Este documento discute o princípio da sustentabilidade no direito constitucional português e internacional. (1) O princípio é consagrado na Constituição portuguesa e densificado em outros textos legais nacionais e internacionais. (2) Ele é estruturante do Estado Constitucional moderno e exige equidade entre gerações, países e grupos. (3) O princípio possui dimensões ecológica, econômica e social, integrando os três pilares da sustentabilidade.
Este documento discute o princípio da sustentabilidade no direito constitucional português e internacional. (1) O princípio é consagrado na Constituição portuguesa e densificado em outros textos legais nacionais e internacionais. (2) Ele é estruturante do Estado Constitucional moderno e exige equidade entre gerações, países e grupos. (3) O princípio possui dimensões ecológica, econômica e social, integrando os três pilares da sustentabilidade.
Este documento discute o princípio da sustentabilidade no direito constitucional português e internacional. (1) O princípio é consagrado na Constituição portuguesa e densificado em outros textos legais nacionais e internacionais. (2) Ele é estruturante do Estado Constitucional moderno e exige equidade entre gerações, países e grupos. (3) O princípio possui dimensões ecológica, econômica e social, integrando os três pilares da sustentabilidade.
O Princpio da sustentabilidade como Princpio estruturante do Direito Constitucional Jos Joaquim Gomes Canotilho I. Referncias normativas 1. O princpio da sustentabilidade recebe uma consagrao expressa no texto constitucional portugus. configurado (i) como tarefa fundamental no artigo 9./e (defender a natureza e o ambiente, preservar os recursos naturais e assegurar o correcto ordenamento do territrio); (ii) como princpio fundamental da organizao econmica no artigo 80./d (Propriedade pblica dos recursos naturais); (iii) como incumbncia prioritria do Estado nos artigos 81./a (promover o aumento do bem-estar social () no quadro de uma estratgia de uma estratgia de desenvolvimento sustentvel), 81./m (Adoptar uma poltica nacional de energia () com preservao dos recursos naturais e equilbrio ecolgico) e 81./n (Adoptar uma poltica nacional da gua, com aproveitamento, planeamento e gesto racional dos recursos hdricos); (iiii) como direito fundamental no artigo 66./1 (Todos tm o direito a um ambiente de vida humano, sadio e ecologicamente equilibrado); (iiiii) como dever jusfundamental do Estado e dos cidados, no artigo 66./2 (Para assegurar o direito ao ambiente, no quadro de um desenvolvimento sustentvel, incumbe ao Estado, por meio de organismos prprios e com o envolvimento e a participao dos cidados); (iiiiii) como princpio vector e integrador de polticas pblicas no artigo 66./2/c, d, e, f, g (poltica de ordenamento do territrio, poltica cultural, poltica econmica e fiscal, poltica educativa, poltica regional). 2. A dimenso jurdico-constitucional do princpio da sustentabilidade encontra numerosas densificaes noutros textos, a comear pelos Estatutos das Regies Autnomas que hoje incluem matrias anteriormente includas pelo texto constitucional no mbito do interesse especfico das Regies Autnomas (valorizao dos recursos humanos e qualidade de vida, patrimnio, defesa do ambiente e equilbrio ecolgico). 3. Assumem particular relevo as disposies textuais do direito da Unio Europeia referentes ao ambiente (cfr. artigo 191. e segs. e, em geral, todo o Ttulo XX do Tratado sobre o funcionamento da Unio Europeia). Nelas se estabelecem linhas da poltica da Unio destinadas prossecuo da preservao, proteco e melhoria da qualidade do ambiente, da utilizao prudente e racional dos recursos Tkhne, 2010, Vol VIII, n13 Jos Joaquim Gomes Canotilho 8
