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“Então, o Senhor Deus adormeceu profundamente o

homem; e, enquanto ele dormia, tirou-lhe uma das suas


costelas, cujo lugar preencheu de carne. Da costela que
retirara do homem, o Senhor Deus fez a mulher e
conduziu-a até ao homem. Ao vê-la, o homem exclamou:
«Esta é, realmente, osso dos meus ossos e carne da minha
carne. Chamar-se-á mulher, visto ter sido tirada do
homem». Por esse motivo, o homem deixará o pai e a mãe
para se unir à sua mulher; e os dois serão uma só carne”.
(Gn 2, 21-24)

Docente: Dr. Filipe Themudo Barata


Discente: Ana Rita Faleiro – nº 18889

Universidade de Évora, Junho de 2004


História Económica, Social e Política Medieval I e II

“A mulher e o casamento na Idade Média”

Introdu çã o :

O principal objectivo deste trabalho é dar a perceber a qualquer

pessoa que o venha a ler aquilo que se considerava a esposa ideal no

casamento do séc. XIII, ou seja dar uma breve perspectiva do que é o

casamento nesta altura.

Para tal, este trabalho será dividido em algumas partes

fundamentais. Na primeira, falar-se-á sobretudo de algumas noções

fundamentais ligadas ao casamento, tal como o que é considerado o

matrimónio, as razões pelas quais se deve casar, distinção entre

casamento legítimo e ilegítimo; para além disso, falar-se-á também da

dissolução do matrimónio, especialmente das razões que levam a uma

legitimação desta situação.

Numa segunda parte, e já que este trabalho é sobre a esposa

ideal do século XIII, falar-se-á um pouco dos deveres da esposa dentro

da sua nova família; ao longo dos tempos tornou-se um lugar-comum

afirmar que a mulher não tinha liberdade nenhuma ao longo da sua vida,

estava sempre dependente de uma autoridade paterna (pai, irmão ou,

quando se casava, marido), era apenas vista como uma máquina de

procriar, dever-se-ia sempre submeter à vontade do marido, entre

1 Docente: Dr. Filipe Themudo Barata


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“A mulher e o casamento na Idade Média”


outras coisas. O que nos levanta, infalivelmente, algumas questões. Será

que de facto ele era obrigada a submeter-se em tudo ao seu marido? Ou

será que existiam domínios em que ela tinha direito a dizer não? Em

relação aos seus filhos (e não nos esqueçamos que outro lugar-comum

muito frequente é o de que a mulher, sendo fértil, devia ter um filho por

cada ano, de modo a combater a elevada mortalidade infantil que então

vigorava), uma das questões que se nos põe é a da amamentação e mais

tarde da educação dos seus filhos. Ficava a cargo da mulher? Ou seriam

entregues a outras pessoas? E quanto à fidelidade, que se sabe ser outra

das obrigações da mulher (se não mesmo das mais importantes)? Porque

razão lhes era imposta? Qual a sua razão de ser?

Finalmente, numa terceira parte deste breve trabalho procurar-

se-á dar a conhecer (de um ponto de vista mais religioso, já que nesta

altura religião e lei ainda se encontravam intimamente ligados) as

punições em que as mulheres incorriam em caso de desrespeito às suas

obrigações/deveres, nomeadamente no que concerne à sua vida sexual.

Com certeza que, hoje em dia, já ninguém pensa que todas as mulheres

seriam total e completamente submissas ao seu marido, ou que todas

elas manteriam a sua fidelidade e a sua castidade (assim se explica que

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Duby se refira, numa das suas obras, a “raparigas indóceis”1). Assim, o

que este terceiro ponto do trabalho vai tentar fazer ver aos leitores é o

que se esperava que essas mulheres fizessem, uma vez confessa a sua

“culpa”.

Tendo concluído esta pequena introdução, que refere a principal

questão a resolver e qual a estrutura a seguir, sugiro então que se passe

ao desenvolvimento do tema “A esposa ideal no casamento do século

XIII”.

1
DUBY, G. “A Idade Média, uma idade do Homem”, pg. 33

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Algumas considerações em torno do M atrimónio

Antes de se avançar neste trabalho sobre o que se espera de

uma mulher num matrimónio, convém saber exactamente o que esta

palavra significa.

“Matrimónio” deriva do étimo latino mater, que significa “mãe”;

assim se explica que nas “VII Partidas de Afonso X, o Sábio”

“matrimónio” apareça como sinónimo de “ofício de mãe”, em oposição a

“património” (que deriva de pater):

Y la razón de por qué llaman matrimonio al casamiento y no


patrimonio es esta: porque la madre sufre mayores trabajos con los hijos
que no el padre, pues como quiera que el padre los engendre, la madre
sufre gran embargo [...] con ellos mientras que los trae en el vientre y
sufre muy grandes dolores cuando ha de parir; [...] por ello es llamado
matrimonio y no patrimonio [sublinhado meu].2

Porém, uma questão se nos apresenta. Desde o momento que

duas pessoas contraem casamento/matrimónio, espera-se que este seja

consumado. E o acto de consumação do matrimónio – ou seja, a

existência de relação sexual entre os esposos – é um acto que, regra

2
“Las VII partidas de Alfonso X”, IV partida, lei 2.

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geral, é condenado pela Igreja. Nestas circunstâncias, como entender

que o matrimónio não seja condenado por esta Instituição religiosa?

Na verdade, a Igreja não condena o casamento – mas também

não o aprova incondicionalmente. Ela vê-o apenas como um mal menor,

e esta é uma ideia bastante importante que devemos ter sempre em

mente; a Igreja considera que o casamento apenas tem razão de ser se

servir para domar e refrear o desejo carnal que os humanos – e,

conforme então se pensava, especialmente o sexo feminino – eram

propensos a sentir, ou então «para gerar uma prole que seja educada

religiosamente». E também Afonso X contemplou esta limitação nas suas

“Partidas”. Ele afirma que há algumas situações em que o casal não peca

quando tem relações; e uma delas é precisamente quando o fazem tendo

em vista o nascimento de filhos: «(...) cuando se junta el marido con su

mujer com intención de tener hijos, no hace pecado ninguno, pues antes

hace lo que debe según Dios manda (...) 3». A Igreja defendia que Deus

tinha ordenado aos seres humanos não que retirassem prazer do acto

sexual em si mas sim que procriassem, que se reproduzissem. Quem não

conhece a famosa afirmação divina “Crescei e multiplicai-vos!”? Será

que podemos ver aqui uma “arma” que a Igreja usava para alargar a sua

3
“Las VII Partidas de Alfonso X, el Sabio” – IV Partida, título II, lei 9, l. 4-6

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esfera de influência, para espalhar mais a religião que defendia? Creio

que sim.

