dade de fazê-lo, o que o leitor efetivamente
exemplo, uma carta sempre começa com um conhece sobre o tema, o que pensa dele, como
vocativo. Mas ensinar o uso social dessa car- fazer-se compreender, como usar a língua na
ta, bem como a função e o valor desse vocati- produção desse texto, como o texto solicita
vo, é muito mais desafiador. uma ou outra estratégia de leitura. Tais ques-
Uma vez que os gêneros são produtos tões, na escola, tornam necessário construir
culturais construídos por determinada comu um currículo que valorize tanto a função social
nidade histórico-social, uma carta que não do texto como a sua forma.
tenha vocativo, mas que comece com algo Na prática, isso significa considerar a cul-
como “Que saudades de você!”, continuará tura na qual o gênero se constitui como ação
sendo uma carta. Além disso, uma carta para social. Em outras palavras, devemos considerar
minha mãe não terá a mesma forma nem, pro- até que ponto a comunidade que faz uso desse
vavelmente, a mesma função daquelas dirigida gênero efetivamente se apropriou dele e como
a uma criança ou ao diretor da escola. Por esse o fez. Lembramos, contudo, que a comunidade
motivo, ensinar uma lista de características que faz uso de determinado gênero é composta
por indivíduos, entre os quais eu mesmo – pro-
fessor ou aluno – devo me incluir.
Isso nos leva a novas questões: “Como ex-
plicar apropriadamente o que é um gênero se
sua leitura e escrita não faz parte do meu coti-
diano? Como escrever um ‘artigo de opinião’
se não tenho o hábito de pensar em quem lê o
que escrevo? Como distinguir o registro de
formalidade na escrita de um texto se não sei
quando usar a norma-padrão? Como ler bem
se não sei como agir diante de uma palavra
que não compreendo? Como escrever ade-
quadamente se não sei em relação a quem ou
a que devo me adequar?”. A lista de pergun-
tas é tão grande (ou maior!) quanto o número
de gêneros que existe.
Os gêneros são produtos da cultura de de-
terminada sociedade. Constituídos por certos
conteúdos, além de estilo e forma próprios,
apresentam funções sociais específicas. Tor-
nam-se, desse modo, modelos comunicativos
que permitem a interação social. O trabalho
com gêneros textuais na escola pressupõe
um modo próprio de se relacionar com a lin-
guagem e com o currículo da língua portugue-
sa. Significa cultivar uma atitude educacional
alicerçada por sólido conhecimento da lin-
guagem, vista como prática cotidiana, e muita
Na Ponta do Lápis – ano V– nº 11
5
Ensino de Capacidades de
gêneros textuais linguagem dominantes
na escola Refere-se à discussão de questõ
es
sociais controversas, exige
Desde 2002, a equipe de sustentação, refutação e negoci
ação
Escrevendo o Futuro vem nas tomadas de posição.
trabalhando para disseminar
a proposta de ensino da
língua portuguesa tendo como
metodologia o uso dos gêneros
textuais como instrumento e
são
ução e transmis
sequência didática. Voltado à constr
e apresent ação
de saberes, exig as
Essa abordagem do ensino nização das idei
da língua leva em conta os textual para orga
diferentes domínios sociais de e dos conceitos.
comunicação e as capacidades
de linguagem envolvidos na
produção e compreensão dos Refere-se às instruções e
textos orais e escritos. prescrições de ações
voltadas à regulação mútua
Para colaborar no planejamento
de compor tamento.
do ensino da leitura, da escrita e
da oralidade, ao longo do Ensino
Básico, apresentamos ao lado
um quadro-síntese dos gêneros
textuais e seus respectivos
agrupamentos proposto pelos
leà
pesquisadores da Universidade tado à cu lt ur a lit erária fi cciona
Vol a-se
de Genebra, Joaquim Dolz e cr ia çã o da re al idade, caract eriz
re il.
Bernard Schneuwly (1996). la in tr ig a no ca mpo do verossím
pe
Refere-se à documentação e me
morização
de ações humanas que represent
am
pelo discurso de experiências viv
idas
situadas no tempo e no espaço.
Na Ponta do Lápis – ano V– nº 11
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Agrupamentos Gêneros TEXTUAIS
o,
Receita, regulamento, regra de jog
,
manual de instrução, regimento
mandamento...
anedot a, caso,
Notícia, reportagem,
ho, currículo
diário íntimo, test emun
gem e policial...
relato histórico, de via
Na Ponta do Lápis – ano V– nº 11
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Escrever e
Registrar o que se pensa sobre
determinado assunto, com o intuito de
convencer o leitor, exige argumentos.
É preciso defender, exemplificar,
justificar ou desqualificar posições.
Essa é a regra geral para um bom
artigo de opinião, gênero que não
existiria se não fosse o jornal.
Heloisa Amaral
8
convencer para mudar
órgão formador de opinião. Sua força se mede articulistas podem, com suas palavras, in-
pela capacidade de intervir no debate público fluenciar ou mesmo mudar convicções e hábi-
e, apoiado em fatos e informações exatas e tos dos leitores.
comprovadas, mudar convicções e hábitos”. Para atingir sua finalidade, convencer os
Para entender a finalidade do artigo de leitores da importância da opinião do articu-
opinião é preciso entender a função do jornal, lista, os artigos de opinião são organizados
que vive de noticiar fatos novos e importantes. como uma espécie de discussão entre pontos
As notícias, que são a razão de ser do jornal, de vista diferentes sobre os fatos polêmicos
ocupam grande parte dele e devem ser “ver- que as notícias abordaram. Eles são planeja-
dadeiras”, isto é, apoiadas em informações e dos para que a opinião do autor pareça ser a
fatos precisos, isentos de opinião. É claro que mais correta, a mais importante, enquanto as
isso é muito relativo, porque ninguém consegue opiniões contrárias a ela são desvalorizadas.
dizer alguma coisa sem denunciar, de alguma O jornal traz a notícia com fatos apoiados
forma, o que pensa sobre o que diz... em informações comprovadas e artigos que
Desse modo a opinião sobre os fatos noti- procuram mudar a opinião, as convicções e os
ciados aparece nos artigos escritos por pes- hábitos dos leitores.
soas respeitadas na sociedade, baseados nos
debates criados pela leitura das notícias que Heloisa Amaral é mestre em educação, pesquisa-
circularam no jornal dos dias anteriores. Os dora do Cenpec.
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A professora doutora Roxane Helena Rojo, do Instituto de Estudos da Linguagem da Unicamp,
respondeu às questões levantadas por educadores da Olimpíada de Língua Portuguesa
Escrevendo o Futuro. As discussões sobre o ensino de gêneros textuais na escola dominaram
a conversa esclarecedora. Segundo Roxane, para esse trabalho dar certo é preciso...
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letramento no mundo. Até a década de 1980 música, de outros poemas, da literatura e,
era possível focar um trabalho, digamos, dessa forma, ampliar seu repertório cultural.
com textos mais escolares e literários. Com O repertório faz toda a diferença. Se o profes-
as novas tecnologias e as mudanças no mundo sor não lê jornais, revistas, livros de literatura
do trabalho e das comunicações em geral, com regularidade, isso dificulta o domínio
torna-se necessário uma variedade muito dos gêneros que circulam nesses portadores.
maior de conhecimento de gêneros que se É essencial ser usuário frequente da leitura
tinha naquela década, pois já não bastam as e da escrita, rever valores e conhecer as pe-
noções de tipo de texto e gramática que tí- culiaridades da cultura local.
nhamos até então. Hoje é preciso ter conhe-
cimento do gênero, formar os alunos para o Como trabalhar a situação de produção
uso da língua. na escola sem torná-la artificial?
Em alguns casos os projetos ficam artificiais.
Diante de tamanha diversidade, que gêne- Não o conteúdo, o discurso, o gênero, mas a
ros textuais ensinar? situação de produção (o que escrevo, com que
É difícil determinar. Isso vai depender muito finalidade, para quem ler, para circular em que
da cultura local. No mundo atual, por exemplo, portador...). A tendência é abandonar a situa-
o gênero digital vem ganhando cada vez mais ção de produção e situar a atividade didática:
espaço. Mas dar essa resposta sem consi “Vamos fazer de conta que nós estamos fa-
derar a realidade de cada canto do Brasil zendo um jornal”. Se o professor não faz ideia
poderia condenar muitas comunidades a uma de como funciona o jornal, a tendência dele é
situação de exclusão. É preciso conhecer a misturar a situação do funcionamento esco-
cultura em que a escola está inserida para lar com a situação original do gênero, que ele
pensar num projeto voltado para essa comuni desconhece. Para garantir uma boa situação
dade. Isso inclui mapear os níveis de letra- de produção é imprescindível entender o fun-
mento dessa comunidade: as pessoas leem o cionamento da esfera de circulação da insti-
quê? Utilizam a leitura para quê? tuição que o produz, assegurando a condição
original do gênero.
E como trazer para a escola o repertório e
os produtos da cultura local? No final de cada Caderno do Professor –
Muitas vezes a escola está distante, não Poetas da Escola, Se bem me lembro... e
valoriza e até discrimina a realidade, a cultura Pontos de Vista – oferecemos alguns mo-
do lugar. O trabalho fica aborrecido, provoca delos (“Textos recomendados”), pois
indisciplina, desistência, resistência. Os alu- muitos professores não têm material à
nos, embora estejam dentro da mesma sala disposição...
de aula, sentem-se literalmente excluídos. Todos têm modelos. É importante trabalhar
Uma maneira é abrir espaço para dialogar, com vários textos para evidenciar o que é mo-
levar em conta o ponto de vista do outro. Por delar. É interessante que o professor possa
exemplo: “Quais os interesses dessa comuni- buscar modelos naquele gênero, identificar
dade? O que faz de melhor? Rap?”. Pode ser as marcas que se mantêm e as que se modifi-
que você não aprecie o Rap, que não seja de cam. As variações vão depender do escritor,
sua geração, mas há letras que têm um apelo do contexto, do perfil do leitor. Dessa forma, a
poético bem interessante. Assim, é possível proposta de trabalho com gêneros textuais é
aproximar os alunos de outras letras de modelar sem ser normativa nem prescritiva.