naturais, promoo de medidas destinadas a enfrentar os problemas regionais ou mundiais do ambiente, e designadamente as alteraes climticas. 4. Nos pases de lngua portuguesa (CPLP), deparamos com importantes inovaes, a nvel textual, na Constituio Brasileira de 1988. No Captulo dedicado ao Meio Ambiente consagra-se o direito e o dever de defender e preservar o ambiente para as presentes e futuras geraes, de preservar e reestruturar os processos ecolgicos essenciais, de preservar a diversidade e a integridade do patrimnio gentico, de proteger a fauna e a flora, de promover a educao ambiental. Digna de meno tambm a Constituio de S. Tom e Prncipe de 1990, impondo o equilbrio e da natureza e ambiente (artigo 10.). II Sentido jurdico-constitucional 1. Um conhecido juspublicista alemo (PETER HBERLE) escreveu recentemente que tempo de considerar a sustentabilidade como elemento estrutural tpico do Estado que hoje designamos Estado Constitucional 1 . Mais do que isso: a sustentabilidade configura-se como uma dimenso autocompreensiva de uma constituio que leve a srio a salvaguarda da comunidade poltica em que se insere. Alguns autores aludem mesmo ao aparecimento de um novo paradigma secular, do gnero daqueles que se sucederam na gnese e desenvolvimento do constitucionalismo (humanismo no sc. XVIII, questo social no sc. XIX, democracia social no sc. XX, e sustentabilidade no sc. XXI). 2. Tal como outros princpios estruturantes do Estado Constitucional democracia, liberdade, juridicidade, igualdade o princpio da sustentabilidade um princpio aberto carecido de concretizao conformadora e que no transporta solues prontas, vivendo de ponderaes e de decises problemticas. possvel, porm, recortar, desde logo, o imperativo categrico que est na gnese do princpio da sustentabilidade e, se se preferir, da evoluo sustentvel: os humanos devem organizar os seus comportamentos e aces de forma a no viverem: (i) custa da natureza; (ii) custa de outros seres humanos; (iii) custa de outras naes; (iiii) custa de outras geraes. Em termos mais jurdico-polticos, dir-se- que o princpio da sustentabilidade transporta trs dimenses bsicas: (1) a sustentabilidade interestatal, impondo a equidade entre pases pobres e pases ricos; (2) a sustentabilidade geracional que aponta para a equidade entre diferentes grupos etrios da mesma gerao (exemplo: jovem e velho); (3) a sustentabilidade
1 Cfr. PETER HBERLE, Nachhaltigkeit und Gemeineuropisches Verfassungsrecht, in WOLFGANG KAHL (org.), achhaltigkeit als Verbundbegriff, Tbingen, 2008, p. 200. Tkhne, 2010, Vol VIII, n13 O Princpio da sustentabilidade como Princpio estruturante do Direito Constitucional 9
intergeracional impositiva da equidade entre pessoas vivas no presente e pessoas que nascero no futuro. 3. No fcil, da mesma forma que acontece com outros princpios j anteriormente mencionados, determinar o contedo jurdico 2 do princpio da sustentabilidade. Alguns autores consideram-no como um conceito de moda e em moda favorecedor de ocultaes ideolgicas (era e a tese de muitos neoconservadores norte-americanos). Outros rotulam-no de conceito holstico inteiramente assente em conceitos tambm holsticos como so os da globalizao, integrao, justia intergeracional, participao, equidade geracional. Outros ainda vem nele um conceito-chave, um conceito represa que, semelhana do princpio do Estado de direito e do princpio democrtico, pressupem operaes metdicas de optimizao e de concretizao. 4. Convm distinguir entre sustentabilidade em sentido restrito ou ecolgico e sustentabilidade em sentido amplo. A sustentabilidade em sentido restrito aponta para a proteco/manuteno a longo prazo de recursos atravs do planeamento, economizao e obrigaes de condutas e de resultados. De modo mais analtico, considera-se que a sustentabilidade ecolgica deve impor: (1) que a taxa de consumo de recursos renovveis no pode ser maior que a sua taxa de regenerao; (2) que os recursos no renovveis devem ser utilizados em termos de poupana ecologicamente racional, de forma que as futuras geraes possam tambm, futuramente, dispor destes (princpio da eficincia, princpio da substituio tecnolgica, etc.); (3) que os volumes de poluio no possam ultrapassar quantitativa e qualitativamente a capacidade de regenerao dos meios fsicos e ambientais; (4) que a medida temporal das agresses humanas esteja numa relao equilibrada com o processo de renovao temporal; (5) que as ingerncias nucleares na natureza devem primeiro evitar-se e, a ttulo subsidirio, compensar- se e restituir-se. 5. A sustentabilidade em sentido amplo procura captar aquilo que a doutrina actual designa por trs pilares da sustentabilidade: (i) pilar I a sustentabilidade ecolgica; (ii) pilar II a sustentabilidade econmica; (iii) pilar III a sustentabilidade social 3 . Neste sentido, a sustentabilidade perfila-se como um conceito federador que, progressivamente, vem definindo as condies e pressupostos jurdicos do contexto da evoluo sustentvel. No direito
