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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE CAMPINAS

CENTRO DE LINGUAGEM E COMUNICAÇÃO

FACULDADE DE JORNALISMO

FÁBIO BONILLO FERNANDES CARVALHO

LANA TORRES SILVA

MAÍRA RODRIGUES VICENTIM

RELATÓRIO DE FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA DO


PROJETO EXPERIMENTAL "MÃOS AZUIS – UMA
FÁBULA FOTOGRÁFICA SOBRE TORITAMA,
CAPITAL DO JEANS”

CAMPINAS
2009
FÁBIO BONILLO FERNANDES CARVALHO
LANA TORRES SILVA
MAÍRA RODRIGUES VICENTIM

RELATÓRIO DE FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA DO


PROJETO EXPERIMENTAL "MÃOS AZUIS – UMA
FÁBULA FOTOGRÁFICA SOBRE TORITMA,
CAPITAL DO JEANS”

Relatório de Fundamentação Teórica elaborado


como exigência parcial para aprovação na
disciplina Projeto Experimental, da Faculdade de
Jornalismo, do Centro de Linguagem e
Comunicação, da Pontifícia Universidade Católica
de Campinas, sob a orientação do Prof. Dr. Celso
Bodstein

PUC-CAMPINAS
2009
FICHA CATALOGRÁFICA
COMPOSIÇÃO DA BANCA EXAMINADORA

__________________________________
Prof. Celso Luis Bodstein
Orientador

__________________________________
Prof. Wagner Geribello

__________________________________
Prof. Nelson Chinalia
A Fran, Sylas, Iolanda, Tita, Telinha e Júlio
A Edilson, Ivone, Nathan, Teresa
A Stella e ao Gustavo
A Nice, Baiaco, Gil, Raquel, Kleber, Márcio
Romero
Ao povo de Toritama
Ao menor grupo de afinidades da faculdade de
jornalismo
e
Aos nossos mentores espirituais no jornalismo:
Henfil e Eugênio Bucci.
Agradecemos àqueles que, assim como nós,
sobreviveram ao nosso estresse durante a
caminhada rumo ao "Mãos Azuis":

Às nossas famílias, que tornaram este projeto


possível.

À república UPAA (os antigos e atuais


integrantes), que fez as vezes de família para Lana
em Campinas.

Ao Grupo de Pesquisa em Gênero, Meio Ambiente


e Planejamento de Politicas Publicas da UFPE,
especialmente à integrante Raquel Lindôso, que
foi nossa guia e amiga em Pernambuco.

À Associação Comercial e Industrial de Toritama,


que manteve-se paciente com nossas visitas e
interrogatórios diários.

A todas as facções, lojas, fábricas, empresas,


bancas e jipeiros que nos receberam sempre aos
sorrisos.

Ao prefeito de Toritama e seus secretários que


foram prontos em nos receber.

À rádio comunitária Toritama FM.

E, por fim, agradecemos à Nice, Márcio Romero,


Gil e Baiaco, porque foram essenciais para a
concretização dos nossos planos.
RESUMO

O ensaio fotográfico "Mãos azuis – uma fábula fotográfica sobre Toritama, capital
do jeans” pretende retratar o cotidiano da cidade e as personagens que fazem
parte desse cenário que, apesar da escassez de recursos naturais e de
infraestrutura, seca, lava, corta, costura e vende cerca de 12% do mercado
nacional de jeans. O presente projeto também almeja investigar as condições de
trabalho dessa atividade, responsável por equiparar os índices de crescimento de
Toritama aos dos Tigres Asiáticos. O grupo utilizou, além das fotografias, histórias
em quadrinhos de caráter metalinguístico como fio condutor da narrativa: os
quadrinhos mostram os bastidores da produção, as dificuldades encontradas e a
vivência, enquanto as fotos registram os resultados da imersão do grupo no objeto
de pesquisa. O resultado dessa viagem à cidadezinha de 30 mil habitantes será
um livro que mistura fotografia, textos-legenda e arte sequencial.

Termos de indexação: Toritama (PE). Ensaio fotográfico. Jornalismo


SUMÁRIO

Introdução ......................................................................................................... 1

Capítulo 1: Fotografar e desenhar Toritama (PE) …........................ 4


1. 1. − Toritama e o Pólo de Confecções do Agreste Pernambucano 4
1. 2. − O conflito no jornalismo …........................................................... 7
1. 2. 2. – O jornalismo por meio da fotografia …................................... 9
1. 2. 3. − O jornalismo por meio das histórias em quadrinhos …...... 13
1. 2. 4. − O jornalismo por meio da fábula …........................................ 16

Capítulo 2: Método de trabalho ….......................................................... 18


2. 1. − Pesquisa ....................................................................................... 18
2. 2. − Etapas da produção jornalística ............................................... 19
2. 2. 1. − Pautas ou pré-roteiro ….......................................................... 21
2. 2. 2. − Seleção de fontes …................................................................. 23
2. 2. 3. − Trabalho de campo ….............................................................. 24
2. 2. 4 − Processo de edição …................................................................ 27

Capítulo 3: Produto final …......................................................................... 30


3. 1. − Justificativa …................................................................................. 30
3. 2. − Público …........................................................................................ 31
3. 3. − Custos / gastos …........................................................................... 32
3. 4. − Viabilidade de divulgação …........................................................ 32

Considerações finais ….................................................................................. 34

Referências bibliográficas …...................................................................... 36

Anexos …............................................................................................................... 39
1

INTRODUÇÃO

Com esse ensaio fotográfico, conduzido por histórias em quadrinhos e


textos-legenda ao longo do livro, pretende-se explorar o cotidiano contraditório de
uma cidade de aproximadamente 30 mil habitantes1 do agreste pernambucano,
mais precisamente no Pólo de Confecções do Agreste e a 167km da capital Recife.
Com o solo maltratado e banhada pelo rio Capibaribe, atingido pela seca na maior
parte do ano e que, por muitos anos permaneceu tingido de azul por conta dos
dejetos industriais das lavanderias de jeans, Toritama consegue manter, de acordo
com pesquisa realizada pelo SEBRAE, em 2003, um Produto Interno Bruto (PIB)
de R$ 3.612,00 per capita. No entanto, como na maioria das comunidades
caracterizadas pela monocultura, e, de acordo com estudos realizados pelo
departamento de Extensão da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE),
muito embora tenha atingido suas metas de produção, o município enfrenta uma
visível deterioração das condições de trabalho e dos recursos ambientais e sociais
(discrepância na distribuição da renda, por exemplo).

O trabalho faz uso da junção de diferentes linguagens, das quais o ensaio


fotográfico é a pedra fundamental, cujo suporte é um livro de 85 páginas (formato
Carta), para documentar, testemunhar e informar como é viver e trabalhar em
Toritama a partir de uma leitura crítica das relações sociais e das condições de
trabalho do município. A convergência de mídias (textos e legendas, fotografias e
ilustrações, histórias em quadrinhos e intervenções gráficas) permite um alcance
jornalístico mais amplo no tratamento do tema (como um relato de viagem em
constante mutação) e garante que o processo pelo qual se chegou à informação e
ao resultado final do produto jornalístico seja visível ao leitor.

A ideia de retratar Toritama surgiu a partir da leitura de uma breve matéria


1 Segundo Campos (2009, p. 8), calculado com base em dados do censo 2000 do IBGE.
2

na revista V, da Volkswagen, que trazia duas fotografias nas quais pilhas de calças
jeans contrastavam com o chão de terra iluminado pelo sol intenso do agreste. O
tema atraiu a atenção do grupo, que passou a pesquisá-lo com mais afinco,
primeiro por meio da internet e, posteriormente, pelo contato com o Grupo de
Pesquisa em Gênero, Meio Ambiente e Planejamento de Politicas Publicas, da
UFPE. Após o estudo mais aprofundado sobre Toritama e sua dinâmica de
produção, o grupo certificou-se de que aquele seria o objeto do projeto.

A relevância do trabalho se dá, sobretudo, pela ação exploratória do


contraditório, matéria-prima do fazer jornalístico. Além disso, trata-se de um dos
Arranjos de Produção Local (APL)2 mais curiosos do País, justamente por sua
natureza contraditória: escassez de recursos naturais versus crescimento
econômico acentuado; taxa de desemprego praticamente nula versus condições de
trabalho sub-humanas; espírito empreendedor versus informalidade; entre outras
tantas. A relevância dá-se, ainda, pela representatividade da produção de
Toritama no cenário nacional da indústria do jeans: 24 milhões de pares de jeans
anualmente, cerca de 12%, em 2007, segundo o Sindivest (Sindicato do Vestuário
de Pernambuco), citado por Noronha e Turchi (2007, p. 260), provavelmente
maior hoje devido ao crescimento econômico galopante. Afinal, as condições
ambientais, sociais, comportamentais e trabalhistas que envolvem o segundo
maior produtor têxtil do Brasil – o primeiro é o Pólo Têxtil de Americana, Santa
Bárbara D'Oeste, Nova Odessa, Sumaré e Hortolândia, localizadas no interior do
estado de São Paulo – são de interesse público, outro alicerce do jornalismo.

O primeiro capítulo deste relatório faz um apanhado teórico da área do


jornalismo, da fotografia como instrumento do jornalista e como ferramenta de
registro histórico e do conceito das histórias em quadrinhos (arte sequencial)
2 De acordo com Marteleto, Oliveira e Silva, citado por Alencar (2007, p. 4), um APL é “um aglomerado de
organizações e instituições as quais se concentram, geograficamente, em torno de um ou mais setores
industriais e que abrangem uma rede de pequenas e médias indústrias, com tecnologias de produção
flexíveis, sendo capazes de responder rapidamente às mudanças nas condições de mercado”.
3

como arte e como suporte para narrativas não-ficcionais. É apresentado também


um panorama da situação econômica e social do município de Toritama. Os meios
utilizados pelos autores para chegar ao produto jornalístico final, assim como
reflexões sobre os procedimentos adotados, pautas, fontes e planejamento são o
objeto de análise do segundo capítulo. No terceiro capítulo são descritos os custos,
viabilidade de divulgação, público e justificativa de execução do produto final,
seguido de considerações finais sobre o processo de produção jornalística.
4

CAPÍTULO 1

FOTOGRAFAR E DESENHAR TORITAMA (PE)

1. 1. − Toritama e o Pólo de Confecções do Agreste Pernambucano

A 167 km da capital de Pernambuco, o município de Toritama forma o Pólo


de Confecções do Agreste junto com Santa Cruz do Capibaribe e Caruaru. É o
menor município do estado: são 34,6 km² habitados por 33.206 pessoas, de
acordo com estimativa do IBGE em 1º de julho de 2009. Mais de 90% da
população se concentra na área urbana, marcada pela vegetação de caatinga e
pelo clima semi-árido.

