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A Agricultura Urbana em Havana

Por Sinan Koont, professor de economia e coordenador de Estudos Latino-Americanos no Dickinson College, em Carlisle, na Pensilvânia.
A Agricultura Urbana em Havana
Por Sinan Koont, professor de economia e coordenador de Estudos
Latino-Americanos no Dickinson College, em Carlisle, na Pensilvânia.
Passou recentemente um semestre sabático em Cuba a estudar
agricultura urbana.
O original encontra-se em http://monthlyreview.org/090119koont.php.
Tradução de Zion Edições, http://www.zionedicoes.org.
I. Introdução

Durante os últimos quinze anos, Cuba desenvolveu um dos exemplos mais bem-sucedidos
de agricultura urbana no mundo. Havana, a capital de Cuba, com uma população de mais
de dois milhões de pessoas, tem protagonizado um papel proeminente, se não dominante,
na evolução e na revolução deste tipo de agricultura. A expressão "agricultura urbana em
Cuba" tem um significado algo diferente, simultaneamente mais e menos restritivo do que
pode parecer à primeira vista. É mais inclusiva, visto que ocupa extensões mais amplas,
franjas urbanas e terrenos suburbanos. Por exemplo, toda a área cultivada da província
Cidade de Havana está ocupada com agricultura urbana. A definição inclui terreno que é
muito mais rural que urbano – alguns dos municípios da cidade nas partes este e sudoeste
têm densidades populacionais relativamente baixas, cerca de 2300 a 3500 pessoas por
milha quadrada [1 milha quadrada=2,59 quilómetros quadrados. N.T], contra 50 000 a
100 000 pessoas por milha quadrada nas partes mais densamente povoadas. Como
resultado, mais de 35 000 hectares (mais de 87 000 acres) de terra estão a ser utilizados
com agricultura urbana em Havana!1 O desenvolvimento sério da agricultura urbana em
Cuba começou em simultâneo com o desaparecimento de petroquímicos, como
fertilizantes e pesticidas, dos mercados cubanos. Consequentemente, a produção urbana
utiliza apenas fertilizantes biológicos e técnicas de controlo de pragas biológicas e
culturais. As quantidades limitadas de petroquímicos disponíveis são empregues numas
poucas culturas não-urbanas como o açúcar, as batatas e o tabaco. Em Cuba, a distinção
entre orgânico e urbano é difícil de fazer, visto que quase toda a agricultura urbana segue
práticas orgânicas.

A necessidade sentida por Cuba de se virar para a agricultura urbana e orgânica no início
dos anos 1990 é bem conhecida e compreendida. O colapso da União Soviética e o fim do
comércio no âmbito do COMECON em condições bastante favoráveis ditaram o fim da
agricultura industrial de tipo soviético, de larga escala, que Cuba vinha praticando desde,
pelo menos, os anos 1970. Quase de um dia para o outro, o gasóleo, a gasolina, camiões,
maquinaria agrícola, peças sobressalentes para camiões e maquinaria, bem como
fertilizantes e pesticidas de base petroquímica, tornaram-se bastante escassos. Perante a
crise severa na produção de alimentos, uma viragem para a agricultura urbana pareceu
ser uma solução óbvia e necessária: a produção urbana minimizava os custos de
transporte e a produção de pequena escala minimizava a necessidade de maquinaria. A
produção agro-ecológica (aplicando os princípios da ecologia às práticas agrícolas), em
parte, necessitava de zonas de produção perto das áreas de habitação de grande

1 No entanto, só 10 mil hectares são utilizados para cultivo. O restante é utilizado para criação animal, florestação e
produção de frutos.
concentração de pessoas e, ao mesmo tempo, evitava a utilização de fertilizantes e
pesticidas petroquímicos tóxicos que haviam deixado de estar disponíveis.

Menos bem conhecidas, mas talvez igualmente importantes, são as razões de prudência e
segurança nacional que pressionaram Cuba nessa direcção desde os anos 1970. Cuba
estava, e ainda está, sob um bloqueio parcial por parte dos Estados Unidos. Mais
ameaçadora ainda, e sempre presente, é a possibilidade de um bloqueio total sobre a ilha.
Desde cedo, as instituições científicas começaram a investigar a possibilidade de substituir
a produção importada, incluindo a produção agrícola, o que tornaria a ilha menos
dependente de bens importados2. Ao mesmo tempo, no Ministério da Defesa (e não no
Ministério da Agricultura, que tratava da agricultura industrial de alto consumo) e em
instituições como o Instituto Nacional
de Reservas do Estado (INRE), dava-
se início a programas para estudar as
respostas possíveis a uma ruptura
total de importações de petróleo. Foi
durante a visita ao Projecto Hortícola
das Forças Armadas em 27 de
Dezembro de 1987 que Raul Castro,
na qualidade de ministro da Defesa,
encorajou a introdução de uma
tecnologia que veio, mais tarde, a
ser empregue na agricultura urbana. Canteiro para cultivo organopônico.

O general Moises Sio Wong – dirigente do INRE – relembrou essa visita a Raul Castro dez
anos mais tarde durante uma outra visita: uma engenheira agrícola, apresentada por Sio
Wong simplesmente como "Engenheira Anita", levou a cabo algumas experiências bem-
sucedidas no cultivo de vegetais sem o recurso a petroquímicos 3. Castro afirmara nessa
altura que era desejável a generalização desses métodos de cultivo. Por conseguinte, já
em 1987, quatro anos antes do colapso da União Soviética, os chamados organoponicos,
construções rectangulares – de cerca de trinta metros por um metro –, contendo canteiros
elevados de uma mistura de solo com matéria orgânica como adubo, começaram a ser
estabelecidos em instalações das forças armadas.

2 Soledad Díaz Otero e Emilio García Capote, "Organización de la Investigación y su Infraestructura en el Sector
Agraria", in AAVV, Las Investigaciones Agropecuarios en Cuba: Cien Años Después, Havana, 2006, pp. 1-21;
Libertad García López e José Luís García Cueva, "Investigación, Formación de Profesionales y Estudios de
Posgrado en la Educación Superior Agropecuario en Cuba", in AAVV, Las Investigaciones Agropecuarios en
Cuba, pp. 22-57.
3 Raul Castro Ruz, Desatar los Nudos que atan el Desarollo a las Fuerzas Productivas, ACTAF, Havana, 1997.
No entanto, foi só no final de 1991 que o primeiro organoponico "civil" em Havana foi
operacionalizado, num lote vazio de dois acres em frente à sede do INRE, no distrito de
Miramar. Desde então, o organoponico transformou-se num dos sustentáculos do cultivo
de vegetais na agricultura urbana cubana4.

Assim, no tempo em que a crise tornou inevitável a mudança da produção agrícola para as
cidades, pelo menos algumas partes da estrutura institucional cubana foram capazes de
responder com tecnologias, políticas e práticas que haviam sido desenvolvidas durante um
largo período de tempo antes da crise.

