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Somos todos um só?

Um breve ensaio sobre a (des)igualdade, em dez


tonalidades.

Marcelo Alexandrino da Costa Santos

1. Liberté, égalité, fraternité: mote cujas origens remontam à Revolução


Francesa e cujo alcance de – e compatibilidade entre – seus termos sempre geraram
calorosas discussões1.

Embora reconheçamos a virtude da Revolução Francesa na consolidação da


submissão do Estado e de seus agentes à lei e na consagração de direitos individuais em
documentos constitucionais, seríamos ingênuos se propuséssemos uma análise que
desprezasse o fato de que aquele processo, desde sua gênese, esteve indelevelmente
marcado pelo liberalismo, tanto em sua dimensão política – de não interferência do
Estado na esfera de liberdade do cidadão – quanto em sua dimensão econômica – de
abstenção do Estado no âmbito do livre mercado2. Nesse contexto, os direitos
individuais de liberdade ganharam destaque, em detrimento dos direitos sociais de
igualdade: livres eram os proprietários3; portanto, na lógica liberal, estes eram os iguais
a quem a cidadania e os demais direitos individuais eram assegurados para além da
simples retórica4. A igualdade era uma expressão da liberdade, que, por sua vez, era
indissociável da propriedade, titularizada pelo chefe de família, o homem da casa,
ninguém mais, ninguém menos, que o homem de cor branca.

Desse modo, o terceiro termo, fraternidade, nada mais poderia representar do


que um pacto classista, que dividia a sociedade em blocos de amigos e inimigos. Afinal,
se interpretada como a realização de uma comunidade harmônica e avessa ao egoísmo, a
fraternidade se veria em franca oposição ao projeto liberal de autonomia individual, que

1
Ver a interessante entrada postada na Wikipedia: Liberte, Égalité, Fraternité. Disponível em:
<http://en.wikipedia.org/wiki/Libert%C3%A9,_%C3%A9galit%C3%A9,_fraternit%C3%A9>. Acesso:
10 fev. 2009.
2
A esse respeito, cf. MENDES, Gilmar Ferreira; COELHO, Inocêncio Mártires; BRANCO, Paulo
Gustavo Gonet. Hermenêutica constitucional e direitos fundamentais. 1. ed. 2. tiragem. Brasília: Brasília
Jurídica, 2002. p. 108.
3
PISARELLO, Gerardo. Los derechos sociales em el constitucionalismo democrático. Disponível em <
http://www.juridicas.unam.mx/publica/rev/boletin/cont/92/art/art7.htm >. Acesso em: 27 Dez 2008.
4
Interessante observar, por exemplo, que o sufrágio censitário somente foi abolido na França em meados
do século XIX, a despeito de a Declaração dos Direitos do Homem e dos Cidadãos, de 1.789, dispor que
“os homens nascem e são livres e iguais em direitos” (artigo primeiro). A propósito, é de se registrar que
a Constituição Francesa de 1.795 dispunha expressamente sobre o mínimo de bens necessários à
aquisição da qualidade de eleitor (art. 35).
propositalmente já reduzia o alcance da igualdade em benefício dos proprietários do
sexo masculino.

Sob um discurso universalista e abstrato, a burguesia liberal logrou “estabelecer


uma ordem de direitos universais de todos os seres humanos como um passo para
exatamente negar o direito à maioria deles”5. Insurgir-se contra esse quadro, mesmo ao
vento da Revolução, que pretendia desagrilhoar o ser humano e resgata-lo dos
calabouços da tirania e da opressão, era correr o risco de compartilhar do terrível
destino de Olympe de Gouges6.

Muito mais do que um breve e superficial exame histórico, as linhas acima se


prestam a evidenciar que qualquer análise sobre a igualdade deve estar atenta aos
ditames ideológicos que, muitas vezes, restringem e subvertem o conteúdo e a dimensão
de determinados valores e direitos, apresentando idéias artificiais como se não o fossem,
para, assim, diante de uma falsa inexistência de alternativas, firmar o pensamento
hegemônico. Portanto, para os fins deste escrito, a tarefa que a esta altura se impõe é
identificar de que igualdade se fala, para que se possa analisar criticamente
determinadas formas pelas quais se lhe transgride, ou seja, para que se possa discutir
emancipadamente certas formas de discriminação.

II. Retornemos à Revolução Francesa na busca da resposta para a questão acima.


Fazendo-o, deparamo-nos com a pertinente observação de Ana Rubio Castro7, no
sentido de que a burguesia ilustrada, ao estabelecer a igualdade como elemento de
identificação em face do poder estabelecido e dos privilégios então instaurados,
considerou a positivação desse princípio como o bastante para assegurar a sua
consagração e manutenção. A isto se seguiu a crença de que, uma vez celebrado o pacto
instrumentalizado na Declaração, a nova ordem jurídica e política, por si só, protegeria
os direitos individuais e estabeleceria uma correta ordem social. Permeando esse

5
LANDER, Edgardo. Ciências sociais: saberes coloniais e eurocêntricos. Disponível em: <
http://bibliotecavirtual.clacso.org.ar/ar/libros/lander/pt/Lander.rtf>. Acesso: 16 mar. 2009.
6
Olympe de Gouges (pseudônimo de Marie Gouze) foi decapitada em 1.793, acusada de ser uma contra-
revolucionária. Opositora declarada da escravidão, de Gouges expôs sua veia feminista com a publicação
e submissão à Assembléia Nacional da França, em 1.791, da Declaração dos Direitos da Mulher e da
Cidadã, ressaltando que o sexo feminino havia sido posto de lado na Declaração dos Direitos do Homem
e dos Cidadãos de 1.789. Tal atitude lhe custou a vida após ter sido denunciada como
contrarevolucionária e “mulher desnaturada”.
7
CASTRO, Ana Rubio. Ciudadania y sociedad civil: avanzar em la igualdad desde la política. Por um
nuevo pacto social. Disponível em <http://www.laguachimana.org/content/ncc/ciudadania-y-sociedad-
civil-avanzar-en-la-igualdad-desde-la-politica>. Acesso: 11 mar. 2009.
discurso, estava a idéia de que a razão – na qual se fundavam os métodos liberais –
levaria ao descobrimento da verdade e à concretização do universal, de modo que a
exclusão de determinados grupos dos processos de tomada de decisão não afetaria o
conteúdo moral do que dali viesse a emergir. Tal postulado, arremata a autora,
“permitió sostener que los derechos del hombre y del ciudadano expresados en 1789,
eran los derechos de toda la humanidad” e assim explica-se por que

durante tanto tiempo se haya creído que los derechos humanos de los
varones son los derechos humanos de la humanidad y que se haya tenido que
esperar a 1993, dos siglos más tarde, para que se reconociera, en Viena, que
la violación de los derechos de las mujeres es un grave atentado contra los
derechos humanos. Lo que viene a demostrar que la pretendida neutralidad y
racionalidad del sujeto cognoscente no es tal.”8.

