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NOTAS

HISTÓRICAS

DO

DESENVOLVIMENTO

DO

CÁLCULO DIFERENCIAL E INTEGRAL

luiz roberto rosa

0
De Eudoxo à Dedekind

“Todas as grandes tentativas tendentes a fundamentar uma teoria do


conhecimento derivam da busca da certeza do saber humano. Este
último interrogativo, por sua vez, procede do desejo de um
conhecimento que apresente foros de certeza absoluta.” [Schlick
(1988), p.65]

Por onde se vai

Aqui traçarei alguns pontos históricos da construção do pensamento matemático


relacionados com o desenvolvimento de conceitos próprios do cálculo diferencial e
integral, do cálculo infinitesimal e da análise matemática. O intuito desta exposição é
levantar idéias e formas de pensamentos registradas por algumas leituras de fontes
históricas sobre a construção do saber matemático.

Em rápidas linhas

O plano: Iniciar pela matemática grega, ao redor de 300a.C., tendo como


referencial os Elementos de Euclides, entre Zenon de Eléia e Arquimedes. Apesar de ser
esta a ordem histórica, aqui será invertida a ordem de exposição. Inicio com uma passagem
dos Elementos, em seguida os Paradoxos de Zenon e arremato com a quadratura do círculo
por Arquimedes. Então, rumarei para os séculos XVI, XVII e XVIII do continente europeu
tendo como referenciais os trabalhos e as idéias de: Viète, Fermat, Barrow, Descartes,
Cavalieri, Newton, Leibniz, entre outros, passando antes por Thomas Bradwardine e
Nicole de Oresme (séculos XIII e XIV), para aportar no século XIX com Bolzano, Cauchy,
Weierstrass, Heine e Dedekind e alguns outros.

Estas passagens históricas vão mostrar um panorama de como a comunidade


matemática focava os pontos relevantes na construção das ferramentas da rainha das
ciências, fundando-os num corpo que se ambicionava único, sem ambigüidades, sem falsos
silogismos. Um monólito do pensamento humano. A grande obra. O mesmo ideal que
aguçou a Paul Erdös a idealizar O Livro, que acabou sendo escrito por Martins Aigner e

1
Günter M. Ziegler com o título: Proofs from the Book (que no Brasil foi editado com o
título: As provas estão n’O LIVRO).

Elementos de Euclides

Desta obra será realçado alguns pontos, que dizem diretamente respeito, ao
desenvolvimento do Cálculo para se traçar um vínculo estreito entre os conceitos deste
com a tradição geométrica da Grécia antiga.

Cabe ressaltar uma célebre frase atribuída à escola pitagórica: “Tudo é número”.
Neste tocante os gregos antigos classificavam seus estudos e trabalhos com números em
dois grupos: um, a logística, esta dizia respeito a tarefa computacional envolvendo
números, mais voltada à aplicação cotidiana dos números; outro, a aritmética, esta se
dedicava as relações abstratas envolvendo números, o que poderíamos dizer ser esta aquela
que dava um tratamento teórico àquilo que se pode denominar número.

De início depara-se com uma situação que se tornaria, por longo tempo, o que se
poderia chamar de calcanhar de Aquiles, no tocante a teoria dos números, os ditos – hoje –
números irracionais.

Um dos ícones da matemática é o chamado teorema de Pitágoras – ao que parece já


era de conhecimento dos babilônios [Boyer (1987)] que por sua vez possuíam métodos
algorítmicos para resolver (o que para nós se denominaria) equações. Outro símbolo
matemático instigante é a secção áurea. Estes dois emblemas matemáticos levaram Kepler
a fazer a seguinte afirmação:

“A geometria tem dois grandes tesouros: um é o teorema de Pitágoras;


o outro, a divisão de um segmento em média e extrema razão. O
primeiro pode ser comparado a uma medida de ouro; o segundo
podemos chamar de jóia preciosa” [Boyer (1987), p.37]

Mas é justamente na secção áurea que a matemática grega antiga vai se deparar com
o então inefável para o seu paradigma numérico: aquele que originou o termo
incomensurável.

2
Construindo a secção áurea.

Dado um segmento AB:

Marca-se, entre AB0 um ponto B1, seja AB1 > B1B0 . Se nesta divisão verificar a

proporcionalidade: AB0 : AB1 :: AB1 : B1B0 , diz-se que o segmento AB0 fica dividido por

B1 em média e extrema razão, sendo o segmento AB1 o segmento áureo e a medida AB1, a
medida áurea.

E pode-se
se continuar o processo marcando entre A e B1 um ponto B2 na condição:
AB1 : AB2 :: AB2 : B2 B1 ; bem como entre A e B2 um ponto B3 na condição:

AB2 : AB3 :: AB3 : B3 B2 . No enésimo ponto marcado teremos: ABn−1 : ABn :: ABn : Bn Bn −1 .
Obtendo assim uma seqüencia de segmentos áureos que vai gerar uma seqüência
( ABn )n∈N de “medidas áureas”. E indefinidamente pode-se
pode se prolongar o processo, pelos

menos em nossas mentes.

O primeiro segmento: Considerando que AB0 tenha medida r (racional positivo) e

AB1 , x. Conseqüentemente B1B0 , r−x. Mas, por construção, tem


tem-se:

r x
AB0 : AB1 :: AB1 : B1B0 , o que conduz a: = , que inexoravelmente nos dá:
x r−x
 5 −1 
x 2 = r 2 − rx . E isolando x , tem-se: x =   r , com x > 0 . E, nestas notações
 2 
se revelado a irracionalidade de x para r racional. O que se pode
modernas, tem-se

3
demonstrar por absurdo: Seja a = b ⋅ c . Se b é irracional e c é racional (não nulo) então a
a
é irracional. Demonstração por absurdo : Seja a racional. Como a = b ⋅ c , então b = o
c
que nos leva a dizer que b é racional - Absurdo! Logo a é irracional. c.q.d. Claro, que se
está aqui considerando resultados conhecidos na Álgebra, como o do corpo racional.

Se chamar AB1 de x1 , AB2 de x2 e de modo geral, ABn = xn ; obteremos:


n
 5 −1 
xn =   ⋅ r , ainda um número irracional.
 2 

A irracionalidade vai se manifestar também ao se aplicar o teorema de Pitágoras


para determinar a medida da diagonal de um quadrado de lado medindo r (racional).

Considerando a diagonal como tendo medida d , obtém: d = 2r , também irracional.

Nas duas situações, de cara, os gregos antigos se depararam com a insuficiência dos
números racionais para se medir segmentos de modo geral.

Pode-se conjecturar que todo desenvolvimento geométrico, através das construções


com régua e compasso, dos gregos de antanho tenha ganho existência em virtude da
impossibilidade de se obter uma medida racional para situações semelhantes as citadas
acima. Isso agregado, principalmente, ao fato do rigor no trato matemático que se auto
impuseram os matemáticos gregos.

O mais notável é que a civilização Ocidental se fez herdeira da cultura helênica, e,


no que diz respeito a matemática, este rigor atravessou os séculos como um grande
paradigma, um monolítico referencial na construção do pensamento matemático. Bem é
verdade que muitos matemáticos ao longo da história contornaram tal monólito, e, para
curiosidade de muitos, obtendo resultado que vieram a se confirmar, em uma estrutura
axiomatizada. Outros ainda não demonstrados passaram para o contexto teórico como
conjecturas. Talvez a mais famosa seja a de Goldbach (de 1742). E na medida do possível
alguns abnegados passam um bom tempo de suas vidas – se não toda ela – na busca de uma
resposta satisfatória aos moldes do formalismo vigente.

Estes moldes não advêm de uma mera crença:

“Na maior parte das ciências uma geração põe abaixo o que outra
construiu, e o que uma estabeleceu a outra desfaz. Somente na

4
matemática é que cada geração constrói um novo andar sobre a antiga
estrutura.”(Hermann Hankel – 1839-1873) [Boyer (1987), p.404]

Analisando a história da matemática ocidental vê-se que as coisas não transcorrem


nesta suave evolução contígua como sugere Hankel, pois no próprio século XIX muitos
conceitos matemáticos foram revistos para se poder consolidar um caminho viável em
conformidade com um todo matemático. Mas não se pode deixar de citar o pensamento
intuicionista que parte por um caminho distinto de se construir os entes matemáticos,
quando comparado com o formalismo consolidado, entre outros, por David Hilbert. Para os
intuicionistas a demonstração indicada no início deste – a demonstração por absurdo – não
é aceitável. Nisto várias das demonstrações matemáticas tornam-se inválidas sob o olhar
dos seguidores de Luitzen Brouwer (1881 – 1961).

Voltando a academia matemática grega e sua estrutura axiomática compilada e


elaborada, por volta de 300a.C., por Euclides em seus Elementos. Esta obra foi alicerçada
nos trabalhos de Eudoxo (408-355 a.C.), com relação a teoria das proporções por ele
desenvolvida, para abarcar os ditos incomensuráveis, os irracionais. Bem como o método
da exaustão a ele é atribuído por Arquimedes, que muito vai empregá-lo. A axiomática dos
Elementos possuía e possui uma forma geométrica; grandezas são representadas por
segmentos de linhas retas, planos e regiões limitadas por curvas, retas e superfícies planas
e curvas. Nestas formas foram incorporadas idéias sobre números.

No Livro V dos Elementos, lê-se nas seis primeiras definições (segundo Aníbal
Faro, da Edições Cultura – SP, 1944, p.119):

I
Uma grandeza se diz parte de outra grandeza, a menor da
maior, quando a menor mede a maior.
II
A grandeza maior se diz múltipla, ou multíplice da menor,
quando a menor mede a maior.
III
A razão entre duas grandezas, que são do mesmo gênero, é um
respeito recíproco de uma para outra, enquanto uma é maior, ou
menor do que a outra, ou igual a ela.
IV
As grandezas têm entre si razão, quando a grandeza menor,
tomada certo número de vezes, pode vencer a grandeza maior.

5
V
As grandezas têm entre si a mesma razão, a primeira para a
segunda, e a terceira para a quarta, quando umas grandezas,
quaisquer que sejam, eqüimultíplices da primeira e da terceira a
respeito de outras, quaisquer que sejam, eqüimultíplices da segunda e
da quarta, são ou juntamente maiores, ou juntamente iguais, ou
juntamente menores.
VI
As grandezas, que têm entre si a mesma razão, se chamam
proporcionais.

Este é o caminho tomado por Eudoxo e seguido por Euclides para se construir, o
que se poderia chamar de, uma álgebra para os comensuráveis e para os incomensuráveis.

Decorre que Aristóteles, diz:

“Se adicionarmos continuamente a uma quantidade finita,


excederemos qualquer grandeza dada e, do mesmo modo, se
subtrairmos continuamente dela chegaremos a alguma coisa menor do
que ela.” [Baron (1985), I, p.27]

No primeiro caso: dadas duas grandezas a e b (dois segmentos de reta), com a > b
, é possível fazermos: b + b + ... + b ( n parcelas) de modo que b + b + ... + b = nb > a . No
segundo caso: é possível encontrarmos: b + b + ... + b ( m parcelas) de modo que
a − ( b + b + ... + b ) = a − mb < b .

Tem-se com isso o que chamamos de princípio arquimediano, de fundamental


importância para se discutir a construção dos reais e dos infinitesimais. E procede
diretamente da definição IV.

E a definição V, pode ser ilustrada da seguinte forma:


Seja x : y (primeira e segunda grandezas) e w : z (terceira e quarta grandezas).
Para todo n e m (grandezas quaisquer);
Se nx >=< nw (eqüimultíplices da primeira e da terceira)
então nw >=< nz (eqüimultíplices da segunda e da quarta).
Temos aqui uma questão de ordem e a lei da tricotomia. Segundo Boyer (1987):

6
“Na verdade a definição não esta longe das definições de número real
dadas no século dezenove, pois divide a coleção dos números racionais
m n em duas classes, conforme ma ≤ nb ou ma > nb . Porque existem
infinitos números racionais, os gregos, por implicação, se defrontavam
com o conceito que desejavam evitar, o de conjunto infinito; mas pelo
menos era possível agora dar demonstrações satisfatórias dos teoremas
sobre proporções.” [Boyer (1987), p.66-7]

Como veremos adiante, Dedekind vai construir seus cortes, à semelhança do que
foi dito acima, bem como uma aritmética dos seus “novos” entes matemáticos.

Zenon de Eléia

Um marco, na arte de se perturbar o status quo da matemática, são os Paradoxos de


Zenon.

A escola pitagórica havia admitido que o espaço e o tempo são constituídos por
pontos e instantes. Intuitivamente pode-se dizer que o tempo e o espaço possuem uma
propriedade que é a continuidade. Zenon de Eléia (c. 450a.C.) criou quatro histórias, que
conduziram o raciocínio vigente na matemática (à sua época) a uma cilada aos referenciais
pitagóricos. Os ditos Paradoxos de Zenon, que são: (1) a Dicotomia, (2) o Aquiles, (3) a
Flecha e (4) o Estádio.

Descreverei aqui duas delas, segundo Howard Eves:

“A Dicotomia: Se um segmento de reta pode ser subdividido


indefinidamente, então o movimento é impossível pois, para percorrê-
lo, é preciso antes alcançar seu ponto médio, antes ainda alcançar o
ponto que estabelece a marca de um quarto do segmento, a assim por
diante, ad infinitum. Segue-se, então, que o movimento jamais
começará.

A Flecha: Se o tempo é formado de instantes atômicos


indivisíveis, então uma flecha em movimento está sempre parada,
posto que em cada instante ela está numa posição fixa. Sendo isso
verdadeiro em cada instante, segue-se que a flecha jamais se move.

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Já se deram muitas explicações para os paradoxos de Zeno.
Por outro lado, não é difícil mostrar que eles desafiam as seguintes
crenças da intuição comum: de que a soma de um número infinito de
quantidades positivas é infinitamente grande, mesmo que cada uma
 ∞ 

delas seja extremamente pequena 


∑ i =1

ε i = ∞  e de que a soma de


um número finito ou infinito de quantidade de dimensão zero é zero
(n× 0 = 0 e ∞ × 0 = 0 ) . Qualquer que tenha sido a motivação dos

paradoxos, o fato é que eles excluíram os infinitésimos da geometria


demonstrativa grega.” [Eves (1997), p.418]

Cabe chamar a atenção para as seguintes questões: Os paradoxos de Zenon e as


divisões áureas têm uma estreita relação no que diz respeito a medidas infinitamente
pequenas e a questão do contínuo. Estas questões estarão permanentemente presente em
neste trabalho.