Em 1994, foi criada uma organização para superintender a introdução sistemática de


organoponicos e de hortas intensivas na agricultura urbana. Em 1997, criou-se o
Movimento Nacional da Agricultura Urbana. As condições de acesso a terra sofreram
alterações consideráveis. Antes da crise, a terra era ou privada e trabalhada pelos
proprietários ou detida pelo Estado e trabalhada por empregados. Depois, passou a ser
distribuída a indivíduos (como parcelos , com os indivíduos a serem designados por
parceleros ) e cooperativas. Novas formas cooperativas – com ou sem uma área de
utilização comum cultivada colectivamente – começaram a ser postas em prática. Uma
Cooperativa de Crédito e Serviços (CCS) juntou em regra lotes de terra com quintas
privadas já existentes5.

Além disso, há também os patios (hortas caseiras privadas que produzem principalmente
para consumo familiar), lotes de terra individuais, quintas do Estado e areas de
autoconsumo (empresas do Estado que produzem alimentos para consumo dos seus
trabalhadores).

Na base deste novo enquadramento institucional, a tecnologia do organoponico


introduzida em 1987 está hoje generalizada em Havana, e também no resto do país, com
dimensões que vão do meio hectare a muitos hectares. As chamadas hortas intensivas são
idênticas aos organoponicos excepto no facto de que os canteiros não têm paredes e o
solo é em regra suficientemente bom para ser misturado directamente com a matéria
orgânica adicional. Nos patios e nos lotes de terra, predominam as práticas de horticultura
e cultivo, com a introdução parcial de algumas técnicas utilizadas nos organoponicos. As
estufas, tal como as técnicas de bloqueio da intensidade solar para incrementar os
resultados, melhorar a qualidade e tornar possível a produção anual de vegetais, são
também utilizadas6.

4 Moisés Sio Wong, "General y Agricultor, Una Experiencia", Agricultura Orgánica 12, n.º 2, 2006, pp. 2-3.
5 Eugenio Fuster Chepe, "Diseño de la Agricultura Urbana Cubana", Agricultura Orgánica 12, n.º 2, 2006, p. 6.
6 Grupo Nacional de Agricultura Urbana, Manual Técnico de Organiponicos y Huertos Intensivos, Ministerio de la
Este sistema organizado de produção começou a funcionar em 1994 e adquiriu a sua
forma mais ou menos final em 1997. Com ele, Cuba atingiu resultados que pareceriam
muito pouco plausíveis em 1991. A produção aumentou muito rapidamente. A dieta dos
cubanos beneficiou da introdução dos produtos agrícolas orgânicos produzidos localmente.
Nas cidades cubanas, o ambiente beneficiou porque elas tornaram-se mais verdes devido
aos cultivos (especialmente acoplados à reflorestação urbana, a ser discutida adiante) e
também pelo facto de que tudo isso foi concretizado de forma agro-ecológica. Os lotes de
terra anteriormente utilizados como lixeiras desordenadas e feias foram transformados em
terra produtiva. O ambiente social e económico ficou favorecido pela criação de fontes
consideráveis de emprego urbano e pela incorporação de trabalhadoras e jovens abaixo
dos 35 anos, importantes em termos da sustentabilidade de longo prazo da agricultura
urbana, bem como de reformados, trazendo-lhes resultados e saúde. Finalmente, a
construção de comunidade e os efeitos terapêuticos da agricultura urbana são mais-valias
significativas desses esforços.

Embora eu aqui me concentre no exemplo de Havana, tem havido desenvolvimentos


muito importantes nesta área por todo o país. No programa de agricultura urbana existem
28 subprogramas: doze em cultivos, sete na criação de animais e nove em áreas de apoio
como o adubo, as sementes, a irrigação e a drenagem, o marketing e a formação técnica.
Nesses subprogramas, foram criados mais de 350 mil novos e bem pagos empregos
durante os últimos doze anos7. No início do Período Especial, Cuba sofreu uma enorme
queda do PIB e do emprego. Em 2005, a força de trabalho total era de cerca de 4,8
milhões de pessoas, pelo que os empregos criados na agricultura urbana são uma
importante contribuição para o bem-estar não só das pessoas proveitosamente
empregadas, mas também para a sociedade cubana como um todo. No subprograma dos
vegetais e das ervas frescas, um dos mais bem-sucedidos, a produção multiplicou mil
vezes de 1994 a 2005: de quatro mil toneladas para 4,2 milhões de toneladas 8. Este tipo
de crescimento implica, obviamente, um grande aumento na área cultivada (chegava a 70
mil hectares em 2006)9, mas os resultados por milha quadrada também subiram de forma
impressionante (nos organoponicos , por exemplo, de 1,5 kg por milha quadrada em 1994
para 25,8 kg por milha quadrada em 2001, o que representa um aumento de 17 vezes)10.

Agricultura, Marzo, Habana, 2007, pp. 68-77.


7 Nelso Companioni Concepción, La Agricultura Urbana: Un Sistema Alternativa de Produccion de Alimentos en
Cuba , apresentação Powerpoint, slide 35, INIFAT, Havana, 2007.
8 Adolfo A. Rodríguez Nodals, Nelso Companioni Concepción e Rosalia Gonzáles Bayón, “La Agricultura Urbana y
Periurbana en Cuba: Un Ejemplo de Agricultura Sostenible”, Apresentação Powerpoint, slide 9, apresentada no
VI Encontro de Agricultura Orgânica, realizado em Maio 2006, em Havana.
9 Adolfo A. Rodríguez Nodals and Nelso Companioni Concepción, "Situación Actual, Perspectivas y Retos de la
Agricultura Urbana en Cuba", Agricultura Orgánica 12, n.º 2, 2006, p. 4.
10 Santiago Rodríguez Castellón, "La Agricultura Urbana y la Producción de Alimentos: la Experiencia de Cuba",
Cuba Siglo XXI , n.º 30, Junho de 2003, p. 85, com acesso em www.nodo50.org/cubasigloXXI/economia2.htm.
As razões para estes resultados espectaculares são idênticas em Havana e no resto do
país e, por conseguinte, podem ser discutidas de um modo mais geral. O princípio mais
importante e abrangente é, provavelmente, o organizacional: onde há uma direcção
central forte, disciplinada e coerente, a liderança e a política são combinados com a acção
descentralizada, o marketing e a produção. O mote principal é: "Temos que descentralizar
até ao ponto em que o controlo não se perca e centralizar até ao ponto em que a iniciativa
não seja aniquilada"11. A liderança geral do Grupo Nacional da Agricultura Urbana (GNAU)
é complementada pelas correspondentes organizações provinciais (14 no total) e
municipais (169 no total). As tarefas dos grupos municipais e provinciais são definir as
linhas gerais, mobilizar a população, dar estímulos a toda a actividade na agricultura
urbana e supervisionar e controlar os esforços locais. As funções administrativas como a
supervisão, a formação com vista à difusão das valências necessárias e o marketing são
asseguradas pelas empresas estatais "Quinta Urbana" (cerca de uma por município,
embora alguns municípios de maior dimensão tenham mais que uma)12.