Dentro de um matrimónio, as relações carnais entre os esposos

deviam ser limitadas – isto permitiria à mulher permanecer não virgem

(tal já não era mais possível) mas casta. Esta virtude - a castidade -

vai ser muito exaltada pela Igreja ao longo da Idade Média. Aliás, esta

instituição dá-nos inclusivamente exemplos de mulheres que devem

servir de exemplo pela sua castidade – é o caso de Sara, a boa esposa,

a quem Duby e Perrot fazem referência: «Obediente, casta, devota, Sara

encarna aos olhos dos clérigos ora uma ora outra das virtudes

requeridas à boa mulher (...)»4.

Por forma a garantir (ou pelo menos tentar garantir) que o

contacto físico entre esposos era diminuto, a Igreja limitou ao máximo os

dias “legais” (!) para tal; assim, era proibido um casal ter relações

durante o período menstrual da mulher, durante a época da quaresma ou

ainda em dias santos ou na noite de domingo. E era crença corrente que

quem o fizesse seria facilmente reconhecido: caso resultassem crianças,

estas nasceriam com deformações físicas, quase como monstros; isto

mesmo se pode ver em Bernardino de Siena ou Paolo da Certaldo: «(...)

4
“História das Mulheres – a Idade Média”, pg. 143.

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nascerão filhos monstruosos ou leprosos (...)»5. Outra referência a este

aspecto é expressa por Gregório de Tours, e vêmo-la numa das obras

de Duby6:

Que se abstenham de todo o comércio carnal durante os dias


santificados, senão Deus vingar-se-á; [...] os monstros, os estropiados, todas
as crianças macilentas são, sabemo-lo bem, concebidas na noite de domingo
[sublinhados meus].7

“Vós também, ó mulheres, sede submissas aos vossos maridos,


para que, se alguns não obedecem à palavra, venham a ser conquistados, sem a
palavra, pelo procedimento das suas mulheres, ao observarem a vossa vida casta
e reservada. Não seja o vosso adorno apenas o exterior: cabelos frisados,
adereços de ouro e vestidos ajustados; mas sim o ornamento interior e culto do
coração, a pureza incorruptível de um espírito suave e pacífico, que é precioso
aos olhos de Deus” 8.

Quem não conhece esta famosa passagem da 1ª Carta de São

Pedro, lida em todos os casamentos que actualmente se celebram? E de

facto esta simples passagem traduz muito do que se esperava das

mulheres num casamento na Idade Média. Esperava-se que fossem

submissas, que fossem castas, que fossem modelos a seguir, que fossem

5
Citação recolhida do “Penitenciário de Martins Perez”.
6
“A Idade Média – uma Idade do Homem”, pp. 16-17.
7
Como se sabe, o dia de Domingo é o dia santo da religião Católica Cristã, e pelo que
anteriormente ficou dito percebe-se claramente o porquê desta crença.
8
Bíblia Sagrada, I Ped 3, 1-4

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humildes, que cuidassem mais do seu espírito do que do seu aspecto

exterior9.

Ao longo de toda a Bíblia, há vários outros exemplos do que

deveria ser a boa esposa. Como paradigma, há o modelo de Sara, a

esposa casta, que foi casada 7 vezes sem nunca consumar o casamento,

pois era possuída por um demónio. Apenas o seu casamento com Tobias

foi bem sucedido, uma vez que rogaram a Deus na sua noite de núpcias,

e lhe rogaram protecção e benção.

A virtude da c astidade pode-se observar nesta passagem de

Paulo. É importante referir que, se é verdade que a mulher tem um papel

fundamental no casamento e na construção do modelo social idealizado

pelos clérigos (ao contrário do que se poderia pensar), também é

verdade que a mulher-esposa e a mulher-mãe é mais imperfeita que a

mulher-virgem (esta sim, o paradigma da perfeição, tal como Maria, mãe

de Cristo). Ora, é evidente que quando uma mulher casa, sabe de

antemão que não poderá mais ser virgem, a sua pureza perder-se-ia.

Assim, como contornar religiosamente este “obstáculo”? Precisamente

9
Aliás, este era mais um dos factores que levava a Igreja Católica a não defender
incondicionalmente o casamento, uma vez que o responsabilizava pelo facto de levar as
mulheres ao pecado da vaidade. Pelo seu lado, elas justificavam-se, afirmando que só
faziam tal para agradarem aos seus maridos. Isto levou a que mais tarde se tenha ido
impondo o costume de as mulheres da nobreza que fossem casadas há mais de 6 anos se
vestissem todas de preto – isto provaria que elas eram, de facto, castas.

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como já foi referido atrás, limitando ao máximo os dias de “comércio

carnal” entre os esposos.

Mas uma questão se nos põe. Será que de facto estas limitações

todas teriam apenas um âmbito religioso, será que eram impostas apenas

para livrar os esposos do pecado da carne?

Ao lermos Jack Goody, vemos que este autor pensa que todas

estas proibições em relação à existência de relações sexuais entre as

pessoas poderiam fazem parte de uma política controlo da natalidade a

longo prazo: “Essa abstinência, tal como o celibato sacerdotal e laico e

o casamento tardio (...) contribuíram, sem qualquer dúvida, para

controlar o crescimento da população a longo prazo10 ”. Na minha

opinião, se de facto Goody tem razão e se a Igreja condena relações

ocorridas nestas datas, creio que podemos estar na presença de uma

aliança entre Estado e Igreja (é aliás de se referir que estas alianças

eram bastante frequentes e não só em assuntos como o casamento) que

visava um controlo efectivo da população existente. Este autor considera

ainda que todas estas restrições podem ter por base a tentativa de

“banir”, por assim dizer, as amas de leite (questão que irá ser explicada

mais à frente, no ponto que trata sobre os deveres das mulheres).

