O documento discute as regras sobre o acesso ao prontuário médico de pacientes falecidos. De acordo com a legislação e regulamentos, o prontuário contém informações protegidas por sigilo médico. Apesar do interesse dos familiares, médicos e hospitais não podem fornecer diretamente o prontuário, devendo fazê-lo apenas por ordem judicial, para preservar a privacidade do paciente mesmo após a morte.
O documento discute as regras sobre o acesso ao prontuário médico de pacientes falecidos. De acordo com a legislação e regulamentos, o prontuário contém informações protegidas por sigilo médico. Apesar do interesse dos familiares, médicos e hospitais não podem fornecer diretamente o prontuário, devendo fazê-lo apenas por ordem judicial, para preservar a privacidade do paciente mesmo após a morte.
O documento discute as regras sobre o acesso ao prontuário médico de pacientes falecidos. De acordo com a legislação e regulamentos, o prontuário contém informações protegidas por sigilo médico. Apesar do interesse dos familiares, médicos e hospitais não podem fornecer diretamente o prontuário, devendo fazê-lo apenas por ordem judicial, para preservar a privacidade do paciente mesmo após a morte.
Em hospitais, clnicas, consultrios e outros estabelecimentos de sade obrigatria a manuteno de registros dos dados mdicos dos pacientes, contendo os descritivos de consultas, resultados de exames, prescries e diagnsticos mdicos em suma, o pronturio mdico. O registro dessas informaes vital no apenas para a correta execuo do atendimento, mas tambm para situaes futuras, quando os dados ali contidos foram teis ou necessrios em novos tratamentos, ou em outras situaes como, por exemplo, o requerimento pelo paciente de afastamento do trabalho por doena ocupacional. Ainda que o documento fsico em si fique sob a guarda do mdico ou do hospital, evidente que as informaes contidas no pronturio mdico pertencem ao paciente. Assim, tambm evidente que o paciente dever ter sempre acesso total a seu prprio pronturio (com a notvel exceo de quando tal acesso puder ocasionar risco ao prprio paciente, nos termos do art. 88 do Cdigo de tica Mdica). Todavia, uma situao corriqueiramente enfrentada pelos profissionais e estabelecimentos de sade quando o pedido de acesso ao pronturio mdico no feito pelo prprio paciente, mas por seus familiares. o que acontece, por exemplo, quando o paciente falecido e seus familiares precisam do pronturio para pleitear os benefcios da previdncia social ou de eventual seguro de vida. Ainda que primeira vista tais situaes possam parecer de simples e direta resoluo, importante apontar que a matria bem mais complexa do que parece. Assim, tem a presente nota o intuito de analisar a legislao e os regulamentos aplicveis matria, para o fim de orientar
1 Advogado em Curitiba e Mestrando em Direito do Estado pela UFPR Universidade Federal do Paran. profissionais e estabelecimentos de sade quanto a pedidos de acesso ao pronturio mdico de paciente j falecido. Em primeiro lugar, lembra-se que o pronturio mdico um documento revestido de sigilo profissional no caso, sigilo mdico. No se est aqui a falar da proteo da intimidade do prprio profissional mdico,mas sim da proteo da intimidade da pessoa (paciente) que precisou revelar algum segredo de sua esfera confidencial ao mdico 2 . Ante tal natureza, os detentores do pronturio, sejam eles pessoas fsicas (mdicos e enfermeiros) ou jurdicas (clnicas e hospitais), esto submetidos a rigorosa legislao e regulamentao especfica. O Cdigo de tica Mdica, ao tratar dos documentos mdicos (Captulo X do Cdigo), veda expressamente o acesso ao pronturio mdico por terceiros:
vedado ao mdico: (...) Art. 89. Liberar cpias do pronturio sob sua guarda, salvo quando autorizado, por escrito, pelo paciente, para atender ordem judicial ou para a sua prpria defesa.
O Cdigo de tica dos Profissionais de Enfermagem traz vedao similar:
PROIBIES
Art. 84 - Franquear o acesso a informaes e documentos para pessoas que no esto diretamente envolvidas na prestao da assistncia, exceto nos casos previstos na legislao vigente ou por ordem judicial.