Em cada uma destas estruturas descentralizadas, os delegados do Ministério da


Agricultura em cada Conselho Popular (a unidade administrativa na organização territorial
de Cuba imediatamente abaixo ao município) – dos quais existem 1452, ou seja, uma
média de oito ou nove por município – desempenham um papel essencial. As tarefas
desses delegados incluem a discussão de planos de produção com cada unidade produtiva,
promovendo novas tecnologias, supervisionando as redes de difusão de valências,
coligindo dados, assegurando a qualidade e a veracidade, divulgando os alimentos e
formando as pessoas nas técnicas da agricultura urbana. Em resumo, o delegado é um
muito importante "primeiro homem da escala" do Estado central, cuja função e papel não
podem ser subestimados13.

No entanto, o quadro descrito acima é apenas uma contextualização geral. Ele necessita
de ser preenchido com políticas e práticas reais antes de ser apropriadamente avaliado em
termos da sua eficácia na promoção da agricultura urbana em Cuba. Abaixo, discuto
brevemente quatro áreas fundamentais dessas políticas e práticas, cada uma das quais
poderia facilmente ser o tema de uma monografia:

1. Formação e educação: No início do Período Especial, Cuba dispunha de uma população


com um alto nível de educação escolar, mas com pouco conhecimento acerca da
agricultura ecológica. Apesar disso, a população urbana foi capaz de aprender depressa.

11 Fuster Chepe, "Diseño de la Agricultura Urbana Cubana", p. 6.


12 Adolfo A. Rodríguez Nodals, Nelso Companioni Concepción e Maria Elena Herrería Martínez, "Las Granjas
Urbanas en la Agricultura Cubana", Agricultura Orgánica 12, n.º 2, 2006, pp. 7-9.
13 Ibid. , p. 8.
Ao mesmo tempo, havia muitos cientistas que haviam investigado nesta área e havia
muitos camponeses que tinham um conhecimento agro-agrícola tradicional que poderia
ser partilhado. Essa combinação, talvez única, de formadores qualificados e estudantes
qualificáveis com um esforço sério, organizado e concertado de extensão participativa
através dos institutos, universidades e organizações de investigação, permitiu a rápida
disseminação do know-how agro-ecológico. A formação em agricultura urbana é mais do
que a mera transmissão de conhecimentos tecnológicos. O seu lema é: "produzir
enquanto se aprende, ensinar enquanto se produz e aprender enquanto se ensina"14. Os
técnicos agrícolas de formação e os cientistas e engenheiros nas universidades também
contribuem para este esforço. Finalmente, também os liceus e as escolas secundárias
ensinam e formam as próximas gerações de agrónomos urbanos.

2. Investigação e desenvolvimento: Os esforços que tiveram início nos anos 1970


continuam a todo o vapor nas universidades e nos institutos de investigação ligados aos
ministérios e a outros centros científicos. O GNAU lidera num plano interdisciplinar e
interinstitucional as actividades agrícolas. Entre os seus membros, contam-se delegados
de treze institutos de investigação. Muitos outros institutos e universidades também
participam no trabalho do GNAU15. Em 2002, centenas de projectos em dezenas de
instituições investigavam aspectos da agricultura orgânica sustentável em três Programas
Nacionais de Investigação: o programa Produção Alimentar para a População através de
Métodos Sustentáveis tinha 63 projectos em 40 instituições científicas e universidades; o
programa Produção de Alimentação Animal através de Meios Biotecnológicos e
Sustentáveis tinha 35 projectos em dez instituições; e o programa Desenvolvimento
Sustentável em Zonas Montanhosas (apesar de não se aplicar à agricultura urbana) tinha
60 projectos em 38 instituições16. Há uma ênfase na investigação e desenvolvimento
participado, com unidades na base a gerar novo conhecimento através do próprio
processo de produção.

3. Provisão de consumíveis agro-ecológicos: Mais de duas centenas de instalações


ocupam-se dos necessários consumíveis para a agricultura urbana – produzindo,
fornecendo e/ou vendendo sementes, fertilizantes orgânicos, preparações para combate
às pestes biológicas, mas também serviços técnicos e de aconselhamento. Mais de sete
mil Centros de Matéria Orgânica produzem fertilizantes orgânicos (compostos e
vermicompostos, adubo orgânico). A água para a irrigação vem de depósitos municipais
urbanos, bem como de poços, rios e reservatórios. A disponibilidade de água é
14 Nelso Companioni Concepción, "Particularidades del Movimiento Extensionista en la Agricultura Urbana",
Agricultura Orgánica 12, n.º 2, 2006, p. 32.
15 Rodríguez Nodals, "Síntesis Histórica del Movimiento Nacional de Agricultura Urbana de Cuba", p. 27.
16 Nilda Pérez Consuegra, "Agricultura Orgánica: Una Visión desde Cuba", Agricultura Orgánica 8, n.º 2, 2002, p.
11.
maximizada pelos melhoramentos na captura de água da chuva e de técnicas eficientes de
irrigação, especialmente nos organoponicos e nas hortas intensivas. Na medida em que
algumas importações (por exemplo, canalizações para os sistemas de irrigação)
continuam a ser necessárias, o Ministério da Agricultura assume a sua compra e alocação.

4. Incentivos materiais e morais: Espera-se que as unidades de produção sejam rentáveis.


O mercado determina alguns preços e o governo define outros. Uma esmagadora maioria
dessas unidades são rentáveis. Os lucros são a base do pagamento de incentivos, o que
posiciona os rendimentos da agricultura urbana bem acima da média nacional dos
funcionários do Estado. Existem igualmente diversos incentivos "morais" para os
agricultores urbanos. No plano individual, esses incentivos oferecem amplas
oportunidades para uma subsequente educação formal e para um ambiente de trabalho
rico, solidário e dignificado. No plano societal, há um esforço para "dignificar" o trabalho e
os trabalhadores da agricultura urbana. Essa actividade é crescentemente vista como
dispondo de elevados níveis de conteúdo científico e técnico. A imagem dos camponeses
como a componente mais atrasada da sociedade já não impera 17. As próprias unidades de
produção são distinguidas com um conjunto de classificações (sendo "excelência" a mais
elevada), de acordo com critérios rigorosos que continuam a ser verificados a cada três
meses através de visitas de inspecção. A inclusão de uma unidade numa dessas categorias
não é apenas uma honra e, por conseguinte, um incentivo moral (há apenas 82 centros de
excelência em todo o país), mas permite também que esses protagonistas excepcionais
sirvam de pontos essenciais para a introdução e propagação de novas tecnologias. Com
efeito, tornam-se agentes de extensão e educadores18.
Como podem as questões acima referidas ser sumarizadas? Um parcelero bem-sucedido
com um pequeno lote em Vedado, Havana, produtor de plantas medicinais, que
entrevistei, afirmava que as três forças motrizes por detrás do sucesso de qualquer coisa
na vida, mesmo em circunstâncias difíceis, são "a necessidade, a possibilidade e a
vontade"19. Se aceitarmos este pressuposto, podemos dizer que, no início dos anos 1990,
Cuba foi capaz de juntar as três componentes do sucesso na sua resposta à crise que
enfrentou. E fez progressos consideráveis e continua a ter espaço para progredir mais.
Dito isto, não devemos subestimar os obstáculos e os afunilamentos que Cuba enfrenta no
transporte e no processamento industrial dos alimentos, bem como na introdução de
matéria orgânica, água, energia e na moeda forte – esta última, determinada pela
necessidade continuada de importar consumíveis para a produção.

