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XIV Congreso Internacional del CLAD sobre la Reforma del Estado y de la Administración Pública, Salvador de Bahia, Brasil, 27 - 30 oct.

2009

Em momentos de crise: mais mercado ou mais Estado

João Bilhim

A crise traz progressos. A verdadeira crise é a crise da incompetência.


Sem crise não há desafios, sem desafios a vida é uma rotina, uma lenta agonia.
Albert Einstein

1. Introdução
Ao escrever esta comunicação e em particular quando escrevi o resumo e o submeti ao
CLAD os contornos da crise financeira e económica permanecem indefinidos, mesmo que
certos sintomas já comecem a ser estimulantes, nomeadamente os mercados bolsistas
surjam com um discurso optimista e em vez de ameaça já se fale em oportunidade.

Ora a crise etimologicamente releva esta dimensão do risco, associado a oportunidade e


ameaça e que na prática é a cada um que compete fazer nascer a criatividade da angústia e
como referia Einstein a única crise ameaçadora é a tragédia de não querer lutar. Neste artigo
não se fará futurologia, e esta em matéria económica já conheceu melhores tempos.
Vivemos tempos em que macroeconómicas de renome, com reconhecimento ao nível de
prémios NOBEL, propõem soluções diametralmente opostas sobre o papel do Estado
relativamente à Banca.

Olhando para a situação actual há uma conclusão que se alinha com alguma segurança e
que se prende com a coordenação da resposta internacional aos problemas da crise. Esta
circunstância afigura-se-nos ter sido decisiva para estancar o contágio da crise e tornou claro
para todos que o proteccionismo não seria bom conselheiro nem seriam realistas
intervenções de tipo nacionalista, assim como ficou patente que a actual ordem internacional
seria incapaz de responder cabalmente aos desafios que enfrentamos.

Importa salientar ainda o papel da nova Administração norte-americana com o Presidente


Barack Obama na busca de novos modelos de entendimento e de organização sócio-
económica. Infelizmente a Comissão da União Europeia manifestou uma certa tibieza e
arraigamento a estruturas rígidas com manifesta incapacidade para socorrer aos Estados
membros que mais precisavam de auxílio.

Para tanto, atribui-se um papel relevante à cimeira do G-20 em Londres que, embora
deixassem desiludidos alguns, pelo papel atribuído ao Fundo Monetário Internacional (FMI),
instituição para alguns responsáveis pelo que estava a acontecer, significou uma etapa
fundamental na revisão das actuais regras económicas internacionais. Chama-se em
particular a atenção para o papel das economias emergentes e as orientações destinadas a
reforçar o apoio ao desenvolvimento económico internacional.

Por último, importa em nosso entender realçar que esta cimeira veio assinalar e reconhecer a
falência das concepções liberais sobre a intervenção do Estado, evidenciando que o
mercado não dispensa o Estado. Há que evitar a teologia do mercado tal como já tivemos de
renunciar na juventude à teologia do Estado.

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A expressão cimeira desta falência encontra-se até na própria União Europeia quando
autorizou os Estados membros a nacionalizar bancos quando haja risco sistémico. Foi o caso
de uma instituição bancária em Portugal que avaliado o risco sistémico foi nacionalizada e
outra em que o estado recusou a intervenção por reconhecer ausência de tal risco. Lembra-
se que o termo nacionalização já tinha desaparecido do léxico comum português e tinha sido
substituído pelo termo privatização. No pano doutrinário salienta-se a rendição de Richard
Posner, um dos expoentes da corrente neo-liberal, com a publicação da monografia – The
Failure of Capitalism que suscitou a atenção generalizada dos especialistas.

Esta crise foi a oportunidade para vir à luz do dia o submundo fraudulento de certas
instituições bancárias que inteligentemente durante anos ludibriaram as autoridades
reguladoras, onde se misturavam funções de controlo de comportamentos com intervenções
preventivas de análise de risco e cujos poderes reguladores tinham sido cerceados ao longo
de décadas em nome da teologia de mercado.

Daqui resulta que, pelos menos, durante a crise foi o Estado, actuando de forma articulada e
ao nível internacional que foi capaz de conter o contágio e de evitar que a crise deste século
reproduzisse a crise de finais dos anos vinte do século passado com as consequências
terríveis que acarretou para todos.

2. Características da Crise Actual


Uma das características mais salientes da actual crise é a celeridade da sua instalação. Em
meados de 2008 verificávamos: tendências de aumento das taxas de juro pelo Banco Central
Europeu, uma política económica centrada no combate à inflação, uma confiança (fé) na
política monetária, e na política fiscal do “race to the bottom”, uma subavaliação do risco,
crédito fácil, prioridade absoluta ao cumprimento do Pacto de Estabilidade e Crescimento
(PEC), a valorização prolongada dos activos mobiliários e imobiliários, o crescimento elevado
do comércio e do Produto Interno Bruto (PIB) mundial, e a tendência para o Estado recuar às
fronteiras de um Estado Regulador e não prestador de serviços.

Seis meses depois, o quadro era completamente diferente. Verificávamos a redução drástica
das taxas de juro, para níveis sem paralelo nas últimas décadas, a luta feroz contra o
desemprego, o recurso à política orçamental (regresso ao keinesianismo), a necessidade de
aumentar receitas fiscais a prazo, o combate à deflação, o crescimento desmesurado e sem
paralelo nos últimos sessenta anos no ocidente da dívida pública, sobrevalorização do risco,
recessão nas economias desenvolvidas, a quebra substancial no valor dos activos e o
regresso do Estado interventor.

