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Uma Carta de Francisco Santos ao DN sobre uma

crónica do sr. João Marcelino em que este


disserta sobre o que não sabe
Francisco José Santana Nunes dos Santos
Email: fjsnsantos@gmail.com
Blogue pessoal: (Re)flexões

O sr. João Marcelino é director de um jornal centenário. Supostamente um jornal de referência e não
um pasquim ao serviço de interesses particulares.

O sr. João Marcelino é um jornalista. Desconheço qual a formação académica do sr. João Marcelino
e se essa formação era ou não imprescindível para aceder à profissão de jornalista. Como
desconheço que formação contínua e que provas públicas é que o sr. João Marcelino teve que
prestar para ir subindo na carreira, até chegar a director do DN.

Enquanto jornalista e director de um jornal o sr. João Marcelino emite opinião sobre imensas
matérias, supostamente de interesse público e destinadas a esclarecer e informar os seus leitores.

Imaginava eu, na cândida inocência do meu meio século e mais um pouco de idade, que o sr. João
Marcelino e os outros jornalistas e comentadores que nos diferentes meios de comunicação social
vão formando a opinião pública, procuravam informar-se sobre as matérias das quais falam.
Também imaginava que para se informar, antes de emitir julgamentos definitivos, o sr. João
Marcelino lia e ouvia as diferentes partes interessadas nos assuntos que comenta.

Não me custa a perceber que o sr. João Marcelino e todos os restantes comentadores encartados
tenham as suas simpatias partidárias, futebolísticas, comerciais ou outras.

Já me custa a perceber que tendo-as, finjam emitir juízos independentes e equidistantes, quando na
verdade só ouvem, só lêem e só ligam às opiniões e às informações da parte que defendem.

Esclarecido este ponto sobre a minha visão desencantada sobre o jornalismo e os jornalistas que
temos, tentarei usar de toda a paciência que a profissão docente me ajudou a cultivar para procurar
iluminar as trevas do desconhecimento em que parece quererem continuar a viver.

Para tanto usarei o artigo de opinião que o sr. João Marcelino escreveu no jornal que dirige e que foi
publicado no dia 1 de Março, sob o título «A AVALIAÇÃO DA MINISTRA».

No primeiro parágrafo o sr. João Marcelino procura demonstrar a sua independência face ao poder e
o seu posicionamento imparcial. Esse exercício é tentado através da afirmação de que não convive
com a ministra, mas também de que teria ouvido o seu discurso e as reacções que vem suscitando.

Convenhamos que para fundamentar uma opinião sobre o conflito entre duas partes não basta ouvir
o discurso de uma das partes e ouvir que a outra parte se manifesta contra. Necessário seria ouvir
também o discurso do oponente da primeira parte, o que aparentemente o sr. João Marcelino não
fez.

Apesar disso o sr. João Marcelino não se coíbe de adjectivar como corporativa a reacção que
reconhece estar a haver por parte de todos os professores, usando esse adjectivo com a conotação
pejorativa que, na perspectiva do poder, poderá inibir uma parte da profissão de participar nos
protestos.
Infelizmente para o sr. João Marcelino, para os outros coadjuvantes do poder e para o próprio poder
representado pelo ME, os professores são gente com formação de nível superior (licenciatura para o
ingresso na carreira e, em número significativo, mestrado ou doutoramento como formações pós-
graduadas), o que lhes permite não se deixarem ludibriar com truques de propaganda para
analfabetos.

Neste particular devo até reconhecer ao governo actual o mérito de ter feito nascer uma corporação
que não existia no seio de uma classe profissional profundamente dividida.

Mais à frente o sr. João Marcelino afirma que "a contestação, que começou por ser sindical (leia-se:
organizada pelo Partido Comunista Português), tem na actualidade uma dimensão geral que deve
obrigar a ministra a alguma reflexão, porventura a questionar não o sentido das suas convicções
mas o timing de implementação de todas as medidas que considera imprescindíveis para termos
uma escola de qualidade – mais profissional e competente."