Caplan9 também identifica a falha da pretensão de universalidade do discurso


idealista da igualdade, tal como professado pela burguesia do século XVIII, apontando
que, a despeito de sua afirmação abstrata, no mundo concreto, o que se verificou foi
uma paridade de condições de exercício de direitos assegurada unicamente aos homens,
ocidentais, brancos e proprietários, iguais apenas entre si. Por exclusão, todos os demais
passaram a ser considerados “diferentes”, estabelecendo-se divisões supostamente
legítimas em função do gênero, da etnia, da classe social, da origem geográfica ou de
outra qualidade qualquer. Desta forma, uma vez que os “iguais” (proprietários) eram os
destinatários da proteção legal, apresentava-se como natural a negação da qualidade de
sujeito de direito aos não proprietários, o que teria dado (falsos) ares de legitimidade à
discriminação dos trabalhadores.

As mulheres de Castro e os trabalhadores de Caplan, ambos grupos vitimizados


pela discriminação, são testemunhas do encobertamento ideológico, do discurso
naturalizante de premissas artificiais, referido na abertura deste ensaio10. E, tal como
tantos outros grupos e classes de excluídos, revelam que a igualdade subjacente ao
projeto liberal nada tem, para além da retórica, de universal: está divorciada do mundo
8
Idem.
9
CAPLAN, Luciana. O direito humano à igualdade, o direito do trabalho e o princípio da igualdade.
Disponível em <http://bdjur.stj.gov.br/dspace/handle/2011/18864>. Acesso: 12 mar. 2009.
10
Como Salienta Rodrigues, a “ideologia neoliberal dominante, como qualquer ideologia hegemônica em
determinado período histórico, se apresenta enquanto ideologia da não ideologia [...] a ideologia mais
eficaz é sempre a que não se mostra, a que não se expõe, senão enquanto dado naturalizado da realidade.
A tudo impregna, mas, numa primeira percepção, em nada se deixa perceber”. RODRIGUES, Jorge
Normando de Campos. Magistratura e neoliberalismo: os juízes do trabalho e a ideologia da destruição.
2007, 165f. Dissertação (Mestrado em Ciências Jurídicas Sociais). Universidade Federal Fluminense. p.
38. Disponível em <www.uff.br/ppgsd/Dissertacoes/normando2007.pdf>. Acesso: 13 mar. 2008.
real, em que cada ser humano é essencialmente diferente dos demais. Trata-se, portanto,
de uma igualdade meramente formal, que se apóia no positivismo estático e
descontextualizado da lei, que dissemina a discriminação e o preconceito “sob um
discurso igualitarista cínico”11, que combateu os privilégios da nobreza e do clero, mas
tem marcado e segregado os seres humanos de acordo com sua classe social, sua
religião, sua etnia, seu gênero, sua orientação sexual, sua origem geográfica, sua língua,
sua posição hierárquica no processo produtivo etc.

III. Como se percebe, a igualdade formal acomoda uma série de discriminações,


sobrepondo opressão a opressão. Por meio dela, manifesta-se subrepticiamente a
ideologia do patriarcalismo12 liberal, em que os homens brancos, ocidentais e abastados,
que criaram o Deus Mercado a sua imagem e semelhança, atribuem-se legitimidade para
subjugar a grande massa dos excluídos – que, apesar de representar a maioria
esmagadora dos seres humanos, desencontra-se e rarefaz seu poder por subdividir-se,
pelo fio da espada hegemônica, em tantas outras minorias, que, via de regra, não
encontram amparo nos âmbitos público ou âmbito privado para estabelecer espaços de
luta pelo acesso igualitário aos bens materiais e imateriais necessários à existência com
dignidade.

É necessária uma boa dose de cautela, portanto, pois tanto a afirmação da


igualdade abstrata e universal, quanto a afirmação da diferença embalada pela ideologia
hegemônica têm o condão de perpetuar a exclusão e a opressão. Bem pondera
Boaventura Santos que

a afirmação da igualdade com base em pressupostos universalistas, como os


que presidem às concepções ocidentais, individualistas, dos direitos
humanos, conduz à descaracterização e negação das identidades, das
culturas e das experiências históricas diferenciadas, nomeadamente à recusa
do reconhecimento de direitos colectivos. Mas a afirmação da diferença por

11
CAPLAN, Luciana. ob. loc. cit.
12
O termo “patriarcalismo” é utilizado por Flores em detrimento de “patriarcado” com o objetivo de
afastar “las posiciones estáticas que nos inducen a pensar en una estructura de opresión autônoma con
rspecto al resto de opresiones y dominaciones que dominan en las relaciones sociales capitalistas”. Sendo
assim, o termo patriarcalismo “ten más que ver con el conjunto de relaciones que articulan un conjunto
indiferenciado de opresiones: sexo, raza, género, etnia y clase social, y el modo en que las relaciones
sociales particulares combinan uma dimensión pública de poder, explotación o estatus con una dimensión
de servilismo personal”. Cf. FLORES, Joaquín Herrera. Descubriendo al depredador patriarcal.
Disponível em: <http://aulavirtual.upo.es:8900/webct/urw/lc102116011.tp0/cobaltMainFrame.dowebct>.
Acesso: 13 mar. 2009.
si só pode servir de justificação à discriminação, exclusão ou inferiorização,
em nome de direitos colectivos e de especificidades culturais13.

Cautela, portanto: no território globalizado do predador patriarcal, a igualdade


formal mascara a desigualdade material. Tal como esclarece Flores, o predador, não
apenas atribui status jurídicos diferentes em razão do sexo, da etnia, da classe social etc,
mas também oculta as causas reais das diferenças decorrentes dessa prática: “la
desigualdad material en el proceso de división social del trabajo y la consecuente
exclusión del âmbito de lo político”14. Para escapar de sua ideologia e das verdades
abstratas e imagens deformadas apresentadas como fatos e valores universais, deve-se
fugir das “idealizaciones y abstracciones de, por ejemplo, lo ‘feminino’ natural, el
trabajador ‘responsable’ o el ‘buen indígena’”, esforçando-se para criar “condiciones
materiales que permitan ver, y actuar em, el mundo desde outra perspectiva” 15. E, aqui,
impõem-se dois cuidados: (1) evitar falar e refletir sobre as opressões e explorações que
sofrem os coletivos afetados pelo predador de modo abstrato e homogeneizador, como
se todos os seus integrantes fossem vítimas das mesmíssimas formas de dominação e
exploração e sem considerar as opressões superpostas16; e (2) não acreditar que os
conflitos sociais têm origem cultural e, portanto, devem ser resolvidos no campo
próprio da cultura, pondo-se as questões sociais, econômicas e políticas de lado; afinal,
“toda discriminación contra los colectivos excluidos del pacto social de la modernidad
tienen orígenes políticos, sociales y económicos”, motivo pelo qual sua solução deve ser
“política, social y económica y, como consecuencia (no como ‘a priori’), cultural”17.

IV. Pois bem: a desigualdade material, abrigada pela igualdade formal, é um


problema que exige soluções materiais. Mas, antes, exige também uma abordagem
material, em que as diferenças não sejam encaradas como sinônimos de desigualdades.
Afinal, as diferenças sempre acompanharam o ser humano, quer por questões ligadas à
sua natureza, quer por questões ligadas ao seu entorno: DNA, idade, sexo, cor da pele,

13
SANTOS, Boaventura de Sousa. Introdução: para ampliar o cânone do reconhecimento, da diferença
e da igualdade. Disponível em <http://www.ces.uc.pt/emancipa/research/pt/ft/intromulti.html>. Acesso:
13 mar. 2008.
14
FLORES, Joaquín Herrera. Ibidem.
15
Ob. loc. cit.
16
Por exemplo, aquelas que uma mesma pessoa possa sofrer como mulher, negra, trabalhadora, latina,
pobre etc.
17
FLORES, Joaquín Herrera. Ibidem.
altura, peso, voz e tantas outras características fazem dos seres humanos diferentes entre
si, assim como o fazem classe social, língua, território de origem, educação etc.