A crise manifesta-se ao nível do financiamento (disponibilidade e custo) à escala mundial e a


dimensão das perdas nos mercados de capitais é já histórica. Em pouco tempo a
capitalização bolsista reduziu-se a valores que atingem o expoente 12 (triliões de dólares
americanos). Aconteceu que bancos que foram objecto de aumentos de capital, por parte do
Estado ou de fundos, passaram a valer menos do que os aumentos efectuados nos últimos
tempos. Tratou-se de uma redução sem precedentes da riqueza na última metade do século.
Aconteceu que entre os factores responsáveis por esta crise o principal factor foi psicológico
– a falta de confiança.

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Tudo indica tratar-se de uma crise singular e com carácter único por isso importa interrogar:
quais as suas consequências?

Se a crise é única os seus feitos não são únicos. E em certos aspectos menos gravosos que
crise precedentes. Desde logo salienta-se o PIB per capita dos Estados Unidos da América
(EUA) reduziu-se em cerca de 29% durante a crise de 1929/1933 e desta vez estima-se que
possa sofrer uma redução da ordem dos 4%. Acresce que desta vez a redução não parece
homogénea dado que a Ásia continua a demonstrar certo dinamismo com crescimento
significativos, que o Banco Mundial prevê, entretanto, localizarem-se a níveis muito mais
baixos do que se vinha verificando nos últimos anos.

O que há de profundamente diferente entre as duas crises é o facto dos Estados e dos
Governos terem intervindo de forma célere, articulada, competente no campo das finanças
públicas e da política monetária e ao facto dos Estados e os Governos, no mundo ocidental,
estarem dotados de instrumentos tais como o subsídio de desemprego que serviram de
amortecedores e de almofada ao impacto.

Por outro lado, esta crise também tem origem no sector financeiro, na banca de investimento,
contagiando, rapidamente, outros sectores como o automóvel e o imobiliário. Na economia
real, a crise manifesta-se sobretudo na dificuldade de acesso ao crédito, a fundos, ao custo
de capital, na debilidade e volatilidade do mercado accionista, na diminuição dos cash-flows,
pagamentos de prémios pela liquidez, no aumento dos riscos de balanço e na maior
intervenção do Estado.

No caso Português, constatam-se mudanças no comportamento dos consumidores. Há


adiamento na aquisição de bens duradouros e uma forte retracção na procura externa com
efeitos relevantes n PIB, por via das exportações e nas intenções de investimento privado.
Em termos de dívida pública, Portugal encontra-se numa posição intermédia não tendo
sofrido os efeitos negativos como a Irlanda ou a Islândia, mas situa-se numa posição inferior
à Espanha que possui menor dívida mais baixo défice.

O desequilíbrio crónico da balança de transacções correntes tem provocado uma


acumulação da dívida externa em Portugal. Ora, este é uma dos principais indicadores na
aferição do risco de crédito da República. Assim, face à Alemanha, Portugal encontra-se com
um spread classificado na posição 156 com o rating A+ quando a Espanha se encontra com
o rating AA+ e a posição de spread 120. Isto significa que ao contrário da Espanha, Portugal
não pode suportar uma maior intervenção do Estado na economia.

No caso Português impõem-se medidas de política orçamental e um significativo apoio


político na manutenção de Portugal a zona euro que tem sido o protector da economia
nacional. A solidariedade com outros países da zona euro em dificuldades tais como a
Grécia e a Irlanda é coerente com o desígnio de um projecto comum, apoiado em
entendimentos estruturantes.

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Acresce que para além do grande amortecedor da crise que tem sido a pertença à zona
euro, Portugal dispõe de outros amortecedores que levam a que a crise de faça sentir de
alguma forma mais fracamente. Todavia, o peso do Estado, que em breve poderá ultrapassar
os 50% do PIB associado à economia informal, conjugado com o aumento da capacidade de
poupança dos portugueses (aumentos de salários acima da inflação e redução dos encargos
com financiamentos) tem funcionado como amortecedor fundamental dos efeitos nefastos da
crise.

3. As Marés de Reforma
A questão que neste momento se coloca é a de saber se, após crise, vai tudo continuar
como estava.

De facto, em 1989, com Reagan como Presidente dos Estados Unidos e Margareth Tatcher ,
Primeira Ministra da Inglaterra, máximas expressões do neoliberalismo em acção, reuniram-
se em Washington, convocados pelo Institute for International Economics, entidade de
carácter privado, diversos economistas latino-americanos de perfil liberal, funcionários do
Fundo Monetário Internacional (FMI), Banco Mundial e Banco Interamericano de
Desenvolvimento (BID) e do governo norte-americano. O tema do encontro foi “Latin Americ
Adjustment: Howe Much has Happened?”, visava a avaliar as reformas económicas em curso
no âmbito da América Latina.

John Willianson, economista inglês e director do instituto promotor do encontro, foi quem
alinhavou os dez pontos tidos como consensuais entre os participantes e, simultaneamente,
quem cunhou a expressão "Consenso de Washington", através da qual ficaram conhecidas
as conclusões daquele encontro, como regras universais:
1. Disciplina fiscal, através da qual o Estado deve limitar seus gastos à arrecadação,
eliminando o deficit público,
2. Redução dos gastos públicos com Focalização em educação, saúde e infra-estrutura,
3. Reforma tributária que amplie a base sobre a qual incide a carga tributário, com maior
peso nos impostos indirectos e menor progressividade nos impostos directos,
4. Juros de mercado: Liberalização financeira, com o fim de restrições que impeçam
instituições financeiras internacionais de actuar em igualdade com as nacionais e o
afastamento do Estado do sector,
5. Câmbio de mercado: Taxa de câmbio competitiva,
6. Abertura comercial: Liberalização do comércio exterior, com redução de importação e
estímulos á exportação, visando a impulsionar a globalização da economia,
7. Investimento estrangeiro directo: Eliminação de restrições ao capital externo, permitindo
investimento directo estrangeiro,
8. Privatização, com a venda de empresas estatais,
9. Desregulação, com redução da legislação de controlo do processo económico e das
relações trabalhistas,
10. Propriedade intelectual.