17 Entrevistas do autor com Salcines na UBPC Alamar e com Companioni no INIFAT.


18 Nelso Companioni Concepción, "Particularidades del Movimiento Extensionista en la Agricultura Urbana", p.
32; Grupo Nacional de Agricultura Urbana, Lineamientos para los Subprogramas de la Agricultura Urbana para
2008 – 2010 y Sistema Evaluativo, Ministerio de la Agricultura, Havana, Fevereiro 2007, pp. 88-103.
19 Entrevista com A. Falcon.
II. Agricultura urbana em Havana: análise geral
Havana tem apenas 3 por cento da terra utilizada na agricultura urbana e 0,4 por cento de
todo o terreno agrícola em Cuba, cerca de 20 por cento da população da ilha, mas apenas
0,67 por cento da sua área total20. Sendo a província mais densamente urbanizada de
Cuba, a sua área de terreno agrícola é uma percentagem mais pequena do terreno
agrícola total em Cuba do que o é a sua área total em relação à área total do país. Mas,
na medida em que todo o seu terreno agrícola é considerado urbano, é bastante maior em
termos de percentagem de todo o terreno agrícola urbano. Porém, com a importância que,
no pós-anos 1990, foi dada à produção utilizando recursos locais para o consumo local
(daí o lema da agricultura urbana: Produção do bairro, pelo bairro, para o bairro) 21,
Havana teve que lutar, ficando para trás em relação a outras províncias. Por exemplo, só
recentemente é que atingiu o nível de referência da Organização das Nações Unidas para
a Agricultura e a Alimentação (FAO) dos 300g diários per capita de fornecimento de
vegetais à sua população. Já em 2001, a sua produção diária de vegetais per capita era
de 171g, consideravelmente abaixo do índice da FAO, bem como abaixo do nível da
seguinte cidade que produzia menos vegetais per capita, Santiago de Cuba, com 415g22.
A razão é medianamente óbvia. Tendo Cuba como um todo um pouco mais de um décimo
de hectare de terreno agrícola urbano por pessoa, esse número desce para menos de uma
ducentésima parte de um hectare em Havana23. O terreno para cultivo continua a ser mais
limitado. De 33 mil hectares ocupados com a agricultura, apenas 10 500 servem para
cultivos varios (incluindo raízes de vegetais, grãos, vegetais e citrinos e outros frutos)24.

20 Cálculos do autor com base em: Companioni Concepción, La Agricultura Urbana: Un Sistema Alternativa de
Produccion de Alimentos en Cuba , slide 6; Grupo Provincial de Agricultura Urbana en la Ciudad de la Habana,
La Agricultura Urbana en los Municipios de Ciudad de la Habana con Enfoque Sostenible u Agroecológico ,
apresentação Powerpoint, slide 4, Havana, 2006.
21 Tradução livre.
22 Rodríguez Castellón, "La Agricultura Urbana y la Producción de Alimentos: la Experiencia de Cuba", p. 86.
23 Elaborado pelo autor utilizando dados de Companioni Concepción, "Particularidades del Movimiento
Extensionista en la Agricultura Urbana", slide 6.
24 Grupo Provincial de Agricultura Urbana en la Ciudad de la Habana, La Agricultura Urbana en los Municipios de
Ciudad de la Habana con Enfoque Sostenible u Agroecológico , slide 6.
No entanto, tal como ocorreu no resto do país, Havana conseguiu aumentar a sua
produção de vegetais muito rapidamente25. Os dados da Tabela 1 correspondem a um
crescimento anual de 38 por cento durante os oito anos considerados.

Tabela 1: Produção anual de vegetais em Havana

Ano Milhares de toneladas


1997 20,7
1998 49,9
1999 62,6
2000 120,1
2001 132,2
2002 188,6
2003 253,8
2004 264,9
2005 272

O resultado de 2005 corresponde a cerca de 340g diárias per capita para os habitantes
de Havana, um pouco abaixo da quantidade atingida noutras províncias, mas
significativamente acima das recomendações da FAO.
Muitos outros tipos de cultivo também aumentaram bastante em Cuba. A Tabela 2, que
apresenta dados entre 1999 e 2001, revela avanços na produção de outros cultivos
durante esse período. O programa de vegetais de Cuba cresceu de 62,6 mil toneladas
para 132,2 mil toneladas de produção26.

Esse rápido crescimento foi atingido pela extensão de área cultivada e, talvez mais
importante, por estar ligado a alterações tecnológicas e organizacionais da produção agro-
ecológica de pequena escala. A crescente força de trabalho empregue na agricultura
urbana tornou-se cada vez mais qualificada devido ao método aprender-fazendo e à
formação de especialistas. Igualmente, a sua produtividade foi estimulada através de
esquemas de remuneração que geraram rendimentos para os trabalhadores de acordos
com os resultados atingidos na produção.

Tabela 2: Produção anual de cultivos seleccionados em Havana

Cultivo Produção em 2001 Crescimento anual 1999-2001


(1000 toneladas) (percentagem)
Banana-pão 1,9 8
Banana (fruto) 0,8 13,2
Frutos 21,1 8,4
Raízes de vegetais 21 10,2
Feijão 2,4 29,9
Arroz 0,6 21,9

A força de trabalho na agricultura urbana em Havana cresceu de nove mil em 1999 para
23 mil em 2001 e para mais de 44 mil em 2006 27. A agricultura urbana em Havana é de
25 Ibid. , slide 13.
26 Com base na Tabela 1 in Adela Cuba, Participacion en la Esfera de Sanidad Vegetalen el Movimiento Cooperativo
de la Agricultura Urbana, Tese de mestrado, FLACSO, Universidade de Havana, 2002, p. 62.
27 Cuba, Participacion en la Esfera de Sanidad Vegetalen el Movimiento Cooperativo de la Agricultura Urbana , p.
maior trabalho intensivo que no resto do país. Apesar de Havana ter apenas 3 por cento
do terreno agrícola urbano em Cuba, emprega cerca de 12,5 por cento da força de
trabalho da agricultura urbana da província. Cerca de 25 por cento dessa força de trabalho
é feminina, uma percentagem que sobe acima dos 35 e 50 por cento, respectivamente,
entre os trabalhadores tecnicamente qualificados de nível médio e alto28.