10
Goody, 1985, pg. 173

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Há ainda mais uma razão para todas estas imitações; tal como se

irá ver mais adiante, neste trabalho, os filhos eram um dos objectivos

primordiais da contracção do matrimónio. De modo a não gerar filhos

doentes ou com qualquer deficiência, aplicavam-se todas estas medidas

de limitação. O mesmo se passava em relação ao incesto – é actualmente

comprovado pela ciência que o casamento entre parentes chegados

origina fraquezas genéticas; por certo que na Idade Média, embora não o

soubessem cientificamente, já se tinham dado conta deste facto. Mais

uma razão para se lutar contra o incesto.

Passemos agora a outra questão. Até há muito pouco tempo, era

quase impensável um homem e uma mulher contraírem matrimónio

meramente civil; eram olhados como uma excepção à regra se não se

casassem pela Igreja. O que nos leva a pensar. De que forma entrou a

Igreja Católica nas celebrações matrimoniais? Por que razão começou a

ser necessário a aprovação desta Instituição, e por que razão se lhe

concedeu o poder de unir (e em certos casos desunir) casais?

Na realidade, esta situação tem uma razão de ser muito prática.

Há situações em que a coabitação ou relação entre homens e mulheres é

10 Docente: Dr. Filipe Themudo


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proibida; e como é fácil de perceber, uma destas situações é o incesto11 .

A este nível, os dois poderes reinantes sobre a terra estão de acordo, e

os próprios soberanos dizem que proíbem exactamente o que os

eclesiásticos proíbem. Como se torna lógico, o rei per se não tem poder

suficiente para impedir que o incesto aconteça – afinal de contas, ele é

apenas um. No entanto, o rei tem poder para uma coisa – para pedir

ajuda à Igreja. Já anteriormente referi que as questões religiosas

estavam intimamente ligadas ao quotidiano. Uma proibição da Igreja era

de facto cumprida, quanto mais não seja pelo medo que as pessoas

tinham da excomunhão, pelo medo que tinham de, no Além, não poderem

participar no banquete divino oferecido pelo Criador e para o qual se

tinham preparado, muitas vezes durante toda a sua vida. E como

conseguia a Igreja controlar isto? Através dos inquéritos que lhe eram

11
E é importante perceber que o incesto aqui se refere não apenas ao incesto “directo”,
ou seja, entre pais e filhos ou entre irmãos, mas também entre primos – directos ou até a
um certo grau, que era definido pela Igreja. Este grau foi mudando ao longo dos tempos,
consoante as pressões de que a Igreja era alvo. Em certas alturas, diz-nos Goody, a
Igreja proibia o casamento entre parentes em tantos graus que para uma pessoa de uma
aldeia poder casar, tinha que ir procurar cônjuge nalguma aldeia vizinha, pois na sua
aldeia natal não havia ninguém que não fosse seu parente. Goody, no entanto,
apresenta-nos as razões que poderiam levar à realização de casamentos endogâmicos;
segundo este auto, o facto de uma jovem casar fora da sua paróquia só traria
desvantagens. Em primeiro lugar, daria uma parte da propriedade da paróquia a um
forasteiro. Para além disso, cada rapariga que casasse fora da sua aldeia/paróquia
aumentaria a possibilidade de um rapaz ficar solteiro e “de trabalhar como criado em casa
de outrém” (Goody, 1995, pg. 171)

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realizados e após os quais dava ou não o consentimento para a cerimónia

se realizar. Para que serviam estes inquéritos? Uma das medidas que

foram tomadas para evitar o incesto foi a obrigatoriedade das n uptiae

p úb li cas, de modo a poderem ser controladas oficialmente. Para tal –

para este controle ser levado a cabo com eficácia – eram então

realizados os já referidos inquéritos, para se poder averiguar se de facto

os nubentes não eram parentes próximos, facto que impediria o seu

matrimónio. Estes inquéritos tomavam lugar junto de vizinhos/parentes

(ou seja, junto dos veteres populi), mas apenas depois de terem sido

efectuados junto das autoridades eclesiásticas (padres/bispos). Creio

resultar daí a tradição, ainda hoje vigente, de o padre perguntar à

assembleia se alguém sabe de algum impedimento à celebração do

casamento entre os nubentes. O próprio Afonso X contemplou esta

situação: «[el clérigo] amonesta a todos cuantos allí están a que si saben

que hay algún impedimento entre ellos por el que no deban casar en

uno, que lo digan (...)»12 .

Se bem que mais tarde o seu papel se vá modificando, nos seus

primórdios a Igreja foi chamada a participar no matrimónio «não apenas

para abençoar, para exorcizar, não apenas para moralizar, mas para

12
Afonso X, idem, IV partida, título III, Lei I.

12 Docente: Dr. Filipe Themudo


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controlar e para autorizar. Para julgar. Portanto para reger. [sublinhado

meu]»13 Penso que este excerto de Duby nos mostra claramente qual o

verdadeiro papel da Igreja dentro do matrimónio. Na minha opinião, o

incesto deve ter sido um dos pontos em que poder temporal e poder

espiritual se uniram e estiveram de acordo, e creio que se “usaram”

mutuamente (passo a expressão) para o evitar.

Depois de tudo quanto ficou dito até este ponto do trabalho,

penso ser mais fácil perceber a questão dos matrimónios secretos – que

eram, obviamente, proibidos.

Numa das principais fontes para este trabalho – as “VII Partidas

de Afonso X” – vemos o que é considerado como um matrimónio secreto:

Escondidos son llamados los casamientos de tres maneras: la


primera es cuando los hacen encubiertamente y sen testigos, de manera que no
se pueden probar; la segunda es cuando lo hacen ante algunos, mas no demandan
la novia a su padre o a su madre o a los otros parientes que la tienen en guarda,
ni dan sus arras [...] ni les hacen las otras honras [...]; la tercera la tercera es
cuando no lo hacen saber concejeramente [en público] en aquella iglesia de
donde son parroquianos (...).

Todos estes pontos nos vêm confirmar aquilo que anteriormente

foi dito. Tudo é feito para evitar o incesto, um dos mais graves crimes

sexuais de então. Não se pode casar sem testemunhas (ou seja, não se

13
DUBY, idem, pg. 19

13 Docente: Dr. Filipe Themudo


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pode casar se as núpcias não forem públicas); não se pode casar sem

autorização da Igreja; não se pode casar sem a realização prévia de

11
inquéritos para provar a exogamia do acto. Quem for castrado não

pode casar; quem for criança14 não pode casar – apenas pode ser

prometida em casamento. Há toda uma série de entraves feitos ao

casamento.