No entanto, o que configura a desigualdade não são as diferenças, mas sim as


situações em que o ser humano é submetido à exploração, e/ou à discriminação, e/ou à
dominação, e/ou à opressão alheia; em suma, situações em que, ao ser humano, são
negadas condições para que, a despeito das diferenças que o caracterizam ou o
acompanham, tenha acesso igualitário aos bens necessários à vida com dignidade.
Entender isto é essencial, para que enxerguemos como a ideologia contamina discursos
que, à primeira vista, apresentam-se coerentes e inspiradores, como a seguinte passagem
de Jean-Jacques Rousseau:

Concebo na espécie humana duas espécies de desigualdade: uma, que chamo


de natural ou física, porque é estabelecida pela natureza, e que consiste na
diferença das idades, da saúde, das forças do corpo e das qualidades do
espírito, ou da alma; a outra, que se pode chamar de desigualdade moral ou
política, porque depende de uma espécie de convenção, e que é estabelecida,
ou, pelo menos, autorizada pelo consentimento dos homens. Consiste esta
nos diferentes privilégios de que gozam alguns com prejuízo dos outros,
como ser mais ricos, mais honrados, mais poderosos do que os outros, ou
mesmo fazerem-se obedecer por eles18.

Para além encobrir a desigualdade com a roupagem típica da diferença,


Rousseau tenta naturalizá-la sob o argumento de que os seres humanos a consentem e,
assim, autorizam a sua própria opressão. Ora, se o fazem, não lhes assiste o direito de
reclamar, de resistir, de reivindicar, de lutar pela igualdade material, mas tão-somente o
dever de resignarem-se ante os ditames de uma sina que lhes é imposta pelos que
ocupam o outro lado do destino: nossos velhos conhecidos homens brancos e abastados,
os mesmos que moldaram o Deus Mercado a sua imagem e semelhança.

Está claro, pois, que é preciso reconhecer as armadilhas ideológicas inseridas em


textos e contextos pretensamente iluminados unicamente pela razão, a fim de que se
possa partir para a investigação, o reconhecimento e a concretização “de uma igualdade
que reconheça as diferenças e de uma diferença que não produza, alimente ou reproduza
desigualdades”19; em outras palavras, para o reconhecimento e a promoção da igualdade

18
ROUSSEAU, Jean-Jacques. Discurso sobre a origem da desigualdade entre os homens. Disponível em
<http://www.scribd.com/doc/1902944/Discurso-Sobre-a-Origem-da-Desigualdade-Entre-os-Homens>.
Acesso: 13 mar. 2009.
19
SANTOS, Boaventura Sousa. ob. loc. cit.
material, do “empoderamento dos seres humanos, desde uma perspectiva de integração,
em oposição às práticas hegemônicas de exclusão, para assegurar-lhes dignidade”, o
que, longe de implicar “uma redução dos seres humanos a uma condição idêntica”,
importa na “garantia concreta de condições idênticas de viver suas diferenças”20.

V. Aponta Ana Rubio Castro21 que os primeiros excluídos do projeto liberal


foram as mulheres e os não proprietários. No entanto, a autora ergue a hipótese de que,
na ótica do liberalismo, a exclusão das mulheres ocorreu em um momento ainda
anterior, na transição do estado de natureza para o estado social. Ora, é o estado de
natureza, onde a razão sucumbe ante a lei do mais forte, que justifica a construção do
Estado como a expressão do desejo de ordem e segurança e como prova da
racionalidade humana. Portanto, se apenas os homens emergem do estado de natureza,
somente eles têm capacidade de proteger seus próprios interesses e de definir os
objetivos coletivos, restando à mulher, presa àquele estado, o papel meramente conjugal
– o que, em conseqüência, por um lado exclui o tema doméstico-familiar dos debates
sobre a justiça e o conteúdo da lei, e, por outro, permite estabelecer as duradouras
conexões entre o exercício de poder, a autoridade e a masculinidade.

Para Castro, a hipótese acima “simboliza y construye el modelo humano de


referencia que está en la base de la cultura jurídico-política” e – dado que o pacto social,
do qual as mulheres foram previamente excluídas, configurou o momento em que os
iguais se identificaram e se reconheceram como membros da nova comunidade política,
de sorte que a mera produção legislativa não teria o condão de lhas outorgar
subjetividade e cidadania plenas – explica por que “el reconocimiento formal a las
mujeres de iguales derechos civiles y políticos que a los hombres no haya producido
una alteración del rostro del poder, ni haya generado un cambio en el estatus social de
subordinación de las mujeres”22.

Os parágrafos acima revelam que as relações injustas e desiguais entre homens e


mulheres não se deve ao gênero, um fator natural, nem mesmo aos hábitos conexos à
orientação sexual; longe disso, têm raízes sociais, políticas e econômicas. Como aponta
Joaquín Herrera Flores,

20
CAPLAN, Luciana. Ob. loc. cit.
21
CASTRO, Ana Rubio. Ibidem.
22
Idem, ibidem.
las divisiones constitutivas del orden social –relaciones de dominación y de
explotación instituidas entre las clases sociales y, como consecuencia, entre
los sexos-, han sido y siguen siendo las que han situado a hombres y mujeres
en diferentes espacios y les han inducido a asumir disposiciones distintas
ante el mundo23

Atribuir a causa das desigualdades concretas ao gênero e aos hábitos femininos,


e não às relações de poder típicas de um patriacarlismo capitalista - classista, racial,
sexual e etnicamente orientado – abre espaço para que elas, as desigualdades, não sejam
submetidas ao controle epistemológico – afinal, são produtos da natureza ou de uma
concepção reificada da cultura – nem ao controle político – afinal, diante da força da
natureza, não haveria soluções viáveis para alterar-se o estado de sujeição e de
opressão24.

Assim como Flores25, Ana Rubio Castro identifica na abordagem não


universalista e nas ações materiais instrumentos aptos a proporcionar o avanço em
igualdade, com destaque para a concreta atuação política 26das mulheres na construção
de um novo pacto social, em que lhes sejam plenamente asseguradas a paridade e a
representação no jogo democrático. Para tanto, mais do que reformas político-jurídicas
formais, o reconhecimento como sujeitos racionais, através do desenvolvimento do
princípio da igualdade de oportunidades, apresenta-se como o primeiro passo para que
se altere a subordinação social das mulheres e se lhas reconheçam como membros da
sociedade civil e sujeitos dotados de autoridade27.