Na Ponta do Lápis – ano V – nº 11
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Dentro de mim mora uma casa
Jorge Miguel Marinho
“João escreveu três palavras, colocou as três numa garrafa e jogou tudo no
mar. Não se sentiu mais conhecido nem sentiu a vida melhor. Mas o senti-
mento de diminuir as distâncias ou aproximar as pessoas foi lá no fundo do
seu coração. Acontece o seguinte: quando João escreveu as três palavras
que um dia alguém achou na garrafa e não entendeu muito bem por que
elas apenas diziam “Eu estou aqui”, ele procurou com todas as mãos e to-
das as letras de todos os tempos o primeiro “sentido de escrever”, que é
partilhar com o mundo o que existe dentro de cada um.”
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de opinião que criticam e condenam as queimadas dos canaviais, a bandida-
gem, o tráfico de drogas; a falta de postos de saúde, de água, de asfalto, de
saneamento; o desemprego; a demora do ônibus; os animais em extinção; a
preservação dos rios; a poluição da natureza e das emoções; a corrupção;
a violência atroz com mortes misteriosas; e muita saudade de um mundo que
ainda ninguém viveu...
Mas de tudo isso o que é mais significativo são as palavras de tristeza
que parecem doer na mão de quem escreve e nos olhos de quem lê. Veja só a
sensibilidade dessas passagens que revelam mais uma vez “a falta, a carên-
cia e a penúria” de um lugar que as crianças projetam e ainda não tem chão
para acontecer: “Quero deixar para trás a tristeza de mudar”, “Não preciso
ter lembranças, pois vivo a esperar”, “Ontem alegria, hoje só solidão”,
“O nosso mundo está muito doente”, “Seria aqui o meu lugar? Dá vontade de
chorar.”.
Note e anote que são palavras tristes, mas escritas com uma “caligrafia
feliz”. Isso acontece porque, com a mesma força que as crianças denunciam
os males da vida, estão também escrevendo e anunciando um dia esperançoso
que está quase por se fazer.
Nesse trabalho, é sensível e comovente a participação dos professores
nas oficinas, que como mestres na arte de acolher o imaginário das crianças
e apontar com o “cajado” do conhecimento o norte dessas e tantas outras
trilhas do exercício de escrever são os primeiros leitores desses textos reve-
ladores que nos fazem tão bem.
E não é de mais lembrar que nesse jeito tão sensivelmente bonito de bus-
car, invadir e morar na casa que existe dentro de cada um todos estão certa-
mente “escrevendo” o futuro com uma moradia feita de cimento, madeira ou
taipa que será a habitação coletiva de um imenso país. De verdade mesmo,
“a casa” de verdade parece já estar assentando tijolo por tijolo e sendo
erguida com mais força, aventura, luta e imaginação. Ela vem do desejo de
criar um lugar onde se viva com mãos de crianças que, apesar de serem
sofridas devido às injustiças da vida, nunca deixaram escapar o sonho de
fazer amorosamente uma cidade mais acolhedora, uma pátria mais que amada,
enfim um país mais humano e humanamente mais feliz.
Mãos à obra então, crianças e professores que, no seu pedacinho de terra
fértil de imaginação, sonham todos os dias o sonho de todos nós. E não se
esqueçam nunca de que nós acreditamos em vocês.
Jorge Miguel Marinho é professor de literatura, ator, roteirista, escritor. Entre as obras
publicadas, destacam-se Lis no peito, prêmio Jabuti; Na curva das emoções, prêmio APCA;
e O cavaleiro da tristíssima figura, prêmio HQMIX.
Na Ponta do Lápis – ano V – nº 11
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Boa Vista – RR
Do que falam Terra para todos
“Hoje nosso Estado passa por muitos
Sapucaia – RS
Experiência: posto de saúde
no laboratório da escola
“A grande polêmica é o posto de saúde.
É essencial termos um posto em nossa
comunidade para atender a grande po-
pulação. Mas o caso é que querem abrir
Na Ponta do Lápis – ano V – nº 11
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Paraupebas – PA
Os batatas de Paraupebas Caicó – RN
“Muitos problemas estão sendo causa-
De que água beber?
dos por eles, inclusive mortes misterio-
sas. Estou falando dos ‘batatas’, pessoas “Aqui está ocorrendo uma discussão muito
que compram cartões de bancos para importante: se usamos a água do Itans ou da
roubar dinheiro de pessoas inocentes.” adutora. Sou a favor da água do Itans, e as
Francisco Alex Santos de Andrade
pessoas que são contra não pensam que,
com um certo tempo, a água do Itans ficará
tão limpa como a da adutora e, quando cho-
ver, ficará mais pura que atualmente.”
Indiara Alves Fernandes
São João – PE
Canalizar para ninguém
entrar pelo cano
“A população do povoado Volta do
Rio enfrenta um problema seriíssimo,
que é a falta de água. Precisam de
uma nova rede de abastecimento com
uma canalização adequada, pois a
que temos é de péssima qualidade.”
Josiane de Almeida Silva
Campo Belo – MG
Desperdício de dinheiro?
“No ano passado teve uma reforma
que melhorou, mas não resolveu todos
os problemas da escola. Algumas pes-
soas não concordam com a constru-
ção de uma nova escola, pois acham
que seria desperdício de dinheiro.”
Gabriela Aparecida Mendes
população defende a continuidade das queimadas, [para secar café na avenida]. Dizem que a
pois, a mecanização do corte causará o desemprego. medida atrapalhou o trânsito, que a popu-
Sou contra as queimadas porque o município tem lação não foi avisada com antecedência e
condições de criar novas fontes de trabalho, apro- que essa atitude abre precedentes para
veitando essa mão de obra. De que vale ter empre- outros produtores solicitarem o mesmo
go se não se tem saúde?” benefício.”
Jaciara Jannyne Silva Santos Angélica Larissa Ferreira
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A escrita não é um dom: é algo
que se ensina e se aprende
Por trás de um bom texto há um longo dade. Definida a polêmica, o aluno expõe
processo de trabalho. O primeiro passo é o seu ponto de vista – defendendo-o com
esclarecer aos alunos a situação de produ- argumentos convincentes para deixar clara a
ção: quem escreve, com que intenção, para posição assumida –, busca informações e traz
quem ler, e assim definir o gênero mais ade- para o texto outras opiniões para sustentar
quado para a escrita do texto. sua argumentação. Artigo escrito, professor
No caso da produção de um artigo de e aluno assumem o papel de leitores, verifi-
opinião, não basta que o aluno apresente os cando se o texto cumpre a função a que se
problemas de sua cidade ou reclame da si- propõe.
tuação. É preciso que ele identifique e ana- Leia o texto “Criança sofre” e responda o
lise a questão polêmica que afeta a comuni- desafio na página ao lado.
Criança sofre
Régio Adriano Alves Freire
O mundo não é tão competente como deveria ser, pois desde pequeno eu e alguns
colegas meus dávamos um duro danado nas cerâmicas da minha cidade.
O barro molhado exposto ao sol quente da região causava um grande mal-estar, mas
assim mesmo tínhamos que sair cedinho e voltar ao meio-dia, só depois íamos à escola.
Isso tudo é uma grande injustiça comigo e com todas as crianças que trabalham, pois
o cansaço maltrata a mente e não conseguimos aprender com facilidade, bloqueando
assim muitas coisas que poderiam fluir diante das consequências que aparecem.
Criança tem que brincar, estudar e esperar chegar à fase adulta para trabalhar. Hoje
existe o Programa Bolsa Escola, Peti e outros, que dão oportunidades de estudar sem
trabalhar. Só que as famílias continuam vivendo miseravelmente e precisando da ajuda
dos filhos para sobreviverem, pois mais importante do que esses programas do governo
seria um emprego digno com salário justo para os pais dessas crianças, inclusive o meu.
Se isso acontecesse, ninguém vinha à escola sem caderno, sem lápis e sem o restante
do material. Seríamos crianças de barriga cheia e cabeça também, não cheia de sonhos
e fantasias, e sim vontade de estudar de verdade, de saber resolver todos os problemas que
aparecessem, até mesmo os de matemática. Quando tudo isso acontecer, nunca mais
direi que “criança sofre”.
Régio Adriano Alves Freire. Texto produzido em 2004 quando era aluno da 5 -ª série da Escola
Francisco Nonato Freire, Alto Santo – CE.
Na Ponta do Lápis – ano V – nº 11
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É hora de verificar seus conhecimentos sobre o gênero artigo de opinião.
Assinale as respostas mais adequadas.
1. Num artigo de opinião, o autor... 4. Ao escrever um artigo de opinião, o autor emite
a) Toma posição sobre uma questão polê- seu ponto de vista e...
mica. a) Publica-o em jornais e revistas, manten-
b) Divulga um fato. do neutralidade.
c) Relata experiências do cotidiano. b) Desenvolve a capacidade de narrar os
d) Enumera problemas da comunidade. fatos.
c) Procura não influenciar o leitor com
2. Para convencer o leitor de seu ponto de vista,
suas opiniões.
d) Incorpora a seu discurso a fala de outras
o autor deve trazer para o texto a opinião dos
pessoas que já se pronunciaram a res-
adversários. Em “Criança sofre” há discussão
peito do tema, valorizando-a ou desqua-
entre opiniões contrárias?
lificando-a.
a) Sim, no trecho “Criança tem que brin-
car, estudar e esperar chegar à fase
adulta para trabalhar.” 5. No texto “Criança sofre”, o objeto de crítica
b) Há, mas deve ser ampliada por meio de do autor é:
pesquisas, entrevistas, porque no texto a) A dificuldade de aprendizagem.
foram apenas citadas “Hoje existe o b) O clima árido da região.