Havana trabalha muito a sua agricultura. Em 3 por cento do terreno agrícola urbano,
produz cerca de 6,5 por cento dos vegetais de agricultura urbana. A distribuição alimentar
faz-se através de venda directa em centenas de locais de produção e/ou estabelecimentos
integrados numa unidade de produção ou noutro local, aprovados pelas autoridades locais.
Cerca de 60 por cento da produção a nível nacional é distribuída desta forma. Cerca de 11
por cento é vendida em dois tipos de mercados agrícolas: uns em que os preços flutuam
livremente e os mercados estatais com preços mais reduzidos. O governo local controla os
preços nos mercados estatais, definindo-os de acordo com tabelas de preços mensais.
Unidades de produção como famílias e instituições consomem cerca de 22 por cento
desses produtos. São feitas provisões especiais para outras necessidades sociais, como
escolas, hospitais e universidades. Nessas situações, os produtores e os consumidores
estabelecem contratos de alimentação a preços definidos pelas autoridades locais por três
meses. Esses preços são geralmente baixos e constituem um imposto sobre os
produtores. O cumprimento dessas obrigações sociais é supervisionado e feito cumprir em
termos de qualidade, quantidade e rapidez na entrega, que é da responsabilidade do
produtor. Este modelo de consumo social utiliza 2 por cento do produto a nível nacional 29.
Em Havana, dada a densidade institucional e populacional, as quantidades utilizadas pelo
consumo social e de auto-suficiência são necessariamente maiores. Com efeito, em 2006,
as entregas para essas necessidades sociais chegaram às 1300 toneladas por mês, ou
seja, quase 6 por cento do produto30.

Um programa que não é um subprograma da agricultura urbana deve ser aqui


mencionado, devido à sua relação próxima – o programa de reflorestação urbana. O
objectivo no contexto urbano é plantar uma árvore, de fruto ou não, em todos os locais
adequados que não sejam já utilizados para fins agrícolas. Iniciado em 1996, em 2004 o
programa já tinha posicionado todos os municípios de Havana acima dos doze metros
quadrados de espaço verde por habitante e atingido níveis acima dos trinta metros
quadrados nos municípios suburbanos. Além dos benefícios ambientais óbvios, este
"esverdeamento" da cidade também favorece a produção adicional de víveres, bem como
de alimentos para animais que podem ser convertidos em matéria orgânica.

Um bom problema para Havana é que está lentamente a ficar sem terrenos cultiváveis
inutilizados para recuperar e pôr a uso. De 35 890 hectares, só 2970 não eram ainda
utilizados para pastagem, floresta e terreno de cultivo em 15 de Novembro de 200631. A
Misión al 2007 propôs-se recuperar todos esses terrenos, terras devolutas e lixeiras e
replantá-los com floresta e árvores de fruto32.

Mas isso também significa que, daqui para frente, os ganhos adicionais, por exemplo, na
produção de vegetais vêm de: (1) realocação de terrenos entre as três utilizações
(cultivos, criação animal e floresta); (2) melhor interligação entre as três; (3) interior da
área dedicada à produção de vegetais, passando mais dessa área para técnicas mais

64; Raisa Pages, "Una Ciudad Agroecológica", Agricultura Orgánica 12, n.º 2, 2002, p. 17.
28 Pages, "Una Ciudad Agroecológica", p. 18.
29 Companioni Concepción, La Agricultura Urbana: Un Sistema Alternativa de Produccion de Alimentos en Cuba ,
slide 37.
30 José Puente Nápoles, "La Agricultura Urbana Asume el Abastecimiento de Hortalizas a Círculos Infantiles,
Escuelas y Hospitales", Agricultura Orgánica 12, n.º 2, 2006, p. 22.
31 Orlando Acosta Mirrelles, "Misión al 2007", Agricultura Orgánica 12, n.º 2, 2006, p. 14.
32 Ibid., 15.
intensivas, como o organoponico e uma tecnologia desenvolvida em Cuba e quase de
origem exclusivamente cubana recentemente introduzida – o cultivo semiprotegido nos
organoponicos e nas hortas intensivas. Semiprotegido significa a instalação nos canteiros
de filtros de cobertura assentes em postes, permeáveis à chuva e sem quaisquer
estruturas de parede. Essa tecnologia aumenta os resultados e possibilita a produção de
certos vegetais sensíveis a radiações solares intensas durante o Verão.

Em 2006, foram construídos 21 novos organoponicos , cobrindo quinze hectares em


Havana, apesar de metade deles continuarem a aguardar, devido a atrasos, por sistemas
de irrigação importados33. O cultivo semiprotegido foi transformado num subprograma da
agricultura urbana e terá cada vez mais importância nos próximos anos34.

A importância desta possibilidade de converter a produção de vegetais em organoponicos


semiprotegidos é óbvia. Os resultados mais elevados deste sistema de produção, se for
generalizado a toda a nação, significam que apenas uma fracção de terreno em utilização
pode responder a todas as necessidades. A este respeito, Cuba parece dispor de
possibilidades "ilimitadas".

33 Acosta Mirrelles, "Misión al 2007", p. 14.


34 Ronal Suárez Ramos, "Aumentaran Cultivos Semiprotegidos", Granma , 12 de Febrero de 2007, p. 2.
Agricultura urbana em Havana: experiências particulares
Como é que as questões discutidas nas duas primeiras partes deste artigo se reflectem
nas vidas das unidades de produção particulares na agricultura urbana de Havana? Entre
Janeiro e Maio de 2007, visitei um grande número de locais de produção de agricultura
urbana em Havana, de diversos tipos e dimesões35. Algumas dessas visitas foram formais
e acompanhadas por responsáveis da unidade em questão. Outras foram informais,
algumas não foram mais que tirar fotos da parte de fora da unidade e outras incluíram
conversas informais com agrónomos urbanos acerca do seu trabalho e da sua unidade. A
percepção e a informação que recolhi e a observação que fiz durante essas visitas
contribuíram para a minha compreensão da forma como a agricultura urbana em Havana
funciona a partir do terreno.

No extremo ocidental do município de Habana del Este situa-se a comunidade "dormitório"


de Alamar – onde a Unidade Básica de Produção Cooperativa (UBPC) Organoponico Vivero
Alamar, uma das experiências mais bem-sucedidas de agricultura urbana em Havana, se
situa. É um pouco erroneamente designado como organoponico , na medida em que é
mais um huerto intensivo (horta intensiva). Teve início em 1997, quando Miguel Salcines,
um agrónomo de nível intermédio do Ministério da Agricultura, pediu para utilizar um lote
de 3,7 hectares de "terra devoluta". Juntou forças com quatro outras pessoas, incluindo
um carpinteiro e um químico, para iniciar o processo de constituição de uma unidade de
produção. É justo dizer-se que o que aconteceu, desde então, ultrapassou todas as
expectativas razoáveis. Começou modestamente e cresceu até ao ponto de ser uma das
82 unidades de todo o país a obter e conservar a classificação de excelência . A sua força
de trabalho cresceu de 5 para 147, a área de que faz uso aumentou de 3,7 para 11,2
hectares e a sua produção anual saltou de 20 para 240 toneladas de vegetais.