No se trata de simples regulamentao administrativa. A violao do sigilo mdico, alm de acarretar as penalidades previstas nos respectivos Cdigos de tica, tambm tipificada como crime em nosso ordenamento jurdico. O Cdigo Penal claro:
2 No mesmo contexto, embora talvez no com a mesma proteo jurdica, incluem-se profissionais como advogados, psiquiatras e at mesmo padres.
Violao do segredo profissional
Art. 154 - Revelar algum, sem justa causa, segredo, de que tem cincia em razo de funo, ministrio, ofcio ou profisso, e cuja revelao possa produzir dano a outrem:
Pena - deteno, de trs meses a um ano, ou multa.
Importante esclarecer que o fato de ser parente do paciente falecido no justifica, por si s, o acesso documentao, por duas razes. A primeira que no se pode usar o parentesco, ainda que prximo, como presuno de afinidade de vontades. Muitas vezes, acaba acontecendo exatamente o oposto. o caso, por exemplo, de paciente acometido por alguma molstia cujo conhecimento, por razes pessoais, deseja manter longe de seus familiares, mesmo aps sua morte. Ou o caso em que o pronturio mdico possa revelar que determinado filho, embora publicamente reconhecido como tal, no seria filho biolgico do falecido e que tal revelao no fosse do desejo do paciente 3 . Ou, ainda, quando a divulgao do pronturio possa evitar casamento de portador de defeito fsico irremedivel ou molstia grave e transmissvel por contgio ou herana, capaz de por em risco a sade do futuro cnjuge ou de sua descendncia, casos suscetveis de motivar anulao de casamento 4 . E justamente com base nessas possibilidades que e a est a segunda razo o prprio Conselho Federal de Medicina, bem como outros rgos regulamentadores, j emitiram diversos pareceres e resolues, aos quais os mdicos e hospitais esto necessariamente vinculados, por dever de
3 Neste ltimo caso, haver um evidente conflito de interesses entre o direito do paciente falecido e o direito do filho a conhecer seu passado biolgico, talvez justamente por razes mdicas. Todavia, como ser discutido adiante, no cabe ao mdico ou ao hospital resolver este conflito. Basta, pelo momento, saber que a simples condio de filho ou outro parente prximo, por si s, no justifica o acesso ao pronturio. 4 Situaes nas quais o mdico dever primeiro tentar esgotar outras vias que no envolvam a divulgao do pronturio mdico em si, como por exemplo mediante elaborao de laudo mdico especfico para aquele fim. profisso, vedando a entrega de pronturio mdico mesmo aos parentes do paciente. Citam-se a seguir apenas algumas dessas regulamentaes (sem grifos nos originais):
Parecer n 6/10 do Conselho Federal de Medicina CFM
EMENTA: O pronturio mdico de paciente falecido no deve ser liberado diretamente aos parentes do de cujus, sucessores ou no. O direito ao sigilo, garantido por lei ao paciente vivo, tem efeitos projetados para alm da morte. A liberao do pronturio s deve ocorrer ante deciso judicial ou requisio do CFM ou de CRM. (...) Conclui-se, dessa forma, que em hiptese alguma deve o hospital ou o mdico liberar o pronturio do paciente falecido a quem quer que seja somente pelo fato do requerente ser um parente do de cujus. O parentesco, por si s, no configura a justa causa a que se refere o artigo 102 do Cdigo de tica Mdica. Deve-se considerar que, na verdade, em muitas vezes as pessoas que os pacientes menos desejam que saibam de suas intimidades so exatamente os parentes.
Parecer n 21/2001 do Conselho Regional de Medicina do Estado do Cear CREMEC
EMENTA- O sigilo deve ser preservado, mesmo aps a morte do paciente. A quebra por deciso judicial torna justa a causa. (...) Desta feita, surge o conflito, o hospital na condio de guardio do pronturio mdico, na dvida sobre o verdadeiro interesse dos solicitantes imbudos de um propsito talvez honesto e justo ou no. Nesta condio, a melhor sada para o hospital seria que entregasse as cpias do pronturio apenas por fora de deciso judicial, resguardando-se de possvel complicao por revelao do segredo mdico.
