O complexo de Édipo é um conceito central para a psicanálise, pois alicerça a psicopatologia na medida em que desempenha
um papel primordial na constituição psíquica do ser humano e na orientação do seu desejo. No caso da menina, Freud acentuou
a importância do período pré-edípico; que funcionará como protótipo pelo qual serão estabelecidas as futuras relações,
incluindo as relações com seus filhos. Buscou-se articular, pela descrição de um estudo de caso de uma primigesta, a atualização
do complexo de Édipo desde a descoberta da gestação. As falas dessa mãe permitiram pensar no processo de falicização de um
filho a partir da equação simbólica freudiana falo-bebê. Sugere-se que a suposição de um lugar fálico para o bebê ocorreu pelos
movimentos transitivistas maternos a partir das decodificações daquilo que o bebê lhe dá a ver.
O complexo de Édipo é um conceito central para a psicanálise, pois alicerça a psicopatologia na medida em que desempenha
um papel primordial na constituição psíquica do ser humano e na orientação do seu desejo. No caso da menina, Freud acentuou
a importância do período pré-edípico; que funcionará como protótipo pelo qual serão estabelecidas as futuras relações,
incluindo as relações com seus filhos. Buscou-se articular, pela descrição de um estudo de caso de uma primigesta, a atualização
do complexo de Édipo desde a descoberta da gestação. As falas dessa mãe permitiram pensar no processo de falicização de um
filho a partir da equação simbólica freudiana falo-bebê. Sugere-se que a suposição de um lugar fálico para o bebê ocorreu pelos
movimentos transitivistas maternos a partir das decodificações daquilo que o bebê lhe dá a ver.
O complexo de Édipo é um conceito central para a psicanálise, pois alicerça a psicopatologia na medida em que desempenha
um papel primordial na constituição psíquica do ser humano e na orientação do seu desejo. No caso da menina, Freud acentuou
a importância do período pré-edípico; que funcionará como protótipo pelo qual serão estabelecidas as futuras relações,
incluindo as relações com seus filhos. Buscou-se articular, pela descrição de um estudo de caso de uma primigesta, a atualização
do complexo de Édipo desde a descoberta da gestação. As falas dessa mãe permitiram pensar no processo de falicização de um
filho a partir da equação simbólica freudiana falo-bebê. Sugere-se que a suposição de um lugar fálico para o bebê ocorreu pelos
movimentos transitivistas maternos a partir das decodificações daquilo que o bebê lhe dá a ver.
Estudos de PsicologiaI Campinas I 30(2) I 239-248 I abril - junho 2013
1 11 11 Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Instituto de Psicologia, Departamento de Psicanlise e Psicopatologia. R. Ramiro Barcellos, 2600, Santa Ceclia, 90035-003, Porto Alegre, RS, Brasil. Correspondncia para/Correspondence to: A. G. FERRARI. E-mail: <ferrari.ag@hotmail.com>. 2 22 22 Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Curso de Ps-Graduao em Psicologia do Desenvolvimento. Porto Alegre, RS, Brasil. Artigo elaborado a partir da tese de doutorado de A. G. FERRARI, intitulada Tornar-se me: a constituio da maternidade da gestao ao primeiro ano de vida do beb. Universidade Federal do Rio Grande do Sul, 2003.
Atualizao do Complexo de dipo na relao com o beb: evidncias a partir de um estudo de caso The update of the Oedipus Complex in the relationship with the baby: Evidence from a case study Andrea Gabriela FERRARI 1 Cesar Augusto PICCININI 2 Rita de Cssia Sobreira LOPES 2 Resumo O complexo de dipo um conceito central para a psicanlise, pois alicera a psicopatologia na medida em que desempenha um papel primordial na constituio psquica do ser humano e na orientao do seu desejo. No caso da menina, Freud acentuou a importncia do perodo pr-edpico; que funcionar como prottipo pelo qual sero estabelecidas as futuras relaes, incluindo as relaes com seus filhos. Buscou-se articular, pela descrio de um estudo de caso de uma primigesta, a atualizao do complexo de dipo desde a descoberta da gestao. As falas dessa me permitiram pensar no processo de falicizao de um filho a partir da equao simblica freudiana falo-beb. Sugere-se que a suposio de um lugar flico para o beb ocorreu pelos movimentos transitivistas maternos a partir das decodificaes daquilo que o beb lhe d a ver. Unitermos: Complexo de dipo; Constituio subjetiva; Maternidade. Abstract The Oedipus Complex is a central concept in psychoanalytic theory, which is at the core of psychopathology, as it has a primary role in the human beings psychic constitution and in the direction of his desire. As far as girls are concerned, Freud stressed the importance of the preoedipal period which would be the prototype for future relationships, including mother-child relationships. Through a case study of a primiparous woman, we aim to illustrate the Oedipus Complexs actualization from when the pregnancy was discovered. This allowed us to think of the phallicization of a child through Freuds symbolic equation phallus-baby. We base our discussion on the supposition of a phallic place for the baby through transitivist maternal movements when the mother translates that which the baby allows her to see. Uniterms: Oedipus complex; Subjective constitution; Motherhood. 240 240 240 240 240 A . G .