Arquimedes1

Dos problemas célebres da antiguidade, o da quadratura do círculo muito interessa,


dado que permite aproximar o desenvolvimento da integração, realizada no tempo de
Newton e Leibniz, com a tradição matemática grega, que aqui será representada por
Arquimedes.

A demonstração da fórmula que calcula a área do círculo que se seguirá, deve-se a


Arquimedes, que empregou o método da exaustão (de Eudoxo, segundo o próprio
Arquimedes) e a dupla redução ao absurdo. O primeiro esta presente na forma com que se
aproxima da circunferência por polígonos convexos regulares e o segundo na negação de
duas de três possibilidades construídas na hipótese.

Primeiro Método de Exaustão de Eudoxo:

“Se de uma grandeza qualquer subtrairmos uma parte não menor que
sua metade e do resto novamente subtrai-se não menos que a metade e
se esse processo de subtração é continuado, finalmente restará uma

1
Deste ponto até Leibniz a referência bibliográfica principal será Baron (1985).

8
grandeza menor que qualquer grandeza de mesma espécie.” [Boyer
(1987), p. 67]

Notar que há aqui uma proximidade com o conceito de limite.

Agora vamos ao cáculo da área do círculo por Arquimedes:

“A área de qualquer círculo é igual a área de um triângulo retângulo,


no qual um dos lados, partindo do vértice cujo ângulo é reto, é igual
ao raio, e o outro é igual à circunferência do círculo.” [Baron (1985),
I, p.34]

Demonstração, segundo Baron, com alguns adendos meus em itálico:

“Seja ABCD o círculo, e K o triângulo em questão.


Então, se o círculo não for igual a K, ele deve ser maior ou menor.
Suponhamos que o círculo seja maior do que K.
Inscreva um quadrado ABCD, divida AB, BC, CD, DA ao meio, depois
(se necessário) suas metades e assim por diante, até que os lados do
polígono inscrito, cujos pontos angulares são os pontos de divisão,
contenham segmentos cuja soma seja menor do que o excesso da área
do círculo, menos K.

[Seja Si a referida soma e Ao a área do círculo, então: Si < Ao − K (1). Por

construção, temos: Si + Ap = Ao (2)].

Assim a área do polígono é maior do que K.

[De (2) em (1): Si < Si + Ap − K , ou seja, K < Ap ou Ap > K (3)].

Seja AE qualquer lado dele, e ON a perpendicular baixada sobre AE do


centro O.
Então, ON é menor do que o raio do círculo, portanto menor do que
um dos lados adjacente ao ângulo reto de K. Também o perímetro do
polígono é menor do que a circunferência do círculo, isto é, menor do
que o outro lado adjacente ao ângulo reto de K.
Assim, a área do polígono é menor do que K. Isto é inconsistente com
a hipótese.

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[Se dividirmos o polígono em triângulo isósceles cujas bases são congruentes a AE
e cada um deles com altura ON (conforme descrito), fazendo t o perímetro do polígono,
ON ⋅ t
então Ap = . Dado que K = r ⋅ c ( r , raio da circunferência, e c , o perímetro da
2
mesma), e como (por construção) ON < r e t < c , então Ap < K (4). De (3) e (4), tem-se

um absurdo].

Assim a área do círculo não pode ser maior do que K.


Se possível seja o círculo menor do que K.
Circunscreva um quadrado, e trace dois lados adjacentes, tocando o
círculo nos pontos E e H encontrando-se em T. Divida os arcos ao
meio, entre os pontos adjacentes de contado, e tome as tangentes aos
pontos da divisão.
Seja A o ponto médio do arco EH e FAG a tangente em A.
Então, o ângulo TAG é um ângulo reto.
Logo TG > GA e TG > AF .
Segue que o triângulo FTG é menor do que a metade da área TEAH.
Do mesmo modo, se o arco AH é dividido ao meio e a tangente ao
ponto da divisão é tomada, ela cortará mais da metade da área de
GAH.
Continuando assim o processo, chegamos finalmente a um polígono
circunscrito cujos espaços entre ele e o círculo, somados, serão
menores do que o excesso entre K e a área do círculo.

[Seja Se a referida soma e Ao a área do círculo, então: Se < K − Ao (5). Por

construção, temos: Se + Ao = Ap (6)].

Logo, a área do polígono será menor do que K.

[De (6) em (5): Ap − Ao < K − Ao , ou seja, Ap < K (7)].

Como a perpendicular de O sobre qualquer lado do polígono é igual ao


raio do círculo, enquanto o perímetro do polígono é maior do que a

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circunferência do círculo, segue-se que a área do polígono é maior do
que o triângulo K, o que é impossível.

[Se dividirmos o polígono em triângulo isósceles cujas bases são congruentes a HI


(um dos lados desse polígono) e cada um deles com altura OB (B ponto médio de HI ),
OB ⋅ t
fazendo t o perímetro do polígono, então Ap = . Dado que K = r ⋅ c ( r , raio da
2
circunferência, e c , o perímetro da mesma), e como (por construção) OB = r e t > c ,
então Ap > K (8). De (7) e (8), tem-se um absurdo].

Portanto, a área do círculo não é menor do que K.


Como a área do círculo não é maior e nem menor do que K, só pode
ser igual a K. [Baron (1985),I, p.35]

O que resta saber é como foi que Arquimedes chegou na comparação da área do
círculo com a área de um triângulo retângulo com catetos medindo conforme condições
mencionadas no teorema demonstrado. Ao que parece foi através de um forte senso
intuitivo aliado a algum método empírico. Assim pode-se dizer que não é de todo razoável
banir da matemática a intuição e o empirismo. O que não é possível, segundo o rigor em
vigor, é se bastar somente neles. Mas, a história da matemática aponta, com grande
freqüência, que a junção da estrutura axiomática, e o seu rigor demonstrativo, com a
intuição, bem como com certos empirismos, é extremamente frutífero para a construção de
uma linguagem que exprime um pensamento sustentado numa suficiência lógica.

“Assim, a lógica e a intuição têm cada uma seu papel necessário.


Ambas são indispensáveis. A lógica, a única que pode dar a certeza, é
o instrumento da demonstração: a intuição é o instrumento da
invenção.” [Poincaré (1998), p.22]

O método empregado por Arquimedes na determinação de áreas e volumes de


modo geral sempre recorrem a estrutura axiomática, e as demonstrações são rigorosas. Fato
este que será, sempre uma referência, um enorme paradigma para os matemáticos da época
de Newton e Leibniz, entre outros, ao justificar os resultados obtidos como se verá em
alguns exemplos.

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Nos trabalhos de Arquimedes, com quadratura e cubatura, freqüentemente ele
recorre às séries. E as obtém por um método puramente geométrico. O exemplo que segue,
é mostrado por Baron (1985), I, p.41.

Seja a1, a2 , a3 , ... ,an um conjunto de grandezas, onde a2 − a1 = a3 − a2 = ... = a1 .

Com isso tem-se: a2 = 2a1 , a3 = 3a1 e assim sucessivamente. Logo tem


tem-se uma seqüência

em progressão geométrica.

É fácil perceber que:


e:
2 ( a1 + a2 + a3 + ... +an ) = ( n + 1) an e 2 ( a1 + a2 + a3 + ... +an−1 ) = ( n − 1) an

decorre que:

a1 + a2 + a3 + ... +an =
( n + 1) a e a1 + a2 + a3 + ... +an −1 =
( n − 1) a
n n.
2 2
n
Logo: a1 + a2 + a3 + ... +an −1 < an < a1 + a2 + a3 + ... +an
2

Esta desigualdade, Arquimedes empregou para provar o volume de um conóide


(um sólido obtido por rotação de uma curva parabólica em torno de seu eixo).

Vale uma nota: Suspeita


Suspeita-se
se que alguns empregos, do que se chamaria de séries,
feita por este genial matemático, já era de conhecimentos dos babilônios antigos, que
possuíam conhecimentos
cimentos das fórmulas:

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n n n

∑ i =0
i=
n ( n + 1)
2
,

i =0
r =
i r n +1 − 1
r −1
e

i =0
i2 =
n ( n + 1)( 2n + 1)
6
.

Thomas Bradwardine e Nicole Oresme

Na idade média, muitas obras filosóficas, de física e de matemática foram


desenvolvidas por escolástico. No caso da matemática, dá-se continuidade à busca e
emprego do rigor vindo da Grécia antiga, tendo os Elementos de Euclides como referência.
Mas neste período, já se nota uma influência dos trabalhos elaborados por pensadores
árabes, em especial através do livro Liber abaci, de Fibonacci ou Leonardo de Pisa (1180 –
1250), um tratado sobre números e processos algorítmicos com emprego da numeração
indo-arábico. Apesar de herdeira de uma tradição hindu-arábica não havia nesta obra um
vínculo entre aritmética e geometria [Boyer (1987), p. 185]. Boyer chama atenção para o
fato de, já no século XIII, Fibonacci empregava a barra horizontal para representar frações,
mas o uso comum desta notação só se efetivou no século XVI. Aqui se tem um exemplo da
necessidade de se inventar notações e novos símbolos para representar entes matemáticos,
e concomitantemente dá-se um processo de firmemente associar significados a eles.

Neste ponto da história da matemática, creio que se deva ter uma maior atenção aos
trabalhos dos pensadores e sábios do mundo árabe. Mas isto não será aqui objeto de
análise, somente faço uma observação. Uma tensão mais forte entre a cultura árabe e a
cultura européia se com o advento das Cruzadas.

“Elas [as Cruzadas] ajudaram a despertar a Europa de seu sono feudal,


espalhando sacerdotes, guerreiros, trabalhadores e uma crescente
classe de comerciantes por todo o continente; intensificaram a procura
de mercadorias estrangeiras; arrebataram a rota comercial entre o
Oriente e o Ocidente, tal como antes.” [Huberman (1979), p.30]

Os registros históricos apontam, para este período europeu, um fato interessante: as


vilas e as cidades cresceram tão rapidamente que, por volta do século XIV, em algumas
regiões, metade da população havia sido deslocada para as atividades comerciais e
artesanais. É neste contexto que surge o Liber abaci de Fibonacci, cujo “pai, natural de
Pisa, tinha negócios no norte da África e o filho estudou com um professor muçulmano e

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viajou pelo Egito, Síria e Grécia.” Assim, não é de se estranhar que “Fibonacci conhecesse
a fundo os métodos algébricos árabes”. [Boyer (1987), p. 185].

Este registro, sobre o Liber abaci e da inserção dos trabalhos árabes na Europa2,
considero relevante, pois é um passo importante para o processo de algebrização, com uma
forma própria, juntando-se a geometria que esta se construindo no Ocidente. Nesta direção
as idéias de Nicolau Oresme é um marco importante, bem como é relevante o pensamento
de Thomas Bradwardine, conforme se mostrará.

Segundo Boyer (1987), Thomas Brawardine, 1290(?) – 1349, foi “um filósofo,
teólogo e matemático que subiu à posição de Arcebispo de Canterbury” (p.191), e Nicole
Oresme, 1323(?) – 1382, um “sábio parisiense que se tornou Bispo de Lisieux” (p.191).

“O espírito filosófico de toda a obra de Bradwardine aparece mais


claramente na Geometria speculativa e no Tractatus de continuo, em
que ele dizia que as grandezas contínuas, embora contendo um número
infinito de indivisíveis, não são formados desses átomos matemáticos,
mas são compostas de um número infinito de contínuos de mesma
espécie. Diz-se, às vezes, que suas idéias se assemelham às dos
modernos intuicionistas; seja como for, as especulações medievais
sobre o continuum, populares entre os pensadores escolásticos como S.
Tomás de Aquino, mais tarde influenciaram o infinito cantoriano do
século dezenove.” [Boyer (1987), p.191]

Os registros alinhados até o momento traz razão, em linhas gerais, aos dizeres de
Hankel , citado anteriormente. Os matemáticos, de modo geral, constroem uma ciência
sempre com o olho firme no passado. No entanto, há pontos que eles discordam, como se
perceberá na obra de referência de Cavalieri – para citar um. Mas, antes de se chegar à
Cavalieri é importante fazer referência à obra: O Tractatus de latitudinibus formarum, cujo
registro deve-se a Nicole Oresme ou a algum estudante seu. Esta obra reimpressa pelo
menos quatro vezes entre 1482 e 1515, constituía-se de um resumo da obra maior:
Tractatus de figuratione potentiarum et mensurarum, segundo Boyer (1987, p.193).

“Aqui Oresme chegou a sugerir uma extensão a três dimensões de sua


‘latitude de formas’ em que uma função de duas variáveis
independentes era representada como um volume formado de todas as
ordenadas erigidas segundo uma regra, dada em pontos numa parte do

2
Gilli Martins em sua tese (UNESP-Rio Claro) aprofunda nesta questão.

14
plano de referência. Encontramos até uma insinuação de uma
geometria de quatro dimensões quando Oresme fala em representar a
intensidade de uma forma para cada ponto de um corpo ou volume de
referência. O que ele realmente precisava ter era, naturalmente, uma
geometria algébrica em vez da representação pictorial que tinha em
mente; mas a fraqueza técnica prejudicou a Europa durante todo o
período medieval.[Boyer (1987), p.193-4]

Três pontos a salientar dos dizeres acima: primeiro, o claro desenvolvimento de


representações de curvas no plano (e no espaço) do que se passaria a chamar cartesiana;
segundo, o quanto a escrita e o pensamento matemático vai se conduzindo para uma
álgebra formalizada; terceiro, é curioso este pensamento de Boyer, prejudicou a Europa. É
claro, que esta frase pode ser compreendida no sentido de que se alongou o caminho para a
construção matemática que viria a se consolidar pelos idos da segunda metade do século
XIX e início do século XX. Mas, por outro lado pode-se entender que esta frase carrega
também uma semântica da frustração pelo que não se fez, ao se julgar daqui, séculos XX –
XXI, que se esteve tão perto de fazê-lo.

A ‘latitude de formas’, acima mencionada vem da seguinte idéia de Oresme:

“Tudo é mensurável, escreveu Oresme, é imaginável na forma de


quantidade contínua; por isso ele traçou um gráfico velocidade-tempo
para um corpo que se move com aceleração constante. Ao longo de
uma reta horizontal ele marcou pontos representando instantes de
tempo (ou longitudes), e para cada instante ele traçou
perpendicularmente à reta de longitudes um segmento de reta (latitude)
cujo comprimento representava a velocidade (que chamamos
ordenadas) preencherá um triângulo retângulo (ver fig. abaixo). Como
a área desse triângulo representa a distância percorrida, Oresme
forneceu assim uma verificação geométrica da regra de Merton, pois a
velocidade no ponto médio do intervalo de tempo é a metade da
velocidade final.” [Boyer (1987), p.192-3]

Oresme claramente antecipa a idéia, conforme já foi dito, a chamada representação


cartesiana de curvas no plano, só fica lhe faltando a notação e as operações algébricas.
Tem-se também um prelúdio de Integral aplicada a física, relacionando distância percorrida

15
com área de uma região limitada por uma curva e o eixo horizontal, caminho para uma
possível algebrização da geometria.