Mas não nos iludamos. Os entraves a que me refiro não são

apenas feitos à realização do casamento. São-no também à sua

dissolução – “o que Deus juntou, não separe o Homem”... Tal como na

questão das relações sexuais, há alguns casos apontados por Afonso X

em que a dissolução do casamento (ou seja, o divórcio) é legal e

autorizado pela Igreja: em caso de desejo de um dos cônjuges em entrar

numa ordem religiosa (e há descrições dessas situações), em caso de

adultério/fornicação (mas apenas por parte da mulher; a razão de ser

desta situação será explicada noutra parte do trabalho). Vejamos então o

que diz Afonso X sobre o divortium:

14
Pois as crianças (por natureza) e os castrados (que poderão ter ficado assim por várias
razões) são impotentes, e se uma das justificações do casamento é a geração de filhos,
facilmente se percebe por que razão o matrimónio lhes está interdito.

14 Docente: Dr. Filipe Themudo


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(...)[em relação aos esposos] si a alguno de ellos, después que
fuesen juntados carnalmente, le viniese en voluntad entrar en orden y se lo
otorgase el otro (...) de esta manera se hace el departimiento para ser llamado
propiamente divorcio (...). Otrosí haciendo la mujer contra su marido pecado de
fornicación o de adulterio, es la otra razón que dijimos por que e hace
propiamente el divorcio (...)

O divórcio pode ainda ser concedido em caso de impotência 15 ,

pois logicamente isto resultaria numa não consumação do casamento. É

importante não nos esquecermos que esta impotência nunca se referirá a

homens castrados ou crianças; tal como explico na nota de rodapé n.º

11, estes dois grupos estavam proibidos de contrair casamento. Mais

uma vez, nas “Partidas” de Afonso X se encontram referências à

concessão do divórcio com base na impotência:

(...)ocurre en los hombres que son fríos por naturaleza y en las


mujeres que son tan estrechas que por maestrías que les hagan sin peligro
gran de ellas, ni por uso de sus maridos que se esfuerzan por yacer con
ellas, no pueden convenir con ellas carnalmente; pues, por tal impedimento
como este bien puede la santa Iglesia anular el casamiento (...) y debe dar
licencia para casar al que no fuere impedido.

E no caso de alguém se divorciar efectivamente? Será que se

podia voltar a casar? O “recasamento” era possível? “Se o divórcio era

difícil, o recasamento era impossível16 ”, diz-nos Goody.

15
Impotência tanto masculina como feminina.
16
Goody, 1995, pg. 171

15 Docente: Dr. Filipe Themudo


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Curiosamente, um novo casamento apenas era proibido em caso

de divórcio, uma vez que aos olhos de Deus o casamento não tinha sido

dissolvido. Aliás, o próprio Jesus afirma que “Se alguém repudiar a sua

mulher – excepto em caso de adultério e casar com outra, comete

adultério” (Mt, 19, 9). Se por acaso alguém quisesse voltar a contrair

casamento por ter enviuvado, nenhuma lei havia que o proibisse (embora

também nada o encorajasse). É importante referir que as segundas

núpcias eram tão mais frequentes quanto mais baixa era a classe social

dos nubentes. Porquê? É fácil de percebermos se pensarmos que a um

nível socio-económico mais baixo a mortalidade era maior; as pessoas

tinham menos condições de vida, estavam mais sujeitas a doenças, a

mortalidade infantil era maior. Logo, para tentar preencher o vazio que a

mortalidade teimava em deixar, era frequente o homem (pois enviuvava

mais facilmente – não nos esqueçamos que o acto de dar à luz trazia

bastantes perigos para a mulher) procurar uma nova esposa:

“Quando enviuvavam, muitos progenitores ficavam sozinhos com a


responsabilidade de cuidar dos filhos e um novo casamento era uma grande ajuda
não só em casa mas também no trabalho da fazenda ou na oficina. As segundas
núpcias faziam com que a presença de padrastos e madrastas fosse bastante
vulgar17”.

17
Goody, 1995, pg. 172

16 Docente: Dr. Filipe Themudo


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Ainda em relação ao matrimónio, há que referir um aspecto muito

importante. Ao nível das classes mais ricas os nubentes não pertenciam

ao mesmo extracto económico. Regra geral – e vários autores nos

confirmam isso – há uma tendência para a mulher casar num nível

económico inferior ao seu e para o homem casar num nível superior:

José Mattoso dá-nos a entende este facto muitíssimo bem na sua obra

“Ricos-homens, cavaleiros e infanções”, principalmente no capítulo em

que fala da “circulação de mulheres”: «(...) superioridade da família que

dá a mulher ou da que a recebe (...)»[sublinhado meu]. Analisando o

comportamento de várias famílias da nobreza, este autor chega à

conclusão que apesar de o grau de endogamia ser mais reduzido do que

originalmente se pensava, a verdade é que os casamentos não se

realizavam (pelo menos a um nível económico mais abastado) entre

pessoas do mesmo nível. Isto justifica a asserção de que a mulher, ao

casar-se, é obrigada a uma dupla deslocação. Uma horizontal, para a

casa do seu marido, e outra vertical, para uma escala social diferente,

normalmente para uma inferior, pois os pais querem para os seus filhos

esposas melhor nascidas que eles.

Assim, depois de tudo o que ficou dito, vemos que o matrimónio

não era algo que se encarasse de ânimo leve na Idade Média, uma vez

17 Docente: Dr. Filipe Themudo


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“A mulher e o casamento na Idade Média”


que subjacente a si havia toda uma série de complicações que tocavam

vários âmbitos – sociais, políticos, religiosos, económicos...

Os d evere s d as mul h er e s

18 Docente: Dr. Filipe Themudo


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“A mulher e o casamento na Idade Média”


“Deus criou o homem à Sua imagem , criou-o à imagem de

Deus; Ele os criou homem e mulher. Abençoando-os, Deus disse-lhes:

«crescei e multiplicai-vos, enchei e dominai a terra. Dominai sobre os

peixes do mar, sobre as aves dos céus e sobre todos os animais que se

movem na terra». (Gn 1, 27-28).