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a l . Estudos de Psicologia I Campinas I 30(2) I 239-248 I abril - junho 2013 O complexo de dipo o conceito central para a psicanlise, pois alicera a psicopatologia na medida em que desempenha um papel primordial na cons- tituio psquica do ser humano e na orientao do seu desejo. Laplanche e Pontalis (2001) definem o complexo de dipo como um construto que ... designa uma estrutura fundamental das relaes interpessoais e o modo como a pessoa encontra a o seu lugar e se apropria dele (p.116). um conjunto organizado de sen- timentos amorosos e hostis que a criana experimenta em relao a seus pais. Freud elabora, ao longo dos seus escritos, trs entendimentos a respeito do complexo de dipo. O primeiro deles refere-se a uma equivalncia do complexo de dipo na menina e no menino (Freud, 1900/1990); a segunda elaborao amarra o conceito de identificao ao complexo de dipo e importncia desses processos na constituio do eu e do supereu (Freud, 1923/1990); um terceiro entendimento diz respeito diferena entre o complexo de dipo feminino e o masculino, evidenciado quando da descoberta do complexo de castrao (Freud, 1925/1990) e ampla- mente trabalhado nos artigos sobre a sexualidade feminina (Freud, 1931/1990, 1932/1990a). Nesse sentido, o complexo de dipo refere-se s relaes que a criana estabelece com as figuras parentais, as quais sero as responsveis pela constituio de uma rede de repre- sentaes inconscientes e de afetos. O complexo de dipo ocorre de forma diferente no menino e na menina. Na teoria freudiana, essa dife- renciao foi evidenciada tarde e parece no ter sido suficientemente esclarecida pelo autor. Somente em 1931, Freud tenta trabalhar essas diferenas entre me- ninos e meninas, que vinham sendo elaboradas desde o momento em que o complexo de castrao fora colocado como fator fundamental para a estruturao do complexo de dipo. O complexo de castrao (Freud, 1925/1990) refere-se fantasia de castrao que a criana elabora em uma tentativa de responder pela diferena ana- tmica entre os sexos. At determinada poca do desen- volvimento sexual da criana, tanto meninos como meninas acreditam possuir pnis. Com a constatao de que existem seres com e sem pnis, meninos e meninas respondem de maneira diferente. O menino sai do complexo de dipo devido ao medo da castrao, e a menina, ao contrrio, entra no complexo de dipo quando se depara com a diferena sexual. Ou seja, o menino submete-se lei da interdio do incesto sob a ameaa da castrao, pelo interesse narcisista por seus genitais (Freud, 1925/1990). Para a menina, a situao mais complicada, j que, alm de ter que se resignar pelo fato de no ter pnis, precisa mudar seu objeto de amor da me para o pai (Freud, 1931/1990). Nesse sentido, o autor no v, como ocorre com o menino, um fato crucial que retire a menina da situao edipiana, mas acentua o valor da relao pr-edipiana da menina com a me, chegando a dizer que o complexo de dipo, na menina, um processo secundrio (Freud, 1931/1990). Por esse motivo, prope que se chame de complexo de dipo os vnculos das crianas com ambos os pais e no somente com aquele que objeto de amor. Um dos fatos que faz com que Freud (1931/1990) perceba a importncia da relao entre a menina e a me deve-se ao tipo de relacionamento que a menina edipiana apresenta com o pai , na maioria das vezes, vivenciado com a mesma intensidade daquele apre- sentado na relao com sua me no perodo anterior. Um dos exemplos que o autor traz a respeito da im- portncia da ligao da menina com a me refere-se ao fato de que, frequentemente, a mulher escolhe um marido para se casar seguindo o modelo do pai, para repetir o tipo de relacionamento que teve com a me. Assim, percebe-se como o autor passa a evidenciar, de forma bastante intensa, o aspecto fundamental do relacionamento da menina com a me. Esse fato faz com que se pergunte sobre o porqu de a menina afastar-se da me. E aqui entra em cena umas das ques- tes mais criticadas da psicanlise, principalmente pelas teorias feministas. O motivo que a menina levaria em conta para se separar da me seria o fato de ela no lhe ter oferecido o pnis que ela agora tanto deseja, na tentativa de igualar-se ao menino (Freud, 1925/1990; 1931/1990). Assim, para Freud (1931/1990), a menina tem que lidar com uma castrao consumada, que faz com que se afaste da me e se volte para o pai. A diferena que Freud (1925/1990;1931/1990) pde pensar sobre o complexo de dipo entre meninos e meninas diz respeito diferena anatmica dos genitais, que faz com que nela se amarrem situaes psquicas diferenciadas. Ento a repercusso do complexo de castrao que estabelece uma diferenciao fundamental entre os sexos: pela ameaa de castrao, o menino sai da 241 241 241 241 241 C O M P L E X O
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situao edipiana e, no caso da menina, entra na situao edipiana por perceber-se castrada, faltando um motivo claro para que a menina possa sepultar o complexo de dipo, como ocorreu com o menino (Freud, 1931/1990). O reconhecimento da castrao gera, na meni- na, uma revolta, e disso decorrem trs orientaes possveis para sua sexualidade: a) Inibio sexual pela renncia ao fazer flico acarretado pelo desconten- tamento quando da percepo do rgo sexual mas- culino; b) Complexo de masculinidade, no qual persiste a esperana de possuir pnis; e c) Esboo de uma feminilidade definitiva, pois consegue tomar o pai como objeto, encontrando, ento, a forma feminina do com- plexo de dipo. A terceira orientao possvel para a sexualidade da menina, de alguma forma, tem que estar referendada pela me: ... o endosso de ligaes afetivas do objeto-me ao objeto-pai constitui o contedo principal que leva at a feminilidade (Freud, 1931/1990, p.232). O desejo com que a menina se volta para o pai , sem dvida, originariamente o desejo do pnis que a me lhe negou e que agora espera do pai. Mesmo assim, a situao feminina somente se estabelece quando o desejo de pnis se substitui pelo desejo do filho e, ento, seguindo uma antiga equivalncia simblica, o filho aparece no lugar do pnis... . Com a transferncia do desejo filho-pnis ao pai, a menina ingressou na situao do complexo de dipo (Freud, 1932/1990a, p.119). Em contraposio ao anatomismo freudiano a respeito do pnis, Kehl (2008) aponta para a indiscri- minao, nos textos de Freud, a respeito da dimenso imaginria e simblica do falo. Para a autora, os escritos freudianos a respeito da mulher sempre a deixam atre- lada ao fato de ser ela a portadora de uma evidncia imaginria da falta, sendo que os efeitos posteriores da castrao encontram-se amarrados aos limites cor- porais. Roudinesco (2003) refere que a feminilidade em Freud est atrelada maternidade. Por outro lado, Kehl (2008) aponta para o fato de, havendo uma possibilidade - colocada por Freud -, de uma equao simblica para pnis-beb-seio-fezes-falo, logo, o pnis algo simbolizvel, ou seja, que no est necessariamente colocado em um objeto determinado. Esses objetos, para a autora, so prolongamentos do corpo aos quais a criana pode atribuir estatutos flicos, j que parecem obturar a falta no corpo da