François Viète

O ponto de vista que será levantado aqui estará alicerçada no trabalho de Jacob
Klein, Greek Mathematical Thought and the Origin of Algebra, que defende a tese de que a
Arithmetic de Diofanto (aprox. 250) esta por trás da influencia do desenvolvimento de uma
teoria algébrica realizada na Europa Ocidental, passando pela matemática árabe, que se
transferiu, através das obras escritas ou traduzidas pelos muçulmanos, para o continente
europeu. E, segundo Jacob Klein, François Viète é autor de trabalhos que fazem estas
conexões – no sentido de uma álgebra estruturada3. Em sua obra Canon mathematicus, seu
ad triangula, Viète trabalha na formulação de equações como tratada algebricamente pelos
seus contemporâneos Cardano, Tartaglia, Nonius e Bombelli, por exemplo. Viète deve ter
estudado a Arithmetic de Diofanto, tanto utilizando uma tradução da época como o original.
Este estudo influenciou-o em sua álgebra simbólica, cujas características fundamentais
estão esboçadas em In artem analyticen Isagoge (Introdução à arte analítica).

Viète havia recebido uma educação humanística nos moldes dos antigos pensadores
gregos, mas isso não o impediu de procurar conciliar as novas idéias, daquilo que viria a
ser a ciência moderna – que estava nascendo. Na matemática procurou conservar termos da
terminologia dos antigos na medida do possível. Para ele, e para muitos do seu tempo, a
inovação tratava-se de uma renovação.

Um comentário interessante feito por Viète, e transcrito por Jacob Klein é:

“There is in mathematics, Vieta says, a special procedure for


discovery, ‘a certain way of investigating the truth’ (veritatis
3
Gilli Martins em sua tese (UNESP-Rio Claro) aprofunda e reorienta esta questão.

16
inquirendae via quaedam) which, so it is claimed, was first discovered
by Plato. Theon of Alexandria gave this procedure the name of
‘analysis’ and defined it precisely, namely as a process beginning
with ‘the assumption of what is sought as though it were granted,
and by means of the consequences [proceeding to] a truth [which
was in fact already] granted’ (adsumptio quaesiti tanquam concessi
per consequentia ad verum concessum), just ‘as in converse’ (ut
contra) he defined ‘synthesis’ as a process beginning with ‘the
assumption of what is granted and by means of the consequences
[proceeding to] the conclusion and comprehension of what is
sought’ (adsumptio concessi per consequentia ad quaesiti finem et
comprehensionem). [destaque em negrito meu] These definitions,
which are here ascribed to Theon, also occur in Pappus in a modified
and clarified form, namely at the beginning of his seventh book
(Hultsch, II, P. 634, II ff.). In a scholium to Euclid it is shown with
reference to the first five theorems of the thirteenth book how the
‘synthesis’ results in each case from the preceding ‘anlysis’ by means
of conversion (analysis and synthesis both proceeding ‘without

drawing the figure’ - ανευ καταγραφηζ – Heiberg-Menge, Pp.

366,4; 368,16). And Pappus, who mentions the aforesaid procedure


with reference to the so-called Treasury of Analysis

(αναλυοµενοζ τοποζ), emphatically stresses the relationship of

conversion.” [Klein (1992), p.154-5].

Assim, segundo Viète, é Teon de Alexandria (aprox. 390) quem alcunha o termo
Análise bem como define o que se deve compreender no emprego da mesma. É nesta trilha
apontada que chegaremos a Weierstrass e Dedekind.

Viète desta forma cumpre, nesta dissertação, dois pontos relevantes: primeiro, vai
formalizar através de algumas obras gregas, representados pelo menos por Diofanto,
Pappus e Euclides, uma estruturação e uma simbologia algébrica (que será burilada e
sofisticada pelos séculos vindouros); segundo, traz uma definição, de Teon de Alexandria,
do que á a análise (aquela que se inicia com uma suposição do que é procurado, na forma
que o mesmo fora concebido, e por meio de encadeamentos lógicos chega-se a uma
verdade, (então já admitida); e do que é a síntese (a conclusão e a compreensão do que se
procurava).

17
Esta será a busca perseverada por matemáticos como Bolzano, Cauchy, Weierstrass
e Dedekind, entre outros. Sendo assim, a Análise Matemática se faz herdeira de um
método grego (Grécia antiga) de se desenvolver teorias matemáticas. Aqui fazem eco os
dizeres de Hankel, com as observações que fiz anteriormente.

Bonaventura Cavalieri

Este discípulo de Galileo Galilei, escreveu as obras: Geometria indivisibilibus


continuorum nova quadam ratione promota (Bolonha, 1635), e Exercitationes geometricae
sex (Bolonha, 1647). Antes de Cavalieri (1598 – 1647), Johannes Kepler (1571 – 1630) e
Galileo Galilei (1564 – 1642) foram os primeiros a empregar os indivisíveis (quantidades
infinitamente pequenas – que terá longa história) em seus métodos de desenvolvimento de
cálculo de áreas e de volumes, em substituição ao método, trabalhoso, introduzido por
Arquimedes. Os indivisíveis, aceito por alguns e contestado por outros – por carecer da
mencionada análise, definida por Teon de Alexandria –, muito empregados por Cavalieri
fez grandes influências pela Europa, conforme diz Baron (1985):

“Mesmo os que criticavam admitiam o uso [grifo meu] dos métodos de


Cavalieri particularmente. Os dois livros de Cavalieri tornaram-se
imediatamente fontes indispensáveis para os métodos de integração e o seu
nome será sempre lembrado em relação aos ‘indivisíveis’ na matemática.”
[Baron (1985), II, p.12]

Recorrerei a Howard Eves (1997) para obter uma descrição das idéias de
Bonaventura Cavalieri:

“O tratado de Cavalieri é demasiado prolixo e pouco claro, sendo


difícil até descobrir o que ele entendia por ‘indivisíveis’. Tudo indica
que um indivisível de uma porção plana dada é uma corda dessa
porção e um indivisível de um sólido dado é uma secção desse sólido.
Considera-se que uma porção plana seja formada de uma infinidade
[grifo meu] de cordas paralelas e que um sólido seja formado de uma
infinidade de secções planas paralelas. Então, argumentava Cavalieri,
fazendo-se deslizar cada um dos elementos [grifo meu] do conjunto
das cordas paralelas de uma porção plana dada ao longo de seu próprio
eixo, de modo que as extremidades das cordas ainda descrevam um
contorno contínuo, a área da nova porção plana é igual à da original,

18
uma vez que ambas são formadas das mesmas cordas. Um
procedimento análogo com os elementos do conjunto das secções
planas paralelas de um sólido dado fornecerá um outro sólido com o
mesmo volume do original. [...] Estes resultados, ligeiramente
generalizados, fornecem os chamados princípios de Cavalieri: 1. Se
duas porções planas são tais que toda reta secante a elas e paralelas a
uma reta dada determina nas porções segmentos de reta cuja razão é
constante, então a razão entre as áreas dessas porções é a mesma
constante. 2. Se dois sólidos são tais que todo plano secante a eles e
paralelo a um plano dado determina nos sólidos secções cuja razão é
constante, então a razão entre os volumes desses sólidos é a mesma
constante. Os princípios de Cavalieri representam ferramentas
poderosas para o cálculo de áreas e volumes, ademais, sua base
intuitiva [grifo meu] pode facilmente tornar-se rigorosa com o cálculo
integral moderno.” [Eves (1997), p.425-6]

Os grifos, acima anotados, marcam alguns pontos que serão temas de longos
debates que virão, entre os matemáticos desta época, século XVI, até século XX, com o
trabalho, de Abraham Robinson (1918 – 1974), Non-Standard Analysis (1966), que
recupera, em bases modernas de fundamentação, a noção de infinitésimos.

No desenvolvimento de Cavalieri é claro o apelo a intuição geométrica.

A título de exemplo, segue uma proposição de Cavalieri:

“PROPOSIÇÃO 23. Em qualquer paralelogramo tal como BD com


base CD, tracemos uma paralela arbitrária EF a CD e a diagonal AC,
interceptando EF em G. Então DA : AF = ( CD ou EF ) : FG . AC é a

primeira diagonal. Depois seja H o ponto sobre EF tal que

DA2 : AF 2 = EF : FH , e assim em todas as paralelas a CD, de tal


forma que todas as retas como esta, HF, terminem numa curva CHA.
Do mesmo modo construímos uma curva CIA, onde

DA3 : AF 3 = EF : FI , uma curva CLA tal que DA4 : AF 4 = EF : FL ,


etc. CHA é a segunda diagonal, CIA é a terceira, CLA é a quarta, etc. e
do mesmo modo AGCD é a primeira diagonal espacial do
paralelogramo BD, a figura AHCD é a segunda, AICD é a terceira,
ALCD é a quarta, etc. Então eu digo que o paralelogramo BD é duas

19
vezes o primeiro, três vezes o segundo, quatro vezes o terceiro, cinco
vez o quarto espaço, etc.” [Baron (1985),II,p.14]

Não se sabe como Cavalieri obteve estes resultados. Supõe-se que ele tenha
empregado muita inventividade e algum conhecimento de expansão binomial em potências
inteiras, que será bastante empregada por outros matemáticos.

Em nossa notação, o que Cavalieri fez foi:

DA EF
1) De = , que conforme a figura, considerando a medida anotada no
AF FG
b a
segmento EF como ordenada e CE como abscissa, podemos escrever: = , o que nos
x y
a
leva a y = x , no primeiro caso;
b

DA2 EF a
2) De = , tem-se: y = 2 x 2 , no segundo caso;
AF 2 FH b

DA3 EF a
3) De = , tem-se: y = 3 x3 , no terceiro caso.
3 FI
AF b

Integrando estas funções, supondo reais, de zero até b , obtemos:


a ab
De 1) AGCD = xdx = , (BD é duas vezes o primeiro – AGCD);
b 2
0

20
b


a ab
De 2) AHCD = 2
x 2 dx = , (BD é três vezes o primeiro – AHCD).
b 3
0


a ab
De 2) AICD = 3
x3dx = , (BD é três vezes o primeiro – AICD).
b 4
0

Ao que se sabe hoje, resultado correto.

René Descartes e Pierre de Fermat

René Descartes (1596 – 1650) conhecia e estava familiarizado aos indivisíveis de


Cavalieri, mas procurou evitá-los em seu trabalho. Descartes considerava a álgebra um
instrumento de precisão e o método dos indivisíveis uma aproximação em matemática.

A partir deste ponto será introduzido o conceito de reta tangente num ponto de uma
dada curva. Segundo Eves (1997, p.428-9), a diferenciação se originou, da resolução do
problema da determinação da reta tangente, tendo como foco a determinação de mínimos e
de máximos de funções, com Fermat em 1629; salientando (ele Eves) que este tipo de
problema já havia sido abordado pelos gregos.

Apesar da indicação de Fermat por Eves, iniciarei a exposição da reta tangente pelo
trabalho de Descartes, deixando Fermat, e o seu método para se determinar o mínimo ou o
máximo de uma dada função, para a próxima descrição.

Para evitar um longo texto apresentado por Descartes, para em seguida apresentar
uma versão em notação mais recente, vou transcrever a leitura apresentada por Baron,
depois da exposição geral dada por Descartes em La Geometrie (1705).

Descartes, diz:

“Seja CE uma certa curva e de C tracemos uma reta fazendo um


ângulo reto com CE. Suponhamos que este problema esteja resolvido e
denominemos a reta por CP. Suponhamos também que a reta CP
intercepte a reta GA cujos pontos serão relacionados com os de CE.
Então, seja MA[=CB] = y ; e CM[=BA] = x . Devemos encontrar uma
equação relacionando x a y . Faço PC = s , PA = v , logo PM = v − y .

21
Como PMC é uma triângulo retângulo, vemos que s 2 , o quadrado da

hipotenusa, é igual a x 2 + v 2 − 2vy + y 2 , a soma dos quadrados dos

catetos. Isto significa que x = s 2 − v 2 + 2vy − y 2 ou y = v + s 2 − x 2


. Por meio destas duas últimas equações, posso eliminar uma das duas
quantidades x e y da equação que relaciona os pontos da curva CE e os
da reta GA. Se queremos eliminar x não há problema, pois podemos

trocá-lo, onde aparece, por s 2 − v 2 + 2vy − y 2 , x 2 pelo quadrado

desta expressão, x 3 por seu cubo, etc. Se quisermos eliminar y, basta

trocá-lo, onde aparece, por v + s 2 − x 2 , e y 2 , y3 , ..., pelo quadrado,


cubo, etc., desta expressão. O resultado será uma equação com apenas
uma quantidade desconhecida, x ou y. ” [Baron (1985), II, p.33]

Considerando a figura:

FIGURA

“[...] tomemos a parábola x 2 = ky , onde AM = y , CM = x . Segundo

Descartes, temos: x 2 = ky = s 2 − ( v − y ) de tal modo que (eliminando


2

x ) obtemos uma equação em y que pode ser escrita na forma:

( )
y 2 + y ( k − 2v ) + v 2 − s 2 = 0 . [Baron (1985),II, p.33]

Em geral esta equação tem duas raízes distintas, isto é, existem dois
valores de y para s escolhido arbitrariamente. Se CP é a normal,
então o círculo, centrado em P, toca a curva em C, logo a equação tem

duas raízes iguais. Comparando nossa equação com: y 2 − 2 ye + e2 = 0

, y = e , temos: k − 2v = −2e = −2 y , v − y = k 2 , donde segue que:

k 2 x = x FM e FM = 2 x 2 k = 2 y . [Baron (1985),II, p.35]

Note que, considerando x = f ( y ) e x 2 = ky (1), e derivando em y , obtêm-se:

x
2x ⋅ x ' = k , ou seja x ' = (2). Isolando k em (1) e substituindo em (2), tem-se: ,
2x
x AM
x' = = tgα = (Seja α a medida do ângulo CFM
ˆ ). De onde segue que FM = 2 y ,
2y FM
conforme apontado por Descartes.

22
Agora Pierre de Fermat (1601(?) – 1665) com a questão de máximo e mínimo de
uma função dada pelo método da tangente:

“SOBRE UM MÉTODO PARA DETERMINAÇÃO DE MÁXIMO E


MÍNIMO.