Toritama nasce de um desmembramento de Taquaritinga do Norte, cidade


com a qual faz fronteira, em 29 de dezembro de 1953. Seu crescimento econômico
levou a academia a afirmar que "Toritama tornou-se o maior pólo de confecções do
Nordeste" (Silva, 2008, p. 66)

De acordo com estatísticas,

estima-se que existam nestas três cidades cerca de 12.000 micro e/ou
pequenos negócios, (dos quais somente 8% são formais), que empregam
aproximadamente 76 mil pessoas, produzem 57 milhões de peças por
mês e realizam um faturamento mensal superior a R$144 milhões
(SEBRAE-PE e FADE/UFPE apud Alencar et al, 2007, apud Lucena,
2004, p.35)

O maior pólo de confecções do Nordeste do País vive de contradições:


Toritama está classificada como município de médio desenvolvimento humano
pelo Atlas de Desenvolvimento Humano do PNUD (Programa das Nações Unidas
para o Desenvolvimento), por apresentar Índice de Desenvolvimento Humano
Municipal entre 0,5 e 0,8, o que a coloca atrás de 3.449 outros municípios
5

brasileiros no ranking de desenvolvimento (Oliveira, 2007, p. 57). O índice de


mortalidade infantil, como constatado em 2006 pelo Plano Diretor da cidade, cita
Oliveira, chega a mais de 80%. As causas são a falta de infra-estrutura –
lançamento de esgotos domésticos em vias públicas, falta de higiene e condições
sanitárias, e a poluição do rio Capibaribe (p. 58).

Oliveira (2007) também atenta para os fatores de sucesso de vendas das


roupas produzidas em Toritama e em todo Pólo de Confecções do Agreste: preço
final baixo, informalidade na formação das empresas locais e participação de
famílias inteiras na produção, que concentram 80% de toda a produção de
confecções do Município, de acordo com o Plano Diretor da cidade (2006).

A unidade de produção familiar, chamada de "facção", divide o trabalho em


etapas: modelagem, gradeamento, encaixe, corte, costura e acabamento (Silva,
2008, p. 63). Para Silva, a utilização das famílias como unidades produtoras
provoca uma cadeia de competitividade entre os trabalhadores:

O ganho por peça aumenta a individualidade e a competitividade entre


os trabalhadores, como processo de produção nas unidades de confecção
cada etapa depende das atividades desenvolvidas por cada trabalhador,
eles passam a cobrar mais rapidez e agilidade uns dos outros. Por
exemplo, para a entrega das encomendas no tempo previsto, o
trabalhador responsável pela costura dos bolsos, de braguilha ou de
qualquer outra etapa precisa "honrar" com o compromisso, pois se um
trabalhador faltar ou não der conta da sua atividade específica irá
atrasar a entrega comprometendo a "confiabilidade" do "capitalista-
cliente". O que gera uma pressão psicológica que faz com que os
trabalhadores trabalhem durante os finais de semana e até altas horas
da noite para dar conta do trabalho. (2008, p. 43)

Comentando a produção domiciliar precária em Toritama, Campos afirma


que

Em Toritama, a produção de peças de vestuário é essencialmente


domiciliar: 37% dos domicílios do município abrigam a atividade. Essa
6

produção apóia-se no trabalho extensivo, com intensa divisão do


trabalho e tecnologia, na maioria das vezes, rudimentar. (2009, p. 22)

As consequências, aponta Silva, são a exploração desse tipo de ocupação


precária que emprega, principalmente, membros da família, sem qualificação e
proteção trabalhista, como é exemplificado na jornada extra de trabalho:

Geralmente, os moldes das peças em jeans seguem para as facções já


cortados e os trabalhadores em domicilio realizam o trabalho de costura
e montagem. O trabalho é estendido durante a noite e os finais de
semana para cumprir o prazo de entrega das encomendas. (p. 47-48)

Sobre a qualificação dos trabalhadores, os números mostram que 97,1%


das empresas formais e 99% das empresas informais não adotavam programas de
treinamento para seus funcionários (FADE / Sebrae-PE, 2003, p. 54). Nem 5%
dos empregados trabalham com carteira assinada, de acordo com o censo 2000 do
IBGE.

Outros dados indicam que, entre 1991 e 2000, a população de Toritama


cresceu 46,2%, o que equivale a quase três vezes o crescimento demográfico do
Brasil entre os mesmos anos (FADE / Sebrae-PE, 2003, p. 68).

O trabalho infantil também é uma das questões mais controvesas da


produção terceirizada de jeans. Alguns números sobre a faixa etária dos
trabalhadores, com base no censo demográfico 2000 feito pelo IBGE:

A força de trabalho na cidade era jovem, 64% tinha entre 18 e 39 anos e


possuía escolaridade muito baixa: 25,6% afirmaram não saber ler e
escrever, 87,2% tinha até 8 anos de estudo (o equivalente ao
fundamental completo). (Campos, 2009, p. 9)

Ainda de acordo com o mesmo estudo, no ano de 2000 64,1% das crianças
e jovens trabalhavam na produção de itens de vestuário e 57,2% estavam
7

ocupados como operadores de máquinas de costura.

A escassez de água em Toritama é mais um ponto de preocupação, já que,


além de não suprir a demanda de água necessária para a indústria de confecção de
jeans,

Toritama (…) tem o solo coberto por uma quantidade significativa de


afloramento rochoso, o que dificulta, sensivelmente, a instalação da
infra-estrutura urbana, uma vez que demanda altos custos para a
implantação da rede de esgotos sanitários, drenagem e distribuição de
água. (Lima, 2006, p. 31)

A presença do jeans na cidade é, certas vezes, literalmente sufocante.


Todos esses números e estatísticas da economia toritamense incitaram a
curiosidade do grupo para descobrir como é viver num local que apresenta
condições de vida tão incomuns: crescimento econômico crescente, desemprego
“zero”, mortalidade infantil alta, trabalho majoritariamente sem carteira assinada
e sem proteção trabalhista, jeans nas casas, nas fábricas e nas feiras etc.
Descobrir, no caso, é a descoberta jornalística de um acontecimento complexo por
meio dos sentidos. Como seria possível retratar uma realidade tão rica de forma
jornalística e criativa?

1. 2. − O conflito no jornalismo
Na definição de um dos maiores pensadores da ética e do fazer jornalístico
do país, "o jornalismo é conflito, e quando não há conflito no jornalismo, um
alarme deve soar" (Bucci, 2000, p. 11). Ao mesmo tempo instrumento
democrático e produto final da democracia, a imprensa tem ou deve ter como
objetivo principal divulgar informações confiáveis de forma mais fiel possível à
realidade dos fatos, abarcando toda a complexidade do cotidiano e seus conflitos
8

de interesses.

No entanto, para Bucci, os métodos pelos quais os jornalistas têm acesso às


informações e constroem as notícias não são claros aos olhos do cidadão. O autor
dá a isso o nome de "síndrome da auto-suficiência ética" dos jornalistas, chamando
a atenção para a arrogância dessa postura:

é como se a imprensa proclamasse: minha função é informar o público,


mas os meus valores não estão em discussão, os meus métodos não são
da conta de mais ninguém – eles são bons, corretos e justos por
definição. (2000, p. 39)

Logo adiante, dá continuidade ao argumento de que

o jornalismo que não dialoga sobre seus próprios métodos e


procedimentos não é nem ético nem informativo – e aqui, outra vez, a
ética e a técnica se esclarecem reciprocamente. (2000, p. 55)

Portanto, o jornalismo que torna visível os procedimentos do repórter


oferecem credibilidade, mesmo que o repórter não obtenha sucesso; ele
compartilhou com o consumidor de notícias o seu esforço pela aproximação
possível da veracidade dos fatos e deixou pegadas no caminho, que podem ser
pisadas por outros que quiserem também tentar. Chaparro corrobora essa visão
quando, apoiado em Van Dijk, analisa o discurso característico do jornalismo: o de
asseverar. O relato veraz, para ele, é o que mostra o que foi "visto, sentido e
ouvido pelo mediador" (2007, p. 143) sem deixar de explicitar as intenções do
jornalista. Assim, esse relato irá fazer com que o leitor seja capaz de,

livremente e com lucidez, decidir se a mensagem lhe interessa ou não. E


interessando-lhe, possa ele partilhar criativamente da interação, com a
intensidade das suas próprias circunstâncias e expectativas. (2007, p.
150)
9

Toritama é um local cheio de conflitos pela própria natureza: pólo industrial


de confecção de roupas, sobretudo de calças jeans, no agreste de Pernambuco,
onde a escassez de água e de condições de trabalho é evidente. Um dos objetivos
desse trabalho é mostrar como foi fazer uma reportagem no município, tentando
captar tanto vivências da viagem quanto da vivência como estudantes de
jornalismo em um local desconhecido – vínculo sobre o qual se pode afirmar que
faz parte da natureza jornalística, já que, de acordo com Geralds e Sousa,

neste território amplo e difuso da Comunicação, o Jornalismo é, por


excelência, o discurso que se alimenta de outros discursos, ao
hierarquizá-los, selecioná-los e editá-los. O jornalista aprende a tentar
silenciar sua voz, para que outras vozes se manifestem. Essa
interdiscursividade constitutiva do Jornalismo transforma-o, em última
instância, num discurso sobre o Outro. (2007, p. 2)

1. 2. 2. − O jornalismo por meio da fotografia

No começo do século XX, comenta Virilio,

a fotografia penetra em todos os meios e lugares, até mesmo na clausura


dos conventos (...) Também ocorre a polêmica em torno do Santo
Sudário de Turim, "primeiro fenômeno fotográfico da história",
verdadeira "revelação" da técnica fotográfica como mídia iconólatra.
(2005, p. 65)

O caráter espetacular e mágico da fotografia que assinala o pensador


francês penetra também no âmbito do jornalismo logo depois, primeiro como
forma de ilustrar textos e documentar fatos, e em seguida como informação em si.
A fronteira entre o uso da fotografia como expressão artística do fotógrafo e como
documento histórico é amplamente discutida no meio acadêmico. Kossoy, por
exemplo, afirma que “toda fotografia representa o testemunho de uma criação.
10

Por outro lado, ela representará sempre a criação de um testemunho” (2001, p.