Nesta passagem da Bíblia, que por certo todos conhecem,

afirma-se uma das coisas mais importantes em relação a um casal e que

muitas vezes tende a ser esquecida (pelo menos na Idade Média):

homem e mulher foram criados à semelhança de Deus (por conseguinte,

eles próprios são semelhantes) e o seu papel fundamental é o de se

reproduzir.

Esta mesma passagem foi no entanto “reciclada” pela sociedade

medieva; de facto, um dos deveres mais importantes atribuídos às

mulheres era a da perpetuação da espécie. Aliás, quem não conhece o

lugar-comum de que a mulher, enquanto fosse sexualmente activa,

deveria dar um filho por ano à sociedade onde estava inserida18 ?

Este seu dever facilmente se compreende se pensarmos na alta

mortalidade infantil que se fazia sentir ou se pensarmos que o séc. XIII

18
“Gerar filhos continuadamente e até á morte”, é o que nos diz o dominicano Nicolau de
Gorran.

19 Docente: Dr. Filipe Themudo


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“A mulher e o casamento na Idade Média”


foi o século do renascimento das cidades e que fazia falta regenerar a

população.

Além disso, uma mulher que dê à luz já não é obrigatoriamente

virgem; assim, diz-nos Nicolau de Gorran que o acto de dar

continuadamente à luz “constitui a alternativa real à conquista da

salvação por meio da virgindade19 ”.

Em relação aos filhos, mulher tinha que tomar toda uma série de

cuidados. Estes cuidados começariam ainda durante a gravidez, uma vez

que qualquer aborto ou qualquer nado-morto seria considerado da

inteira responsabilidade da mulher. O mesmo se passa em relação à

amamentação. Esta deveria estar a completo cargo da mulher e não a

cargo de amas de leite. A razão disto deve-se à responsabilidade que é

dada à mulher na educação dos seus filhos. Se ela amamentar os seus

filhos, terá possibilidade de lhes incutir todos os seus valores (não nos

esqueçamos que estamos a falar do que em princípio seria uma mulher

ideal à vista da sociedade de então); ora, se a amamentação fosse levada

a cabo por uma ama de leite, não havia certezas de a criança vir a

crescer dentro dos valores cristãos.

19
DUBY e PERROT, “História das Mulheres – a Idade Média”, pg. 163.

20 Docente: Dr. Filipe Themudo


Barata
Discente: Ana Rita Faleiro – n.º 18889

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“A mulher e o casamento na Idade Média”


É no entanto importante fazer notar o que nos diz Goody; apesar

de a Igreja não ver com olhos muito bons esta questão das amas de leite,

admite-as pois considera que é melhor a mulher estar apta a satisfazer o

seu marido para que este não caia no pecado do adultério, e isto seria

impensável caso a mulher estivesse a amamentar.

E em relação ao amor mãe-filho? Será que se podia falar deste

conceito numa época em que não existia a própria noção de criança? É

evidente que a mãe tem uma tendência natural para amar os seus filhos

e as suas filhas. No entanto, como “ser fraco” que é, os filhos (os filhos-

homens, é importante que se note) têm uma certa tendência, após os

primeiros anos de vida, a transferir o seu amor pela mãe para um amor

pelo pai, criatura mais perfeita porque homem.

Esta questão do amor da mãe em relação aos seus filhos está

intimamente ligada à questão da educação. A educação20 das crianças

variava consoante elas fossem um rapaz ou uma rapariga, como

facilmente se poderá calcular. Por exemplo, no caso dos rapazes, as

mães deveriam velar pelos seus valores morais e cristãos, mas só e

apenas no caso de elas conseguirem dominar o amor carnal que são

20
É importante referir que, regra geral, acreditava-se que a educação dos filhos (e
nalguns casos das filhas) deveriam ser entregues a uma autoridade masculina, como
aconteceu com o cavaleiro de La Tour Landry e com o rei de França, São Luís

21 Docente: Dr. Filipe Themudo


Barata
Discente: Ana Rita Faleiro – n.º 18889

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propensas a sentir; já no caso das raparigas, as mães devem velar não

apenas pelos seus valores morais e cristãos mas também pela castidade

(mais uma vez, esta virtude fundamental) dos seus corpos; notemos o

que nos diz Silvana Vecchio acerca desta temática:

“o controlo da sexualidade das filhas surge de facto como âmbito


privilegiado da pedagogia materna, o único do qual a mãe, seja como for, é
responsável, independentemente até da sua própria moralidade: (...)21”

Penso que deverá ser nesta perspectiva de repressão do corpo

feminino, de o afastar de qualquer fonte de possível pecado, de o afastar

de qualquer perigo para a sua castidade, que devemos enquadrar uma

das actividades mais conhecidas das mulheres, ao longo de toda a

História: o bordar, o coser. Quem nunca ouviu dizer que o papel das

mulheres é ficar em casa a cozinhar e a coser/bordar?

Na obra dirigida por Jaques le Goff, “O Homem medieval”,

encontramos a explicação para este facto. Bordar, fiar, tecer... tudo isto

são tarefas que obrigam a mulher a ficar em casa, a não sair para o

exterior (onde os seus percursos são todos delineados e seguidos), e que

as obrigam a ocupar mãos e espírito, para não “vaguearem” por onde

quiserem. Assim,

21
DUBY e PERROT “História das Mulheres – a Idade Média”, pg. 167

22 Docente: Dr. Filipe Themudo


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“desde a mais tenra idade que as mulheres fiaram, teceram,
coseram e bordaram sem descanso, e quanto mais alta for a linhagem, quanto
mais honra tiverem, menos tempo se lhes concederá para brincarem, rirem ou
brincarem22”

Passemos agora a outro dos deveres fundamentais da mulher

dentro do casamento. O dever da fidelidade e do dever conjugal.

Muitas questões se nos põem neste âmbito. Será que a mulher

tem mesmo que ser submissa em tudo ao seu marido, na questão do

dever conjugal? Ou será que tem direitos iguais?

Analisando a partir da Bíblia, poderíamos ser induzidos a pensar

que de facto homem e mulher foram feitos à semelhança de Deus e que

portanto são semelhantes. Mas esta temática da igualdade ou submissão

é muito controversa, uma vez que a Bíblia também nos pode levar a

pensar que a mulher deve ser submissa uma vez que foi feita a partir da

costela do homem: “Chamar-se-á mulher, visto ter sido tirada do

homem” (Gn, 2, 23). Também Paulo exorta as mulheres a serem

submissas.