Dividir o segmento AC em E, de tal modo que o retângulo AE ⋅ EC


possa ser máximo.

Seja a reta AC dividida em E,, de tal modo que o retângulo AE ⋅ EC


possa ser um máximo
Seja AC igual a B e um dos segmentos igual a A:: o outro será B − A , e
o retângulo, cujo máximo procuramos, será BA − Aq . Agora seja
A + E a primeira parte de B, o resto será B − A − E e o retângulo
formado pelos segmentos será BA − Aq + BE − 2 AE − Eq , que
consid
consideraremos ser aproximadamente igual a BA − Aq . Removendo
termos comuns: BE ~ 2 AE + Eq e dividindo por E,, B ~ 2 A + q .
Desprezando E, B é igual a 2 A . Para resolver o problema devemos
dividir a reta ao meio: é impossível existir um método mais geral.”

Obs.: 1) Aq significa A2 , 2) Traduzimos o termo adaequabitur, de


Fermat (o qual obtivemos de Diofanto), como “aproximadamente
igual” (usando o símbolo ~), 3) Fermat usou letras maiúsculas para
representar constantes e variáveis, ao mesmo tempo. [Baron (1985), II,
p.36]

Fermat empregou o mesmo método para determinar a tangente à curva. Ou seja,


num dado momento desprezava alguma grandeza sem explicações,
explicações, e encerra com os
seguintes dizeres:

“O método nunca falha: ele pode ser estendido a vários problemas;


temos usado também para determinar centros de gravidade de figuras
limitadas por retas e curvas assim como de sólidos. Ele une vários
outros resultados
resultados que podemos descrever adiante se o tempo permitir.”
[Baron (1985), II, p.37]

23
A maneira, de Fermat, de encerrar algum comentário, ao que parece, costuma dar
trabalho por alguns séculos.

Fermat também apresentou trabalhos sobre quadraturas. Desenvolverei, em notação


atual, a idéia de Fermat sobre a determinação da área sob curvas dadas por funções reais

dadas por lei do tipo: y = x n (n inteiro positivo), segundo apresentação feita por Eli Maor
em seu livro: e : A História de um Número.

“Fermat fez a aproximação da área sob cada curva através de uma


série de retângulos cujas bases formam uma progressão geométrica
decrescente. Isto sem dúvida, é muito semelhante ao método da
exaustão de Arquimedes; mas ao contrário de seu predecessor, Fermat
não evitou recorrer a uma série inifinita.” [Maor (2003), p. 89]

Consideremos no eixo horizontal o segmento ON como sendo de medida a, e

vamos dividí-lo em segmentos menores de modo que OM = ar , OL = ar 2 , OK = ar 3 e

24
assim ad infinitum (notar que 0 < r < 1 ). Assim, as alturas (ordenadas) em cada ponto são:

( ) , ( ar 3 )
n n
a n , ( ar ) , ar 2
n
, ad infinitum. Seja S r a soma das áreas dos retângulos para

um dado r, então:

( ) ( ) (
Sr = ( a − ar ) a n + ar − ar 2 a n r n + ar 2 − ar 3 a n r 2n + ar 3 − ar 4 a n r 3n + ... ou )
S r = a n +1 (1 − r ) + a n+1 (1 − r ) r n +1 + a n+1 (1 − r ) r 2 n+ 2 + a n +1 (1 − r ) r 3n +3 + ... ou


( ) ( ) 
2 3 1
S r = a n+1 (1 − r ) r n+1 + r n +1 + r n+1 + ... = a n +1 (1 − r ) , ou seja:
  1 − r n+1

a n+1 (1 − r )
Sr =
1 − r n+1

(
Fermat percebeu que: 1 − r n+1 = (1 − r ) 1 + r + r 2 + r 3 + ... + r n , obtendo desta )
forma:

a n +1
Sr = . O próximo passo foi considerar r adaequabitur 1 , o
1 + r + r 2 + r 3 + ... + r n
que, pode-se supor, levou Fermat a substituir o denominador por n + 1 , concluindo que:
a
a n+1 a n+1
Sr =
n +1
. O que está em concordância com o que hoje se sabe ser: S =
∫ 0
x dx =
n
n +1
.

O emprego de séries com infinitos termos para quadratura vai se tornar uma rotina
nos trabalhos de vários matemáticos deste período. Bolzano e Cauchy vão se manifestar
contra o emprego indiscriminado de séries infinitas e fixarão um critério conforme se verá.

Cilles Persone de Roberval

Roberval (1602 – 1675), matemático francês, reforça a idéia de uma curva como
sendo formada pelo movimento de um ponto, no plano, que se compõe de dois
movimentos conhecidos, cuja resultante dos vetores dos dois movimentos fornece a reta
tangente a curva no ponto.

25
Quanto a quadratura, em seu Traité des indivisibles, Roberval trabalhou com os
conceitos de indivisíveis, empregado por Cavalieri, se relacionando com o conceito de
infinitesimais, ao modo de Fermat.

“[...] El indivisible procede de uma subdivisión continua de uma


superficie que se puede ir estrechando hasta el infinito em pequeñas
superfícies. [...] Uma superfície no está compuesta realmente de líneas,
o um sólido compuesto de superfícies, sino constituido de pequeñas
piezas de superficies y sólidos respectivamente, pero estas infinitas
cosas son consideradas como si fueran indivisibles. [...] No se
comparan heterogéneos, sino que los infinitos o indivisibles se
conciben así: una línea etá compuesta de líneas pequeñas, infinitas en
número, pero se hablará del infinito número de puntos, de forma
análoga a como el infinito números de líneas de una superficie
representará el ininito número de pequeñas superfícies que llenan la
superficie entera. [...]” [Urbaneja (1992), p.121-2]

Aquí, estarei interessado na quadratura desenvolvida por Roberval, que trabalhou


com subdivisões recorrerndo ao cálculo aritméticos envolvendo séries. Destaco o emprego
de suas idéias na determinação do cálculo da área sob uma parábola, nas palavras de
Urbaneja – que a transcreve numa notação atual.

“[...] sea ABC um segmento de una parábola cuyo vértice es A y cuyo


eje es AB. Roberval divide la tangente AD en un número infinito de
partes iguales: AE, EF; traza las líneas EL, FM, ..., paralelas a AB por

26
á 
los puntos de división E, F,..., y estabelece:  â  

    
, [...] donde ‘todas las lineas’ significa la suma de
    
las ordenadas. [Urbaneja (1992), p.122-3]

Urbaneja recorre a notação de função, para desenvolver o pensamento de Roberval,


da seguinte maneira:

Considerando as figuras planas F1 e F2 como tendo uma base AD, limtadas pelos
gráficos de duas funções bem como pelas linhas AB e DC, conforme figura que segue.

Assim, Roberval determina a razão F1 : F2 da seguinte forma:

F1 : F2 = lim
∑ i =1
 f1 ([i n ] AD ) 

AD
 n

n→∞ n

∑i =1
 f 2 ([i n ] AD ) 

AD
 n

Na quadratura da parábola F1 é um segmento da mesma e F2 é um retângulo. Sendo


assim:

f1 ([i n ] AD ) = ( i n ) AD 2 e f 2 ([i n ] AD ) = AD 2 , o que nos conduz a:


2

27
n

F1 : F2 = lim

i =1
i2
n2
= lim
(1 3) n3 + (1 2 ) n 2 + (1 6 ) n
n
n→∞ n→∞ n3
∑ i =1
1

Para calcular este limite Roberval faz apelo à intuição geométrica, considerando

que para um n suficientemente grande a soma (1 2 ) n 2 + (1 6 ) n é desprezível se comparado

F1 1 1 1
com n3, o que leva a = , logo: F1 = F2 . Em outras palavras, F1 = ab .
F2 3 3 3


a3
Seja f1 ( x ) = x ,
2
integrando de zero a a: F1 = x dx =
2
, logo
3
0

a3 a ⋅ a 2 a ⋅ f1 ( a ) a ⋅ b F2 1
F1 = = = = = ou seja F1 = F2 .
3 3 3 3 3 3

Os resultados obtidos por matemáticos da época de Roberval são interessantíssimos,


dado que o advento da notação algébrica e de sua manipulação é, então, extremamente
recente. E neste ponto, há de se ressalvar que todos os trabalhos deste período – até, pelo
menos, ao de Euler (1707 – 1783)–, com todas estas “especulações” ao se tratar dos
indivisíveis ou dos infinitesimais – dada a ausência do rigor, do ponto de vista da análise–,
em muito se contribuiu para o avanço das fundamentações da Análise. Contrabalanceando-
se ao enfoque veemente, que muitas vezes se dá, no sentido dos erros cometidos. Pois, com
muitos resultados, que hoje se sabe corretos, matemáticos foram forçados a pensar em
como a chamada intuição geométrica, fortemente associado a idéias e pensamentos que se
culminariam na chamada aritmetização da Análise, possibilitou tal fato. É neste período, de
Viète e Roberval, que se associa formas e ferramentas de pensamento dos gregos antigos
com a nova álgebra que esta surgindo com fortes vínculos aritméticos (ainda não
totalmente formalizados). O emprego das séries vai cada vez mais fortalecer a
fundamentação que se virá. Neste tocante vale salientar os dizeres de Roberval por
Urbaneja:

“Pero Roberval tambiém maneja intuitivamente un límite de


magnitudes geométricas, pues maneja lo que llama un método para
reducir las demonstraciones por los indivisibles a los antiguos

28
geómetras, mediante polígonos inscritos y circunscritos, reconciliando
así ambos métodos a base de utilizar un lema general que enuncia así:
‘Si tenemos una razón R/S y dos cantidades A y B, tales que para
una cantidad añadida a A la suma tiene con B una razón mayor
que R/S y para una pequeña cantidad sustraída a A la diferencia
tiene con B una razón menor que R/S; entonces digo que A/B =
R/S.’ [grifo meu] Mediante la aplicación de este lema, Roberval
resuelve nuevamente la cuadratura de la parábola, a base de encajarla
en dos series de pequeños rectángulos, unos interiores y otros
exteriores, siendo la diferencia entre las dos series inferior a una
cantidad dada Z, lo cual es siempre posible dividiendo el lado AD en
partes suficientemente pequeñas. La consideración de los diversos
pequeños rectángulos muestra, según el lema general, que el área
limitada por la parábola es la del rectángulo circunscrito como 1 es a
3.” [Urbaneja (1992), p.128-9]

O destaque que fiz acima é para frisar a semelhança de tal lema com o método
desenvolvido por Arquimedes, bem como perceber o quanto as idéias se direcionam para
uma definição de limite.

John Wallis e James Gregory

O que segue, foi obtido de Boyer (1987): Wallis (1616 – 1703), um respeitável
matemático inglês que antecede Newton, deu importante contribuição à análise

infinitesimal. No cálculo da área sob o semicírculo y = x − x 2 , Wallis, pode-se dizer,


antecipou um resultado que seria desenvolvido por Euler mais adiante. Quanto ao cálculo
da área do semicírculo ele chegou ao resultado π 8 . Empregando o método de indução e
de interpolação4, Wallis, chegou as expressões interessantes, como a que se escreveria
1
(1 2!)
2
(1 2!)

2
π π 1
hoje como sendo x−x 2
dx = . Logo, = , ou seja = . Este é
2! 8 2! 2 2!
0


n−1
uma situação particular da função beta de Euler – B ( m, n ) = x m−1 (1 − x ) dx – para
0

m=n=3 2.

4
Isaac Newton recorrerá a estes expedientes.

29
É assaz curioso o que Thomas Hobbes (1588 – 1679), registra, segundo Boyer,
sobre a “aritmetização da geometria de Wallis, reprovando fortemente a ‘todo o rebanho
daqueles que aplicam sua álgebra à geometria’, e referindo-se à Arithmetica infinitorum
como ‘uma sarna de símbolos’.” [Boyer (1987), p.282].

Com relação Gregory (1638 – 1675), seguirei o que diz Baron: Matemático de
origem escocesa que estudou na Itália, convivendo com o método dos indivisíveis. Em sua
obra Vera circuli et hyperbolae quadratura ele procurou generalizar a aplicação do método
de exaustão de Arquimedes, no qual uma quantidade procurada se inseria entre duas
seqüências de figuras, inscritas I e circunscrita C , de modo que as áreas formadas por
estas possibilitam as desigualdades: I1 < I 2 < I3 < ... < I n < L < Cn < ... < C3 < C2 < C1 .
Imbuído da mentalidade clássica, Gregory traçou o que seria o início de uma teoria da
convergência para as referidas seqüências5. Ele tentou definir o que hoje se escreve como:
L = lim ( I n ) = lim ( Cn ) .
n→∞ n→∞

“Com base nestas idéias ele tentou provar a impossibilidade de, racionalmente ou
algebricamente, ‘quadrar’ o círculo, a elipse e a hipérbole (isto é, expressar o que hoje
conhecemos como o número racional π, ou obtê-lo por operações algébricas). Embora sua
demonstração estivesse incorreta, ele foi o primeiro a tentar demonstrar uma proposição
deste gênero.” [Baron (1985), II, p.43].

É importante registrar que Gregory antecipou, os resultados obtidos por Brook


Taylor (1685 – 1731) e Jean Bernoulli (1667 – 1748), nas séries, ditas de Taylor:


x 2 dy x3 d 2 y
ydx = yx − + − ... .
2! dx 3! dx 2

Já em sua obra Geometriae pars universalis, Gregory elabora um tratado, todo


verbal e geométrico, sistemático, cujas demonstrações são alicerçadas nas idéias de
Arquimedes, com todas as operações para se determinar arco, tangente, área e volume,
próprias de cálculo infinitesimal de seu tempo.

“Não existe nenhuma dúvida de que Gregory tinha clara compreensão


da relação inversa entre tangente e quadratura. Na proposição VI ele
passa diretamente da quadratura de uma curva à construção da

5
Um prenúncio do que viria fazer Cauchy.

30
x
tangente de uma outra curva (isto é, ku =
∫ 0
zdx ⇒ k du dx = z .

Podemos considerá-la como a primeira afirmação publicada, em


forma geométrica [grifo meu], do que agora conhecemos como o
teorema fundamental do cálculo. Se Gregory o considerou como
‘fundamental’ é uma outra questão!” [Baron (1985), II, p.44]

Baron, destaca que Isaac Barrow (1630 – 1677), em seu Lectiones geometricae
desenvolveu idéias bastante próximas a de Gregory, que só percebeu após já ter escrito a
sua própria obra. Esta observação é relevante dado que Isaac Newton será orientado por
Barrow em seus estudos de matemática.