50). Essa discussão sempre desemboca na questão da efemeridade do instante
fotográfico, que Benjamin comenta em um de seus escritos:

apesar de toda a perícia do fotógrafo e de tudo o que existe de planejado


em seu comportamento, o observador sente a necessidade irrestistível
de procurar nessa imagem a pequena centelha do acaso, do aqui e
agora, com a qual a realidade chamuscou a imagem. (1994, p. 94)

Na linha do “acaso” de Benjamin, Schaeffer trabalha com a noção de


"testemunho" na fotografia. Para ele, essa é a "função comunicacional mais
importante da imagem fotográfica" (1996, p. 125). Sobre a força que a imagem
pode provocar no receptor, Schaeffer observa que

na estratégia global do testemunho jornalístico, a imagem fotográfica


tem um papel simultaneamente subordinado e crucial. Subordinado
porque o discurso pode dispensar a imagem, o que acontece em muitos
casos. Crucial porque, onde utilizada, a imagem aumenta
consideravelmente a força persuasiva da mensagem (p. 125)

Analisando o poder transcendental da fotografia, que vai além do


testemunho, da informação e da criação, Schaeffer comenta, na mesma obra já
citada, que

uma obra fotográfica bem-sucedida não se limita necessariamente a nos


fazer ver. Com frequência, ela também nos faz pensar. No entanto, isso
não parece nos satisfazer: queremos ainda que pense por nós (…). (p.
139)

Gaiarsa salienta o poder de fixação e penetração da imagem ao afirmar que


“a visão é simultânea e instantânea; a palavra é sucessiva” (1977, p. 116),
enquanto Guimarães segue numa linha mais semiótica: “linearidade, legado da
escrita; circularidade, legado da imagem” (2006, p. 123). Já Caujolle, numa
invectiva contra o fotojornalismo enquanto gênero fotográfico, aponta que
11

quando uma fotografia é exibida, emoldurada, pendurada na parede,


um processo é iniciado no qual os fotógrafos são novamente
questionados a respeito da natureza de seu propósito ao confrontar a
realidade. Haverá uma demanda por se saber exatamente porque eles
estão mostrando sua fotografia da maneira que escolheram, o que os
levará a explicar como a fotografia foi feita. (acessado em 2009)

O fotógrafo francês é um mordaz defensor da fotografia de autor, ou seja,


da participação estética autoral no campo da fotografia. Comentando a obra de
jovens fotógrafos como a do conterrâneo Antoine D'Agata, Caujolle observa que

Às vezes eles se recusam a emoldurá-las, eles compõem painéis, eles


escrevem nas fotos, espirram sangue nelas, propõem albuns de grande
formato dialogando no espaço com fotos espetadas nas paredes.
Resumindo, eles vão por todos os caminhos para afirmar que a adoção
de uma forma produz um significado, que eles fizeram suas escolhas,
que eles sabem que a moldura, fisicamente falando, não é somente um
pedaço de madeira que não tem nenhum efeito (acessado em 2009)
(grifo nosso)

O ensaio fotográfico, portanto, vai muito além do mero documentarismo,


uma vez que a fotografia não pode ser considerada um retrato fiel da realidade, de
acordo com Caujolle. Para ele, o fotojornalismo não existe; existem profissionais
da fotografia que publicam em jornais. Trazer para si a responsabilidade do que
está sendo fotografado – a parcela autoral do exercício de bater a foto – implica em
questões fundamentais: “por que razão estou registrando esses fragmentos da
realidade que só dizem respeito a mim, mexem comigo e me parecem importante?
(...) O que quero dizer com eles?” (2009). Quando se assume a postura autoral, o
fotógrafo pode então, de forma mais satisfatória e sincera, ao tirar a foto,
reconstituir o que aconteceu no momento em que foi tirada, imprimindo mais
significado do que se ele acreditasse que o que está representando no filme
fotográfico é a Verdade, conceito esse que vai ao encontro da proposta do presente
projeto em retratar a realidade por meio da fotografia e de outros elementos
visuais.
12

Flusser, teórico que defende uma “filosofia da fotografia”, no capítulo de


seu livro em que descreve o que entende por "o gesto de fotografar", compara os
movimentos do fotógrafo que empunha a câmera aos de um caçador em busca de
sua presa. Para fotografar, diz o filósofo tcheco,

o fotógrafo precisa, antes de mais nada, conceber sua intenção estética,


política etc., porque necessita saber o qu está fazendo ao manipular o
lado output do aparelho. A manipulação do aparelho é gesto técnico, isto
é, gesto que articula conceitos. (...) Em fotografia, não pode haver
ingenuidade. (2002, p. 31)

Essa noção de que o aparelho fotográfico não é apenas um dispositivo que


registra mecanicamente a realidade faz cair por terra a ideia do repórter
fotográfico livre de preconceitos, "tabula rasa" de conhecimentos sobre o objeto a
ser fotografado. "Fotografias são imagens de conceitos, são conceitos
transcodificados em cenas" (p. 32). O ato fotográfico é, portanto, permeado de
intenções, numeradas por Flusser no esquema proposto em sua obra:

1. codificar, em forma de imagens, os conceitos que tem na memória; 2.


servir-se do aparelho para tanto; 3. fazer com que tais imagens sirvam
de modelos para outros homens; 4. fixar tais imagens para sempre
(1996, p. 41)

Flusser ressalta, ainda, a herança que a invenção da fotografia deixa para a


leitura textual, assim como Gaiarsa e Guimarães o fizeram:

a invenção do aparelho fotográfico é o ponto a partir do qual a existência


humana vai abandonando a estrutura do deslizamento linear, próprio
dos textos, para assumir a estrutura de saltear quântico, próprio dos
aparelhos. (p. 66-67)

Essa reflexão filosófica encerra em si várias questões primordiais que o


conceito de fotojornalismo tenta resolver, como a imparcialidade do registro
fotográfico (Flusser acredita que o aparelho exerce influência sobre o fotógrafo,
13

como se fosse um ser vivo), o poder de persuasão e de convencimento que a


imagem traz em si mesma (para que é preciso checar uma informação, se a
verdade está lá, na foto?) e o caráter autoral de toda fotografia, que o jornalismo
tenta "remover" em função da dita imparcialidade.

O presente Projeto Experimental acredita no poder do caráter autoral da


fotografia não só como força de convencimento para transmitir uma mensagem
previamente planejada, mas também como maneira de tornar claro para o leitor
como essa fotografia foi feita e o que do autor está evidente nela. Utilizando o
conceito do ensaio fotográfico como produção autoral, que não deixa de ser
informativa justamente porque passa pelo crivo do repórter toda sensação e
impressão que experimenta, o livro “Mãos azuis” se define como uma obra
fotográfica que se apoia em outras linguagens para dar a dimensão exata do que
foi visto em Toritama – e para dar a dimensão exata do que foi construir uma
narrativa a partir da leitura crítica dessa cidade.

1. 2. 3. − O jornalismo por meio das histórias em quadrinhos

Ao lado da fotografia na galeria de linguagens visuais, as histórias em


quadrinhos ganham estudos acadêmicos e obras de referência com o passar dos
anos e sua aceitação pelo grande público. Histórias de super-heróis, fantasia,
humor e infantis dividem espaço nas prateleiras com quadrinhos de não-ficção.
Defende o precursor do estudo acadêmico dos quadrinhos no país Moya que

os quadrinhos são a forma de comunicação mais instantânea e


internacional de todas as formas modernas de contato entre os homens
de nosso século. Mesmo o momento grandioso da história da
humanidade, em que o pé do homem pisou na Lua e foi televisado direta
e imediatamente, para o mundo todo, já era uma imagem gasta e
prevista pelos quadrinhos (1977, p. 23)
14

Will Eisner, mestre do desenho, nunca fez jornalismo, mas apresentou pela
primeira vez o conceito de graphic novel [romance gráfico]3, que norteará o tipo
de HQs também conhecidas como comics reportage ou comic journalism,
difundido pelo trabalho de Joe Sacco, autor de Palestina: uma nação ocupada e
Uma história de Sarajevo, e de outros quadrinistas, como Josh Neufeld, que
roteirizou e desenhou A. D. - New Orleans After the Deluge [Nova Orleans depois
do dilúvio, sem publicação no Brasil], retrato da cidade norte-americana pós-
furacão Katrina; Art Spiegelman, vencedor do Prêmio Pulitzer por Maus, em que
passa a limpo a humilhação que o pai do autor judeu sofreu nas mãos dos nazistas
na Polônia dominada, e Didier Lefèvre, Emmanuel Guibert e Fréderic Lemercier,
autores de O fotógrafo, mistura de álbum de fotografias com livro-reportagem
ilustrado – modelos sobre os quais se apoiam o presente projeto.