23
FLORES, Joaquin Herrera. Claves de democracia paritaria. Disponível em
<http://aulavirtual.upo.es:8900/webct/urw/lc102116011.tp0/cobaltMainFrame.dowebct>. Acesso: 17 mar.
2009.
24
Idem, ibidem.
25
Idem. Descobriendo al depredador patriarcal. loc. cit.
26
A propósito, Flores refere alhures que a política é “tanto una ‘construcción simbólica’ de la realidad,
como una ‘relación social’, y, por tanto, ni puede darse en el vacío, ni basarse en separaciones absolutas
de los fenómenos o ámbitos de la acción. Lo simbólico y lo social se entrecruzan en el ámbito de lo
político. La continua y compleja construcción de signos, símbolos, representaciones y significados, en
que consiste el proceso cultural 60, tiene como impulso las reacciones que llevamos a cabo frente al
entorno de relaciones que mantenemos con los otros, con nosotros mismos y con la naturaleza. Estas
reacciones, a su vez, son producto de su inserción en un circuito de reacción cultural que permite a los
seres humanos construir los productos culturales necesarios para explicar, interpretar e intervenir sobre
dichos entornos de relaciones: de ahí, las estrechas relaciones que los procesos culturales mantienen con
la actividad política, entendiendo ésta como la praxis de apertura y dinamismo de las potencialidades
humanas de creación de mundos nuevos”. FLORES, Joaquín Herrera. El derecho desde el feminismo: três
mecanismos de funcionamiento del patriarcalismo. Disponível em <http://www.poder-
judicial.go.cr/secretariadegenero/documentacion_relevante/Material_cursos_de_penalizacion/Tema%202/
HERRERA%20FLORES,%20El%20derecho%20desde%20el%20feminismo.pdf>. Acesso: 17 mar.
2009.
27
CASTRO, Ana Rubio. Ob. loc. cit.
Com Castro concorda Flores, ambos salientando em uníssono que, embora a
paridade e a representação tenham a inquestionável virtude de aproximar as mulheres e
articular os excluídos, é necessário ir além, para incidir diretamente sobre as origens das
desigualdades e subordinações a que são submetidos os coletivos, sob pena de as bases
hegemônicas do patriarcalismo permanecerem imunes e dispostas a atuar contra os
direitos das mulheres e das minorias excluídas28. Para tanto, Herrera Flores indica três
chaves: 1. o estabelecimento de um espaço29 em que não prevaleça a dicotomia público-
privado e sua correlata relação de submissão dominante-dominado; 2 – pôr-se contra a
dicotomia teoria-prática, mediante a identificação, a apreciação e a produção de textos
que tratem, em consonância com a realidade, dos vários tipos de desigualdades que
incidem sobre as diferentes relações, e não com a subreptícia intenção de, pelo discurso,
legitimar determinadas situações de poder; e 3 – enfrentar a dicotomia abstrato-
concreto, a fim de que se possa trabalhar materialmente na alteração da realidade
patriarcal, que mascara exclusões concretas sob o disfarce de inclusões abstratas ou
ideologicamente determinadas30.

VI. O recém-mencionado postulado da separação absoluta entre os espaços público e


privado carrega consigo a idéia de que nenhuma ingerência externa, notadamente de
índole político-jurídica, é bem vinda ao âmbito doméstico31. Confere, assim, falsos ares
de naturalidade à exclusão da mulher por meio da proclamação do varão, chefe de

28
FLORES, Joaquín Herrera. Claves de democracia paritaria. loc. cit.
29
Também é Flores quem esclarece que “espaço” não é algo concreto, tangível, mas sim o esquema de
ação possível sobre as coisas, o marco de interpretação e referência sobre os fenômenos, assim
considerados objetos materiais, instituições ou mentalidades. É ali que se desenrola a atividade política –
esta, sim, concreta e material. Assim sendo, define “espaço” como “el proceso de construcción simbólica
de esquemas de acción que, por un lado, conforma identidades y sentidos y, por otro, determina las
relaciones sociales en función de la configuración que asuman las siguientes coordenadas: centro-
periferia, consenso-conflicto, y nosotros-ellos”. E complementa: “El espacio patriarcal de organización
social funciona, primero, estableciendo un centro –lo público, masculino, blanco, occidental– y una
periferia –lo privado, femenino, étnico, indígena; segundo, creando una configuración institucional que
regule el conflicto social – papel básico del orden institucional– discriminando, directa o indirectamente,
a los que están relegados a la periferia; y, tercero, conformando una identidad y un sentido social basado
em la diferenciación arbitraria entre los incluidos y los excluidos, entre los idénticos y los diferentes,
entre los iguales y los desiguales. (FLORES, Joaquín Herrera. El derecho desde el feminismo... Loc. cit.).
30
FLORES, Joaquín Herrera. Claves de democracia paritaria. loc. cit.
31
“La modernidad há interpretado lo privado como um espacio de no ingerencia; como un espacio de
apropiación de si [...] Lo doméstico es la esfera privada em feminino, em negativo, un espacio de
privación de si...” (MESTRE, Ruth Mestre i. Dea ex machina: trabajadoras migrantes y negociación de la
igualdad. Disponível em:
<http://aulavirtual.upo.es:8900/webct/urw/lc102116011.tp0/cobaltMainFrame.dowebct>. Acesso: 19 mar.
2009). O paralelo com o postulado liberal da não intervenção do estado na economia é intuitivo.
família, como modelo de autoridade e legítimo titular dos direitos proclamados como
universais32.

O tema remete à invisibilização das múltiplas opressões a que a mulher é


submetida por supostamente pertencer ao “espaço privado”, ao intocável âmbito
doméstico-familiar. Essa invizibilização, acrescida da artificial correlação entre a
mulher e o estado de natureza, onde a razão sucumbe diante da lei do mais forte,
empresta ares de condescendência a todo tipo de discriminação e violência. Enquanto
isso, o predador patriarcal circula livremente pelos espaços público e privado, entoando
jargões como “em briga de marido e mulher, ninguém mete a colher” e “entre quatro
paredes, vale tudo”.
Interessante notar que, mesmo com a inserção da mulher no mercado de trabalho
e sua alardeada independência, a definição da esfera privada permanece incólume.
Como ressalta Ruth Mestre i Mestre,

“los cambios sociales, digamos en lo público, no han ido acompañados de


cambios en lo privado. Es decir, el hecho de que las mujeres se hayan
incorporado al trabajo extradoméstico asalariado no redefine la esfera privada-
doméstica ni ha supuesto que se deje de identificar âmbito doméstico con
mujer [...] Em realidad, lo que la contratación de trabajadoras domésticas
permite no es que las mujeres autóctonas trabajen fuera de casa, sino que luz
hombres sigan sin hacerlo”33.

De fato, a identificação da mulher com o âmbito doméstico repercute


diretamente sobre o universo do trabalho, no qual determinados cenários exigem a
invisibilidade de suas personagens, facilmente proporcionada pela blindagem da esfera
privada. É o caso do trabalho doméstico, em que causas sociais, jungidas a
desequilíbrios próprios das relações de poder, são mascaradas sob a atribuição de um
caráter cultural à função de cuidadora da mulher. O mesmo pode ser dito da
prostituição, em que a mulher exsurge como provedora de satisfação afetiva e, mesmo,
fisiológica, tudo sob o manto da naturalidade própria do espaço privado. Assim, ao
sabor da razão indolente, conformada e acrítica, argumentos artificiais são invocados
com ar de naturalidade, para legitimar situações cotidianas em que direitos são
32
Consoante observação de Castro, “una vez diferenciado el mundo de la vida -de la familia-, del mundo
de la política, el sistema jurídico consuma la exclusión presocial de las mujeres al proclamar como sujeto
universal de derechos y modelo de autoridad al varón- padre de família”. CASTRO, Ana Rubio. Del
derecho al voto a la paridad. Disponível em: <http://aulavirtual.upo.es:8900/webct/urw/lc102116011.tp0/
cobaltMainFrame.dowebct>. Acesso: 19 mar. 2009.
33
MESTRE, Ruth Mestre i. Ibidem.
reduzidos ou suprimidos34 sem qualquer explicação verdadeiramente racional35. Desse
modo, vão configurando-se ambientes de desigualdade e discriminação, não só no
trabalho, mas, aqui, para o trabalho36.

