Professional Documents
Culture Documents
2009
João Bilhim
1. Introdução
Ao escrever esta comunicação e em particular quando escrevi o resumo e o submeti ao
CLAD os contornos da crise financeira e económica permanecem indefinidos, mesmo que
certos sintomas já comecem a ser estimulantes, nomeadamente os mercados bolsistas
surjam com um discurso optimista e em vez de ameaça já se fale em oportunidade.
Olhando para a situação actual há uma conclusão que se alinha com alguma segurança e
que se prende com a coordenação da resposta internacional aos problemas da crise. Esta
circunstância afigura-se-nos ter sido decisiva para estancar o contágio da crise e tornou claro
para todos que o proteccionismo não seria bom conselheiro nem seriam realistas
intervenções de tipo nacionalista, assim como ficou patente que a actual ordem internacional
seria incapaz de responder cabalmente aos desafios que enfrentamos.
Para tanto, atribui-se um papel relevante à cimeira do G-20 em Londres que, embora
deixassem desiludidos alguns, pelo papel atribuído ao Fundo Monetário Internacional (FMI),
instituição para alguns responsáveis pelo que estava a acontecer, significou uma etapa
fundamental na revisão das actuais regras económicas internacionais. Chama-se em
particular a atenção para o papel das economias emergentes e as orientações destinadas a
reforçar o apoio ao desenvolvimento económico internacional.
Por último, importa em nosso entender realçar que esta cimeira veio assinalar e reconhecer a
falência das concepções liberais sobre a intervenção do Estado, evidenciando que o
mercado não dispensa o Estado. Há que evitar a teologia do mercado tal como já tivemos de
renunciar na juventude à teologia do Estado.
1
XIV Congreso Internacional del CLAD sobre la Reforma del Estado y de la Administración Pública, Salvador de Bahia, Brasil, 27 - 30 oct. 2009
A expressão cimeira desta falência encontra-se até na própria União Europeia quando
autorizou os Estados membros a nacionalizar bancos quando haja risco sistémico. Foi o caso
de uma instituição bancária em Portugal que avaliado o risco sistémico foi nacionalizada e
outra em que o estado recusou a intervenção por reconhecer ausência de tal risco. Lembra-
se que o termo nacionalização já tinha desaparecido do léxico comum português e tinha sido
substituído pelo termo privatização. No pano doutrinário salienta-se a rendição de Richard
Posner, um dos expoentes da corrente neo-liberal, com a publicação da monografia – The
Failure of Capitalism que suscitou a atenção generalizada dos especialistas.
Esta crise foi a oportunidade para vir à luz do dia o submundo fraudulento de certas
instituições bancárias que inteligentemente durante anos ludibriaram as autoridades
reguladoras, onde se misturavam funções de controlo de comportamentos com intervenções
preventivas de análise de risco e cujos poderes reguladores tinham sido cerceados ao longo
de décadas em nome da teologia de mercado.
Daqui resulta que, pelos menos, durante a crise foi o Estado, actuando de forma articulada e
ao nível internacional que foi capaz de conter o contágio e de evitar que a crise deste século
reproduzisse a crise de finais dos anos vinte do século passado com as consequências
terríveis que acarretou para todos.
Seis meses depois, o quadro era completamente diferente. Verificávamos a redução drástica
das taxas de juro, para níveis sem paralelo nas últimas décadas, a luta feroz contra o
desemprego, o recurso à política orçamental (regresso ao keinesianismo), a necessidade de
aumentar receitas fiscais a prazo, o combate à deflação, o crescimento desmesurado e sem
paralelo nos últimos sessenta anos no ocidente da dívida pública, sobrevalorização do risco,
recessão nas economias desenvolvidas, a quebra substancial no valor dos activos e o
regresso do Estado interventor.
2
XIV Congreso Internacional del CLAD sobre la Reforma del Estado y de la Administración Pública, Salvador de Bahia, Brasil, 27 - 30 oct. 2009
Tudo indica tratar-se de uma crise singular e com carácter único por isso importa interrogar:
quais as suas consequências?