Programa Bolsa Escola, Peti e outros, c) A crise cultural.
que dão oportunidades de estudar sem d) O trabalho infantil e os projetos sociais
trabalhar”, sem trazer as opiniões dos do governo.
que são a favor dos programas sociais
do governo.
c) Há o testemunho, autoridade construída
6. Identifique o trecho do texto “Criança sofre”
que revela a questão polêmica, a denúncia do
pela experiência vivida.
problema, o ponto de vista do autor.
d. Sim, aparece quando o autor denuncia
um sério problema e reforça essa posi- a) “[...] vontade de estudar de verdade, de
ção com bons argumentos. saber resolver todos os problemas que
aparecessem, até mesmo os de mate-
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O que se ensina
e o que se aprende
Professora põe a mão na massa e conta, passo a passo,
como ensinou seus alunos a escrever um artigo de opinião.
Ao conhecer o material, fiquei imediata- livro Cenas de rua, de Ângela Lago, reforçou a
mente motivada a levá-lo para a escola onde ideia de que “nem todo menor de rua é um pi-
atuo como professora de sala de leitura. O tema vete”. À medida que avançavam as discus-
“O lugar onde vivo” possibilitou aos alunos a sões, a defesa da comunidade ficava mais evi-
reflexão e o questionamento de sua realidade, dente nas produções dos alunos.
enquanto moradores de uma comunidade ca- Buscamos mais informações entrevistan-
rente e violenta. Era a oportunidade de conhecer do dona Jaci, presidente da Associação de
bem mais que o lugar: redescobrimos pessoas, Moradores do Jardim Carioca – Complexo do
interesses, desejos... Foi uma forma de crescer Dendê. Com isso, os alunos descobriram que
mos juntos – professor e alunos –, discutindo existem pessoas lutando para fazer da favela
questões pertinentes à vida na favela: o bom, um lugar melhor para se viver.
o ruim, o estigma, o preconceito. Vencida boa parte das oficinas, chegou a
Iniciei o projeto com atividades de sensibi- hora da produção do texto final. O tema esco-
lização a partir de imagens, músicas, poemas, lhido – “No morro não mora só bandido” – evi-
frases, palavras. Os alunos fizeram as primei- dencia o preconceito que tanto angustia os
ras leituras do lugar. Era necessário que eles moradores de comunidades carentes.
se identificassem com o local, se percebessem Finalizado o texto, iniciamos o processo de
como membros da comunidade. revisão e aprimoramento. Retomei as orienta-
Propus a primeira produção escrita. Nela ções do Caderno do Professor – Pontos de
os alunos enumeravam, descreviam os proble Vista, revisitando inclusive algumas oficinas.
mas, sinalizavam vários aspectos negativos Acompanhei o grupo bem de perto. Conver-
da favela, mas sem a preocupação de delinear sei com cada aluno: juntos relemos os tex-
as questões polêmicas. Por isso, planejei a tos, refizemos algumas argumentações. Tirei
discussão dos temas mais relevantes: violên- dúvidas, fiz intervenções e correções.
cia, tráfico, discriminação, desemprego, fome. Por certo, o trabalho não terminava ali, es-
As situações eram debatidas; as opiniões, tava apenas começando. Outros professores
fundamentadas e fortalecidas, eram incorpo da escola também pretendem trabalhar com as
radas aos textos produzidos pelos alunos oficinas, atividades da sequência didática do
durante as oficinas. Caderno do Professor. De tudo, fica a crença
Para alicerçar a argumentação, li textos de de que escrever com qualidade é uma habili-
diferentes gêneros e autores. Não foi difícil dade que se ensina e se aprende.
apresentar Chico Buarque às crianças. Conhe-
ciam de perto a mutuca, o papel, a contramão,
o sinal fechado... (palavras presentes na letra Myrian Rodrigues da Silva Munhoz. Em 2004 era pro
da música Pivete). A leitura das imagens do fessora da Escola AliceTibiriçá, Rio de Janeiro – RJ.
Na Ponta do Lápis – ano V – nº 11
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Planejar o trabalho
• Ler atentamente as orientações do
Caderno do Professor – Pontos de Vista.
• Aprimorar o texto.
• Orientar a produção da escrita final.
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No morro não tem só bandido
Giselle Santos de Paula
Subindo a ladeira, ouvi uma frase de um para buscar o pão de cada dia e dar o que co-
grupo de jovens que desconhece o meu lugar, mer aos filhos, que ficam com a esperança no
dizendo que “no morro só mora bandido”. Isso coração, aguardando o pai voltar com vida e
não é verdade. Acredito. Isso é preconceito. alimentos. Tem crianças que querem brincar,
No lugar onde vivo, quase todo dia tem ti- estudar, querem um futuro melhor, pois algu-
ros que podem ser confundidos com barulho mas trabalham cedo demais porque têm pais
de fogos. O céu, à noite, fica iluminado pelas desempregados. Elas trabalham catando pape
balas e traçantes que cruzam o morro. Parece lão, varrendo ruas, vendendo rosas nos bares,
uma festa junina, mas não é. Se fosse festa se nos restaurantes e nos sinais, pois não querem
chamaria “Festa da Desesperança”; são ban- ser marginais.
didos e policiais trocando tiros, esquecendo- Na minha opinião, tem gente passando
-se da comunidade assustada, que não tem muita necessidade e a fome é tanta, que elas
nada a ver com essa guerra que tira vidas de vão roubar e, sem pensar no que estão fazen-
pessoas inocentes. do, se envolvem na bandidagem e no tráfico
Moro na Messina, no Jardim Carioca. Na de drogas. Com isso, o lugar onde moro vai
verdade, não parece um jardim. O lugar é tris- aparecendo na televisão e nos jornais.
te, doloroso e medonho; é como um beco sem A televisão não mostra o lado bom do mor-
saída e sem esperança. A comunidade só ro: as brincadeiras das crianças, a amizade da
mora aqui porque não tem dinheiro para mo- comunidade, as pessoas que são boas e que-
rar num lugar melhor. rem fazer a favela ficar bonita e um lugar bom
Ser pobre não significa ser bandido não. As de se viver.
pessoas não têm culpa de serem pobres. A Entendo que o aumento da violência acon-
maioria tem bom caráter, sensibilidade; elas tece por causa do desemprego e da fome.
só querem ser alguém na vida e ter paz. Portanto, os governos e as prefeituras devem
Sinto que todas as pessoas vivem tristes se preocupar mais com os pobres. Nós não
por causa da violência que mata e destrói fa- somos bichos nem bandidos. Somos traba-
mílias, que não têm nada a ver com o tráfico lhadores e cidadãos que precisam de empre-
de drogas. Eu percebo o medo no rosto das go, um bom lugar para se viver com dignidade,
pessoas quando há tiros, quando acordam ou mais escolas, hospitais.
vão dormir, e torço para que só escutem o ba- Quando isso acontecer, aí, sim, eu vou morar
num verdadeiro Jardim Carioca e vou deixar de
rulho de pássaros cantando, pois quero ver a
ouvir a frase que tanto me deixa chateada...
felicidade, a harmonia e o amor no meu lugar.
Favela não tem só bandido, não. Nem todo
Giselle Santos de Paula. Texto produzido em 2004
mundo conhece o lugar onde vivo. No morro tem quando era aluna da 4ª- série da Escola Alice Tibiriçá,
pessoas saindo cedo de casa para trabalhar; Rio de Janeiro – RJ.
Na Ponta do Lápis – ano V – nº 11
20
Contra sua vontade
(Black e Rita)
Fabiana Aparecida Teixeira Alexandre
Fabiana Aparecida Teixeira Alexandre. Texto produzido em 2004 quando era aluna da
4ª- série da Escola Municipal Sorocaba Leste, Sorocaba – SP.
Na Ponta do Lápis – ano V – nº 11
21
Recordar
para contar
Etimologicamente, “recordar” vem de
“re” + “cordis” (coração), significando,
literalmente, “trazer de novo ao coração
algo que, devido à ação do tempo, tenha
ficado esquecido em algum lugar da
memória”. Podemos dizer que, em linhas
gerais, é exatamente essa a função de um
texto do gênero memórias literárias.
Ana Lima
22
aquele texto oral em escrito. Além disso, e expressões que transportam o leitor para uma
precisa atender a algumas características es- certa época do passado (“antigamente”, “naquele
pecíficas desse gênero. O escritor, por exem- tempo” etc.), referência a objetos, lugares e mo-
plo, deve assumir a voz da pessoa entrevistada, dos de vida do passado, descrições de lugares
ou seja, o texto deve ser em primeira pessoa. ou pessoas e explicação do sentido de certas
Não se trata de um simples reconto do que ou- expressões antigas ou de palavras em desuso.
viu na entrevista, e sim de uma reinterpretação, Enfim, cabe ao escritor posicionar-se como
que deve resultar em um texto de natureza lite- um pesquisador que busca recuperar a memória
rária, narrativo em sua maior parte. Em nenhum coletiva de sua cidade e, por meio do seu texto,
momento se pode perder de vista que há um possibilitar que os leitores “tragam para o cora-
leitor curioso para conhecer o passado, de ção” um passado que, mesmo não tendo sido
modo que o texto deve ser escrito com criativi- vivido por eles, foi decisivo para que sejam o
dade, de tal maneira que esse leitor sinta-se que são atualmente.
envolvido por ele.
Alguns elementos normalmente presentes nos
textos de memórias literárias são as comparações Ana Lima é professora do Departamento de Letras
entre passado e presente, a presença de palavras da Universidade Federal de Pernambuco.
23
“Uma experiência humanizadora”
Assim a professora Ecléa Bosi, do Instituto de Psicologia da USP, define as atividades de crianças
com histórias e memórias de idosos. Ela é autora, entre outros, de Memória e sociedade:
lembranças de velhos, um dos mais importantes trabalhos sobre o gênero, incluído pelo
Ministério da Educação entre as cem obras sobre o Brasil que devem compor as bibliotecas
escolares públicas. Desde menina sempre gostou de ler e escutar histórias. Traduziu autores
como Leopardi, Ungaretti, García Lorca e Rosalia de Castro. Ela chama a atenção para o compro
misso que se assume com alguém quando escutamos e registramos sua história de vida: “O es
cutador torna-se responsável eticamente pela narrativa e pelo narrador, não pode abandoná-lo”.