O aumento na quantidade de terra sob cultivo não derivou da compra de terras, dado que
não há mercado de terras em Cuba, mas de dois tipos diferentes de aquisições. O
primeiro, uma área adjacente de mais de seis hectares foi absorvida pela unidade de
produção, depois de os ocupantes desses terrenos terem começado a abandonar os seus
lotes quando a economia cubana começou a melhorar nos anos mais recentes. Essa nova
área está actualmente a ser desenvolvida em huertos intensivos adicionais. O segundo
acrescento deveu-se à decisão do Estado de ceder um organoponico estatal de 1,2
hectares, situado perto mas não adjacente à unidade Organoponico Vivero Alamar, devido
a dificuldades em manter níveis de produção adequados. Os 27 trabalhadores estatais da
antiga unidade não foram dispensados. Foram incorporados na unidade de produção como
membros da cooperativa. Isso representa parte do aumento da força de trabalho,
diversificando os seus esforços no cultivo e na comercialização. Novos trabalhadores foram
contratados durante períodos experimentais de três meses, findos os quais tornam-se em
regra membros da cooperativa. Por conseguinte, cerca de 135 das quase 150 pessoas que
trabalham na unidade de produção são membros da cooperativa.

A unidade produz uma grande variedade de vegetais. Os cinco principais são alface,
acelga suíça, tomate, pepino e couve, seguidos por beterraba e beringela. Também produz
cenoura, feijão verde, aipo, couve-flor, hortelã, salsa, quiabo e pimento verde. Terá, em
breve, a funcionar instalações de produção de cogumelos comestíveis. Está em construção
uma capoeira com capacidade para mais de duzentas galinhas poedeiras. Quando estiver
concluída, contribuirá com ovos para venda e com estrume de galinha para o
organoponico.

Cerca de 90 por cento da produção é vendida directamente ao público em cinco mercados


adjacentes a preços que vão de 1 a 3 pesos por libra [1 libra=453,6 gramas. N.T.]. A
unidade de produção também processa e vende 167 variedades de plantas ornamentais,

35 Excepto quando é referido em contrário, toda a informação desta secção baseia-se nas minhas observações e
entrevistas com diversas pessoas durante a minha visita.
bem como fruta e árvores criadas a partir da semente para transplante.

Até 10 por cento da produção de vegetais desta unidade são utilizados socialmente, ou
seja, são vendidos a escolas e hospitais a preços reduzidos estabelecidos por contrato, ou
vendidos à indústria do turismo, obtendo moeda forte para o Ministério da Agricultura,
com a qual Cuba consegue importar os necessários consumíveis agrícolas.

Embora esta unidade não tenha uma ligação formal com uma escola, mantém uma política
de porta aberta para o aconselhamento de estudantes com projectos que para lá são
enviados por professores, bem como de adultos da comunidade com questões acerca da
agricultura urbana.

Depois desta breve perspectiva da unidade, vale a pena considerar como é que ela
participa nas quatro importantes áreas de políticas e práticas discutidas acima: formação
e educação, investigação e desenvolvimento, provisão e incentivos materiais e morais.

(1) A força de trabalho aqui já é altamente qualificada – embora não em agricultura


urbana! Dos 147 trabalhadores, 50 têm ou formação em engenharia ou formação técnica
de nível intermédio. Os membros recém-chegados passam por um processo intensivo de
formação durante um período experimental de três meses. Esse período consiste numa
formação directa no local de trabalho, entre os restantes trabalhadores que já conhecem
bem as suas funções, bem como numa sala de aula formal. A unidade tem no seu centro
uma sala de aula que também serve de cantina para os almoços e lanches diários.

(2) O espírito da investigação e desenvolvimento participativo está vivo e recomenda-se


nesta unidade. A experimentação e as novas tecnologias acontecem rotineiramente.
Durante a minha visita, estavam a ser testados como controlo de pestes em diversos
cultivos líquido de fumo, uma biopreparação feita de folhas e frutos de mangueira,
amargoseira e noni. A interplantação – o crescimento de dois cultivos no mesmo canteiro
em alas alternadas, de forma a aumentar os resultados e melhorar a gestão das pestes –
é um outro foco da tecnologia da agricultura urbana. Numa das mais interessantes hortas
intensivas dos terrenos recentemente adquiridos, um tomate híbrido israelita não estava a
resultar quando semeado experimentalmente em alas alternadas com couve. Esta couve
tinha funcionado bem, previamente, quando havia sido interplantada com cenoura e
alface. Num canteiro de "controlo" colocado perto, o tomate plantado isoladamente tinha
muito mais sucesso. Entre outras novas tecnologias que foram, ou serão em breve,
introduzidas contam-se a utilização de água magnetizada na irrigação e o enraizamento
directo de enxertos de árvores de fruto. Está também para ser introduzido este ano um
hectare de cultivo semiprotegido. Embora esta última tecnologia tenha sido desenvolvida
em Cuba, continua a precisar de algumas importações (sistemas de irrigação) e, portanto,
de moeda forte. Será instalada em uma ou duas centenas de hectares durante este ano.
Havana receberá trinta hectares e a unidade de produção de Alamar terá uma delas.

(3) A unidade produz algumas das suas próprias sementes e a maioria das suas plantas
criadas a partir da semente, com outros consumíveis comprados. Tem um contrato para a
aquisição de biopesticidas. Produz todos os seus próprios compostos para os canteiros no
organoponico e nas hortas intensivas com resíduos orgânicos das suas próprias operações,
bem como com a compra de estrume numa quinta próxima que cria animais. Com a
excepção da parte da unidade que era até há pouco tempo um organoponico do Estado,
não há utilização de qualquer água canalizada da cidade para a irrigação. Construiu seis
poços que fornecem as quantidades necessárias de água para a irrigação dos cultivos em
terrenos virgens contíguos à unidade. O factor limitativo e difícil é a disponibilidade e o
transporte de matéria orgânica para ser utilizada como matéria-prima na produção de
composto.