me. As possibilidades de deslocamentos dos objetos flicos, esboados na teoria de Freud (1932/1990b) pela noo de equao simblica, foram restitudas por Lacan (1957/1995; 1958/1999) mediante o conceito de falo (Bleichmar, 1988), possibilitando uma releitura do complexo de dipo um pouco mais desvinculada do destino anatmico. Lacan (1958/1999) amplia o conceito de complexo de dipo, j que o mesmo passa a ser entendido como aquilo que acontece em uma situao na qual a criana se inclui, sendo que um personagem da situao edipiana se constitui em relao ao outro. Nesse sentido, o complexo de dipo uma descrio de uma estrutura intersubjetiva, um personagem defi- nido em funo do outro. O conceito de falo toma importncia, j que este ser o elemento organizador e aquele que determinar o lugar de cada um dos perso- nagens da situao edipiana. Lacan (1957/1995;1958/1999) teoriza a respeito do complexo de dipo em trs tempos, de acordo com o lugar que o falo ocupar na estrutura familiar: Primeiro tempo: a criana deseja ser tudo para a me; o desejo da criana ser objeto do desejo do Outro (me); identifica-se com o que objeto do desejo da me. Esta uma relao dual, na qual os dois per- sonagens esto presos pela mesma iluso de com- pletude. Para agradar me, necessrio e suficiente ser o falo. Segundo tempo: o pai aparece como aquele que priva a me do objeto flico e aquele que priva a criana de ser o objeto que completa a me. H um reconhe- cimento, por parte da criana, que algo falta sua me, reconhecendo a castrao materna (Assoun, 1993). Se for o pai que detm o falo, ele que completa a me. Nesse segundo tempo, o pai intervm como aquele que priva a me do beb, possibilitando desamarr-lo da identificao de ser o objeto do desejo materno (a criana deixa de ser o falo da me para voltar-se para ter o falo). Apesar dessa resoluo, a criana fica enlaada nesse outro objeto (o pai), que tem aquilo que a me deseja (o falo); a criana se submete lei paterna. Terceiro tempo: aqui que ocorre a sada do complexo de dipo. Lacan refere que o menino se identifica com o pai porque a me vai buscar ali o que ela deseja. O pai realmente possui o falo (j que a ele que a me dirige o seu desejo). Constitui-se o ideal-do- -eu, aquilo que o menino vai pretender alcanar dali para frente. O pai interiorizado como ideal-do-eu. A menina, por sua vez, tambm sabe que tem que ir buscar 242 242 242 242 242 A . G .
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a l . Estudos de Psicologia I Campinas I 30(2) I 239-248 I abril - junho 2013 o falo do lado do pai, que ele no se encontra do lado da me. Percebendo que o pai, apesar de possuir o falo, tambm est submetido a uma ordem maior, d-se conta que ele tambm no o possui de fato. A menina identifica-se, ento, com o lugar feminino, fazendo-se objeto de desejo. Mas esses movimentos subjetivos, tanto do menino quanto da menina, somente so possveis pela noo de que o pai tambm no aquele que tudo pode; a ele tambm est reservada uma certa submisso a uma outra ordem que est alm dos personagens que sofrem esse drama. Isto d, tambm, a possibilidade de ir buscar alm da famlia aquilo que se deseja. A criana entra, ento, na latncia, perodo no qual adquire valores culturais. No final das contas, o que parece importar no complexo de dipo como as crianas, meninos e me- ninas, respondero castrao materna e, consequen- temente, sua castrao (Assoun, 1993; Millot, 1992). Nessas respostas, a anatomia dos sexos ainda est im- plicada (Tisseron, 2002). Tisseron prope que meninas e meninos tm que dar conta da submisso aos cuidados maternos nos quais se encontram: ... a angstia de uma me constrangedora e invasora, que seria um certo tipo de proprietria do corpo da criana, partilhada por todos os seres humanos, qualquer que seja seu sexo ... . Porm, esta angstia comum gerada diferentemente em funo do sexo anatmico. Diante dessa ameaa, o menino levado a investir um rgo exterior a seu corpo, a saber, seu pnis, como uma maneira de tentar escapar desse domnio maternal que ele vive como uma ameaa para a sua identidade ... . A menina no tem essa sorte, e por isso ela inveja o pnis do menino. Mas ela no o inveja seno na medida da maneira na qual ela o idealizou como meio de escapar ao domnio materno. Ela ser obrigada, para escapar a esse domnio, a investir um homem de seu meio em relao ao qual a me parece aprovar os sentimentos ternos a fim de entrar em uma rivalidade diante dessa me para poder assim assegurar uma iden- tidade distinta dela (Tisseron, 2002, p.66). O autor afirma que, para a menina, a nica pos- sibilidade de fugir submisso materna, em um primeiro momento, a partir de uma disputa com a me pelo mesmo homem que a me deseja. Dessa forma, pode-se pensar que o destino anatmico, to criticado principalmente pelas teorias feministas, no pode ser de todo desvinculado das questes edipianas e do acesso feminilidade e masculinidade, visto que est intimamente vinculado s possibilidades de identificao que permitem o rema- nejamento das posies intersubjetivas necessrias para a desvinculao imaginria da criana em relao ao objeto flico. Nesse sentido, talvez a questo no seja, necessariamente, o fato de possuir ou no o pnis, mas, para sair do lugar de objeto flico para a me, faz-se necessria a objetalizao em um outro sujeito que permita o acesso a outras formas de ser. Assim, pode-se pensar na ideia freudiana (Freud, 1921/1990) de que a identificao estaria relacionada com ser o objeto e a escolha objetal com ter o objeto. Esse processo se d, dentro da perspectiva lacaniana, no segundo tempo do complexo de dipo, no qual a criana, percebendo no ser o objeto que completa a me, passa a querer ter esse objeto para reencontrar a completude (narcsica) per- dida (Lacan, 1957/1995). No caso especfico da menina, o reencontro com a completude perdida dar-se- no momento em que ela possa repetir (no futuro) a situao vivenciada na primeira infncia, quando fazia uma unidade com sua me, em uma mudana de posio (ela no lugar da me e o beb no seu lugar). Quando uma mulher se descobre grvida, atuali- za, na relao com o beb, os processos que a cons- tituram como sujeito. Nesse sentido, as questes edipianas que a marcaram quando beb lhe daro as pistas necessrias para, quando da sua gravidez e do nascimento do filho, encene as marcas da sua histria na relao com a criana. O caso a ser discutido ilustra como, a partir dos investimentos libidinais maternos, o beb vai se tornando objeto de desejo privilegiado, passando a ocupar o lugar de falo materno. Momento constitutivo necessrio para que o beb possa trans- formar seu organismo em corpo ergeno a partir do investimento narcseo materno (Ferrari, Piccinini & Lopes, 2006), introduzindo esse novo sujeito em um mito familiar constitudo na pr-histria do beb, mas tambm por ele modificado quando de seu nascimento (Ferrari & Piccinini, 2010). A atualizao do complexo de dipo na relao com o beb O caso que se prope analisar o de Diana 3 , uma mulher de 27 anos, grvida pela primeira vez. Como 3 33 33 Todos os dados de identificao do caso foram modificados. A pesquisa foi aprovada pelo Comit de tica da UFRGS (Proc. 98/293).