Está claro que, para o predador patriarcal, não há ninguém melhor do que uma
mulher - frágil “por natureza” - invisível para desempenhar tarefas cuja relevância é
geralmente negada, a despeito de dizerem respeito diretamente às necessidades humanas
de cuidado e afeto37. E essa invisibilidade serve ao predador de diferentes maneiras: por
um lado, permite que as situações desiguais se perpetuem como fenômenos naturais e,
portanto, imutáveis em essência; por outro lado, permite que essas situações não causem
desconforto a “os” iguais, que, as olhando, mas não as vendo, fazem da exploração do
corpo, da energia e do tempo alheios fatos corriqueiros do dia-a-dia.

E a perversidade vai além, pois esses espaços, réplicas convenientes do estado


de natureza, são oferecidos pelo predador patriarcal como refúgios de invisibilidade, nos
quais se escondem aqueles que não podem externar sua diferença. É o caso, por

34
Mestre i Mestre salienta ser características dos trabalhos de cuidado: serem, desde sempre, assinados às
mulheres, realizarem-se no âmbito privado-doméstico e não serem considerados realmente trabajos que
seam base suficiente para la titularidade de derechos. Cf. MESTRE, Ruth Mestre i. Hilando fino:
migraciones autónomas de mujeres para trabajar em la indústria del sexo. Disponível em:
<http://aulavirtual.upo.es:8900/webct/urw/lc102116011.tp0/cobaltMainFrame.dowebct>. Acesso: 20 fev.
2009.
35
Firmino Alves Lima assim define o ato discriminatório: “distinção desfavorável fundada em um
determinado motivo, desprovida de razoabilidade e racionalidade e, portanto, antijurídica” (LIMA,
Firmino Alves. O princípio da proibição de discriminação no direito do trabalho. Disponível em < http://
aulavirtual.upo.es:8900/webct/urw/lc102116011.tp0/cobaltMainFrame.dowebct>. Acesso: 20 mar. 2009.
36
A definição do comércio sexual como trabalho, sua correlação com a função cuidadora e, em virtude
disto, sua correlação com o trabalho doméstico é assim defendida por Mestre i Mestre: “si por trabajo
cabe entender toda actividad humana dirigida a satisfacer las necesidades básicas para producir y
reproducir la vida humana, las actividades sexuales o que implican la utilización de energías sexuales son
trabajo puesto que están dirigidas a cubrir las necesidades humanas de (procreación y) placer [...]. Así, el
trabajo sexual es una forma de trabajo emocional, que requiere y comercializa cuidado. En este sentido, al
igual que hemos afirmado (con mayor o menor éxito) que el cuidado de ancianos y niños es trabajo o que
el trabajo doméstico es trabajo que puede ser comercializado, podemos afirmar que el trabajo sexual es
trabajo”. Cf. MESTRE, Ruth Mestre i. Hilando fino... Loc. cit.
37
A propósito do tema e sua associação, tanto com o trabalho doméstico, como sexual, confiram-se as
seguintes passagens: “Cuando las familias (es decir, las mujeres) ya no aceptan como única ni principal
función el trabajo reproductivo, recurrir al servicio doméstico es um camino intermedio para cubrir las
necesidades, también afectivas, del ambito doméstico-familiar” (MESTRE, Ruth Mestre i. Dea ex
machina...loc. cit). E “el trabajo emocional es uno de los aspectos más relevantes en la interacción entre
las trabajadoras sexuales y sus clientes y va dirigido no sólo a suavizar y prevenir situaciones
desagradables o violentas o a hacer bien su trabajo demostrando atención, sino también a crear la
distancia necesaria y la separación entre su trabajo y su vida, a crear distancia emocional y desarrollar un
sentido de profesionalidad. La necesidad de crear la distancia emocional con el trabajo que se realiza es
en muchos casos un indicar de que el trabajo que se realiza es trabajo emocional o contiene una dosis
fuerte de emocionalidad; del mismo modo, el grado de profesionalidad que se alcanza se puede medir con
la capacidad de crear esa distancia” (Idem. Hilando fino... loc. cit.).
exemplo, dos imigrantes ilegais, que submetem-se ao tratamento discriminatório como
condição para o atendimento, ainda que em grau mínimo, dos anseios de dignidade que
lhes fazem deixar a terra pátria. À invisibilidade, soma-se, assim, o silêncio, e a ordem
hegemônica segue inabalada, mas não por consentimento, como pregava Rousseau, e
sim como conseqüência de uma relação de poder desproporcional, de cariz político-
social, qualificada pela concentração do poder, da autoridade e da renda na mão de “os
iguais”.

VII. A propósito da desigualdade nas relações de trabalho, é certo que as


opressões, exclusões e discriminações não se restringem à mulher e que múltiplas são as
formas sob as quais se apresentam. Com base em recente levantamento feito pela OIT
em conjunto com o Ministério Público do Trabalho, o Ministério do Trabalho e o
Ministério da Justiça, Otavio Brito Lopes aponta que as formas mais comuns de
discriminação em nosso país são:

1. negros e mulheres têm o acesso dificultado a certos trabalhos que


impliquem contato com o público, tais como caixa de banco, garçom,
garçonete, relações públicas etc;
2. os salários pagos aos negros e às mulheres são inferiores ao pagos aos
seus colegas, com a mesma qualificação;
3. negros e mulheres costumam ser preteridos nas promoções no emprego;
4. em muitos casos a justificativa para a preterição das mulheres nas
promoções é que os seus colegas poderiam ter dificuldade em aceitar o
comando feminino;
5. as mulheres estão sujeitas ao assédio sexual como instrumento de pressão
no trabalho.38

Ao lado dos fatores acima destacados, a discriminação no trabalho também pode


se dar em função da idade, da religião, da procedência geográfica, da aparência física e
de tantas outras diferenças, de maneira isolada ou simultaneamente. Seja como for, o
fato é que o gênero e a cor da pele despontam como os fatores preponderantes de
discriminação – fato, no mínimo, alarmante, especialmente se considerarmos que
mulheres e negros constituem nada menos do que 70% do mercado de trabalho 39.
Diante desse quadro, não deveria causar surpresa a notícia de que justamente
aquelas que reúnem ambas as características – as mulheres negras – constituam o grupo

38
LOPES, Otávio Brito. A questão da discriminação no trabalho. Disponível em:
<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/revista/Rev_17/Artigos/art_otavio.htm>. Acesso: 23 mar. 2009.
39
CEPAL; PNDU; OIT. Emprego, desenvolvimento humano e trabalho decente: a experiência brasileira
recente. Set. 2008. Disponível em:
<http://www.cepal.org/brasil/noticias/noticias/3/34013/EmpregoDesenvHumanoTrabDecente.pdf>. p. 47.
Acesso: 23 mar. 2009.
que mais sofre com essa mazela40, fato que expõe a face perversa das opressões
sobrepostas a que já nos referimos. Como destacado em estudo elaborado
conjuntamente pela Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe, o Programa
das Nações Unidas para o Desenvolvimento e a Organização Internacional do Trabalho,

há um efeito de sobreposição que associa as características de sexo e


cor/raça, de forma que os padrões de desocupação são distintos entre
homens brancos, mulheres brancas, homens negros e mulheres negras [...]
no que se refere às taxas de desemprego e ao nível de ocupação as
diferenças são maiores entre os gêneros do que entre os grupos raciais, e
atingem suas maiores marcas na combinação de sexo e cor/raça no caso das
mulheres negras. A desigualdade racial também se manifesta entre os
homens — os trabalhadores negros estão sujeitos a taxas de desemprego
mais elevadas do que as dos brancos41.

