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Por Sinan Koont, professor de economia e coordenador de Estudos Latino-Americanos no Dickinson College, em Carlisle, na Pensilvânia.
A Agricultura Urbana em Havana
Por Sinan Koont, professor de economia e coordenador de Estudos
Latino-Americanos no Dickinson College, em Carlisle, na Pensilvânia.
Passou recentemente um semestre sabático em Cuba a estudar
agricultura urbana.
O original encontra-se em http://monthlyreview.org/090119koont.php.
Tradução de Zion Edições, http://www.zionedicoes.org.
I. Introdução
Durante os últimos quinze anos, Cuba desenvolveu um dos exemplos mais bem-sucedidos
de agricultura urbana no mundo. Havana, a capital de Cuba, com uma população de mais
de dois milhões de pessoas, tem protagonizado um papel proeminente, se não dominante,
na evolução e na revolução deste tipo de agricultura. A expressão "agricultura urbana em
Cuba" tem um significado algo diferente, simultaneamente mais e menos restritivo do que
pode parecer à primeira vista. É mais inclusiva, visto que ocupa extensões mais amplas,
franjas urbanas e terrenos suburbanos. Por exemplo, toda a área cultivada da província
Cidade de Havana está ocupada com agricultura urbana. A definição inclui terreno que é
muito mais rural que urbano – alguns dos municípios da cidade nas partes este e sudoeste
têm densidades populacionais relativamente baixas, cerca de 2300 a 3500 pessoas por
milha quadrada [1 milha quadrada=2,59 quilómetros quadrados. N.T], contra 50 000 a
100 000 pessoas por milha quadrada nas partes mais densamente povoadas. Como
resultado, mais de 35 000 hectares (mais de 87 000 acres) de terra estão a ser utilizados
com agricultura urbana em Havana!1 O desenvolvimento sério da agricultura urbana em
Cuba começou em simultâneo com o desaparecimento de petroquímicos, como
fertilizantes e pesticidas, dos mercados cubanos. Consequentemente, a produção urbana
utiliza apenas fertilizantes biológicos e técnicas de controlo de pragas biológicas e
culturais. As quantidades limitadas de petroquímicos disponíveis são empregues numas
poucas culturas não-urbanas como o açúcar, as batatas e o tabaco. Em Cuba, a distinção
entre orgânico e urbano é difícil de fazer, visto que quase toda a agricultura urbana segue
práticas orgânicas.
A necessidade sentida por Cuba de se virar para a agricultura urbana e orgânica no início
dos anos 1990 é bem conhecida e compreendida. O colapso da União Soviética e o fim do
comércio no âmbito do COMECON em condições bastante favoráveis ditaram o fim da
agricultura industrial de tipo soviético, de larga escala, que Cuba vinha praticando desde,
pelo menos, os anos 1970. Quase de um dia para o outro, o gasóleo, a gasolina, camiões,
maquinaria agrícola, peças sobressalentes para camiões e maquinaria, bem como
fertilizantes e pesticidas de base petroquímica, tornaram-se bastante escassos. Perante a
crise severa na produção de alimentos, uma viragem para a agricultura urbana pareceu
ser uma solução óbvia e necessária: a produção urbana minimizava os custos de
transporte e a produção de pequena escala minimizava a necessidade de maquinaria. A
produção agro-ecológica (aplicando os princípios da ecologia às práticas agrícolas), em
parte, necessitava de zonas de produção perto das áreas de habitação de grande
1 No entanto, só 10 mil hectares são utilizados para cultivo. O restante é utilizado para criação animal, florestação e
produção de frutos.
concentração de pessoas e, ao mesmo tempo, evitava a utilização de fertilizantes e
pesticidas petroquímicos tóxicos que haviam deixado de estar disponíveis.
Menos bem conhecidas, mas talvez igualmente importantes, são as razões de prudência e
segurança nacional que pressionaram Cuba nessa direcção desde os anos 1970. Cuba
estava, e ainda está, sob um bloqueio parcial por parte dos Estados Unidos. Mais
ameaçadora ainda, e sempre presente, é a possibilidade de um bloqueio total sobre a ilha.