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as demais participantes do estudo, Diana foi entrevistada trs vezes desde a gestao at o final do primeiro ano de vida da criana. A primeira autora do estudo foi quem acompanhou Diana ao longo desse perodo. Diana morava com os pais e namorava o pai do beb, a quem foi atribudo o nome fictcio Antnio para a realizao do estudo, fazia alguns anos. A gravidez ocorreu em um reencontro entre ela e Antnio, quando estavam separados. Diana relata que as separaes eram frequentes pela falta de pacincia que tinha com ele por ele ser muito parado. Apesar das brigas, conside- rava o relacionamento com Antnio estvel. Tinham planos de morar juntos quando o beb nascesse em uma casa que compraram em funo da gravidez. Diana trabalhava como vendedora e Antnio tinha uma segu- radora. Com o objetivo de analisar o complexo de dipo e a forma como o beb vai sendo colocado em um lugar privilegiado frente a seu desejo, sero tratados neste texto somente aqueles recortes que pareceram responder a essas questes. Diana relata que, quando ficou sabendo da gravidez, preocupou-se com a reao dos pais, pois, apesar de ser financeiramente independente, estava separada de Antnio. Conta que retomaram o rela- cionamento pela deciso dela de sair da casa dos pais. Uma associao interessante que aconteceu quando contou sobre a deciso de se mudar da casa dos pais foi o fato de ela ter feito certa confuso ao se referir a ela mesma como me, ou sua me. Relatando as ca- ractersticas da sua me - de ser invasiva e controladora -, contou que a relao das duas nunca foi tranquila, pois sempre brigaram muito. Em determinado momento a me comeou a querer mandar nela e nas coisas relacionadas gravidez, ento resolveu falar com Antnio e decidiram morar juntos, em uma tentativa de se preservar da invaso materna: ... com o passar do tempo, Antnio comeou a ficar mais perto de mim. Antnio o pai, comeou a ficar mais perto de mim, a gente voltou a namorar. Da comeou aquelas coisas de me, no eu, a minha me [grifo nosso], achar que o filho ia ser dela. Porque eu brigo muito com minha me, desde pequena. Mas ela comeou a se adonar um pouco do meu filho, e eu comecei a no gostar muito, ah, aqui vai ser o quarto, vai ser assim. Essas coisas que a gente quer fazer pro filho da gente, entendeu? Da eu resolvi que eu ia sair de casa. Da eu disse, - olha Antnio, se tu no quiser ir morar comigo tudo bem, no tem problema, mas eu no vou conseguir ter meu filho aqui dentro de casa, a minha me me mandando nas coisas, - agora tu d de mamar, agora tu faz aquilo, eu fico irritada, eu j fico estressada, porque eu sou bem bra- va tambm, n? Da ele - t tudo bem, ento a gente vai morar junto... . Nesse fragmento de discurso pode ser percebi- da a mudana da posio subjetiva de filha para me em uma dupla identificao. Em um primeiro momento, permitiu que a me se apropriasse das questes rela- cionadas ao neto. Em determinado momento, quando comeou a se sentir ameaada de perder o filho, con- vocou Antnio em uma tentativa de limitar as investidas de sua prpria me em relao ao seu filho. Colocava- -se, assim, a possibilidade de deixar o filho com a me (oferec-lo para a me) ou a possibilidade de Diana assumir o prprio filho, retornando o seu desejo para o pai da criana. A disputa pelo beb comeou a ser definida. Diana, convocando o pai do filho dela, per- mitiu-se iniciar o processo de separao da prpria me e tomar para si o beb - beb este que, de acordo com a teoria freudiana (Freud, 1931/1990; 1932/1990a), est no lugar do falo destitudo quando da vivncia da castrao. Uma temtica bastante trazida ao longo de todas as entrevistas foi sobre o trabalho e o dinheiro. Apesar da gravidez avanada, estava trabalhando com o mesmo nvel de exigncia que quando no estava grvida. Inclusive, no ltimo ms gestacional chegou a ser a funcionria que mais vendeu no estabelecimento. Sentia-se muito cobrada por Antnio e por sua me para que diminusse o ritmo de trabalho, pois desse jeito no estava sendo considerada uma boa me e era por eles caracterizada como desnaturada. Para ela, o pedido da famlia de se tranquilizar significava ela ficar ... meio abobada s porque tava grvida. Esse enten- dimento a levava a continuar trabalhando, pois ela tinha que ser forte para ... mostrar pro meu filho que o mundo isso. Em contrapartida, caracterizava Antnio como abobado, pois, desde que soube da gravidez, passou a viver em funo dela, passando a mo na barriga e falando com o beb, alm de aprender a andar de skate para poder fazer isso com o filho. Em relao ao trabalho, ela tambm o percebia como seu oposto - descomprometido e no se importando com dinheiro. 244 244 244 244 244 A . G .