Como foi seu envolvimento com a pesqui- Não nos cabe dizer. Uma das entrevistadas,
sa de memória? a dona Risoleta, me disse: “Ah! O cometa
Quando eu era criança havia uma invasão me- Halley! Eu vi, sim, foi no dia em que o papa
nor da mídia dentro das casas, pouca televi- morreu e a terra tremeu”. Sabe-se que nem
são. A grande distração da criança, além das o papa tinha morrido nem a terra tremido.
brincadeiras de rua, era escutar histórias dos Acontece que nenhuma outra narrativa mos-
pais e avós. Caminhávamos muito em São tra a emoção que se sentiu, pessoas se ati-
Paulo. Eu morava perto da rua Oscar Freire e raram do viaduto achando que era o fim do
estudava nos Campos Elíseos, ia e voltava a mundo, houve uma convulsão social tão
pé. Nessas caminhadas, meus companheiros grande em São Paulo, que só essa narrativa
pediam que eu contasse histórias, para abre- ingênua de uma pessoa iletrada, embora sá-
viar o tempo. Quando escrevi Memória e so- bia como dona Risoleta, pudesse dar ideia
ciedade: lembranças de velhos, uma tese de- do que tenha sido.
fendida em 1978, começou em toda parte uma
onda de pesquisas sobre memória. Penso que Qual a função social da memória? De que
a inspiração para esse trabalho, tanto para forma o trabalho com a memória pode
mim quanto para os outros pesquisadores, colaborar para o enfrentamento dos pro-
veio da necessidade de um encontro com o blemas atuais?
passado mais próximo de nosso tempo. Depoimentos que você colhe não devem ser
simplesmente arquivados. Todo depoimento
Como pensar a história com base na me- existe para transformar a cidade em que ele
mória de velhos? floresceu. Escutar uma narrativa desenca-
A memória de velhos é diferente da história deia em você, ouvinte, compromisso com o
oficial. Os depoimentos são cheios de lacunas, narrador, com a própria cidade em que a nar-
diferentes da história que se lê nos livros. rativa floresceu. Você é responsável. Por
Você ouve um depoimento de alguém que as- exemplo, eu entrevisto pessoas muito ido-
sistiu a um desastre e a narrativa dessa tes- sas e sensíveis às transformações urbanas.
temunha traz susto, emoção. Ainda que não Isso desencadeia um compromisso com o
seja perfeitamente objetiva, há alguma coisa plano diretor da cidade. Em uma pesquisa
Na Ponta do Lápis – ano V – nº 11
profundamente verdadeira: a emoção que o que fiz verifiquei que a maioria dos idosos
desastre desencadeou e que atravessa a acidentados na seção de ortopedia do Hos-
narrativa. Em 1910, o cometa Halley atraves- pital das Clínicas de São Paulo não era caso
sou o céu de São Paulo. Entrevistei pessoas de médico, mas de advogado, por causa das
da época e ouvi maneiras diferentes de falar calçadas da cidade, das casas populares
da passagem do cometa. Qual a verdadeira? malconstruídas...
24
Todas as entrevistas e depoimentos são Na proposta do Caderno do Professor os
aproveitados? Que critérios são utilizados alunos são pesquisadores da memória e,
para selecionar os melhores depoimentos? orientados por seus professores, procuram
Não, nem todos são aproveitados. Ou por falhas os idosos em suas comunidades, ouvem
técnicas ou acidentes biográficos do idoso, que suas histórias e as reescrevem. Que im-
não pode continuar. Não existe uma narrativa portância a senhora vê nisso? Como ava-
que seja completa. Em certo momento o ouvinte lia esse tipo de trabalho?
para e o narrador para, mas a história continua Acho que os alunos estão praticando a ver-
tanto na cabeça do ouvinte como na cabeça do dadeira cultura que é a inserção do passado
narrador. A história se completa em nós mes- no presente; as pesquisas das crianças são
mos. Para você registrar uma história de vida humanizadoras. Lembro-me de uma pesqui-
seria preciso um escutador infinito. Todos os sa maravilhosa feita pela atriz Lélia Abramo
depoimentos são bons e merecem o mesmo (1911- 2003). Ela trabalhou na Secretaria de
respeito. Eles não são motivos de nostalgia, Cultura de São Paulo com a prefeita Luiza
mas de luta para quem merece escutá-los. Erundina. Foi às escolas públicas munici-
pais e pediu que as crianças falassem sobre
Que sugestões e conselhos a senhora da- seus avós. Eu li as produções. Esse trabalho
ria aos professores que estão trabalhando mostra o cerne do problema social do idoso,
o gênero “memórias”? embora contado por crianças muito novas. É
Essa pergunta me foi feita tantas e tantas ve- uma situação que se reproduz nos lares.
zes, que escrevi um capítulo sobre isso no livro Deseja-se que o idoso ajude a lavar louça, a
O tempo vivo da memória. O estudioso da memó tomar conta dos pequenos, faça trabalhos
ria deve ser uma pessoa preparada; não basta por vezes pesados. Mas, se ele quiser dar
que conheça metodologia de pesquisa. Ele pre- um conselho para um adolescente sobre
cisa compreender o depoimento como um tra- comportamento, escola, educação e uso do
balho do idoso, ele não pode registrar sem que tempo do neto, é logo convidado a se calar.
o idoso tenha conhecimento da narrativa. Por Do idoso se deseja o braço servil, mas não
mais simples que seja, o idoso tem o direito de o conselho. Ele tem experiência, tem memó-
reler aquilo que falou e ver se está de acordo. É ria, discernimento e tudo o que é necessário
uma questão ética. Entre todos os conselhos de para dar um conselho. Por isso fazer com
método que dou, o mais importante é a responsa que o aluno procure o tio idoso, o avô, o velho
bilidade pelo outro. Para a pessoa idosa, o de- de asilo que ninguém mais visita e que se
poimento sobre a sua vida é um ato de amizade. sente banido é uma experiência humaniza-
O escutador tem que responder a esse ato de dora. Embora se fale muito dos direitos da
amizade com outro ato de amizade. Ele se torna terceira idade, vivemos na época do descartá-
responsável eticamente pela narrativa; é um vel, do consumo. Essa época não é favorável
pesquisador diferente dos outros porque tam- ao oferecimento da memória, da experiên-
bém se torna responsável pelo narrador e não cia. Fazer com que a criança se volte preco-
pode abandoná-lo, tem de visitá-lo. Recebemos cemente para a história oral contada pelos
do entrevistado uma coisa preciosíssima: ele mais velhos é uma valorização pública do
nos dá alento, seu tempo de vida. idoso.
26
desejo esperava minha vez. Lia devagar cada palavra, obedecendo à
pontuação, controlando o fôlego. Dona Maria Campos dizia que nas vír-
gulas a gente respirava e no ponto final dava uma paradinha.
Mas o melhor era quando ela nos mandava guardar os objetos. A
gente fechava o caderno, guardava o lápis e a borracha dentro do estojo
e esperava com os braços cruzados sobre a carteira. Assim, ela continua
va mais um pedaço da história. Parecia com a Sant’Ana da capela com
o livro no colo. Eu não acreditava que podia existir outro céu além da
nossa sala de aula.
Ficava intrigado como num livro tão pequeno cabia tanta história,
tanta viagem, tanto encanto. O mundo ficava maior e minha vontade era
não morrer nunca para conhecer o mundo inteiro e saber muito, como a
professora sabia. O livro me abria caminhos, me ensinava a escolher o
destino.
Eu pedia o livro emprestado, depois que Dona Maria terminava. Levava
para casa e brincava de escola com meus irmãos menores. Assentava
com o livro, com pose de professor, e lia para eles. Era difícil guardar tanta
beleza só para mim. Não sei se gostavam da leitura ou se imaginavam,
um dia, serem alunos da minha escola.
Meu pai, assentado na escada da casa, prestava atenção na minha
leitura, de maneira despistada. De noite, antes de dormir, curioso, ele
queria que eu adiantasse um pouco mais da história. Mas eu não contava.
Sabia que imaginar fazia parte da leitura.
27
Crianças do Brasil Feijó – AC
Dezoito horas andando na mata
mantêm viva “Na época que cheguei a Feijó não havia transporte
terrestre, apenas os comboios que transportavam
Três Lagoas – MS
Gramado – RS
A arte de fazer carroça
A pé era mais rápido que de trem
“Aprendi com o amigo Zé, já falecido. Ele
“Na Várzea Grande ficavam a antiga estação ferro-
usava o tronco do ipê-amarelo, uma árvore
Na Ponta do Lápis – ano V – nº 11
28
Jijoca de Jericoacoara – CE
Jeri, antes dos turistas Timbaú – PE
“Lembro-me de tudo como se fosse hoje. Ir de cambiteiro para a festa
Aqui não existia turista nem eletricidade. À “A festa de Reis era a mais animada de
noite fazíamos fogueira para assar peixes e todas. Vinham pessoas da cidade e dos en-
em volta da fogueira cantávamos e ouvíamos genhos vizinhos a pé, a cavalo ou de cambi-
dos amigos histórias sobre a lenda da Pedra teiro – um pequeno trem que servia para
Furada, do Serrote e da Pedra do Jacaré. Je- transportar a cana para a usina Cruangi.”
ricoacoara era conhecida como Serrote.” Pedro Severino da Silva.
Juverlan Araújo Cunha. Entrevistou Severino Correia de Souza, 51 anos.
Entrevistou Antônio Belarmino de Souza, 83 anos.
Itamogi – MG
Fogão a lenha, café no bule
“Onde eu morava tinha uma cozinha de madeira, um
fogão a lenha com chaminé, sempre aceso, com bule
de café quentinho sobre a chapa. Que saudades tenho
do barulho dos carros de boi passando pelas ruas de
terra. Às vezes, vinham carregados do nosso ‘ouro
verde’, o café, que até hoje impera na nossa cidade.”
Guilherme A. Chagas Silva.
Entrevistou Vitor Pedro da Silva, 70 anos.