Estas medidas destinadas a expandir o papel dos mercados e a restringir o dos Estados,
desde então, não deixaram de dominar a discussão em torno das funções do Estado e a
política de desenvolvimento económico.

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Conforme disse John Williamson, em 2002, estas medidas “são princípios de base, sendo,
por isso, que deram origem a consenso”.

A discussão à volta da redução do papel do Estado e da introdução dos valores e do espírito


da gestão empresarial na Administração Pública vai beber a sua inspiração aqui nestas
bases do Consenso de Washington. Mas agora Dani Rodrik, um reconhecido economista da
Universidade de Harvard, foi a mais recente voz a questionar os fundamentos intelectuais do
Consenso de Washington num convincente novo livro, intitulado “One Economics, Many
Recipes: Globalization, Institutions, and Economic Growth”. A tese de Rodrik é a de que,
apesar de haver apenas uma economia, existem muitas receitas para assegurar o sucesso
do desenvolvimento económico.

A tese das “muitas receitas” diz que os países se desenvolvem com êxito ao seguirem
políticas ecléticas, feitas à medida, que respondem a condições locais específicas, em vez
de seguirem fórmulas genéricas de melhores práticas concebidas por teóricos da economia.
Esta teoria põe em causa as certezas universais do Consenso de Washington e a sua
fórmula de aplicação universal em matéria de privatização, mercados laborais
desregulamentados, liberalização financeira, integração económica internacional e
estabilidade macroeconómica baseada numa baixa taxa de inflação.

No entanto, se bem que a tese das muitas receitas suscite um grande interesse, usufrua de
suporte empírico e sugira um espírito de pluralismo teórico, a reivindicação de uma
“economia única” é questionável, uma vez que dá a entender que a economia neoclássica
dominante é a única economia autêntica. Parte da dificuldade em explicar esta restrição
reside no facto de haver uma discussão na família dos economistas neoclássicos, que divide
aqueles que acreditam que as economias de mercado do mundo real se aproximam da
concorrência perfeita e aqueles que não acreditam nisso.

Os crentes identificam-se com a “Escola de Chicago”, cujos principais exponentes incluem


Milton Friedman e George Stigler. Os descrentes identificam-se com a “Escola do MIT”
(Massachusetts Institute of Technology), associada a Paul Samuelson. e Rodrik, bem como
outros nomes conhecidos, como Paul Krugman (2007), Joseph Stiglitz e Larry Summers.
Esta divisão esconde a uniformidade subjacente do pensamento.

A Escola de Chicago defende que as economias de mercado do mundo real produzem


resultados em grande medida eficientes, que as políticas públicas não podem melhorar. Por
isso, qualquer intervenção do Estado na economia prejudicaria sempre alguém.

Pelo contrário, a Escola do MIT sustenta que as economias do mundo real suportam as
consequências das falhas dos mercados, onde se incluem a concorrência imperfeita e os
monopólios, as externalidades associadas a problemas como a poluição e a incapacidade de
fornecer bens públicos, tais como iluminação pública ou a defesa nacional.
Consequentemente, as intervenções estatais dirigidas às falhas de mercado - bem como às
generalizadas imperfeições da informação e à inexistência de muitos mercados necessários -
podem beneficiar todas as pessoas.

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Acresce que, nem a Escola de Chicago nem a Escola do MIT defendem que os resultados do
mercado são equitativos, porque os resultados reais dos mercados dependem da distribuição
inicial dos recursos. Se essa distribuição não for equitativa, os actuais e futuros resultados
também não o serão. Os economistas de Chicago parecem acreditar que a falta de equidade
nos resultados do mundo real é aceitável e, o que é ainda mais importante, que as tentativas
para emendar essa situação são demasiado dispendiosas, porque a manipulação dos
mercados provoca ineficiências económicas. Eles parecem estar convictos de que a
intervenção do governo tende a gerar os seus próprios fracassos, bastante dispendiosos,
devido à incompetência burocrática e à procura de rentabilidade fácil, mediante as quais os
interesses privados tentam orientar as políticas em seu próprio benefício.

Os economistas do MIT pensam exactamente o contrário: a equidade é importante, o mundo


real é de uma injustiça inaceitável e os fracassos do governo podem ser evitados através de
um quadro institucional apropriado, nomeadamente o democrático. Acresce que economistas
heterodoxos como Thorsten Veblen e Joseph Schumpeter há muito que expuseram muitas
das actuais questões mais prementes da economia neoclássica, incluindo o papel das
normas sociais e a relação entre inovação tecnológica e ciclos económicos.

A economia heterodoxa engloba conceitos teóricos de base que são, fundamentalmente,


incompatíveis com a economia neoclássica em qualquer das suas duas formas
contemporâneas. Estes conceitos resultam em explicações significativamente diferentes do
mundo real, incluindo a distribuição dos rendimentos e os factores determinantes da
actividade económica e do crescimento. Além disso, muitas vezes resultam na prescrição de
diferentes políticas.