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a l . Estudos de Psicologia I Campinas I 30(2) I 239-248 I abril - junho 2013 Diana tinha um sentimento muito forte em relao s expectativas de sucesso para seu filho. Chamou a ateno que, no momento da despedida da entrevista feita no terceiro trimestre da gestao, ela perguntou pesquisadora o que fazer com o bebezinho para estimul-lo desde cedo, para que ele aprendesse mais rpido e se tornasse um gnio. Nessas falas, de alguma forma, percebem-se dois aspectos importantes dessa entrevista: por um lado, ela comea a se colocar como aquela que sabe o que importante para o filho, destituindo as expectativas e saberes dos familiares que acreditavam que ela tinha que diminuir a exigncia ou mesmo achar estranho a infantilizao do Antnio frente ao beb; por outro lado, comeou a se esboar, a partir desses enunciados identificantes (Aulagnier, 1990), uma recomposio narcsea (Ferrari et al., 2006), que lhe permitira reencontrar um lugar privilegiado frente ao desejo de algum. No tinham se decidido ainda por um nome. O nome que ela gostava era ngelo, mas somente poderia colocar esse nome no filho se a cara do beb fosse de anjo. Se tivesse cara de capeta, teria que ser outro nome. Queria ver o rosto do beb antes de decidir-se pelo nome ... porque eu disse que quando eu olhasse pra cara do meu filho, eu ia dizer qual ia ser o nome dele... . Ou ele vai ter uma cara de Ariel, Vicente ou ngelo... . Eu vou olhar para a cara dele e vou determinar.... A dificuldade da escolha do nome, aliada exigncia de genialidade, fez a equipe pensar que o lugar que esse filho poderia ocupar seria o de complet-la e, com isso, restituir seu prprio lugar de anjo em relao sua me destitudo ao longo da vida. Cabe lembrar o nvel de exigncia no qual ela se colocava, impossibilitando-se, inclusive, de se abobar frente sua gravidez. Alm disso, repetidas vezes colocou que, aos olhos de seus pais, nunca foi a filha certinha. Um dia antes do parto, telefonou pesquisadora dizendo que teria que fazer uma cesariana, pois o vrus HPV estava ativo. Em visita a Diana no hospital, no dia seguinte ao nascimento do beb, a pesquisadora obser- vou que ela estava passando alguns clientes para um colega de trabalho. Contou que o nome escolhido tinha sido ngelo e um encontro com a pesquisadora dentro de quatro meses foi combinado. A entrevista do quarto ms foi feita na sua residncia e o dia escolhido por ela foi aquele no qual ela retomaria o trabalho. Nesta entrevista, a temtica sobre o retorno ou no ao trabalho foi bastante intensa. Percebia-se certa tenso entre ela e Antnio, dando a impresso de que vinham discutindo muito. Antnio deu a entender que Diana estava com dificuldades em se relacionar com ngelo. Diana estava tensa e inibida para falar, bastante diferente dos contatos anteriores. Reconheceu que esses meses tinham sido muito difceis. ngelo teve muita clica e ela no en- controu a ajuda que esperava da me, apesar de, em outros momentos, dizer que se a me no a tivesse aju- dado ela no teria aguentado. Como ngelo chorava muito, ela no dormia. Fazia isso quando a me chega- va em casa e dava uma mamadeira ao beb. Nesse momento, ela relaxava e dormia. Alm disso, referiu que ela chegava a chorar junto com ngelo por no saber o que fazer, entrando em desespero: ... te d um desespero... . Eles so muito pe- quenininhos, no sabem falar ainda, s berram, berram, berram... . Eu quase morri de pena, vivia indo para o hospital, achando que o ngelo tava com outra coisa sem ser clica. Pelo trabalho que deu no incio, dizia que nunca mais teria filho, mas que naquele momento as coisas estavam muito mais tranquilas. ngelo no chorava e nem incomodava mais. A diminuio das clicas acon- teceu quando ele se encontrava com dois meses e meio, o que coincidiu com a mudana de casa. A equipe con- cluiu que essa coincidncia relatada por Diana no podia ser negligenciada, visto os conflitos que Diana referia ter com sua me. Afinal, foi em uma tentativa de se tranquilizar frente maternidade que Diana, no final da gravidez, resolveu que, assim que a casa ficasse pron- ta, ela se mudaria, para evitar que a me se apropriasse de seu filho. Alm disso, a tranquilidade de ngelo estava relacionada disponibilidade de Diana de passar o dia brincando com o filho: ... ele no chora, no me inco- moda... . Se tu brincar com ele durante o dia, ele tri na paz... . S que ele bem mal-acostumado... . Ele adora um colo, no gosta de ficar atiradinho que nem criana... . Ele bem esperto assim. Parece que, a partir do momento em que se mudou para sua casa, tranquilizou-se em relao aos cuidados com ngelo, permitindo-se viver em funo do filho. Comparando a descrio do com- portamento de ngelo nos dois primeiros meses e o daquele momento, parecia estar se tratando de duas crianas diferentes - com a primeira, no sabia o que 245 245 245 245 245 C O M P L E X O
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fazer, pois a criana s berrava; com a segunda, pde passar o dia brincando. De alguma forma, essa ltima fala confirmava o que ela dizia durante a gravidez a respeito das caractersticas que o filho teria: que seria uma criana esperta. Este esperteza estava intimamente relacionada ao que ela fazia com seu filho e ao que ela mesma era em contraposio ao Antnio. Queixou-se muito do Antnio, chegando a dizer que ela preferia ficar com ngelo. Alm disso, referiu que Antnio tinha medo de pegar o beb e que trans- mitia essa insegurana para o filho, pois cada vez que Antnio se aproximava de ngelo, o beb chorava. Isto chamou a ateno porque, em outro momento da entrevista, Diana referiu ter sido a semana anterior ao primeiro banho que ela deu no filho. At ento quem dava banho no beb eram o pai ou a av. Adiou esta tarefa por tanto tempo porque, uma vez que ela tentou dar banho no filho, quase o deixou cair, e depois disso ficou com medo. ngelo tinha mais ou menos dois meses, e quem dava sempre banho nele era sua me; primeiro, por causa da cesariana e, depois, por causa do frio (j que ngelo havia nascido muito magrinho e passava muito frio). Quando comeou a primavera, ela se animou a dar banho. Ela estava com a me e Antnio porque: ... nunca t sozinha, e s fico sozinha quando no tem ningum em casa, t sempre