Se a crise é única os seus feitos não são únicos. E em certos aspectos menos gravosos que
crise precedentes. Desde logo salienta-se o PIB per capita dos Estados Unidos da América
(EUA) reduziu-se em cerca de 29% durante a crise de 1929/1933 e desta vez estima-se que
possa sofrer uma redução da ordem dos 4%. Acresce que desta vez a redução não parece
homogénea dado que a Ásia continua a demonstrar certo dinamismo com crescimento
significativos, que o Banco Mundial prevê, entretanto, localizarem-se a níveis muito mais
baixos do que se vinha verificando nos últimos anos.
O que há de profundamente diferente entre as duas crises é o facto dos Estados e dos
Governos terem intervindo de forma célere, articulada, competente no campo das finanças
públicas e da política monetária e ao facto dos Estados e os Governos, no mundo ocidental,
estarem dotados de instrumentos tais como o subsídio de desemprego que serviram de
amortecedores e de almofada ao impacto.
Por outro lado, esta crise também tem origem no sector financeiro, na banca de investimento,
contagiando, rapidamente, outros sectores como o automóvel e o imobiliário. Na economia
real, a crise manifesta-se sobretudo na dificuldade de acesso ao crédito, a fundos, ao custo
de capital, na debilidade e volatilidade do mercado accionista, na diminuição dos cash-flows,
pagamentos de prémios pela liquidez, no aumento dos riscos de balanço e na maior
intervenção do Estado.
3
XIV Congreso Internacional del CLAD sobre la Reforma del Estado y de la Administración Pública, Salvador de Bahia, Brasil, 27 - 30 oct. 2009
Acresce que para além do grande amortecedor da crise que tem sido a pertença à zona
euro, Portugal dispõe de outros amortecedores que levam a que a crise de faça sentir de
alguma forma mais fracamente. Todavia, o peso do Estado, que em breve poderá ultrapassar
os 50% do PIB associado à economia informal, conjugado com o aumento da capacidade de
poupança dos portugueses (aumentos de salários acima da inflação e redução dos encargos
com financiamentos) tem funcionado como amortecedor fundamental dos efeitos nefastos da
crise.
3. As Marés de Reforma
A questão que neste momento se coloca é a de saber se, após crise, vai tudo continuar
como estava.
De facto, em 1989, com Reagan como Presidente dos Estados Unidos e Margareth Tatcher ,
Primeira Ministra da Inglaterra, máximas expressões do neoliberalismo em acção, reuniram-
se em Washington, convocados pelo Institute for International Economics, entidade de
carácter privado, diversos economistas latino-americanos de perfil liberal, funcionários do
Fundo Monetário Internacional (FMI), Banco Mundial e Banco Interamericano de
Desenvolvimento (BID) e do governo norte-americano. O tema do encontro foi “Latin Americ
Adjustment: Howe Much has Happened?”, visava a avaliar as reformas económicas em curso
no âmbito da América Latina.
John Willianson, economista inglês e director do instituto promotor do encontro, foi quem
alinhavou os dez pontos tidos como consensuais entre os participantes e, simultaneamente,
quem cunhou a expressão "Consenso de Washington", através da qual ficaram conhecidas
as conclusões daquele encontro, como regras universais:
1. Disciplina fiscal, através da qual o Estado deve limitar seus gastos à arrecadação,
eliminando o deficit público,
2. Redução dos gastos públicos com Focalização em educação, saúde e infra-estrutura,
3. Reforma tributária que amplie a base sobre a qual incide a carga tributário, com maior
peso nos impostos indirectos e menor progressividade nos impostos directos,
4. Juros de mercado: Liberalização financeira, com o fim de restrições que impeçam
instituições financeiras internacionais de actuar em igualdade com as nacionais e o