2 Cfr. WOLFGANG KAHL, Einleitung: Nachhaltigkeit als Verbundbegriff, in WOLFGANG KAHL (org.), achhaltigkeit als Verbundbegriff, Tbingen, 2008, p. 12 e segs. 3 Cfr. WOLFGANG KAHL, Einleitung: Nachhaltigkeit als Verbundbegriff, in WOLFGANG KAHL (org.), achhaltigkeit als Verbundbegriff, Tbingen, 2008. Tkhne, 2010, Vol VIII, n13 Jos Joaquim Gomes Canotilho 10
internacional, a sustentabilidade institucionalizada como um quadro de direco poltica nas relaes entre os Estados (exs.: Conveno sobre as mudanas climticas, Conveno sobre a biodiversidade, Conveno sobre o patrimnio cultural). 6. No contexto do direito da Unio Europeia, adequado falar de um princpio constitucional da Unio Europeia densificado directamente atravs de princpios directamente vinculativos dos Estados-Membros e mediatamente operativo no mbito das polticas ambientais dos mesmos Estados (Tratado de Maastricht, art. 2.; Tratado de Amesterdo, prembulo, art. 2., 6. e 177.; Carta dos Direitos Fundamentais, art. 37., inserida no Tratado de Lisboa (art. 6.); Tratado sobre o Funcionamento da Unio Europeia segundo o Tratado de Lisboa, art. 191.). 7. O princpio da sustentabilidade aponta para a necessidade de novos esquemas de direco propiciadores de um verdadeiro Estado de direito ambiental. Isto implica que, ao lado dos tradicionais esquemas de ordem, permisso e proibio vasados em actos de poder pblico, se assista ao recurso a diversas formas de estmulo destinadas a promover programas de sustentabilidade (exemplo: poltica fiscal de incentivo a tecnologia limpa, estmulo para a efectivao de polticas de energia base de recursos renovveis). Nestes estmulos ou incentivos que, muitas vezes, se traduzem em preferncias ou internalizaes de efeitos externos, devem observar-se as exigncias normativas do Estado de direito ambiental quanto s competncias (legislador e executivo) e aos princpios (proibio do excesso, igualdade). Nesse sentido, a transformao do direito e da governao segundo o princpio da sustentabilidade no significa a preterio da observncia de outros princpios estruturantes como o princpio do Estado de direito e o princpio democrtico 4 . III Juridicidade ambiental 5
1. Instrumentos conformadores 8. No pertence a uma lei-quadro fundamental, como a Constituio, fixar concretamente os instrumentos polticos, econmicos, jurdicos, tcnicos e cientficos indispensveis soluo dos problemas ecolgico-ambientais, sejam eles da primeira ou da segunda gerao. Tambm neste aspecto, o texto
4 Veja-se, precisamente, Klaus Bosselmann, The Principle of Sustainability, Transponing Law and Governance, 2008; Maria da Glria Garcia, O Lugar do Direito do Ambiente na Proteco do Ambiente, Coimbra, 2007, p. 369 e segs. 5 Seguimos de perto o que escrevemos em J.J. Gomes Canotilho/J. Rubens Morato Leite (org.), Direito Constitucional Ambiental Luso-Brasileiro, So Paulo, 3. ed., 2003. Tkhne, 2010, Vol VIII, n13 O Princpio da sustentabilidade como Princpio estruturante do Direito Constitucional 11
constitucional portugus um texto aberto. Tanto acolhe instrumentos dcteis como a informao, o procedimento, a autoregulao e a flexibilizao, como instrumentos directivos reconduzveis a planos e controlos ambientais estratgicos. Em termos tericos e prticos, visvel uma oscilao entre dois paradigmas: (1) o paradigma da flexibilizao dos modos, formas e procedimentos julgados adequados defesa e proteco do ambiente; (2) o paradigma do planeamento orientador e directivo preocupado, nos ltimos tempos, com o dficite de comando e eficcia dos instrumentos de flexibilizao jurdico-ambiental. A primeira orientao anda associada a postulados tericos veiculados por diversos cultores da sociedade de informao, da processualizao do direito e das teorias dos sistemas autopoiticos. O segundo paradigma surge como uma tentativa de recuperao da ideia de comando e direco considerada como indispensvel prossecuo da tarefa bsica do novo sculo: a sustentabilidade ecolgico-ambiental 6 . 