algum em cima de mim e o ngelo... . Esto sempre controlando, sempre ana- lisando se est tudo certo ou errado!... . At o presente momento [desse banho] eu tava exausta de cansao, so coisas que tu no te detm nos detalhes, porque tem outra pessoa fazendo, tu quer descansar... . Da eu abaixei ele na banheira, ele se levantou, do tipo se levantar, sabe? E ele fez assim, oh, ele subiu um pouquinho e virou para l e a eu segurei ele com as duas mos porque seno ele ia cair. Referiu que tanto a me quanto Antnio fizeram um escndalo, dizendo que ela estava louca e que no sabia carregar a criana. A partir de ento, ficou com medo de machuc-lo, e aquele sentimento de medo relacionava-se percepo que Diana tinha de que tanto a me quanto Antnio ficavam controlando e podando sua relao com ngelo. Coisa semelhante aconteceu com a alimentao semilquida. As primeiras papinhas ela no se animava a dar, por medo que o beb se engasgasse, ficando isto a cargo do pai ou da av. Porm, quando questionada sobre como estava se sentindo como me, disse que ... timo, adoro. Por mim, no voltava a fazer nada, s ficava com o ngelo. questo sobre se, quando grvida, acreditava que se sentiria assim, respondeu: ... no, na realidade eu achava, assim, que eu ia ser uma mezona, sabe? Mas no que eu quisesse parar de fazer qualquer coisa para ficar em funo do meu filho, entende? Mas muito bom ficar perto deles, eles assim, o ngelo carinhoso, sabe? Ele assim, eu j ensinei desde pequeno eu fazia assim com a mazinha dele: carinho na mame. Agora ele j faz sozinho, porque eu sei que carinho, porque s a me entende. Quem v, diz: -ai, parece uma abobada. Continuando a falar sobre si e o filho, refere: ... o ngelo tem que ser o mais lindo... . Eu me dedico cem por cento para o meu filho, mas porque eu quero que ele seja. Como que eu vou te explicar? Hoje, no mundo, se a criana no for esperta, se ela no tiver uma estrutura, se ela no tiver uma base, a a pessoa fica assim, a ver navios... . Hoje o que eu quero dar para o meu filho, e eu acho que agora superimportante, sabe? Ele se sentir acolhido, numa casa, sabe, porque eu at andei dando uma olhadinha numa creche, mas as crianas ficam atiradas... . [As professoras] ficam batendo papo, se a criana comeu, comeu, se a criana no comeu, no comeu. O imperativo de esperteza para o filho mantinha- -se na mesma intensidade desde a gravidez. A dificul- dade sentida por ela nos primeiros dois meses de ngelo talvez tenha relao com o fato de que o beb no tinha ainda condies de lhe responder aos seus pedidos de reconhecimento. Por isso, bem possvel que ele estivesse sendo caracterizado como abobado, gerando certo estranhamento por parte de Diana. No momento em que Diana passou a perceber que o filho a reconhecia, ela pde fazer certas leituras de seu comportamento que passaram a caracteriz-lo como esperto. Alm disso, ela se responsabilizava pela esperteza do filho. A esperteza dependeria do seu sucesso como me. Toda a sua energia estava colocada no filho, tanto que ela chegou a afirmar que no mais se importava com a sua aparncia, por estar totalmente voltada para ngelo. Da mesma forma, colocava ngelo em um lugar de ser mostrado, como produto do seu narcisismo. Diana estava se percebendo como boa me, 246 246 246 246 246 A . G .
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a l . Estudos de Psicologia I Campinas I 30(2) I 239-248 I abril - junho 2013 ... porque eu vivo em funo do meu filho; uma me, eu acho, que quer te dar muita ateno, para o seu filho. E agora acho que uma me tem que fazer isso. Eu fao tudo o que ele quer, brinco, dou ateno, entendeu... . Cuido, sou uma me zelosa, no sou daquelas que quer o filho s para si, que s suga, que no deixa ningum encostar... . Tudo o que ele me pede, do jeito dele, eu fao. Mais no teria como fazer. Terminou a entrevista dizendo: ... s fao brincadeiras para ele ficar mais esperto, mais inteligente e, isso, sabe? Eu acho que se eu tiver um outro filho daqui a algum tempo vai ser bem mais ligth tudo!... . E depois, quando tu tem um outro filho, tu sabe que tudo aquilo vai passar, entendeu? Tu j consegue descansar mais, tu j v que faz parte da vida de qualquer um, tu j sabe o que uma criana gosta, o que no gosta. Teu primeiro filho todo novidade, tu no tem noo, eu no tive noo nenhuma de como que era criar um filho, eu achava que era que nem boneca, mas agora que eu sei... . Estas falam caracterizam como Diana estava se sentindo em relao ao beb. Apesar de estar retornando ao trabalho pelo trmino da licena maternidade, em muitos momentos deixava transparecer a deciso de ficar em casa para poder estar com ngelo e educ-lo de acordo as suas expectativas. Explicitava que a relao que os dois tinham a completava, sendo Antnio colo- cado como intruso, algum que atrapalhava seu projeto para o futuro do filho. Como a entrevista foi feita na sua residncia, pde-se perceber que ngelo era um beb bastante ativo e conectado com o ambiente. Percebia- -se que o beb era superestimulado e que dava conta dessa estimulao. Quando o beb completou oito meses, a equipe retornou casa de Diana para fazer a terceira entrevista. Essa entrevista teve uma particularidade em relao s outras: Diana foi bastante sarcstica quando se tratava dos comentrios a respeito de Antnio, passando a reclamar debochadamente (grifo nosso) do marido, e no perdia uma oportunidade de falar mal dele. Iniciou falando da dificuldade que seria se tivesse que trabalhar e ser me. Achava ngelo muito esperto para a idade que tinha e contou que, no perodo que ela retornou ao trabalho, ele fazia chantagem cada vez que ia sair de casa. Comparou o seu comportamento ao de uma sobrinha: ... tu acha que uma criana de quatro meses vai saber que a me t indo trabalhar e olhar na porta? No sabia, n? fazia chantagem porque ele quer tar sempre grudado com a me. Hoje o ngelo sabe quando a gente vai trabalhar e o dia que no, mas antes era s porque eu tava me afastando, eu acho que ele chantagista... . porque eu vejo a minha sobrinha que uma plasta. A me pode largar ela a, que ela deixa. O ngelo no, ele se atirava para cima e ahhhhh [choro]. Eu morria de d, como que tu vai deixar teu filho chorando, te querendo e tu indo trabalhar com aquela dor! Foi demais para mim, eu no aguentei