Nova Granada – SP
Cinema sem pipoca e
com bolo de fubá
“[...] no cinema montado pela família
Zampronha, na frente da vendinha de
ferragens, não sei o que era melhor, se
a tela de pano molhado para não incen-
diar com o calor do refletor que ficava
atrás dela, se o achocolatado e o bolo
de fubá servido nos intervalos.”
Moniele Cristina dos Santos.
Entrevistou Cezar Monteiro, 86 anos.
Navegantes – SC
Na Ponta do Lápis – ano V – nº 11
29
Ensinar: A sociedade contemporânea vive a era da
informação. Jornais, revistas, televisão, rá-
dio, e-mail, blog, comunidade virtual, orkut
O quê? Como? possibilitam que a informação circule em
quantidade, velocidade e transitoriedade im-
pressionantes.
VoCÊ Tem
Algumas?
EU SOU
Ao organizar uma sequência didática,
SÓ INCERTEZA!
é preciso preparar detalhadamente
cada uma das etapas do trabalho.
DE que jeito
1. C ompartilhar a proposta de trabalho com os alunos
EU JÁ É importante explicar o trabalho passo a passo.
TERMINEI O MEU. vai trabalhar
Uma sugestão é fazer uma roda de
VOU TRABALHAR esse gênero conversa para apresentar o gênero
COM CONTOS com a turma? que será estudado e comentar as
FANTÁSTICOS. diversas atividades que serão
desenvolvidas. Organize, junto
com a turma, um plano de ação,
anotando em um cartaz cada
etapa da proposta.
30
Diante desse cenário, surge um grande de- mite integrar as práticas sociais de lingua-
safio para a escola: definir quais conhecimen- gem – escrita, leitura e oralidade –, guiando
tos acumulados no curso da história devem as intervenções do professor.
ser ensinados e de que forma.
Pensar o ensino da língua portuguesa, por Vamos refletir sobre as orientações
exemplo, exige do educador o domínio da língua, metodológicas da sequência didática
de seus princípios de aprendizagem, e uma re- A sequência didática tem como finalidade
flexão minuciosa da realidade, para então orga- abordar aspectos envolvidos na produção de
nizar e articular a seleção de temas e conteúdos textos em um determinado gênero. Esse con-
que devem ser ensinados sistematicamente. junto de atividades permite que os alunos do-
Para trabalhar com gêneros textuais é fun- minem as características próprias do gênero
damental elaborar uma sequência didática, em estudo e tenham condições de escrever
um roteiro de ações. Esse procedimento per- cada vez melhor.
mais adequado ao gênero. Por exemplo: para crônica, transforme os textos dos
alunos em um livro ou coletânea; se você trabalhou com notícia, publique-as
no jornal local, ou no jornal mural. Com a publicação pronta, prepare com cuidado
o lançamento. Convide pais, professores, colegas da escola, pessoas da comunidade.
Essa significativa conquista – de professor e alunos – merece celebração.
31
Da lamparina
à energia elétrica
Tarine Silva Ribeiro
32
A danada da televisão era em branco e preto e só pegava
um único canal. Quando ela resolvia sair do ar o pessoal fi-
cava vendo listras por um tempão; nem colocar bombril na
antena resolvia. Meu pai faleceu bem velhinho e em home-
nagem ao morador antigo o nome Ezequiel Pinto Cabral foi
colocado na rua onde eu passei a minha infância, bem em
frente à praça da igreja matriz. “Encho-me de saudade toda
vez que passo por essa rua.”
Após abrir o seu coração, vovó, emocionada, me disse:
“É, minha neta, apesar de ser do tempo da lamparina, eu ja-
mais poderia esquecer as recordações que ficaram na mi-
nha mente até hoje”.
Nós sorrimos e ficamos abraçadas por um longo tempo.
Desde então, perdi o medo do escuro e percebi que apesar
de a minha cidade ser simples e pequena no tamanho, com
seus um mil oitocentos e cinquenta habitantes, ela é grande
no meu coração e inesquecível na mente dos moradores.
33
Superando obstáculos
Com poucos recursos e muita força de vontade, professora do Pará conta como
envolveu e motivou seus alunos a pesquisar e produzir textos de memórias.
34
Análise do texto
Lembranças de um tempo e lugar, de acontecimentos testemunhados pela
entrevistada dona Faustina e recriados pela aluna Roseane em “Ontem alegria, hoje solidão”.
Fazemos dois convites: o primeiro para ler e se emocionar com a narrativa e, depois,
para acompanhar a análise detalhada do texto.
35
Crianças escutam memórias
e aprendem história
Conceição Cabrini
A vida não é a que a gente viveu, e sim a infância, de como era a vida antigamente, des-
que a gente recorda, e como recorda creveram a cidade onde moraram e aquela na
para contá-la. qual residem atualmente, as mudanças ocorri
Gabriel García Márquez. Viver para contar. das, compararam o presente ao passado. Com
base nesses relatos as crianças escreveram
textos como se fossem os entrevistados, tor-
Lendo os textos de memórias literárias nando-se assim produtores de memórias do
elaborados pelos alunos que participaram do lugar onde vivem.
concurso em 2004 nos damos conta de que, Recolher memórias propiciou aos alunos a
embora esse projeto tenha como principal ob- oportunidade de compreender que o relato
jetivo colaborar com os professores no ensi- oral é também uma fonte histórica. Eles tam-
no da escrita, ele faz mais que isso: penetra bém foram em busca de outras fontes, pro
em outras áreasdo conhecimento, construindo curaram objetos antigos, fotografias, cartas,
conceitos também de história. registros, os quais entenderam e valorizaram
Isso ocorre principalmente nas oficinas como importantes documentos históricos.
propostas no Caderno do Professor – Se bem
me lembro... em que os alunos aprenderam o
procedimento de entrevista e, de porte dessa Formação do pensamento histórico
ferramenta, provocaram a memória de idosos. Valendo-se desses procedimentos, os
Estes, sentindo-se provocados, evocaram suas alunos puderam localizar fatos significativos
experiências e fizeram emergir pessoas, lu- e refletir sobre o tempo e a vida das pessoas
gares, sons, cheiros que impregnaram suas que contaram suas memórias. As entrevis-
memórias ao longo da vida. Falaram de sua tas possibilitaram aos alunos, por exemplo,
Na Ponta do Lápis – ano V – nº 11
36
verificar se a divisão do trabalho, as relações Muitas vezes esses relatos eram comple-
de poder e o modo de vida (participação do mentados e questionados nessas conversas
homem, da mulher, da criança, dos idosos informais e o professor podia chamar a aten-
nas atividades de sobrevivência, os respon- ção para o fato de que quem relata seleciona
sáveis pela tomada de decisão na família, uma parte da experiência vivida , dá importân-
assim como a forma de moradia e de religio- cia maior a determinados acontecimentos, en-
sidade) mudaram ou permaneceram inalte- quanto outros são esquecidos. Além disso, o
rados na sucessão de gerações. Com isso, narrador, ao recuperar suas lembranças, atri-
tiveram a base para desenvolver as noções bui um novo significado aos acontecimentos, o
imprescindíveis na formação do pensamento que possibilita às pessoas construir uma nova
histórico: grupo social, tempo e espaço, do- representação dos fatos. Cada ouvinte, por
minação e resistência, permanência e mudan- sua vez, traduz essas lembranças em uma
ça, semelhança e diferença. nova versão do episódio relatado.
Os textos trouxeram reminiscências do Todos esses aspectos colaboraram para
passado e os alunos puderam perceber que que os alunos compreendessem que os episó-
há práticas antigas ainda comuns em seu co- dios contados não são os acontecimentos em
tidiano. Com isso estabeleceram um elo en- sua totalidade e colocassem em questão o
tre o passado e o presente e aprenderam os conceito de “realidade”. Essa reflexão permi-
conceitos de permanência e mudança históri- te apresentar o conceito de verdade na expli-
ca. Entretanto, as histórias recriadas não são cação histórica, a qual tem como alimento a
espelhos dos relatos ouvidos: elas indicam as memória e seus registros e uma explicação de
possíveis mudanças permeadas pelas novas que a “realidade” é feita de recortes. O discur-
experiências do viver cotidiano. so histórico é uma verdade e não a verdade.
Esses relatos também se tornaram tema Retomando a frase de García Márquez ci-
de conversa entre as crianças e seus familia- tada no início deste texto: a realidade é o que
res, vizinhos e amigos. Nesses diálogos, pu- contamos dela – a verdade é sempre uma
deram perceber que essas reminiscências versão do real.
não pertenciam apenas aos entrevistados, E nesse eterno contínuo está a vida, ou
mas foram construídas coletivamente no dia seja, a história.
a dia das pessoas que viviam num mesmo
lugar. É por isso que se pode dizer que a Conceição Cabrini é doutora em semiótica e ciência
memória de um indivíduo é constituída na da comunicação. Autora de livros didáticos e entre
memória coletiva. outros de O ensino de história – Revisão urgente (Bra-
siliense).
Na Ponta do Lápis – ano V – nº 11
37
Um dos grandes desafios que o professor enfrenta em sua prática
é ajudar seus alunos a escrever textos de qualidade. O primeiro passo para
o êxito desse trabalho é conhecer bem o gênero que se vai ensinar.
Por isso, propomos um desafio: “O que você sabe sobre o gênero memórias literárias?”.
38
Foi assim...
Beatriz Cristina B. Cardoso
Era uma manhã fria do mês de agosto. Abri a janela do meu quarto e olhei para
uma quaresmeira da praça. Lembrei-me da minha infância, quando havia muitos
prédios que com o passar do tempo foram demolidos. Não ouvíamos músicas
pela televisão, nem pelo rádio. Havia um coreto no largo da praça onde, aos
sábados e domingos, lindas músicas eram tocadas. Os casais iam lá “trocar
olhares” (naquela época era namorar). Quantos olhares troquei! Os ciprestes da
praça eram cortados em formato de instrumentos musicais. Havia um canteiro
de flores com as iniciais J. S., do prefeito José Sureti, e com o nome da cidade
Nova Resende, destruído pela rivalidade política. Aranhas e Caranguejos eram
partidos políticos rivais da época. Um banquinho era o símbolo da vitória polí-
tica: quando colocado do lado de cima da praça, vitória dos Aranhas; do lado
debaixo, vitória dos Caranguejos.