9. Uma posio particular demonstrativa da nova ordem ambiental inspirada nas ideias de global legal pluralism e de good governance ambiental, a que procura fugir aos cdigos binrios da forma jurdica (directividade/flexibilizao) e aos cdigos binrios das ticas ou moralidades ecolgico-ambientais (natureza como recurso/ natureza como santurio) atravs da institucionalizao de mecanismos nacionais e internacionais de cooperao e controlo da prossecuo das metas ambientais 7 . 10. Deve reconhecer-se que os progressos da juridicidade ambiental comearam, no ordenamento jurdico portugus, com a Constituio de 1976 e com a Lei de Bases do Ambiente de 1987. Desde o seu texto originrio que a Constituio da Repblica Portuguesa incluiu no catlogo dos direitos econmicos, sociais e culturais o direito a um ambiente de vida humano, sadio e ecologicamente equilibrado (art. 66.) como direito constitucional fundamental. Esta opo dos constituintes portugueses no sentido de elevar dignidade de direito fundamental o direito do ambiente no deixou de ter um relevantssimo significado no plano jus- ambiental. Independentemente de se saber se o direito ao ambiente um verdadeiro
6 Uma viso global e actualizada do problema ver-se- em FELIX EKARDT, Steuerungsdefizite vom Umweltrecht Ursachen unter besonder Bercksichtigung des Naturschutsrecht und das Grundrechte. Zugleich zur Relevanz religisen Skularisats im ffentlichen Recht, 2001. Do mesmo Autor veja-se tambm o recente trabalho Information, Verfahren, Selbsregulierung, Flexibilisierung. Instrumente eines effektiven Umweltrechts?, in Natura und Recht, 4/2005, p. 215 e segs. 7 O exemplo mais elaborado de good governance global o do Protocolo de Quioto que entrou em vigor em 16 de Fevereiro de 2005. Veja-se o ilustrativo estudo de C. KREUTER KIRCHHOF, Dinamisierung des internationalen Klimaschutzregimes durch Institutionalisierung in ZarRV (Zeitschrift fr auslndisches ffentliches Recht und Vlkerrecht), 65 (2005), p. 967 e segs. Entre a literatura jusambiental em lngua portuguesa cfr. MARIA DA GLRIA GARCIA, O Lugar do Direito do Ambiente na Proteco do Ambiente, cit., p. 348 e segs. Tkhne, 2010, Vol VIII, n13 Jos Joaquim Gomes Canotilho 12
direito subjectivo, tornou-se claro que a problematizao constitucional deste direito no deveria limitar-se ao recorte do ambiente como tarefa ambiental do Estado. A orientao jus-subjectiva da Constituio Portuguesa tanto mais de assinalar quanto se assiste, ainda hoje, elaborao de robustas posies doutrinrias contra a jus-fundamentalizao do ambiente 8 . Precisamente por isso, a primeira ideia forte do enquadramento jurdico-constitucional do ambiente a de que no ordenamento jurdico portugus a conformao jurdico-subjectiva do ambiente indissocivel da sua conformao jurdico-objectiva. 11. As dimenses essenciais da juridicidade ambiental podero resumir-se da seguinte forma: (i) dimenso garantstico-defensiva, no sentido de direito de defesa contra ingerncias ou intervenes do Estado e demais poderes pblicos; (ii) dimenso positivo-prestacional, pois cumpre ao Estado e a todas as entidades pblicas assegurar a organizao, procedimento e processos de realizao do direito do ambiente; (iii) dimenso jurdica irradiante para todo o ordenamento, vinculando as entidades privadas ao respeito do direito dos particulares ao ambiente; (iiii) dimenso jurdico-participativa, impondo e permitindo aos cidados e sociedade civil o dever de defender os bens e direitos ambientais. 