Sobre esta afirmação é preciso alguma clarificação:

Em primeiro lugar é preciso saber a que tempo da contestação sindical o sr. João Marcelino se
refere. Se fala do processo que vem decorrendo desde a aprovação do novo Estatuto da Carreira
Docente, tem razão quanto à sua origem sindical, embora não possa reduzir tudo à acção do PCP.
Vários sindicatos da Fenprof são de influência ou têm nas direcções muitos militantes do PS e não
foi apenas essa federação a contestar o estatuto. Já se a sua referência se situa num momento
mais próximo, em particular o que tem sucedido desde Janeiro deste ano, então a afirmação revela
ignorância ou má fé.

É que tudo o que aconteceu desde Janeiro e em particular desde que o novo regime de gestão
escolar foi posto em discussão pública ao mesmo tempo que foram publicados os regimes de
avaliação docente, do ensino especial, do estatuto do aluno e do ensino artístico, nada tem a ver
com sindicatos e/ou partidos.

Este foi um movimento de bases, genuinamente apartidário e assumidamente corporativo, no


sentido em que as corporações devem auto-regular o exercício do ofício e a prestação do serviço
que fornecem ao público que servem.

Enquanto membro activo desse movimento afirmo com orgulho que os dois primeiros objectivos
estão cumpridos com pouco mais de um mês de existência – união dos professores com
mobilização total de todos os sindicatos e visibilidade do movimento junto da opinião pública e da
corporação dos jornalistas. Há dois meses ninguém sabia o que se passava com os professores e
as escolas e hoje as nossas manifestações abrem telejornais e fazem primeira páginas e editoriais.

Em segundo lugar é fundamental perceber que o problema não é da ministra nem do timing da
implementação das medidas. A questão que está em discussão é a das opções políticas. O
verdadeiro problemas são as políticas públicas de educação propostas pelo actual governo, sob a
orientação das agências internacionais, que apontam caminhos neo-liberais na retórica, neo-
conservadores no articulado legislativo e cerceadores da autonomia e da qualidade do ensino e da
aprendizagem, por opção economicista imposta do exterior.

Mais à frente o sr. João Marcelino disserta sobre o desconhecimento que os professores terão dos
procedimentos de avaliação que, segundo ele, são comuns a todas as empresas. Nessa sua ânsia
esclarecedora o sr. João Marcelino vai ao ponto de afirmar que: «A maior parte deles
manifestamente não sabe que os objectivos individuais contra os quais se rebelam são simples
adaptações de modelos técnicos que funcionam noutras actividades e praticados pelas grandes
empresas especializadas na avaliação de recursos humanos.»

Infelizmente, digo eu, o verdadeiro problema é que nem ele sabe, nem os nossos governantes
percebem, que os modelos de gestão e administração empresarial não são aplicáveis por simples
adaptação ao universo das organizações escolares. Se o sr. João Marcelino e, antes dele, os
governantes se tivessem dado ao trabalho de ler e escutar a recente investigação académica sobre
administração educacional e administração escolar nunca teriam a coragem de dizer este tipo de
barbaridades.

Parafraseando o sr. João Marcelino no parágrafo com que termina o seu artigo, atrevo-me a afirmar
que «Se uma das condições para comentar a legislação que vai tutelar a avaliação dos docentes
(Decreto Regulamentar n.º2/2008, publicado no Diário da República, 1.ª série, n.º 7 de 10 de
Janeiro deste ano), fosse provar conhece-la, tê-la lido e compreendido, provavelmente não haveria
tanta baboseira sendo escrita e dita por comentadores encartados que fazem a opinião com que os
políticos são eleitos neste país.»

É que, entre muitos aspectos mal esclarecidos no articulado do referido decreto regulamentar,
subsiste uma questão ética que prejudica à partida a credibilidade do processo e que tem a ver com
o facto de avaliador e avaliado serem concorrentes ao mesmo bem escasso: a atribuição da
avaliação de excelência.

Esclarecendo, tomemos o exemplo de um departamento em que o avaliador necessita de uma


classificação de excelente para acelerar a sua progressão na carreira e sabe que apenas haverá um
excelente para atribuir ao seu departamento. Alguém se admirará que ele classifique todos os
subordinados com uma notação inferior, reservando para si a menção de excelente a atribuir ao
departamento?

Será que situações destas são promovidas pelas empresas privadas? É assim que funciona o
sistema de avaliação de desempenho no DN, de que o sr. João Marcelino é director?

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