Recordo-me do dia da inauguração da luz. Era uma manhã ensolarada. Um
morador antigo, o Quincas Neto, ficou encarregado de hospedar em sua casa a
banda da Ventania, vinda da cidade vizinha de mesmo nome.
A banda executava as canções, quando os políticos da situação, os Aranhas,
resolveram subir até a rua dos políticos derrotados, os Caranguejos, para a inau-
guração da Casa da Luz.
Naquela época a cidade era dividida mais ou menos ao meio: da casa do senhor
Rosendo Gonçalves de Resende para cima, eram eleitores e políticos dos Caran-
guejos. Dali para baixo, dos Aranhas.
Recordo-me como se fosse hoje, apesar de esse fato ter ocorrido há mais ou
menos setenta e cinco anos. A banda, junto com os Aranhas, percorriam um
pequeno trajeto até a Casa da Luz. Quando iam se aproximando, a banda foi in-
terrompida por um grito do senhor João Gaspar (Caranguejo), que estava
acompanhado por outros amigos.
— Daqui para cima não passam!
Nesta hora o senhor Tonico Araújo respondeu:
— A banda da Ventania não passa, mas eu passo!
Dona Zota, uma moradora da cidade, vendo a confusão, tentou impedir.
Quando o primeiro tiro foi disparado, acertou a perna dela.
As pessoas tentavam se salvar como podiam: mães protegendo seus filhos,
pessoas gritando, músicos se enroscando nos instrumentos. O tocador de
bumbo tinha dificuldade para correr com seu instrumento. Naquele desespero,
falou aos berros:
— Desgraçado, vai para um lado, que eu vou para o outro.
O bumbo rolou rua abaixo, como se atendesse às ordens do dono. Papai nos
colocou para dentro de casa e eu escutava o zumbido das balas.
De repente, o sino da igreja matriz soou e voltei aos dias atuais. Tenho 84 anos
e faço um pedido: zelem por essa praça que foi e sempre será a sala de visitas de
nossa querida Nova Resende.
Na Ponta do Lápis – ano V – nº 11
Beatriz Cristina B. Cardoso. Texto produzido em 2004 quando era aluna da 4ª- série da
E. E. Padre Luiz Moreno, Nova Rezende – MG. Baseado na entrevista com dona Edite Sales,
84 anos.
39
Ofício
de poeta
Não me importo com as rimas. Raras vezes
Há duas árvores iguais, uma ao lado da outra.
Penso e escrevo como as flores têm cor.
Alberto Caeiro.
40
poéticos. Ao compor um poema, pode, por Mas poesia não é só aquilo que rima, tem
exemplo, explorar a musicalidade das pala- sílabas contadas, musicalidade, ou um esque-
vras, criar imagens com elas, brincar com os ma definido de composição. Não é só a forma
sons, ou dispor as palavras no papel de forma que importa, mas principalmente a maneira
inusitada. de ver as coisas, como nos revela Alberto
Algumas vezes os poetas jogam com a so- Caeiro (heterônimo de Fernando Pessoa) no
noridade das palavras, buscando sons simila- poema que usamos na epígrafe. Um modo di-
res, rimando as palavras no final dos versos, ferente do comum, como se o mundo fosse
ou repetindo sons parecidos ou iguais em vá- visto pela primeira vez.
rias palavras, fazendo com que elas ecoem ao O poeta, para exprimir seu olhar próprio e
longo do poema. O interessante é que brinca original, muitas vezes usa comparações. Pode
com os sons sem deixar de transmitir ao leitor ir além e transmitir a impressão que algo lhe
uma ideia, um sentimento ou uma sensação. causou, criando imagens. Quando faz isso,
Os poetas preocupam-se também com o usa o recurso da metáfora, dando às palavras
ritmo, ou seja, a cadência do poema, como um um sentido mais rico, como se elas quises-
tambor batendo a intervalos regulares, o que sem dizer alguma coisa a mais.
leva o leitor a conhecer o texto poético pelo Concluindo, não é fácil o ofício de poeta, é
ouvido. Por isso, tão gostoso quanto ler poe- preciso muito trabalho. Para compor seus
mas é ouvi-los sendo declamados. poemas, os poetas, mesmo aqueles já consa-
Além de ser percebido pelo ouvido, um grados, ficam muito tempo arrumando; organi
poema pode ser identificado pelo olhar, pelo zando; mexendo com as palavras; experimen-
modo como o texto é disposto na folha de tando vários jeitos de deixar o lugar-comum,
papel. Alguns poetas dispõem os versos de romper clichês e de encantar o leitor com
nas páginas de forma tão especial que criam sua maneira própria de ver o mundo.
uma imagem concreta, dando ao leitor a
ideia do que vai ler, antes mesmo de deci- Ana Helena Altenfelder é mestre em educação,
frar as palavras. autora do Caderno do Professor – Poetas da escola.
41
Lição para o professor: contar
aos alunos como conheceu a poesia
Marisa Lajolo é professora convidada do Instituto de Estudos da Linguagem da Unicamp. Cos-
tuma apresentar-se como alguém que, depois de inúmeras pesquisas, teses, artigos e livros
escritos sobre livros dos outros, resolveu escrever e publicar seu romance: “Gostei tanto da
experiência que a vontade é deixar os livros alheios em paz e fazer os meus próprios”. Das
conversas com a equipe de Na Ponta do Lápis e de questões enviadas a ela por e-mail, resultou
esta entrevista na qual Marisa fala da importância do trabalho com poesia para crianças e da
publicação dessas obras infantis. Destaca o papel do professor para os pequenos leitores: “Na
vida de cada leitor existiu, quando criança, um adulto que o introduziu no mundo dos livros.
Provavelmente o professor será – e precisa mesmo ser – essa pessoa a iniciar as crianças no
maravilhoso mundo da leitura. E, tratando de poesia, o melhor é o professor poder começar
pelo resgate de sua história de leitor/ouvinte de poesia”.
Qual sua opinião sobre o Caderno do Pro- talvez a mais valorizada socialmente. Daí a
fessor – Poetas da Escola? importância de um projeto que culmina com a
O Caderno do Professor – Poetas da Escola é produção de um livro. Meio que eleva a auto-
importante por várias razões. Mas duas são – estima de todos os envolvidos.
do meu ponto de vista – as mais importantes.
A primeira delas é que ele materializa o re- Que importância você vê na publicação
sultado do trabalho do professor. A outra é de textos infantis?
que ele documenta textos infantis, constituin- Creio que textos produzidos por crianças são
do assim um material muito útil para profes- uma porta de acesso para as hipóteses que
sores e pesquisadores. E é importante “mate- ela – a criança – constrói sobre o funciona-
rializar” o trabalho do professor. Acho que no mento da linguagem. No caso de poesia, os
trabalho escolar com a leitura e com a escrita textos que foram produzidos no bojo do proje-
fica sempre no horizonte a questão das mate- to são preciosos pelo que mostram das hipó-
rialidades dessas práticas. Um livro é uma das teses que as crianças constroem sobre o que
formas assumidas por essa materialidade, é e como se faz poesia. Tanto professores
42
quanto pesquisadores podem aprender muito poemas irresistíveis. Como se a poesia fosse
com esse material. Os poemas dos finalistas uma linguagem meio cifrada.
e semifinalistas do Escrevendo o Futuro em
2004 mostram que as crianças têm uma noção Mas você falava das lembranças do pro-
clara da especificidade da poesia.Tentam, por fessor...
exemplo, garantir a sonoridade do texto por Pois é. Creio que, se o professor pensar no
meio de rimas e de repetições de palavras e que funcionou e no que não funcionou com
se inspiram nos temas tradicionais da poesia. ele, vai conseguir fazer um trabalho interes-
sante. Desde, como já disse, que goste de
Como o professor pode começar o traba- poesia, e queira iniciar seus alunos na leitura
lho com poesia? e na produção de poemas. Será que os alunos
Acho que o trabalho com poesia pode ser mui- não vão gostar de saber qual foi o primeiro
to divertido e agradável. Desde, é claro, que o poema que a professora leu na vida? E saber
professor goste de poesia. Acho que o profes- por que ela gostou de tal poema? Na vida de
sor pode começar – antes de iniciar o projeto de cada leitor existiu, quando criança, um adulto
trabalhar poesia na sala de aula – pelo resgate que o introduziu no mundo dos livros. Prova-
de sua história de leitor/ouvinte de poesia. velmente o professor será – e precisa mesmo
Qual foi o primeiro poema do qual se recorda? ser – essa pessoa a iniciar as crianças no ma-
ravilhoso mundo da leitura.
No seu caso, qual foi esse poema?
Foi um poema que constava do livro de leitura Um trabalho como esse forma poetas?
do 4º- ano, e nunca me esqueci dele. Para mim, a escrita de poemas na escola não
É assim: tem a finalidade de formar poetas, embora, é
claro, possa perfeitamente também despertar
Bárbara be-la
em alguns alunos a vontade de escrever poe-
Do Norte estrela
mas. Tem a finalidade de familiarizar os alu-
Que meu destino
nos com um tipo de escrita e torná-los mais
Sabes guiar
sensíveis para a leitura de poemas. De bons,
De ti ausente
de ótimos poemas.
Triste, somente
As horas passo
Poesia é um texto para se ouvir ou para
a suspirar
se ler?
[...].