(4) Um incentivo moral para a unidade como um todo advém da sua condição de centro
de excelência, atribuída a algumas unidades por todo o país. Essa condição, uma vez
atingida, tem que ser mantida através do escrutínio continuado de equipas de inspecção
que visitam a unidade uma vez a cada três meses. Na própria unidade, a filosofia de base
da atencion al hombre (uma versão cubana daquilo a que chamamos "recursos humanos")
assegura que os incentivos, quer morais, materiais e individuais quer colectivos, são
suficientes para atrair membros qualificados e estáveis. As condições de trabalho
dignificadas incluem uma jornada de trabalho diária de sete horas (das 7h00 às 15h00,
com uma pausa para almoço), instalações sanitárias adequadas e almoço saudável e
gratuito maioritariamente baseado na própria produção da unidade. Há oportunidades,
dentro e fora do local, para os membros poderem aperfeiçoar a sua formação; muitos
membros frequentam cursos nos pólos universitários do seu município, que são parte de
um grande esforço de Cuba para universalizar a educação superior. Há também membros
que participam nos programas culturais na Casa de Cultura local e os residentes nas zonas
urbanas têm oportunidade de assistir a espectáculos de dança ou teatro à noite. A
liderança da unidade está empenhada em fazer o que está ao seu alcance para espalhar a
percepção de que o trabalho se baseia na ciência e na tecnologia. Longe vão os dias em
que a agricultura era vista como um trabalho pesado, feito por camponeses atrasados que
trabalhavam de sol a sol. A ideia é apoiar a auto-estima dos trabalhadores e, em
simultâneo, aumentar o respeito da sociedade por eles e pela sua contribuição.

Encorajar um sentido de "propriedade" entre os membros faz parte do tratamento dos


trabalhadores com a dignidade que eles merecem. Não só os rendimentos estão
dependentes das receitas geradas pelas vendas, mas a assembleia-geral da cooperativa,
composta por todos os seus membros, decide sobre a distribuição desse rendimento,
seguindo quer as leis gerais que se aplicam às cooperativas quer as suas regulações
internas. As questões financeiras da unidade são completamente transparentes para os
membros. Com efeito, os escritórios centrais exibem na parede um quadro com
informação financeira acerca das operações do último mês, bem como os saldos
acumulados desse ano até ao momento. A percentagem de cumprimento do plano anual
em relação à percentagem planeada até ao momento é também divulgada nesse quadro.
A informação disponibilizada inclui as receitas e despesas totais (incluindo cada salário
pago), o custo em pesos das receitas, dos lucros, da média salarial e do rendimento
médio para a unidade. O último ponto deve ser enfatizado: os membros da cooperativa
recebem um salário. Além disso, cerca de metade dos lucros são distribuídos em
rendimento individual e o resto vai para despesas sociais colectivas, incluindo o
investimento.

Podemos ter uma ideia dos incentivos materiais oferecidos aos membros da cooperativa
através de um resumo da informação disponibilizada no quadro do escritório em Março de
2007. O rendimento médio planeado para 2007 foi 8528 pesos, com 1421 pesos para os
dois primeiros meses. O rendimento médio real nos dois primeiros meses foi 1629 pesos.
Por conseguinte, o rendimento mensal real para os membros, chegando aos 815 pesos,
excedeu o rendimento médio mensal planeado de 711 pesos em 15 por cento e o
rendimento médio mensal dos trabalhadores assalariados do Estado, que é de 385 pesos,
em 12 por cento. Não surpreende que um estudo de 2005 sobre unidades de produção de
agricultura urbana, que incluía Alamar, tenha concluído que 35 dos 50 membros a
trabalhar estivessem ao serviço há mais de cinco anos36.

Visitei um conjunto de outras cooperativas agrícolas em Havana. Uma delas, a


Cooperativa de Crédito e Serviços (CCS) Arides Estevez Sanchez, fica no extremo
ocidental de Havana, no município de Playa. Claramente opulenta e próspera, a CCS tem
uma área colectiva que consiste num organoponico e em três estufas que produzem
tomates e pepinos para os hotéis turísticos. Tem 140 membros e 90 lotes (mais de vinte
de propriedade individual e os restantes de propriedade comum). Produzem composto e
adubo orgânico suficientes para ter uma parte disponível para venda. A obrigação mais

36 Gema González Hernández, Practicas Agroecológicas: Desarrollo y Limitaciones en las Cooperativas (UBPC)
Urbanas , Tese de mestrado, FLACSO, Universidade de Havana, 2005, p. 126.
importante desta cooperativa é honrar os seus contratos com 38 escolas que necessitam
de oito libras mensais de vegetais por estudante. A CSS tem um veículo pesado que faz a
distribuição pelas escolas. Outros "organismos autorizados" compram também sob
contrato na cooperativa, mas têm que ter o seu próprio transporte. Além disso, a CSS tem
diversos pontos de venda directa à população. As autoridades locais determinam os
preços de acordo com tabelas de preços mensais ou trimestrais (para as escolas). Os
preços dos pontos de venda são estabelecidos cerca de 20 por cento abaixo dos preços
correspondentes nos mercados agrícolas nos quais a CSS não participa.

Longe da zona central, há um pequeno organoponico (o Organoponico Girasol),


propriedade desta cooperativa, mas detido por dois membros. Com uma dimensão de
apenas 0,22 hectares, tem o seu próprio poço para a irrigação e especializou-se na
produção de flores. Produz o seu próprio adubo orgânico e tem o seu ponto de venda nas
próprias instalações. Um dos "proprietários" é especialista em irrigação e ensina a sua
especialidade a um círculo de interesses numa escola secundária. E, de acordo com ele,
não é caso único: muitos membros da CSS visitam regularmente escolas ou recebem
visitas de alunos nos seus lotes.

Além dessas experiências "cooperativas", há centenas de milhares de lotes e quintais com


horta com menos de um quarto de acre em Havana. Essas hortas dão as suas
contribuições individuais à agricultura urbana. Por exemplo, um lote em Vedado, no
município de Plaza, está dedicado à produção de plantas medicinais. Em 1992, o
"proprietário", A. Falcon, era um trabalhador comum sem qualquer experiência na
agricultura quando lhe foi atribuída a tarefa de recuperar um lote abandonado, cheio de
lixo, e de aí produzir plantas medicinais, numa altura em que o governo se virava para a
"medicina verde" na atmosfera pesada do Período Especial. Hoje, quinze anos depois,
cerca de 40 plantas diferentes crescem em canteiros dedicados no organoponico . Os
canteiros são construídos com recurso a composto e adubo orgânico produzido no local,
com desperdício de matéria vegetal gerado no lote e com estrume obtido das galinhas ali
criadas37. Além disso, aos fins-de-semana, Falcon recolhe folhas das ruas das redondezas
e junta-as ao seu composto e obtém cascas de laranja e outros desperdícios dos mercados
agrícolas. Tem planos para criar coelhos e peixe, de modo a gerar mais matéria orgânica.

As pestes estão controladas pela diversificação e a plantação de plantas repelentes, bem


como pela limpeza manual nos casos de pragas de caracóis. Há, em geral, alguns
problemas. Quando há necessidade, Falcon procura ajuda e aconselhamento na Tienda
Consultorio del Agricultor [loja e aconselhamento do agricultor] local. Todas as suas
vendas são feitas directamente no lote: os vizinhos passam por lá para comprar plantas
medicinais e "espirituais" a dois pesos o ramo. Mais importante, porém, do que o seu
papel de produtor de plantas medicinais é a sua capacidade e vontade de partilhar o
conhecimento que adquiriu durante os últimos quinze anos com a comunidade. Ele saúda
a chegada de grupos de alunos enviados pelas suas escolas para visitar o lote. Ele próprio
visita escolas para dar workshops de cultivo e preservação de ervas e plantas, através de
secagem e conservação. Aconselha os vizinhos sobre como podem começar a sua própria
horta ou produção em telhados. Dá igualmente consultas a médicos que, muitos dos
quais, não dispõem de grandes conhecimentos acerca das plantas medicinais.