A forma como o Estado tem encarado as falhas de mercado tem conduzido, desde o
Consenso de Washington à procura de alternativas que permitam, por um lado evitar
intervenções de consequências nefastas e, por outro, promover o eficiente desempenho das
funções fundamentais do Estado, ou seja, actualmente, assiste-se a uma discussão de
natureza política tendo por base uma doutrina económica sobre as novas
funções/missões/atribuições do Estado.Com o peso crescente do Estado e o poder crescente
dos Governos, a análise das regras de decisão política e do modo como actuam os agentes
políticos torna-se essencial (Alves e Moreira, 2004).

Os anos oitenta vieram pôr em causa o status quo quanto ao papel do Estado, tendo sido
palco de um movimento de redução desse papel na vida económica e social. A concepção
de um menor Estado, ou seja, de um menor protagonismo directo deste na actividade
económica, apresenta tónicas diferenciadas entre si, desde versões minimalistas do tipo
Estado mínimo, até versões mais intervencionistas, do tipo “intervir menos para intervir
melhor” (Stiglitz, 1988).

Esta evolução conhece uma assinalável aceleração, em especial desde a queda do Muro de
Berlim e do impulso decisivo da globalização económica e dos mercados. Representa,
também, com a revolução tecnológica e comunicacional, a entrada de um novo paradigma de
organização económica e social, marcado pela agressividade competitiva à escala
planetária.

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O movimento de resposta às novas condições da envolvente assentou em três ideias. Uma


foi a de promover a privatização de sectores económicos controlados pelo Estado. Outra foi a
de assumir uma orientação no sentido da diminuição e simplificação da intervenção
económica pública. A terceira foi a de garantir a aplicação às relações com as empresas, do
princípio da igualdade e das regras da livre concorrência.

Este movimento foi acompanhado por orientações políticas de desregulamentação e de


desregulação e, no campo ideológico, foi incentivado pelo reviver das doutrinas neoliberais
da Escola de Chicago e pelas conclusões saídas do Consenso de Washington em 1980.

Desde então, tem-se assistido a uma enorme vaga de privatizações de empresas públicas e
de sectores públicos em quase todos os países do mundo. Esta vaga começou em Inglaterra
e espalhou-se, posteriormente, à Austrália, Nova Zelândia e países do Norte da Europa. Os
países francófonos parecem ser mais resistentes ao impacto desta vaga mas, lentamente,
também apresentam sinais de cedência à sua força e sedução.

Este movimento de privatização tem diminuído, substancialmente, a participação do Estado


na actividade económica, e a desregulamentação de sectores, até há pouco explorados em
regime de monopólio. Aliviou e restringiu, também, o peso da intervenção pública. Tudo isto,
associado ao derrube das economias comunistas de planeamento central estatal, deu a esta
onda, nos anos noventa, traços de um movimento regenerador, cujas consequências ainda
são em grande parte, imprevisíveis.

Razões, de vária ordem, têm sido aduzidas para explicar o movimento redutor do papel do
Estado empresário.

Em primeiro lugar, a ineficiência das empresas públicas, provocada, em parte, pela sua
gestão sacrificar os objectivos económico-financeiros e comerciais, aos políticos e sociais,
entre estes, o endémico endividamento, fruto de resultados operacionais e financeiros
altamente negativos, a redução de tarifas e preços por razões políticas circunstanciais e a
manutenção de elevado níveis de emprego (Stiglitz, 1988). Em segundo lugar, a necessidade
de diminuir o desequilíbrio dos orçamentos públicos, (défice e dívida pública) aliviando-os
dos défices de algumas empresas públicas, com o acréscimo de receitas extraordinárias
provenientes da venda de capital e património. Em terceiro lugar, a redução do peso político
dos sindicatos ou das clientelas político-partidárias. Em quarto lugar, a intenção de promover
vantagens sociais adequadas à presente fase do capitalismo. Por exemplo, o acesso à
propriedade directa do capital das empresas à generalidade dos agentes, nomeadamente
dos trabalhadores no capital das empresas a privatizar.

Para os partidários da desintervenção ou da redução das actividades produtivas de bens ou


serviços do Estado, a passagem da gestão pública para a gestão privada acarreta uma série
de melhorias. Aumenta a eficácia, melhora a qualidade, reduz os impostos, diminui o sector
público e melhora o atendimento dos clientes.

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Esta nova filosofia administrativa tem-se expressado - como vimos através da Administração
Pública de tipo Empresarial “New Public Management”, da Reinvenção da Governação
“Reinventing Government”, das abordagens da Escolha Pública (Alves e Moreira, 2004) e do
Novo Serviço Público (Denherardt e Denherardt, 2003).

Para Peters e Waterman, o modelo burocrático, característico das organizações públicas, é


gerador de ineficiências e disfunções, razão por que se deverá adoptar modelos e técnicas
de gestão empresarial. As administrações públicas apresentam um excessivo formalismo
que paralisa as organizações, as quais ignoram os resultados e os clientes para insistirem no
cumprimento de regras. Os gestores, por sua vez, são avaliados em função do grau de
cumprimento das normas.

No âmbito desta nova filosofia administrativa, ao sector público não deverá, como no
passado e durante décadas, ser pedido que seja um grande empregador e que resolva os
problemas de desemprego. Isso já não constitui a sua missão. A sua missão é prestar um
bom serviço a um preço ou taxa baixa, isto é, dar ao cliente maior qualidade ao menor custo.