O mesmo estudo revela, ainda, que, decorrido o período de 1992 a 2006, “o


diferencial de rendimentos entre homens e mulheres, negros e brancos permanece em
níveis muito significativos mesmo entre trabalhadores da mesma faixa de
escolaridade”42.

Também é a OIT que adverte que, no atual cenário global de crise econômica, o
índice de desemprego tende a aumentar em 7,4% para as mulheres, contra 7% previsto
para os homens. Já a previsão de incremento da vulnerabilidade no emprego apresenta
uma variação de 50,5% a 54,7% para as mulheres e de 47,2 a 51,8% para os homens43.

Esse cenário – parcial, porquanto não abrangente de todas as facetas da


discriminação – revela que uma espessa camada de formalidade e desrespeito renova-se
constantemente sobre o terreno da igualdade, de sorte que a busca pela materialidade
isonômica exige esforços também constantes e renovados.

VIII. Diversas normas, de diferentes naturezas, prescrevem o tratamento


igualitário, ao passo que outras vedam e punem condutas discriminatórias. Assim é que,
no âmbito da Organização das Nações Unidas, a Convenção sobre a Eliminação de
Todas as Formas de Discriminação Racial (1.965), a Convenção sobre a Eliminação de
Todas as Formas de Discriminação contra a Mulher (1.979) e a Convenção sobre os
40
Cf. OIT: mulher negra é maior alvo de discriminação no país. Agência estado. 10 mai. 2007.
Disponível em: <http://noticias.uol.com.br/economia/ultnot/estado/2007/05/10/ult4530u46.jhtm>.
Acesso: 23 mar. 2009.
41
CEPAL; PNDU; OIT. Emprego, desenvolvimento humano e trabalho decente... p. 51.
42
Idem, p. 57.
43
OIT alerta que crise pode tirar emprego das mulheres. Revista fórum. 6 mar. 2009. Disponível em
<http://www.revistaforum.com.br/sitefinal/NoticiasIntegra.asp?id_artigo=6487>. Acesso: 25 mar. 2009.
Direitos da Criança (1.989) e a Convenção sobre os Direitos das Pessoas com
Deficiência (2.006), tal como, no âmbito da UNESCO, a Convenção Relativa à Luta
Contra a Discriminação no Campo do Ensino (1.960), apresentam-se como importantes
instrumentos que, por dispensarem proteção a grupos vulneráveis à discriminação
arbitrária, atendem ao postulado da igualdade material.

No plano interno, para além de o preâmbulo da Constituição da República referir


a igualdade como um dos valores supremos de uma sociedade fraterna, pluralista e sem
preconceitos, a carta constituicional pátria arrola, entre os objetivos do Estado, a
promoção do bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e
quaisquer outras formas de discriminação (art. 3º, IV). É ainda a Constituição que, em
seu 5º artigo, reconhece o caráter fundamental do direito à igualdade (caput),
prescrevendo a sua observância nas relações entre homens e mulheres (inciso I),
determinando a punição de discriminação que atente contra os direitos e liberdades
fundamentais (inciso XLI) e prevendo a criminalização do racismo (inciso XLII).

No campo infraconstitucional, é relevante mencionar a evolução da legislação


penal, que, impulsionada pelos comandos da Convenção sobre a Eliminação de Todas
as Formas de Discriminação Racial e da Constituição da República, tipificou como
crime, por meio da Lei 7.716/89, condutas atreladas à discriminação de raça ou cor,
representando sensível avanço em relação ao que dispunha a Lei 1.390/51, a qual dava o
caráter de mera contravenção - portanto, de baixo potencial ofensivo - à recusa de
atendimento de pessoas, em função de cor ou raça, por repartições públicas ou privadas.
No entanto, como ressaltam Flávia Piovesan e Luiz Carlos Rocha Guimarães, muito
embora trate de condutas discriminatórias, a Lei 7.761/89

não previu as decorrentes de ofensa à honra em razão da raça, muito comum


no dia a dia, levando as autoridades policiais a classificarem este tipo de
ofensa como calúnia, injúria ou difamação, com penas bem inferiores, além de
dependerem de ação privada, facilmente prescritíveis. Isto evidentemente não
ocorreria se fossem classificadas como racismo, com reprimenda severa,
demandando ação penal pública e sendo constitucionalmente inafiançáveis e
imprescritíveis. Cabe ainda observar que a Lei n. 7.716/89 definiu tão somente
os crimes resultantes de preconceito de raça ou cor, não prevendo as práticas
resultantes de preconceito de descendência ou origem nacioal ou étnica, que à
luz da Convenção integram também a definição de discriminação racial 44.

44
PIOVESAN, Flávia; GUIMARÃES, Luís Carlos Rocha. Convenção sobre a eliminação de todas as
formas de discriminação racial. Disponível em
<http://www.saude.sp.gov.br/resources/profissional/acesso_rapido/gtae/saude_pop_negra/convencao_sob
re_a_eliminacao_de_todas_as_formas_de_discriminacao_racial.pdf >. Acesso: 31 mar. 2009.
O aperfeiçoamento da legislação prosseguiu com a Lei 9.459/97, que confere
maior amplitude às formas de discriminação criminalizadas, para, ao lado dos critérios
de cor e raça, incluir os de etnia, religião e procedência nacional. A mencionada lei
perfila-se, portanto, aos termos da Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas
de Discriminação Racial, ao englobar os critérios de cor, raça, etnia e procedência, mas
vai além, para também tipificar como delito condutas que revelam discriminação de
índole religiosa. Mas não é só: um novo parágrafo foi acrescentado ao art. 140 do
Código Pena, para prescrever pena de reclusão de um a três anos e multa na hipótese de
injúria consistente na utilização de elementos referentes a raça, cor, etnia, religião ou
origem, contra detenção de um a seis meses ou multa nas hipóteses em conotação
discriminatória45.