Mas o que quer dizer uma mulher ser submissa no casamento?

Será que implica submeter-se a todas as vontades sexuais do marido,

quaisquer que elas sejam?

22
“O homem medieval”, dir. Jacques le Goff, pg. 207

23 Docente: Dr. Filipe Themudo


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Curiosamente, o âmbito sexual é o único em que a mulher tem o

direito de dizer “Não”. É interessante notar, porém, que Afonso X, nas

suas “Partidas”, nos diz que o parceiro (isto é tanto válido para o homem

como para a mulher) tem o dever de ter relações com o seu cônjuge

quando este tem vontade, mesmo que ele próprio não tenha vontade.

Afonso X diz-nos que isto não é considerado pecado e que é uma forma

de evitar a luxúria, o adultério e outros pecados afins. Apesar disto, o

marido não tem de forma alguma o direito de pedir o que quer que seja a

nível sexual à sua mulher. Apesar de ser submissa, ela tem o direito de

dizer “não” sempre que o marido lhe queira pedir algo que seja

completamente contra a natureza humana (como por exemplo certas

posições sexuais). Portanto, assim se vê que a submissão da mulher não

é tão completa como actualmente há tendência para as pessoas

pensarem.

O mesmo se passa em relação à fidelidade. Ambos os cônjuges

têm, em teoria, o dever de a praticar, uma vez que a posse do corpo do

outro implica exclusividade e fidelidade (é igualmente importante referir

que este era o único meio para assegurar uma descendência23 e para

23
Considerava-se que uma mulher casta, que não tivesse relações sexuais
habitualmente, tinha mais probabilidades de dar à luz que uma mulher “pecadora”.

24 Docente: Dr. Filipe Themudo


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garantir que a paternidade pertence ao marido). É no entanto

reconhecido que a mulher é mais propensa a guardar a fidelidade a que

está sujeita, enquanto que o marido pensa estar menos obrigado a ela. E

de facto, assim acaba por ser. Pensemos nos filhos extra-matrimónio. Se

for o homem a tê-los, não haverá grande problema. Porém, se estes

forem filhos de uma mulher, são considerados como tendo nascido da

fraude e são acusados de um duplo crime, o terem nascido do pecado da

carne e o terem nascido da traição da mãe...

Esta questão da fidelidade das mulheres prende-se ainda a outro

facto, que tem a ver com uma teoria herdada da Antiguidade, segundo a

qual a mulher era um ser passivo sexualmente. Sendo passiva, ela

dever-se-ia manter completamente fiel ao marido para que o sangue

paterno ficasse puro dentro dela, ela que apenas moldaria/amadureceria

o feto. Esta questão do sangue paterno puro fazia temer a entrada de

outro sangue na família, o que iria alterar a pessoa que a criança viria a

ser. Assim se percebe o porquê da fidelidade que era absolutamente

exigida às mulheres e a razão pela qual os homens pensavam estar

menos vinculados a ela. No entanto, é fundamental referir um facto

ainda acerca desta fidelidade. No caso de o marido se ausentar muito

tempo (quer seja uma ausência de casa quer seja apenas uma ausência

25 Docente: Dr. Filipe Themudo


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a nível carnal), a mulher ganha o direito de se relacionar com outros

homens.

Passemos agora outro dos deveres fundamentais de um mulher

dentro do seu casamento: o dever de salvar a sua família através da

oração e da evangelização. A mulher toma um papel de evangelizadora e

de missionária junto aos seus maridos, dando-lhes o exemplo do que

deve ser alguém cristão; rezando, santifica-se a si e à sua família. Aliás,

Cristina de Pisano, ao longo da sua obra, considera que a mulher é a

mais válida conselheira do marido e guia espiritual para a sua salvação.

Outro exemplo: “Francisco de Barberino atribui à rainha não só a tarefe

de assistir o esposo nas necessidades da vida quotidiana mas também a

função de o aconselhar na conduta moral (...) 24 ”. Assim, conforme se

pode ver, o papel das mulheres dentro de um casamento não é assim tão

nulo.

Um outro ponto muito importante se impõe agora. Já vimos a que

espécie de obrigações a mulher estava sujeita para com o seu marido –

mas será que a mulher amava de facto o homem com quem se tinha

casado? Costuma dizer-se que era raro o casamento que era feito por

amor (embora teoricamente a partir do séc. XI a Igreja tenha procurado

24
DUBY e PERROT, “História das Mulheres – a Idade Média”, pg 157.

26 Docente: Dr. Filipe Themudo


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fazer casamentos tendo por base a vontade dos nubentes); o que se

passava é que, ao longo do tempo, os esposos iam aprendendo a amar-

se mutuamente. No entanto, o grau de amor a que se entregavam era

diferente. A mulher, enquanto ser mais frágil e mais imperfeito, amava

mais o seu marido do que este, mais perfeito, a amava a ela. O amor do

marido para com a mulher é igual ao amor de um ser superior por um ser

inferior, as teorias de Alberto Magno e Tomás de Aquino justificam-nos

porque razão o marido é mais amado do que ama. Isto leva-nos a poder

dizer que o facto de a mulher amar mais nos aparece como mais um sinal

da sua fraqueza, da sua imperfeição. “(...) a obrigação de amar o marido

que lhe é imposta como essencial à sua função de esposa revela-se ao

mesmo tempo tarefa inexaurível e marca de inferioridade.25 ”

Depois destas obrigações “maiores”, a mulher tinha toda uma

outra série de obrigações “menores” (pelo menos na minha opinião, estas

obrigações são importantes mas de modo algum tão fundamentais como

as primeiras).

Podemos começar por referir a obrigação de honrar os sogros,

não ter para com eles senão palavras respeitosas, nunca os fazer alvo

de qualquer tipo de agressão, ser reverente, doce, ter capacidade de os

25
DUBY e PERROT, “História das Mulheres – a Idade Média”, pg. 151

27 Docente: Dr. Filipe Themudo


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amparar. No fim de contas, eles eram agora a sua própria família, os

seus próprios pais e se estamos na perspectiva de uma esposa cristã, não

nos podemos esquecer o que nos diz o IV mandamento da Lei de Deus:

“Honrarás teu pai e tua mãe”. Além disso, a mulher tem o dever e a

tarefa de manter as boas relações não só com os seus sogros mas

também com todos os parentes do seu marido.