RESOLUO CFM n 1997/2012
CONSIDERANDO que o perito judicial, tambm sujeito ao sigilo profissional, atender s partes e ao Juzo, sem que haja a necessidade de que qualquer outra pessoa, at mesmo os familiares do falecido, tenha acesso pleno ao pronturio mdico;
Por fim, mas no menos importante, o prprio Cdigo de Processo Civil trata da questo do sigilo profissional:
Art. 363. A parte e o terceiro se escusam de exibir, em juzo, o documento ou a coisa: (...) IV - se a exibio acarretar a divulgao de fatos, a cujo respeito, por estado ou profisso, devam guardar segredo;
Portanto, ainda que o mdico ou hospital tenham interesse em colaborar com os familiares, esto proibidos, por fora da legislao e regulamentao citadas, de atender diretamente ao pedido de entrega do pronturio, sob pena de sofrerem sanes administrativas, cveis e at mesmo criminais. Isso significa dizer que os familiares no podem ter acesso ao pronturio mdico do falecido? evidente que podem. H uma srie de situaes nas quais o acesso ao pronturio seja de total interesse da famlia e esteja plenamente justificado. Cita-se como exemplo quando o contedo do pronturio possa ajudar no tratamento mdico de outro membro da famlia, em caso de patologias nas quais a gentica possa ser um fator relevante. Ou ainda, quando a famlia suspeita que possa ter havido erro do mdico ou do hospital no tratamento e precisa do pronturio como elemento de prova a fim de fundamentar eventual ao de indenizao. Todavia, e a est o ponto central da questo, no cabe ao mdico ou hospital decidir se a situao concreta justifica o acesso ao pronturio. Estes esto, como regra, proibidos de entregar o pronturio. Pergunta-se ento: sendo a causa justa, como fazer para que a famlia possa ter acesso ao documento? Na verdade, a pergunta que se deve fazer ainda anterior: se o mdico ou o hospital no podem decidir se a situao concreta justifica o acesso ao pronturio, quem pode? A resposta est no prprio Cdigo de tica Mdica e nas resolues e pareceres anteriormente discutidos. Havendo necessidade de acesso ao pronturio mdico de paciente falecido, devem os interessados encaminhar solicitao administrativa ao Conselho Federal de Medicina ou Conselho Regional de Medicina, mediante pedido expresso e justificado. A justificativa ser ento apreciada pelo CFM ou CRM, que emitir parecer autorizando ou no o acesso ao pronturio. Este o exato entendimento do Conselho Federal de Medicina, como se depreende da Resoluo n 1.605/2000:
RESOLUO CFM n 1.605/2000
Art. 6 - O mdico dever fornecer cpia da ficha ou do pronturio mdico desde que solicitado pelo paciente ou requisitado pelos Conselhos Federal ou Regional de Medicina.
Alternativamente, a autorizao tambm poder ser requerida pela via judicial, mediante ao prpria via de regra, uma Medida Cautelar de Exibio de Documentos. Note-se que tambm neste caso o pedido dever estar justificado, e caber ao magistrado decidir se a mesma ou no suficiente para permitir acesso ao pronturio. Uma vez que a permisso tenha sido dada, seja pelos rgos de classe (CRM/CFM), seja pelo Poder Judicirio, o mdico ou hospital estaro ento devidamente autorizados a liberar o acesso ao pronturio. Na verdade, esto mais do que autorizados, esto obrigados, posto que com a competente autorizao no podero se escusar de apresentar o pronturio. Todavia, isso no esgota a questo. Ainda que a autorizao tenha sido obtida, o pronturio mdico no poder ser entregue diretamente aos familiares. Isso porque, a autorizao (do CRM/CFN ou do juiz) no tem o condo de alterar o fato de que ainda se trata de documento mdico, portanto ainda revestido de sigilo mdico. O pronturio mdico s poder ser divulgado a outro profissional igualmente coberto pelo sigilo profissional em outras palavras, o pronturio s poder ser divulgado a outro mdico. Em caso de ao judicial, a mesma dever tramitar sob segredo de justia. oportuno salientar que este entendimento foi sufragado pelo Colendo Supremo Tribunal Federal (STF) ao julgar o pioneiro e paradigmtico Habeas Corpus n 39308/SP, j em 1962, cuja ementa a seguinte:
Segredo profissional. Constitui constrangimento ilegal a exigncia da revelao do sigilo e participao de anotaes constantes das clinicas e hospitais. Habeas corpus concedido (STF, Pleno, HC 39308/SP, Rel. Min. Pedro Chaves, Julgamento: 19/09/1962).