afastamento do Estado do sector,
5. Câmbio de mercado: Taxa de câmbio competitiva,
6. Abertura comercial: Liberalização do comércio exterior, com redução de importação e
estímulos á exportação, visando a impulsionar a globalização da economia,
7. Investimento estrangeiro directo: Eliminação de restrições ao capital externo, permitindo
investimento directo estrangeiro,
8. Privatização, com a venda de empresas estatais,
9. Desregulação, com redução da legislação de controlo do processo económico e das
relações trabalhistas,
10. Propriedade intelectual.
Estas medidas destinadas a expandir o papel dos mercados e a restringir o dos Estados,
desde então, não deixaram de dominar a discussão em torno das funções do Estado e a
política de desenvolvimento económico.
4
XIV Congreso Internacional del CLAD sobre la Reforma del Estado y de la Administración Pública, Salvador de Bahia, Brasil, 27 - 30 oct. 2009
Conforme disse John Williamson, em 2002, estas medidas “são princípios de base, sendo,
por isso, que deram origem a consenso”.
A tese das “muitas receitas” diz que os países se desenvolvem com êxito ao seguirem
políticas ecléticas, feitas à medida, que respondem a condições locais específicas, em vez
de seguirem fórmulas genéricas de melhores práticas concebidas por teóricos da economia.
Esta teoria põe em causa as certezas universais do Consenso de Washington e a sua
fórmula de aplicação universal em matéria de privatização, mercados laborais
desregulamentados, liberalização financeira, integração económica internacional e
estabilidade macroeconómica baseada numa baixa taxa de inflação.
No entanto, se bem que a tese das muitas receitas suscite um grande interesse, usufrua de
suporte empírico e sugira um espírito de pluralismo teórico, a reivindicação de uma
“economia única” é questionável, uma vez que dá a entender que a economia neoclássica
dominante é a única economia autêntica. Parte da dificuldade em explicar esta restrição
reside no facto de haver uma discussão na família dos economistas neoclássicos, que divide
aqueles que acreditam que as economias de mercado do mundo real se aproximam da
concorrência perfeita e aqueles que não acreditam nisso.
Pelo contrário, a Escola do MIT sustenta que as economias do mundo real suportam as
consequências das falhas dos mercados, onde se incluem a concorrência imperfeita e os
monopólios, as externalidades associadas a problemas como a poluição e a incapacidade de
fornecer bens públicos, tais como iluminação pública ou a defesa nacional.
Consequentemente, as intervenções estatais dirigidas às falhas de mercado - bem como às
generalizadas imperfeições da informação e à inexistência de muitos mercados necessários -
podem beneficiar todas as pessoas.
5
XIV Congreso Internacional del CLAD sobre la Reforma del Estado y de la Administración Pública, Salvador de Bahia, Brasil, 27 - 30 oct. 2009
Acresce que, nem a Escola de Chicago nem a Escola do MIT defendem que os resultados do
mercado são equitativos, porque os resultados reais dos mercados dependem da distribuição
inicial dos recursos. Se essa distribuição não for equitativa, os actuais e futuros resultados
também não o serão. Os economistas de Chicago parecem acreditar que a falta de equidade
nos resultados do mundo real é aceitável e, o que é ainda mais importante, que as tentativas
para emendar essa situação são demasiado dispendiosas, porque a manipulação dos
mercados provoca ineficiências económicas. Eles parecem estar convictos de que a
intervenção do governo tende a gerar os seus próprios fracassos, bastante dispendiosos,
devido à incompetência burocrática e à procura de rentabilidade fácil, mediante as quais os
interesses privados tentam orientar as políticas em seu próprio benefício.