Desde cedo, as instituições científicas começaram a investigar a possibilidade de substituir
a produção importada, incluindo a produção agrícola, o que tornaria a ilha menos
dependente de bens importados2. Ao mesmo tempo, no Ministério da Defesa (e não no
Ministério da Agricultura, que tratava da agricultura industrial de alto consumo) e em
instituições como o Instituto Nacional
de Reservas do Estado (INRE), dava-
se início a programas para estudar as
respostas possíveis a uma ruptura
total de importações de petróleo. Foi
durante a visita ao Projecto Hortícola
das Forças Armadas em 27 de
Dezembro de 1987 que Raul Castro,
na qualidade de ministro da Defesa,
encorajou a introdução de uma
tecnologia que veio, mais tarde, a
ser empregue na agricultura urbana. Canteiro para cultivo organopônico.
O general Moises Sio Wong – dirigente do INRE – relembrou essa visita a Raul Castro dez
anos mais tarde durante uma outra visita: uma engenheira agrícola, apresentada por Sio
Wong simplesmente como "Engenheira Anita", levou a cabo algumas experiências bem-
sucedidas no cultivo de vegetais sem o recurso a petroquímicos 3. Castro afirmara nessa
altura que era desejável a generalização desses métodos de cultivo. Por conseguinte, já
em 1987, quatro anos antes do colapso da União Soviética, os chamados organoponicos,
construções rectangulares – de cerca de trinta metros por um metro –, contendo canteiros
elevados de uma mistura de solo com matéria orgânica como adubo, começaram a ser
estabelecidos em instalações das forças armadas.
2 Soledad Díaz Otero e Emilio García Capote, "Organización de la Investigación y su Infraestructura en el Sector
Agraria", in AAVV, Las Investigaciones Agropecuarios en Cuba: Cien Años Después, Havana, 2006, pp. 1-21;
Libertad García López e José Luís García Cueva, "Investigación, Formación de Profesionales y Estudios de
Posgrado en la Educación Superior Agropecuario en Cuba", in AAVV, Las Investigaciones Agropecuarios en
Cuba, pp. 22-57.
3 Raul Castro Ruz, Desatar los Nudos que atan el Desarollo a las Fuerzas Productivas, ACTAF, Havana, 1997.
No entanto, foi só no final de 1991 que o primeiro organoponico "civil" em Havana foi
operacionalizado, num lote vazio de dois acres em frente à sede do INRE, no distrito de
Miramar. Desde então, o organoponico transformou-se num dos sustentáculos do cultivo
de vegetais na agricultura urbana cubana4.
Assim, no tempo em que a crise tornou inevitável a mudança da produção agrícola para as
cidades, pelo menos algumas partes da estrutura institucional cubana foram capazes de
responder com tecnologias, políticas e práticas que haviam sido desenvolvidas durante um
largo período de tempo antes da crise.
Além disso, há também os patios (hortas caseiras privadas que produzem principalmente
para consumo familiar), lotes de terra individuais, quintas do Estado e areas de
autoconsumo (empresas do Estado que produzem alimentos para consumo dos seus
trabalhadores).
4 Moisés Sio Wong, "General y Agricultor, Una Experiencia", Agricultura Orgánica 12, n.º 2, 2006, pp. 2-3.
5 Eugenio Fuster Chepe, "Diseño de la Agricultura Urbana Cubana", Agricultura Orgánica 12, n.º 2, 2006, p. 6.
6 Grupo Nacional de Agricultura Urbana, Manual Técnico de Organiponicos y Huertos Intensivos, Ministerio de la
Este sistema organizado de produção começou a funcionar em 1994 e adquiriu a sua
forma mais ou menos final em 1997. Com ele, Cuba atingiu resultados que pareceriam
muito pouco plausíveis em 1991. A produção aumentou muito rapidamente. A dieta dos
cubanos beneficiou da introdução dos produtos agrícolas orgânicos produzidos localmente.
Nas cidades cubanas, o ambiente beneficiou porque elas tornaram-se mais verdes devido
aos cultivos (especialmente acoplados à reflorestação urbana, a ser discutida adiante) e
também pelo facto de que tudo isso foi concretizado de forma agro-ecológica. Os lotes de
terra anteriormente utilizados como lixeiras desordenadas e feias foram transformados em
terra produtiva. O ambiente social e económico ficou favorecido pela criação de fontes
consideráveis de emprego urbano e pela incorporação de trabalhadoras e jovens abaixo
dos 35 anos, importantes em termos da sustentabilidade de longo prazo da agricultura
urbana, bem como de reformados, trazendo-lhes resultados e saúde. Finalmente, a
construção de comunidade e os efeitos terapêuticos da agricultura urbana são mais-valias
significativas desses esforços.