Especificamente quanto às situações de desigualdade e violência sofridas pelas


mulheres no âmbito doméstico, não se pode deixar de citar a Lei Maria da Penha (L.
11.340/06), que “ousa” adentrar a esfera privada, denunciar condutas violentas e
estabelecer punições para quem as pratica, mas não sem antes proclamar expressa e
oportunamente que

Toda mulher, independentemente de classe, raça, etnia, orientação sexual,


renda, cultura, nível educacional, idade e religião, goza dos direitos
fundamentais inerentes à pessoa humana, sendo-lhe asseguradas as
oportunidades e facilidades para viver sem violência, preservar sua saúde
física e mental e seu aperfeiçoamento moral, intelectual e social.46

Taxada de autoritária por uma corrente minoritária, visivelmente alinhada ao


patriarcalismo e agarrada à formalidade das normas constitucionais47, a Lei Maria da
Penha tem a virtude de invadir o espaço onde o predador patriarcal encontra maior
facilidade para invisibilizar a mulher e naturalizar as opressões a ela impostas. Rompe,

45
Idem, ibidem. Os autores destacam, ainda, as seguintes leis como exemplos de legislação contra
práticas discriminatórias no Brasil: “a) a Lei n. 2.889/56 (que define e pune o crime de genocídio); b) a
Lei n. 4.117/62 (que pune os meios de comunicação que promovem práticas discriminatórias); c) a Lei n.
5.250/67 (que regula a liberdade de pensamento e informação, vedando a difusão de preconceito de raça);
d) a Lei n. 6.620/78 (que define os crimes contra a segurança nacional, como incitação ao ódio ou à
discriminação racial); e) a Lei n. 8.072/90 (que define os crime hediondos, dentre eles o genocídio,
tornando-os insuscetíveis de anistia, graça, indulto, fiança e liberdade provisória); f) a Lei n. 8.078/90
(que trata da proteção ao consumidor e proíbe toda publicidade discriminatória); g) a Lei n. 8.081/90 (que
estabelece crimes discriminatórios praticados por meios de comunicação ou por publicidade de qualquer
natureza) e h) a Lei n. 8.069/90 (que dispõe sobre o Estatuto da Criança e do Adolescente, afirmando que
estes não podem sofrer qualquer forma de discriminação)”.
46
Art. 2º da Lei 11.340/06.
47
Cf., por exemplo, MOREIRA, Alexandre Magno Fernandes. A lei Maria da Penha e a criminalização
do masculino. Disponível em <http://www.direitonet.com.br/artigos/exibir/3317/Lei-Maria-da-Penha-e-a-
criminalizacao-do-masculino>. Acesso: 31 mar. 2009.
assim, com a ideologia que situa a mulher no estado de natureza e a submete à lei do
mais forte, representando valorosa conquista na batalha pela satisfação dos anseios de
dignidade do gênero feminino.

Já no que diz respeito à discriminação no mundo do trabalho, são especialmente


relevantes as Convenções da Organização Internacional do Trabalho, de números 100,
referente à igualdade de remuneração entre a mão-de-obra masculina e a mão-de-obra
feminina em trabalho de igual valor, e 111, relativa à discriminação em matéria de
emprego e profissão. A propósito, esta última dispõe que

Art. 1 — 1. Para os fins da presente convenção o termo “discriminação”


compreende:

a) toda distinção, exclusão ou preferência fundada na raça, cor, sexo,


religião, opinião politica, ascendência nacional ou origem social, que tenha
por efeito destruir ou alterar a igualdade de oportunidade ou de tratamento
em matéria de emprego ou profissão;

b) qualquer outra distinção, exclusão ou preferência que tenha por efeito


destruir ou alterar a igualdade de oportunidades ou tratamento em matéria de
emprego ou profissão que poderá ser especificada pelo Membro interessado
depois de consultadas as organizações representativas de empregadores e
trabalhadores, quando estas existam, e outros organismos adequados.

2. As distinções, exclusões ou preferências fundadas em qualificações


exigidas para um determinado emprego não são consideradas como
discriminação. 48

No direito pátrio, não se pode deixar de citar os seguintes incisos do art. 7º da


Constituição da República: XX, que prevê a proteção do mercado de trabalho da
mulher; XXX, que proibe a diferença de salários, do exercício de funções e de critérios
de admissão por motivo de sexo, idade, cor ou estado civil; XXXI, que veda qualquer
discriminação relatida a salário e critérios de admissão do trabalhador portador de
deficiência; XXXII, que proibe a distinção entre trabalho manual, técnico e intelectual
ou entre os profissionais respectivos; e XXXIV, que equipara, em direitos, os
trabalhadores avulsos e com vínculo de emprego permanente. Também não se pode
olvidar d o inciso VIII do art. 37, que estabelece a reserva de percentual de cargos e
empregos públicos para portadores de deficiência, tampouco da alínea b do inciso II do
48
ORGANIZAÇÃO INTERNACIONAL DO TRABALHO. Convenção n. 111: sobre a discriminação no
Emprego e na Profissão. Disponível em: <http://www.ilo.org/public/portugue/region/ampro/brasilia/info/
download/convencao111.pdf>. Acesso: 23 mar. 2009.
art. 10 do ADCT, que veda a dispensa arbitrária ou sem justa causa da empregada
gestante, da confirmação da gravidez até cinco meses após o parto.

Descendo do patamar constitucional, encontramos na CLT comandos tais como


os do parágrafo único do artigo 3º, que veda distinções relativas à espécie de emprego e
à condição do trabalhador, bem como ao trabalho intelectual, técnico e manual; do art.
5º, que estabelece salário igual, sem distinção de sexo, para trabalhos de igual valor; os
do Capítulo III, referentes à proteção do trabalho da mulher, em especial aqueles
inseridos pela Lei 9.799/99; e do art. 461, que prescreve a isonomia salarial.

Paradigmática é a lei 9.029/95, que proíbe a “adoção de qualquer prática


discriminatória e limitativa para efeito de acesso a relação de emprego, ou sua
manutenção, por motivo de sexo, origem, raça, cor, estado civil, situação familiar ou
idade, ressalvadas, neste caso, as hipóteses de proteção ao menor previstas no inciso
XXXIII do art . 7º da Constituição Federal” (art. 1º), facultando ao empregado optar, em
caso de dispensa discriminatória, pela readmissão, com pagamento integral e atualizado
da remuneração de todo o período de afastamento, ou a percepção em dobro da
remuneração de todo o período de afastamento, também acrescida de juros e correção
monetária (art. 4º). Ademais, visando a dispensar especial proteção à mulher, tipifica
como crimes, em seu artigo 2º, as seguintes práticas discriminatórias:

I - a exigência de teste, exame, perícia, laudo, atestado, declaração ou


qualquer outro procedimento relativo à esterilização ou a estado de
gravidez;
II - a adoção de quaisquer medidas, de iniciativa do empregador, que
configurem;
a) indução ou instigamento à esterilização genética;
b) promoção do controle de natalidade, assim não considerado o
oferecimento de serviços e de aconselhamento ou planejamento familiar,
realizados através de instituições públicas ou privadas, submetidas às
normas do Sistema Único de Saúde (SUS).