Outra das obrigações da mulher prende-se à administração da

casa e ao amparo de quantos nela vivem (servos, criados...).

Quando se diz que a mulher devia ficar em casa, isto não era

apenas para a impedir de ir ao exterior; era também em grande parte

porque a mulher tem dentro de casa um volume de trabalho equivalente

ao que o homem tem fora dela; no entanto, a tarefa de governar a casa

não pode ser exclusiva da mulher – isto significaria que ela se tinha

tornado na senhora da casa, e de facto não era assim. O homem

continuava a ser o senhor inconfundível de cada casa, de cada lar. O

que se passa é que “casa” é uma metáfora da consciência, da Igreja, do

Paraíso (ou, se for caso disso, do Inferno...). Assim, cabe à mulher velar

pela cristandade da sua casa; isto aplica-se tanto aos seus filhos, a

quem ensina antes de tudo a temer e respeitar a Deus, como às suas

28 Docente: Dr. Filipe Themudo


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filhas, velando incansavelmente pela sua virgindade/castidade, como

aos seus servos e criados.

Aliás, se queremos ter uma ideia de todas as obrigações que uma

mulher enquanto dona de casa tem, basta-nos ler algumas partes do

provérbio 31:

“Levanta-se, ainda de noite,


distribui o alimento pelos da sua casa
e a tarefa pelas suas servas
Ela vê um campo e adquire-o
Planta uma vinha com o ganho das suas mãos
(...)
Fabrica linho fino e vende-o
E fornece cintos ao mercador
(...)
Vigia o andamento da casa
E não come o pão da ociosidade26”

Creio que este salmo evidencia muito bem todas as tarefas da

mulher dentro do seu lar. Tal como acontecia quando ainda era uma

simples donzela, que não tinha tempo para rir nem brincar (mais uma vez

a questão do interminável bordar), agora que é casada, tem muito

trabalho à sua frente na sua nova casa, o que não lhe deixa espaço nem

tempo para se dedicar à ociosidade.

26
Bíblia Sagrada, Prov. 31

29 Docente: Dr. Filipe Themudo


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Estão assim analisados os principais deveres da mulher dentro do

casamento. Como se pode ver, o seu papel não é tão destituído de

importância como se poderia pensar. Passemos então ao último ponto.

Punição d a s mul h er e s

No ponto anterior, falou-se de todos os deveres que estavam

inerentes a uma boa esposa. No entanto, não podemos pensar que todas

as mulheres que se casavam obedeciam estritamente obedeciam

estritamente aos cânones instituídos de deveres e obrigações dentro da

nova família a que pertenciam. Decerto ninguém pensa que o adultério

ou o incesto são “invenções” do nosso século. Eles existiam de facto na

Idade Média, tal como existiam antes e tal como existirão sempre até à

extinção da raça humana.

A questão que é lícito colocarmos é a seguinte: partindo do facto

conhecido de que existiam mulheres “pecadoras” (pelo menos aos olhos

da sociedade instituída), como se lidava com essas mulheres? O que lhes

aconteceria caso os seus actos se tornassem conhecidos?

Em primeiro lugar, é muito importante esclarecer um ponto

fundamental, sem o qual creio que não se poderá perceber tão bem as

30 Docente: Dr. Filipe Themudo


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“A mulher e o casamento na Idade Média”


punições impostas. Já antes referi que a sociedade medieval era uma

sociedade muito ligada ao aspecto religioso, ao mundo do Além, à vida

pós-morte. Esta situação, em conjunto com o medo do

Purgatório/Inferno, justifica, na minha opinião, que as pessoas

confessassem tudo o que consideravam pecado de modo a se poderem

penitenciar (e esta penitência era pública, o que equivale a dizer que as

pessoas, para além de se penitenciarem, humilhavam-se perante todos).

Na realidade, ninguém saberia se as pessoas cometiam certos pecados

se estas não se confessassem e consequentemente se penitenciassem. E

apenas se confessavam, creio, por medo de não conseguirem entrar no

reino dos Céus, por medo de não participarem do banquete divino.

Esclarecido este ponto, passemos então a analisar as penitências

em que as pessoas – e neste caso específico, as mulheres – incorriam

caso “pecassem”. Para tal, tomei como fonte o “Penitenciário de Martins

Perez”. Nesta obra encontramos relativamente pouca informação sobre

penitências de mulheres, mas mesmo assim podemos tirar algumas

conclusões.

Assim, vemos que as penitências variam entre um jejum de 20

dias até à entrada numa ordem religiosa perpetuamente. Por exemplo,

diz-nos Martins Perez que se uma mulher tiver relações com um bispo,

31 Docente: Dr. Filipe Themudo


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deve entregar todos os seus bens à Igreja e para além disso “tomar

estado de religion e sirva em elle a Deus ataá morte”27 .

Nesta obra encontramos mais especificações sobre castigos e

penitências a que as mulheres se deviam submeter. Por exemplo, se uma

mulher incorrer no pecado do incesto com o próprio pai, dever-se-á

penitenciar durante 15 anos. Porém, se o incesto for com um seu irmão,

a penitência será apenas de 10 anos, e se for um incesto mais

“longínquo” (passo a expressão) – com um cunhado – fará penitência de

40 dias e 7 anos de “suso”.

Se para ter relações, a mulher usar aliquo instrumento para

ajudar, a penitência será de 3 anos, e se o pecado for a masturbação, a

penitência será de 1 ano.

Se a mulher cometesse o que actualmente se chama “pedofilia” –

ou seja, se “algum moçinho parvoo super se pusit” – incorrerá numa

penitência de 2 anos.

A penitência seguinte diz respeito a raparigas solteiras. Ao

contrário do que acontecia na Antiguidade Clássica, em que as raparigas

solteiras não eram obrigadas a manter a sua virgindade, apenas eram

obrigadas a ser fiéis depois de se casarem, na Idade Média, se uma

27
Penitenciário de Martins Perez, pg. 95

32 Docente: Dr. Filipe Themudo


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rapariga solteira cometesse um “pecado sexual”, ela deveria jejuar XX

dias a apenas pão e água.

Finalmente, a última medida que nos aparece neste penitenciário

diz respeito àquelas mulheres que se deixam tocar e acariciar apenas

por luxúria, ou então em relação àquelas mulheres que servem de

alcoviteiras da parte de uma mulher para um homem. Em qualquer

destes casos está prevista uma penitência de 2 anos.