No entanto, o quadro descrito acima é apenas uma contextualização geral. Ele necessita
de ser preenchido com políticas e práticas reais antes de ser apropriadamente avaliado em
termos da sua eficácia na promoção da agricultura urbana em Cuba. Abaixo, discuto
brevemente quatro áreas fundamentais dessas políticas e práticas, cada uma das quais
poderia facilmente ser o tema de uma monografia:
20 Cálculos do autor com base em: Companioni Concepción, La Agricultura Urbana: Un Sistema Alternativa de
Produccion de Alimentos en Cuba , slide 6; Grupo Provincial de Agricultura Urbana en la Ciudad de la Habana,
La Agricultura Urbana en los Municipios de Ciudad de la Habana con Enfoque Sostenible u Agroecológico ,
apresentação Powerpoint, slide 4, Havana, 2006.
21 Tradução livre.
22 Rodríguez Castellón, "La Agricultura Urbana y la Producción de Alimentos: la Experiencia de Cuba", p. 86.
23 Elaborado pelo autor utilizando dados de Companioni Concepción, "Particularidades del Movimiento
Extensionista en la Agricultura Urbana", slide 6.
24 Grupo Provincial de Agricultura Urbana en la Ciudad de la Habana, La Agricultura Urbana en los Municipios de
Ciudad de la Habana con Enfoque Sostenible u Agroecológico , slide 6.
No entanto, tal como ocorreu no resto do país, Havana conseguiu aumentar a sua
produção de vegetais muito rapidamente25. Os dados da Tabela 1 correspondem a um
crescimento anual de 38 por cento durante os oito anos considerados.
O resultado de 2005 corresponde a cerca de 340g diárias per capita para os habitantes
de Havana, um pouco abaixo da quantidade atingida noutras províncias, mas
significativamente acima das recomendações da FAO.
Muitos outros tipos de cultivo também aumentaram bastante em Cuba. A Tabela 2, que
apresenta dados entre 1999 e 2001, revela avanços na produção de outros cultivos
durante esse período. O programa de vegetais de Cuba cresceu de 62,6 mil toneladas
para 132,2 mil toneladas de produção26.
Esse rápido crescimento foi atingido pela extensão de área cultivada e, talvez mais
importante, por estar ligado a alterações tecnológicas e organizacionais da produção agro-
ecológica de pequena escala. A crescente força de trabalho empregue na agricultura
urbana tornou-se cada vez mais qualificada devido ao método aprender-fazendo e à
formação de especialistas. Igualmente, a sua produtividade foi estimulada através de
esquemas de remuneração que geraram rendimentos para os trabalhadores de acordos
com os resultados atingidos na produção.
A força de trabalho na agricultura urbana em Havana cresceu de nove mil em 1999 para
23 mil em 2001 e para mais de 44 mil em 2006 27. A agricultura urbana em Havana é de
25 Ibid. , slide 13.
26 Com base na Tabela 1 in Adela Cuba, Participacion en la Esfera de Sanidad Vegetalen el Movimiento Cooperativo
de la Agricultura Urbana, Tese de mestrado, FLACSO, Universidade de Havana, 2002, p. 62.
27 Cuba, Participacion en la Esfera de Sanidad Vegetalen el Movimiento Cooperativo de la Agricultura Urbana , p.
maior trabalho intensivo que no resto do país. Apesar de Havana ter apenas 3 por cento
do terreno agrícola urbano em Cuba, emprega cerca de 12,5 por cento da força de
trabalho da agricultura urbana da província. Cerca de 25 por cento dessa força de trabalho
é feminina, uma percentagem que sobe acima dos 35 e 50 por cento, respectivamente,
entre os trabalhadores tecnicamente qualificados de nível médio e alto28.
Havana trabalha muito a sua agricultura. Em 3 por cento do terreno agrícola urbano,
produz cerca de 6,5 por cento dos vegetais de agricultura urbana. A distribuição alimentar
faz-se através de venda directa em centenas de locais de produção e/ou estabelecimentos
integrados numa unidade de produção ou noutro local, aprovados pelas autoridades locais.