O seu compromisso com a melhoria do ambiente da sua comunidade é confirmado pela


sua participação vigorosa no Mi Programa Verde. Criou plantas ornamentais, muitas
recuperadas de entre as plantas que outros dispensaram, nalguns metros que separam a
estrada do portão do lote. E, entre o passeio e a berma da estrada em frente à parcela ,
plantou diversas árvores. O que era um lote abandonado e cheio de entulho é hoje um
espaço verde, e o Mi Programa Verde está a correr bem.

Um outro exemplo interessante de contribuição individual é o patio que pertence ao Dr.

37 Falcon afirma: "Comecei com cem minhocas, agora tenho milhões".


Raul Gil, na sua casa na cidade de San Miguel del Padron. O proprietário da casa tem um
mestrado em psiquiatria social e é director de um centro de saúde mental na cidade de
Regla. Depois de se ter interessado pela eficácia da "terapia das plantas" no tratamento
de problemas de saúde mental, decidiu aprender como criar plantas para utilização clínica
e, em 1995, contactou Miguel Salcines (da UBPC de Alamar) para obter ajuda. Na sua
casa, tinha um quintal com terreno que não utilizava. Ao lado da sua casa estava uma
fábrica abandonada, transformada numa lixeira infestada de ratazanas e baratas e num
espaço de actividades sociais "indesejáveis". O Dr. Gil pediu autorização às autoridades
locais para utilizar esse espaço. Quando o seu pedido foi aceite, limpou a "lixeira",
retirando 23 camiões de lixo.

Hoje, no seu quintal, incluindo o espaço adicional de que fez uso, está uma horta de
alface, beterraba, pepino, feijão verde, espinafres, cebola, acelga suíça, salsa, hortelã e
coentro, produzindo em pequenos canteiros, com recurso a grandes canos de água
cortados ao meio, e banana, manga, tamarindo, tangerina, figo e goiaba. Para plantar as
árvores, o Dr. Gil abriu buracos de um metro de diâmetro e 80 centímetros de
profundidade, antes de os encher com um mistura de solo, adubo orgânico e composto,
para que as árvores criadas a partir de semente pudessem ser transplantadas para cada
um dos buracos. É também criado orégão (um repelente de pestes) e milho (que atrai
insectos benéficos) para controlo das pestes. A amargoseira e a noni dão uma protecção
adicional. Por último, estão também a ser criadas árvores bonsai.

As sementes, bom como outros consumíveis e assistência técnica, vêm da Tienda


Consultorio del Agricultor. O Ministério da Agricultura fornece matéria orgânica
gratuitamente. Há plantas para começar a produção de adubo orgânico numa banheira na
horta. Numa segunda banheira, são utilizados sapos para controlar os mosquitos.

Ainda assim, o patio não produz qualquer produto para venda! Tal como sucede com a
maioria dos 60 mil patios de Havana, todos os produtos são utilizados para a auto-
suficiência e/ou para partilha com os vizinhos. Portanto, a contribuição deste patio para a
agricultura urbana de Havana não é tanto a produção, mas o seu impacto no ambiente
físico e social da comunidade.

E este impacto é maior do que a pequena descrição feita acima pode sugerir: todos os
sábados de manhã durante duas horas, o Dr. Gil e a sua esposa promovem um workshop
educacional para as crianças da vizinhança. Durante a minha visita, cerca uma dezena de
jovens, a maioria com menos de dez anos, frequentava essas formações. A primeira
metade do workshop era composta de instrução teórica e discussão sobre a questão do
ambiente físico e social. Depois de um intervalo, seguia-se a formação prática na horta. As
crianças aprendiam a plantar sementes e criar plantas, a ser sensíveis para com o
ambiente, a comportar-se na praia e a relacionar-se entre si. Também desenvolviam
actividades como o desenho.

O Dr. Gil encara essas actividades como desenvolvimento ambientalmente focado na


comunidade: ao mesmo tempo que os alimentos são produzidos, alteram-se as atitudes
em relação ao ambiente físico e social. O seu sucesso na conversão de uma
monstruosidade urbana numa horta bonita e produtiva e num projecto de
desenvolvimento comunitário impressionante com as crianças gerou o reconhecimento
nacional.
Conclusão
O título de 8 de Junho de 2008 da Associated Press era "O programa de agricultura urbana
em Cuba, um sucesso formidável". E, de facto, assim é, em diversos sentidos. Os dois
últimos exemplos ilustram um ponto fundamental acerca da agricultura urbana como é
praticada em Havana e, em geral, na ilha: não se trata apenas de economia, ou seja, de
produzir alimentos, ou até apenas de produzir alimentos e criar emprego. Trata-se
também do desenvolvimento da comunidade e da preservação e melhoramento ambiental,
proporcionando uma vida mais saudável e rica nas cidades. Com efeito, quando o director
do Le Monde diplomatique , a certa altura durante as duzentas horas de entrevistas em
2005, perguntou a Fidel Castro sobre as medidas de preservação ambiental em Cuba que
ele destacaria, Castro referiu a agricultura urbana como a principal38.

Tal como para o impacto na produção de alimentos, podemos concluir definitivamente


que, devido à agricultura urbana, os residentes em Havana têm acesso a uma produção
mais fresca e melhorada, e não apenas em quantidade, mas também em qualidade e
diversidade.

Mesmo com recursos escassos, tornados ainda mais dramáticos devido ao bloqueio
imposto pelos Estados Unidos, Cuba tem como perspectiva expandir o seu sucesso na
agricultura urbana com as suas úteis inovações e avanços no conhecimento básico, na
tecnologia e na organização social. Os ingredientes básicos de tal sucesso existem já em
Cuba: uma população formada; um governo central orientado para as pessoas,
comprometido e empenhado socialmente, que dá apoio e condições organizacionais a todo
o esforço; e um amplo estímulo à iniciativa descentralizada e à tomada de decisões pelos
produtores na base, encorajando as soluções locais para os problemas locais.

A agricultura urbana em Havana é um modelo de auto-suficiência urbana que vale a pena


seguir. Mas há um alerta que se impõe: pode não ser fácil, ou mesmo possível, replicar
noutros sítios todos os factores que tornaram possível o sucesso de Cuba. Mas quanto
mais um país avançar nessa direcção, mais hipóteses tem de construir uma sociedade
mais verde e humana.

........................................

38 Fidel Castro, My Life , Ignacio Ramonet, ed., Penguin, Londres, 2008, p. 400.

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