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A minha entrevista ao JN (4/03/08)

Alunos vão ser os mais penalizados pela avaliação


direitos reservados

Fernando Basto

Chegou a integrar um grupo que


fazia propostas para um novo
sistema de avaliação, mas saiu. É
professor coordenador com
agregação da Escola Superior de
Educação de Santarém. Tem 53
anos de idade e 33 de profissão
docente. Já publicou 32 livros, edita
um "website" sobre Pedagogia e
tem três blogs na rede, sendo dois
sobre Educação. É consultor da
Fundação Calouste Gulbenkian.

Classifica o actual sistema de


avaliação do desempenho dos
professores como "injusto" e
"demasiado burocrático". Ramiro
Marques não tem dúvidas mais do
que penalizador dos professores, o
modelo vai, no seu entender,
prejudicar os alunos.

JN| Fez parte da equipa técnica


do Ministério da Educação (ME)
encarregada de estudar as
mudanças a introduzir na
avaliação de desempenho dos
professores?

Ramiro Marques|Cheguei a fazer


parte de um pequeno grupo de
trabalho que elaborou alguns
princípios orientadores do modelo
de avaliação. Participei apenas em
duas reuniões, a convite do
secretário de Estado Valter Lemos,
de quem fui colega e a quem
reconheço inteligência e grande
capacidade de trabalho.
E abandonou a equipa porquê?

Porque reparei que a intenção era


criar um mecanismo que obrigasse
dois terços dos professores a
ficarem a meio da carreira, ainda
por cima sem a garantia de que os
que iriam ter acesso ao topo da
carreira fossem os melhores.
Reparei também que havia a
intenção de criar um processo
extremamente burocrático e
consumidor de tempo e de energias,
que andaria associado a um
processo de perda de autonomia e
de liberdade pedagógica dos
professores.

O ME alega que a avaliação de


desempenho existente até aqui
não passava de um processo de
progressão automática.
Concorda?

Não é inteiramente verdade.


Durante alguns anos, os
professores tiveram de se submeter
a uma prova pública de avaliação
curricular, perante um júri
constituído por três personalidades
exteriores à escola. Chamava-se a
esse exame a prova pública para
acesso ao 8.º escalão. Era isso que
o estatuto da carreira docente
exigia. A prova era dura demorava
duas horas, o professor tinha de
entregar um portefólio crítico e era
interrogado sobre o seu curriculum
profissional. Presidi durante mais de
um ano a um desses júris. Quem
não fosse aprovado nessa prova
pública não passaria do 7.º escalão
e, portanto, estaria impedido de
chegar ao topo da carreira. Mas não
havia quotas. Foi precisamente o
Governo do PS que acabou com
essa prova, instituindo, em
consequência, um processo
meramente administrativo de
acesso ao topo da carreira. O
senhor José Sócrates era, creio eu,
nessa altura, ministro do Ambiente
do Governo que acabou com essa
prova pública. Foi cúmplice.

Os professores contestam o
actual modelo, dizendo que é
demasiado burocrático.
Concorda?

É um modelo injusto e demasiado


burocrático. É injusto porque, em
consequência de um concurso,
igualmente injusto e mal conduzido,
de acesso à categoria de professor
titular, coloca licenciados a avaliar
doutorados e professores com
menos anos de experiência e menor
formação académica a avaliar
colegas com mais formação
académica e mais anos de
experiência. Por outro lado, com a
criação de mega-departamentos
curriculares, este sistema de
avaliação coloca professores de
Biologia a avaliar professores de
Matemática (e vice-versa) e
professores de Informática a avaliar
professores de Física, destruindo e
espezinhando toda a lógica dos
saberes constituídos.

E é burocrático porquê?

Porque obriga os professores à


elaboração e preenchimento de um
número desmesurado de fichas.
Sem querer ser exaustivo, aponto
apenas algumas ficha de objectivos
individuais, ficha de auto-avaliação,
ficha de avaliação do coordenador
de departamento, ficha de
observação de aulas, portefólio do
professor avaliado, ficha de análise
de conteúdo do portefólio, ficha de
avaliação a cargo do presidente do
Conselho Executivo, etc.

Quais são os aspectos mais


negativos deste sistema?

São tantos que é difícil enumerar.


Os prazos estabelecidos são
completamente insensatos; a
ausência de formação em
supervisão para os avaliadores que
irão observar as aulas é inaceitável;
a possibilidade de o professor
avaliado ter aulas observadas e ser
avaliado por um professor de outra
área curricular e de outro grupo de
recrutamento é simplesmente uma
aberração; a periodicidade da
avaliação (de 2 em 2 anos) obrigará
os professores a dedicarem grande
parte do seu tempo, energia e os
recursos à avaliação dos colegas,
em vez de se concentrarem na
preparação das aulas e na relação
pedagógica. É por isso que eu digo
que os principais prejudicados com
este modelo de avaliação serão os
alunos.
E vantagens?

Como ele está a ser montado, não


reconheço nenhuma vantagem. O
Decreto Regulamentar 2/2008 tem
de ser profundamente alterado. Os
prazos devem ser alargados, a
observação das aulas deve fazer-se
apenas quando os avaliadores
tencionarem dar a classificação de
Irregular ou, nos outros casos, a
pedido do avaliado; a avaliação
deve ser feita de 3 em 3 anos; os
dados sobre a progressão dos
alunos e as taxas de abandono
escolar não devem ser tidos em
conta no processo de avaliação dos
professores.

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