Cerca de 60 por cento da produção a nível nacional é distribuída desta forma. Cerca de 11
por cento é vendida em dois tipos de mercados agrícolas: uns em que os preços flutuam
livremente e os mercados estatais com preços mais reduzidos. O governo local controla os
preços nos mercados estatais, definindo-os de acordo com tabelas de preços mensais.
Unidades de produção como famílias e instituições consomem cerca de 22 por cento
desses produtos. São feitas provisões especiais para outras necessidades sociais, como
escolas, hospitais e universidades. Nessas situações, os produtores e os consumidores
estabelecem contratos de alimentação a preços definidos pelas autoridades locais por três
meses. Esses preços são geralmente baixos e constituem um imposto sobre os
produtores. O cumprimento dessas obrigações sociais é supervisionado e feito cumprir em
termos de qualidade, quantidade e rapidez na entrega, que é da responsabilidade do
produtor. Este modelo de consumo social utiliza 2 por cento do produto a nível nacional 29.
Em Havana, dada a densidade institucional e populacional, as quantidades utilizadas pelo
consumo social e de auto-suficiência são necessariamente maiores. Com efeito, em 2006,
as entregas para essas necessidades sociais chegaram às 1300 toneladas por mês, ou
seja, quase 6 por cento do produto30.
Um bom problema para Havana é que está lentamente a ficar sem terrenos cultiváveis
inutilizados para recuperar e pôr a uso. De 35 890 hectares, só 2970 não eram ainda
utilizados para pastagem, floresta e terreno de cultivo em 15 de Novembro de 200631. A
Misión al 2007 propôs-se recuperar todos esses terrenos, terras devolutas e lixeiras e
replantá-los com floresta e árvores de fruto32.
Mas isso também significa que, daqui para frente, os ganhos adicionais, por exemplo, na
produção de vegetais vêm de: (1) realocação de terrenos entre as três utilizações
(cultivos, criação animal e floresta); (2) melhor interligação entre as três; (3) interior da
área dedicada à produção de vegetais, passando mais dessa área para técnicas mais
64; Raisa Pages, "Una Ciudad Agroecológica", Agricultura Orgánica 12, n.º 2, 2002, p. 17.
28 Pages, "Una Ciudad Agroecológica", p. 18.
29 Companioni Concepción, La Agricultura Urbana: Un Sistema Alternativa de Produccion de Alimentos en Cuba ,
slide 37.
30 José Puente Nápoles, "La Agricultura Urbana Asume el Abastecimiento de Hortalizas a Círculos Infantiles,
Escuelas y Hospitales", Agricultura Orgánica 12, n.º 2, 2006, p. 22.
31 Orlando Acosta Mirrelles, "Misión al 2007", Agricultura Orgánica 12, n.º 2, 2006, p. 14.
32 Ibid., 15.
intensivas, como o organoponico e uma tecnologia desenvolvida em Cuba e quase de
origem exclusivamente cubana recentemente introduzida – o cultivo semiprotegido nos
organoponicos e nas hortas intensivas. Semiprotegido significa a instalação nos canteiros
de filtros de cobertura assentes em postes, permeáveis à chuva e sem quaisquer
estruturas de parede. Essa tecnologia aumenta os resultados e possibilita a produção de
certos vegetais sensíveis a radiações solares intensas durante o Verão.
O aumento na quantidade de terra sob cultivo não derivou da compra de terras, dado que
não há mercado de terras em Cuba, mas de dois tipos diferentes de aquisições. O
primeiro, uma área adjacente de mais de seis hectares foi absorvida pela unidade de
produção, depois de os ocupantes desses terrenos terem começado a abandonar os seus
lotes quando a economia cubana começou a melhorar nos anos mais recentes. Essa nova
área está actualmente a ser desenvolvida em huertos intensivos adicionais. O segundo
acrescento deveu-se à decisão do Estado de ceder um organoponico estatal de 1,2
hectares, situado perto mas não adjacente à unidade Organoponico Vivero Alamar, devido
a dificuldades em manter níveis de produção adequados. Os 27 trabalhadores estatais da
antiga unidade não foram dispensados. Foram incorporados na unidade de produção como
membros da cooperativa. Isso representa parte do aumento da força de trabalho,
diversificando os seus esforços no cultivo e na comercialização. Novos trabalhadores foram
contratados durante períodos experimentais de três meses, findos os quais tornam-se em
regra membros da cooperativa. Por conseguinte, cerca de 135 das quase 150 pessoas que
trabalham na unidade de produção são membros da cooperativa.