A poesia nasceu oral. Nasceu em situações
Eu não entendia bem todas as palavras, mas o coletivas, com alguém usando uma linguagem
ritmo – hoje sei que se chama assim – me en- cheia de ritmo – e muitas vezes acompanhada
volvia. Acabei decorando o poema e só mais de música. O registro escrito da poesia é bem
tarde, quando tinha um repertório maior de posterior. Acredito que a escola pode repro-
textos, e com a ajuda de uma professora – duzir esse caminho da oralidade para a escri-
dona Margarida –, consegui lidar bem com as ta, da audição para a leitura.
inversões “do Norte estrela” ou “de ti ausen-
te”. Hoje sei que o poema é de Alvarenga Pei- Que indicações você daria para o desen-
xoto, um dos poetas da Conjuração Mineira, volvimento do trabalho na sala de aula?
que o dedicou à mulher, Bárbara Heliodora, Acho que a maior sugestão é que o professor
uma das primeiras poetas brasileiras. leia muitos poemas com e para a classe. Leia
bem os poemas e leia de forma variada. Refor-
Mas esse poema ainda hoje é adequado çando a sonoridade, variando o que quer su-
para as crianças lerem? blinhar do poema. Outra ideia é o professor
Pode ser adequado ou inadequado. Depende incentivar os alunos a montar um álbum de
Na Ponta do Lápis – ano V– nº 11
do professor. Acho que ele “funcionou” comigo seus poemas preferidos. Isso dará uma razão
talvez exatamente pelo que eu não compreen- para os alunos irem buscar poemas para ler,
dia dele. Analisando hoje a situação, creio discutir as preferências de cada um, ou seja,
que me fascinou um texto de alta musicali creio que vale a pena tentar simular na classe
dade e de baixa comunicabilidade. Até hoje os percursos que a literatura percorre fora
aposto num certo mistério que torna alguns da escola.
43
Notícia de um assalto inusitado
Havia necessidade de expressar o momento, quando um cheiro de jasmim atacou-me.
Ferreira Gullar
44
maneira o mais impessoal possível, com total isenção e sem ambi-
guidade. Já no poema, muito pelo contrário, o autor se confunde com
o que diz, mistura-se com o fato, de tal modo que não se distingue o
ocorrido do imaginado. O poeta, na verdade, não informa – inventa;
não instrui o leitor, confunde-o deliberadamente, para deslumbrá-lo.
E por que inventa e confunde? Porque o perfume do jasmim – qual-
quer perfume – é intraduzível em palavras, e é o perfume – a ilumina-
ção, na noite, pelo olfato – que o poeta quer dar no poema, ou quer,
melhor dizendo, fazê-lo exalar no teu dia, leitor, já não através do
nariz, mas da boca, ao lê-lo. Quer te dizer o indizível. E ali está ele,
diante da página em branco, onde tudo pode acontecer, mas, onde,
por ora, nada acontece: apenas o silêncio anterior à fala.
Mas, se o perfume não se traduz em palavras, o que dizer com as
palavras? O que há a dizer, de fato, ele não sabe, já que ainda não o
disse: é só vontade, impulso indefinido. Assim, antes de ser escri-
to, o poema é apenas uma difusa intenção, não existe e pode nunca
existir. Como a palavra não diz o aroma, escrevê-lo é um jogo de pro-
babilidades, de necessidade e acaso, que começa quando a primeira
palavra é posta na página em branco. Ela reduz a probabilidade, que
era infinita, ao dar início a um discurso possível e não sabido.
Essa primeira palavra, que poderia ser outra, deflagra a invenção
do poema, a aventura imprevisível de escrever o impossível que o
poeta dará por finda arbitrariamente. E assim o cheiro do jasmim,
que não está nele, tornou possível inventá-lo, como a expressão da
ausência do vivido, ou uma de suas possíveis presenças.
Texto publicado na Folha de S. Paulo, 17/8/2008. Ilustrada.
Ferreira Gullar é poeta e recebeu vários prêmios, entre eles o prêmio Machado
de Assis, maior homenagem da Academia Brasileira de Letras; o Jabuti; o Mo-
liére; e o Príncipe Claus.
45
Crianças contam e cantam
o Brasil em versos
Mapa na mão
olho no mapa
Benevides – PA
mão no olho Chão de terra, berço meu
vamos tentar encontrar a cidade “Açaí, charque, feijão
Nicolas Behr. Veia poética. Menino de pé no chão
Mãe gritando no portão:
Olhando em volta, as crianças des- Moleque, sossega e para,
cobriram que tudo pode ser motivo de Tome seu banho já
poesia: a história da cidade, a instabi- Pra igreja é hora de ir
lidade do clima, a vegetação, o sabor O culto já vai começar
das frutas, as peculiaridades da paisa- Antes da chuva das quatro cair.”
gem do lugar onde vivem. Aritha do Socorro Souza
Lendo, recitando e convivendo com
textos poéticos, os alunos aprende-
ram a brincar com as palavras e com
o ritmo; a experimentar arranjos com
rima e sem rima; a reinventar versos; a
combinar a melodia das palavras sem Manaus – AM
perder de vista a construção do sen-
tido em seus poemas. A inspiração e Manaus cabocla
o exemplo vieram de uma quadrinha “Cupuaçu, buriti e açaí
conhecida, do poema de um autor fa- Não são frutas conhecidas
moso, de uma letra de moda de viola Mas delas se faz bebidas
ou de um Rap. E, assim, deram conta Que marcam quem vem aqui
de retratar de forma poética cada can- Amo nossas frutas
to do Brasil. Com elas também se faz licor
Algumas parecem feias,
Outras têm forte sabor.”
Brenda Kerolem da Silva e Silva
Três Lagoas – MS
Campina Grande do Sul – PR
Retrato de dama
em preto e branco “Vida rurbana”
“O clima é variado,
“A minha cidade é linda
às vezes amanhece quente,
Um grande cartão-postal
outras vezes está nublado.
Alegria pra quem chega
Sem falar na geada constante,
No portal do pantanal
Na Ponta do Lápis – ano V– nº 11
é um frio cortante.
O forte aqui é o gado
Quando chove muito,
Orgulho pras regiões
a preocupação não tem fim.
Abastece o Brasil inteiro
Pois acontecem enchentes,
E também outras nações.”
algo muito ruim.”
Tiago Osvane
Nascimento Santana Ewerton Luiz Silva dos Reis
46
Teofilândia – BA
Que lugar é esse? Jucurutu – RN
“O clima é semiárido
E demora de chover. Meu lugar para além
Quando a seca é retada, das palmeiras
É coisa de entristecer. “Minha terra tem traíra
No polígono da seca, E também a curimatã
Muitos bichos vão morrer.” Tem laranjeira
Bruna Moura Oliveira E também a jaçanã
Minha terra tem jurema
E também a faveleira
Tem o pé de xiquexique
E também a catingueira.”
Railton Xavier de França
Belo Horizonte – MG
Canto aos meus lugares
“Em Minas Gerais, meu Estado,
Cidades históricas é o que há,
como São João del Rei,
Ouro Preto e também Sabará.
Da culinária mineira
não posso me esquecer.
Vou falar do pão de queijo, uai!
Que gostoso de comer.”
Bruna Dias do Carmo Costa
Linhares – ES
Entre lagoas e florestas
“Linhares, minha cidade
Paraíso sem igual.
Tem a lagoa Juparanã
Lages – SC Verdadeiro cartão-postal.
Tem ainda maravilhosas
Princesa da serra
Reservas florestais
“Minha cidade é tão bela Vale do Rio Doce, Goitacazes,
A princesa da serra Verdadeiros paraísos de
Onde o vento canta nos campos plantas e animais.”
Na Ponta do Lápis – ano V– nº 11
47
Com quantos textos se faz
Acompanhe passo a passo a construção do poema “Igual a todo mundo”.
Da primeira produção até chegar ao texto final, com ele e encontrar novas possibilidades para
há muito que fazer. Como o professor pode melhorar aspectos de sua produção? Nesse
ajudar seu aluno a voltar ao texto, dialogar momento, são muitos os questionamentos:
o
Da
prosa na
sce a Com tudo co
poesia... meçou...
EU QUERIA SER IGUAL
O tema “O lugar onde vivo”
mobiliza o aluno a escrever. Sou um menino
Em prosa, ele retrata as agruras No título o autor inquieto e preocupado,
sou pequeno e sinto falta
de sua vida itinerante expressa seu desejo: do meu pai, do lado.
a reivindicação
O LUGAR ONDE VIVO por igualdade. Ganhei o nome de Lalau
Eu gosto desse nome,
Hoje eu moro ali na Rua Rio Negro, na acho que é legal
Vila Regina. Moro lá há quase três meses. Parece nome de homem.
É muito tempo para quem vive mudando!
Imagino que Lalau
Isso porque eu e minha família não É porque não paro, eu e minha
paramos muito tempo em nenhum lugar. mãe vivendo de bolacha de sal.
Já perdi a conta das vezes que mudei.
Lalau não é nome tão feio,
Na minha casa, eu moro com minha A ideia da mas morar ali e logo lá
família, e a principal estrela é a minha produção inicial e assim que o nome veio
mãezinha: não tenho pai. E é ela quem não pude fazer nada
se mantém,
sustenta a casa. é coisa do destino
assim como a eu creio.
São menos de duzentos reais para voz do autor,
pagar todas as despesas. Queria ser normal
que se identifica
Morar num bairro
Se a minha estrela lá de casa não bri- já na primeira igual ao que todo
lhar, eu e meus irmãos passamos fome. estrofe. mundo mora.
Colocar roupa no varal.
Apesar das dificuldades, agradeço a
Deus pela minha estrela. Amo muito meus Quando me perguntam
irmãos e espero ter boa chance na vida. do lugar onde vivo
fico enrolado
e indeciso.
O autor não revela Queria tanto mostrar
em seus textos as o crescimento, as lembranças
rosa it a
e reescr
dedo de p it ur a, revisão enta l. peculiaridades do eu não vejo lembranças
Um da le
hora da m
r é fun lugar onde vive, mas
pois estou esperando, o dia
chega a rofesso que eu não vou
Quando , a atuação do p a verifi car se: vo, tem muito a dizer mais precisar de estar mudando.
a
do poem riente sua turm
a sugesti
s o , o ne n te , original, sobre a história dos
Por is erti Eu vivo neste lugar,
ema é p
o tí tu lo do po o leitor; omprom
ete migrantes, que não que é meu Paraná
✓
ti g a n te para ad eq u ado ou c conseguem criar e sei que outros vão
in s está
o verso me esperar.