De outra parte, ainda é emblemática a situação dos empregados domésticos, cuja


proteção evidencia precariedade desde o próprio texto constitucional, como se extrai do
parágrafo único do art. 7º, que não estende à categoria determinados direitos, tais como
a remuneração do trabalho noturno superior à do diurno; a criminalização da retenção
dolosa dos salários por parte do empregador; o salário-família; a delimitação da jornada
de trabalho; o pagamento de horas extraordinárias acrescido de cinqüenta por cento da
hora normal; a aplicação das normas relativas à saúde, segurança e higiene do trabalho;
o adicional de insalubridade, periculosidade ou poenosidade; a assistência gratuita a
filhos e dependentes até cinco anos em creches e pré-escolas; e a proibição da diferença
de salários por motivos discriminatórios. Ainda assim, alguns avanços na seara
infraconstitucional merecem menção – alguns menos significativos, como os trazidos
pela Lei nº 10.208/01, que abre espaço para a (mera) possibilidade de o empregado
doméstico gozar dos direitos ao FGTS e ao seguro-desemprego; outros mais relevantes,
como os que vieram no bojo da Lei 11.324/06, que veda descontos a título de
alimentação, vestuário, higiene ou moradia; estabelece que o período de férias dos
empregados domésticos é de 30 dias; estende às gestantes que exercem tal atividade a
garantia do emprego desde a confirmação da gravidez até cinco meses após o parto; e
assegura, mediante a revogação da alínea “a” do art. 5º da Lei 605/49, o descanso nos
feriados oficiais. Cabe, ainda, mencionar que a edição do Decreto Presidencial 3.197/99
deflagrou a entrada em vigor, neste país, da Convenção n. 132 da OIT, que assegurou a
percepção do valor correspondente às férias proporcionais a todos os empregados, sem
distinção, ainda que não completado um ano da prestação de serviços.

IX. A despeito de todo o arcabouço teórico e normativo voltado a sua


erradicação, a desigualdade fática não se esconde diante de um olhar mais ou menos
atento. Diante disto, Caplan aponta para a “necessidade de se atribuir à garantia jurídica
– ao Direito, portanto – um papel concreto, efetivo e ativo de superação das exclusões,
mediante a repressão das ações discriminatórias, mas também pela construção de uma
práxis de inclusão”49. Em sentido complementar, anota Piovesan que “se o combate à
discriminação é medida emergencial à implementação do direito à igualdade, todavia,
por si só, é medida insuficiente. É fundamental conjugar a vertente repressiva-punitiva
com a vertente promocional”50. E prossegue:

Faz-se necessário combinar a proibição da discriminação com políticas


compensatórias que acelerem a igualdade enquanto processo. Isto é, para
assegurar a igualdade não basta apenas proibir a discriminação, mediante
legislação repressiva. São essenciais as estratégias promocionais capazes de

49
CAPLAN, Luciana. ob. loc. cit.
50
PIOVESAN, Flávia. Ações afirmativas no Brasil: desafios e perspectivas. Disponível em
<http://aulavirtual.upo.es:8900/webct/urw/lc102116011.tp0/cobaltMainFrame.dowebct>. Acesso: 30 abr.
2009.
estimular a inserção e inclusão de grupos socialmente vulneráveis nos
espaços sociais. Com efeito, a igualdade e a discriminação pairam sob o
binômio inclusão-exclusão. Enquanto a igualdade pressupõe formas de
inclusão social, a discriminação implica na violenta exclusão e intolerância à
diferença e à diversidade. O que se percebe é que a proibição da exclusão,
em si mesma, não resulta automaticamente na inclusão. Logo, não é
suficiente proibir a exclusão, quando o que se pretende é garantir a
igualdade de fato, com a efetiva inclusão social de grupos que sofreram e
sofrem um consistente padrão de violência e discriminação51.

Nesse contexto, as ações afirmativas, incentivadas pelo art. 2.2 da Convenção


sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação, apresentam-se como um
eficiente instrumento de promoção da igualdade, por meio de discriminações positivas
provisórias que visam a maximizar os benefícios da diversidade e minimizar as
situações de desvantagem decorrentes das discriminações fundadas no critério da mera
diferença entre os seres humanos.

Para além da legislação já referida neste ensaio, exemplos de ações afirmativas


no Brasil podem ser sacados dentre os objetivos traçados em instrumentos legislativos
tais como o Decreto Federal 4.228/02, que instituiu o Programa Nacional de Ações
Afirmativas; a Lei 10.558/02, que criou o Programa Diversidade na Universidade; o
Plano Nacional de Promoção da Igualdade Social, a cargo da Secretaria Especial de
Políticas de Promoção da Igualdade Social, instituída pela Lei 10.678/03; e o Decreto
Federal 5.390/05, que aprova o Plano Nacional de Políticas para Mulheres.

Dignos de menção são também as medidas adotadas no âmbito da iniciativa


privada, como o Projeto Diversa, que agrega empresas que reservam cotas de seus
quadros para afrodescendentes52, o Projeto Afrodescendentes, que propõe-se a inserir
jovens negros em universidades e acompanhá-luz até o ingresso no mercado de
trabalho53, o Projeto Amparo, que volta-se à luta contra a violência sexual e doméstica 54
e muitos outros.

A experiência internacional revela que as ações afirmativas são bem aceitas e


vêm ganhando terreno ao redor do globo. No entanto, ainda são consideradas
inconstitucionais ou ilegais em alguns países, como é o caso da Eslováquia, da Suécia e

51
Idem, ibidem.
52
Fonte: http://www.casadeculturadamulhernegra.org.br/rn_aa_aacurso03.htm.
53
Idem.
54
Fonte: http://www.ipas.org.br/amparo.html.
do Reino Unido55 - o que, por si só, revela a importância de conquistarem-se e
manterem-se novos espaços de luta e resistência na constante batalha pela igualdade
material, não só apenas, mas também no campo de batalha jurídico.

X. A igualdade encontra-se no centro de uma antiga disputa de forças


antagônicas: de um lado, seres humanos que pretendem viver suas diferenças na
amplitude máxima de sua dignidade; de outro, o predador patriarcal – figura
representativa da burguesia liberal e do deus-mercado, por ela moldado a sua imagem e
semelhança – que, animado pela ideologia hegemônica e alimentado pela razão
indolente, mantém cativos e invisíveis os seres humanos que oprime, violenta e explora.

O discurso ideológico naturaliza idéias artificialmente construídas e difundidas


como racionais e universais, como a única via para o progresso e o desenvolvimento, ao
passo que a razão indolente acomoda-se longe da reflexão e da crítica, obstando a
emancipação e obstruindo o caminho que leva àqueles espaços de resistência, nos quais
trava-se a antiga luta pelo acesso igualitário aos bens materiais e imateriais necessários
a uma vida com dignidade.

No habitat do predador patriarcal, as vítimas são despojadas de sua razão,


exploradas, manipuladas e invisibilizadas sob um manto de naturalidade. Confrontado
com ações que desafiam a lógica do seu império, o predador veste-se de ovelha e
discursa para o mundo que as ações corretivas não passam de “discriminações às
avessas”. Enquanto isso, tudo passa, e o mundo continua a mover-se por si mesmo.

Diante desse quadro, cabe ao direito, mais do que declarar formalmente a


igualdade, revelar-se como processo dinâmico, capaz de assegurar ao ser humano o
empoderamento emancipatório necessário à eliminação das desigualdades e à
convivência pacífica e respeitosa das diferentes identidades. Em outras palavras, cabe
ao direito o papel de instrumento assecuratório e de promoção da igualdade material,
sem a qual não se cumpre a promessa de liberdade nem se permite conhecer o
verdadeiro espírito de fraternidade. Ao lado de outros processos por meio dos quais
busca-se a implementação da igualdade material, tais como as ações afirmativas
promovidas por iniciativa pública ou privada, o direito renova dioturnamente sua
natureza de processo cultural de luta pela dignidade humana.

55
Fonte: http://en.wikipedia.org/wiki/Affirmative_action
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