a presso... . E resolvi ficar com meu gurizinho amado. A forma de reconhecer o seu desejo era mediante o desejo do filho, que queria ficar grudado com ela. Encontrava-se tranquila na sua relao com a me, no se sentindo mais ameaada, sendo que muito pouco falou dela durante a entrevista. Parecia que, pacificando-se com o filho, pacificava-se com a sua me e, consequentemente, assumia uma certa tranquilidade em relao maternidade. O conflito surgia, agora, na relao com Antnio, e a ameaa, na sogra. A relao do casal estava beirando insustentabilidade, e os conflitos relacionavam-se a quase tudo que viesse dele. Se existiam srias crticas em relao s posturas que ele tomava frente s coisas da vida, naquele momento, alm de crtica, era sarcstica e o destitua muito mais do que nas entrevistas anteriores. O jeito de ser de Antnio a deixava muito preocupada no que se referia educao de ngelo. Acreditava que Antnio era assim porque no teve uma estrutura familiar suficiente, culpando a sogra pela m influncia no seu jeito de ser (a sogra no soube educar o filho). Dava graas a Deus por ngelo ser parecido com ela e no com o pai. Exemplificava contando que, quando o filho queria um brinquedo, no sossegava at consegui-lo, ao contrrio de Antnio, que no lutava pelas coisas. O ngelo que nem eu, ele completamente igualzinho a mim. Ele idntico ao Antnio fisicamente, mas o gnio do ngelo igual a mim. Graas a Deus, o ngelo no saiu assim [que nem o pai], seno eu ia morrer... eu acho timo. Se ele encucar que ele quer esse brinquedo, ele vai fazer at conseguir. O Antnio no assim, o Antnio esticou o brao, no alcanou o brinquedo, ficou assim. Ento ele uma pessoa que no luta pelas coisas que ele 247 247 247 247 247 C O M P L E X O
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quer. Ento eu acho bem bom o ngelo ser assim, bem bom, porque hoje em dia no mundo tu tem que lutar pelo que tu quer, seno ele vai ser... . O Antnio vai ser sempre o filhinho da mame, desse que ganha tudo, e eu no quero isso para o meu filho... . Eu tento no dar tudo na mo dele, sabe? Tento dificultar para ele se superar. Eu acho que isso bom, no ser um bosta. Imagina, o mundo cada dia est pior e tu ainda vai ter um bosta, o que vai ser do meu filho... . Eu me preocupo bastante como vai ser a educao do ngelo... . Quem vai educar sou eu, tudo. Atribui a ela a responsabilidade pelo filho ser persistente e, ao longo da entrevista, tentou destituir qualquer trao identificatrio do beb com o pai. Inclusive chegou a tecer a hiptese de que ngelo no ganha peso adequado idade devido ao medo que ela tem que ele se torne gordo e plasta que nem o pai: ... porque o ngelo no cresce, porque ele no quer saber de comer, at no sei se no inconscientemente que t passando isso... . Botando na cabea para ele no ser gordo... . Vou fazer o que tiver que fazer para ele no virar gordo. Referia ter medo que ngelo ficasse igual ao pai, que no lutasse pelas coisas que queria, mas, ao mesmo tempo, apartava Antnio da relao com o filho, o que possibilitaria que ngelo se tornasse um filhinho da mame, sem um pai para se interpor na relao dos dois. No suportava estar prxima do marido, chegando a referir que era frequente ela dormir com o beb, expulsando Antnio do quarto. A questo que se coloca era se essa repulsa ao marido era devido relao con- jugal ou se estava relacionada ao fato de que, se ela ficasse prxima de Antonio, ele ficaria prximo do filho, e ela poderia ser destituda de seu lugar privilegiado. No estaria em jogo uma atualizao da disputa edpica entre ela e sua me quando da percepo, por parte de Diana, da sua castrao - e, consequentemente, da cas- trao materna? Nesse momento ela lutava com todas as foras para ser fazer a nica responsvel pelo sucesso futuro do filho, garantindo, assim, a manuteno de se satisfazer por ocupar esse lugar privilegiado. Em relao escolha do nome, referiu que ela sempre quis ngelo, e que havia um nome que Antnio gostava, mas no lembrava mais qual era. De qualquer forma, ele no teria conseguido escolher um nome to bom quanto o sugerido por ela: Na poca [da escolha do nome], eu pensava que ia ser um anjo, n, mas meu filho um anjo! No ia escolher um nome to bem... . Mas eu acho que o ngelo um anjo mesmo, ele todo mimoso, todo bonitinho, mas eu acho que ele assim por causa de mim, porque eu cuido muito bem dele. Falando da relao com o filho, referiu que eram muito carinhosos um com o outro: ... ns dois somos bem carinhosos um com o outro; ele vive alisando, agora ele aprendeu a fazer uns carinhos. Ento ele acorda, me mexe, me toca ... . Ele vibra. Passou a falar, ento, de quo maravilhoso era o filho: ... eu imaginava que eu ia ser louca por criana, porque eu amo criana, mas eu no sei se eu imaginava que ele fosse nascer to maravilhoso... . Alm de eu ser muito apaixonada por ele, eu admiro muito o jeito dele... . Ele no pra nunca... . Eu acho bem bom que ele, ele tem que conhecer o mundo. O ngelo me mostra que ele tem que conhecer o mundo... . Porque eu j te falei que eu detesto criana monga. Consideraes Finais O caso de Diana traz algumas questes colo- cadas pela psicanlise a respeito do conflito edpico e sua atualizao no acesso maternidade. Uma delas se refere importncia da relao pr-edpica, que funciona como prottipo a partir do qual sero estabelecidas as futuras relaes. Por exemplo, nas entrevistas, Diana relata uma srie de conflitos com a me, que esto rela- cionados ao jeito de ser dela, que nunca foi certinha como a me gostaria que fosse. Por outro lado, o nvel de exigncia profissional e de vencer no trabalho deu a impresso de que estava relacionado necessidade de dar conta de um certo ideal materno que se colocava para ela. Assim pareceu equipe que o ngelo veio ocupar, de alguma maneira, esse lugar de genialidade e perfeio que ela deixou de ocupar na relao com seus prprios pais. A exigncia que Diana tinha em relao ao trabalho foi deslocada com toda a intensidade para o filho, tanto que, quando finalizou a licena mater- nidade, tentou retornar, mas no conseguiu pelas chan- tagens que o filho fazia para ficar com ela. Alm disso, se ela retornasse ao trabalho correria o risco de o beb se tornar um monga, assim como as crianas criadas pela famlia do marido. 248 248 248 248 248 A . G .