Isaac Newton

Newton (1642 – 1727) teve a peculiaridade de publicar seus trabalhos tempos


depois de tê-los idealizados, o que lhe rendeu uma controvérsia com relação a primazia da
descoberta/invenção do cálculo integral e diferencial, a numa certa medida foi ou é
atribuída a Leibniz, que publicou suas idéias antes de Sir. Newton.

Apresentarei primeiro as idéias de Newton, segundo exposição encontrada em


Baron, III.

Segue alguns trechos da carta (de 24 de outubro de 1676) que Oldenburg (secretário
da Sociedade Real de Londres) enviou a Leibniz, reproduzindo a história escrita pelo
próprio Newton.

“Ao iniciar meus estudos matemáticos, tendo já conhecimento dos


trabalhos do nosso célebre Wallis sobre a série por intercalação, cuja
área do círculo e da hipérbole ele próprio enuncia, considerei o fato de
que, na série de curvas cujo eixo ou base comum é x e cujas ordenadas

( ) ( ) ( ) ( ) ( )
02 12 22 32 42
são 1 − x2 , 1 − x2 , 1 − x2 , 1 − x2 , 1 − x2 ,

(1 − x2 )
52
, etc. se as áreas dos fatores intercalados, nominalmente x ,

1 2 1 3 3 1
x − x3 , x − x3 + x 5 , x − x 3 + x 5 − x 7 , etc., pudessem ser
3 3 5 3 5 7
interpolados, deveríamos obter as áreas dos fatores intermediários das

31
( )
quais o primeiro 1 − x 2 é o círculo: de modo a interpolar essa série,

notei que em todas elas o primeiro termo era x e que os segundos


0 3 1 3 2 3 3 3
termos x , x , x , x , etc. estavam numa progressão
3 3 3 3
aritmética.” [Baron (1985), III, p.14]

Deste ponto Newton começa a desenvolver sua interpolação comparando os


coeficientes. E mais adiante, na mesma carta, continua:

“[...] isto significa que os coeficientes dos termos da quantidade a ser

( ) ( ) ( )
12 32 m
intercalada, a saber, 1 − x 2 , ou 1 − x 2 , ou em geral 1 − x 2 ,

surgem pela multiplicação repetida dos termos dessa série


m −1 m − 2 m − 3
m× × × , etc., tal que (por exemplo)
2 3 4

( )
12 1 2 1 4 1 6
1 − x2 é o valor de 1 − x − x − x , etc.,
2 8 16

(1 − x2 )
32 3 2 3 4 1 6
é o valor de 1 − x + x + x , etc.,
2 8 16

(1 − x2 )
32 1 1 5
é o valor de 1 − x 2 − x 4 − x 6 , etc.,
3 9 51

Assim, a redução geral de radicais a séries infinitas, através da regra


que expus no começo da minha carta anterior, chegou ao meu
conhecimento antes que eu tivesse estado familiarizado com a extração
de raízes. Mas uma vez conhecido isso, o outro não podia ficar oculto
de mim por muito tempo.”[Baron (1985), III, p.15]

Após mais alguns esclarecimento sobre o seu processo de descoberta, ele conclui:

“Depois de ter esclarecido isso, abandonei totalmente a interpolação de


séries e usava somente essas operações, pois davam fundamentações
mais naturais. Tampouco existia um segredo qualquer acerca da
redução pela divisão que, em todo caso, é um assunto mais fácil.”
[Baron (1985), III, p.15]

Em posse das séries infinitas Newton pode calcular a área sob uma curva (dada por
expressões que envolviam raízes), integrando termo a termo. Da mesma forma ele

32
executava a retificação da mesma. Nota-se que ele não trabalha a questão da convergência
das séries. Mas, é de se supor que ele tinha conhecimento do trabalho feito por Gregory,
considerando que recebera orientações de estudo de Barrow, bem como este havia deixado
a disposição de Newton sua biblioteca. Então Newton começa a quadrar curvas, como
segue, do livro De Analysi:

“Retrospectivamente dois pontos antes de todos os outros precisam de


uma demonstração.

Preparação para demonstrar a primeira regra.

1. A quadratura de curvas simples segundo a regra 1. Seja então ADδ


uma curva qualquer que tem a base AB = x , a ordenada perpendicular
BD = y , como antes. Simultaneamente seja B β = o , BK = v e seja o

retângulo Bβ HK ( ov ) igual ao epaço B βδ D . Portanto, Aβ = x + o e

Aδβ = z + ov . Com essas premissas procuro y1 a partir de um

relacionamento arbitrário entre x e z da seguinte maneira.

2 32 4
Tome x = z ou x3 = z 2 . Então, se x + o ( Aβ ) for substituído
3 9
em lugar de x e z + ov ( Aδβ ) em lugar de z surgirá (pela natureza da

curva)
9
(
4 3
)
x + 3 x 2 o + 3 xo 2 + o3 = z 2 + 2 zov + o 2 v 2 .

4
Eliminando-se as quantidades ( x3 e z 2 ) e dividindo-se o resto por
9

o sobra
4
9
( )
3 x 2 o + 3 xo 2 + o3 = 2 zov + o 2v 2 . Se supusermos que B β é

infinitamente pequeno, quer dizer, que o seja zero, v e y serão iguais

33
e os termos multiplicados por o desaparecerão e conseqüentemente
4 2 2 2 2
restará 3 x = 2 zv ou x ( = zy ) = x 3 2 y , quer dizer,
9 3 3

( )
x1 2 = x 2 x3 2 = y . Reciprocamente, portanto, se x1 2 = y , teremos

2 32
x = z.
3

Demonstração:

Ou em geral, se  n ( m + n )  ax (
m+ n ) n
= z , quer dizer, ao colocar

na ( m + n )  = c e m + n = p , se cx p n = z ou c n x p = z n , então, se

x + o for substituído em lugar de x e (ou equivalentemente, z + oy )

( )
em lugar de z, surgirá cn x p + pox p −1... = z n + noyz n−1... , omitindo-

se os outros termos, os quais foram desprezados, para sermos exatos.

Agora, eliminando-se os termos iguais c n x p e z n e dividindo-se o

( )
resto por o , vai sobrar c n px p−1 = nyz n−1 = nyz n z = nyc n x p cx p n .

Quer dizer, ao dividir por c n x p , obtemos px −1 = ny cx p n ou ; em

outras palavras, pela restauração de na ( m + n ) para c e ( m + n ) para

p , quer dizer, m para p − n e na para pc, teremos ax m n = y .

Reciprocamente, portanto, se ax m n = y , então

 n ( m + n )  ax (
m+ n ) n
= z . Como queríamos demonstrar.

O descobrimento de curvas que podem ser quadradas. De passagem


podemos mencionar aqui um método pelo qual podem ser
encontradas tantas curvas de áreas conhecidas quantas quisermos:
a saber, assumindo-se uma equação arbitrária para o
relacionamento da área z, podemos procurar conseqüentemente a
ordenada y [grifo meu].

Assim, se supusermos a2 + x2  = z , podemos determinar


 

x  a 2 + x 2  = y . E semelhantemente em outros casos.


 

34
Eis, assinalado, no final deste trecho, uma indicação para o teorema fundamental do
cálculo.

Acima tem-se uma exposição de Newton sobre as séries finitas e em seguida uma sobre
quadratura. Agora um registro sobre os fluxões e os fluentes, já empregando uma notação
específica.

“Falta agora, como uma ilustração dessa arte analítica, explicitar


alguns problemas típicos e tão especiais como a natureza de curvas
que o representam. Mas sobretudo eu observaria que as dificuldades
dessa espécie podem ser todas reduzidas a somente dois problemas que
proporei com vista ao espaço percorrido por qualquer movimento local
acelerado ou retardado:

1 Dado o comprimento do espaço percorrido continuamente [grifo


meu] (quer dizer, em cada [instante do] tempo), ache a velocidade do
movimento num instante qualquer.

2 Dada continuamente a velocidade do movimento, ache o


comprimento do espaço percorrido num instante qualquer.

Assim, na equação x 2 = y se y significa o comprimento do espaço


percorrido num instante qualquer que é medido e representado por um
& designará
segundo x, que cresce com velocidade uniforme, então, 2xx
a descrição da velocidade pela qual o espaço no mesmo momento de
tempo está sendo percorrido. E, portanto, considerarei em seguida as
quantidades como se fossem geradas por um aumento contínuo do
espaço no qual um objeto se move descrevendo sua trajetória.

Não podemos ter, porém, uma estimativa do tempo, exceto no sentido


de ser exposto e medido por um movimento local uniforme. Além
disso, somente quantidades da mesma espécie e, do mesmo modo, as
suas taxas de crescimento e decrescimento podem ser comparadas
entre si. É por essas razões que no que se segue não considerarei o
tempo como tal. Portanto, de uma das quantidades apresentadas que
são da mesma espécie, suporei que elas aumentam num fluxo
uniforme: a ela, e a todas as outras, podemos nos referir como se
fossem o tempo. Assim, a palavra ‘tempo’ não deve ser transferida
erradamente a ela por simples analogia. Desta forma, se você encontrar

35
em seguida a palavra ‘tempo’ (como a tenho tratado no meu texto a
fim de obter mais clareza e distinção) esse nome não deve ser
entendido como tempo formalmente considerado, mas como sendo
aquela outra quantidade cujo aumento ou fluxo uniforme interpreta e
mede o tempo.

Mas, para distinguir as quantidades que considero perceptíveis, porém


indefinidamente crescente, das outras que em todo caso devem ser
consideradas como conhecidas e determinadas e que são designadas
pelas letras iniciais a, b, c, etc., chamarei as primeiras de fluentes e
designá-las-ei pelas letras finais v, x, y e z. As velocidades com as
quais elas fluem e que aumentam pelo movimento gerador (que eu
chamaria mais adequadamente de fluxões ou simplesmente de
velocidades) designarei pelas letras v& , x& , y& e z& : a saber para a
velocidade da quantidade v colocarei v& e para as velocidades das
outras quantidades colocarei x& , y& e z& , respectivamente.[Baron
(1985), III, p.26-7]

Aqui, Newton esclarece, no primeiro ponto, a questão da velocidade instantânea


(derivada) e no segundo, a questão da quadratura (integração), e relacionando estas com
seus fluxões e fluentes. Nota-se o trabalho se encaminhando, como no texto anterior, para o
teorema fundamental do cálculo ao estreitar as distâncias entre os tipos de problemas.
Neste trabalho de Newton, percebe-se, o que se costuma dizer, como o Cálculo Diferencial
e Integral se originou no conceito de movimento. Bem que a idéia de movimento de pontos,
segmentos de retas e até de região plana antecede a Newton, claro é que a fundamentação
rigorosa destes modos de se fazer matemática ainda não estava a contento, ou pode-se
dizer, quase não existia.

Neste caso, está se considerando que o Cálculo Diferencial e Integral foi criado por
Newton (ou por Leibniz, conforme citaremos mais adiante). Isto é razoável, caso o ponto
de partida para tal análise seja associar a criação do Cálculo no momento em que se dá
existência ao Teorema Fundamental do Cálculo. Assim, definindo-se a discussão sobre
quem criou o Cálculo, fica restrito, até onde se sabe, entre Newton e Leibniz e quiçá pode-
se incluir neste pequeno rol o nome de James Gregory, conforme descrito acima. No caso
de Gregory, Baron realça que o seu desenvolvimento fora na forma geométrica, e levanta ,
de certa maneira, dúvidas se ele considerava tal relação como fundamental. Ainda em se
levando tais questões em conta, conceitualmente Gregory trabalhou no sentido que hoje

36
compreendemos o Teorema Fundamental do Cálculo. E, ainda no quesito publicar, ele
antecede Newton e Leibniz. O que diferencia estes dois últimos do primeiro é a notação
algébrica empregada, que acabou por se mostrar, contrário do que afirmou Hobbes, útil ao
desenvolvimento matemático, abrindo novas fronteiras para se pensar a matemática, sem
abandono da geometria dos antigos, conforme fica claro ao lermos os trabalhos e as
preocupações dos pensadores matemáticos ou não da idade média na Europa. Nesta
observação pode-se querer fazer coro com Hankel.

Ainda, tendo em vista os grifos deixados na passagem acima, é forte o apego


geométrico-intuitivo, que origina a concepção de continuidade empregada por Newton e
que será foco de discussões acaloradas por matemáticos do século XIX, principalmente, em
particular por Dedekind. O que corroborará para a aritmetização da Análise Matemática.
Aliás, o nome Analysi já empregado por Newton em seu trabalho.

Continuando com Newton, por Baron, em seu De Quadratura Curvarum (publicada


em 1711):

“DEMONSTRAÇÃO

Os movimentos das quantidades fluentes (quer dizer, as suas partes


infinitamente pequenas, pela adição das quais elas aumentam durante um
período qualquer de tempo infinitamente pequeno) estão relacionados com
as suas velocidades de fluxo. Por essa razão, se o momento de cada uma e
em particular se x for expresso pelo produto da sua velocidade x& por uma
& ) então os
quantidade o que é infinitamente pequena (quer dizer, por xo
& , yo
momentos das outras v, y, z, ..., serão expressos por vo & , zo
& , ... o que
& , xo
mostra que vo & , yo & estão relacionados como v& , x& , y& e z& .
& e zo

& e yo
Agora, como os momentos (digamos xo & ) das quantidades fluentes
(digamos x e y) são os incrementos infinitamente pequenos [grifo meu],
pelos quais aquelas quantidades aumentam durante cada intervalo de tempo
infinitamente pequeno, segue que aquelas quantidades x e y, depois de
qualquer intervalo infinitamente pequeno, tornar-se-ão x + xo
& e y + yo
& .
Conseqüentemente, uma expressão que expressar uma relação uniforme
entre as quantidades fluentes em todos os instantes expressará aquela
relação uniforme entre x + xo
& e y + yo
& da mesma maneira como entre x e y.

37
Portanto, x + xo
& e y + yo
& podem ser distribuídos pelas últimas quantidades

x e y na equação considerada. Dada a equação x3 − ax 2 + axy − y 3 = 0 ,


substitua x + xo
& em lugar de x e y + yo
& no lugar de y: surgirá

( x3 + 3xox
& 2 + 3x& 2o 2 x + x& 3o3 ) − ( ax 2 + 2axox
& + ax& 2o2 ) +

+ ( axy + axoy
& + ayox& + axyo && 2 ) − ( y 3 + 3 yoy
& 2 + 3 y& 2o 2 y + y& 3o3 ) = 0

Agora, pela hipótese x3 − ax 2 + axy − y 3 = 0 quando esses termos forem


cancelados e o resto dividido por o , restará

& 2 + 3x& 2ox + x& 3o 2 − 2axx


3xx & − ax& 2o + axy
& + ayx
& + axyo
&& − 3 yy
& 2 − 3 y& 2oy −

− y& 3o 2 = 0 .