Numa óptica microeconómica, as privatizações têm, pois, como objectivo melhorar o


funcionamento dos serviços, aumentando a qualidade e baixando os preços, ou introduzindo
mais valor no produto ou serviço final mantendo o mesmo preço. Numa óptica
macroeconómica, tem-se em vista restaurar os mecanismos de mercado e reduzir o peso do
Estado na economia. Razões de ordem financeira, económica, política e ideológica
misturam-se, pois, no mosaico de justificações do processo de redução do peso do Estado
na economia.

Como referimos, a revisão constitucional de 1989 veio retirar da Constituição o princípio da


irreversibilidade das nacionalizações. Deste modo, suprimiu os principais limites à
reprivatização total de empresas nacionalizadas, seja da titularidade, seja da gestão dos
meios de produção (art. 85, No. 1) e permitiu uma rápida compressão do sector público
produtivo.

A própria Constituição inclui uma norma transitória (art. 296), contendo os princípios básicos
de uma futura lei-quadro das privatizações, que surgiu em 1990 (Lei No. 11/90, de 5 de
Abril). Na sequência dela, o Governo levou a cabo um vasto plano de reprivatizações, a que
juntou o anúncio da privatização da gestão de vários serviços públicos.

O grande limite à privatização é, parece-nos, o que decorre, em última análise, do princípio


constitucional da coexistência dos sectores público, privado e cooperativo dos meios de
produção e que impede uma eventual privatização total do sector público produtivo. Acresce,
ainda, que a Constituição estabelece, de forma moderada, sectores vedados à actividade
privada, cuja titularidade e gestão não podem ser transferidas para o sector privado, nos
termos do art. 87o., No. 3, senão até 49% do seu capital (art. 2).

O sector empresarial do Estado é constituído por empresas públicas, sociedades de capitais


públicos, e sociedades de economia mista controladas. O Estado pode, ainda, deter
participações minoritárias em sociedades comerciais privadas.

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Por último, importa salientar que, existe um grande debate académico, teórico, político e
económico na área do bem-estar e das finanças públicas acerca das velhas e novas funções
do Estado. Na prática, é aqui que se focaliza o essencial da questão, por exemplo, acerca do
sector público poder ou não ter um peso superior a 35% do Produto Interno Bruto (PIB) de
um país? Na última década, Portugal aplicava cerca de 50% do PIB no sector Público.
Todavia, há países como a Suécia com um peso superior. Por isso, há quem se interrogue
se deveremos centrar a questão apenas no peso da despesa pública face ao PIB ou na
relação entre este rácio e a qualidade de serviço público prestada ao cidadão pela
Administração?

4. Estado Regulador
A redução do peso do Estado-empresário e a liberalização de determinados sectores de
actividade económica, a que se tem assistido nos últimos anos em diversos países, têm sido
acompanhadas por um alargamento do papel de Estado como regulador.

A Constituição da República Portuguesa (CRP), no seu art. 81, alínea f), atribui ao Estado,
sob a epígrafe “Incumbências Prioritárias”, a obrigação de “assegurar o funcionamento
eficiente dos mercados, de modo a garantir a equilibrada concorrência entre as empresas, a
contrariar as formas de organizações monopolistas e a reprimir os abusos de posição
dominante e outras práticas lesivas do interesse geral”.

Na verdade, quer o funcionamento eficiente dos mercados, quer a concorrência equilibrada,


quer ainda as formas de organização monopolistas, incluindo abusos de posição dominante
e outras práticas lesivas do interesse geral, exigem do Estado uma melhor regulação. Em
certo sentido, hoje, exige-se que o Estado converta parte dos recursos nomeadamente
humanos que dedicava, tradicionalmente, à produção tangível de bens públicos em novas
competências destinadas a satisfazer as novas atribuições da regulação.

Com feito, os desenvolvimentos elaborados a partir da primeira legislação dos EUA“anti


trust”, ou seja, o Sherman Act (1890) e, por outro, o paradigma de “undistorted competition”,
que adquiriu cidadania universal no quadro das relações internacionais e da administração
pública existente em vários Estados, e que tem vindo a operar a partir do Tratado de Roma
(1957), com várias externalidades positivas, de que a Construção Europeia é o exemplo mais
evidente.

De facto, a defesa do interesse público pelo estado regulador pode manifestar-se sob três
formas ou regimes. Como autoridade que define as condições de acesso e as regras e
obrigações a observar no desempenho de uma dada actividade. Como co-participante no
funcionamento das unidades empresariais, que assumem tal actividade, enquanto accionista.
Como poder regulador que acompanha, fiscaliza, controla e até pune os agentes prestadores
do serviço público (Motta, 2004; Bongardt, 2005). Este fenómeno da regulação incide, em
especial, sobre os mercados emergentes, como resultado dos referidos processos de
privatização e de liberalização.

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Assim, tanto a privatização de empresas públicas – que, em muitos casos, não havia sido
objecto de uma regulação pública sistemática -, como a abertura à concorrência de sectores
anteriormente vedados ou de acesso controlado (como, por exemplo, as telecomunicações, a
electricidade, o serviço de televisão, os correios, o transporte aéreo, água, saneamento
básico) têm dado origem ao estabelecimento de novos regimes e instâncias de regulação.

São dois os objectivos essenciais destes regimes. Garantir o respeito das empresas pelas
regras da concorrência, designadamente as privatizadas, públicas ou de capital público.
Assegurar a qualidade e a quantidade dos bens ou serviços produzidos, em particular,
quando se trate de bens ou serviços de interesse geral.