Em todos os exemplos de graphic novels citadas acima, o autor aparece


como personagem na história, seja como coadjuvante afetado indiretamente pelos
fatos (Spiegelman), seja como protagonista da narrativa (Sacco). Portanto, os
autores assumem sua participação na narrativa e têm conhecimento de que a
forma como procedem com os entrevistados e as reflexões que fazem ao longo da
obra determinam o produto final: deixam claro para o leitor como a informação foi
obtida e divulgada, adotando postura contrária ao jornalismo impessoal dos
jornais diários sobre o qual Virilio tece comentário esclarecedor:

Quando a imprensa fala de sua objetividade, ela facilmente pode nos


levar a crer em sua veracidade: se compararmos um jornal a um livro, a
atual superioridade do primeiro sobre o segundo consiste exatamente
em não possuir um autor, tanto que o leitor pode atribuir a autoria a si
mesmo como uma verdade que ele será o único a conhecer, atribuí-la a
si mesmo como verdadeira porque crê em seus próprios olhos. (2005, p.
80)

3 Em 1978, Eisner publica Um contrato com Deus (edição brasileira pela editora Devir, 2009) , romance em
quadrinhos, para adultos, que tira o preconceito contra as histórias em quadrinhos, tidas como
divertimento trivial para crianças. Outras obras de Eisner que nos inspiraram foram O Complô (Cia. Das
Letras), estudo sobre a história do episódio dos Protocolos dos Sábios de Sião, e Avenida Dropsie (Devir),
que conta a trajetória de uma rua desde a colonização até sua derrocada.
15

O texto jornalístico do jornal, portanto, tenta eliminar seu autor, enquanto


que a tradição das graphic novels citadas e sobre as quais serviram de inspiração
para o presente Projeto Experimental tentam trazer novamente o autor para
dentro da narrativa, preferindo que o leitor se identifique com as sensações e
intenções daqueles que produzem a reportagem em vez de se identificar como
autor do texto que lê. Esse nível de interpretação do receptor se dá, justamente, na
explicitação das intenções, sensações e descobertas dos autores do livro, por meio
da fotografia, espinha dorsal do trabalho, e da linguagem híbrida fruto da
sobreposição de histórias em quadrinhos e texto; assim, cabe ao leitor partilhar os
processos que levaram ao produto final ao mesmo tempo em que é feita a leitura
desse produto. Para Gomes,

o jornalismo em quadrinhos suscita uma interface entre a art nouveau –


desenhos estilizados, composições minuciosas e senso crítico apurado –
e o fazer jornalístico – com todas as suas características e exigências na
construção das realidades. (2008, p. 12)

Essa característica mista torna a linguagem da arte sequencial adequada à


construção da realidade da reportagem e permite ir além, adicionando elementos
incomuns ao jornalismo diário, uma vez que tem forte apelo visual e caráter
autoral / metalinguístico. O próprio estado de Pernambuco (principalmente a
cidade de Caruaru) tem como tradição estética e artística a literatura de cordel,
que apresenta ilustrações (desenho ou xilogravura, em forma de arte sequencial)
em conjunto com narrativas em versos, cantadas pelos "cantadores", que
imprimem ritmo à história com sua técnica. Klawa e Cohen também apontam que,
nas histórias em quadrinhos,

A inclusão de palavras no campo imagístico [do desenho] implicou numa


transformação do seu uso, acrescentando conotações e algumas vezes
alterando o seu significado. As palavras sofreram um tratamento
16

plástico (...) (1977, p. 112)

A história em quadrinhos, já constitui uma linguagem híbrida: transforma


palavra em imagem, imagem estática em movimento, e movimento em sensação.
Levando-se em conta o didatismo dos gibis e das narrativas gráficas sequenciais, é
possível banhá-la com informação e com interpretação de realidades para servir
ao jornalismo.

1.2.4. – O jornalismo por meio da fábula

O verbete fábula no Dicionário Aurélio (Ferreira, 1997, p. 749) traz oito


significados distintos, dos quais tomamos como exemplo para fundamentação o n.
2: “Narração breve, de caráter alegórico, em verso ou em prosa, destinada a
ilustrar um preceito”. Alegoria, segundo a mesma fonte (p. 80), é a “exposição de
um pensamento sob forma figurada”.

Já segundo a definição de Dezotti,

a fábula é um ato de fala que se realiza por meio de uma narrativa. Logo,
ela constitui um modo poético de construção discursiva, em que o narrar
passa a ser o meio de expressão do dizer. Na fábula, o narrar está a
serviço dos mais variados atos de fala: demonstrar, censurar,
recomendar, aconselhar, exortar etc. (1991, p. 11)

Dezotti aponta a capacidade de flexibilização como um dos pontos que


garantem o sucesso da adoção da fábula como forma narrativa ao longo da
História, "uma vez que a maleabilidade de sua forma lhe permite incorporar novos
repertórios de narrativas e ajustar-se à expressão de visões de mundo de
diferentes épocas." (1991, p. 11)
Uma vez que o narrador estabelece um vínculo entre um significado,
17

visível, e outro, a ser construído ao longo da narrativa, ele


obriga o ouvinte a não só compreender a narrativa mas também a
interpretá-la, buscando pontos de contatos significativos entre ela e a
situação discursiva que motivou a sua enunciação. Esse trabalho de
interpretação pode ser realizado pelo próprio enunciador da fábula,
quando ele mesmo fornece uma moral para a sua narrativa. (1991, p. 11)
(grifo nosso)

No entanto, a "moral da história", sempre presente nas fábulas de Esopo


(séc. VI a. C.), não é fundamental para que a narrativa se configure como fábula:
"faz parte também das possibilidades lúdicas do gênero deixar a narrativa sem
moral, para que o ouvinte se veja obrigado a descobri-la a partir de indícios
textuais ou situacionais que ele pode seguir" (1991, p. 11)
Diz a ensaísta que, antes de usarem o termo mythos para designar a fábula,
os gregos "denominaram-na ainos, um cognato de aínigma", que quer dizer
"palavra velada", deixando claro ao leitor que seria necessário um empenho
interpretativo da parte dele para chegar ao cerne do que está sendo enunciado.
(1991, p. 12)
A escolha do projeto pelo uso da fábula como narração se deu pelo seu
caráter flexível, que se encaixa perfeitamente na forma como o grupo pretendia
retratar a realidade de Toritama e, ao mesmo tempo, a realidade dos integrantes
do grupo transformada pelo contato com Toritama. A “moral da história” fica a
cargo do leitor, uma vez que o projeto não pretende provar nem comprovar nada e
apenas partilhar com o leitor um processo do fazer jornalístico.
“Mãos azuis” é uma “fábula fotográfica” porque conjuga o conceito
narrativo da fábula ao conceito de testemunho da fotografia: ao mesmo tempo em
que ela descreve uma realidade por meio da visão dos autores das fotos, dá a
entender, por meio do enredo e da disposição das fotos no livro, que existem as
duas viagens que se pretendia mostrar (uma, explícita, da viagem física, e outra,
mais intuitiva, do processo jornalístico em si).
18

CAPÍTULO 2

MÉTODO DE TRABALHO

2. 1. − Pesquisa

A partir do conhecimento sobre a existência da cidade de Toritama, o grupo


deu início à fase de investigação e pesquisa aprofundada sobre o município, sua
dinâmica social, econômica e cultural. A esta etapa atribuiu-se tanta importância
quanto ao trabalho de campo que seria realizado posteriormente.

Por conta de limitações operacionais, envolvendo, principalmente, tempo e


dinheiro, só seria possível visitar Toritama uma única vez para a execução do
Projeto Experimental. Logo, julgou-se imprescindível conhecer e estudar o
município o máximo possível antes da viagem para que as repórteres tivessem a
possibilidade de trabalhar na elaboração de algumas pautas e, sobretudo, para
que tivessem subsídios para a realização do trabalho de campo de forma plena.

Por meio da internet, descobriram-se alguns grupos de pesquisa na


Universidade Federal de Pernambuco (UFPE) que se dedicavam a estudar a região
do Pólo de Confecções do Agreste. A equipe, então, entrou em contato com os
pesquisadores destes grupos por meio de e-mail e telefone. A partir deste primeiro
contato, os pesquisadores, principalmente do Grupo de Estudos e Pesquisa sobre
Trabalho (GET) e o Grupo de Pesquisa em Gênero, Meio Ambiente e
Planejamento de Politicas Públicas (GRAPP), ambos ligados à faculdade de
Serviço Social da UFPE, passaram a nos abastecer com algumas produções
acadêmicas sobre Toritama e o Pólo de Confecções. Estes artigos, monografias e
dissertações serviram como base teórica para fundamentar aspectos sociais,
econômicos e culturais de Toritama.

A utilização da internet permitiu, ainda, entrar em contato com moradores


de Toritama, dando início ao processo de investigação aprofundada sobre o objeto
19

de pesquisa. Neste caso, o grupo fez uso de ferramentas de busca de sites de


relacionamento, principalmente o Orkut (www.orkut.com).

Além do contato com os pesquisadores da UFPE e o primeiro contato com


alguns moradores, passou-se a pesquisar em sites noticiosos regionais, notícias
envolvendo Toritama. Não houve surpresa ao se constatar que as notícias na
maioria das vezes estavam relacionadas a eventos de moda, mercado de jeans,
confecções etc. Algumas das manchetes encontradas foram: “Festival do Jeans de
Toritama terá início no próximo sábado (17)”4; “Toritama espera que vendas de
roupas voltem a crescer com as festas juninas”5; “Comerciantes de jeans de
Toritama sentem efeito da crise financeira” 6.

O processo de pesquisa sobre a cidade que sustentaria o tema deste Projeto


Experimental teve início em março de 2009, mas intensificou-se entre os meses
de maio, junho e julho, primeiramente, em decorrência da elaboração do primeiro
relatório de produção para a disciplina Introdução ao Projeto Experimental. E,
depois, porque quanto mais se tinha acesso a novas informações, mais crescia o
interesse da equipe por aprofundar um pouco mais nos estudos. Além disso, os
pesquisadores passaram a levar a ideia do projeto uns para os outros e, então,
começaram a surgir pessoas com pesquisas em diferentes áreas (meio ambiente,
trabalho, social e cultural) com interesse em auxiliar no andamento deste projeto.

2. 2. − Etapas da produção jornalística

Decidido o tema, o grupo passou a empenhar-se para trabalhar de acordo

4 Do Caruaru Notícias. Disponível em <http://www.caruarunoticias.com.br/v2/noticias.php?id=1505>,


acessado em junho de 2009

5 Da Agência Brasil. Disponível em


<http://www.agenciabrasil.gov.br/noticias/2009/04/06/materia.2009-04-06.0720299184/view>,
acessado em junho de 2009

6 Do PE 360 Graus. Disponível em <http://pe360graus.globo.com/noticias/interior/agreste/2009/05/07/


NWS,490300,41,470,NOTICIAS,766-COMERCIANTES-JEANS-TORITAMA-SENTEM-EFEITO-CRISE-
FINANCEIRA.aspx>, acessado em maio de 2009
20

com um cronograma que, posteriormente, com as atividades da Introdução ao


Projeto Experimental, foi efetivamente construído pelos integrantes:

• Fevereiro, março, abril e maio de 2009 – Pesquisa, contato com as


primeiras fontes e elaboração de planilha com expectativas de gastos.

• Maio e junho – Elaboração do primeiro relatório de produção para a


disciplina Introdução ao Projeto Experimental e continuação das
atividades de pesquisa.

• Junho e julho – Etapas de produção e preparativos para a viagem


(contato com algumas fontes, compra de passagens, reserva em hotéis,
manutenção dos equipamentos, reuniões entre os integrantes para
discussão sobre o enfoque e as questões essenciais que deveriam ser
abordadas durante o trabalho de campo).