12. A fora normativa da Constituio ambiental depender da concretizao do programa jurdico-constitucional, pois qualquer Constituio do ambiente s poder lograr fora normativa se os vrios agentes pblicos e privados que actuem sobre o ambiente o colocarem como fim e medida das suas decises 9 . Neste sentido, legtimo falar de ecologizao da ordem jurdica portuguesa sob vrios pontos de vista. Em primeiro lugar, o direito do ambiente, alm do seu contedo e fora prpria como direito constitucional fundamental, ergue-se a bem constitucional devendo os vrios decisores (legislador, tribunais, administrao) tomar em conta na soluo de conflitos constitucionais esta reserva constitucional do bem ambiente. Em segundo lugar, a liberdade de conformao poltica do legislador no mbito das polticas ambientais tem menos folga no que respeita reversibilidade poltico- jurdica da proteco ambiental, sendo-lhe vedado adoptar novas polticas que se traduzam em retrocesso retroactivo de posies jurdico-ambientais fortemente enraizadas na cultura dos povos e na conscincia jurdica geral. Em terceiro lugar, o
8 Para uma viso global da discusso vide MICHAEL KLOEPFER, Umweltschutz und Verfassungsrecht, in DVBL, 1988, p. 305 e segs. Veja-se a srie de argumentos jurdico-dogmticos contra o reconhecimento de um direito fundamental ao ambiente em ASTRID EPINEY, anotao do art. 20.em MANGOLDT/KLEIN/STARCK, Bonner Grundgesetz Kommentar, 4. ed., vol. 2., Mnchen, 2000, p. 203 e segs. 9 Veja-se, neste sentido, CH. CALIESS, Rechtsstaat und Umwelstaat, Tbingen, 2001, p. 74 e segs. ALEXANDRA ARAGO, Direito Constitucional do Ambiente e a Unio Europeia, in J.J. GOMES CANOTILHO/J. RUBENS MORATO LEITE (org.), Direito Constitucional Ambiental Luso-Brasileiro, cit., p. 36 e segs. Tkhne, 2010, Vol VIII, n13 O Princpio da sustentabilidade como Princpio estruturante do Direito Constitucional 13
sucessivo e reiterado incumprimento dos preceitos da Constituio do ambiente (nos vrios nveis: nacional, europeu e internacional) poder gerar situaes de omisso constitucional conducentes responsabilidade ecolgica e ambiental do Estado. Em quarto lugar, o Estado (e demais operadores pblicos e privados) obrigado a um agir activo e positivo na proteco do ambiente, qualquer que seja a forma jurdica dessa actuao (normativa, planeadora, executiva, judicial). Esta proteco, como se ver adiante, vai muito para alm da defesa contra simples perigos, antes exige um particular dever de cuidado perante os riscos tpicos da sociedade de risco. 13. No seu conjunto, as dimenses jurdico-ambientais e jurdico-ecolgicas permitem falar de um Estado de direito ambiental e ecolgico. O Estado de direito, hoje, s Estado de direito se for um Estado protector do ambiente e garantidor do direito ao ambiente; mas o Estado ambiental e ecolgico s ser Estado de direito se cumprir os deveres de juridicidade impostos actuao dos poderes pblicos. Como se ir ver nos desenvolvimentos seguintes, a juridicidade ambiental deve adequar-se s exigncias de um Estado constitucional ecolgico e de uma democracia sustentada 10 . A natureza de princpio conferida a muitas normas estruturantes da Constituio ambiental princpio do desenvolvimento sustentvel, princpio do aproveitamento racional dos recursos, princpio da salvaguarda da capacidade de renovao e de estabilidade ecolgica, princpio da solidariedade entre geraes obrigar a uma metdica constitucional de concretizao particularmente centrada nos critrios de ponderao e de optimizao dos interesses ambientais e ecolgicos. 2. O desenvolvimento do Estado de direito democrtico e ambiental a responsabilidade de longa durao 14. A articulao de problemas ecolgicos de primeira gerao com os problemas de segunda gerao obriga a dar arrimo jurdico-constitucional a novas categorias dogmtico-constitucionais. Aludiremos, em primeiro lugar, chamada responsabilidade de longa durao 11 . A responsabilidade de longa durao convoca, como sugerimos no captulo anterior, quatro princpios bsicos intrinsecamente relacionados: o princpio do desenvolvimento sustentvel (art. 66./2), o princpio do aproveitamento racional dos recursos (art. 66./2/b), o princpio da salvaguarda da capacidade de renovao e estabilidade ecolgica
10 As expresses pertencem a Rudolf Steinberg, Der kologische Verfassungsstaat, 1998, p. 126 e segs. 11 O conceito do texto tributrio do conceito alemo Langzeitverantwortung. Cfr., precisamente, a obra de Gethmann/Kloepfer/Nutzinger, Langzeitverantwortung im Umweltstaat, 1993. Esta responsabilidade de longa durao insere-se numa ideia de proteco ecolgico-ambiental dirigida posteridade. A literatura germnica fala aqui de Nachweltschutz. Tkhne, 2010, Vol VIII, n13 Jos Joaquim Gomes Canotilho 14