Como se pôde acabar de verificar, a sociedade medieval estava

grandemente limitada não só nas suas práticas quotidianas “públicas”

(passo a expressão) mas também nas suas actividades de foro familiar

mais íntimo.

Não se admitia que um casal – ou mais propriamente uma mulher

– retirasse qualquer prazer da sua vida sexual. A mulher deveria ser

passiva, deveria ser como um objecto que o marido manipulasse de

forma a retirar dela maior prazer mas sem retirar ela própria prazer.

Aliás, as relações sexuais na altura eram vistas apenas como uma forma

de perpetuar a espécie – não como uma outra coisa qualquer. Daí que

qualquer mulher que começasse a agir como um ser activo e que

começasse a pensar nas relações como algo mais que gerador de

crianças fosse tão malvista e incorresse em penas tão pesadas.

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“A mulher e o casamento na Idade Média”

C onclu são

Ao longo de todo este trabalho, pudemos tirar algumas

conclusões que, provavelmente, à primeira vista não seriam assim tão

óbvias.

Por exemplo, apesar de se pensar que o casamento era sempre

imposto pelos pais, na verdade a partir do séc. XI a Igreja esforçou-se

por garantir que o matrimónio era contraído de livre vontade pelos

nubentes. Daí a importância da pergunta “É de livre vontade que contrais

matrimónio?”, uma vez que se se provar que o casamento foi forçado

poderá ser dissolvido. É no entanto importante referir que se há um

esforço para que o casamento não seja totalmente imposto, também é

verdade que o casamento, como acto político-social que é, é muitas

vezes arranjado pelos pais e os noivos só vêem o seu futuro cônjuge no

dia do próprio casamento.

Durante o decorrer do trabalho, também foi interessante analisar

alguns dos deveres mais importantes da esposa dentro do seu

34 Docente: Dr. Filipe Themudo


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casamento. Ao contrário do que se poderia pensar, o papel da esposa

dentro do casamento não é assim tão nulo e tão desprovido de valor;

afinal, ela acaba por ser o elo fundamental entre a família e Deus.

Rezando, ela acaba por se santificar, bem como à sua família. Com as

suas acções castas, humildes, calmas, ela mostra ao seu marido quais os

verdadeiros atributos de uma esposa cristã, digna de ser considerada um

modelo de virtude.

Pudemos igualmente concluir que a mulher, apesar do importante

papel social que detém dentro do casamento (não nos esqueçamos que o

casamento servia também como “machado da paz” entre algumas

famílias), era considerada inferior em todos os aspectos – até pelo amor

que era obrigada a dar ao marido ela era considerada inferior, pois ama-

o demasiado, mais do que é amada. Lembremos o que os é dito na

“História das Mulheres – a Idade Média”:

“A mulher, dominada pelos sentidos e incapaz de atingir o


autocontrole afectivo do homem, é condenada a amar de um modo total mas
errado, num esforço contínuo de adequação àquele inatingível amor, limitado mas
perfeito, que o marido lhe oferece”

Em relação aos seus pecados, pudemos concluir que muito

provavelmente a mulher não seria obrigada a qualquer penitência – não

fosse o peso que a religião detinha na altura naquela sociedade. Aliás, se

35 Docente: Dr. Filipe Themudo


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“A mulher e o casamento na Idade Média”


ainda actualmente a religião tem o peso que tem para algumas pessoas,

naquela altura, o temor a Deus estava muito mais enraizado e coagia

mais as pessoas a fazerem determinado tipos de coisas. Ou seja, não

fosse o medo do Purgatório e do Inferno, talvez as pessoas não

confessassem coisas que o senso comum no diz serem normais e

naturais, mas que na altura eram consideradas pecados.

Assim, uma vez confessa a sua culpa, a mulher deveria

penitenciar-se e humilhar-se publicamente, pois isso era considerado o

verdadeiro caminho para a salvação. Só assim se conseguiria expiar a

culpa e aspirar a conseguir entrar no reino dos céus.

Dou assim por concluído este trabalho sobre as mulheres e o

casamento na Idade Média, esperando ter conseguido despertar a

atenção do leitor e esperando igualmente que este mesmo trabalho tenha

conseguido elucidar alguns dos pontos que por vezes são mais obscuros

em relação a este tema; ou seja, espero ter “desmistificado” um pouco

certos lugares-comuns que muitas vezes se ouvem e dos quais não

sabemos a razão nem a origem.

36 Docente: Dr. Filipe Themudo


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“A mulher e o casamento na Idade Média”

Fontes e Bibliografia

Fontes:

 Afonso X, O Sábio, Las siete partidas – antología, Editorial

Castalia, Madrid, 1992;

 Bíblia Sagrada, 16ª edição, Lisboa, 1992;

 “Penitenciário de Martins Peres”, in Lusitânia Sacra, Tomo

II, Lisboa, 1957;

Bibliografia:

 DUBY, G., A Idade Média – Uma Idade do Homem, trad.

Maria Assunção Santos, Editorial Teorema, Flammarion, 1988;

 GOODY, J., Família e Casamento na Europa, Celta Editora,

Lousã, 1995;

 MATTOSO, J., Ricos-homens, infanções e cavaleiros,

Círculo de Leitores, Casais de Mem Martins, Junho de 2001;

37 Docente: Dr. Filipe Themudo


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História Económica, Social e Política Medieval I e II

“A mulher e o casamento na Idade Média”


 VECCHIO, S., A boa esposa, in História das Mulheres no

Ocidente – a Idade Média, dir. de Georges Duby e Michelle Perrot,

revisão científica de Coimbra: Edições Afrontamento, Porto;

Outro material de apoio:

 NP 405-1 1994, Documentação – Informação e

Documentação, Lisboa, IPQ. 49 p.

 ECO, U., Como se faz uma tese, Editorial Presença, Porto,

1982;

 FERNANDES, A. J., Métodos e Regras para elaboração de

trabalhos Académicos e científicos, 2ª ed., Porto Editora, Porto, 1995.

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“A mulher e o casamento na Idade Média”

Índice:

Introdução............................................................................1

Algumas Considerações sobre o Matrimónio ......................4

Deveres das Mulheres ......................................................18

Punição das Mulheres .......................................................29

Conclusão..........................................................................33

Fontes e bibliografia..........................................................36

39 Docente: Dr. Filipe Themudo


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