• Final de agosto a setembro – Trabalho de Campo (imersão no cotidiano


da cidade de Toritama. Visita ao Parque das Feiras, aos bairros centrais
e periféricos, às fabriquetas informais (chamadas de "facções" pelos
trabalhadores), às grandes fábricas, veículos de comunicação locais,
prefeitura, Rio Capibaribe, entre outros.

• 8 de Setembro – Definir critérios de seleção das imagens e elaboração


da narrativa do livro.

• 15 a 29 de setembro – Coordenar materiais e produzir o roteiro das


ilustrações das Histórias em Quadrinhos.

• 29 de setembro a 13 de outubro – Criação gráfica.

• 20 de outubro - Apresentação da 1ª versão do livro ao orientador.

• 27 de outubro – Apresentação de uma 2ª versão do livro ao orientador.

• 3 de novembro – Apresentação da versão final.


21

• 10 de novembro – Finalização.

Pode-se dizer que as etapas pelas quais o trabalho transitou até estar
concluído seguiram um percurso que se iniciou com a descoberta do tema, seguiu
para a pesquisa aprofundada sobre ele, sucedido pelo levantamento de possíveis
pautas e fontes, trabalho de campo (apuração, entrevistas, captação das imagens,
etc) e edição, que consistiu em uma primeira triagem do material, elaboração do
roteiro da narrativa do livro, produção das ilustrações e diagramação.

2. 2. 1. − Pautas ou pré-roteiro

Conforme as pesquisa sobre Toritama foram se intensificando, constatou-


se a vastidão de temas possíveis de serem explorados na cidade. Existiu uma
dificuldade de fixar um recorte para o trabalho, mas ela consistia não na restrição
de possibilidades, mas, ao contrário, na vastidão de recortes possíveis para o
trabalho. Essa preocupação constante está presente nas reflexões
metalinguísticas presentes no produto final. Às vésperas do início do trabalho de
campo, o grupo se reuniu e formalizou algumas ideias de pautas, realizou
pesquisas ainda mais específicas sobre cada uma delas e decidiu que levaria para
Toritama todas elas para o processo de apuração e execução.

Entre as pautas levantadas pelo grupo estavam:

1. Acompanhamento do cotidiano de uma família típica toritamense. Esta


pauta propunha aos repórteres visitarem a casa, o trabalho e acompanhar
os momentos de lazer de uma família residente na cidade de Toritama, que,
como a maioria das famílias, tenha como fonte de seu sustento a produção
de jeans.
22

2. Mostrar o dia-a-dia do Parque das Feiras, coração do comércio de jeans no


município. Mostrar o processo de montagem, que se inicia na madrugada
de domingo para segunda. Retratar, ainda, quem são as pessoas que
cuidam desta montagem, os personagens marcantes da feira e o seu
desfecho, na terça-feira à tarde.

3. Descrever o percurso do jeans, desde o corte do tecido – normalmente,


vindo de cidades do sul do País – até chegar às lojas. Mostrar personagens
envolvidos em cada uma das etapas de confecção, etapas estas que, aliás,
seguem o modelo fordista de produção em série. Há quem pregue botões o
dia todo, quem faça “casas” nas calças o dia todo, quem lave, quem corte,
quem costure, tudo repetidamente.

4. Mostrar os impactos ambientais que esta superprodução de jeans acarreta


para a cidade. Saber das fontes oficiais de que forma ocorre a fiscalização
(se é que ela ocorre), já que a maioria das empresas em Toritama é
clandestina. Visitar lavanderias (informais ou não) para entender como
funciona o processo nas lavanderias. Visitar, ainda, o Rio Capibaribe para
verificar em que condições ele está atualmente, já que, há poucos anos ele
encontrava-se completamente tomado pelos dejetos das lavanderias,
apresentando, inclusive, uma coloração azul.

Definir personagens, fontes, horários, locais das entrevistas e condições em


que seriam feitas essas possíveis pautas só seriam possíveis quando as duas
integrantes do grupo estivessem em Toritama vivendo o cotidiano do município.
Algumas tarefas, para serem realizadas, dependiam imprescindivelmente do
contato com o município, para facilitar o trabalho e para se aproveitar melhor a
estadia. Isso tornava o trabalho da equipe ainda mais arriscado, pois era inviável,
23

por exemplo, agendar fotos com um feirante, estando a mais de 2.500 km de


distância, assim como tampouco era garantido escolher uma família que se
encaixasse no perfil da possível pauta n. 1. Se por um lado esse obstáculo
geográfico poderia render surpresas desagradáveis, por outro, permitiu que as
repórteres não ficassem tão “amarradas” a pautas pré-definidas, possibilitando
que elas se atentassem para temas que surgissem lá, durante os dias de convívio
com a comunidade toritamense. Um exemplo de pauta que surgiu pela percepção
das repórteres durante o trabalho de campo foi aquela que tratava dos “toyoteiros”
(motoristas de jipes, que são a principal forma de transporte coletivo em
Toritama).

2. 2. 2. − Seleção de fontes

As fontes se dividiram basicamente em dois tipos: aquelas que o grupo


predefiniu por julgar essenciais ao andamento do trabalho (prefeito, donos de
fábricas, pesquisadores, trabalhadores etc.) e aquelas eventuais, que, durante o
processo de trabalho de campo os repórteres encontravam e julgavam
interessantes para o produto final (personagens urbanos, artistas da cidade,
trabalhadores de outras áreas que não o jeans, comunicadores etc).

Por se tratar de uma cidade pequena, na maioria das vezes, a fonte surgia
por indicação de alguém. As andanças das duas repórteres pela cidade e a
abordagem de porta em porta das facções, de banca em banca na feira acabavam
sempre por render a indicação de algum personagem com uma história curiosa ou
com alguma informação importante para contribuir com o trabalho.

Trabalhando sempre contra o tempo, outro fator que contava para a seleção
das fontes foi a predisposição das mesmas em ajudar. Alguns donos de fábrica e
lojas que não eram imprescindíveis ao trabalho e que, após serem contatados
24

pelas repórteres, criaram empecilhos para recebê-las, também acabaram ficando


de fora. De modo geral, as pessoas sempre foram solícitas.

Das fontes oficiais, é preciso que se destaque a conversa com o atual


prefeito da cidade, Flávio de Sousa Lima (DEM-PE), e o gerente executivo da
Associação Comercial e Industrial de Toritama (ACIT), Kleber Barbosa.

No entanto, no que diz respeito a seleção das fontes, talvez a mais


importante tenha sido aquela que elegeu a personagem-guia do livro. Giovânia
Barbosa da Silva entrou casualmente no trabalho da equipe, já que ela mora na
pousada escolhida ao acaso pelas repórteres como abrigo durante os 17 dias de
viagem. Possivelmente, havia em Toritama personagens tão ricos quanto ela, mas,
a convivência diária com Giovânia garantiria uma imersão mais intensa no
cotidiano da personagem. Este, sem dúvida, foi um dos critérios para escolhê-la
guia da narrativa.

Outro critério para selecioná-la foi sua natureza questionadora, com


rompantes filosóficos constantes e que, pela vida que leva (saiu de uma cidade da
região para ganhar a vida em Toritama, trabalha no Parque das Feiras, ganha
salário mínimo, não ganha hora extra, não tem férias desde que começou a
trabalhar, executa um trabalho repetitivo e maçante), poderia perfeitamente
representar o trabalhador de Toritama.

2. 2. 3. − Trabalho de campo

O planejamento da viagem envolvia, além de compra de passagem e


reserva de hotel, a busca por alguma pessoa que se dispusesse a auxiliar o grupo
durante sua permanência em Pernambuco, já que nenhum dos integrantes
possuía um conhecido sequer na região. Uma das integrantes do Grupo de
Estudos e Pesquisa sobre Trabalho (GET) da UFPE, a economista e mestranda
25

Raquel Lindôso, com a qual o grupo entrara em contato para saber estatísticas e
números da cidade, declarou-se apaixonada pela ideia de um trabalho fotográfico
em Toritama e se propôs a nos receber em Caruaru, cidade onde reside e que dista
menos de 40 km do destino final da equipe.

Até as proximidades da viagem, o grupo estava disposto a ficar hospedado


em Caruaru e viajar diariamente rumo a Toritama, já que algumas pessoas haviam
dito que a cidade não possuía pousadas ou hotéis. Mas, após o encontro com
Raquel no hotel de Caruaru, ela recomendou uma pousada, onde ela e suas
companheiras de grupo se hospedavam quando saíam a trabalho de campo.

A viagem teve início no dia 22 de agosto, no aeroporto de Viracopos, em


Campinas, onde as integrantes do grupo Maíra e Lana embarcaram rumo a Recife.
Da capital pernambucana, elas seguiram de ônibus até Caruaru, onde se
encontraram com Raquel. No dia seguinte, partiram para Toritama de ônibus.

Até aquele ponto, as dificuldades envolviam, sobretudo, a ansiedade de


chegar a um local totalmente desconhecido e a insegurança diante do medo que os
pernambucanos tinham da violência. Por inúmeras vezes, as repórteres foram
alertadas sobre assaltos, homicídios e outros tipos de violência. Nitidamente, o
excesso de zelo devia-se, principalmente, ao fato de serem duas mulheres
sozinhas. Foi quando as duas integrantes mais sentiram a falta do colega de grupo
Fábio que, a alguns dias da compra das passagens, precisou ficar em Campinas
por conta de impedimentos financeiros. Havia ainda um valor alto a ser pago para
a impressão do produto final e optou-se por economizar na viagem.

O sol já judiava dos transeuntes toritamenses quando as duas


desembarcaram na capital do jeans. O relógio marcava 14h e elas atravessaram a
feira do jeans, ponto final do ônibus, e entraram na primeira pousada que
encontraram sem pensar se era a indicada pela companheira Raquel ou não.
Algum tempo depois, descobriria-se que não era a mesma, mas a Pousada
26

Transitivo, certamente, havia sido mesmo que ao acaso a melhor escolha.

Neste primeiro momento, fez-se uma caminhada pela cidade sem câmeras,
apenas para observar o município, sem abordar fontes. E, já neste processo de
observação, foi possível notar a intensa presença do jeans em todos os âmbitos da
cidade, presença esta que não se limita ao interior das fábricas, "facções"
(unidades familiares de trabalho) e lavanderias. Havia uma invasão do espaço
público.