Supondo-se o infinitamente pequeno, a fim de expressar os momentos das


quantidades, os termos que contêm o como fator podem ser desprezados

& 2 − 2axx
[grifo meu]. Portanto, restará 3xx & + axy
& + ayx
& − 3 yy
& 2 = 0 , como no
exemplo acima. Deve-se observar que os termos não multiplicados por o em
mais de uma dimensão. Da mesma forma, os termos restantes depois da
divisão por o sempre aceitarão a forma que devem ter de acordo com esta
regra. É isso que queria mostrar,” [Baron (1985), III, p.28-9]

É de se notar que o uso dos infinitésimos continua presente na obra de Newton, e


estes suscitarão investigações, nos próximos séculos, com relação ao conceito de limite e
de continuidade. Pois, funções de comportamentos, como se diz, patológicos serão
inventadas para por em cheque determinadas afirmações no tocante a continuidade e de
diferenciação, esta associada ao conceito de limite , e não passará ilesa a própria definição
de função, tão correntemente citada neste trabalho, ao procurar aproximar as idéias dos
matemáticos aqui referidos com a matemática do nosso tempo. Estas questões, função,
continuidade e limite, serão abordadas mais adiante deste trabalho.

Mas, Newton, percebendo que os ditos infinitamente pequenos ainda deixavam


margens para críticas, procurou se reorientar conceitualmente. Segue trecho do Livro I
(Lema I) presente no Principia (1687):

“As quantidades e as razões das quantidades, que em qualquer tempo


finito convergem continuamente para a igualdade, e antes do fim

38
daquele tempo aproximam-se mais uma da outra do que por qualquer
diferença dada, tornando-se finalmente iguais.

Se você negá-lo, suponha-as como finalmente desiguais, e tome D


como sendo a última diferença. Portanto, elas não podem se aproximar
mais da igualdade do que por essa diferença dada D; o que contraria a
suposição. [“Newton (1990), p.35]

Indo ao Tractatus de Quadratura Curvarum (1704), encontra-se Newton


explicando o seu método das fluxões em termos das famosas primeiras e das últimas
razões.

“A QUADRATURA DAS CURVA

Não considerarei aqui as quantidades matemáticas como sendo


compostas de partes extremamente pequenas, mas como sendo
geradas por um movimento contínuo. Linhas são descritas, e ao
descrevê-las são geradas. Não por um alinhamento de partes, mas por
um movimento contínuo de pontos. As superfícies são geradas pelo
movimento de linhas, os sólidos pelo movimento de superfícies, os
ângulos pela rotação dos seus lados, o tempo por um fluxo contínuo,
etc. Essa gênese está baseada na natureza e pode ser vista dia a dia
[grifo meu] no movimento dos corpos. E desta maneira os antigos nos
ensinaram a gerar retângulos justapondo-se linhas retas móveis ao
longo de retas imóveis numa posição ou situação normal a elas.

Percebe-se que as quantidades que aumentam em tempos iguais, e que


são geradas por esses aumentos serão maiores ou menores conforme a

39
sua velocidade, na qual aumentam e são geradas, seja maior ou menor;
esforcei-me para encontrar um método que determinasse as
quantidades das velocidades, dos movimentos ou incrementos, que as
geraram. Chamando de fluxões às velocidades dos movimentos ou dos
aumentos e de fluentes às quantidades geradas, esclareci aos poucos
(nos anos 1665 e 1666) o método das fluxões, que aproveito aqui na
Quadratura das curvas.

As fluxões são semelhantes aos aumentos dos fluentes, os quais são


gerados em intervalos de tempos iguais, mas são infinitamente
pequenos; e para ser mais exato, diria que estão na primeira razão dos
aumentos nascentes, mas podem ser representados por quaisquer
linhas proporcionais a elas. Se as áreas ABC, ABDG forem descritas
pelas ordenadas BC e BD, que se movem uniformemente ao longo da
base AB, então as fluxões dessas áreas estarão entre si como as
ordenadas BC e BD que as descrevem e poderão ser representadas por
aquelas ordenadas; isto é, tais ordenadas estão na mesma proporção
que os aumentos nascentes das áreas.

Deixe a ordenada BC deslocar-se da sua posição BC para uma nova


posição bc; complete o paralelogramo BCEb, trace a linha reta VTH
tocando a curva em C e cortando os prolongamentos de bc e BA em T
e V, agora os aumentos gerados da abcissa AB, da ordenada BC e da
curva Acc serão Bb, Ec e Cc; e os lados do triângulo CET estão na
primeira razão desses aumentos nascentes. Portanto, as fluxões de AB,
BC e AC são como os lados CE, ET e CT do triângulo CET e poderão
ser representadas por aqueles lados, ou, equivalentemente, pelos lados
do triângulo VBC que é semelhante a CET. O mesmo acontece se
tomarmos as fluxões na última razão das partes ínfimas [grifo meu].
Trace a linha reta Cc e prolongue-se até K. Com a ordenada bc em sua
posição original BC faça os pontos C e c se aproximarem. A linha reta
CK vai coincidir com a tangente CH e o triângulo ínfimo [grifo meu]
Cec tornar-se-á semelhante ao triângulo CET. Seus lados ínfimos CE,
Ec e Cc estarão na mesma proporção que os lados CE, ET e CT do
outro triângulo CET. Portanto, as fluxões das linhas AB, BC e AC terão
a mesma razão. Se os pontos C e c estiverem numa distância pequena
qualquer, CK estará a uma distância pequena da tangente CH. Quando

40
a linha reta CK coincidir com a tangente CH, e quando as últimas
razões das linhas CE, Ec e Cd forem encontradas, os pontos C e c
deverão se aproximar e coincidir exatamente. Erros, por menores que
sejam, não devem ser negligenciados na matemática. [Baron (1985),
III, p.31-3]

A solicitação geométrica é patente, e o infinitamente pequeno corre com o tempo,


também infinitamente pequeno.

Ao modo de Viète, de Teon de Alexandria e de Descartes, Newton atingiu uma


síntese facilitada por uma notação algébrica e por uma boa manipulação das técnicas
analíticas, que eram recentes para a sua época, porém de largo uso. É de se notar que o
gênio de Newton não sentiu necessidade de criar uma notação específica para a quadratura,
trabalhando somente com a notação “ponto sobre a variável” para representar o que viria a
ser a diferenciação, e com natural destreza algébrica a relacionava com a quadratura.

Gottfried Wilhelm Leibniz

Não se vai adentrar aqui na discussão da primazia da descoberta/invenção do


Cálculo Diferencial e Integral, entre Newton e Leibniz (1646 – 1716), mas sim nas idéias
desenvolvidas por ambos. Assim, chegou o momento do alemão Leibniz.

Leibniz iniciou seus estudos de matemática, sob orientação do holandês Christiaan


Huygens, através dos trabalhos de Barrow, Cavalieri, Pascal, Descartes, entre outros. Foi
estudando o trabalho de Pascal que Leibniz teve o insight sobre o cálculo da inclinação da
reta tangente a uma curva num certo ponto, construindo a razão entre as diferenças das
ordenadas e das abscissas deste ponto com um outro, pertencente a curva, e que se
avizinhasse a ele. Leibniz não publicou suas idéias de imediato, mas se sentiu forçado a
fazê-lo quando percebeu que em artigos publicados, no Acta Eruditorum Lipsiensium, por
E. W. von Tschirnhaus (1651 – 1708), que conhecia Leibniz e suas idéias.

Para trabalhar com suas idéias de diferenças Leibniz criou os símbolos dy e dx , o


primeiro para representar a diferença infinitamente pequena entre as ordenadas, o segundo
para representar a diferença infinitamente pequena entre as abscissas.

41
“As diferenças são ‘infinitamente pequenas’. Isto significa que podem
ser comparadas entre si (a razão dy : dx é finita). Mas com respeito às
quantidades finitas ordinárias[6] as diferenciais podem ser
desprezadas: x + dx = x . Produtos de diferenciais podem ser
desprezados com respeito às próprias diferenciais: adx + dydx = adx ,

já que a + dy = a . Para cada ponto ( x, y ) na curva podemos formar o

‘triângulo característico’ dx, dy , ds ( ds é a diferencial do


comprimento de arco s). Se o segmento de reta ds, infinitamente
pequeno, for prolongado, formará a tangente à curva em ( x, y ) e

teremos dx : dy : ds = t : y : τ . Portanto, para determinar as tangentes é


suficiente determinar a razão dy : dx . A relação entre y e x usualmente
é dada em forma de uma equação (a equação da curva); a fim de
calcular a razão entre dy e dx é preciso diferenciar essa equação, ou
seja, é preciso formar a equação diferencial da curva. Para fazer isso
deve-se aplicar as regras de cálculo: da = 0 se a é constante,
 u  vdu − udv
d ( u + v ) = du + dv , d ( uv ) = udv + vdu , d = ,
v v2

d ( u n ) = nu n −1du (também se n for uma fração ou negativo, porém não

para n = −1 ). Essas regras seguem o fato de que as diferenças podem


ser desprezadas. ” [Baron (1985), p.58-9]

Leibniz não traz uma construção que fundamente suas idéias que possui uma forte
conotação intuitiva. Sousa Pinto diz:

6
Ver comentários de Sousa Pinto mais adiante [destaque meu].

42
“A idéia de infinitésimo (e de número infinito) não pode ser realizada
num universo construído com base no conjunto IR dos números reais.
Leibniz, no entanto, preconizava para o estudo do Cálculo
infinitesimal a adoção de um sistema numérico mais amplo que os dos
números reais que incluísse, para além desses, números ‘ideais’
infinitos e infinitesimais e no qual continuassem a verificar-se as leis
usuais dos números ordinários. Estes dois objetivos, assim
formulados, são contraditórios!” [Pinto (2000), p.22]

Quanto a quadratura Leibniz tomou como base a soma de áreas de retângulos


infinitamente pequenos entre a curva e o eixo das abscissas, empregando para tal soma das
áreas a notação ∫ ydx . Note que não há referência quanto ao intervalo de integração. Mas,
pela suas aplicações pode-se inferir que ele considera a abscissas variando de zero a um
certo valor x.

)
“A diferença da área OCB (a diferença de dois valores consecutivos
daquela área) é o retângulo ydx à extrema direita: d ∫ ydx = ydx o que

∫ ∫ dy = y [ ],
7
mostra a relação inversa entre d e . Reciprocamente

que é imediatamente evidente.” [Baron (1985), p.60]

Tem-se neste trecho a revelação, por parte e ao modo, de Leibniz do Teorema


Fundamental do Cálculo. Leibniz emprega processos simples e diretos. Ao que parece para
ele tudo é simples e natural. É importante frisar que Leibniz foi um pensador respeitado e
que se permitiu versar sobre filosofia, teologia, leis, história, economia, lingüística, lógica e
probabilidade, e penso que em outras coisas mais – seus impulsos não devem ter parado
por aí.

7
No início Leibniz havia adotado outra forma de notação para a quadratura. [destaque meu]

43
Interessante perceber a versatilidade do pensamento de Leibniz com o que ele
chamou de transmutação. Bem que esta idéia não se originou8 com Leibniz, mas ele,
desconhecendo que já a haviam utilizada, muito se impressionou com tal descoberta, dado
o seu poder no auxílio de algumas quadraturas.

“Leibniz utilizou o triângulo característico para deduzir uma regra


geral de transformação para as áreas sob curvas, que ele chamou ‘a
transmutação’. O teor dessa regra, que se encontrou em 1673, pode ser
resumido da seguinte maneira: a área sob uma curva pode ser
considerada como sendo a soma das áreas de retângulos pequenos,
mas também como sendo a soma das áreas de triângulos pequenos,
situados como na figura. Portanto área OcCB = (∑ triângulos Occ′ ) +
+ ∆OCB . Considere agora a tangente cg que intercepta o eixo vertical
1
em s, e seja Op perpendicular à tangente. Então área Occ′ = cc′ × Op .
2
O triângulo característico cdc′ é semelhante ao ∆Ops , de sorte que
cd : cc′ = Op : Os , logo cc′ × Op = cd × Os . Agora, trace sq paralelo ao
eixo interceptando as ordenadas bc e b′c′ em q e q′ respectivamente;
1 1 1
então: área Occ′ = Op × cc′ = Os × cd = área bqq′b′ . Queremos
2 2 2
agora somar as áreas Occ′ , a fim de encontrarmos a quadratura da
curva OcC. Para realizarmos isso, marcamos para cada ponto c na
curva o ponto correspondente q, o qual gera uma nova curva OqQ.

temos então:áreaOcCB=(∑ ∆Occ′ ) +∆OCB =


1
2
( ∑ bqq′b′) + ∆OCB =
1
= área OqQB + ∆OCB . Essa é aregra de transmutação.” [Baron
2
(1985), p.47-8]

Assim, por meio da transmutação a quadratura de uma dada curva é trocada por
outra, construída a partir das tangentes da primeira. Isso, é claro, passa a ser interessante se
a quadratura da segunda for mais fácil do que da primeira. A engenhosidade de tal
procedimento é marcante, e mostra o quanto Leibniz foi um pensador virtuoso que buscava
novas formas de abordagens, e de soluções de problemas.

8
Elas estavam também presente nos trabalhos de Barrow e Gregory.

44
Leonhard Euler

Rapidamente apresentarei uma pequeníssima passagem da vasta obra do mestre


Euler (1707 – 1783) discípulo da família Bernoulli, que por sua vez havia dado
continuidade as idéias de Leibniz.

O trecho que apresentarei consta da obra Introductio Analysin Infinitorum. Ver-se-á


um desenvolvimento algébrico mais direto. Euler foi um exímio algebrista e calculista. O
que segue aqui é o seu desenvolvimento9 algébrico para se definir o número irracional e –
aliás, símbolo por ele inventado.

Para a > 1 , seja a 0 = 1 , assim para um valor ε infinitamente pequeno tem-se:

aε = 1 + kε . Se assinalarmos um número real positivo, x , este será um número


ε
infinitamente grande, que pode ser escrito como sendo o número v infinito. O que nos

conduz a: a x = a vε = ( a ε ) = (1 + kε ) . Para este último recorrendo a fórmula do binômio


v v

de Newton, tem-se:

 kx  v ( v − 1)  kx  v ( v − 1) ... ( v − n + 1)  kx 
v 2 n
 kx 
a = 1 +  = 1 + v   +
x
  + ... +   + ...
 v   v  2!  v  n!  v 

que pode ser reescrito como:

k
ax = 1+   x +
( v − 1)  k 2  x 2 + ... + ( v − 1) ⋅ ( v − 2 ) ⋅ ... ⋅ ( v − n + 1)  k n  x n + ...
   