A unidade produz uma grande variedade de vegetais. Os cinco principais são alface,
acelga suíça, tomate, pepino e couve, seguidos por beterraba e beringela. Também produz
cenoura, feijão verde, aipo, couve-flor, hortelã, salsa, quiabo e pimento verde. Terá, em
breve, a funcionar instalações de produção de cogumelos comestíveis. Está em construção
uma capoeira com capacidade para mais de duzentas galinhas poedeiras. Quando estiver
concluída, contribuirá com ovos para venda e com estrume de galinha para o
organoponico.
35 Excepto quando é referido em contrário, toda a informação desta secção baseia-se nas minhas observações e
entrevistas com diversas pessoas durante a minha visita.
bem como fruta e árvores criadas a partir da semente para transplante.
Até 10 por cento da produção de vegetais desta unidade são utilizados socialmente, ou
seja, são vendidos a escolas e hospitais a preços reduzidos estabelecidos por contrato, ou
vendidos à indústria do turismo, obtendo moeda forte para o Ministério da Agricultura,
com a qual Cuba consegue importar os necessários consumíveis agrícolas.
Embora esta unidade não tenha uma ligação formal com uma escola, mantém uma política
de porta aberta para o aconselhamento de estudantes com projectos que para lá são
enviados por professores, bem como de adultos da comunidade com questões acerca da
agricultura urbana.
Depois desta breve perspectiva da unidade, vale a pena considerar como é que ela
participa nas quatro importantes áreas de políticas e práticas discutidas acima: formação
e educação, investigação e desenvolvimento, provisão e incentivos materiais e morais.
(3) A unidade produz algumas das suas próprias sementes e a maioria das suas plantas
criadas a partir da semente, com outros consumíveis comprados. Tem um contrato para a
aquisição de biopesticidas. Produz todos os seus próprios compostos para os canteiros no
organoponico e nas hortas intensivas com resíduos orgânicos das suas próprias operações,
bem como com a compra de estrume numa quinta próxima que cria animais. Com a
excepção da parte da unidade que era até há pouco tempo um organoponico do Estado,
não há utilização de qualquer água canalizada da cidade para a irrigação. Construiu seis
poços que fornecem as quantidades necessárias de água para a irrigação dos cultivos em
terrenos virgens contíguos à unidade. O factor limitativo e difícil é a disponibilidade e o
transporte de matéria orgânica para ser utilizada como matéria-prima na produção de
composto.
(4) Um incentivo moral para a unidade como um todo advém da sua condição de centro
de excelência, atribuída a algumas unidades por todo o país. Essa condição, uma vez
atingida, tem que ser mantida através do escrutínio continuado de equipas de inspecção
que visitam a unidade uma vez a cada três meses. Na própria unidade, a filosofia de base
da atencion al hombre (uma versão cubana daquilo a que chamamos "recursos humanos")
assegura que os incentivos, quer morais, materiais e individuais quer colectivos, são
suficientes para atrair membros qualificados e estáveis. As condições de trabalho
dignificadas incluem uma jornada de trabalho diária de sete horas (das 7h00 às 15h00,
com uma pausa para almoço), instalações sanitárias adequadas e almoço saudável e
gratuito maioritariamente baseado na própria produção da unidade. Há oportunidades,
dentro e fora do local, para os membros poderem aperfeiçoar a sua formação; muitos
membros frequentam cursos nos pólos universitários do seu município, que são parte de
um grande esforço de Cuba para universalizar a educação superior. Há também membros
que participam nos programas culturais na Casa de Cultura local e os residentes nas zonas
urbanas têm oportunidade de assistir a espectáculos de dança ou teatro à noite. A
liderança da unidade está empenhada em fazer o que está ao seu alcance para espalhar a
percepção de que o trabalho se baseia na ciência e na tecnologia. Longe vão os dias em
que a agricultura era vista como um trabalho pesado, feito por camponeses atrasados que
trabalhavam de sol a sol. A ideia é apoiar a auto-estima dos trabalhadores e, em
simultâneo, aumentar o respeito da sociedade por eles e pela sua contribuição.