Na cidade, o espaço da produção invadiu o espaço público. Observa-se,


nas pequenas unidades domésticas de produção, a adaptação das
residências para uso misto: a parte superior da casa é reservada a
habitação familiar (lugar para morar), a parte inferior transforma-se em
unidade produtiva (lugar para produzir), estendendo-se ate a rua (lugar
público). (...) A produção em jeans, expostas nas calçadas e ruas, sinaliza
que, além de lugar de morar, a pequena unidade doméstica de produção
é também lugar de comércio, lugar de consumo, onde os produtos
encontram-se dispostos na sala, na cozinha, no corredor, ocupam o sofá,
as cadeiras, as mesas e as ruas. (Alencar et al, 2007, p. 8)

Após este primeiro contato, deu-se início à abordagem das fontes e


apuração das pautas. A dupla visitou fábricas e facções, nas quais encontrou duas
famílias que poderiam potencializar a pauta de acompanhamento do cotidiano de
uma típica família do município.

Houve, ainda, o acompanhamento da dinâmica da feira em período


integral, desde a montagem das barracas, de madrugada, até a retirada das
mesmas.

Além da realização das pautas pré-programadas, houve o cuidado de


retratar o máximo possível o dia-a-dia do município tingido de azul do agreste
pernambucano. Nesse sentido, houve contato, conforme já dito anteriormente
(item 2.2.1), com os “toyoteiros”, com personagens urbanos lendários, com os
veículos de comunicação local (rádios comunitárias e jornal impresso), com o
27

prefeito do município, artistas, promotores de evento, Associação Comercial e


Industrial de Toritama (ACIT), entre outros.

Toda a viagem foi registrada em câmera fotográfica digital com captação de


imagens coloridas e com câmera analógica munida de filmes preto e branco com
ISO 400.

2. 2. 4 − Processo de edição

O processo de edição teve início com uma primeira triagem do material


capturado. Neste momento, foram excluídas apenas as imagens sem qualidade
técnica (queimadas, estouradas, desfocadas etc). Em seguida, a equipe se reuniu e
selecionou as fotografias que mais agradavam e condiziam com a proposta do
trabalho. De mais de 3 mil fotografias, chegou-se a pouco mais de 200 no produto
final.

O próximo passo dentro do processo de edição foi a elaboração do roteiro do


livro, incluindo as histórias em quadrinhos. As ilustrações foram feitas por um
conhecido de uma das integrantes do grupo, Vitor Marques, que vive em Varinha,
no sul de Minas Gerais. Durante o processo de produção, o contato se dava pela
internet na maioria das vezes, o que acabou gerando ruídos de comunicação em
alguns momentos.

É importante ressaltar que o processo de edição sempre pretendeu


favorecer a convergência – que Boorstin, citado por Briggs e Burke, define como
“a tendência de tudo se tornar igual a tudo” (2006, p. 266) – de mídias. À edição
estava atrelada a tarefa de fazer a síntese das diferentes linguagens utilizadas
(fotografia, texto-legenda e arte sequencial) em função do jornalismo. Por conta
disso, o próximo passo foi selecionar as imagens que, de fato, entrariam no livro,
utilizando justamente este critério do diálogo entre mídias.
28

Feito isso, iniciou-se o processo de diagramação no software Adobe


InDesign, executado pelo integrante Fábio, sempre com o acompanhamento de
Maíra e Lana para tentar garantir que o que o leitor acompanharia ao longo da
narrativa seria o mais próximo possível ao que foi presenciado e sentido pelas
“correspondentes” em Toritama. Esta foi a etapa de maior experimentação. Uma
delas foi a utilização do software editor de imagens Photoshop, da Adobe, para
exaltar os tons de azul das imagens coloridas, mas sem distorcer o padrão de cores
original das fotos. O grupo, durante todo o processo de edição, pretendeu também
privilegiar as sensações que as repórteres tiveram durante a viagem. Nesse
sentido, julgou-se legítima a utilização deste efeito sutil para transmitir a sensação
de presença constante e vertiginosa do azul em Toritama sobre a qual os trabalhos
de Oliveira (2007), Lima (2006) e Salgueiro et al (2007)7se debruçam.

Para transmitir a sensação de repetitividade do trabalho nas fases de


produção do jeans, utilizou-se, em momentos diferentes, sequências de fotos com
um mesmo enquadramento e clicadas em intervalos de tempo curtos. Esta técnica,
quase uma reprodução dos experimentos feitos por Eadweard Muybridge (1830-
1904) no fim do séc. XIX com câmeras fotográficas múltiplas 8, possibilitou ao
grupo chegar a um efeito de movimento, que, no entender da equipe, era a
melhor forma de retratar as condições de trabalho e o trabalho em si em alguns
momentos da narrativa.

O procedimento do projeto gráfico, diagramação e finalização (dos textos e


da arte) primaram sempre pela máxima de transmitir as sensações
experimentadas pelas fotógrafas em campo, como confusão, caos, repetição,
exaustão, dúvidas, surpresa, crítica etc. Optou-se pela utilização de um layout

7 Disponível em <www.saneamento.poli.ufrj.br/documentos/24CBES/II-233.pdf>, acessado em 10 de


novembro de 2009.

8 Amostra do experimento de Muybridge, considerado o inventor da imagem em movimento (moving


picture), pode ser visto no link <http://hdl.library.upenn.edu/1017/d/archives/20080909002>.
Acessado em 10 de outubro de 2009.
29

não-convencional para um livro típico de fotografias para transformar o livro em


um objeto que despertasse interesse por si só e não apenas pelo conteúdo, uma
vez que se acredita que o conteúdo e a forma são uma coisa só. O ensaio
fotográfico, aliado à sobreposição de linguagens e ao projeto cuidadoso do livro
acabam por representar também uma informação, contribuindo para a tarefa de
reportar do jornalista. A experimentação na abordagem e na “embalagem” do
produto jornalístico tem seu alicerce na afirmação de Chaparro segundo a qual

a intenção – controle consciente do fazer – precisa de um princípio ético


ou de um valor moral para escolher e administrar criativamente as
técnicas do fazer, tendo em vista a elaboração estética. (2007, p. 32-33)
(grifo do autor)

Um produto que não cumprisse com o objetivo de passar ao leitor a


impressão que as repórteres tiveram sobre a cidade desperdiçaria boas
entrevistas, boas fotos e boas indagações sobre o exercício do jornalismo. Sobre
uma das impressões que as repórteres tiveram endossa Alencar com uma síntese
quase palpável do ambiente urbano de Toritama:

A produção em jeans, expostas nas calçadas e ruas, sinaliza que, além de


lugar de morar, a pequena unidade doméstica de produção é também
lugar de comércio, lugar de consumo, onde os produtos encontram-se
dispostos na sala, na cozinha, no corredor, ocupam o sofá, as cadeiras,
as mesas e as ruas. (2007, p. 9)

Também Oliveira descreve o espaço físico da cidade, que rendeu


aproximadamente 3.000 fotos por causa da sua riqueza visual: “Nem sempre o
espaço interno da residência comporta a produção e as peças em jeans passam a
ocupar as vias públicas, dificultando a locomoção das pessoas” (2007, p. 65).
30

CAPÍTULO 3:

PRODUTO FINAL

3. 1. − Justificativa

Em artigo sobre o conceito e uso do Projeto Experimental nas faculdades de


jornalismo, Geralds e Sousa asseguram que

Os produtos revelam a preocupação com um esforço prático, o exercício


da técnica, mas, também, de reflexão sobre o fazer jornalístico. Para
serem caracterizados como experimentais, devem inovar em um desses
aspectos: linguagem, receptores, produtores ou meios. (2007, p. 3)

Eis aí a razão de ser do projeto “Mãos azuis”. Desde sua gênese, ele
pretendia tecer uma reflexão sobre o fazer jornalístico, reflexão esta que estaria
impressa no produto final junto ao próprio objeto de estudo, no caso, a cidade de
Toritama. Uma vez que “raramente o Jornalismo se olha no espelho” (Geralds e
Sousa, 2007, p. 8), foi tomada a decisão de registrar duas viagens entrelaçadas:
uma viagem física, de caráter jornalístico, à cidade pernambucana, e outra,
metalinguística, sobre o que os autores do projeto entendem por jornalismo e
como resolveram exercê-lo durante e depois da viagem – até atingir o produto
final.

A escolha pela convergência de mídias (sem, contudo, desqualificar o


produto no seu intuito maior de apresentar-se como um ensaio fotográfico) em
alguns momentos serviu, justamente, para distinguir estas duas viagens a que o
trabalho se propôs a fazer. A opção pela fotografia como sendo a principal
ferramenta de retratar a viagem deu-se, primeiramente, pelo interesse e aptidão
que o grupo apresentava por esta linguagem, e em segundo lugar pelo potencial
imagístico da cidade de Toritama, que de acordo com o grupo renderia material
muito rico para compor visualmente a narrativa. Além disso, a opção por
31

fotografar e não escrever sobre a cidade forçaria a imersão física das repórteres no
objeto de estudo, já que a presença da câmera fotográfica para tirar retratos,
flagrar cenas cotidianas e registrar o ambiente exige a participação ativa do
jornalista.

Ainda sobre essa imersão, acredita-se que

a intervenção do relato jornalístico em acontecimentos complexos ou


com elevado potencial de complexidade pode ampliar, em novos
sucessos, a rota do processo e, até, desencadear processos derivados nas
tramas sociais. (Chaparro, 2007, p. 141)

Sobre a mesma reflexividade (o acontecimento complexo da realidade afeta


o relato jornalístico, que ao ser produzido e publicado afeta o acontecimento
complexo, num círculo vicioso), McLuhan, de forma poética, diz que

Os meios, ao alterar o meio ambiente, fazem germinar em nós


percepções sensoriais de agudeza única. O prolongamento de qualquer
de nossos sentidos altera nossa maneira de pensar e de agir – o modo de
perceber. Quando essas relações se alteram, os homens mudam.”
(1969, p. 69)

3. 2. − Público

O projeto quer atingir um público composto principalmente por


interessados em fotografia e jornalismo, área que engloba, principalmente,
estudantes universitários e profissionais das áreas de ciências humanas. Apesar
do tema abordado, a narrativa não apresenta linguagem jornalística nem
acadêmica; é livre de jargões restritos a determinados âmbitos de produção
intelectual, justamente para garantir legibilidade e acessibilidade de leitura.
Como o livro trata de uma história bem peculiar de uma cidadezinha de
Pernambuco, a ação da viagem empreendida, propriamente dita, se passa no
ambiente nordestino. Acredita-se, porém, que a maior parte do público a se
32

interessar por esse tipo de abordagem é paulista, pelo interesse em entrar em


contato com uma realidade desconhecida e distante, realidade esta vista e sentida
por pessoas de fora (os repórteres).
Essa escolha do público não exclui, no entanto, a região do Pólo de
Confecções do Agreste como público em potencial. Afinal, é comum durante o
processo de comunicação a busca pela identificação com a mensagem captada.
Neste caso, o grupo entende que aquela região também compreende um público
em potencial para o "Mãos azuis", já que os habitantes e todo seu modo de vida
vistos por outro ângulo podem interessar aos toritamenses.