A forma como o Estado tem encarado as falhas de mercado tem conduzido, desde o
Consenso de Washington à procura de alternativas que permitam, por um lado evitar
intervenções de consequências nefastas e, por outro, promover o eficiente desempenho das
funções fundamentais do Estado, ou seja, actualmente, assiste-se a uma discussão de
natureza política tendo por base uma doutrina económica sobre as novas
funções/missões/atribuições do Estado.Com o peso crescente do Estado e o poder crescente
dos Governos, a análise das regras de decisão política e do modo como actuam os agentes
políticos torna-se essencial (Alves e Moreira, 2004).
Os anos oitenta vieram pôr em causa o status quo quanto ao papel do Estado, tendo sido
palco de um movimento de redução desse papel na vida económica e social. A concepção
de um menor Estado, ou seja, de um menor protagonismo directo deste na actividade
económica, apresenta tónicas diferenciadas entre si, desde versões minimalistas do tipo
Estado mínimo, até versões mais intervencionistas, do tipo “intervir menos para intervir
melhor” (Stiglitz, 1988).
Esta evolução conhece uma assinalável aceleração, em especial desde a queda do Muro de
Berlim e do impulso decisivo da globalização económica e dos mercados. Representa,
também, com a revolução tecnológica e comunicacional, a entrada de um novo paradigma de
organização económica e social, marcado pela agressividade competitiva à escala
planetária.
6
XIV Congreso Internacional del CLAD sobre la Reforma del Estado y de la Administración Pública, Salvador de Bahia, Brasil, 27 - 30 oct. 2009
Desde então, tem-se assistido a uma enorme vaga de privatizações de empresas públicas e
de sectores públicos em quase todos os países do mundo. Esta vaga começou em Inglaterra
e espalhou-se, posteriormente, à Austrália, Nova Zelândia e países do Norte da Europa. Os
países francófonos parecem ser mais resistentes ao impacto desta vaga mas, lentamente,
também apresentam sinais de cedência à sua força e sedução.
Razões, de vária ordem, têm sido aduzidas para explicar o movimento redutor do papel do
Estado empresário.
Em primeiro lugar, a ineficiência das empresas públicas, provocada, em parte, pela sua
gestão sacrificar os objectivos económico-financeiros e comerciais, aos políticos e sociais,
entre estes, o endémico endividamento, fruto de resultados operacionais e financeiros
altamente negativos, a redução de tarifas e preços por razões políticas circunstanciais e a
manutenção de elevado níveis de emprego (Stiglitz, 1988). Em segundo lugar, a necessidade
de diminuir o desequilíbrio dos orçamentos públicos, (défice e dívida pública) aliviando-os
dos défices de algumas empresas públicas, com o acréscimo de receitas extraordinárias
provenientes da venda de capital e património. Em terceiro lugar, a redução do peso político
dos sindicatos ou das clientelas político-partidárias. Em quarto lugar, a intenção de promover
vantagens sociais adequadas à presente fase do capitalismo. Por exemplo, o acesso à
propriedade directa do capital das empresas à generalidade dos agentes, nomeadamente
dos trabalhadores no capital das empresas a privatizar.
7
XIV Congreso Internacional del CLAD sobre la Reforma del Estado y de la Administración Pública, Salvador de Bahia, Brasil, 27 - 30 oct. 2009
Esta nova filosofia administrativa tem-se expressado - como vimos através da Administração
Pública de tipo Empresarial “New Public Management”, da Reinvenção da Governação
“Reinventing Government”, das abordagens da Escolha Pública (Alves e Moreira, 2004) e do
Novo Serviço Público (Denherardt e Denherardt, 2003).
No âmbito desta nova filosofia administrativa, ao sector público não deverá, como no
passado e durante décadas, ser pedido que seja um grande empregador e que resolva os
problemas de desemprego. Isso já não constitui a sua missão. A sua missão é prestar um
bom serviço a um preço ou taxa baixa, isto é, dar ao cliente maior qualidade ao menor custo.
A própria Constituição inclui uma norma transitória (art. 296), contendo os princípios básicos
de uma futura lei-quadro das privatizações, que surgiu em 1990 (Lei No. 11/90, de 5 de
Abril). Na sequência dela, o Governo levou a cabo um vasto plano de reprivatizações, a que
juntou o anúncio da privatização da gestão de vários serviços públicos.