Podemos ter uma ideia dos incentivos materiais oferecidos aos membros da cooperativa
através de um resumo da informação disponibilizada no quadro do escritório em Março de
2007. O rendimento médio planeado para 2007 foi 8528 pesos, com 1421 pesos para os
dois primeiros meses. O rendimento médio real nos dois primeiros meses foi 1629 pesos.
Por conseguinte, o rendimento mensal real para os membros, chegando aos 815 pesos,
excedeu o rendimento médio mensal planeado de 711 pesos em 15 por cento e o
rendimento médio mensal dos trabalhadores assalariados do Estado, que é de 385 pesos,
em 12 por cento. Não surpreende que um estudo de 2005 sobre unidades de produção de
agricultura urbana, que incluía Alamar, tenha concluído que 35 dos 50 membros a
trabalhar estivessem ao serviço há mais de cinco anos36.
36 Gema González Hernández, Practicas Agroecológicas: Desarrollo y Limitaciones en las Cooperativas (UBPC)
Urbanas , Tese de mestrado, FLACSO, Universidade de Havana, 2005, p. 126.
importante desta cooperativa é honrar os seus contratos com 38 escolas que necessitam
de oito libras mensais de vegetais por estudante. A CSS tem um veículo pesado que faz a
distribuição pelas escolas. Outros "organismos autorizados" compram também sob
contrato na cooperativa, mas têm que ter o seu próprio transporte. Além disso, a CSS tem
diversos pontos de venda directa à população. As autoridades locais determinam os
preços de acordo com tabelas de preços mensais ou trimestrais (para as escolas). Os
preços dos pontos de venda são estabelecidos cerca de 20 por cento abaixo dos preços
correspondentes nos mercados agrícolas nos quais a CSS não participa.
Hoje, no seu quintal, incluindo o espaço adicional de que fez uso, está uma horta de
alface, beterraba, pepino, feijão verde, espinafres, cebola, acelga suíça, salsa, hortelã e
coentro, produzindo em pequenos canteiros, com recurso a grandes canos de água
cortados ao meio, e banana, manga, tamarindo, tangerina, figo e goiaba. Para plantar as
árvores, o Dr. Gil abriu buracos de um metro de diâmetro e 80 centímetros de
profundidade, antes de os encher com um mistura de solo, adubo orgânico e composto,
para que as árvores criadas a partir de semente pudessem ser transplantadas para cada
um dos buracos. É também criado orégão (um repelente de pestes) e milho (que atrai
insectos benéficos) para controlo das pestes. A amargoseira e a noni dão uma protecção
adicional. Por último, estão também a ser criadas árvores bonsai.
Ainda assim, o patio não produz qualquer produto para venda! Tal como sucede com a
maioria dos 60 mil patios de Havana, todos os produtos são utilizados para a auto-
suficiência e/ou para partilha com os vizinhos. Portanto, a contribuição deste patio para a
agricultura urbana de Havana não é tanto a produção, mas o seu impacto no ambiente
físico e social da comunidade.
E este impacto é maior do que a pequena descrição feita acima pode sugerir: todos os
sábados de manhã durante duas horas, o Dr. Gil e a sua esposa promovem um workshop
educacional para as crianças da vizinhança. Durante a minha visita, cerca uma dezena de
jovens, a maioria com menos de dez anos, frequentava essas formações. A primeira
metade do workshop era composta de instrução teórica e discussão sobre a questão do
ambiente físico e social. Depois de um intervalo, seguia-se a formação prática na horta. As
crianças aprendiam a plantar sementes e criar plantas, a ser sensíveis para com o
ambiente, a comportar-se na praia e a relacionar-se entre si. Também desenvolviam
actividades como o desenho.
Mesmo com recursos escassos, tornados ainda mais dramáticos devido ao bloqueio
imposto pelos Estados Unidos, Cuba tem como perspectiva expandir o seu sucesso na
agricultura urbana com as suas úteis inovações e avanços no conhecimento básico, na
tecnologia e na organização social. Os ingredientes básicos de tal sucesso existem já em
Cuba: uma população formada; um governo central orientado para as pessoas,
comprometido e empenhado socialmente, que dá apoio e condições organizacionais a todo
o esforço; e um amplo estímulo à iniciativa descentralizada e à tomada de decisões pelos
produtores na base, encorajando as soluções locais para os problemas locais.
........................................
38 Fidel Castro, My Life , Ignacio Ramonet, ed., Penguin, Londres, 2008, p. 400.