3. 3. − Custos / gastos

Para controle financeiro do grupo, foi feita uma planilha na qual foram
anotados todos os gastos com ligações telefônicas relacionadas à viagem e à
checagem de informações, valores das passagens de avião, gastos com
alimentação, hospedagem, transporte e compra de equipamentos como filmes
fotográficos, cartões de memória para máquina digital, revelação de filmes etc.
Somando-se o orçamento da gráfica para a impressão de 7 exemplares do produto
final obteve-se o valor final de XX reais (YY por integrante).
O produto final – livro colorido, de 90 páginas ao todo, impresso em papel
carta couché fosco de gramatura 115g em sistema digital – custou-nos
R$1.300,00.

3. 4. − Viabilidade de divulgação

De acordo com levantamento feito em diferentes gráficas da região de


Campinas, um livro de cerca de 60 páginas com tiragem de 1000 exemplares sai
em torno de R$ 14.000,00. Como a impressão dos exemplares é muito cara e a
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aquisição do livro pelo leitor num país que trata o livro como objeto de arte – ou
seja, de luxo, uma vez que um livro de fotografia em boa qualidade não é vendido
por menos de R$ 40,00 –, uma alternativa para a divulgação do projeto “Mãos
azuis” seria a impressão amadora, assim como são feitos os livros de cordel
atualmente, seguida de uma distribuição a preço simbólico. A plataforma web não
seria a mais indicada para essa finalidade, já que o livro é uma narrativa linear e
não uma hipermídia. Apesar disso, a internet comporta bem a apresentação de
imagens de alta qualidade: por meio de e-mails ou sites seria possível publicar
determinadas fotos acompanhadas de histórias em quadrinhos presentes no livro
para atrair a atenção dos possíveis leitores.
34

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Este projeto foi permeado, desde a concepção até sua entrega, por desafios
constantes. A começar pelo risco que representava a proposta arriscada, se não
ousada, que o grupo trazia, a cada etapa da produção uma ou mais provações iam
surgindo. Viver por mais de duas semanas em uma cidade com hábitos, códigos
sociais, clima e dinâmica tão diferentes foi uma delas. Levantar recursos
financeiros para permitir a consolidação desta ideia foi outra. Divergências e
incompatibilidade de visões entre os integrantes, por mais saudável que isso possa
ser, foi também desafiador. Mas sentir prazer e não fraquejar diante de tudo isso
talvez tenha sido o grande desafio na verdade.

Acredita-se que o grande combustível para a caminhada que resultaria no


“Mãos azuis” foi justamente aquilo que mais poderia atrapalhar o grupo em sua
formação como jornalistas: a sua descrença no jornalismo como ele tem se
apresentado convencionalmente na atualidade. O jornalismo do lide, da fórmula
pronta, da rapidez irresponsável, do distanciamento, provavelmente, tem o seu
valor, mas foi ele quem semeou no grupo um desejo de experimentar uma
proposta diferente. As duas repórteres viveram dias de toritamenses na capital do
jeans. Andaram pela cidade, comeram sua comida típica, fizeram compras na
venda da esquina, sentiram os mesmos medos e alegrias daquele povo por 17 dias.

Toritama despertou na equipe as sensações mais diversas. O cotidiano


repetitivo e a busca incansável daqueles trabalhadores por dinheiro fizeram, por
algumas vezes, as repórteres se questionarem se, mais do que vítimas de um
sistema cruel de produção, aquelas pessoas não viviam naquelas condições
também em decorrência de sua própria ambição. Mas não custaram a entender
que até mesmo a ambição dos toritamenses era produto do APL (Arranjo
Produtivo Local) ali instaurado.
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A cultura do sudeste, que, ainda que hipocritamente, mostra-se intolerante


ao trabalho infantil também fez despertar o sentimento de angústia nas
repórteres. Ver aquelas mãos tão pequeninas manuseando, sob o olhar
concentrado, uma tesoura tão grande causou incômodo nas estudantes. Mas,
apesar dos graves problemas que envolvem esta prática, precisou-se convencer
que é minimalista demais tratar aquela situação, exclusivamente, como
exploração de mão-de-obra infantil barata. Era precisa compreender que, para
aquelas famílias, mais que isso, culturalmente, tratava-se do ensinamento de um
ofício que faz parte do viver toritamense. E isso comprovava-se pelo
comportamento dos pais ou “patrões”, que, na maioria das vezes, não tinham
nenhum constrangimento em exibir seu pequenos funcionários.

O sentimento de revolta também visitou as aspirantes a jornalistas. O


descaso do poder público, resultante em ruas sem calçamento, falta de água
encanada, ausência de saúde e educação de qualidade não tiram o sorriso e o
frisson do dia-a-dia em Toritama. O atual prefeito Flávio de Souza Lima, durante
conversa com as duas integrantes do grupo, passou a sensação de ainda não ter
assimilado as proporções que a produção de jeans tomou na cidade que
administra. “É interessante então mesmo o nosso APL?”, questionou com ar quase
inocente.

Tantas sensações sentimentos que, ao final, resumem-se em um único, o de


alívio. Alívio pelo resultado final; alívio pela equipe ter comprovado a possibilidade
de um jornalismo diferente; alívio por poder folhear páginas que custaram muito
trabalho, muita dedicação e muita paixão para que fossem concretizadas; alívio
por ter chegado ao fim de uma viagem que, na verdade, durou, no mínimo, oito
meses.
36

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VIRILIO, Paul. Guerra e cinema: logística da percepção. São Paulo: Boitempo


Editorial, 2005
39

ANEXOS

A. Carta de recomendação à Associação Comercial e Industrial de Toritama


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B. Autorizações do uso de imagem


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C. Memoriais

Maíra Vicentim

Depois de pisar no jornalismo com o pé direito e sonhar durante o primeiro


e segundo ano, percebi o quanto eu estava sendo irrealista quanto à profissão e
quanto ao meu próprio destino.

O primeiro ano me “jogou no céu”. Acredito que isso seja normal de


qualquer jovem que ingressa na universidade. Eu estava nas nuvens e acreditando
na beleza de tudo que se falava sobre jornalismo. As disciplinas me encantavam e
a vontade de crescer repentinamente fazia com que eu acreditasse que era
possível me encontrar também nessa área, além da música, que já existia como
trabalho e sonho.

O jornalismo me ensinou primeiramente a pensar como uma pessoa


madura, adulta e responsável. Eu não errei na escolha do curso, nunca me passou
pela cabeça: depois da música, não haveria outra profissão com que me
identificasse.

As disciplinas que mais me fizeram ficar apaixonada pelo curso, no início,


foram as que têm a voz em primeiro plano: tele e rádio jornalismo (exceto o
fotojornalismo, que eu já tinha uma “quedinha” antes mesmo de ingressar na
faculdade).

Não que não goste do jornalismo impresso, jornalismo online e das outras
áreas. Bom, na verdade me assustei um pouco pelo fato de ser mais complexo e
mais sério em alguns sentidos: a linguagem tem de ser a mais formal (não é o meu
estilo), o “monstro da pirâmide invertida” sempre presente, o lide (aliás, o que foi
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isso que inventaram?) Se existe uma coisa que me desinteressa são padrões
conservadores, e este é um desses. Sou uma pessoa rebelde, sim!

Depois do monstro, chegam os medos que alguns professores colocam na


gente ao contar sobre a realidade da profissão no país, que não é fácil. Salário
ruim, dependência, estresse etc.

Os dois primeiros anos passaram-se numa velocidade incrível. Mal pude vê-
los e eles já tinham ido embora. Junto deles muitos amigos e companheiros de
trabalhos, de teatro (do professor Paulo Afonso) e festas.

O terceiro ano chegou diferente dos dois anteriores. Parece que o brilho
havia passado e agora só a realidade fazia parte do dia-a-dia das nossas aulas. E
eram aulas tão indesejáveis e cansativas que me davam vontade de sair correndo.
Professores que considero como referências lamentavam-se sobre disciplinas que
haviam sido colocadas na grade para “encher linguiça”, e eu os admirava ainda
mais, porque não tinha como não concordar com eles. Algumas disciplinas
realmente não me ensinaram nada, pois o professor não conseguia conter o
barulho dos alunos na sala. Alguns, até hoje, nem sei o nome, mas em
contrapartida há outros que serão eternamente lembrados com saudade. Peças
fundamentais, sem dúvida!

Hoje, deixo esse universo tão paralelo e parto para outro, que é o que penso
ser meu verdadeiro universo. Jornalismo? Quem sabe ainda escreverei minha
história dentro dele, ou, quem sabe, não chegarei a alcançá-lo. Mas, como todo e
qualquer aprendizado permanece, este será um grande. Uma etapa única e bem
aproveitada, com toda certeza!

Despeço-me feliz e ao mesmo tempo ansiosa, por não saber o que virá
adiante!
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Lana Torres Silva

Fazer o curso de jornalismo é o único caminho possível para alguém


aprender o quão dispensável ele pode ser. Isso o torna paradoxalmente
indispensável, acredito. Sabe, não me dou muito bem com os números (fosse
diferente, teria seguido os passos de minha irmã mais velha, prestado estatística
e, muito provavelmente, minhas angústias seriam menos complexas que as
atuais). Bom, vou me valer da minha porca habilidade com a matemática para
efetuar um cálculo simples, porém desesperador: quatro anos, oito meses cada,
pra cada mês, 20 dias letivos, pra cada dia letivo, aproximadamente, quatro aulas,
cada aula 50 minutos... Duas mil cento e trinta e três horas com o traseiro colado
nas cadeiras desconfortáveis da Faculdade de Jornalismo da PUC-Campinas.