8
XIV Congreso Internacional del CLAD sobre la Reforma del Estado y de la Administración Pública, Salvador de Bahia, Brasil, 27 - 30 oct. 2009
Por último, importa salientar que, existe um grande debate académico, teórico, político e
económico na área do bem-estar e das finanças públicas acerca das velhas e novas funções
do Estado. Na prática, é aqui que se focaliza o essencial da questão, por exemplo, acerca do
sector público poder ou não ter um peso superior a 35% do Produto Interno Bruto (PIB) de
um país? Na última década, Portugal aplicava cerca de 50% do PIB no sector Público.
Todavia, há países como a Suécia com um peso superior. Por isso, há quem se interrogue
se deveremos centrar a questão apenas no peso da despesa pública face ao PIB ou na
relação entre este rácio e a qualidade de serviço público prestada ao cidadão pela
Administração?
4. Estado Regulador
A redução do peso do Estado-empresário e a liberalização de determinados sectores de
actividade económica, a que se tem assistido nos últimos anos em diversos países, têm sido
acompanhadas por um alargamento do papel de Estado como regulador.
A Constituição da República Portuguesa (CRP), no seu art. 81, alínea f), atribui ao Estado,
sob a epígrafe “Incumbências Prioritárias”, a obrigação de “assegurar o funcionamento
eficiente dos mercados, de modo a garantir a equilibrada concorrência entre as empresas, a
contrariar as formas de organizações monopolistas e a reprimir os abusos de posição
dominante e outras práticas lesivas do interesse geral”.
De facto, a defesa do interesse público pelo estado regulador pode manifestar-se sob três
formas ou regimes. Como autoridade que define as condições de acesso e as regras e
obrigações a observar no desempenho de uma dada actividade. Como co-participante no
funcionamento das unidades empresariais, que assumem tal actividade, enquanto accionista.
Como poder regulador que acompanha, fiscaliza, controla e até pune os agentes prestadores
do serviço público (Motta, 2004; Bongardt, 2005). Este fenómeno da regulação incide, em
especial, sobre os mercados emergentes, como resultado dos referidos processos de
privatização e de liberalização.
9
XIV Congreso Internacional del CLAD sobre la Reforma del Estado y de la Administración Pública, Salvador de Bahia, Brasil, 27 - 30 oct. 2009
Assim, tanto a privatização de empresas públicas – que, em muitos casos, não havia sido
objecto de uma regulação pública sistemática -, como a abertura à concorrência de sectores
anteriormente vedados ou de acesso controlado (como, por exemplo, as telecomunicações, a
electricidade, o serviço de televisão, os correios, o transporte aéreo, água, saneamento
básico) têm dado origem ao estabelecimento de novos regimes e instâncias de regulação.
São dois os objectivos essenciais destes regimes. Garantir o respeito das empresas pelas
regras da concorrência, designadamente as privatizadas, públicas ou de capital público.
Assegurar a qualidade e a quantidade dos bens ou serviços produzidos, em particular,
quando se trate de bens ou serviços de interesse geral.
O Estado regulador apresenta, ainda, outras facetas, que têm coincidido historicamente com
os desenvolvimentos referidos, e que se distinguem quanto às suas causas e características.
Trata-se, nomeadamente, da regulação pública das actividades económicas que comportam
riscos para a saúde, a segurança e o meio ambiente, e da regulação dos mercados
financeiros (Barbosa, 1997; Soares, 2007; Guerra, 1997).
Isto não significa, que no desenvolvimento e aplicação do texto constitucional não tenham
variado, ou possam variar, as actividades regulamentadas ou os instrumentos utilizados para
esse efeito. Tal acontece, por exemplo, quando o Estado concede maior importância à
protecção da concorrência do que à regulamentação dos preços. E, também, quando prefere
a negociação à imposição, como meio de vincular os agentes económicos a determinados
comportamentos. Neste aspecto, a ordem jurídica portuguesa vem reflectindo tendências
globais para a desregulação de certas actividades e a regulação de outras.