O Estado regulador apresenta, ainda, outras facetas, que têm coincidido historicamente com
os desenvolvimentos referidos, e que se distinguem quanto às suas causas e características.
Trata-se, nomeadamente, da regulação pública das actividades económicas que comportam
riscos para a saúde, a segurança e o meio ambiente, e da regulação dos mercados
financeiros (Barbosa, 1997; Soares, 2007; Guerra, 1997).

Na opinião de alguns autores, o Estado regulador configura um novo paradigma de


intervenção do Estado intervencionista, ou dirigista, que marcou as décadas que se seguiram
à Segunda Guerra Mundial. Também na Constituição económica portuguesa, e na actividade
económica propriamente dita, a perda de importância do sector empresarial do Estado não
foi acompanhada pelo declínio do seu papel como regulador dessa actividade.

Isto não significa, que no desenvolvimento e aplicação do texto constitucional não tenham
variado, ou possam variar, as actividades regulamentadas ou os instrumentos utilizados para
esse efeito. Tal acontece, por exemplo, quando o Estado concede maior importância à
protecção da concorrência do que à regulamentação dos preços. E, também, quando prefere
a negociação à imposição, como meio de vincular os agentes económicos a determinados
comportamentos. Neste aspecto, a ordem jurídica portuguesa vem reflectindo tendências
globais para a desregulação de certas actividades e a regulação de outras.

Muitos autores chamam a atenção para o papel que a substituição da intervenção pública
pela privada desempenha como forma de modernizar a Administração Pública. Uma vez que
parece ser consensual, actualmente, que o sistema de concorrência é a melhor forma das
empresas se apresentarem no mercado, a necessidade do Estado intervir como regulador,
em especial nas situações em que existem desvios significativos a essa concorrência, é cada
vez maior.

Se tivermos em conta o momento que actualmente se atravessa, de passagem de estruturas


monopolizadas para situações de concorrência, a intervenção reguladora do Estado é ainda
mais importante. Em causa estão, entre outras, áreas como a energia, as telecomunicações,
os transportes, a água, os resíduos sólidos e a saúde, os correios.

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À medida que estas diversas áreas deixam de ser públicas e vão sendo abertas a privados,
importa regular, de forma eficaz, as relações entre a esfera pública e privada, de modo a
assegurar a defesa de todos os interesses em confronto, sobretudo, os dos cidadãos. Na
maioria dos casos, a salvaguarda de interesses cabe a uma Entidade Reguladora, cuja
criação tem sido feita à medida que o fim dos monopólios se avizinha. O objectivo assenta,
assim, na necessidade de definir o quadro de relacionamento entre as entidades públicas e
privadas que actuam num sector. Ou seja, evitar abusos de posição dominante dos agentes
já instalados, assegurar a sã concorrência e, ao mesmo tempo, salvaguardar o interesse dos
consumidores ((Barbosa, 1997; Soares, 2007; Guerra, 1997).

Importa salientar que, até aos anos oitenta, em todo o mundo, os Governos expandiram o
âmbito das suas actividades e assumiram funções que incumbiam, outrora, ao sector
privado. Por exemplo, as instituições de protecção social, contra a doença e invalidez, e a
segurança económica na velhice, tiveram origem fora da esfera estatal.

Houve inúmeras instituições ou redes informais de segurança social ao longo da história, a


começar na família, passando pelas Misericórdias, com génese religiosa, e acabando nas
associações de socorros mútuos, de origem sindical.

A partir do século XIX, na Europa, esta tendência inverteu-se em favor do Estado Produtor,
até que, no final dos anos oitenta do século XX surgiu novamente a tendência a alterar-se
pugnado-se por menor e melhor Estado.

Segundo os partidários da desintervenção ou da redução das actividades do Estado, a


passagem da gestão pública para a privada é de tal maneira importante que acarreta uma
série de melhorias. Entre elas, o aumento da eficácia, a melhoria da qualidade, a redução
dos impostos, a diminuição do sector público e o melhor atendimento do cliente.

Que se entende por regulação pública da economia? Esta consiste no conjunto de medidas
legislativas, administrativas e convencionadas, através das quais o Estado, por si ou por
delegação, determina, controla, ou influencia o comportamento de agentes económicos. O
objectivo é evitar efeitos desses mesmos comportamentos, que sejam lesivos de interesses
legítimos, e orientá-los em direcções socialmente desejáveis (Barbosa, 1997; Soares, 2007;
Guerra, 1997).

Na essência, estas medidas visam a alteração dos comportamentos dos agentes


económicos (produtores e distribuidores), em relação ao que seriam se esses
comportamentos obedecessem apenas às leis de mercado ou a formas de autoregulação.

A regulação pública económica distingue-se, portanto, da regulação pelo mercado, e das


regras provenientes de entidades privadas dotadas de poder económico suficiente para as
tornarem efectivas (por exemplo, regulamentos internos, decisões associativas ou códigos de
conduta provenientes de associações privadas).

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Têm cabimento, contudo, no conceito de regulação pública, as medidas convencionadas ou


contratualizadas entre entidades públicas e privadas, por iniciativa e num quadro legal
definido pelas primeiras (como é o caso dos contratos-programa, dos preços convencionados
ou dos acordos de concertação). Tem ainda lugar aqui, parece-nos a regulação feita por
entidades privadas por delegação e apoiada no enquadramento produzido por entidades
públicas, como acontece com as normas técnicas.