destes recursos (art. 66./2/d) e o princpio da solidariedade entre geraes (art. 66./2/d). 15. Como sabido, o tema da responsabilidade de longa durao ganhou acuidade depois da Conferncia do Rio de Janeiro de 1992 ancorada no princpio de Sustainable Development. Em termos jurdico-constitucionais, ela implica, desde logo, a obrigatoriedade de os Estados (e outras constelaes polticas) adoptarem medidas de proteco ordenadas garantia da sobrevivncia da espcie humana e da existncia condigna das futuras geraes. Neste sentido, medidas de proteco e de preveno adequadas so todas aquelas que, em termos de precauo, limitam ou neutralizam a causao de danos ao ambiente, cuja irreversibilidade total ou parcial gera efeitos, danos e desequilbrios negativamente perturbadores da sobrevivncia condigna da vida humana (responsabilidade antropocntrica) e de todas as formas de vida centradas no equilbrio e estabilidade dos ecossistemas naturais ou transformados (responsabilidade ecocntrica) 12 . 16. A responsabilidade de longa durao pressupe a obrigatoriedade no apenas de o Estado adoptar medidas de proteco adequadas mas tambm o dever de observar o princpio do nvel de proteco elevado quanto defesa dos componentes ambientais naturais. Embora a Constituio Portuguesa no consagre expressis verbis este princpio, ele vem servindo de parmetro e de standard material no ordenamento jurdico da Unio Europeia (no mbito do ambiente, da sade, do emprego). Coloca-se, desde logo, o problema de saber se existe um direito a um mnimo de existncia ecolgico 13 . Talvez seja mais rigoroso, no contexto conceptual do direito portugus, falar de um ncleo essencial de um direito fundamental ao ambiente e qualidade de vida. Este ncleo essencial pressupe, desde logo, a procura do nvel mais adequado de aco, ou seja, que a execuo das medidas de poltica do ambiente tenha em considerao o nvel mais adequado de aco, seja ele de mbito internacional, nacional, regional, local ou sectorial (art. 3./f da Lei de Bases do Ambiente). A Constituio no exige, porm, a proteco mxima do ambiente como pressuposto ineliminvel da salvaguarda do ncleo essencial do direito ao ambiente se com isso se pretende significar a proibio de qualquer interveno humana prejudicial ao ambiente. Mas j razovel convocar o princpio da proibio de retrocesso no sentido de que as polticas ambientais desde logo as polticas ambientais do Estado so obrigadas a melhorar o nvel de proteco j assegurado pelos vrios complexos normativo-
12 Veja-se L. Michel, Staatszwecke, Staatsziele und Grundrechtsinterpretation unter besonderes Bercksichtigung der Positivierung des Umweltschutzs in Grundgesetz, Frankfurt/M., 1986, p. 277 e segs. 13 Vide K. Whechter, Umweltschutz als Staatsziel, in Natur und Recht, 1996, p. 321 e segs; Alexandra Arago, O Princpio do Nvel Elevado de Proteco e a Renovao Ecolgica do Direito do Ambiente e dos Resduos, Coimbra, 2006. Tkhne, 2010, Vol VIII, n13 O Princpio da sustentabilidade como Princpio estruturante do Direito Constitucional 15
ambientais (Constituio, tratados internacionais, direito comunitrio europeu e leis) 14 . A proibio do retrocesso no deve interpretar-se como proibio de qualquer retrocesso referido a normas concretas ou como proibio geral de retrocesso. No se pode falar de retrocesso quando forem adoptadas medidas compensatrias adequadas para intervenes lesivas no ambiente, sobretudo quando estas medidas contriburem para uma clara melhoria da situao ambiental. De qualquer modo, h hoje determinantes heternomas constitucional e internacionalmente impostas possibilitadoras da delimitao normativa constitucional do nvel adequado de proteco. Situam-se aqui na qualidade de determinantes heternomas os princpios de desenvolvimento sustentvel, do aproveitamento racional dos recursos, da salvaguarda da capacidade de renovao ecolgica e do princpio da solidariedade entre geraes. 