Surge ento um aparente impasse: de um lado, h uma autorizao expressa do CRM ou CFM ou at mesmo uma ordem judicial que obriga o mdico ou hospital a liberar acesso ao pronturio; de outro, referida documentao continua revestida de sigilo mdico, e nem o juiz nem os familiares so mdicos (ao menos no em princpio). A soluo para esse aparente impasse simples: basta que o pronturio mdico seja entregue a outro mdico. Assim, a melhor prtica recomenda que, quando do requerimento (ao CRM, CFM ou Poder Judicirio), os interessados tambm indiquem desde logo um profissional mdico de sua confiana a quem o pronturio ser encaminhado uma vez obtida a autorizao. No caso especfico de autorizao ou ordem judicial, caso os familiares no tenham indicado este profissional, recomenda-se que o prprio juiz designe um perito mdico. Quando possvel, recomenda-se que mdicos e hospitais orientem os familiares no apenas a encaminhar o pedido de autorizao aos rgos competentes 5 , mas tambm a incluir no pedido, alm da justificativa, a indicao do profissional mdico a quem o pronturio dever ser entregue. Evidentemente, tal soluo nem sempre possvel, sobretudo ante o fato de que normalmente familiares e at mesmo juzes costumam desconhecer os detalhes do sigilo mdico. A soluo acima exposta a soluo ideal, que muitas vezes no se concretiza. Na prtica, muito comum
5 A fim de evitar despesas adicionais com custas processuais e honorrios advocatcios, tanto para o mdico ou hospital quanto para os familiares, recomenda- se sempre a via administrativa ou, caso a opo seja efetivamente pela via judicial, que o processo seja ajuizado pelo Juizado Especial. que o mdico ou hospital receba uma ordem judicial determinando a liberao de pronturio sem que haja qualquer indicao de outro profissional mdico a quem a documentao deva ser entregue. Nessas circunstncias, recomenda-se que o mdico ou hospital atenda ordem judicial, at mesmo para evitar as consequncias de eventual descumprimento. Todavia, duas precaues devem ser tomadas. A primeira que, ao apresentar o pronturio medido, dever haver requerimento expresso para que o processo tramite sob segredo de justia, se j no for o caso. esse o entendimento do Conselho Federal de Medicina, como se depreende da Resoluo n 1.605/2000:
RESOLUO CFM n 1.605/2000
Art. 7 - Para sua defesa judicial, o mdico poder apresentar a ficha ou pronturio mdico autoridade competente, solicitando que a matria seja mantida em segredo de justia.
Por fim, recomenda-se vivamente que, ao fornecer o pronturio a um no mdico, o profissional ou hospital incluam a advertncia de que: a) o pronturio encontra-se protegido por sigilo mdico; b) a liberao est sendo feita em cumprimento ordem judicial; e c) o acesso ao pronturio sujeita o usurio legislao aplicvel, e seu uso inadequado implicar nas sanes legais cabveis, inclusive criminais. Tais precaues visam preservar o mdico ou o hospital ante eventuais tentativas de imposio de sano por violao do sigilo mdico. Como exposto, fica claro que no h necessidade de disputas entre mdicos e hospitais, de um lado, e familiares do paciente falecido, de outro. Seguidos os procedimentos adequados, fica preservado o direito dos familiares de acesso ao pronturio, ao mesmo tempo em que so respeitadas as disposies sobre sigilo mdico a que todos os mdicos e hospitais esto submetidos.
Referncias Bibliogrficas
CARAZO, Carmen Snchez. La intimidad y el secreto mdico. Madrid: Ediciones Daz de Santos, 2000. FRANA, Genival Veloso de. Comentrios ao Cdigo de Processo tico- Profissional dos Conselhos de Medicina do Brasil. Paraba: CRM-PB, 1997. GONALVES, Joo Lus Rodrigues. Segredo profissional. In Revista CEJ, V. 3 n. 7 jan./abr. 1999. KFOURI Neto, Miguel. Responsabilidade civil do mdico 6 ed. So Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2007. MELO, Gustavo Procpio Bandeira de. Sigilo mdico e publicidade do assento de bito: uma interpretao conforme a constituio. Disponvel no site da Associao Mdica Brasileira em <www.amb.com.br>. Acesso em Maio 2014.