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a l . Estudos de Psicologia I Campinas I 30(2) I 239-248 I abril - junho 2013 Ao longo dos oito meses de acompanhamento deste caso, percebeu-se como, desde a gravidez, ngelo precisava dar conta de um ideal de genialidade que, com certeza, era uma questo fundamental para Diana. O perodo difcil que Diana relatou nos trs primeiros meses de vida do beb poderiam estar relacionados incapacidade de perceber nos atos do beb algum trao de genialidade e esperteza que o diferenciasse dos outros. Porm, quando ngelo passou a responder aos seus estmulos e reconhec-la, alimentou e recomps seu narcisismo, permitindo-lhe vislumbrar, na pessoa do filho, a superao das falhas ocorridas ao longo de sua vida. Este fato permitiu que ela driblasse a percepo da sua incompletude, acionada quando da percepo da sua castrao. Fazendo do filho algum que a satisfaz plenamente, tentou apagar qualquer trao identifi- catrio que ngelo pudesse carregar do pai. O filho, at aquele momento, parecia tamponar a falta materna, satisfazendo-a plenamente j que no oferecia resis- tncia s demandas de Diana. As falas desta me permitem pensar no processo de falicizao de um filho a partir da equao simblica freudiana falo-beb. Esse lugar parece ter sido forado pela me pelos seus movimentos transitivistas. A me supe que ela tudo para seu beb a partir das de- codificaes daquilo que o beb lhe d a perceber. Este momento pode ser considerado como o primeiro tem- po do dipo, momento no qual a criana se coloca como falo que completa a me, alienando-se ao seu desejo. O que Diana mostra como ela foi situando ngelo nesse lugar de ser aquele que a completa. Resta saber o destino desses personagens, se Diana vai passar a olhar para alm de ngelo, acionando o processo de castrao dela mesma e de ngelo, permitindo a sepa- rao. Este acionamento permitiria a produo de um sujeito diferenciado daquele que ela previu, possibi- litando a passagem de ser o falo para a possibilidade de t-lo, possibilitando o acesso s identificaes edpicas. Referncias Assoun, P. L. (1993). Freud e a mulher. Rio de Janeiro: Jorge Zahar. Aulagnier, P. (1990). Um interprete em busca de sentido. So Paulo: Escuta. Bleichmar, H. (1988). Introduo ao estudo das perverses: teoria do dipo em Freud e em Lacan. Porto Alegre: Artes Mdicas. Ferrari, A. G., Piccinini, C. A., & Lopes, R. S. (2006). O narcisismo no contexto da maternidade: algumas evidncias em- piricas. Psico, 37(3), 271-278. Ferrari, A. G., & Piccinini, C. A. (2010). Funo materna e mito familiar: evidncias a partir de um estudo de caso. gora, 13(2), 243-257. Freud, S. (1990). Algunas consecuencias psiquicas de la diferencia anatmica entre los sexos. In J. Strachey (Org.), Obras completas (Vol. 19, pp.259-276). Buenos Aires: Amorrortu. (Originalmente publicado en 1925). Freud, S. (1990). El yo y el ello. In J. Strachey (Org.), Obras completas (Vol. 19, pp.1-65). Buenos Aires: Amorrortu. (Originalmente publicado en 1923). Freud, S. (1990). La interpretacin de los sueos. In J. Strachey (Org.), Obras completas (Vols. 4-5, pp.1-707). Buenos Aires: Amorrortu. (Originalmente publicado en 1900). Freud, S. (1990a). Nuevas conferencias de introduccin al psicoanlisis: 33 conferencia. La feminilidad. In J. Strachey (Org.), Obras completas (Vol. 22, pp.104-155). Buenos Aires: Amorrortu. (Originalmente publicado en 1932). Freud, S. (1990b). Nuevas conferencias de introduccin al psicoanlisis: 32 conferencia. Angustia y vida pulsional. In J. Strachey (Org.), Obras completas (Vol. 22, pp.75-103). Buenos Aires: Amorrortu. (Originalmente publicado en 1932). Freud, S. (1990). Psicologia de las masas y anlisis del yo. In J. Strachey (Org.), Obras completas (Vol.18, pp.63-135). Buenos Aires: Amorrortu. (Originalmente publicado en 1921). Freud, S. (1990). Sobre la sexualidad femenina. In J. Strachey (Org.), Obras completas (Vol. 21, pp.223-244). Buenos Aires: Amorrortu. (Originalmente publicado en 1931). Kehl, M. R. (2008). Deslocamentos do feminino (2 ed.). Rio de Janeiro: Imago. Lacan, J. (1995). Seminrio livro 4: a relao de objeto. Rio de Janeiro: Jorge Zahar. (Originalmente publicado em 1957). Lacan, J. (1999). Seminrio livro 5: as formaes do inconsciente. Rio de Janeiro: Jorge Zahar. (Originalmente publicado em 1958). Laplanche, J., & Pontalis J. (2001). Vocabulrio de psicanlise (4 ed.). So Paulo: Martins Fontes. Millot, C. (1992). Extrasexo, ensaio sobre o transexualismo. So Paulo: Escuta. Roudinesco, E. (2003). A famlia em desordem. Rio de Janeiro: Jorge Zahar. Tisseron, S. (2002). Rivalidades e cumplicidades entre os sexos: a rivalidade, por qu? Pulsional, Revista de Psicanlise, 15(161), 64-69. Recebido em: 2/2/2012 Verso final em: 4/6/2012 Aprovado em: 2/7/2012