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Observação de aulas: uma prática comum no tempo de Salazar

Texto de Anabela Magalhães

Aqui deixo, para consulta, um extracto do livro de João Barroso, onde


é dada a palavra aos reitores do Estado Novo, sobre o modelo
fascista de observação de aulas que foi posto em prática aquando da
ditadura, e que foi criticado pelas próprias pessoas que fazem parte
da engrenagem, que fazem parte do sistema implementado por
Salazar. Preocupa-me sobremaneira a recuperação e a repetição de
modelos já experimentados sem êxito. Preocupa-me que voltemos ao
mesmo, ainda para mais pela mão de um governo dito de socialista.
Preocupa-me a recuperação de modelos tentados e abandonados
devido às suas graves lacunas e fracassos a que conduziram.
A assistência às aulas constitui uma das atribuições expressas do
reitor e vice-reitor previstas no artigo 18, alínea r) e artigo 20 , alínea
d) do Estatuto de 1947, bem como do director de ciclo, na nova
versão do artigo 23 do Estatuto de 1947, aprovada pelo decreto 38
812 de 2 de Julho de 1952. Enquanto que no caso do reitor e vice-
reitor a formulação legal estabelecia que deviam "assistir com
frequência a aulas e sessões, bem como aos restantes trabalhos
escolares, intervindo neles se necessário for", no caso do director do
ciclo definia-se que ele devia "assistir frequentemente às aulas do
ciclo, de forma a verificar a disciplina académica, o método seguido
nas lições e a maneira como são cumpridas as instruções superiores."

Apesar da insistência da legislação nesta modalidade de coordenação


baseada no controlo pessoal das "autoridades escolares" (relatório do
Liceu de Braga, 1951-52), ela é objecto de alguma controvérsia e
mesmo crítica, por parte de vários reitores e directores de ciclo. (...)

A referência dos reitores às visitas às aulas era feita, nos relatórios,


de três modos diferentes (...):

- De uma maneira vaga, assinalando só que a medida foi cumprida:


"O reitor e o vice-reitor assistiram a aulas ou sessões quando lhes
deixaram tempo livre as suas demais obrigações lectivas e
administrativas". (Relatório do Liceu D. João de Castro, Lisboa, 1949-
50).

- Contabilizando com pormenor o número de aulas assistidas: "Os


directores de ciclo, como é fácil verificar pelos relatórios que
escreveram e pelo que o reitor observou, esforçaram-se sempre por
coordenar o ensino dentro de cada ciclo, por meio de visita a aulas,
por meio do exame dos livros de ponto e dos cadernos diários e por
meio, principalmente, dos conselhos de ciclo. O director do 1º ciclo
fez 20 visitas a aulas e sessões; o director do 2º ciclo, 24 visitas; e o
reitor 53 visitas." (Relatório do Liceu de Viana do Castelo, 1937-38).
- De maneira crítica: "Esse sistema das visitas às aulas, embora
cumprido por ser regulamentar, é sempre feito com desprazer por
quem tem de o realizar." (Relatório do Liceu Infanta Dona Maria,
Coimbra, 1940-41). (...)

Outro elemento importante a reter da análise dos relatórios sobre a


coordenação do ensino é a preferência que é dada pelos reitores em
geral aos processos informais baseados nas trocas de impressões
entre os professores, em particular nos intervalos das aulas. Esta
modalidade que não era, como se compreende, prevista na
legislação, é, em alguns casos, contraposta às visitas a aulas, como
forma mais expedita para realizar o mesmo fim.

Dois exemplos (entre outros) ilustram claramente esta posição:

- "As visitas às aulas, em que se fundaram tantas esperanças e sobre


as quais se construíram alguns castelos de fantasia, mais não são
que uma mera ilusão como a experiência tem demonstrado, e a
pouco ou nada de proveitoso tem conduzido; fazem-se as visitas,
mas reconhece-se que melhores resultados se obtêm da troca diária,
hora a hora, de impressões, em conversa, entre professores do
mesmo ano, ou do reitor, ou do director de ciclo com eles." (Relatório
do Liceu de Santarém, 1942-43).

- Ou, como afirma o reitor do Liceu de Leiria:

"Porém os factores mais salientes que têm tornado, neste liceu, a


coordenação do ensino mais perfeita adentro de cada ano e ciclo, são
a concentração quase sempre mantida em cada um deles e o
contacto permanente dos professores entre si, durante os intervalos
das aulas, nos quais, muitas vezes, os problemas de pedagogia e
didáctica, ou ainda o aproveitamento dos alunos, são o principal
assunto de conversa." (Relatório do Liceu de Leiria, 1940-41). (...)»

João Barroso, Os Liceus, Organização Pedagógica e Administração


(1836-1960), I volume, Fundação Calouste Gulbenkian, Junta
Nacional de Investigação Científica e Tecnológi

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