17. Alm disso, as agresses ao direito ao ambiente, traduzidas sobretudo na perturbao da integridade dos componentes ambientais naturais, carecem de justificao adequada caso se trate tambm de restries ao ncleo essencial do direito ao ambiente e qualidade de vida na sua dimenso de direito, liberdade e garantia. Dentre as ponderaes a incluir na justificao adequada deve incluir-se o juzo sobre alternativas ambiental e ecologicamente amigas, desde que elas se revelem adequadas, necessrias e proporcionais 15 . 3. O princpio da solidariedade entre geraes 18. A Constituio Portuguesa faz meno expressa ao princpio da solidariedade entre geraes. O significado bsico do princpio o de obrigar as geraes presentes a incluir como medida de aco e de ponderao os interesses das geraes futuras. Os interesses destas geraes so particularmente evidenciveis em trs campos problemticos: (i) o campo das alteraes irreversveis dos ecossistemas terrestres em consequncia dos efeitos cumulativos das actividades humanas (quer no plano espacial, quer no plano temporal); (ii) o campo do esgotamento dos recursos, derivado de um aproveitamento no racional e da indiferena relativamente capacidade de renovao e da estabilidade ecolgica; (iii) o campo dos riscos duradouros. O texto constitucional no se refere a direitos
14 Note-se que no se trata, em rigor, de rigidificar uma garantia de perpetuao do actual complexo normativo-ambiental. Seria, por isso, mais adequado at porque se d centralidade defesa da integridade dos componentes ambientais naturais falar de uma proibio de retrocesso ecolgico. Cfr., precisamente, M. Kloepfer, Umweltrecht, 3. ed., 3., anotao 38. H que ter em conta, porm, as garantias jurdico-normativas do nvel de proteco como eventual limite s desregulaes do ambiente por imposies econmicas. Veja-se, por exemplo, Kadelbach, Verfassungsrechtliche Grenzen fr Deregulierungen des Ordnungsverwaltungsrecht, in Kritische Viertel Jahresschrift, 1997, p. 263. 15 Veja-se, entre outros, o estudo de Bernsdorf, Positivierung des Umweltschutzs im Grundgesetz, Natur und Recht, 1997, p. 328 e segs. Tkhne, 2010, Vol VIII, n13 Jos Joaquim Gomes Canotilho 16
das futuras geraes. As dificuldades teortico-dogmticas e jurdico-dogmticas no recorte de um sujeito de direitos e de relaes jurdicas nebulosamente identificado como geraes futuras e futuras geraes leva muitos autores a acentuarem que o que est em causa a incluso dos interesses das geraes futuras nos princpios materiais de actuao poltico-constitucionalmente relevantes. 19. Pretende-se, alm disso, que a incluso desses interesses ganhe efectividade e operacionalidade prtica. Articulado com outros princpios, o princpio da solidariedade entre geraes pressupe logo, como ponto de partida, a efectivao do princpio da precauo. Configurado como verdadeiro princpio fundante e primrio 16 da proteco dos interesses das futuras geraes ele que impe prioritariamente e antecipadamente a adopo de medidas preventivas e justifica a aplicao de outros princpios como o da responsabilizao e da utilizao das melhores tecnologias disponveis. O princpio da responsabilizao, ao implicar a assumpo das consequncias pelos agentes causadores de danos ao ambiente, significa imputao de custos e obrigao de medidas de compensao e de recuperao que conduziro considerao, de forma antecipativa, dos efeitos imediatos ou a prazo das respectivas actuaes ambientalmente relevantes. 4. O princpio do risco ambiental proporcional 20. A literatura juspublicstica, semelhana do que acontece com outros ramos do saber, passou a incorporar como tema quase obrigatrio o risco ambiental. Abundam, hoje, obras sobre a problemtica do risco perspectivado em termos polticos, econmicos, sociolgicos e filosficos. Nada mais natural que ele adquira tambm centralidade dogmtica e metdica no mbito do direito constitucional 17 . Vamos aqui dar como adquiridas as compreenses tericas do risco e limitar-nos ao enquadramento constitucional do risco ambiental. 21. O direito constitucional acompanha o esforo da doutrina no sentido de se alicerar a determinao jurdica dos valores limite do risco ambientalmente danoso atravs da exigncia da proteco do direito ao ambiente segundo o estdio mais avanado da cincia e da tcnica. Isto significa que o princpio da melhor defesa possvel dos perigos e os princpios da precauo e da preveno do risco ambiental segundo o patamar mais avanado da cincia e da tcnica marcam tambm os limites da razo prtica no plano do direito constitucional. E no cabe a uma