O facto dos principais destinatários da regulação pública serem agentes económicos


privados não significa, que o sector empresarial do Estado não seja também por ela
abrangido. Assim acontece, por exemplo, em matéria da concorrência, cujas regras se
aplicam a todos os agentes económicos, independentemente da sua natureza pública,
privada ou outra.

Estas formas de regulação - no passado designadas como medidas de fomento económico -,


podem ser concedidas com ou sem contrapartidas. Mais do que uma função correctora ela é
incentivadora da actividade económica também, na medida em que o Estado usa incentivos
para inflectir os comportamentos dos agentes económicos em determinados sentidos
compatíveis com os objectivos das políticas públicas.

Constata-se que, no âmbito da sua acção reguladora, a Administração recorre a medidas


imperativas, de natureza legislativa e/ou administrativa, de âmbito geral ou individual. Por
esse meio, limita a liberdade dos agentes económicos ou proporciona-lhes vantagens
condicionadas à assumpção de determinados comportamentos (Boyer e Saillard, 1995).

A lei define o enquadramento geral que a Administração se encarrega de aplicar, através de


actos administrativos de carácter preventivo (licenças ou autorizações), repressivo (sanções
de natureza civil, administrativa ou penal), acompanhados dos respectivos actos de controlo
(inspecções, etc.,). A lei cria, igualmente, incentivos às empresas ou programas de apoio de
que os agentes económicos beneficiam. Isto, desde que preencham as condições definidas,
ou de acordo com os critérios de apreciação da Administração (quando a lei lhe confere o
poder discricionário para proceder a esse julgamento).

A Administração pública tem vindo a privatizar os seus instrumentos de regulação


económica, complementando ou substituindo os actos administrativos unilaterais por acordos
de incitação ou de colaboração com os destinatários da regulação. Este tipo de procedimento
é susceptível de ser aplicado, independentemente dos objectivos da regulação, sejam eles
restritivos ou incentivadores, ou procurem atingir os dois objectivos em simultâneo. Como
acontece, por exemplo, num contrato-programa em matéria ambiental. Os mais típicos
procedimentos negociados são os contratos económicos e os acordos de concertação.

As principais áreas de regulação económica variaram ao longo do século XX por razões por
razões que se prendem com o desenvolvimento tecnológico, com os fenómenos da
internacionalização e globalização da economia, e mais recentemente, com as políticas
desreguladoras e de privatização. Assim, enquanto áreas tradicionais de regulação, como a
fixação de preços, perderam importância, emergiram outras, como o controlo da qualidade,
do ambiente ou do consumo.

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Não obstante as variações sucessivas e a dificuldade em traçar fronteiras precisas entre as


diferentes áreas de regulação pública da economia, podemos destacar nove áreas principais:
Planeamento e formas de orientação e auxílio aos agentes económicos; Restrições e
condicionamentos ao acesso à actividade económica; Concorrência e preços; Actividade
monetária e financeira; Ambiente; Qualidade e protecção dos consumidores; Electricidade;
Comunicações; Informação.

Em qualquer destas áreas cruzam-se, muitas vezes, os objectivos de polícia ou de restrição


da liberdade dos agentes económicos, com os de promoção ou apoio à sua actividade. Mas
o peso relativo de cada um deles é muito variável. Por exemplo, o planeamento é
basicamente promocional, enquanto a protecção da concorrência constitui uma área que se
caracteriza, essencialmente, pela proibição de comportamentos lesivos do livre
funcionamento das leis de mercado. Os procedimentos utilizados variam igualmente,
passando dos imperativos aos negociados, e vice-versa, nas diferentes áreas de regulação
económica.

Todo o regime de regulação implica, três vertentes essenciais: o estabelecimento de regras;


a sua implementação concreta; e a sanção às infracções cometidas. Nada impede, porém,
que estas vertentes e os poderes em que elas se analisam, estejam repartidos por diferentes
instâncias regulatórias (Marques e tal, 2005).

Num sistema de regulação deverão estar as instituições reguladoras na dependência do


poder executivo do Governo ou poderão depender do poder político a Assembleia da
República, ou poderão ainda ser autónomos? Trata-se de uma questão de grande interesse
actualmente, do ponto de vista da Ciência da Administração. Encontram-se no mundo e na
Europa, presentemente, experiências diversas e falta a avaliação de tais experiências de
forma a se obter doutrina sobre o tema. Há países de maior tradição democrática onde as
agências reguladoras são órgãos independentes em que é o Parlamento quem designa a
maioria dos membros do Conselho Regulador.

Em Portugal temos um sistema misto, estando a maioria na dependência de um membro do


governo e poucos são os casos na dependência do Parlamento como acontece com a
Entidade Reguladora para a Comunicação Social, criada pela Lei 53/2005, de 8 de
Novembro. A ERC foi constituída como uma pessoa colectiva de direito público, dotada de
autonomia administrativa e financeira e de património próprio, com natureza de entidade
administrativa independente.

5. Conclusão
A crise é a oportunidade para Portugal continuar as reformas estruturais na justiça, na
educação, na saúde, etc. É uma oportunidade para as empresas se reestruturarem,
redireccionarem e aumentar a produtividade e competitividade. A nova gestão pública não
tem sido antes da crise nem será, após a crise uma tendência global, modelo único e
coerente, com igual funcionamento em todos os sectores. Aliás, no mesmo País o ritmo de
reforma e o estilo não tem de seguir um padrão idêntico em todos os sectores da
Administração. O que está certo no sector da educação, poderá não ser o da saúde e vice-
versa.