Muitos autores chamam a atenção para o papel que a substituição da intervenção pública
pela privada desempenha como forma de modernizar a Administração Pública. Uma vez que
parece ser consensual, actualmente, que o sistema de concorrência é a melhor forma das
empresas se apresentarem no mercado, a necessidade do Estado intervir como regulador,
em especial nas situações em que existem desvios significativos a essa concorrência, é cada
vez maior.
10
XIV Congreso Internacional del CLAD sobre la Reforma del Estado y de la Administración Pública, Salvador de Bahia, Brasil, 27 - 30 oct. 2009
À medida que estas diversas áreas deixam de ser públicas e vão sendo abertas a privados,
importa regular, de forma eficaz, as relações entre a esfera pública e privada, de modo a
assegurar a defesa de todos os interesses em confronto, sobretudo, os dos cidadãos. Na
maioria dos casos, a salvaguarda de interesses cabe a uma Entidade Reguladora, cuja
criação tem sido feita à medida que o fim dos monopólios se avizinha. O objectivo assenta,
assim, na necessidade de definir o quadro de relacionamento entre as entidades públicas e
privadas que actuam num sector. Ou seja, evitar abusos de posição dominante dos agentes
já instalados, assegurar a sã concorrência e, ao mesmo tempo, salvaguardar o interesse dos
consumidores ((Barbosa, 1997; Soares, 2007; Guerra, 1997).
Importa salientar que, até aos anos oitenta, em todo o mundo, os Governos expandiram o
âmbito das suas actividades e assumiram funções que incumbiam, outrora, ao sector
privado. Por exemplo, as instituições de protecção social, contra a doença e invalidez, e a
segurança económica na velhice, tiveram origem fora da esfera estatal.
A partir do século XIX, na Europa, esta tendência inverteu-se em favor do Estado Produtor,
até que, no final dos anos oitenta do século XX surgiu novamente a tendência a alterar-se
pugnado-se por menor e melhor Estado.
Que se entende por regulação pública da economia? Esta consiste no conjunto de medidas
legislativas, administrativas e convencionadas, através das quais o Estado, por si ou por
delegação, determina, controla, ou influencia o comportamento de agentes económicos. O
objectivo é evitar efeitos desses mesmos comportamentos, que sejam lesivos de interesses
legítimos, e orientá-los em direcções socialmente desejáveis (Barbosa, 1997; Soares, 2007;
Guerra, 1997).
11
XIV Congreso Internacional del CLAD sobre la Reforma del Estado y de la Administración Pública, Salvador de Bahia, Brasil, 27 - 30 oct. 2009
As principais áreas de regulação económica variaram ao longo do século XX por razões por
razões que se prendem com o desenvolvimento tecnológico, com os fenómenos da
internacionalização e globalização da economia, e mais recentemente, com as políticas
desreguladoras e de privatização. Assim, enquanto áreas tradicionais de regulação, como a
fixação de preços, perderam importância, emergiram outras, como o controlo da qualidade,
do ambiente ou do consumo.
12
XIV Congreso Internacional del CLAD sobre la Reforma del Estado y de la Administración Pública, Salvador de Bahia, Brasil, 27 - 30 oct. 2009
5. Conclusão
A crise é a oportunidade para Portugal continuar as reformas estruturais na justiça, na
educação, na saúde, etc. É uma oportunidade para as empresas se reestruturarem,
redireccionarem e aumentar a produtividade e competitividade. A nova gestão pública não
tem sido antes da crise nem será, após a crise uma tendência global, modelo único e
coerente, com igual funcionamento em todos os sectores. Aliás, no mesmo País o ritmo de
reforma e o estilo não tem de seguir um padrão idêntico em todos os sectores da
Administração. O que está certo no sector da educação, poderá não ser o da saúde e vice-
versa.