✓ o ta
manho d ofe; mentos
sobre o raízes.
e s tr n ti s;
o ritmo
d a seo s s e e estrofe Será que é sina?
õ e s, a s emoçõe sos nos versos não acho que seja
ensaç re s imir
✓ as s stão exp as, supr hoje moro em Apucarana
g a r o nde vive e s c e n ta r palavr itmo, a e amanhã posso
lu cre o r
ade de a ridade d
✓ há n
ecessid rantir a regula do verso; mudar para Sertaneja.
para g a lidad e
outras, elódica e a qua ar onde Eu quero um cantinho
ad e m p o s to , “ O lug to para que a minha família
unid a pro spec
o do tem ssalt am um a nit a, um jeito
Na Ponta do Lápis – ano V– nº 11
n a e x ploraçã e qu e re e m bo
iremos juntos ficar
✓
ercebe-s a paisag ...; por muitos anos ali fixar
vivo”, p te do lugar, um imento curioso ue esquecendo a palavra “mudar”.
s a n
interes povo, um acon te c uliares q
e r d o a s , m a rcas pec mora;
de s tic no
aracterís nde o alu
h
á n o poema c dade do lugar o r a, alitera
ção,
✓ id en ti : q u ad
revelam
a omo
cursos c
e m a c ontém re
✓ o po ismo.
ação, lir
compar
48
um texto de qualidade?
"O que é preciso acrescentar, retirar, reorga- dos textos, selecionamos algumas das muitas
nizar e reescrever?". Para ajudá-lo a encontrar escritas do aluno Fernando Henrique de Lima
boas saídas no trabalho de aprimoramento para leitura e análise.
os
Nov arranjos alizando a
e no Fin conversa
vos sentidos
IGUAL A TODO MUNDO Para além dessas versões IGUAL A TODO MUNDO
Sou um menino há muito empenho e Sou um menino
inquieto e preocupado O título mais incisivo inquieto e preocupado.
já desde pequeno,
dedicação por parte já desde pequeno,
instiga o leitor para a leitura.
sei o que é sentir falta de professor e aluno. sei o que é sentir falta
de um pai do meu lado. de um pai do meu lado.
Foram muitas leituras,
Ganhei o apelido de Lalau planejamentos, produções, Ganhei o apelido de Lalau
até gosto desse nome. Até que gosto desse nome.
acho que é muito legal, intervenções, revisões, Acho que é muito legal,
parece mesmo nome de homem. acertos, decisões, é mesmo nome de homem.
Fernando Henrique de Lima. Texto produzido em 2004 quando era aluno da 4ª- série da E. M. João Batista, Apucarana – PR.
49
Oficinas de poesia
Professora cearense conta a experiência de como sensibilizou seus alunos com
versos. Registrou o trabalho etapa por etapa, revelando as dificuldades, os acertos e
o desempenho da turma, revendo e refletindo sobre a prática em sala de aula.
1ª- oficina
DO POESIA
Cidadezinha RECONHECEN tam de poesia
?”
2ª- oficina
em poesia? Gos essem
Cidadezinha “Vocês conhec cr ev E PO ESIA
SABENDO MAIS SOBR
e es
a... os em equi pes e pedi qu
cheia de graç Dividi os al un
no mural. Depoi
s propus que re poemas. Os alunos dis
seram
qu enin a pa ra afi xa r Provoquei conversa sob ma is
Tão pe poemas a com o tema is bonito e desper ta
que at é caus
a dó! esse um poem que um texto poético é ma
cada um escrev que as produçõe
s
al, receita ou con to.
Mario Quinta
na vivo”. Expliq ue i emoção que not ícia de jorn
“O lugar onde rá-las co m a est rut ura e o jogo de palavras
das para compa Também obs erv ara m
seriam guarda ap areceram Reg ei as ideias em um
istr a
s. Não foi fá ci l: presentes nos poemas.
os textos finai ra s que sabiam na sala. Os alunos com eça ram
rr açõe s, tra va -línguas e qu ad folha e a deixei expost a ma s.
na tema. des dos poe
tros fugiram do a identifi car as peculiarida
de memória; ou
Milagre no Corcovado
[...]
Para a cidade 8ª- oficina
De ponta a ponta maravilhosa IDENTIFIC Patativa do 7ª- oficina
AN
A gente sente um arrepio: E SENTIME DO EMOÇÕES Assaré POESIA POPULAR
O milagre é o próprio Rio! NTOS
Recit ei o po
ema com em
(1909-2002) “Vocês conhecem poesia
queria envo
lver os alun
oção, pois Um dos maiores popular, de cordel?”
vocês senti
ram ao ouvi
os. “O que poetas populares Como poucos conheciam,
9ª- oficina
Solicit ei qu
e representa
r o poema?
” do Brasil, solicitei que fizessem uma
VENDO O MUNDO DE seus sentim ssem retratist a da pesquisa sobre esse estilo.
entos em um
UM MODO POÉTICO Deixei-os à a folha. caatinga Descobriram que a poesia de
vontade; sa
Iniciei a aula lendo o poema trabalhos b
elíssimos. C
íram nordestina cuja cordel é comum no Nordeste.
"O leão", de Vinicius de Moraes. versos e pu
s na lousa,
riamos obra foi registrada Declamei um trecho do
o que era um es clarecendo em folhetos de poema "Emigração e as
“Por que o poeta compara o poema líric
rugido do leão a um trovão?” o. cordel e em livros. consequências" de Patativa do
r.
Responderam que o rugido do Assaré e falei sobre o escrito
leão é tão sonoro quanto um
trovão. Fiz outras perguntas e
em seguida pedi que
procurassem no mural os
poemas que apresent assem
metáforas. Encerrei lendo o 10ª- oficina
poema "Milagre no Corcovado",
de Ângela Leite de Sousa. DIFERENTES OLHARES SOBRE
O MESMO TEMA
sua infância.
Pedi aos alunos que falassem sobre 11ª- oficina
dei os poem as "Doze
Dividi a turma em grup os e TECENDO POEMAS
ncia" e "Col égio" para leitu ra.
anos", "Infâ Para o texto final, retomamos o
os dramatizaram
Conversamos sobre o tema e os grup trabalho das oficinas e os poemas
os uma análise
os poemas.Transcrevi os textos, fizem publicados no mural. Conversamos
icos pres ente s e ident ificamos as
dos recursos poét muito sobre o tema “o lugar onde
ões exist ente s em cada um deles .
comparaç vivo” e sobre as peculiaridades de
gostam
Na Ponta do Lápis – ano V– nº 11
coisa s que
Em seguida disse: “Pensem em nossa cidade. Lembrei a eles que
do lugar onde vivem .
e coisas que não gostam deveriam tomar algumas decisões
ões e registrem no cade rno” .
Façam comparaç ao escreverem o poema: título
sugestivo, organização dos versos
Lúcia Maria S. Ribeiro. Em 2004 era e estrofes, rimas, repetições de
professora da E. E. I. E. F. Vereador Rai- palavras, ritmo da linguagem,
mundo Nonato de Sena, Quixeré – CE. metáforas etc.
50
Quixeré,
que faço agora?
3ª- oficina Quixeré, que faço agora?
CATADORES DE Tu és tão pequenina
POEMAS [...] Como te defenderei
Pensamentos Dessa gente, ó menina?
Li O catador de pensament
os de todos Todos querem se apossar
(Mônica Feth) com uma
os tipos: 4ª- oficina
entonação caprichada De tua serra que é linda.
alegres, OUVINDO E
para desper tar a emoçã
o dos tristes, LENDO POESIA
alunos. Aproveitando A chapada do Apodi
inteligentes, Entre todas a mais bela
o entusiasmo, propus: Essa oficina foi es
bobos, petacular,
“Vamos ser cat adores de afinal os alunos go Terra rica e frutífera
bonitos stam de uma
poemas?”. Todos ajudar
am: aula dif erente: org Todos olham para ela
[...] anizei um
familiares, moradores e sarau com os poem Suspirando e desejando
as colhidos
poetas da nossa cidade pela turma e outro Ah! Se eu fosse o dono dela!
. s que
selecionei. Fizemos
um varal
poético. Os alunos
escolheram
Muita gente de fora
poemas no varal e Aqui já se instalou
leram para
os colegas. Coloque E com suas grandes firmas
i música
instrumental para O povo escravizou
tornar o
ambiente mais acon Hoje quem era patrão
chegante.
Chamam-no de senhor.
51
Minha terra, minha gente
Euler Júnior Machado
Euler Júnior Machado.Texto produzido quando era aluno em 2004 da 4ª- série da E. M.
José Henrique Avelar, Santo Antônio do Amparo – MG.
Na Ponta do Lápis – ano V– nº 11
52
O que você sabe da arte de compor ou escrever versos?
1. Dos versos relacionados abaixo, qual é 3. Quem é o autor dos seguintes versos?
de autoria de José Paulo Paes?
“De tudo, ao meu amor serei atento
a) Um passarinho me contou Antes, e com tal zelo, e sempre, e tanto
que a ostra é muito fechada, Que mesmo em face do maior encanto
que a cobra é muito enrolada, Dele se encante mais meu pensamento”
que a arara é uma cabeça oca,
e que o leão-marinho e a foca... a) Camões.
Xô, passarinho! Chega de fofoca! b) Paulo Leminski.
c) Gonçalves Dias.
b) Passarinho na janela, d) Vinícius de Moraes.
pijama de flanela,
brigadeiro na panela. 4. Na letra da canção Lua de São Jorge,
Gato andando no telhado quando Caetano Veloso escreveu os
Cheirinho de mato molhado versos: "Lua de São Jorge, lua sobe-
disco antigo sem chiado. rana, nobre porcelana, sobre a seda
azul", ele fez uso de um recurso poéti-
c) [...] co. Qual?
Lá no fundo do quintal a) Cordel.
Tem um tacho de melado b) Metáfora.
Quem não sabe cantar verso
c) Trava-língua.
É melhor ficar...
d) Acróstico.
53
Iniciativa
Coordenação
Técnica
Parceria