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Por isso, a crise financeira actual, onde existe, claramente, uma intervenção maior do Estado
na economia, não constitui um intervalo na acção desta tendência global da introdução de
novos modelos de gestão pública. Há, claramente, a mudança de paradigma na gestão que
passa pelo abandono do modelo burocrático pelo da gestão por objectivos. Em termos
simples, o modelo tradicional caracterizado pela interpretação e aplicação de normas e
regulamentos continuará a ser substituído pelo modelo que identifica gestão com medição,
na expressão: gerir é medir, medir é comparar e comparar é melhorar permanentemente.

A crise actual representa uma oportunidade não tanto para a instalação de uma nova
agenda, mas antes uma oportunidade para reequilibrar a relação entre a teologia de mercado
e de Estado. Precisamos ter um melhorar Estado regulador. e o Estado produtor terá uma
nova atitude relativamente à ética e à prevenção e redução da corrupção, à qualidade de
serviço, ao controlo de custos, à eficácia eficiência e economia.

Em suma, desta crise ficou claro que o Estado não é dispensável e que dela deverá surgir
mais legitimado pelo bom papel nela desempenhou e que intervenha no apoio à economia de
mercado. Importa que o peso do Estado terá de ter menor dimensão do que atingiu em
Portugal e será incentivado a ser mais eficaz a melhorar a optimização da aceitação da
despesa. Em suma, um Estado com o qual os cidadãos possam reconciliar-se por se ter
legitimado, ser menor e mais eficaz.

Bibliografía
Alves, André e Moreira, José (2004), O que é a Escolha Pública?, Cascais: Principia.
Barbosa, António Pinto (1997), Economia Pública, Lisboa: McGraw-Hill.
Bongardt, Annette (ed.) (2005), Competition Policy in the European Union. Experiences
and Challenges Ahead, Oeiras: INA.
Boyer, Robert e Saillard, Yves (1995), Théorie de la Régulation L’état des Savoirs,
Paris: La Découverte.
Denhardt, Janet e Denhardt, Robert (2003), The New Public Service: Serving, not
Steering. London: M. E. Sharpe.
Guerra, António Castro (1997), Política de Concorrência em Portugal, Lisboa: GEPE.
Krugman, Paul (2007), The Conscience of a Liberal, London: Penguin Books.
Marques, Maria Leitão et al (2005), Concorrência e Regulação, Coimbra: Coimbra
Editora.
Motta, M. (2004), Competition Policy - Theory and Practice, Cambridge: Cambridge
University Press, in M. Neumann; Weigand (eds.), The International Handbook of
Competition, Cheltenham: Edward Elgar, 2004.
Soares, José Fernandes (2007), Teorias Económicas da Regulação, Lisboa: Instituto
Piaget
Stiglitz, Joseph E. (1988),Economics of the Public Sector, Londres: W.W. Norton
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Stiglitz, Joseph E. (1988),Economics of the Public Sector, Londres: W.W. Norton
Company, pp. 90-116.

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Resenha biográfica
João Abreu de Faria Bilhim
Professor Catedrático e Presidente do Instituto Superior de Ciências Sociais e Políticas
(ISCSP) da Universidade Técnica de Lisboa (UTL). Agregado em Sociologia das
Organizações, Doutor, Mestre e Licenciado em Ciências Sociais. Tem ministrado cursos de
mestrado nas Universidades do Minho, Porto, Aveiro, Católica, Madeira e ISCTE.

Foi Responsável de Recursos Humanos da Direcção Regional de Correios; Responsável de


Comunicação e Investigador no Instituto de Engenharia de Sistemas e Computadores
(INESC); Director de Formação e Desenvolvimento e Director de Comunicação Interna nos
CTT, Correios de Portugal. Foi Director do Gabinete de Auditoria e Modernização do
Ministério da Justiça. Presidiu à Comissão Técnica do Programa de Reestruturação da
Administração Central do Estado (PRACE). Presidiu ao Programa de Modernização da
Administração Regional da Madeira (PREMAR). Foi Administrador da Rumos SA e da
Talentum SA; membro do Conselho Fiscal da TECINESC SGPS.

Publicou as seguintes obras:


Gestão de Ciência e Tecnologia. Lisboa: ISCSP, 1995; Teoria Organizacional. Lisboa:
ISCSP, 1996; Sociologia da Empresa. Lisboa: Universidade Aberta, 1996; Comportamento
Organizacional. Lisboa: Universidade Aberta, 1997; Ciência da Administração. Lisboa:
Universidade Aberta, 2000; Questões Actuais de Gestão de Recursos Humanos. Lisboa:
ISCSP, 2001; Governação e Inovação nas Autarquias Locais. Porto: SPI, 2004; Gestão
Estratégica de Recursos Humanos. Lisboa: ISCSP, 2007. É membro da comissão científica
de diversas revistas e publicou dezenas de artigos na sua área de especialidade.

É membro das seguintes organizações científicas e profissionais:


International Sociology Association – ISA; Associação Portuguesa de Sociologia Industrial,
das Organizações e do Trabalho – APSIOT; Associação Portuguesa de Sociologia – APS;
Sociedade de Geografia de Lisboa; Associação Portuguesa para o Desenvolvimento das
Comunicações – APDC; Associação Portuguesa de Management – APM; Associação
Portuguesa de Técnicos e Gestores de Recursos Humanos – APG; Associação Portuguesa
de Administração e Políticas Públicas – APAPP; American Society for Public Administration –
ASPA; European Group of Public Administration – EGPA.

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