13
XIV Congreso Internacional del CLAD sobre la Reforma del Estado y de la Administración Pública, Salvador de Bahia, Brasil, 27 - 30 oct. 2009
Por isso, a crise financeira actual, onde existe, claramente, uma intervenção maior do Estado
na economia, não constitui um intervalo na acção desta tendência global da introdução de
novos modelos de gestão pública. Há, claramente, a mudança de paradigma na gestão que
passa pelo abandono do modelo burocrático pelo da gestão por objectivos. Em termos
simples, o modelo tradicional caracterizado pela interpretação e aplicação de normas e
regulamentos continuará a ser substituído pelo modelo que identifica gestão com medição,
na expressão: gerir é medir, medir é comparar e comparar é melhorar permanentemente.
A crise actual representa uma oportunidade não tanto para a instalação de uma nova
agenda, mas antes uma oportunidade para reequilibrar a relação entre a teologia de mercado
e de Estado. Precisamos ter um melhorar Estado regulador. e o Estado produtor terá uma
nova atitude relativamente à ética e à prevenção e redução da corrupção, à qualidade de
serviço, ao controlo de custos, à eficácia eficiência e economia.
Em suma, desta crise ficou claro que o Estado não é dispensável e que dela deverá surgir
mais legitimado pelo bom papel nela desempenhou e que intervenha no apoio à economia de
mercado. Importa que o peso do Estado terá de ter menor dimensão do que atingiu em
Portugal e será incentivado a ser mais eficaz a melhorar a optimização da aceitação da
despesa. Em suma, um Estado com o qual os cidadãos possam reconciliar-se por se ter
legitimado, ser menor e mais eficaz.
Bibliografía
Alves, André e Moreira, José (2004), O que é a Escolha Pública?, Cascais: Principia.
Barbosa, António Pinto (1997), Economia Pública, Lisboa: McGraw-Hill.
Bongardt, Annette (ed.) (2005), Competition Policy in the European Union. Experiences
and Challenges Ahead, Oeiras: INA.
Boyer, Robert e Saillard, Yves (1995), Théorie de la Régulation L’état des Savoirs,
Paris: La Découverte.
Denhardt, Janet e Denhardt, Robert (2003), The New Public Service: Serving, not
Steering. London: M. E. Sharpe.
Guerra, António Castro (1997), Política de Concorrência em Portugal, Lisboa: GEPE.
Krugman, Paul (2007), The Conscience of a Liberal, London: Penguin Books.
Marques, Maria Leitão et al (2005), Concorrência e Regulação, Coimbra: Coimbra
Editora.
Motta, M. (2004), Competition Policy - Theory and Practice, Cambridge: Cambridge
University Press, in M. Neumann; Weigand (eds.), The International Handbook of
Competition, Cheltenham: Edward Elgar, 2004.
Soares, José Fernandes (2007), Teorias Económicas da Regulação, Lisboa: Instituto
Piaget
Stiglitz, Joseph E. (1988),Economics of the Public Sector, Londres: W.W. Norton
Company, pp. 1-22;
Stiglitz, Joseph E. (1988),Economics of the Public Sector, Londres: W.W. Norton
Company, pp. 90-116.
14
XIV Congreso Internacional del CLAD sobre la Reforma del Estado y de la Administración Pública, Salvador de Bahia, Brasil, 27 - 30 oct. 2009
Resenha biográfica
João Abreu de Faria Bilhim
Professor Catedrático e Presidente do Instituto Superior de Ciências Sociais e Políticas
(ISCSP) da Universidade Técnica de Lisboa (UTL). Agregado em Sociologia das
Organizações, Doutor, Mestre e Licenciado em Ciências Sociais. Tem ministrado cursos de
mestrado nas Universidades do Minho, Porto, Aveiro, Católica, Madeira e ISCTE.
15