16 Assim, A. EPINEY, Umweltrecht in der europaschen Union, 1997, p. 101 e segs. 17 Cfr. a exposio de JOS RUBENS MORATO LEITE sobre a sociedade de risco e o Estado, in J.J.GOMES CANOTILHO/J. RUBENS MORATO LEITE (org.), Direito Constitucional Ambiental Luso- Brasileiro. Tkhne, 2010, Vol VIII, n13 O Princpio da sustentabilidade como Princpio estruturante do Direito Constitucional 17
Constituio aderir a postulados filosficos de segurana (segurana deterministicamente determinada, segurana probabilisticamente determinada) 18
para extrinsecar o desenvolvimento jurdico-constitucional de concretizao do risco. De qualquer modo, o que parece constitucionalmente aceitvel tentar uma aproximao fixao normativa de valores limite atravs de princpios jurdico- constitucionais. Neste contexto, o primeiro princpio a ter em conta o princpio da proporcionalidade dos riscos que se pode formular assim: a probabilidade da ocorrncia de acontecimentos ou resultados danosos tanto mais real quanto mais graves forem as espcies de danos e os resultados danosos que esto em jogo. Esta frmula, que no anda muito longe da seguida pela jurisprudncia alem, pe em evidncia que o risco, ao exigir particulares deveres de precauo, no pode ser determinado independentemente do potencial danoso. 22. O segundo princpio constitucional o princpio da proteco dinmica do direito ao ambiente (e de todos os direitos fundamentais) segundo o estdio, evoluo e progresso dos conhecimentos da tcnica de segurana. Sob o ponto de vista do direito constitucional s so aceitveis os riscos de agresso ao direito ao ambiente que no podiam ser previstos segundo os critrios de segurana probabilstica mais actuais (ex.: directivas do Euratom, guia de segurana da IAEB). 23. O terceiro princpio o princpio da obrigatoriedade da precauo, mesmo que os juzos de prognose permaneam na insegurana. A falta de certeza cientfica absoluta no desvincula o Estado do dever de assumir a responsabilidade de proteco ambiental e ecolgica, reforando os standards de precauo e preveno de agresses e danos ambientais 19 . Se uma utopia pretender com o princpio da precauo um grau zero de risco ambiental, j razovel assumir, a nvel normativo desde logo normativo-constitucional , a necessidade de as ignorncias tecnolgicas e dos slogans polticos darem origem a regras densificadoras das cincias incertas 20 . Dentre estas regras densificadoras incluir- se-o novos modelos probatrios, como a inverso do nus da prova, as conferncias de consenso e os standards de fiabilidade probatria.
18 Sobre a determinao da segurana contra riscos, vide RENGELING, Probabilistische Methoden fr der atomrechtlichen Schadenvorsorge, 1986, p. 217 e segs. 19 Vide J. CAMERON/W. WADE-GERY/ J. ABOUCHAN, Precautionary Principle and Future generations in E. AGIUS/S. BASUTTI (org.), Future Generations and International Law, 1998, p. 93 e segs. 20 Cfr. M. TALLACHIM, Ambiente e diritto della scienza incerta, in S. GRASSI/ M. CECCHETTI/ A. ANDRONIO (org.), Ambiente e Diritto, I, Firenze, 1999, p. 58 e segs. Tkhne, 2010, Vol VIII, n13 Jos Joaquim Gomes Canotilho 18
ota Curricular Jos Joaquim Gomes Canotilho, conhecido jurista professor catedrtico da Faculdade de Direito da universidade de Coimbra. um dos maiores especialistas portugueses em Direito constitucional. Tem exercido funes docentes em conhecidas Universidades portuguesas e estrangeiras. Recebei em 2003 o prestigiante prmio Fernando pessoa e foi condecorado com a Comenda da Ordem da Liberdade em 2004. Entre as suas obras destaque-se Direito Constitucional e Teoria da Constituio editado pela Almedina que em 2008 estava j na 7. Edio.
Mulheres, Política e Direitos Políticos: Atualizada de acordo com a EC 117/22 (aplicação de recursos do fundo partidário na promoção e difusão da participação política das mulheres) e Leis n. 14.192/2021 e