Muitas destas horas, em vão. Algumas, em raiva. Um bocado gastas em


boas (e altas) risadas. Outras naquilo que prefiro acreditar não estar equivocada
em chamar de aprendizado. Tantas outras dedicadas a ouvir o repetitivo discurso
que parecia nunca ter fim: “Não existe imparcialidade, gente”. Muitas horas.
Horas suficientes para assistir mais de 1400 partidas de futebol ou para ouvir
mais de 25 mil sambas. Horas suficientes para uma transformação que ainda não
decifrei ser de água em vinho ou vinho em água. Fiquei mais amarga, é fato.
Fiquei muito mais fria também. Fiquei menos mineira e mais paulista (e só eu sei o
quanto meu bairrismo faz ser dolorosa esta confissão). Fiquei mais gorda e mais
feia. Mais esperta, mais sagaz. Menos contida e insossa. Se fiquei mais jornalista
não sei!

Eu diria que o curso de jornalismo (permito-me aqui uma metáfora


esquisita) segue a máxima do “estupra, mas não mata”. Causa traumas
irremediáveis, é verdade. Fere, invade, machuca, maltrata, faz-nos sentir nojo de
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nós mesmos às vezes, faz chorar... mas não mata. A mim não matou sequer os
sonhos. Tampouco a paixão pela profissão, que, pra mim, é de fé. A minha rusga,
cada dia estou mais certa disto, é com a academia. Passei pela iniciação científica e
pela extensão como uma adolescente rebelde que beija garotos e garotas,
rotulando-se de curiosa. E, no meu caso, a curiosidade só reforçava, a cada nova
experiência, o quão patéticos os acadêmicos podiam ser aos meus olhos. Vaidade,
pseudo-intelectualidade, tantos discursos tão recheados de palavras pomposas
que não dizem absolutamente nada.

Mas, justiça seja feita, de alguns professores levo verdadeiras


preciosidades. Heranças vindas não de um título de mestre, doutor ou livre
docente. Heranças vindas de uma amizade, de uma aliança. E seria injusto não
citar aqui dois nomes: Carlos Alberto Zanotti, que me segurou os pés no chão e
Ana Paula Oliveira, que me lançou a cabeça nas nuvens. A ele, todos os meus
lides; a ela, todos os meus irreverentes narizes de cera.

Voltando a minha porca matemática, considerando os quatro anos de curso,


acho que posso afirmar ter feito uma média de 0,5 amigo (eu disse AMIGO) por
ano. Bons colegas fiz um pouco mais, talvez 1,5 por ano. Um número simplório
demais para alguém vindo de um lugar onde se conversa e se coloca pra dentro de
casa qualquer um aparente mais ou menos ser “boa gente”. Tantas vezes me senti
um estranho no ninho. E tantas vezes me senti mal com isso. E inúmeras outras
me senti tão bem.

Os colegas são poucos, mas estou feliz porque sei que, se a vida insistir em
me levar para ramos jornalísticos que não são exatamente aqueles pelos quais
pretendo passear, terei pelo menos oito pares de ouvidos para servirem de alvo
para minhas queixas e lamúrias. Já se o destino for benevolente e me levar para o
jornalismo frenético e alegre que busco (algo muito próximo do que foi feito em
“Mãos Azuis - uma fábula fotográfica sobre Toritama, a capital do jeans”), aí terei
61

pelo menos oito bocas e dezesseis pés dividindo a mesma cerveja e o mesmo
samba durante a comemoração. À Maranha, Levy, Person, Nacim, Zé, Gota, Fábio
e Maíra meu brinde suado e extravagante no copo americano transbordado de
cerveja. Um brinde ao ProUni que, bem ou mal, com todas as suas falhas, me
possibilitou conhecer vocês.

Duas mil cento e trinta e três horas... quanta festa, quantos livros, quantos
lides, quanto sexo, quanta música, quanta poesia, quantos textos, quantos
jantares, quanta coisa eu poderia ter feito. Tanta coisa eu fiz! Do meu jeito
atrapalhado, acho que fiz valer estes minutos todos. Do meu jeito inseguro, reluto
em dizer que poderia ter sido infinitamente melhor. Do meu jeito medroso, estou
agora pensando: o que vou fazer das minhas próximas duas mil cento e trinta e
três horas? Não sei.
62

Fábio Bonillo Fernandes Carvalho

Caindo de paraquedas no curso de jornalismo, foi mais fácil agir com senso
crítico – como se espera, afinal, de um jornalista. Sempre com distanciamento,
uma vez que queria estudar cinema e não jornalismo (a princípio), pude avaliar
melhor os quatro anos de ensino que recebi na faculdade. Entrei sem querer no
curso porque, analisando mais detidamente o que queria para a minha vida, optei
por ter a oportunidade de escrever e publicar sobre aquilo de que sempre gostei:
cinema e literatura.

Estudar cinema numa graduação seria muito chato; decidi que o


conhecimento acadêmico sobre os filmes de que mais gostava destruiriam a
melhor parte da coisa, que é o prazer, já que na academia, como hoje posso, com
base, criticar, a função principal do conhecimento é reduzir todo o objeto de
estudo a uma categoria simplista (geralmente, a política), como se o que não tem
significado aparente e explícito não pudesse ter nenhum valor.

Para quem acha que escrever e publicar sobre aquilo de que se gosta é
pedante para um jornalista – como uma vez já o expressou um de meus
professores –, só posso responder assim: que ofício é mais egoísta que o do
jornalista que, ao se transformar num especialista em tudo (ou seja, agregando
conhecimento superficial baseado em pesquisas relâmpago no Google) durante 4
anos, julga que a sociedade necessita dele para tratar de todo e qualquer assunto?
Quem foi aquele que primeiro disse que não ter uma especialização num assunto
leva, necessariamente, à imparcialidade? O objetivo de entrar no jornalismo,
assim como o de todo jornalista, é, sim, abastecer o ego; e para quem acha que isso
é ruim, também está enganado: por que deveria ser ruim, quando existe
competência e/ou talento? O simples fato de ter que optar por um curso
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universitário e não outro é, então, um exercício de egoísmo?

Fazer faculdade de jornalismo me ensinou a parte podre da profissão e da


sociedade, que pretendo nunca esquecer: os jargões, os tecnicismos, a
glamurização falaciosa do exercício da profissão (que não passa de um ofício como
qualquer outro, só que ainda mais perigoso no quesito ético), o conceito absurdo
de verdade, o conceito absurdo de que é preciso subestimar a capacidade do leitor
para conseguir vender, a dinâmica da academia (que no fim difere pouco da pior
das piores colunas sociais campineiras – quando não há talento ou competência), o
ensino falho, o jabá, o ensino deformador, a noção de que o jornalista é um
escolhido de Deus para dizer a Verdade para os Povos, a grande mentira do “faro
jornalístico” e do jornalismo como dom, a batalha inútil pela exigência do diploma
(que contraditoriamente vai contra toda a ideia do jornalismo como dom tão
propagado por certos professores – afinal, quem precisa de diploma se se é um
escolhido?) e, principalmente, o ensino que tenta aprisionar o aluno na jaula da
fundamentação teórica sem utilidade e na arapuca que tenta enquadrar a
liberdade de pensamento do aluno ao fazê-lo pensar com os olhos do professor (ou
de uma referência bibliográfica). Fazer jornalismo, talvez, seja um exercício de
liberdade humana, ou, menos pretensiosamente, de tentar garantir que ao menos
um em um milhão consiga ao menos pensar que sim, pode haver liberdade, que
seja a de pensamento.

O que aprendi de valoroso foi o prazer de buscar conhecimento além da


sala de aula e além dos papers acadêmicos, a relevância do jornalismo
independente e crítico, a durabilidade e impacto da palavra e da imagem para
construir significados sociais, a sensação boa de ter uma aula esclarecedora e que
te faz tentar ser uma pessoa melhor, certas amizades imprescindíveis e inevitáveis
e imaginar que, num país carente de educação, pude ter um ensino, senão sempre
de qualidade, de grande importância para minha formação intelectual e para o
64

desenvolvimento das minhas úlceras. Afinal, ser contrariado faz parte do jogo de
aprender a ser independente.

A experiência do Projeto Experimental, sim, foi a melhor de todas; não a


mais prazerosa e tranquila, nem a mais maligna e traumatizante. Foi difícil,
árdua, obtusa e pontiaguda. Provocou coceiras. Mas acima de tudo provocou uma
reação em cadeia que englobou experiência, amadurecimento individual e
profissional e a sensação de estar sendo útil.

Talvez isso seja jornalismo: trabalho voluntário (mas assalariado) feito por
egoístas com forte senso crítico e autocrítico. Parece explosivo, mas ninguém é
inocente no jornalismo.
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D. Planilha de gastos - viagem

Gastos Toritama
22/Ago 23/Ago 24/Ago 25/Ago 26/Ago 27/Ago 28/Ago 29/Ago
Alimentação 50,00 55,75 40,00 57,00 41,60 52,00 53,00 40,00
Transporte 3,60 94,00 21,00 15,00
Hospedagem 80,00 77,50 40,00 40,00 40,00 40,00 40,00 40,00
Papelaria/net 30,00 12,00 8,00 2,00 4,00 4,00 4,00
Passagens Aéreas 1.268,00
Combustível carro 15,00
Extras 550,00
Subtotal 698,60 1.525,25 113,00 105,00 83,60 96,00 97,00 99,00

30/Ago 31/Ago 01/Set 02/Set 03/Set 04/Set 05/Set 06/Set Total


46,00 26,00 25,00 34,50 35,00 65,00 34,00 36,00
5,00 1,50 4,00 58,00 13,60 28,00
40,00 40,00 40,00 40,00 40,00 58,00 58,00
4,00 15,50 4,00 4,00 14,00

15,00

90,00 81,50 74,00 80,00 93,00 181,00 47,60 137,00 3.601,55

Preço por pessoa: 1.200,00

E. Planilha de custos – orçamento da gráfica

JOB: Caderno
Formato: Carta (impresso em A3)
Impressão: Color e PB
Material: couche 115gr
Acabamento: Capa com encadernação “Livro”
Quantidade: 7 unidades

Impresso em A3
49 impressões COLOR – R$ 142,10
37 impressões PB – R$ 25,90
encadernação – R$ 18,00
Valor Unitário - R$ 186,00

VALOR TOTAL = 7 x 186 = RS$ 1302,00


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