 1!  v  2!  v v v  n! 

Euler considera v infinitamente grande e sem mais detalhes escreve:

1=
( v − 1) = ( v − 2 ) = ... = ( v − j ) = ...
v v v

E com algumas manipulações algébricas obtém:

x x2 xn
ax = 1+ k + k 2 + ... + k n + ...
1! 2! n!

Em seguida define o número e fazendo x = 1 , para a constante k também igual a 1.

9
Em linhas gerais segue a apresentação dada por Sousa Pinto (2000).

45
1 1 1
e = 1+ + + ... + + ...
1! 2! n!

v
 x x x2 xn
Decorrendo então: e = 1 +  = 1 + + + ... + + ... Lembrando que para
x

 v 1! 2! n!
Euler v é um número infinito.

Joseph Louis Lagrange

Antes de chegar em Bolzano e Cauchy, faço uma sucinta apresentação da idéia de


derivada10 de Lagrange (1736 – 1813).

Se conduzindo por uma regra levantada por Leibniz, que dizia respeito a relação
entre diferenciais de ordem superiores do produto de duas variáveis e as potências de
mesma ordem do desenvolvimento binomial destas variáveis. Assim, considerou a função
1
f ( x) = , que ao ser expandida por divisão fornece a série finita 1 + x + x 2 + ... + x n + ... ,
1− x
já conhecida por muitos. Em posse desta expansão Lagrange por suposições, tais como
toda função pode assim ser expandida, o que não é um factível. Sem ter-se percebido deste
lapso, ele considerou que se, em tal expansão, multiplicarmos cada termo x n por n! ,
tínhamos a derivada n-ésima da função f ( x ) . Lagrange então criou, para estas derivadas,

a notação: f ′ ( x ) , f ′′ ( x ) , ..., f ( ) ( x ) , e assim por diante. Pensou, Lagrange que com este
n

procedimento teria evitado a necessidade de limites e de infinitésimos.

De Bolzano a Dedekind11

Até aqui objetivei trazer passagens da história do Cálculo/Análise, sem querer


esgotar a todas, mas que realçassem os primeiros pontos conceituais fundados então para
servir de base para o novo desenvolvimento da quadratura e da tangente, já se mostrando
em uma notação própria e insinuando-se para a necessidade de conceitos mais bem
definidos. As associações com as formas geométricas foram uma constante, salvo as duas
últimas apresentações, a de Euler e a de Lagrange, que já faziam uso natural das
expressões algébricas.

10
Palavra cunhada por Lagrange.
11
A partir de Bolzano a referência bibliográfica principal será Bottazzini (1986).

46
A falta de consistência das formas ditas indivisíveis e dos infinitesimais, que
Lagrange procurou evitar, será a partir deste ponto abordada por Bolzano, Cauchy,
Weierstrass, entre outros.

A forma de se trabalhar o Cálculo/Análise, ao redor do período em que viveram


Newton e Leibniz, conduziu-se por meio de forte apelo a intuição geométrica, mas
concomitantemente permitiu uma evolução do trato, da manipulação das expressões
algébricas, que acabaram por se mostrar, nos primeiros momentos, carentes de uma melhor
definição e delimitação semântica, pois esta estavam sendo feitas justamente neste
processo de construção do Cálculo/Análise. Daí tornar-se tarefa difícil a emissão de juízo
de valores categóricos. Não vejo todo este movimento feito, por enumeráveis matemáticos
e pensadores, com uma conotação de tempo perdido, como por vezes se tende a fazer. Vejo
os modos humanos de construir um viver nas mais complexas relações. A matemática não
se exclui deste universo complexo de tessituras inumeráveis.

O que deixa forte marca nesta história matemática registrada em documentos e


livros, pelo menos com relação ao que nos chegam, é o vínculo persistente com o herdado
rigor matemático da grécia antiga. Isto que nos dá a sensação da matemática ser um corpo
único e de história retilínea no sentido posto por Hankel. É claro, que se vista nos detalhes,
isto pode ser questionado, mas no geral, os novos caminhos procuram por um todo
organizado. Neste sentido, que percebo a construção da álgebra, que de ferramenta
paralelamente aplicada a geometria ganha contornos próprios através de aplicações e de
questionamentos profundos.

Este momento histórico evidenciou a eclosão da álgebra e o seu tratamento


analítico. Com o Cálculo/Análise os novos elementos matemáticos exigiram novas formas
de argumentações, são os casos dos conceitos de função, de limite, de continuidade, e
todos eles associados ao comportamento dos ditos números reais. E para melhor definir
estes conceitos é que chego nesta parte final deste capítulo.

Rumando à aritmetização da Análise trarei alguns conceitos de alguns matemáticos


em detrimento de outros. Vários e importantes nomes estão associados as idéias que
levantarei, mas elegi aqueles cujos nomes mais freqüentemente aparecem na elaboração de
teoremas na Análise.

Assim feito, retomo com Bernhard Bolzano (1781 – 1848 ). Pode-se dizer que o
rigor analítico na Análise começa a se consolidar, em um artigo de 1826, com as idéias de

47
uma monge boêmio12 chamado Bernhard Bolzano. Este monge viveu em Praga, e que lá
permaneceu, em seu tempo, distante dos focos mais efervescentes das idéias matemáticas,
que foram: França, Inglaterra, Alemanha e Suíça, contudo ele era conhecedor do que por
essas bandas estavam fazendo. Mas, por este distanciamento, que se diz, que o seu trabalho
não teve rápida influência na Europa.

Bolzano demonstrou o teorema do binômio – muito empregado na Análise,

conforme já vimos, e deu um estudo detalhado do comportamento de (1 + x ) , com n real,


n

deixando de lado os casos em que x e n são números imaginários, bem como o caso em que
n é irracional numa potência de número negativo, alegando que o conhecimento que se
tinha até aquele ponto não permitia analisá-los.

Bolzano faz uma crítica ao emprego geométrico nas demonstrações em Análise,


dizendo que isso cria certos vícios. Bem como não concorda com a utilização de tempo e
de movimento nas demonstrações que solicitam o conceito de continuidade no tratamento
com funções. A partir destas críticas, Bolzano introduz na Análise um critério de
convergência fazendo considerações sobre séries – um antigo e permanente recurso
empregado no Cálculo/Análise. Neste ponto, Cauchy desenvolverá, tempos depois, suas
idéias de forma semelhante a de Bolzano.

A única observação restritiva que coube fazer ao trabalho de Bolzano deve-se a


falta de uma teoria rigorosa de números reais, que virá com Dedekind e Cantor.

Bolzano começa anunciando:

A + Bx + Cx 2 + ... + Rx r = Fr ( x ) e A + Bx + Cx 2 + ... + Rx r + ... + Sx r + s = Fr + s ( x )

Estabelecendo a seguir o seguinte teorema:

“Theorem. When a sequence of quantities

F1 ( x ) , F2 ( x ) ,..., Fn ( x ) ,..., Fn+ r ( x ) [i.e. a sequence of partial sums]

has the character that the difference between its nth member Fn ( x )

and very later Fn+ r ( x ) , no matter how far distant it may be, remains

smaller than every given quantity when n is taken large enough, then
there is always a certain constant quantity, and only one, which the

12
Segundo Boyer (1987).

48
terms of this sequence always approach and can come as near to it as
one wishes when the sequence is extended far enough.” [Bottazzini
(1986), p.99]

Este teorema, que passou a ser conhecido como sendo de Cauchy, aponta para uma
nova formalização na Análise, os famosos ε - δ . Abaixo segue outro teorema, que passou
a ser um marco também, enunciado por Bolzano e um roteiro de demonstração empregado
por ele.

“Theorem. If a property M does not belong to all values of a


variable quantity x , but to all that are smaller than a certain u , then
there always is a quantity U which is the largest of those for which it
can be said that all smaller x have the property M .” [Bottazzini
(1986), p.100]

Desde que M é válido para todo x menor do que u , mas não para todo x , então
existe uma quantidade V = u + D ( D > 0 ) para o qual pode-se dizer que M não pertence a
todo x < V . Considere-se a quantidade: u + D / 2m , com m ∈ N .

Se M pertence a todos x menor do que u + D / 2m , para todo m . Assim este u é o


maior valor para o qual é verdade que todo x < u possui a propriedade M .
No caso contrário, Bolzano, por meio de raciocínios baseados na reiteração do
D D
mesmo argumento, constrói uma série convergente: u + m + m + n + ...
2 2

Se U é a soma desta série, então M é verdadeira para todo x < U . Em seguida ele
mostra, sem dificuldade, que M não é verdadeiro para x < U + ε .

Aqui, notamos a diferença entre muitas demonstrações vistas até então. Bolzano
emprega fundamentações puramente analíticas, não recorrendo a chamada intuição
geométrica.

Bolzano comenta que o referido teorema será de grande importância para todos os
ramos da matemática. Ao que parece ele estava certo. Este teorema vem ao encontro do
que hoje constitui um conjunto de conceitos que embarcam: Ponto de Aderência, Ponto de
Acumulação, Vizinhança, Supremo e Ínfimo, conceitos iniciais na Análise Moderna.

Em 1821, Augustin-Louis Cauchy (1789 – 1857), decide escrever e publicar uma


série de lições de Análise Matemática que ele havia dado na École Polytechnique.
Instituição em que se formara tendo aulas com Poisson, Lacroix, Ampère e Lagrange.

49
Foi com o trabalho e Lagrange13 que Cauchy notou que uma atenção maior deveria
ser dada ao emprego de séries. Ele, então, afirmou que uma série se divergente, não possui
soma. Completando: argumentos tirados exclusivamente da álgebra não podiam servir de
base de uma análise precisa.

As idéias de Cauchy foram imprimidas em seu livro Cours d’analyse, que mais
tarde ele o resume, para uso de seus alunos na École Polytechnique, num livro cujo título é:
Le Calcul Infinitésimal.

O Cours d’analyse passou a ser uma manifestada referência na lida com a Análise.
Nas palavras de Abel: "deve ser lido por todos os analistas que gostam de rigor em
pesquisas matemáticas" [Bottazzini (1986), p.102]

Na introdução de seu livro Cauchy, diz:

“As for methods, I have sought to give them all the rigor that one demains in
geometry, in such a way as never to revert to reasoning drawn from the generality of
algebra. Reasoning of this kind, although commonly admitted, particularly in the passage
from convergent to divergent series and from real quantities to imaginary expressions, can,
it seems to me, only occasionally be considered as inductions suitable for presenting the
truth, since they accord so little with the precision so esteemed in the mathematical
science. We must at the same time observe that they tend to attribute an indefinite
extension to algebric formulas, whereas in reality the larger part of these formulas exist
only under certain conditions and for certain values of the quantities that they contain. In
determining these conditions and these values. I have abolished all uncertainty. … It is true
that, in order to remain continually faithful to these principles, I was forced to admit many
propositions that perhaps seem a bit severe at first sight.” [Bottazzini (1986), p.102]

O intento de Cauchy foi obtido ao definir precisamente limite e isso lhe permitiu
dar significado preciso aos infinitesimais, bem como das infinidades positivas e negativas.
Bem que, intuitivamente, esta maneira de tratar os infinitesimais, já estivesse presente na
mentes de muitos matemático da época. Mas, o que está em questão aqui também é a
formalização da mesma, sem apelo geométrico, e sem suposições vagas.

Com sua forma de tratar as séries, ficou claro que a partir deste trabalho não se
poderia mais ignorar se uma dada série era convergente ou divergente.

13
Teoria das Funções Analíticas, da qual expus um trecho.

50
A definição se Cauchy, tornou-se clássica:

“When the successive numerical values of the same variable decrease


indefinitely in such a way as to fall below any given number, this
variable becomes what one calls an infinitesimal or an infinitely small
quantity. A variable of this kind has zero as a limit.

When the successive numerical values of the same variable increase


more and more in such a way as to rise above every given number, we
say that this variable has positive infinity for a limit, indicated by the
sign ∞ if it is a positive variable, and negative infinity, indicated by
the symbol −∞ , if it is a negative variable.” [Bottazzini (1986), p.103-
4]

Prossegue então Cauchy, definindo continuidade de uma função14:

“Let f ( x ) be a function of the variable x , and let us suppose that, for

every value of x between two given limits, this function always has a
unique and finite value. If, beginning from one value of x lying
between these limits, we assign to the variable x an infinitely small
increment α , the function itself increases by the difference
f ( x + α ) − f ( x ) , which depends simultaneously on the new variable

α and on the value x . Given this, the function f ( x ) will be a


continuous function of this variable within the two limits assigned to
the variable x if, for every value of x between these limits, the
numerical value of the difference f ( x + α ) − f ( x) decreases

indefinitely with that of α . […] In other words, the function f ( x )

will remain continuous with respect to x within the givens limits if,
within these limits, an infinitely small increase of the variable always
produces an infinitely small increase of the function itself.” [Bottazzini
(1986), p.104-5]

No Cours d’analyse, Cauchy dedica várias páginas analisando o comportamento de


alguns valores singulares em algumas funções, que envolvem "um dos mais importantes e

14
Até aqui ainda não se possui uma definição bem delimitada para função, bem como de números reais.

51
mais delicadas questões de análises"15 , que é o estudo dos limites de funções quando

x = ±∞ e x = 0 , o que conduz as chamadas formas indeterminadas do tipo 0 , ∞ ,


0 ∞

∞ − ∞ , 0⋅∞ , 00 , ∞0 , 1∞ .

Posto isto formula os seguintes teoremas:

“Theorem I. If, for increasing values of x , the difference


f ( x + 1) − f ( x ) converge towards a certain limit k, the fraction

f ( x)
will converge towards the same limit at the same time.
x

Theorem II. If, the function f ( x ) being positive for very large

f ( x + 1)
values of x , the ratio converge towards the limit k as
f ( x)
1
x increase indefinitely, the expression  f ( x )  x will converge

towards the same limit at the same time.” [Bottazzini (1986), p.109]

Como último elemento do trabalho de Cauchy apresento sua definição de derivada.

Neste ponto ele critica abertamente a forma definida por Lagrange, dado que ele,
Cauchy, tinha em vista todo um estudo de séries, mas um interessante é que ele emprega a
notação de derivada de seu professor Lagrange. Ao mesmo tempo diz-se grato pelas idéias
de Ampère, que também fora seu professor.

“When the function y = f ( x ) remains continuous between two given

limits of the variable x and one assigns to this variable a value


included between the two limits in question, an infinitely small
increase in the variable produces an infinitely small increase in the
function itself. As a consequence, if one then sets ∆x = i , the two
terms of the ratio of differences [rapport aux differences]
∆y f ( x + i ) − f ( x )
= , will be infinitely small quantities. But, while
∆x i
these two terms will indefinitely and simultaneously approach the
limit zero, the ratio itself can converge towards another limit, either
positive or negative. This limit, when it exists [my emphasis], has a

15
Bottazzini – 1986 – p. 108.

52
determinate value for every particular value of x , but it varies with x .
… The form of the new function that will serve as the limit of the ratio
f ( x + i) − f ( x)
, will depend on the form of the proposed function
i
y = f ( x ) . To indicate this dependence, we give the new function the

name of derived function, and designate it, with the aid of an accent,
by the notation y ' or f ' ( x ) .” [Bottazzini (1986), p.119-20]

Analiticamente é interessante ver como Cauchy desenvolve a idéia de diferencial


de uma função f ( x ) , como ele diz, recorrendo a notação de Leibniz: “o limite para o qual

f ( x + α h) − f ( x) f ( x + i) − f ( x)
o primeiro membro da equação: = h , [sendo i = α h ],
α i
converge quando a variável α se aproxima indefinidamente à zero, enquanto a quantidade
h permanece constante. No caso particular de f ( x ) = x , a equação df ( x ) = hf ' ( x ) reduz-

se a dx = h , do qual df ( x ) = f ' ( x ) dx , ou o equivalente: dy = y ' dx . Isso, afirmou

Cauchy: permite-nos escrever a primeira derivada como dy dx , isto é, como razão entre o
diferencial da função e aquele da variável.”16

O trabalho de Cauchy segue adiante, mas neste ponto deixo de descrever suas
idéias, pois o objetivo é apresentar suas idéias iniciais que historicamente marcaram o
ensino e o desenvolvimento do Cálculo/Análise, bem como dar uma amostra do quando ele
vai se aprofundando na formalização analítica do Cálculo/ Análise, sem recorrer as
chamadas intuições geométricas. O termo que estará sempre presente em seu trabalho é o
infinitesimal, tanto que dá título ao seu resumo do Cours d’analyse, pois ele entende que,
com os conceitos introduzidos por ele, isto já esteja esclarecido.

Na segunda metade do século XIX, a Análise dá um novo salto na construção de


sua aritmetização, entre outros, com Karl Weierstrass (1815 – 1897). Weierstrass advogava
a necessidade de melhor se formalizar o conceito de número. Leibniz havia considerado
que a continuidade dos pontos sobre uma reta se bastava com o fato da densidade da
mesma. O conjunto dos números racionais possue esta propriedade e no entanto não
constituem um continuum. Neste ponto uma nova abordagem sobre números reais será
dada com as idéias de George Cantor (1845 – 1918), no que diz respeito à cardinalidade
dos conjuntos com infinitos elementos, que aqui não detalharemos.

16
Segundo Bottazzini – 1986 – p. 120.

53
As idéias de Weierstrass acabaram por difundir através de seus alunos, e entre eles
Heine (1821 – 1881), que, de 1872, em seu Elemente, seguindo o pensamento do mestre,
definiu o limite de uma função f ( x ) em x0 , da seguinte forma:

“Se, dado qualquer ε , existe um η0 tal que para 0 < η < η0 a

diferença f ( x0 ± η ) − L é menor em valor absoluto que ε , então L é o

limite de f ( x ) para x = x0 ” [Boyer (1987), p. 411]

Nesta definição, que por vezes se chamou de “teoria estática da variável”, nota-se
uma mudança se comparada com a definição proposta por Cauchy, que recorria às frases:
“valores sucessivos”, “aproximar-se indefinidamente” e “tão pequeno quanto se queira”.
Weierstrass ainda considerava estas frases carentes de precisão, daí corroborar para com a
definição elaborada por Heine. O interessante de salientar é que, ainda hoje, nas aulas de
Cálculo há muito apelo para frases semelhantes às colocadas por Cauchy, bem como a
intuição geométrica. Matematicamente está se distanciando do rigor e da precisão, mas
como recurso didático para um primeiro momento de introdução ao assunto é
sugestivamente atraente.

Com esta postura Weierstrass-Heine retiram espaço do Cálculo/Análise o renitente


objeto infinitesimal, cujo termo nem aparece em suas exposições, a não ser na crítica que
tecia com relação a estes.

Outra contribuição importante de Weierstrass à Análise matemática foi:

“[...] a representação como série de potências de uma função f ( x )

em torno de um ponto P1 no plano complexo converge em todos os

pontos internos a um círculo C1 com centro em P1 e que passa pela


singularidade mais próxima. Se agora, expandirmos a mesma função
em torno de um segundo ponto P2 diferente de P1 mas internos a C1 ,

essa série convergirá dentro de um círculo C2 tendo P2 como centro e

passando pela singularidade mais próxima de P2 . Esse círculo pode

envolver pontos fora de C1 , portanto prolongamos a área do plano em

que f ( x ) está analiticamente definida. Weierstrass por isso definiu

uma função analítica como uma série de potências juntamente com

54
todas as que podem ser obtidas dela por prolongamento analítico.”
[Boyer (1987), p. 412]

Na edição de 1872 no Crelle’s Journal Heine havia publicado os primeiros artigos


sobre elementos da teoria das funções, de acordo com as idéias de Weierstrass. No mesmo
ano, Dedekind (1831 – 1911) e Cantor publicaram suas teorias sobre números reais, as
quais juntaram-se àquelas de Weierstrass, dando uma rigorosa sistematização aritmética de
continuidade. Provando ser esta uma questão primordial para qualquer tratamento
aritmético da análise.

Para Richard Dedekind,conforme consta no início de seus livros Essays on the


Theory of Number – que motivado pelas aulas de Cálculo que ministrava na Escola
Politécnica de Zurique –, a questão mais premente era encontrar uma rigorosa
fundamentação aritmética para o Cálculo Diferencial.

Entusiasmado por suas convicções quanto a continuidade e os números irracionais,


Dedekind, parodiando o aforismo de Platão: “Deus geometriza”, cria a frase:“O homem
aritmetiza”.

Interessante notar que Dedekind foi aluno de nada mais nada menos: Gauss; e
assistiu as penetrantes e profundas (segundo ele próprio) conferências e seminários de
Dirichlet, sobre Integração e teoria das potências, bem como a teoria dos números.

Durante os tempos de estudante, em 1950, Dedekind tinha assistido aulas de


Cálculo Diferencial e Integral dadas por Stern (1807 – 1894), e este comentou que a
dificuldade inerente ao Cálculo Infinitesimal não era de natureza matemática mas sim de
lógica, e que a “Matemática não havia analisado o conceito de contínuo”.

Dedekind disse, talvez motivado por Stern:

“We often say that the differential calculus is concerned with


continuous magnitudes, and yet a clarification of this continuity is
nowhere given. Even the most rigorous presentations of the
differential calculus do not base their proofs on continuity, but instead
either appeal with greater or lesser awareness to geometrical images or
to those induced by geometry, or rely on theorems which themselves
are never proved using purely arithmetical methods [my emphasis]”
[Bottazzini (1986), p.266]

55
Sobre o emprego do argumento geométrico, Dedekind diz: “realmente é
indispensável se a pessoa não deseja perder muito tempo", e continua: "Ninguém que
queira manter esta forma de introduzir o cálculo diferencial pode fazer qualquer
reivindicação quanto a ser este científico."17

Recusando o recurso da evidência geométrica como forma de se “fundamentar” o


Cálculo Diferencial, Dedekind percebe a necessidade de se buscar a verdadeira origem dos
teoremas do Cálculo Diferencial, para fundamentá-lo, nos elementos da aritmética. E ele
acreditava que isso repousava em uma real definição da essência do conceito de
continuidade.

Assim, primeiro estudando as propriedades dos números racionais R, das quais


Dedekind selecionou as de maior importância:

“I. Se a > b e b > c , então a > c . …

II. Se a e c são dois números distintos, então há infinitos números distintos entre
a e c.

III. Se A é algum número finito, então todo número do sistema R pode ser
dividido em duas classe, A1 e A2 , cada uma contendo infinitamente muitos

elementos; a primeira classe A1 inclui todos os números a1 que s ão < a , a segunda

classe A2 inclui todos os números a2 que são > a .”18

O caminho seguido por Dedekind teve por base a propriedade ordenada da linha
reta, por meio da qual se é capaz de formular “uma precisa caracterização de continuidade,
que pode ser usada como base para validar deduções”. (Dedekind) [Bottazzini (1986),
p.267]

Assim, considerando que cada ponto p desta linha divide-a em duas partes – dado
que a reta esta orientada – cada ponto de uma parte estará a esquerda de cada ponto da
outra parte.

Com isso, Dedekind considera que resolve a questão com o seguinte princípio:

17
[Bottazzini (1986), p.266]
18
Idem.

56
“If all the points of the straight line fall into two classes in such a way that every
point of the first class lies to the left of every point of the second class, then there exists
one and only one point which produces this division of all points into two classes, thus
cutting the straight line into two parts.” [Bottazzini (1986), p.267]

“Este princípio evidente que muitas pessoas tomarão por banal, ficarão
desapontados ao ver que o segredo de continuidade fora revelado por esta trivialidade.”19

Depois de definir a continuidade de uma maneira axiomática, Dedekind deixa em


aberto o caminho para a aritmetização da Análise, através dos hoje conhecidos Cortes de
Dedekind. Representando um corte por ( A1; A2 ) do campo dos racionais, este possui as

seguintes propriedades: 1) que todo número da classe A1 é menor do que todo número da

classe A2 , e 2) que, ou a classe A1 tem um máximo ou a classe A2 um mínimo e vice-


versa.

Em seguida, Dedekind diz que facilmente pode se perceber que existe infinitos

cortes que não podem ser produzidos por números racionais. O exemplo imediato é o 2.
E segue:

“Now every time a cut ( A1; A2 ) appears which is produced by no

rational number, then we create, a new, irrational number α , which


we regard as being completely defined by this cut ( A1; A2 ) . We will

say that the number α corresponds to this cut, or that it produces this
cut” [Bottazzini (1986), p.268]

Desta forma Dedekind constrói um novo domínio numérico, o dos reais, em bases
axiomáticas, onde cada corte ( A1; A2 ) determina um único número real e cada número real

determina um único corte.

Mas aqui podemos perceber uma influência da intuição geométrica na construção


axiomática da continuidade por Dedekind.

Em junho de 1876, Lipschitz (1832 – 1903) escreveu para Dedekind:

“I must confess that I do not deny the justification of your definition,


but I am of the opinion that it differs from what the ancients

19
[Bottazzini (1986), p.267]

57
established only in the form of the expression and not in the content. I
can only say that I hold the definition given in Euclid V, 5, which I
quote in Latin: rationem habere inter se magnitudines dicuntur, quae
possunt multiplicae sese mutuo superare [magnitudes are said to have
a ratio to one another which are capable, when multiplied, of
exceeding one another] and what follows, to be entirely as satisfying
as yours.” [Bottazzini (1986), p. 268]

Dedekind foi de opinião determinantemente contrária a de Lipschitz, respondendo


que o ponto de partida de Euclides foi completamente insuficiente para o propósito em
questão: a essência da continuidade.

Lipschitz, continua:

“I know very well that you will object that it is not enough for you to
derive the existence of a ratio from a geometrical construction. I
answer this as follows. The human spirit has in large part drawn the
strength that it now has from its occupation with geometry. The rigor
goemetricus has served the highest requirements for thousands of
years. If we now set up other requirements, then we owe this in larger
part to the occupation with geometry, and these requirements are also
not yet substantially different.” [Bottazzini (1986), p. 269]

Aqui transparece um apego as tradições gregas pela cultura ocidental européia.


Permite vislumbrar também a presença de um grande projeto, tacitamente conduzido, em
torno da construção de um pensamento único, lapidado pelas vivências ocidentais de
conquistas advindas dos tempos imemoráveis da cultura helênica. Sendo a matemática o
carro chefe deste projeto “inabalável”, colocado a toda prova constantemente pelos seus
próprios cultivadores. Daí a dificuldade em se aceitar novas formas, dado que se acredita
em demasia na forma antiga. Mas ainda esta resistência já é própria do ambiente
matemático – o da provação, basta lembrar de Zenon de Eléia e seus paradoxos, tão
próximo desta discussão pelos geômetras (ou algebristas? ou aritmeticistas?) dos séculos
XVII, XVIII e XIX. A diagonal do quadrado de lado unitário e os incomensuráveis tão
próximos e tão distantes. O rigor matemático advindo da Grécia Antiga é que nos arrasta
até Dedekind. E eu diria que não houve rompimento, mas uma contigüidade de idéias e
ideais. É claro que o ponto levantado por Lipschitz é com relação a necessidade de se criar
mais uma extensão matemática, dado que já se tinha uma há tempos.

58
Um resumo deste período pode ser lido em:

“At the end of the century the German word Funktionenlehre became
virtually synonymous with the theory of functions of a complex
variable according to Weierstrass’ principles. However, there was no
lack of opposition. Lie, for example, did not hesitate to write to
Darboux that it was entirely because of Weierstrass and his school that
there was no serious research in geometry in Germany. He even spoke
of the ‘great stupidities’ being uttered on this topic, which, apart from
the polemics, reveals a profound difference in his understanding of
mathematics. This difference was also shared (although in another
way), by men like Poincaré and Klein. The latter, in a talk delivered to
the Göttingen Society of Science on the occasion of Weierstrass’
eightieth birthday, recalled the ‘impulse’ that had given to
contemporary mathematics by Weierstrass’ rigor and Kronecker’s
extreme tendency ‘to ban irrational numbers and reduce mathematical
knowledge to relations between whole numbers alone.’ He then
continued,

‘I would like to include all of these development under one word: the
arithmetization of mathematics. … In this there lies, as you well
know, both a complete understanding of the extraordinary importance
of the development connected with this, and a rejection of the view
that the true contents of mathematics should already be completely
contained in a sort of extract of arithmetic. I must accordingly divide
my views into two parts, those positive and concurring and those
negative and dissenting. Since I do not see the arithmetical form of the
evolution of thought as the essence of the subject, but rather as a
logical sharpening achieved by this means, there follows the challenge
– and this is the positive side of my lecture – of subjeting the usual
disciplines of mathematics to a reworking with reference to the
arithmetical foundations of analysis. But on the other hand – and this
is the negative side – I have to maintain and firmly stress that
mathematics will never be completed by logical deduction, that in
relation to this intuition also retains its full specific importance.’
[Bottazzini (1986), p. 290].

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